apresentação vii epea 2013

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“O poder é de vocês!” O discurso ambientalista do desenho animado Capitão Planeta Leonardo Kaplan Leonardo Kaplan Professor de Ciências da Rede Municipal do Rio de Professor de Ciências da Rede Municipal do Rio de Janeiro Janeiro E. M. Orlando Villas Boas E. M. Orlando Villas Boas Doutorando PPGE UFRJ Doutorando PPGE UFRJ VII Encontro Pesquisa em Educação Ambiental – Problematizando a Temática Ambiental na Sociedade Contemporânea – 07 a 10 de julho de 2013 – Rio Claro, SP www.lieas.fe.uf www.lieas.fe.uf rj.br rj.br [email protected] [email protected]

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Page 1: Apresentação VII EPEA 2013

“O poder é de vocês!” O discurso ambientalista do desenho animado Capitão Planeta

Leonardo Kaplan Leonardo Kaplan Professor de Ciências da Rede Municipal do Rio de JaneiroProfessor de Ciências da Rede Municipal do Rio de Janeiro

E. M. Orlando Villas BoasE. M. Orlando Villas BoasDoutorando PPGE UFRJDoutorando PPGE UFRJ

VII Encontro Pesquisa em Educação Ambiental – Problematizando a Temática Ambiental na Sociedade Contemporânea – 07 a 10 de julho de 2013 – Rio Claro, SP

www.lieas.fe.ufrj.brwww.lieas.fe.ufrj.brleonardokaplan@[email protected]

Page 2: Apresentação VII EPEA 2013

Introdução Objetivos: (1) elaborar, brevemente, uma análise do discurso

ambientalista do desenho animado Capitão Planeta; (2) pensar em possíveis implicações deste discurso para as práticas de educação ambiental, sobretudo nas escolas; (3) ampliar a compreensão de que para que determinados discursos se consolidem como hegemônicos necessitam transitar não apenas pelos materiais, documentos e encontros oficiais de governos e demais instâncias, como também atravessar o imaginário social por meio da televisão, demais meios de comunicação e outros materiais semióticos

Produzido nos EUA, 1990-1996, e exibido em mais de 100 países No Brasil: Rede Globo (Xou da Xuxa, 1991; TV Colosso 1993), Cartoon

Network (até 2000), Futura e Tooncast (2009-2012) Retrata um dos discursos que vinha ganhando força dentro do movimento

ambientalista até se tornar o discurso hegemônico

Page 3: Apresentação VII EPEA 2013

Três macro-tendências político-pedagógicas da EA no Brasil: EA conservacionista, EA pragmática e EA crítica (Layrargues e Lima, 2011)

EA conservacionista: expressão das correntes conservacionistas do ambientalismo, da Alfabetização Ecológica (Capra, 2006), apoiada nos princípios da Ecologia, na supervalorização dos aspectos afetivos e no comportamentalismo

EA pragmática: apoiada na Educação para o Desenvolvimento Sustentável e/ou para o Consumo Sustentável, expressão do ambientalismo de resultados, do pragmatismo contemporâneo e do ecologismo de mercado, decorrentes do capitalismo neoliberal instituído nos anos 1980 e 1990

EA conservacionista e EA pragmática: perspectivas conservadoras de EA

Introdução

Page 4: Apresentação VII EPEA 2013

EA conservacionista perde terreno para a EA pragmática e para a EA crítica, embora ainda esteja presente nos dias de hoje

EA pragmática tem servido como mecanismo de concessão do capitalismo para, supostamente, mitigar efeitos como o consumismo, a obsolescência planejada e a descartabilidade, de modo a manter sua reprodução enquanto sistema, garantindo a expansão e a acumulação do capital

EA crítica: análise dos aspectos estruturantes do capitalismo, em diálogo com as lutas socioambientais, aliando teorias e práticas sociais críticas na perspectiva de superação do modo de produção capitalista

Introdução

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Análise de Discurso e Educação Ambiental Escola Francesa (Análise do Discurso): Pêcheux, Foucault, Maingueneau,

Charaudeau, Courtine, Eni Orlandi, etc Materialismo histórico (Althusser), Psicanálise (Lacan), Linguística Estruturalista

(Saussure) Escola Anglo-Saxônica (Análise Crítica do Discurso): Fairclough, Hodge,

Fowler, Kress, Van Dijk, Chouliaraki, Jessop, etc Materialismo histórico-dialético (Gramsci), Teorias Sociais Críticas (Escola de Frankfurt), Linguística Crítica (Halliday)

Diferentes enfoques, contextos, pressupostos, recortes, objetivos e materiais analisados nas pesquisas de EA com Análise do Discurso: discurso interno da EA, discursos das redes de EA, discursos das políticas públicas de EA, discursos dos licenciandos de Biologia sobre EA, discursos de EA em curso de formação de educadores ambientais, ensino de Ciências e ACD

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Análise Crítica do Discurso (Fairclough) Relações entre discurso e mudança social Dialética discurso-estrutura social: constitutivos e determinados Análise de aspectos linguísticos (vocabulário, aspectos gramaticais, semânticos, sintáticos e pragmáticos) e sociais dos e nos textos: entender o que está em jogo quando algo é dito Três dimensões de análise: texto, prática discursiva e prática social (Fairclough, 2001) Conceitos de ideologia e hegemonia permitem compreender os discursos inseridos nas relações de poder Quatro momentos na dialética discurso-estrutura social: (1) emergência (surgimento), (2) hegemonia, (3) recontextualização e (4) operacionalização (Fairclough, 2005a; 2005b)

Page 7: Apresentação VII EPEA 2013

Potencial pedagógico dos desenhos animados Desenhos animados, revistas de divulgação científica, quadrinhos, cordeis, imagens que circulam em redes sociais, documentários, etc, são boas ferramentas para o ensino O uso destes materiais costuma despertar o interesse dos alunos, pois pode alterar a dinâmica das aulas expositivas, trazendo outras linguagens (visuais, áudios, artísticas, etc) que permitem novos modos de mediação e entendimento dos conteúdos, além de aproximar os conteúdos abordados do cotidiano dos alunos Problematizar as informações e discursos que os materiais portam

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Não há discurso sem ideologia (Bakhtin, 2004) Ideologia (superestrutura) não descolada da base material da sociedade (infraestrutura), das relações sociais de um dado modo de organização social, sendo determinada por esta A análise das escolhas lexicais não pode vir descolada dos contextos de produção e disputa de sentidos e das redes de relação que o conjunto dos vocábulos estabelece entre si (Ramos, 2012) Presença do discurso persuasivo na política, na propaganda, nas telenovelas, nos programas de TV, etc, indica que o uso da linguagem vai muito além de comunicar ou informar (Carvalho, 2003) Poder da ideologia nos desenhos animados: primeiros programas de TV assistidos, ainda na infância, tornando os elementos ideológicos ainda mais sutis e, portanto, naturalizáveis Exemplos: propaganda japonesa durante a Segunda Guerra Mundial (1936), Zé Carioca (1942), Flinstones (1960), Jetsons (1962)

Ideologia nos desenhos animados

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Capitão Planeta: contexto sociohistórico, personagens, temas e perspectivas

116 episódios (6 temporadas), produzido pela TBS (EUA), 1990-1996 Cada episódio tem cerca de 22 minutos Criado pelo empresário Ted Turner, fundador da CNN, como forma de alerta e interação com o público infanto-juvenil quanto às questões socioambientais O desenho se passa nos anos 1990, quando os problemas socioambientais já estavam bastante evidenciados e sendo debatidos na sociedade

Início da história: o despertar de Gaia, guardiã do planeta Terra:

“O que está acontecendo? Ah, são aqueles pobres idiotas dos humanos! Eles vão destruir o planeta se continuarem desse jeito. (...) Hum.. parece que (o planeta) dormiu demais. Mas, quantos estragos eles podem ter feito em um século? [imagens de poluição industrial, de carros, lixo e petróleo nos oceanos e aves agonizando, desmatamento de florestas] Mas é pior do que eu pensava. A Terra está morrendo!”

5 aneis com poderes mágicos para cinco jovens espalhados pelo planeta: Kwame (África), Gui (Ásia), Wheeler (América do Norte), Linka (URSS) e Ma-Ti (América do Sul)

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Hipótese de Gaia (Lovelock, Ecologia Profunda) Seres humanos como causadores e vítimas dos impactos ambientais Multiculturalismo e questões de gênero

Discursos do desenho Capitão Planeta

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Vilões: Porco Greedy (industrialização desenfreada, ganância, usura), Dra. Blight (uso antiético da ciência e tecnologia), Looten Plunder (“capitalismo selvagem”), Dr. Duke Nukem (energia nuclear), Verminoso (falta de saneamento básico e criminalidade urbana), Matreiro (lixo urbano), Zarm (guerra, caos, escuridão interior dos seres vivos), Capitão Poluição (destruição da Terra)

Conforme Carvalho (2003), em geral, nos desenhos animados:“A sociedade é representada como una, estática e harmônica, sem antagonismo de classes, e a ‘ordem natural’ do mundo é quebrada apenas pelos vilões, que encarnando o mal, atentam geralmente contra o patrimônio (...). A defesa da legalidade dada e não questionada é feita pelos ‘bons’, com a morte dos ‘maus’ ou com a integração desses à norma estabelecida. Resultando daí um maniqueísmo simplista, que reduz tudo à luta entre o bem e o mal, sem considerar quaisquer nuanças de uma sociedade em que as pessoas e os grupos possam ter opiniões e interesses divergentes.”

Conflito é reduzido ao nível individual, psicológico e moral, não sendo tratado como questão política e social; ocultam-se as classes sociais

Discursos do desenho Capitão Planeta

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Vilões do desenho Capitão Planeta

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As motivações dos vilões do desenho, tratadas como sendo de ordem individual e moral vão ao encontro do discurso moralista também presente na educação ambiental, conforme constatou Orlandi (1996, pp 2-3), levando à culpabilização, ao catastrofismo e ao imediatismoHá “um apagamento (...) do político, do histórico e do ideológico” (ibd, p. 4)Caso houvesse a politização e a historicização proposta,

“as relações de poder não apareceriam como ganância mas como uma questão estrutural sócio-histórica, parte de um processo político em que se inclui o cidadão. Uma relação determinada entre homem e natureza em que o trabalho entraria como definidor. E a inserção do cidadão teria mais clareza” (ibidem, p. 6).

“O poder é de vocês!” : poder, responsabilidade e atitudes a serem compartilhados por todos (“cada um deve fazer a sua parte”) – coerente com a concepção liberal de sociedade (conjunto indistinto de indivíduos) Apesar do discurso de repartir responsabilidades, Capitão Planeta centraliza a resolução dos problemas Ao final de cada episódio, eram dadas dicas para mudar atitudes e ter hábitos mais sustentáveis na perspectiva pragmática e comportamentalista defendida no desenho

Discursos do desenho Capitão Planeta

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Conclusões preliminares Exercício inicial de análise do discurso ambientalista deste desenho Limites e potenciais das análises e necessidade de mais trabalhos de

análise crítica do discurso de materiais com potencial didático a serem trabalhados na escola, na universidade, em cursos de formação continuada em educação ambiental, etc

Muitos temas levantados no desenho podem ser problematizados em sala de aula: lixo; poluição e escassez da água potável; chuva ácida; efeito estufa; aquecimento global; extração de recursos naturais (petróleo) e seu uso intensivo; energia nuclear; a falta de saneamento básico nas cidades; as relações entre ciência, tecnologia, etc.

Discurso ambientalista do desenho está alinhado com a vertente conservadora da EA, sobretudo com a tendência pragmática que começara a ganhar força no momento de produção do desenho (forte viés moralista, comportamentalista, individualizador, concepção de “homem abstrato”, multiculturalismo, etc)

Discurso hegemônico da EA foi materializado e operacionalizado (Fairclough, 2005a) em um material semiótico concreto

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Há outros desenhos, inclusive mais recentes, que portam esse mesmo discurso, atualizando-o inclusive, p. ex.: Gisele e a Equipe Verde (Gisele Bündchen como protagonista)

Discursos hegemônicos, para se consolidarem como tais, não passam apenas por documentos e espaços oficiais, apesar de sua importância, mas devem circular por todo tipo de materiais e espaços (programas de TV, revistas, jornais, livros didáticos, cartilhas, etc)

Tais materiais apresentam potencial didático a ser explorado e problematizado em sala de aula, de forma crítica nos processos de ensino-aprendizagem e formação humana

O poder é de vocês!Obrigado!

Conclusões preliminares

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Referências bibliográficas• ABREU, T. B. Considerações acerca da heterogeneidade do discurso sobre meio ambiente em textos de

mídia impressa. Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e Saúde, NUTES/UFRJ, 2007.• BAKHTIN, M. (V. N. Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec. 12ª edição,

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Linguistica e Filologia, Série VII, nº 12 - Língua e Cultura. Rio de Janeiro/RJ: UERJ 2003. Disponível em http://www.filologia.org.br/viicnlf/anais/caderno12-02.html. Acesso em 10 de março de 2013.

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• LABREA, V. C. V. A "vanguarda que se auto-anula" ou a ilusão necessária: o sujeito enredado - Cartografia Subjetiva da Rede Brasileira de Educação Ambiental 2003-2008. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável, CDS/UnB, 2009.

• LAMOSA, R. A. C. A educação ambiental e o novo padrão de sociabilidade do capital:• um estudo nas escolas de Teresópolis (RJ). Dissertação de Mestrado em Educação. Rio de Janeiro:

PPGE/UFRJ, 2010.• LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F. C. Mapeando as macro-tendências político-pedagógicas da educação

ambiental contemporânea no Brasil. In: Anais do VI EPEA. Ribeirão Preto/SP, USP, pp. 1-15, 2011.• LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P. Educação ambiental nos anos 90. Mudou, mas nem tanto. In:

Políticas Ambientais, 9 (5), pp. 6-7, 2001. Disponível em http://www.lieas.fe.ufrj.br. Acesso em 17/02/2013.• __________________; _________________. Ecologia política, justiça e educação ambiental crítica:

perspectivas de aliança contra-hegemônica. Trabalho, Educação e Saúde, vol. 11, n. 1, pp. 53-71, jan./abr. 2013.

Page 17: Apresentação VII EPEA 2013

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• OLINISKY, M. J. A constituição identitária do campo da Educação Ambiental: uma análise textual da produção de sentidos de licenciandos em Ciências Biológicas. Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e Saúde, NUTES/UFRJ, 2006.

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Referências bibliográficas