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Apresentação É com satisfação que apresento a última edição da Revista Análise. Essa publicação, a nº 20 do ano 12, contém cinco artigos que abordam temas da administração, economia e ciências contábeis da conjuntura nacional. No primeiro artigo, a autora desenvolve estudo a respeito da oportunidade (timeliness) das demonstrações contábeis das companhias abertas no mercado brasileiro. Para tanto realiza uma pesquisa empírica com as principais empresas aponatdas como indicadas para o prêmio da ANEFAC com o objetivo de analisar quais possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis apresentadas. No segundo artigo, os autores apresentam um estudo sobre o setor produtivo nacional de celulose e papel. Como essa indústria apresentava-se em franco crescimento até meados da crise financeira internacional, como ela suportou a crise e os fatores decisivos para que fosse um dos setores produtivos nacionais que mais rapidamente se recuperasse. O terceiro artigo aborda a questão do pensamento e o comportamento humano na influencia dos problemas sociais, tanto na manutenção de sua causa, quanto na ampliação de seus efeitos, e que a criação de conhecimento por meio de métodos de aprendizagem coletiva pode ser o caminho para que mudanças gradativas e eficazes sejam possíveis. No quarto texto, destaca-se a reestruturação produtiva, muitas vezes chamada de “terceira revolução industrial”, e como ela tem se inserido na agricultura e como os países em desenvolvimento podem se aproveitar desse novo paradigma para obter vantagem comparativas. No último texto dessa edição da Revista Anáise os autores objetivaram identificar quais os fatores e as variáveis demográficas (gênero, faixa etária, renda e escolaridade) que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços de turismo. Boa leitura! Fabrício José Piacente

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Page 1: Apresentação publicação, a nº 20 do ano 12, contém cinco ... · O terceiro artigo aborda a questão do pensamento e o comportamento humano na ... “terceira revolução

Apresentação

É com satisfação que apresento a última edição da Revista Análise. Essa

publicação, a nº 20 do ano 12, contém cinco artigos que abordam temas da

administração, economia e ciências contábeis da conjuntura nacional.

No primeiro artigo, a autora desenvolve estudo a respeito da oportunidade

(timeliness) das demonstrações contábeis das companhias abertas no mercado brasileiro.

Para tanto realiza uma pesquisa empírica com as principais empresas aponatdas como

indicadas para o prêmio da ANEFAC com o objetivo de analisar quais possuem maior

oportunidade (timeliness) nas informações contábeis apresentadas.

No segundo artigo, os autores apresentam um estudo sobre o setor produtivo

nacional de celulose e papel. Como essa indústria apresentava-se em franco crescimento

até meados da crise financeira internacional, como ela suportou a crise e os fatores

decisivos para que fosse um dos setores produtivos nacionais que mais rapidamente se

recuperasse.

O terceiro artigo aborda a questão do pensamento e o comportamento humano

na influencia dos problemas sociais, tanto na manutenção de sua causa, quanto na

ampliação de seus efeitos, e que a criação de conhecimento por meio de métodos de

aprendizagem coletiva pode ser o caminho para que mudanças gradativas e eficazes

sejam possíveis.

No quarto texto, destaca-se a reestruturação produtiva, muitas vezes chamada de

“terceira revolução industrial”, e como ela tem se inserido na agricultura e como os

países em desenvolvimento podem se aproveitar desse novo paradigma para obter

vantagem comparativas.

No último texto dessa edição da Revista Anáise os autores objetivaram

identificar quais os fatores e as variáveis demográficas (gênero, faixa etária, renda e

escolaridade) que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de

serviços de turismo.

Boa leitura!

Fabrício José Piacente

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Sumário

Informações Contábeis e Timeliness: Uma pesquisa empírica no mercado brasileiro Márcia Adriana da Silveira Gomes

........ 3

A Indústria de Papel no Brasil no Contexto da Crise Econômica Mundial de 2008 Stephanie Scherer Fabrício José Piacente

........ 18

A Prática das Cinco Disciplinas nas Organizações e na Sociedade: O diálogo e a gestão participativa como prática para compartilhar conhecimentos Fernanda de Moraes Rossi Affonso

Janaína Priscila Rodrigues Firmino

Antonio Carlos Zambon

........ 36

Biotecnologia e Terceira Revolução Industrial: Origem, dinâmica e perspectiva para países em desenvolvimento Carlos Alberto Gaspari

........ 53

Consumidor Idoso: Um Estudo sobre a Tomada de Decisão na Compra de Serviços de Turismo Marco Aurélio Carino Bouzada Luciana Merçon

........ 71

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INFORMAÇÕES CONTÁBEIS E TIMELINESS: UMA PESQUISA EM PÍRICA

NO MERCADO BRASILEIRO

Márcia Adriana da Silveira Gomes 1

Resumo

O presente artigo teve por finalidade realizar um estudo a respeito da oportunidade (timeliness) das demonstrações contábeis das companhias abertas no mercado brasileiro. Para executar seus objetivos, foi realizada uma pesquisa empírica, utilizando-se da metodologia positiva, sob a qual foi levanta como hipótese de pesquisa que as empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis do que empresas não integrantes do grupo indicado. Foi então utilizado um modelo matemático, que através da relação entre os retornos das empresas e os lucros apurados, estabelecendo-se uma regressão multivariada para avaliar a relação entre os preços das ações e os números contábeis, baseados em modelo previsto na literatura. Foram utilizadas como variáveis os retornos contábeis, os lucros contábeis e a variação dos lucros. Os resultados da pesquisa empírica demonstraram que as empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC nos últimos 5 anos não possuem maior timeliness no conteúdo das suas informações contábeis, não se podendo aceitar a hipótese inicialmente proposta.

Abstract

The present article had for objective to carry through a study regarding the chance (timeliness) of the countable demonstrations of the public company in the Brazilian market. To execute its objectives, an empirical research was carried through, using itself of the positive methodology, under which it was raises as research hypothesis that the companies who had received indications to prize ANEFAC possess greater chance (timeliness) in the countable information that the not integrant companies of the indicated group. Then a mathematical model was used, that through the relation enters the refined returns of the companies and profits, established a multivaried regression to evaluate the relation enters the countable prices of the actions and numbers. The countable returns, the countable profits and the variation of the profits had been used as changeable. The results of the empirical research had demonstrated that the companies who had received indications to prize ANEFAC in last the 5 years do not possess greater timeliness in the content of its countable information, if not being able to accept the hypothesis initially proposal.

1 Coordenadora e professora do curso de Ciências Contábeis do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí ([email protected]).

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Introdução e motivação do trabalho

A contabilidade, abordada sob o ponto de vista de um meio de transmissão das

informações, cada vez mais vem atraindo a atenção dos pesquisadores em mercados

financeiros. Especificamente com respeito às variáveis Lucro Líquido do Exercício e

Patrimônio Líquido, que proporcionaram aos pesquisadores evidências empíricas a

respeito de seu impacto sobre o retorno das ações.

A Hipótese do Mercado Eficiente (EMH), em conjunto com o modelo de

precificação de ativos financeiros (CAPM), permitiram o desenvolvimento de estudos

na área contábil, mediante o estabelecimento de relações entre os dados contábeis e

variáveis econômicas, com o objetivo final de verificar se os dados contábeis tinham ou

não influência para os agentes do mercado de capitais. Através destes dois instrumentos,

tornou-se possível isolar apenas duas ou três variáveis que tinham influência no modelo

econômico, ao invés de considerar todas as variáveis possíveis, o que dificultaria a

interpretação dos resultados, proporcionando a difusão da chamada metodologia

positiva em contabilidade.

Segundo Cardoso e Martins (2004), esta nova vertente da contabilidade permitiu

a verificação da utilidade dos números contábeis, sob a ótica informacional, para o

mercado de capitais, mediante questões que levaram os pesquisadores a testar, de forma

empírica, qual o comportamento dos mercados à informação contábil produzida pelas

empresas.

Desde o seminal paper de Ball e Brown (1968), as relações entre retornos de

ações e ganhos contábeis têm sido investigadas intensamente. O presente artigo foi

desenvolvido com o objetivo de abordar uma questão frequentemente presente nas áreas

de finanças, economia e contabilidade, que é a relação entre os relatórios contábeis e o

retorno das ações.

Partindo-se do pressuposto de haja um mercado eficiente e maduro, as possíveis

mudanças do preço das ações refletem uma mudança importante nas expectativas do

mercado, relacionadas aos fluxos de caixa futuros das empresas. Por outro lado, os

lucros da contabilidade possuem somente uma habilidade limitada neste sentido.

Kothari e Sloan (1992) indicam que a razão preliminar para esta restrição é que a

objetividade, a verificabilidade e outras convenções que sustentam os padrões contábeis

limitam a habilidade do lucro contábil de refletir contemporaneamente, para o mercado,

as expectativas futuras do fluxo de caixa líquido.

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Esta afirmativa está extensamente documentada por pesquisas anteriores,

iniciadas por Ball e Brown (1968), que demonstraram que o lucro incorporado está

relacionado aos preços e aos retornos, possuindo um índice informativo. Contudo o

lucro fornece apenas uma explanação parcial da variação total nos retornos, conforme

demonstram os estudos de Kothari e Sloan (1992), refletindo os eventos econômicos de

uma forma assimétrica, conforme demonstrado por Basu (1997), que abordou a

informação contábil sob a ótica do conservadorismo.

O relacionamento entre os números contábeis e os retornos foi investigado em

alguns estudos recentes, tais como Hayn (1995), Basu (1997) e Ball et al (2000). Estes

estudos, entre outros, encontraram uma fraca associação entre os lucros contábeis e os

retornos das ações no mercado. Um argumento normalmente utilizado para justificar

esta associação fraca entre os lucros e os retornos é que eles são provenientes

principalmente do conservadorismo e do baixo timeliness do lucro. Entretanto, as

diferenças na demanda da contabilidade em vários contextos institucionais podem fazer

com que as propriedades dos relatórios contábeis variem de acordo com os padrões

contábeis estabelecidos, provocando esta assimetria informacional entre as expectativas

do mercado e os resultados apresentados de acordo com tais padrões.

Segundo Beaver (1998) a relação existente entre as alterações do lucro contábil e

as variações dos preços das ações não é simétrica, sendo que isto pode ser provocado

por alguns outros fatores, que por estarem presentes no processo de elaboração do

resultado, distorcem sua capacidade informativa provocando uma alteração desta

relação, conforme descrito no estudo realizado por (Sarlo Neto et al. (2002) .

Uma questão que tem despertado muita atenção nos últimos anos é se os lucros

publicados pelas empresas contêm informações usadas pelo mercado para avaliar o

valor público das ações destas empresas. Uma das formas utilizadas pelos pesquisadores

para avaliar se há um reflexo da informação contábil sobre o preço das ações é analisar

o grau de oportunidade da informação contábil: quanto maior o grau de oportunidade

das informações contábeis, maior a tendência de a informação contábil está sendo

utilizada para fins de precificação de ativos no mercado financeiro.

A informação proveniente dos números da contabilidade, de acordo com o

conceito de “timeliness”, deve ser fornecida em tempo hábil, de forma a influenciar de

uma forma particular o processo de tomada de decisão por parte dos investidores. A

capacidade de previsão da informação da contabilidade é relacionada diretamente,

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através de previsões realizadas em conjunto com a expectativa de fluxos de caixa

futuros.

Para Krishnan (2005) uma característica fundamental do lucro contábil é que a

má notícia disponível sobre os fluxos de caixa futuros é reconhecida publicamente mais

rapidamente do que a boa notícia. Seguindo esta linha de pensamento, temos que o

timeliness do lucro é assimétrico. Considerar este fator é de extrema importância, uma

vez que, aliado ao conceito do conservadorismo, esta afirmação pode influenciar a

forma pela qual se observa o lucro contábil.

Ressalte-se que, no presente trabalho, não se está utilizando o conceito do

princípio contábil da oportunidade previsto na Resolução nº 750/93 do Conselho

Federal de Contabilidade, que trata de forma diversa o conceito de oportunidade. De

acordo com a referida norma, a oportunidade tem como objetivo a completeza da

apreensão das variações, do seu oportuno reconhecimento, sob uma perspectiva

eminentemente técnica, não vislumbrando seus reflexos para o mercado de capitais. É

considerada, sob esta ótica, como o fundamento para que se tenha uma “representação

fiel” da informação, esperando-se que ela espelhe com precisão e objetividade as

transações e eventos que ocorreram no interior da entidade.

Segundo Hendriksen e Van Breda (1999), os analistas visualizam as relações

existentes entre os fluxos líquidos de caixa e as relações com o pagamento de

dividendos provenientes dos lucros contábeis. Fazem isto realizando também uma

análise detalhada dos resultados dos períodos anteriores, sendo que esta é utilizada

como parâmetro para determinação dos lucros futuros e uma visualização do risco

inerente a todo investimento. Desta forma, pode-se acreditar que o mercado utiliza-se

das informações contábeis presentes e passadas para suas projeções, avaliando quais os

impactos que tais informações podem ter sobre o preço das ações.

Em conjunto com o conservadorismo, que afeta os accruals contábeis e a forma

pela qual o mercado absorve a informação contábil, o processo de timeliness tem gerado

vários trabalhos, buscando-se verificar se qual a influência que este tipo de

procedimento exerce sobre os resultados das empresas.

Desta forma, o presente artigo apresenta a seguinte questão de pesquisa: as

empresas indicadas ao prêmio da Associação Nacional dos Executivos de Finanças,

Administração e Contabilidade – ANEFAC possuem informações mais oportunas,

quando comparadas a um grupo de empresas que não receberam tal indicação?

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Este estudo será desenvolvido com a finalidade de se encontrar evidências

empíricas que possam responder a questão de pesquisa, buscando-se verificar o grau de

oportunidade de informações contábeis do grupo de empresas consideradas pelos

operadores do mercado como sendo empresas com maior qualidade informativa, quando

comparadas a um grupo de empresas não classificadas como tal.

Para que se pudesse atingir os objetivos de pesquisa propostos, a pesquisa foi

desenvolvida sobre os resultados de uma pesquisa empírica elaborada sobre os dados

das empresas de capital aberto com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo

(BOVESPA), durante os anos de 2001 a 2004.

1 Análise da literatura

A literatura que serviu de embasamento teórico para o presente trabalho possui

ampla cobertura no contexto internacional, tendo sido realizados diversas pesquisas que

buscam estabelecer relações entre preço das ações e os números fornecidos pela

contabilidade.

Para Bezerra e Lopes (2004), os estudos que buscam relacionar a informação

contábil (principalmente o lucro) e o preço das ações são de extrema relevância, uma

vez que:

“se a informação contábil é utilizada por diversos motivos e por diversos usuários, e supondo que entre esses motivos estão incluídas as decisões que envolvem os processos de negociação entre a firma e seus credores e fornecedores, a análise da relação entre a informação contábil e o mercado de capitais pode facilitar a previsão do fluxo de caixa futuro das empresas e auxiliar na determinação do risco e retorno esperados” (BEZERRA & LOPES, 2004, p. 135)

Segundo Kothari (2001) o pesquisador precisa de controles caso tenha interesse

em realizar uma pesquisa sobre a relação considerada “normal” entre informações

contábeis e os retornos das ações, com o objetivo de isolar os efeitos do tratamento de

interesse.

Especificamente, a pesquisa realizada sobre o coeficiente de resposta dos ganhos

(ou Earnings Response Coefficiente – ERC, termo internacionalmente utilizado) tem

tido ampla aplicação em mercados de capitais, tendo sido realizados diversos trabalhos

sobre o tema, buscando-se inferir qual o impacto das informações contábeis nos lucros

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das empresas e no preço das ações no mercado, dentre os quais alguns destacam-se no

contexto da presente pesquisa.

Kormendi e Lipe (1987) examinaram as relações existentes entre o conteúdo da

informação dos lucros relatados e o preço das ações no mercado, buscando determinar a

magnitude da relação entre lucros x retornos, examinando como esta magnitude

relaciona-se com as propriedades das séries temporais dos lucros.

O estudo desenvolvido por Kothari e Sloan (1992) foi um dos primeiros a

verificar as relações existentes entre as informações contidas nos preços sobre ganhos

futuros e as implicações para os coeficientes de resposta dos ganhos. Neste estudo, eles

analisaram o impacto das informações contábeis no preço das ações, através da análise

dos coeficientes. Concluíram que os retornos antecipam mudanças dos ganhos da

empresa no decorrer do tempo, afetando de forma direta o comportamento dos

coeficientes.

O trabalho de Teets (1992) buscou demonstrar a associação entre respostas do

mercado de ações para lucros anunciados e a regulação do setor elétrico. Ao comparar

grupos de empresas reguladas com empresas não sujeitas à regulação, confirmou a

hipótese de que a regulação afeta a variação dos coeficientes de respostas dos ganhos,

quando comparadas com empresas não sujeitas à regulação. O mesmo resultado foi

obtido em uma comparação de empresas do setor público (mais sujeitos à regulação)

com uma amostra aleatória de empresas do setor privado.

Alguns resultados de pesquisas implicam que os lucros não podem refletir

totalmente o índice informativo em uma forma oportuna, conforme demonstraram os

estudos preliminares realizados por Beaver at al., (1980). Duas explicações possíveis

para a associação fraca entre os lucros e os retornos são dadas por Hayn (1995). Uma é

que os lucros contêm os componentes transitórios que tem um peso value-irrelevant ou

devem ter somente um impacto limitado no processo de avaliação. O outro é que os

testes de cross-sectional não reconhecem as propriedades dos lucros de uma empresa,

um fator da série temporal provavelmente a ser incorporado por investidores quando

estão projetando os lucros e os retornos futuros.

Os estudos recentes foram efetuados levando-se em consideração fatos como a

assimetria informacional, o timeliness e o conservadorismo da informação contábil.

Embora grande parte dos estudos realizados utilize-se dados dos Estados Unidos e do

Reino Unido, mercados altamente desenvolvidos, estudos similares em outros mercados

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os comparam frequentemente com os resultados dos papéis negociados nestes

mercados.

Billings (1999) pesquisou a relação entre o risco padrão das dívidas e o

coeficiente de resposta dos ganhos. Realiza considerações a respeito de que a teoria

sugere que os coeficientes de resposta dos ganhos (ERC) são positivamente associados

com a expectativa de crescimento dos ganhos e negativamente associados com o risco

das ações. Em sua conclusão, ele sugere que os resultados apontam para uma situação

na qual o risco específico pode ter um papel limitado na explicação dos coeficientes de

resposta dos ganhos.

Partindo da premissa de que se os dados da contabilidade forem boas medidas

dos eventos incorporados aos preços das ações, eles são value relevance e seu uso pode

fornecer um valor da firma que é perto de seu valor de mercado, Pritchard (2002)

efetuou um estudo da relação entre números contábeis e retornos nos países bálticos,

especificamente Estônia, Lituânia e Letônia. Neste estudo, é importante ressaltar que o

fato de mercados serem mais ou menos eficientes afeta de forma contundente as

inferências da pesquisa, não permitindo uma comparação direta sem antes ponderar as

questões relativas à eficiência dos mercados.

Ao realizar uma análise sob a perspectiva das vantagens competitivas de Porter,

Gosh at al., (2004) realizaram um trabalho de pesquisa no qual foram comparadas

empresas que adotavam como estratégia o aumento de lucros, comparando-as com

empresas que tinham por foco a redução de custos. Concluíram em seu estudo que os

coeficientes de resposta dos ganhos têm maior persistência em empresas cuja estratégia

está relacionada com aumento dos lucros, quando comparados aos coeficientes de

empresas relacionadas com redução de custos. Na visão dos autores, a redução de custos

é uma atitude reativa, não representando uma possibilidade de ganho real no futuro. Por

outro lado, as empresas que atuam com a estratégia de melhorar a qualidade dos lucros

estariam adotando uma atitude pró-ativa, trazendo de forma subjacente uma

diferenciação para o mercado, aumentando indiretamente a possibilidade de realização

de lucros futuros.

O trabalho de pesquisa realizado por Lopes (2002) investigou qual o papel da

informação contábil na explicação dos retornos das ações no Brasil. Seu trabalho

procurou investigar a value relevance das variáveis contábeis no país. Para tanto,

utilizou como grupos comparativos as empresas da velha economia (metalúrgicas,

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siderúrgicas, têxteis, indústria mecânica, etc), quando comparadas às empresas da nova

economia (telecomunicações, mídia e tecnologia).

Os resultados da pesquisa mostraram que os lucros não possuem um poder

explanatório elevado no Brasil, apresentando uma situação na qual o valor contábil (ou

book value) tem um poder explanatório mais elevado do que os lucros, o que tende a

refletir o modelo do governança das empresas Brasil. Como resultado comparativo, os

números contábeis apresentaram maior relevância para as empresas da Nova Economia,

contrariando o previsto na literatura.

Percebe-se, mediante a análise dos trabalhos realizados anteriormente, uma

tendência da utilização dos coeficientes de resposta dos ganhos como forma de atribuir-

se uma melhor qualidade nos valores dos lucros, através da análise do impacto das

informações contábeis nos lucros das empresas e no preço das ações no mercado.

2 Desenvolvimento das hipóteses, modelo empregado e seleção da amostra.

Para atender aos objetivos desta pesquisa, foi utilizada a metodologia empírica

positiva para a coleta, classificação e análise dos dados. A técnica estatística selecionada

para a realização da pesquisa foi análise de regressão múltipla. Através desta técnica

será possível calcular as relações existentes entre o retorno contábil (variável

dependente) e os lucros do período e do período anterior (variáveis independentes).

Uma vez que a questão de pesquisa já se encontra formulado, pode-se a partir

desta questão elaborar a hipótese de pesquisa, que direcionará os trabalhos e permitirá

inferir a partir das conclusões do estudo. Assim sendo, temos a seguinte hipótese de

pesquisa:

Ho= As empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis que as empresas não integrantes do grupo indicado.

A hipótese formulada procura estabelecer uma relação de causa-efeito entre o

nível de oportunidade das demonstrações contábeis, com base nos critérios de

classificação para o prêmio da ANEFAC, quando comparadas às demais demonstrações

de empresas não indicadas ao referido prêmio.

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O prêmio ANEFAC é concedido anualmente e busca destacar as empresas cujas

demonstrações contábeis foram consideradas mais completas e detalhadas. É realizada a

seleção das empresas, após uma análise prévia das demonstrações contábeis, através de

uma comissão composta por especialista da FIPECAFI e da ANEFAC, objetivando

identificar aquelas que serão indicadas ao prêmio, em um total de dez empresas. Dentre

estas dez empresas classificadas para indicação, é escolhida uma vencedora do prêmio

anual entre as empresas de capital aberto e uma entre as empresas de capital fechado.

No período de 2001 a 2005, um total de vinte empresas foram indicadas ao prêmio

ANEFAC.

Cabe ressaltar que o prêmio concedido pela Associação Nacional de Executivos

de Finanças e Contabilidade não tem, dentre as suas premissas, a verificação da

oportunidade das informações contábeis em relação ao preço das ações no mercado. A

base de dados utilizada constitui apenas um indicativo de qualidade da informação

extraída das demonstrações contábeis, constituindo-se uma proxy para a seleção das

empresas que, em tese, apresentariam demonstrações de melhor qualidade.

A seleção da amostra de empresas foi realizada mediante a coleta dos dados

contábeis e preço das ações do total de 13 empresas que foram indicadas pelo menos

duas vezes ao prêmio no período. As empresas que receberam apenas uma indicação

foram excluídas, uma vez que não demonstraram um padrão de continuidade nas

informações prestadas nas demonstrações contábeis.

Para as empresas da amostra de comparação, foram selecionadas 13 empresas,

mediante a inclusão de companhias que compõem o índice BOVESPA, realizando-se os

devidos ajustes para controle de liquidez e escala.

Para a verificação do timeliness das demonstrações contábeis no período de 2001

a 2004, de acordo com a hipótese elaborada e com a metodologia de estudo proposta, a

relação entre os retornos dos preços das ações e os lucros contábeis foi estabelecida pelo

seguinte modelo:

Rit = γ0 + γ1 Lucit + γ2 ∆Luc it(t-1) + εij

Onde:

Rit = retorno das ações para o período t γ0 = constante da regressão γ1Lucit = lucro do período t γ2∆ Luc it(t-1) = diferença entre o lucro do período t e o lucro

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do período anterior (t – 1) εij = termo de erro da regressão

O termo Rt, o retorno da porcentagem nas ações de uma firma no período t é

definida como:

Pt – Pt-1 + Dt P t-1

Onde Pt é o preço da ação no fim do período t, P t-1 é o preço das ações no fim do

período t-1 e Dt representa os dividendos declarados por ação ajustados.

Têm-se então seguinte notação, que expressa o coeficiente de resposta dos

ganhos (ERC), de acordo com os dados fornecidos pela regressão:

ERC = γ1 + γ2

Pela definição do modelo, a soma dos coeficientes γ1 e γ2 resultam no

Coeficiente de Resposta dos Ganhos, permitindo analisar qual empresa (ou grupo de

empresas) possui maior oportunidade nas informações contábeis, quando comparados a

outra empresa ou grupo de empresas.

Tal coeficiente representa, de forma resumida, uma relação do quanto dos lucros

do período atual e da variação dos lucros está devidamente refletida no retorno das

ações.

3 Resultados encontrados e Análise dos resultados

De posse dos dados levantados na base Economática, procedeu-se a apuração

das informações necessárias para a realização do estudo, com base no modelo proposto

e na hipótese de pesquisa que norteou os trabalhos.

Desta forma, têm-se os seguintes grupos de empresas observados e analisados

pela pesquisa:

1. Empresas Indicadas ao Prêmio ANEFAC : composto apenas pelas companhias que

possuem ações negociadas na BOVESPA, indicadas pelo menos duas vezes nos últimos

5 anos;

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2. Demais Empresas: composto por empresas que possuem ações negociadas na

BOVESPA e que não receberam nenhuma indicação ao Prêmio ANEFAC nos últimos 5

anos.

A seguir, apuraram-se as variáveis da Estatística Descritiva de cada um dos

grupos pesquisados:

Tabela 1: Estatística Descritiva Variáveis N Média Desvio Padrão Mediana Máximo Mínimo

Retorno – ANEFAC 52 0,4112 0,8343 0,2682 4,53 -0,52

Retorno – Demais 52 0,5416 1,0654 0,1897 5,08 -0,66

Lucro – ANEFAC 52 1.694,62 3.890,96 476,00 17.860,00 -3.417,52 Lucro – Demais 52 295,80 563,20 223,00 1.981,79 -957,00

∆ Lucro – ANEFAC 52 388,19 1.696,52 64,52 9.696,88 -2.604,21

∆ Lucro – Demais 52 57,58 566,71 43,56 1.225,69 -1.477,43 Fonte: Elaborado pelo autor. A seguir, foi realizada a regressão da função: Rit = γ0 + γ1 Lucit + γ2 ∆Luc it(t-1) + εij Quando efetuados os cálculos necessários para o estabelecimento dos

coeficientes da regressão utilizada, mediante a aplicação do testes empírico nos dados

coletados e separados por grupos de empresas, foram obtidos os seguintes resultados:

Tabela 2: Coeficientes da Regressão

Grupo Empresas γ1 p-value γ2 p-value R2

ANEFAC -0,0247 0,477 0,182 0,025 0,105 Outras -0,143 0,584 1,231 0,000 0,378 Fonte: Elaborado pelo autor Como se pode observar pelos dados da tabela nº 02, a variável que representa os

lucros do período t apresenta p-value acima do nível de tolerância de 0,05, o que

significaria dizer que a mesma não contribui para aumentar a capacidade preditiva do

modelo. Entretanto, ao analisar-se a composição do modelo, nota-se a utilização de

variáveis que podem possuir alto nível de multicolinearidade (lucros e variação dos

lucros).

Conforme Hair (2005) quando ocorre multicolinearidade, torna-se difícil a

separação dos efeitos individuais de cada variável. Isto é provocado pelo grau de

correlação existente entre as variáveis, o que pode tornar a interpretação dos

coeficientes da regressão mais complexa, pois os efeitos podem ser apresentados de

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forma confusa, não sendo possível indicar qual a contribuição particular de uma ou

outra variável.

Desta forma, foi realizada posteriormente uma análise do grau de correlação

entre as variáveis independentes, com o objetivo de se ponderar os efeitos da

multicolinearidade no modelo. Foi observado que no grupo de empresas ANEFAC as

variáveis lucro e variação do lucro possuíam correlação de 0,540, tendo significância

estatística ao nível de 1%. No grupo das demais empresas não integrantes do prêmio

ANEFAC as variáveis lucro e variação do lucro possuíam correlação de 0,566, também

significante estatisticamente ao nível de 1%.

Tendo em vista os altos índices de correlação entre as variáveis independentes,

deve-se ponderar os efeitos da multicolinearidade no modelo, o que pode limitar os

aspectos de análise do mesmo. Os p-value superiores ao nível de 5% podem estar sendo

afetados por este fato, sendo que a estatística F de ambas as regressões resultaram em

valores inferiores a 5%, validando o modelo de regressão de forma conjunta.

Outro fator que merece destaque é a existência de coeficientes negativos no

coeficiente da variável “lucros do período” em ambas as regressões. Isto indica que o

mercado não estabelece, de maneira simétrica, a relação “aumento do lucro x aumento

do preço das ações”, sendo que a variação dos lucros nos períodos apresenta maior

relação com os preços de mercado das empresas.

Em relação ao Earnings Response Coefficient (ERC), de acordo com os números

apresentados pelas regressões, temos que:

Tabela 3: Cálculo do Earnings Response Coefficient

Grupo Empresas γ1 γ2 E.R.C. ANEFAC -0,0247 0,182 0,1573

Outras -0,143 1,231 1,0880 Fonte: elaborado pelo autor Observando-se o ERC das integrantes do grupo de empresas indicadas ao prêmio ANEFAC, percebe-se que o ERC deste grupo é inferior ao do grupo de empresas que não foram indicadas, sendo que a partir dos resultados, não se pode aceitar a hipótese nula formulada, não se podendo afirmar que as empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis que as empresas não integrantes do referido grupo. Conclusões

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15

O presente artigo procurou demonstrar a relevância dos números contábeis para

o mercado de ações, tomando por base a realização de uma análise a respeito do

timeliness das demonstrações contábeis de empresas com ações negociadas na Bolsa de

Valores de São Paulo.

Ressalte-se que as informações analisadas pelo prêmio ANEFAC não visam

determinar o grau de oportunidade das demonstrações contábeis, mas sim constituiu

apenas um indicativo de qualidade da informação extraída das demonstrações contábeis,

constituindo-se uma proxy para a seleção das empresas que, em tese, apresentariam

demonstrações de melhor qualidade sob a ótica da visão do mercado.

Com base nos dados pesquisados, chegou-se à conclusão que as empresas

indicadas ao prêmio ANEFAC nos últimos 5 anos não possuem maior timeliness no

conteúdo das suas informações contábeis, não se podendo aceitar a hipótese

inicialmente proposta.

Entretanto, cabe destacar alguns fatos que podem afetar os dados utilizados na

pesquisa empírica. Em primeiro lugar, o mercado brasileiro não demonstra uma

maturidade comparável aos mercados desenvolvidos, notadamente Estados Unidos e

Inglaterra. Outro fator que possui influência direta é a questão relativa ao grau de

eficiência do mercado, que pode interferir de modo crucial na forma pela qual os dados

influenciam o mercado de ações.

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A INDÚSTRIA DE PAPEL NO BRASIL NO CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DE 2008

Stephanie Scherer1

Fabrício José Piacente2

Resumo A Indústria de Papel tem grande importância histórica e econômica para o Brasil, trata-se de uma grande geradora de emprego e uma colaborada importante para a balança comercial do país com volumes crescentes de exportação. O artigo tem o objetivo de apresentar o desempenho do setor de celulose e papel no Brasil frente à crise financeira internacional que eclodiu em meados de 2008. Trata dos fatos que ocasionaram a crise, detalhando suas etapas, os impactos na indústria nacional de papel e celulose e na economia brasileira. Destaca ainda o papel do Estado como apoiador do setor, mantendo os níveis de investimento através de políticas diretas. Mostra ainda a estratégia dotada pela indústria nacional de papel e celulose fase a redução na demanda internacional desses produtos ocasionada pela crise financeira, voltou sua produção externa para o mercado chinês, substituindo em parte os tradicionais compradores fortemente abalados e em recuperação. E no crescimento do mercado doméstico de papel e embalagens que cresceu com os incentivos anticíclicos adotados pelo governo brasileiro como medidas de choque frente a crise.

Abstract

The paper industry has great historical importance for the economic and Brazil, it is a major generator of jobs and an important collaborated for the country's trade balance with increasing volumes of export. The paper aims to present the performance of pulp and paper in Brazil against the international financial crisis that erupted in mid-2008. Deals with the facts that led to the crisis, detailing its stages, the impact on the domestic industry of pulp and paper in the Brazilian economy . Also emphasizes the role of the state as a supporter of the industry, maintaining levels of investment through direct policies . It also shows the strategy provided by the domestic industry of paper and pulp phase the reduction in international demand for these products caused by the financial crisis , turned its foreign production for the Chinese market , superseding the traditional buyers strongly shaken and recovering . And the growth of the domestic paper and packaging that grew up with incentives countercyclical adopted by the Brazilian government as shock measures against crisis. Palavras-chaves: Crise Econômica; Papel e Celulose; Players; Políticas Governamentais.

1 Bacharel em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário Padre Anchieta e Analista de Compras de Energia Elétrica da KLABIN ([email protected]). 2 Doutor em Economia pelo IE/UNICAMP, professor do Programa de Mestrado em Gestão e Tecnologia em Sistemas Produtivo do Centro Paula Souza e professor do curso de Ciências Econômicas do UNIANCHIETA ([email protected]).

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19

Introdução

Em outubro de 2008 uma grande crise abalou a economia mundial, provocando a

desestabilização do sistema financeiro internacional, queda no comércio mundial, uma

grande recessão, desemprego generalizado e graves tensões sociais tanto nos países

desenvolvidos, quando nos subdesenvolvidos.

No contexto que antecedeu a crise, o Brasil passava por um crescimento

econômico, o setor industrial nacional mostrava toda sua relevância apresentando um

crescimento anula da ordem de 4,9%, parte justificado pelo aquecimento na demanda

interna do país, conforme o Boletim de Conjuntura da ABDI (2008).

O setor de celulose e papel no Brasil foi durante o período pré-crise internacional

um dos grandes responsáveis pelo crescimento do setor industrial. Além do aquecido

mercado doméstico onde a indústria de papel apresenta grande penetração na estrutura

produtiva e de consumo, como por exemplo: embalagem, papéis de imprimir e escrever,

papel cartão entre outros, o mercado externo era um forte comprador do papel

produzido no país, posto que a indústria nacional desse segmento apresentava vantagem

competitivas importantes com relação a outros produtores mundiais.

Notadamente trata-se de um importante segmento produtivo, fortemente enraizado

na estrutura industrial nacional, que sempre demandou elevados índices de

investimentos, tecnologicamente bem aparelhado e que, apesar do seu gigantismo,

assim como outros setores, em linhas gerais, também foi abalado pela crise financeira

internacional de 2008.

O objetivo do trabalho é apresentar o desempenho desse setor antes e depois da

crise. A estratégia utilizada para que as consequências que abalaram todo o setor

produtivo nacional fossem amortizadas o mais rápido possível, uma vez que a indústria

nacional de papel e celulose foi um dos primeiros setores industrial a ser afetado pela

crise macroeconômica mundial, bem como, foi um dos primeiros a se recuperar, tendo

em vista a crescente ebulição do mercado interno nacional.

Esse crescimento da economia interna brasileira, devido principalmente a medidas

anticíclicas adotadas pelo governo teve reflexos indústria do papel. Assim, uma das

perguntas de partida do presente estudo é como a crise de 2008 afetou esta indústria. Se

ela estava estruturada para enfrentar a crise mundial de 2008? E, por fim, quais foram os

mecanismos de superação? Ao compreendê-los espera-se criar um mecanismo de

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autodefesa e imunidade para futuras crises econômicas, bem como a transmissão desses

conhecimentos para outros setores que podem vir a também utilizá-los.

1 As bases da indústria de papel e celulose no Brasil

O papel começou a ser produzido no Brasil em 1809, especificamente no Rio de

Janeiro devido às necessidades da coroa portuguesa. Na verdade, em sua maioria o

papel aqui utilizado era proveniente da Inglaterra (IANNI, 1991).

Já em São Paulo – e muito mais tardiamente – a produção de papel chegou a partir

das grandes migrações do final do século XIX e início do século XX, “know how”

intrínseco dos imigrantes europeus que vieram ao Brasil para trabalhar inicialmente nas

áreas rurais, particularmente nas grandes lavouras de café e consigo trouxeram o

conhecimento da produção de papel em suas bagagens. Contudo, logo em seguida, boa

parte dessa população se transferiu para as cidades impulsionando, mesmo que

indiretamente, o desenvolvimento de uma produção industrial nascente.

Com a instabilidade na indústria brasileira de papel gerada pela Primeira Guerra

Mundial surge a necessidade da substituição da importação de matéria prima pela

própria produção local, sendo que este câmbio impulsionou significativamente a

indústria nacional. Essa necessidade faz com que adiante o processo de substituição de

importações, em 1917 foram feitos os primeiros experimentos para o desenvolvimento e

produção de pasta de celulose por meio de plantas nativas (IANNI, 1991). Ou seja, não

só a produção passou a ser nacional como também o cultivo da matéria prima.

Contudo, logo depois, quase uma década após seu surgimento nos moldes de

produção industrial tais como se assemelham aos dias de hoje:

[...], a indústria é atingida pela crise de 1929, a qual teve efeitos devastadores sobre os preços do café. Uma vez que parte significativa da economia brasileira dependia do desempenho deste produto, vários setores foram afetados, como a indústria de papel.”(HILGEMBERG & BACHA; 2001)

Desse modo:

“Diante da crise de superprodução de café (nosso principal gerador de divisas naquela época) e das grandes dificuldades financeiras atravessadas por muitas empresas, o governo proibiu - até 1937 - a importação de máquinas para a instalação de novas fábricas de papel e criou um fundo especial para socorrer as empresas em dificuldades. O

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21

resultado deste processo foi a concentração de capacidade de produção nas maiores empresas existentes.” (HILGEMBERG & BACHA; 2001)

Dando prosseguimento à política estatal e macroestrutural de fortalecimento do

mercado interno, entre as décadas de 40 e 50, o governo brasileiro se empenhou em

desenvolver pesquisas para a produção de celulose, com fibras extraídas a partir das

plantas nativas. Este tipo de investimento governamental pode ser encarado como mais

um indício da relevância assumida por este tipo de indústria dentro da matriz mais geral

de indústrias nacionais.

Com o Programa de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956–1961 – o

tão conhecido “cinquenta anos em cinco”), a indústria brasileira de papel se enquadrava

na relação das indústrias de base, as quais consideradas estratégicas para o

desenvolvimento do país e, por este motivo, alvo de maciços investimentos estatais. O

objetivo era modernizar e introduzir novas tecnologias, para atender a uma demanda

cada vez maior do mercado gráfico e editorial – principalmente após a “proliferação” da

imprensa (IANNI, 1991).

A partir da década de 60 o país se torna referência mundial na produção de papel e

celulose e se compromete com a preservação do meio ambiente, economia de energia e

de insumos.

O Governo consolidou as bases da indústria de papel e celulose através de uma

política de incentivos fiscal, também por meio de atuação direta do BNDES, bem como

através da fixação de novos níveis mínimos de produção que resultaram no aumento

expressivo da produção e no início das exportações (JUVENAL, 2002).

Essa breve contextualização exprime dois importantes aspectos da indústria de

papel, bem como os motivos pelos quais ela torna-se um objeto tão interessante de ser

analisado. O primeiro desses aspectos é que tal indústria não é de modo algum tão nova,

uma vez que – ao menos no caso brasileiro – carrega consigo toda uma história que

remonta o Brasil colônia.

E, o segundo, é que ela foi uma das indústrias que alavancou o crescimento

industrial nacional no início do século passado. Compreendê-la é compreender um

pouco a história da industrialização brasileira e seus estreitos nexos com o Estado.

2. Setores de papel e celulose no Brasil

No Brasil em 2010 existiam 222 empresas vinculadas ao setor industrial de papel

e celulose, um número relativamente expressivo tendo em vista a economia nacional.

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22

Ainda assim, é importante ressaltar que o tamanho e a abrangência de cada uma dessas

empresas diferem imensamente entre si. Em outras palavras, há dentro desse universo,

grandes e pequenas empresas com maior ou menor impacto na produção de papel e

celulose e, consequentemente, maior ou menor geração de riquezas.

Sua capilaridade no território é, portanto, notável. Sua espacialização pulverizada

no território nacional demonstra sua relevância, visto que ela acaba por gerar receitas,

riquezas e empregos em praticamente todos os estados.

Em 2010 foram produzidas 14 milhões de toneladas de celulose e 9 milhões de

toneladas de papel no Brasil (BRACELPA, 2011). Mas não é tão somente no cenário

nacional que a indústria de papel desempenha um papel crucial, em 2010 o Brasil foi o

4⁰ colocado no ranking dos maiores produtores de celulose do mundo e o 9⁰ em

produção de papel (PAINEL FLORESTAL, 2011). O setor representa 1,05% da

participação na Balança Comercial Brasileira, com o total de mão de obra empregada de

115 mil diretos e 575 mil indiretos, sendo o total de salários pagos de

R$1.831.963.000,00.

Dessa forma, ele tem grande importância na pauta das exportações brasileiras,

sendo que, nos últimos anos, a partir da intensificação de operações comerciais no

exterior, ele vem conquistando novos mercados, mantendo o saldo comercial positivo, o

qual totalizou - em 2010 - segundo a BRACELPA (2010), US$ 4,9 bilhões.

Além disso, os investimentos do setor de celulose e papel, nos últimos anos,

somaram US$ 12 bilhões. E para cada emprego direto gerado no setor de celulose e

papel, há cinco empregos indiretos criados em atividades vinculadas a esses produtos.

De acordo com a Tabela 1, em 2010 o papel e a celulose eram alguns dos

principais produtos nacionais exportados, representando 3,4% do total de produtos

exportados pelo país. Cifra esta digna de atenção e que indica um claro processo de

internacionalização desta indústria.

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23

Tabela 1: Principais Produtos Exportados

Dois anos depois, já em março de 2012, a BRACELPA apresentou dados do

faturamento anual do ano calendário de 2011, no montante de R$33.949.847.000,00.

Neste caso, houve um incremento de 23,4% em relação ao faturamento do ano

calendário de 2009.

Este dado expressa o vigor desta indústria. Além disso, expressa sua força em um

momento delicado da economia nacional e internacional, ou seja, imediatamente ao

momento pós-crise de 2008. Pode-se supor a partir daí, que mesmo havendo certo

impacto sobre a indústria de papel e celulose, ele não foi tão intenso quanto aquele

sentido por outros setores. Os mecanismos que garantiram esse amortecimento podem

ser muitos, mas talvez o principal deles resida no fato de uma economia interna cada

vez mais robusta com a agregação de estratos sociais – até então – menos abastados

financeiramente.

3. Os principais players

A cadeia produtiva do setor abrange várias etapas, como: o plantio de florestas

com alto nível de produtividade (devido ao clima e solo propício), desenvolvimento de

tecnologias e estudos (pesquisa, de um modo geral), energia, celulose e papel,

conversão em artefatos de papel e papelão, reciclagem de papel, produção gráfica e

editorial, além de transporte e distribuição (BRACELPA, 2009).

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Ao longo dos anos empresas de grande expressão e importância dentro do setor se

consolidaram, enquanto que outros tantos deixaram de existir ou simplesmente

perderam espaço. Dessa forma, foi feito um recorte temporal de quatro anos (entre 2006

e 2010), a fim de melhor controlar a influência desses diversos atores, dentro desta

janela temporal foram selecionadas tão somente as três maiores empresa do setor, já que

elas são, de fato, as mais representativas.

Desse modo, as maiores empresas aqui selecionadas e, portanto, analisadas são: 1)

Suzano Papel e Celulose; 2) Klabin S/A e; 3) Votorantim Celulose e Papel (VCP), qual

se uniu a partir de 2009 à Aracruz Celulose, criando a empresa Fibria.

4 Crise econômica mundial de 2008

No fim do ano de 2008 deu se o auge da crise econômica mundial, essa por sua

vez iniciada nos Estados Unidos.

A crise financeira internacional teve a sua origem na crise do subprime3 – o

mercado financeiro imobiliário com necessidade de ampliar seus ganhos levou

instituições financeiras a apostar em papéis de alto risco, já que a securitização

financeira que serviria para diluir os riscos acaba fazendo desaparecer de modo que não

se perceba.

Como resultado - ao menos imediato para o mercado norte-americano -, houve

brusco desaquecimento econômico nas mais diversas esferas. Isto porque houve falta

generalizada de crédito que atingiu especialmente e diretamente as empresas que

encontraram dificuldades para se autofinanciarem. Por outro lado, houve aumentos

especulativos de preços das principais mercadorias e commodities do mundo, como por

exemplo, o petróleo (Gráfico 1), o que impactou diretamente na produtividade norte

americana (BRUM & SILVEIRA, 2010).

3 Subprime é um crédito de risco que é concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de juros mais vantajosas (prime rate).

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25

Gráfico 1: Variação das Cotações do Barril de Petróleo (Brent – Mar do Norte) no período de 2007 e 2009

Gráfico da Variação das Cotações do Barril de Petró leo (Brent - Mar do Norte

77,70

20,00

40,00

60,00

80,00

100,00

120,00

140,00

160,00

jan/0

7

mar

/07

mai/

07jul

/07

set/0

7

nov/0

7

jan/0

8

mar

/08

mai/

08jul

/08

set/0

8

nov/0

8

jan/0

9

mar

/09

mai/

09jul

/09

set/0

9

nov/0

9

Período Mensal

US

$/B

arril

(pr

eço

do ó

leo

cru)

Fonte: Central Internacional de Análises Econômicas e de Estudos de Mercado Agropecuário - CEEMA – com base em dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) (apud BRUM; SILVEIRA, 2010).

Ou seja, a economia americana entrou em um momento “duplamente negativo”,

primeiro, porque havia escassez de liquidez, haja vista que os bancos estavam sendo

mais criteriosos com seus empréstimos e os faziam tão somente para aqueles negócios e

serviços com grande potencial de recuperação e confiabilidade de retorno. E, em

segundo, porque a produção em si se tornou mais cara, visto os constantes aumentos das

matérias primas.

Nesse sentido, outras economias com custos de produção muito inferiores ao

norte-americano emergiram no cenário; como é o caso da economia chinesa. Cabe

também frisar que o incremento dos preços das matérias primas se deveu – em boa

medida – a própria “voracidade” do mercado chinês. Como explicam Brum & Silveira

(2010):

“Ora, com moedas sobrevalorizadas, a maioria dos países perde a competitividade externa. E quem ganha com isso são países como EUA e a China, que mantém um sistema de desvalorização do Yuan ao ritmo do dólar. Após o estouro da crise e o chamado fundo do poço, em 2009 pode se ver claramente o interesse estadunidense em manter um dólar fraco (desvalorizado frente as demais moedas mundiais). Na prática, a coisa funcionou assim: como qualquer produto no mercado, o valor do dólar evolui em função de sua oferta e procura [Gráfico 2]. A partir do segundo semestre de 2008, e até abril/maio de 2009, o dólar saiu de uma posição depreciada e ganhou valor perante as moedas mundiais rapidamente. Neste sentido, a crise internacional provocou dois efeitos explicativos: as empresas transnacionais foram obrigadas a repatriar seus ativos para os EUA, visando cobrir os rombos em Wall Street; e houve uma redução na oferta de títulos americanos. Em síntese, a

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demanda líquida por dólares acabou aumentando, fato que provocou sua apreciação.”(BRUM; SILVEIRA; 2010)

Gráfico 2: Variação das Cotações do Dólar no Mercado Brasileiro entre 2007 e 2009

Gráfico da Variação das Cotações do Dólar (R$ x US$ )

1,93

1,00

1,20

1,40

1,60

1,80

2,00

2,20

2,40

2,60

jan/0

7

mar

/07

mai/

07jul

/07

set/0

7

nov/0

7

jan/0

8

mar

/08

mai/

08jul

/08

set/0

8

nov/0

8

jan/0

9

mar

/09

mai/

09jul

/09

set/0

9

nov/0

9

Período Mensal

R$

Fonte: Central Internacional de Análises Econômicas e de Estudos de Mercado Agropecuário - CEEMA – com base em dados do Banco Central do Brasil (BACEN) (apud BRUM & SILVEIRA, 2010).

Mas essa valorização do dólar não foi necessariamente ruim para a economia

brasileira como um todo e para o setor de papel. Em função do seu duplo aporte, a

indústria de papel continuou a vender boa parte de sua produção para o mercado

interno. Mas, ao mesmo tempo, se viu privilegiada de vender a ótimo preços para o

mercado externo, se não mais para os Estados Unidos, agora para um grande mercado

emergente: o chinês.

5. Como a crise impactou efetivamente o setor de celulose e papel no Brasil

Em 2006 os principais “players” apresentaram bom resultados operacionais e

financeiros, como demonstrado nos dados das tabelas abaixo, principalmente tendo-se

em vista que o setor tem um dos menores custos de produção entre as indústrias

brasileiras.

Tratava-se de fábricas modernas, florestas altamente produtivas, profissionais

qualificados, grandes investimentos e desenvolvimento (por vezes sob os critérios de

sustentabilidade). Em 2008 o Brasil foi do sexto para o quarto lugar no ranking Mundial

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dos produtores de Celulose (BRACELPA, 2008). Os Gráficos 3, 4, 5, 6 e 7 mostram a

evolução dos principais players que atuavam no Brasil no período pré e pós crise.

Gráfico 3: Evolução Histórica - análise do lucro (prejuízo) Suzano

Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).

Gráfico 4: Evolução Histórica - análise do lucro (prejuízo) Klabin

Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).

Gráfico 5: Evolução Histórica - análise do lucro (prejuízo) Votorantim

Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).

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Gráfico 6: Evolução Histórica – analise do lucro (prejuízo) Aracruz Celulose

Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).

Gráfico 7: Evolução Histórica – analise do lucro (prejuízo) Fibria

Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).

Esse cenário continuou até meados de 2008 quando os primeiros sinais da crise

mundial atingiram o mercado brasileiro. Houve uma desvalorização do real, os estoques

mundiais aumentaram, em seguida houve a diminuição dos investimentos no

seguimento de papel e celulose. Por fim, veio da desvalorização da celulose no mercado

mundial acompanhando o decaimento geral do mercado de commodities.

O setor de celulose e papel também foi um dos principais setores com queda de

rentabilidade entre o primeiro trimestre de 2008 e o mesmo período de 2009 com

resultado de 0,80%, como demonstra o grupo de conjuntura Fundap no texto Crise e Pós

Crise; O impacto sobre as grandes empresas brasileiras de capital aberto (2012).

Fato esse visível com os resultados das empresas Aracruz e Votorantim Celulose e

Papel que se fundiram em 2009 criando a Fibria, apresentaram resultado ruins logo após

o estouro da crise e no ano seguinte, uma vez que perderam fundamentalmente do

mercado externo para a vender seus produtor. Por outro lado, a Suzano e Klabin

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mantiveram seus níveis de rentabilidade, pois contavam com boa parte do mercado

interno de papel para escoar sua produção.

Esse mercado iniciou 2008 com queda, mas logo em 2009 se reergueu, com o

constante crescimento do mercado interno e seu grande consumidor externo a China.

Tornando-se grande parceiro do Brasil para comercio logo após a crise de celulose e

papel.

6. Medidas tomadas pelo setor

As empresas brasileiras iniciam um grande esforço em incrementar as produções

com o intuito de se valer desta situação adversa e das dificuldades que os países

concorrentes enfrentavam. Nesse sentido, até outubro de 2008, ou seja, precisamente no

momento mais dramático da crise financeira e econômica mundial, a produção de

celulose nacional aumentou em 9%, totalizando 10,692 milhões de toneladas e, a de

papel 1,9%, quando comparamos os resultados do ano anterior.

Mesmo assim alguns dos principais atores sofreram alguns danos. A Aracruz tinha

feito apostas de altíssimo risco em derivativos, a Suzano Papel e Celulose, a VCP e a

Klabin registraram aumento de despesas com dívidas em moeda estrangeira e prejuízos

milionários no final de 2008.

Mesmo o setor sendo mais dependente do mercado interno, já que 60% da

produção era absorvida domesticamente e compradores da América Latina, o efeito da

crise foi sentido nas produções e, consequentemente, na queda de preços já no primeiro

bimestre de 2009.

O setor teve que pedir ajuda ao governo para que houvesse redução de impostos

sobre os investimentos na construção de novas fábricas, isenções de impostos nos

produtos finais, medidas restritivas para importação de papel imune, solicitação de uma

fiscalização mais severa por parte da Receita Federal e ampliação das parcerias

governamentais de distribuição de livros e cadernos para as escolas públicas. Em suma,

a indústria de papel e celulose uma vez mais, assim como o fez em décadas passadas,

foi buscar guarida junto ao Estado. Tal afirmação deve ser entendida e lida sem

qualquer tipo de juízo de valores associado a perspectivas específicas, por exemplo, a

(cartilha) neo-liberal, posto que talvez sem esse socorro governamental boa parte do

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setor pudesse ter amargado prejuízos ainda maiores e, claro, com consequências ainda

maiores.

Além de parcerias com o governo, o setor teve que ampliar as linhas de crédito e a

criação de um mecanismo no sistema bancário para apoio as empresas exportadoras em

momento de crise (BRACELPA, 2008).

7. Resultado das medidas tomadas pelo setor no Brasil

A primeira resposta a crise internacional por parte do setor de celulose e papel

no Brasil foi a de manter em 2009 os mesmos níveis de produção de 2008, como

demonstrado no Relatório Anual 2008-2009 da Bracelpa, os resultados foram

minimamente alcançados, conforme pode ser observado nos dados da Tabela 2.

Os números da balança comercial do setor demonstra que a variação de 2009 para

2010 foi maior do que a do ano anterior, comprovando a meta para o setor. Esse

resultado é visto pelo saldo da balança comercial que em 2010 é o melhor em 20 anos,

como demonstra a Gráfico 8.

O setor não retraiu, pelo contrário, a produção de celulose cresceu em 6%, sendo

este um resultado muito relevante para o PIB brasileiro. Segundo a Bracelpa, parte

desse crescimento foi alavancado pelas exportações, posto que elas cresceram 17% no

período, em parte justificado pela sua alta qualidade comparado com outros produtores

mundial.

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Tabela 2: Evolução Histórica da Balança Comercial do Setor de Papel e Celulose

Gráfico 8: Evolução do Saldo Comercial do Setor de Papel e Celulose

Fonte: Relatório Estatístico 2010/2011 BRACELPA.

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Houve crescimento na produção em todo o setor, bem como incremento das

exportações, sem, ainda, se esquecer das vendas voltadas para o mercado interno. Isso

porque as principais empresas do setor em todo o mundo se tornaram obsoletas por falta

de recursos para investimentos ocasionados pela falta de liquidez internacional gerada

pela crise financeira, ou simplesmente fecharam suas portas. Contudo, a participação da

China foi algo sem precedentes a demanda desse país pela matéria-prima brasileira

cresceu tanto no período que supriu a diminuição dos outros mercados tradicionais,

notadamente a Europa e os EUA.

Logo em 2009, o setor nacional de celulose e papel já apresentava manutenção

nos níveis de produção em comparação a 2008, e que, apesar das dificuldades, o setor

teve planejamento, demonstrando seu potencial tanto no mercado interno, quanto

externo. A Tabela 3 mostra a evolução do consumo aparente de papéis em mil

toneladas.

Tabela 3: Evolução do Consumo Aparente de Papéis

Fonte: Relatório anual 2011 BRACELPA.

Um dos fatores que fizeram com que a produção continuasse aquecida foi o

mercado interno, uma vez que as vendas domésticas cresceram 2,7% em 2009, cifra esta

que para um período de crise e pós-crise foi extremamente positiva. É bem verdade, que

esse crescimento pode ter sido um pouco inercial, ou seja, o crescimento sentido em

2009 ainda estava vinculado a transações anteriores a crise econômica, mas, mesmo

nessa situação, o crescimento e o curto período de tempo em que ele se deu não deixam

de ser notáveis.

O Governo reconhece que o setor é relevante para a economia e ajuda a superar

alguns “gargalos” de competitividade em diversos seguimentos do papel. O Brasil é

destaque, atraindo centro de desenvolvimentos de tecnologia e produtos, pois conta com

qualidade de mão de obra, além de que o mercado interno é crescente, garantindo

ganhos de escala e rentabilidade.

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Considerações finais

Considerando a confluência de fatores externos e internacionais que garantiram

a recuperação e o processo de retomada de crescimento, verificou-se que a indústria

nacional de papel e celulose estava minimamente estruturada para suportar, apesar das

consequências sem precedentes, os abalos provocados pela crise econômica mundial por

ser um dos setores historicamente mais robustos da indústria brasileira. Ademais, trata-

se de uma tradicionalmente atendida pelo Estado, recebendo incentivos por meio dos

mais inúmeros instrumentos: financiamentos facilitados; linhas especiais de créditos;

investimentos diretos; redução fiscal, entre outros.

Deve-se, também, levar em consideração a organização interna e a maturidade

destas empresas como fatores decisivos para o seu sucesso. Dessa forma e em suma, foi

possível enfrentar a instabilidade da economia mundial devido à competitividade e

produtividade das empresas do setor. Mas não só isso houve na verdade uma

confluência de fatores tanto externos, quanto internos. Alguns países - que não aqueles

de fato centro da crise econômica - continuaram tão pujantes economicamente quanto

eram pré-crise, vide o caso da China que como um grande comprador de celulose

ajudou a sustentar o setor no Brasil. Desta forma, houve uma certa compensação onde

antigos principais parceiros foram substituídos por novos principais parceiros.

Afora os fatores externos, ocorreu nesse período uma inversão da lógica estatal,

onde este passaria a ser um indutor mais decisivo da economia, especialmente do

mercado interno – diferentemente da lógica neo-liberal de enxugamento e retração do

Estado. Houve, portanto, a formação de uma nova “classe média” baixa (por meio de

diversos incentivos – repasse direto de somas de dinheiro, incentivo a construção civil, a

indústria automobilística, a produção industrial de eletrodomésticos etc.) que

demandava novos produtos e serviços grande parte deles demandantes de celulose.

Nesse sentido, para a indústria de papel a recuperação foi mais rápida do que

outros setores devido por sua dupla embocadura: a) continuava a ter mercado externo

suficiente a preços internacionais remuneradores e; b) suas vendas no mercado interno

foram surpreendentes. Além disso, o setor demonstra uma alta viabilidade econômica

comprovada, espera-se que cresça nos próximos anos em torno de 500 mil

toneladas/ano, o que equivale a quase 5% de toda sua capacidade produtiva.

Trata-se de um setor com grandes investimentos em tecnologia, que gera um

circulo econômico favorável para a economia do país, dando grande movimentação ao

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mercado nacional e internacional, gerador de emprego e grande exportador. Em

momentos de incerteza, atua com força no mercado interno e na América Latina,

garantindo menor risco e certa lucratividade. Assim o setor apresenta característica

cíclica, alternando períodos de preços internacionais elevados e estoques mundiais

reduzidos, com períodos de grande margem e excesso de oferta.

Referências Bibliográficas

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A PRÁTICA DAS CINCO DISCIPLINAS NAS ORGANIZAÇÕES E NA SOCIEDADE: O DIÁLOGO E A GESTÃO PARTICIPATIVA COMO PRÁTICA

PARA COMPARTILHAR CONHECIMENTOS

Fernanda de Moraes Rossi Affonso1

Janaína Priscila Rodrigues Firmino2

Antonio Carlos Zambon3

RESUMO

O desenvolvimento de tecnologias para resolver problemas sociais contemporâneos tornou-se uma constante nas universidades e centros de pesquisa. Sem desmerecer as pesquisas e intenções válidas, este artigo pretende apresentar quanto o pensamento e o comportamento humano influenciam tais problemas sociais, tanto na manutenção de sua causa, quanto na ampliação de seus efeitos, e que a criação de conhecimento por meio de métodos de aprendizagem coletiva pode ser o caminho para que mudanças gradativas e eficazes sejam possíveis. Os resultados teóricos apresentados originam-se da aplicação prática das Cinco Disciplinas de Aprendizagem Organizacional (SENGE, 2011) utilizando técnicas ou métodos de diálogo para exemplificar tal utilização.

1 Especialista em Marketing, Professora Universitária e Consultora empresarial. Colaboradora do GEICON/Unicamp. ([email protected]). 2 Especialista em Gestão Empresarial, Professora Universitária e Consultora empresarial. Colaboradora do GEICON/Unicamp. ([email protected]). 3 Doutor em Engenharia de Produção, Professor da FT/Unicamp. Pesquisador do GEICON. ([email protected]).

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Introdução

Considerando os estudos sobre as Organizações aprendizes (Learning

Organizations) e que estas são constituídas a partir do compartilhamento dos

conhecimentos e a necessidade do profissional atual ser inovador, flexível, ter visão

sistêmica, trabalhar em equipe, atuar em mercados e políticas globais - fatores que

permeiam a vida de agentes de mudanças organizacionais e sociais na época atual - é

que esse essa pesquisa foi realizada.

Como desenvolver tais habilidades, se estas dependem da percepção individual,

do modo de ver, pensar e ler o mundo e, além disso, interagir com outras pessoas,

também dotadas de percepções próprias?

Alguns estudos do campo da Gestão do Conhecimento propõem práticas ou

disciplinas que permitem esse desenvolvimento:

Nonaka e Takeuchi (2008) apresentam na Teoria da criação do conhecimento

organizacional a proposta de conversão do conhecimento tácito (na mente das pessoas)

em explícito (conhecido por todos), e permite externalizar e compartilhar o

conhecimento individual. Na década de 80, Peter Senge, publicou a obra “A Quinta

Disciplina”, propõe que as pessoas aprendem a lidar com situações complexas a partir

do reconhecimento de sua visão de mundo (modelo mental) e das demais pessoas. A

quinta disciplina é o pensamento sistêmico, que permeia as quatro outras disciplinas:

modelos mentais, domínio pessoal, visão compartilhada e aprendizagem em equipe.

(SENGE, 2011)

Davenport e Prusak (1999), afirmam que os estudos das cinco disciplinas apenas

sugerem que as pessoas aprendam e não explicam como se deve aprender ou criar

conhecimento. Senge (2011), entretanto, relata a prática das cinco disciplinas nos

últimos 15 anos e os resultados demonstram o sucesso e a possibilidade de sua

aplicação em diversas áreas como a criação de negócios sustentáveis, tratamentos de

problemas sociais urbanos e educacionais e propostas para melhorar o desenvolvimento

econômico e produtivo.

Com esses relatos de experiências percebe-se que a mudança comportamental

daqueles que praticam as disciplinas afeta diretamente o sistema em que a pessoa

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aprendiz atua, seja ele a organização, a sociedade ou o próprio ambiente familiar, e o

aprendizado, consequentemente, traz como resultado o conhecimento.

Este artigo pretende apresentar as Cinco Disciplinas de Aprendizagem com

enfoque na importância do pensamento sistêmico e modelos mentais no comportamento

e relacionamento humano. Para exemplificar a prática das disciplinas, são apresentadas

ferramentas de Diálogo e Gestão Participativa como instrumentos de explicitação,

representação, compartilhamento de conhecimentos e aprendizagem nas organizações e

na sociedade.

1. Trabalhos relacionados

Com a finalidade de estudar o aprendizado organizacional de maneira

sistemática, dinâmica e humana, Peter Senge, estudante do Massachussetts Institute of

Technology (MIT) e atualmente, palestrante sênior do mesmo Instituto, escreveu a obra

“A Quinta Disciplina” propondo uma nova mentalidade para administrar organizações,

sejam privadas, públicas ou a própria sociedade.

A base de seus estudos foi construída durante o seu trabalho de pesquisa sob

orientação de Jay W. Forrester, criador da System Dinamics, e na mais recente edição

(27ª publicada em 2011), Senge refere-se à mudança de mentalidade (metanóia4) na

gestão mecanicista das organizações para a gestão baseada em pessoas, que são capazes

de aprender e propor melhorias na atuação empresarial. A proposta das cinco disciplinas

é desenvolver as pessoas, compartilhar seus domínios, visões e modelos mentais, para

aprender e trabalhar em grupo utilizando o pensamento sistêmico.

A filosofia das cinco disciplinas é o aprendizado. Pessoas são aprendizes e as

organizações compostas por pessoas aprendizes tornam-se organizações aprendizes

(Learning Organizations). O conhecimento constrói-se da aprendizagem que acontece

em um ambiente propício ao diálogo, compartilhamento de pensamentos (modelos

mentais) e trabalho em equipe. Deve-se também levar em consideração que o

conhecimento pode ser construído através de estudos (conhecimento científico),

filosofia, teologia e a própria experiência de vida de cada pessoa (conhecimento

empírico)(MATTAR, 2008). Para existir o compartilhamento do conhecimento, torna-se

4Metanoia: mudança de metalidade. (SENGE, 2011, p. 40) explica que “entender o sentido de ‘metanoia’ é entender o significado mais profundo de ‘aprendizagem’, pois essa também envolve uma alteração fundamental ou movimento da mente”.

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necessário o entendimento de como o ser humano percebe e valoriza o mundo. Os

princípios do pensamento sistêmico são decorrentes dos estudos de Bertalanffy (1968),

“aplicáveis em sistemas complexos, da biologia à sociologia” (VALENÇA, 2011).

Jonh D. Sterman (2000, p. 4), na obra “Business Dynamics” reforça que o

desenvolvimento do pensamento sistêmico “é crucial para a sobrevivência da

humanidade” quando evidencia a importância de entender que “tudo está conectado a

tudo”. Valença (2011, p. 18) propõe, portanto, que entender as situações do ponto de

vista sistêmico não agrega nenhum atributo à ação, apenas o sujeito “tem a sua

percepção qualificada”.

2. As cinco disciplinas de aprendizagem: a influência dos modelos mentais e a importância do raciocínio sistêmico 2.1. A importância do pensamento sistêmico na gestão das organizações e da sociedade

O ponto inicial de estudo das disciplinas é a compreensão do raciocínio

sistêmico, que considera um sistema um todo composto por partes e partes que

compõem um todo, interligadas e inter-relacionadas e interdependentes - segundo os

estudos da Teoria Geral de Sistemas de Berttalanffy, de onde se originaram estudos da

visão sistêmica em todas as áreas das ciências (MARTINELLI, NIELSEN e

MARTING, 2010).

Entender o comportamento desses sistemas complexos e compreender como

ocorre a aprendizagem das pessoas é a missão da Dinâmica de Sistemas, um modelo de

raciocínio sistêmico que permite simular a gestão organizacional ou social, baseada em

psicologia cognitiva e social, e que considera os efeitos da política e da economia e

outras ciências sociais sobre as reações do sistema. (STERMAN, 2000). “As ideias

fundamentais de System Dynamics (SD) consideram os sistemas humanos e naturais

como complexos, definindo seus componentes como elementos ou objetos, unidos por

meio de fluxos de causa e efeito, que também são retroalimentados” (FORRESTER,

1972 apud TOMÉ, 2012).

2.2 As cinco disciplinas de aprendizado organizacional e social

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A Quinta Disciplina é o Pensamento Sistêmico. É a disciplina que integra as

demais disciplinas, fundindo-as em teoria e prática (SENGE, 2011).

Ao estudar o comportamento das organizações - em primeiro plano as atividades do

ambiente interno – a prática das cinco disciplinas foi indicada como antídoto para

combater as deficiências de aprendizagem organizacional e constata-se que sua

aplicação depende do entendimento e aprovação por parte dos gestores e da alta

administração.

Esse entendimento e aprovação para a prática das disciplinas atua como

feedback de reforço para a obtenção dos resultados, ou seja, a influência que pode

amplificar positiva ou negativamente uma ação.

Um exemplo desse modelo de pensamento pode ser observado no exemplo e figura a

seguir: propaganda boca a boca sobre um produto. Se houver clientes satisfeitos as

vendas aumentam, caso contrário, as vendas podem se retrair.

Figura 1: Diagrama de feedback de reforço

Fonte: Adaptado de Senge (2011, p. 123)

Antes de apresentar os conceitos das deficiências de aprendizagem e das cinco

disciplinas, entretanto, é necessário identificá-las e demonstrar suas relações.

2.2.1 As deficiências do aprendizado organizacional

Para que as organizações tornem-se organizações aprendizes, existe, porém, a

necessidade de identificar e eliminar as deficiências de aprendizagem organizacional,

que impedema criação e disseminação deste conhecimento (SENGE 2011). Tais

deficiências são encontradas na maioria das organizações e estão demonstradas no

Quadro 1. Para o autor, a forma como as organizações são projetadas, gerenciadas,

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estruturadas e a forma de pensar e interagir – princípios da cultura organizacional - cria

deficiências de aprendizagem.

Quadro 1: Deficiências de Aprendizagem Organizacional

Eu sou o meu cargo Sem perceber ou saber em que sistema organizacional estão inseridas, as pessoas se limitam ao seu cargo, têm pouco senso de responsabilidade em relação aos resultados.

O inimigo está lá fora

A constante prática de culpar um agente (externo ou interno) por não atingir os resultados.

A ilusão de assumir o controle

Agir proativamente e não reativamente. Em muitas situações a reação ao que aconteceu é confundida com a proatividade, sendo esta definida por Senge como “perceber qual é a nossa contribuição para nossos próprios problemas”.

A fixação em eventos

Aprender a trabalhar de maneira estratégica, em longo prazo. Evitar o domínio mental de trabalhar olhando apenas às atividades a curto prazo.

A parábola do sapo escaldado

O título dessa deficiência é uma analogia à situação da seguinte situação: se colocar um sapo em água quente, ele irá pular para fora imediatamente, ao passo que, ao colocá-lo em água fria e posteriormente, ligar o fogo, ele irá se sentir aquecido gradativamente em um primeiro momento e quando a temperatura passar do limite ele não conseguirá sair da água e morrerá escaldado, pois, os sapos não têm a capacidade de reconhecer o perigo gradualmente, apenas sob mudanças de condições abruptas.

A ilusão de aprender com a experiência

Aprender com a experiência direta e não perceber que existem consequências indiretas, que podem influenciar sistematicamente a atuação da empresa. É aprender com as decisões e feedbacks de primeiro plano, sem se atentar às reações subsequentes destas decisões.

Mito da equipe gerencial

É acreditar que uma equipe gerencial será capaz de sanar os problemas causados por essas deficiências. Em geral, os gerentes estão envolvidos em resolver dilemas de suas responsabilidades, e, a atuação desse grupo com objetivos divergentes, possivelmente, impedirá a criação de conhecimento organizacional, ao invés de fomentá-lo.

Fonte: Adaptado de SENGE (2011).

As deficiências de aprendizagem também podem ser observadas nos ambientes

familiares e no convívio em sociedade, em que a prática das cinco disciplinas também é

indicada para o desenvolvimento de melhoria contínua.

2.1.2 Pensamento sistêmico

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Segundo Senge (2011), “É uma disciplina para ver o todo”, tão necessária ao

mundo atual, bombardeado por uma quantidade imensa de informações que o homem

não é capaz de absorver e tem dificuldades em relacionar e administrar.

Para desenvolver o pensamento sistêmico é necessário perceber que as situações

são sistemas compostos de nodos interligados e inter-relacionados (em rede), em que

seus efeitos agem ou reagem sobre os outros. “As empresas e os outros feitos humanos

são sistemas”. Para resolução de uma situação é primordial compreendê-la como parte

de um todo, interligado e inter-relacionado a outras situações. Existem três conceitos

necessários para a prática do raciocínio sistêmico: o conceito de feedback de reforço,

feedback de equilíbrio (balanceamento) e a defasagem (diferença entre o que se deseja e

o que se tem). Considerando as situações dinâmicas em que os sistemas atuam

(complexidade dinâmica), é possível identificar que tipo de fenômeno está acontecendo

e tomar a decisão que será assertiva à causa e não aos efeitos.

De acordo com Senge (2011, p. 118):

“Na perspectiva sistêmica, o ser humano é parte de um processo de feedback, não ficando a parte dele. Isso representa uma profunda mudança na percepção. Permite-nos ver como estamos continuamente tanto sendo influenciados pela realidade quanto influenciando-a”.

O autor, entretanto, enfatiza que, embora a visão sistêmica, das partes para o

todo é crucial, também é importante perceber que essas partes podem integrar um

sistema dinâmico, complexo, e que em um contexto organizacional, é algo

intrinsicamente ligado ao sucesso na tomada de decisões.

2.1.3 Domínio pessoal e a primeira disciplina

Esta disciplina trata de reconhecer a importância da aprendizagem individual, e

que pessoas têm desejos e formas de pensar próprias. É a disciplina que proporciona

crescimento e aprendizado pessoal e a expansão da capacidade criativa.

Ao desenvolver a disciplina do domínio pessoal, dois movimentos subjacentes

são incorporados: o esclarecimento do que é importante para si e aprender

continuamente como ver a realidade atual com mais clareza. O primeiro faz com que a

resolução de problemas esteja em segundo plano e que os motivos pelos quais os

problemas devem ser resolvidos sejam considerados importantes. O segundo

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movimento se caracteriza pela justaposição da visão (o que se quer) e uma imagem da

realidade atual (onde está em relação ao que se quer). O autor denomina essa situação

de tensão criativa e diz que a essência do domínio pessoal está em aprender, gerar e

sustentar tensão criativa. De acordo com os estudos das cinco disciplinas, há grande

resistência por parte das organizações em permitir o desenvolvimento pessoal de sua

força de trabalho. É algo abstrato, depende de um ambiente propício e de estímulos para

desenvolvê-lo.

O autor sugere uma série de práticas e princípios para a expansão contínua do

domínio pessoal, como o estabelecimento da visão pessoal, não a visão reduzida ao

presente, baseada em aspectos fragmentados do cotidiano, mas a visão a longo prazo,

considerando todos os fatores relacionados a vida (aspectos de saúde, liberdade e

sinceridade consigo) e não focar em aspectos materiais seguindo tendência da

sociedade.

2.1.4 Modelos mentais

Esta disciplina estuda o domínio dos modelos mentais e sua expectativa: “[...]

trazer à tona, testar e aperfeiçoar nossas imagens internas sobre o funcionamento do

mundo”. (SENGE, 2011, p. 219).

Os modelos mentais determinam a forma de como se entende o mundo e

também como as pessoas agem. O modelo mental afeta a visão pessoal e molda a

percepção. Segundo os estudos de Chris Argyris, professor de Harvard, citado por

Senge (2011), as pessoas nem sempre agem conforme dizem. As Teorias Esposadas

(aquilo que se diz) nem sempre são coerentes às Teorias em uso (Modelos Mentais). Os

modelos mentais afetam o que se faz, pois é influenciado pelo o que se vê. “Duas

pessoas com modelos mentais diferentes podem observar o mesmo evento e descrevê-lo

de forma diferente, pois veem detalhes diferentes e fazem interpretações distintas”

(SENGE, 2011, p. 220).

“A essência da disciplina de modelos mentais é a prática reflexiva”

(SENGE,2011, p. 236).

As pesquisas descritas na obra “A Quinta Disciplina”, relacionando o

pensamento sistêmico com o domínio dos modelos mentais demonstram um ganho

quando as duas estão naturalmente caminhando juntas, pois os modelos mentais expõem

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premissas ocultas enquanto o pensamento sistêmico trata de revelar as causas de

problemas significativos.

2.1.5 Visão compartilhada

Esta disciplina propõe que as pessoas de um grupo ou equipe compartilhem da

mesma visão e explica que pessoas trabalhando juntas sem o compartilhamento de suas

visões pessoais “trabalham sem rumo”. “Quando existe uma visão genuína [...], as

pessoas dão tudo de si e aprendem, não porque são obrigadas, mas porque querem”

(SENGE, 2011, p.35).

Para o autor, “não existe organização que aprende sem uma visão

compartilhada”. Os objetivos, as metas, devem ser algo que as pessoas desejam realizar,

e se isso não acontece, a aprendizagem se torna difícil.

2.1.6 Aprendizagem em equipe

O ponto fundamental da aprendizagem em equipe é o diálogo e o

aprendizado acontece quando existe o “pensar coletivo”. Para que isso ocorra, é

necessário que a organização proponha ambiente favorável ao diálogo, quebre modelos

mentais hierarquizados e que possa compartilhar dos saberes da equipe. “A

aprendizagem em equipe é vital, pois as equipes, e não os indivíduos são a unidade de

aprendizagem fundamental nas organizações modernas. Esse é um ponto crucial: se as

equipes não tiverem capacidade de aprender, a organização não a terá” (SENGE, 2011,

p. 36)

Senge (2011, p. 290) diz que: “uma equipe que aprende domina o movimento de

vaivém entre diálogo e discussão. As regras básicas são diferentes. As metas são

diferentes. Sem distingui-las, as equipes normalmente não conseguem ter nem diálogos

nem discussões produtivas”.

3. O diálogo e a gestão participativa como ferramentas práticas da representação e compartilhamento do conhecimento 3.1 A importância da criação e gestão do conhecimento nas organizações

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Na sociedade do século XIX, em meio às mudanças socioeconômicas e

tecnológicas, o conhecimento tornou-se o ativo de maior valor das organizações

privadas e sociais. Este pensamento corrobora os estudos de Peter Ferdinand Drucker,

um dos grandes pensadores de gestão da Administração Moderna, que dizia ainda que

os sucessos ou fracassos empresariais dependem muito mais da influência das mudanças

sociais do que dos eventos econômicos. (DRUCKER, 2005)

As principais mudanças por que passaram as organizações a partir de meados do

século XX devem-se à influência e estilo da Administração Japonesa. Baseados nos

estudos sobre “Qualidade” levadas ao Japão pelo Professor Deming, e unindo a

capacidade de trabalho em equipe, confiança e o alinhamento de objetivos dos

trabalhadores à organização, as organizações ocidentais tentavam incorporar algumas

práticas em suas rotinas.

Quel (2006, p. 57) diz que,

quando uma empresa lança mão de gestão do conhecimento, ela está buscando estabelecer um vínculo entre o saber individual, o saber social e o saber empresarial, formando assim um elo, um ciclo, um sistema que permite o desenvolvimento compartilhado do futuro.

Nonaka e Takeuchi (2008) apresentam a Espiral do Conhecimento como um

método para proporcionar a conversão dos conhecimentos tácitos (implícitos) em

explícitos, partindo do pressuposto que grande parte do conhecimento das pessoas está

intrínseca, em sua mente.

Visando permitir a criação de conhecimento, a organização deve propor um

ambiente favorável à construção do conhecimento, com espaços para a socialização, ou

seja, o diálogo, entre as pessoas, visando externalizar seus conhecimentos e organizá-los

de forma que possam ser disseminados entre os colaboradores e agregados aos produtos

e serviços, bem como ao convívio social.

Os autores definem Gestão do Conhecimento como: “conjunto de esforços

ordenados e sistematizados visando a criar novo conhecimento, difundi-lo na

organização para os que dele precisam e incorporá-lo a produtos, serviços e sistemas,

bem como protegê-lo contra o uso indevido” (NONAKA E TAKEUSHI, 2008).

Na visão de Drucker, Nonaka e Takeushi, Davenport e Prusak, Peter Senge entre

outros autores e pensadores de gestão, a organização que está disposta a reconhecer a

importância do conhecimento que possui e que estimula a criação e disseminação deste

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conhecimento, será detentora de grande diferencial no mercado altamente competitivo e

inovador e terá capacidade de aprender com maior facilidade e destreza a se comportar

durante as mudanças sistêmicas desse novo século.

3.2 Fundamentos e ferramentas de diálogo

Pode parecer um assunto sem novidades, que é inerente ao ser humano, pois a

lógica é que ao aprender (ou apreender) uma linguagem, logo, é possível “dialogar”

com quem também compreende a mesma língua. David Bohm citado por BOJER (2010,

p. 18) definiu diálogo como “significado que flui através das pessoas”, e engloba fatores

como “ênfase nas questões, nas perguntas, na cocriação, na escuta, na revelação de

suposições de cada um, na suspensão do julgamento e numa busca coletiva pela

verdade.”

A partir dessas premissas, é notória a complexidade que envolve o processo de

diálogo, e é frequente a confusão do conceito com outras formas de conversas como:

debates, discussões, conferências, consultas.

Revendo os estudos sobre os modelos mentais de Peter Senge, torna-se claro que

o diálogo permite expor o que se vê e pensa do mundo, visando a construção de uma

verdade, compreendendo uma importante ferramenta para a conversão do conhecimento

tácito em explícito.

Bojer (2010) demonstra os fundamentos básicos para a realização de um

diálogo:

• Definir e esclarecer o propósito, identificar quais as necessidades verdadeiras e

se é um assunto atrativo aos participantes. A clareza dos objetivos tornará o

diálogo um processo produtivo;

• Boas perguntas: elaborar boas perguntas proporciona um ambiente de

aprendizagem em um diálogo. Evitar a preocupação com respostas e focar nas

perguntas é uma arma poderosa para estimular um ambiente criativo e de

raciocínio sistêmico. Segundo os princípios de Argyris, associar indagação e

argumentação, conforme abordado no tópico sobre Modelos Mentais;

• Participação e participantes: contar com participantes que além de interessados,

sejam colaboradores e auxiliem na construção das ideias poderá aproveitar da

melhor maneira o tempo e os recursos disponíveis;

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• Estrutura essencial do processo: definir o método de condução das ideias,

sugerido pelos autores, o modelo da divergência e convergência, que possibilita

momentos de abertura de possibilidades e necessita da participação dos

presentes. Estimula o lançamento de muitas ideias, porém se houver divergência

em demasia, corre-se o risco de gerar frustração. Também se houve

convergência com poucas ideias, corre-se o risco de minimizar o potencial de

mudanças;

• Princípios: acordo entre os participantes, baseados no respeito mútuo (e

recíproco);

• Seleção das ferramentas:existem muitas ferramentas para a realização de

diálogos, e a escolha depende dos objetivos. Conhecer poucas ferramentas desse

método poderá causar dependência de algumas formas de dialogar. É importante

também a busca contínua por novas formas de propor um diálogo;

• O facilitador: pessoa de extrema importância na condução do processo e que

deve possuir habilidades e qualidades como: forte habilidade de escuta,

autoconsciência e autenticidade, fazer boas perguntas e ter abordagem holística.

Seu papel é mediar o processo desconectado de seu modelo mental (para evitar

julgamentos das propostas), porém, com capacidade de pensar e estimular

sistematicamente o conhecimento gerado;

• Espaço físico: item de grande importância, tanto quanto a presença de um

facilitador capacitado. O ambiente que favorece o diálogo deve permitir que

todos sintam-se confortáveis em participar. O modelo tradicional de sala de

reuniões nem sempre é a melhor alternativa para que existam indagações e

argumentações, definindo, muitas vezes, papéis aos participantes – o que impede

a comunicação coletiva.

Os propósitos e o contexto do diálogo estão representados no Quadro 1 a seguir.

A complexidade dependerá de quantos assuntos estão conectados

sistematicamente. Na obra “Mapeando Diálogos”, Bojeret al (2010) sugerem uma série

de ferramentas para a prática do diálogo, cada qual com sua finalidade e objetivos

específicos. A seguir, segue um resumo das principais ferramentas apresentadas na obra

e sua relação à prática das cinco disciplinas (Quadro 3).

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Quadro 2: Propósitos do diálogo

Propósitos de um processo de diálogo G

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Fonte: BOJER (2010, p. 36)

Quadro 3: Ferramentas para a prática do diálogo da obra “Mapeando Diálogos” Ferramenta Ideia geral Recomendações

Investigação apreciativa

Inverte a lógica da resolução de problemas. Valoriza pontos fortes para alcançar resultados.

Atende bem à maioria dos propósitos, trabalha com pequenos e grandes grupos e adequada para situações de baixas complexidades e conflitos.

Laboratório de mudança

Processo dialógico que envolve múltiplas partes interessadas. Gerainsights coletivos, empenho compartilhado, capacidades criativas.

Atende bem à maioria dos propósitos, com melhores resultados em pequenos grupos e situações de alta complexidade.

O círculo Permite aos participantes relaxar, praticar a escuta profunda e pensar junto. É a configuração mais apropriada ao diálogo.

Atende bem à maioria dos propósitos, funciona melhor com pequenos grupos e pode ser utilizado em todos os tipos de situações, com ênfase nas pacíficas.

Democracia profunda Facilitação baseada na premissa de que existe sabedoria valiosa para todos na voz minoritária e na diversidade de pontos de vista. Traz à tona e dá voz ao que poderia ser silenciado.

A ênfase está na conscientização e lidar com conflitos e tomar decisões. Utilizada em todos os tipos de situações e pode ser mais adequada a pequenos grupos.

Busca do futuro Tem o princípio de trazer o “sistema inteiro” para a sala de diálogo, com a intenção de enxergar experiências de

Ênfase na visão partilhada, planejamento/estratégias, em situações de alta complexidade e indicada a grandes grupos, com

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passado, presente e futuro. Pode ser trabalhado em diversos encontros (até 3 dias) depende da aceitação de todos para esse propósito

múltiplas partes interessadas.

Escola para a Paz Palestino-Israelense

Permitir que os participantes examinem sua própria identidade por meio do encontro com o grupo oposto em diálogos autênticos e diretos. Cria percepções e compreensões reais para analisar processos turbulentos e violentos e o papel de cada um no conflito.

Muito indicado para construir relações, compartilhar conhecimentos e lidar com conflitos. Indicado em situações de conflito e com pequenos grupos.

Tecnologia do espaço aberto

Permite que pequenos ou grande grupos se organizem para lidar de forma efetiva com questões complexas em curto espaço de tempo.

A ênfase é na resolução de problemas e planejamento e ações estratégicas. Pode ser aplicada com grandes ou pequenos grupos.

Planejamento de cenários

Permite a criação de imagens possíveis e plausíveis do futuro. Possibilita questionar algumas suposições sobre o mundo e libera a criatividade e entendimento do futuro.

Atende bem aos propósitos do diálogo, preferencialmente nos quesitos inovação, visão partilhada e planejamento. Adequado ao trabalhar com situação de alta complexidade e múltiplas partes interessadas.

Diálogo sustentado Permite aos participantes sustentar o diálogo com frequência, considerando a complexidade de trabalhar com temas conflituais, principalmente. Propõe maior profundidade às conversas, constrói relações de confiança e base de conhecimentos compartilhados.

Ênfase na conscientização, construção de redes e compartilhamento de conhecimento. Possui maior resultado com a participação de pequenos grupos.

World café Criar uma rede viva de conversas em torno que questões importantes. O ambiente é organizado como uma cafeteria, e as pessoas sentam-se em mesas de quatro pessoas para conversarem, o anfitrião permanece à mesa e as demais pessoas se realocam em outras mesas, conectando-se às outras conversas. É criada uma rede que poliniza as conversas.

Possui foco na resolução de problemas, na construção de relações, compartilhamento de conhecimentos. Funciona muito bem com grandes grupos.

Diálogo de Bohm Cria uma situação em que os participantes se mobilizam para criar um entendimento comum sobre algo. Bohm acreditava que o pensamento modela a realidade e que o diálogo

Ênfase na mente compartilhada ou inteligência coletiva. Pede que os julgamentos, reações emoções e impulsos sejam suspensos durante o processo. Funciona bem em grupos de 15 a 40 pessoas.

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modela o pensamento e os processos mentais.

Fonte: Adaptado de Bojer (2010)

A cada ferramenta de diálogo sugerida é possível relacionar a aplicação das

cinco disciplinas, conferindo, portanto, a prática aos estudos de Peter Senge (2011).

4. A gestão participativa e o processo de tomada de decisões

A Gestão ou Administração Participativa tem como intuito envolver as pessoas

participantes de uma organização em processo de tomada de decisões (MAXIMIANO,

2008).

Neste processo as pessoas podem ser envolvidas de modo individual ou

coletivamente, atuando em comitês ou comissões, que consigam trabalhar com uma

visão única, compartilhada. Em um ambiente saudável, com diálogo, é possível

aprender e gerar novos conhecimentos que se agregarão à situação analisada.

Considerando, contudo, que as organizações ou representações sociais são

arranjos complexos dinâmicos, que atuam em ambientes complexos também dinâmicos,

deve-se evitar o pensamento linear, individual pode ser a forma simplista, fácil, rápida e

inadequada de decidir quando o assunto é urgente ou alvo de um grupo de interesses.

Zambon (2006, p. 57) evidencia: “Uma organização é um sistema complexo, com

uma quantidade intocável de subsistemas interdependentes. Para a correta interpretação

desse sistema complexo seja possível, situando-o no macroambiente, é necessária a

utilização do Raciocínio Sistêmico”, confirmando a necessidade da visão sistêmica

apontada por Peter Senge (2011) no início desse estudo.

Mais uma vez, a aplicação das cinco disciplinas funcionaria como antídoto para

as deficiências do comportamento e comprometimento no processo decisório, pois a

atuação em equipe, proporciona além do aprendizado organizacional, o envolvimento

com a missão, a visão e os valores da organização privada ou social.

Considerações Finais

A compreensão da existência dos modelos mentais e o raciocínio sistêmico podem

ser o grande diferencial no comportamento das organizações e das pessoas que as

compõem. O desenvolvimento de novas tecnologias é importante para resolução de

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problemas (quando aplicado às causas), porém, não interfere nos modelos mentais

estimulando-os ao aprendizado. A sociedade, as organizações privadas, públicas e

sociais podem se tornar aprendizes (Learning Organizations) a partir do momento que

conheçam e reconheçam sua percepção e visão de mundo e entendem como as decisões

e ações influenciam os sistemas em que estão inseridas.

Compartilhar conhecimentos e visões requer mudança de mentalidade e cultura,

uma vez que o ambiente de trabalho ou social deve ser propício ao diálogo, à gestão

participativa e ao aprendizado contínuo; tarefa árdua para gestores e tomadores de

decisões.

Desconsiderar esses conhecimentos significa aplicar uma visão estritamente

linear na resolução de situações, o que poderá reforçar problemas e conflitos que

desencadeiam outros efeitos, em um ciclo que crescerá como efeito de bola de neve.

Este artigo apresentou as Cinco Disciplinas de Aprendizagem e demonstrou

como é possível aplicá-las na gestão das organizações e da sociedade, visando despertar

o aprimoramento de pessoas que, consequentemente, participam de organizações que

podem tornar o mundo um pouco melhor.

Referências Bibliográficas BATEMAN, Thomas S., SNELL, Scott A. Administração: novo cenário competitivo. trad. Bazán Tecnologia e Linguística Ltda. 2. ed. 2. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.

BOJER, M. M.; ROEHL, Heiko; KNUTH, Marianne; MAGNER, Colleen.Mapeando Diálogos:ferramentas essenciais para a mudança social. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010. DAVENPORT, T. H.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial. Rio de Janeiro: Campus; São Paulo: Publifolha, 1999.

DRUCKER, P. F. A Administração na Próxima Sociedade. Trad. Nivaldo Montigelli Jr. São Paulo: Nobel, 2005. MARTINELLI, D. P.; NIELSEN, F. A. G.; MARTINS, T. M. Negociação: conceitos e aplicações práticas. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. MATTAR, J. Metodologia Científica na era da Informática. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. MAXIMIANO, A. C. A. Teoria Geral da Administração. Edição compacta. São Paulo: Atlas, 2009.

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MONTANA, P.; CHARNOV, B. H. Administração. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. NONAKA, I.; TAKEUCHI, H. Gestão do Conhecimento. Porto Alegre: Bookman, 2008. SENGE, P. M. A quinta disciplina:arte e prática da organização que aprende. 27.Ed. Rio de Janeiro: Bestseller, 2011. QUEL, L. F. Gestão de conhecimentos e os desafios da complexidade nas organizações.São Paulo: Saraiva, 2006. STERMAN, J. D. Business Dynamics: systems thinking and modeling for a complex world. Boston, Massachusetts: McGraw-Hill, 2000. TOMÉ, I. M. Modelo para análise da sustentabilidade empresarial com base em MORPH.Campinas,SP, 2012. 138 p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia e Inovação). Universidade Estadual de Campinas. VALENÇA, Antonio Carlos (Org). 123 aplicações práticas de arquétipos sistêmicos. São Paulo: Senac, 2011. ZAMBON, A. C. Uma contribuição ao processo de aquisição e sistematização do conhecimento multiespecialista e sua modelagem baseada na dinâmica de sistemas.Sãocarlos, SP, 2006. 126 p.Tese (Doutorado em Engenharia de Produção.Universidade Federal de São Carlos.

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BIOTECNOLOGIA E TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: ORIGEM, DINÂMICA E PERSPECTIVA PARA PAÍSES EM

DESENVOLVIMENTO

Carlos Alberto Gaspari1

Resumo

Esta em curso um processo de reestruturação produtiva - muitas vezes chamada de “terceira revolução industrial”, que pode ter profundo alcance na divisão internacional e técnica do trabalho, na redistribuição da produção entre diferentes unidades produtivas, e nas próprias formas de execução efetiva da atividade de trabalho. Não obstante, áreas como: tecnologia da informação, microeletrônica, novos materiais e biotecnologia avançada engendram constituir as mais recente revolução técnica a partir da qual se vem produzindo inovações tecnológicas, definidas pela introdução de novos padrões de geração, uso e difusão de formas de produzir e comercializar bens e serviços. Dessa forma, o problema a ser abordado no trabalho é a questão de como se insere a agricultura e os países em desenvolvimento neste contexto do novo paradigma, notadamente a biotecnologia avançada.

Palavras-chaves: revolução industrial, biotecnologia, novo paradigma, agricultura Abstrat :

There is in course a productive restructuring process - called of “third industrial revolution”, that can have deep reach in the international and technical division of the labor, in the redistribuition of the production among differents unit productives, and in the own execution forms of labor activity. Thus, areas as: information technology, microeletronics, new materials and advanced biotechnology engender to constitute the most recent technical revolution starting from which it’s producing technological innovations, defined for the introduction of new generation patterns, use and diffusion in ways of to produce and to market goods and services. So, the problem to consider in the labor is the question of how it inseres the agriculture and the countries trhough development in the new paradigm context, especially the advanced biotechnology.

Key words: industrial revolution, biotechnology, new paradigm, agriculture

1 Mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Maringá – UEM-PR e professor do curso de Bacharelado em Administração de Empresas do Centro Universitário Anchieta. (

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Introdução

Esta em curso um processo de reestruturação produtiva - muitas vezes chamada de

“terceira revolução industrial”, que pode ter profundo alcance na divisão internacional do

trabalho, na divisão técnica do trabalho, na redistribuição da produção entre diferentes

unidade produtivas, e nas próprias formas de execução efetiva da atividade de trabalho.

Tais inovações derivam de um contexto social político e econômico marcado pelas

crises financeiras, de mercado e social que emergem nos anos 60/70, e que colocam para as

empresas novas necessidades de integração ( para dar saltos de produtividade) e de

flexibilidade ( fazer frente a um ambiente- especialmente a um mercado – pouco previsível

e com alta instabilidade). Surge daí o novo paradigma da empresa integrada e flexível,

contrapondo-se àquele da empresa “taylorista – fordista”.

Não obstante, áreas como: tecnologia da informação, microeletrônica, novos

materiais e biotecnologia avançada engendram constituir as mais recentes revolução

técnica a partir da qual se vem produzindo inovações tecnológicas, definidas pela

introdução de novos padrões de geração, uso e difusão de formas de produzir e

comercializar bens e serviços.

Dessa forma, o problema a ser abordado no trabalho é a questão de como se insere

a agricultura neste contexto do novo paradigma notadamente, a biotecnologia avançada,

cujo setor é muito importante para os países em desenvolvimento e que esta onda

tecnológica poderia determinar uma nova divisão de forças entre países.

1. Mudanças tecnológicas: enfoque e justificativa analítica

Na literatura econômica, diversificados trabalhos têm sido divulgados com a

finalidade de questionar posicionamentos conceituais e metodológicos para análise,

compreensão e explicação dos sistemas econômicos.

Geralmente, as críticas concentram-se em atacar as teorias dominantes, procurando

identificar seus principais problemas e inconsistências que permitam reduzir sua

importância, sua validade ou seu poder empírico explanatório. Em resposta, contra-

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argumentação pode ser apresentada, acabando por radicalizar antagonismos ou incorporar

críticas, na medida em que contribuam para ampliar o seu escopo e a sua abrangência.

As implicações e o impacto do avanço tecnológico da biotecnologia avançada na

dinâmica capitalista é um assunto recente na literatura econômica, assim, o arcabouço

epistemológico estará embasado em autores que seguem os referenciais teóricos:

evolucionista e regulacionista. Justificando tal escolha pela abrangência em relação a

mudanças estruturais e dinâmica de longo prazo das economias capitalistas desenvolvidas.

As teoria de progresso técnico, mais precisamente a teoria evolucionista,

contribuem para que se entenda o desenvolvimento tecnológico. Os seus principais autores

analisam as mudanças técnico-econômico-sociais através de produtos e processos. Estudos

sobre as novas formas de organização da produção, ao nível da empresa, da indústria e da

economia, permitem melhor conhecer a estrutura, o funcionamento e a emergência dos

novos modelos produtivos.

As teorias regulacionistas cujo desenvolvimento teórico foram desenvolvidos na

França, procuram estudar a emergência dos modelos, com base nas estratégias das firmas

multinacionais das indústrias das indústrias automobilísticas e de alimentos.

Como salientado por VEIGA (2000, p. 141) as obras de Schumpeter

(evolucionismo) e Marx (regulacionismo) continuam ligadas dado a importância que

ambos atribuem à história em suas respectivas metodologias.

Desse modo, o autor destaca que seria errado afirmar que o paralelismo

metodológico existente entre Marx e Schumpeter não ocorresse entre os projetos

evolucionista e regulacionista só porque o primeiro esteve mais voltado para a

formalização microeconômica.

Assim, o que mais distingue os evolucionistas e regulacionistas são suas respectivas

ênfases nas inovações e nas instituições. Para os primeiros, os períodos de expansão estão

ligados à introdução e à difusão de importantes invenções, enquanto as depressões são

períodos de transição entre dois regimes tecnológicos. Para os últimos, a taxa de

acumulação não é essencialmente determinada pelo progresso tecnológico, mas depende

crucialmente das instituições que permitem o exercício do poder capitalista.

O ponto de convergência entre as duas correntes seria a idéia desenvolvida por

PÉREZ (2001) de “paradigma técnico-econômico”, onde explicações razoáveis podem ser

formuladas para a concentração temporal de grandes inovações, as expectativas de

rentabilidade e sua difusão na forma de um exame de produtos e processos.

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PAULA et al. (2001) também salienta a conexão entre a teoria do capital com a

elaboração neo-schumpeteriana sobre ciência e tecnologia que pode permitir um

importante salto qualitativo na compreensão da dinâmica capitalista contemporânea, onde

esse movimento é rico para as duas abordagens.

A inter-relação entre ambas está apontada por CHESNAIS (1992), que ressalta

estar explicitamente posto no capitalismo contemporâneo a centralidade da tecnologia

como fator crucial nas estratégias de competição do grande capital.

Nesse sentido, o enfoque é direcionado aos trabalhos que resgatam a importância

das inovações na dinâmica capitalista realizada por autores dessas duas correntes

especialmente aqueles que analisam a influência das transformações tecnológicas a partir

da concepção da biotecnologia.

2. Paradigmas, trajetória econômica e janelas de oportunidade

As teorias evolucionistas analisando o progresso técnico contribuem para quer se

compreenda o desenvolvimento tecnológico, enfoca-se as mudanças técnico-econômico-

sociais através da noção de paradigma. Nesses termos estudos sobre novas formas de

organização da produção, ao nível da empresa, da indústria e da economia, permitem

melhor conhecer a estrutura, o funcionamento e a emergência dos novos modelos

produtivos.

Nesse sentido, DOSI (1993) usando o conceito de paradigma para entender o

desenvolvimento das tecnologias, construiu a idéia de paradigma tecnológico, ou seja, um

modelo de soluções de problemas técnicos, baseado nas ciências naturais, para adquirir

novos conhecimentos que os seus proprietários procuram salvaguardar, tanto quanto

possível, contra uma difusão excessivamente rápida entre os concorrentes.

Trata-se de uma definição microeconômica (em relação as empresas) ou

mesoeconômica (em relação as indústrias). Existem procedimentos de pesquisa específicos

da indústria química de alimentos ou da indústria automobilística. Neste dois últimos

casos, poder-se-iam considerar, por exemplo, os paradigmas revolução verde e motor a

explosão.

Os paradigmas tecnológicos definem as oportunidades de inovações sucessivas em

certa direção ou trajetória tecnológica. Esta seria o vetor do progresso técnico e do

desenvolvimento econômico a partir da efetivação das mudanças instituídas no sistema

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produtivo. Como exemplo, o uso da gasolina para combustão interna, seguido do ciclo

diesel e, no Brasil, o uso do álcool, define uma trajetória tecnológica.

Quando o paradigma se esgota, são necessários conhecimentos científicos e

tecnológicos completamente diferentes para o desenvolvimento de processos

biotecnológicos. PÉRES (1992) estudando as fases de esgotamento de paradigmas observa

que uma inovação radical começa a ser aplicada numa indústria, que termina por

influenciar as demais, a partir daí constrói o conceito de paradigma técnico-econômico.

Cada época histórica é marcada por uma ou duas inovações radicais que acabam

influenciando toda a economia.

Nesse sentido, entre 1770 a 1830, o fator-chave foram o algodão e o ferro-gusa; em

seguida, o carvão, quando a indústria de transportes mudou a estrutura de custos relativos

da economia. No terceiro período veio o aço; e no quarto, a energia, particularmente o

petróleo. Hoje o fator-chave é o chip – elemento central da indústria microeletrônica, por

outro lado, um novo sistema de inovações técnicas, sociais e gerenciais que vai adquirindo

coerência está focado nos avanços da genética, notadamente a biotecnologia, onde muitos

autores afirmam constituir um novo sistema ou paradigma tecnológico.

Isto posto, PÉRES (1992) demonstra que nos períodos de transição entre um

paradigma e outro surge as janelas de oportunidade que possibilitariam as nações menos

desenvolvidas acesso à competitividade e fontes de conhecimentos existentes. Nesse

sentido, essas nações menos desenvolvidas poderiam obter dos processos de mudança de

paradigma “saltos2” de desenvolvimento absorvendo e se favorecendo com o novo

paradigma acelerando a convergência até os países lideres. Para conseguir tal feito, os

países em desenvolvimento dependeriam de uma boa coordenação entre os vários agentes

do sistema econômico, condições econômicas estáveis, definição estratégicas e políticas

públicas voltadas no direcionamento a absorção das oportunidades abertas pelo novo

paradigma técnico-econômico.

Assim, a ligação entre a emergência e o declínio do paradigma e a sucessão de

ciclos econômicos permitem compreender a natureza do progresso e sua relação com a

economia. Essas teorias que envolvem os processos de inovações tecnológicas e

organizacional bem como sua trajetória, permite analisar os impactos da biotecnologia

2 A hipótese de “saltos” ou “queima de etapas” basei-se na idéia de que países retardatários têm maiores chances de entrar em um novo paradigma tecnológico nos estágios iniciais de seu desenvolvimento, já que eles estão menos comprometidos com o aparato institucional e socioeconômico dos paradigmas existentes (PERES & SOETE, 1988).

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avançada na agricultura bem como ensejar a oportunidade que alguns países em

desenvolvimento terão com relação a essa nova tecnologia.

3. A evolução biotecnológica

Muitos autores destacam que a manipulação de organismos vivos para fins

produtivos remontam de tempos imemoráveis, assim, AZEVEDO et alii (2002) demonstra

que o desenvolvimento e a utilização com finalidades práticas de organismos vivos como

fabricação de bebidas e transformação de alimentos constitui uma tradição milenar.

Nesse sentido, somente nas últimas décadas do séc. XX, a biotecnologia

conquistaria avanços sem precedentes com o desenvolvimento de técnicas que

possibilitariam a manipulação direta dos genes dos seres vivos. Essas novas técnicas, que

designam o que se passou a denominar de engenharia genética.

“a técnica do DNA/RNA recombinante, que permite a transferência de material genético de um organismo para outro ultrapassando as barreiras de compatibilidade sexual entre as espécies. Desta forma genes de organismos diferentes, inclusive pertencentes a reinos diferentes são identificados, separados e implantados em vegetais como a soja, milho, algodão, batata, feijão, microorganismos e animais superiores.” (SALLES FILHO, 1993)

Os primeiros resultados concretos desta técnica foram obtidos em 1973, dando

início ao que se poderia chamar de “indústria” biotecnológica.

Nas primeiras indústrias science-based (eletricidade, química, farmacêutica), fez

emergir uma nova organização das práticas cientificas e tecnológicas nos âmbitos público e

privado, onde convencionou-se chamar essa nova organização de big-science, em função

de algumas de suas características, notadamente, o trabalho coletivo e multidisciplinar

(equipes formadas por engenheiros, tecnologistas e cientistas); as finalidades aplicadas da

investigação, que passou a ser conhecida como Pesquisa & Desenvolvimento (P&D);

incorporação de novos atores às atividades de ciência e tecnologia (empresárias,

planejadores, administradores, políticos); a mobilização de elevados recursos financeiros

advindos da indústria, dos governos e de agências internacionais.

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Não obstante, a conceito de biotecnologia, em princípio, pode ser entendida como

qualquer técnica que utilize organismos vivos com o objetivo de produção e/ou pesquisa e

desenvolvimento (SALES FILHO, 1993).

Nesse sentido, outro conceito importante é diferenciar a biotecnologia tradicional

que é relacionada as tradicionais técnicas de fermentação e a biotecnologia avançada no

qual é um conjunto de técnicas baseados nos avanços da genética molecular.

O divisor de águas entre a biotecnologia tradicional e avançada foi dado pelas

formas de expansão empresarial da engenharia genética na sua primeira fase, ou seja, em

finais da década de 70 pouco tempo depois de serem obtidos os primeiros resultados das

técnicas do ADN recombinante.

SORJ & WILKINSON (1988) apontam que estas surgiram nos Estados Unidos na

forma de pequenas empresas, produto da iniciativa de pesquisadores universitários. As

grandes empresas do setor químico-farmacêutico, cuja lógica de inovação estava centrada

em métodos tradicionais tiveram que aceitar as novas biotecnologias, passando então a

associar-se às novas empresas e/ou a gerar suas próprias capacidades no setor. Na Europa e

no Japão foi o Estado o fator que forçou a introdução das novas biotecnologias no sistema

produtivo. Assim, as biotecnologias se apresentam como um desencadeador de novas

potencialidades para o setor.

Esta diferenciação é fundamental, pois como fundamentado pelos autores as novas

biotecnologias prometem transformar radicalmente as estruturas produtivas no campo de

atuação das indústrias química, farmacêutica, alimentar e agrícola. Assim, os autores

argumentam que a biomassa passará a ser uma matéria de utilidade quase universal,

enquanto que microorganismos passarão a constituir um instrumento de produção de

utilidade e fins os mais variados possíveis.

De todas as áreas de aplicação da biotecnologia como: saúde, energia, agricultura,

alimentos, a de agricultura e alimentos são as que, têm maior relevância para países em

desenvolvimento. Em termos de mercado, as aplicações da biotecnologia em alimentos,

não são, no momento, as de maior no valor total dos investimentos, mas o serão no médio

prazo. Em termos de capacidade interna de desenvolvimento, é nítido que a área agrícola

desponta diante das demais, pois nelas se concentra a maior parte das qualificações em

instituições e pesquisadores, haja vista a secular tradição na pesquisa agronômica que

existe nesses países. Por fim, o desenvolvimento biotecnológico toma nos países em

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desenvolvimento, contornos diferentes daqueles observados nos países desenvolvidos,

onde a área de saúde é o carro-chefe da biotecnologia.

Figura 1: Fases da Revolução Biotecnológica

Fonte: SALLES FILHO (1993)

Figura 2: Comunidade de biotecnologia

Fonte: SALLES FILHO (1993)

- NETWORK -COMUNIDADE DEBIOTECNOLOGIA

UNIVERSIDADESHOSPITAIS,

CENTROS DE PESQUISA

FORNECEDORESDE SERVIÇOS E

EQUIPAMENTOS

GOVERNOS: FEDERAL, ESTADUAL

MUNICIPAL

SETORFINANCEIRO

EMPRESAS DEBIOTECNOLOGIA

CaracterísticasAgronômicas

Qualidade eProcessamento

FarmacêuticosNutracêuticos

Químicos Específicos

1995 2000 2005 2010

Resistência a herbicidas e insetos “input agronomic traits”

Óleos especiais, proteínas, vitaminas, minerais, etc “output quality traits”

Alimentos contendo vacinas, vitaminas, minerais, etc. Produção de fármacos.

Biofábricas. Plantas e animais produzindo matérias primas para a indústria.

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4. Biotecnologia e sua inserção na indústria, na agricultura e nos complexos

agroindustriais

4.1. Indústria

O avanço da biotecnologia para fins industriais veio ao encontro de vários fatores: a

procura de mecanismos de luta contra a poluição, crise do preço e aprisionamento de

hidrocarburos (devido a utilização do petróleo de forma maciça) e uma crise das indústrias

químicas, farmacêutica e de insumos agroindustriais.

Por volta da década de 70 estas indústrias passaram a sofrer uma queda de

rentabilidade devido aos rendimentos decrescentes em pesquisa, baixa rentabilidade de

novos produtos e aumento de custos de inovação, em grande parte causado pela legislação

que passou a exigir maior controle e tempo de experimentação de novos produtos (SORJ,

1984).

As pressões sobre o consumo de energia e, em menor medida, os problemas de

poluição, atuaram no sentido de mobilizar o apoio dos governos a programas de pesquisa

sobre aplicação das biotecnologias que embora nem sempre estritamente rentáveis,

respondiam às necessidades sociais e de procura estratégia de alternativas à dependência de

fontes externas de abastecimento.

Na mesma década, o ramo químico estava começando a testar a produção de SPC a

partir de hidrocarburos e gás. A crise do petróleo, porém, levou a desviar as atenções para

a biomassa.

O desenvolvimento da engenharia genética, paralelamente à pressão crescente das

críticas ecologistas, à poluição do meio ambiente, a crise energética que surgiu com a crise

do petróleo de 1973, e o avanço na procura de substitutos na indústria alimentar levou a

biotecnologia ao lugar central em que se encontra hoje.

Assim, os investimento tanto estatais como dos capitais industriais direcionaram-se

em especial no campo do controle da poluição e da procura de fontes renováveis de

energia. Por outro lado, as biotecnologias implicam tanto na substituição de produtos

existentes, como a criação de produtos novos, e envolve uma variedade de processo

industriais os mais diversos setores: produção agrícola, química/farmacêutica, prospecção

mineral, informática estabelecendo um novo patamar para o conjunto da produção

industrial.

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A inserção das biotecnologias nos mais diversos ramos industriais a partir do

controle das novas formas de tecnologia está produzindo uma verdadeira reestruturação

industrial. A maioria dos grandes centros de pesquisa em engenharia genética se formaram

na década de 70 – e ainda estão em formação – no qual denominou-se de Novas Empresas

de Biotecnologia (NEBs) onde a maior parte destas estão concentradas nas áreas de saúde

humana e animal, agricultura e especialidades químicas e ambientais.

“Toda movimentação em torno da biotecnologia, ocorrida em torno dos anos 70, levou estas empresas a avaliarem os possíveis impactos, das novas técnicas sobre seus processos e produtos. Evidente que muitas das possibilidades que se abriam vinham ao encontro aos interesses estabelecidos dessas empresas, fato que movimentou-as na direção das inovações, da pesquisa própria e do investimento em empresas emergentes do ramo. Estas últimas – empresas emergentes - ,por seu turno, ou associaram-se de alguma forma aquelas tradicionais, ou não lograram êxito suficiente a ponto de manterem-se no mercado. (SALLES FILHO, 1986)

A biotecnologia acabou por conseguinte convergindo setores industriais como de

alimentação e químico intensificando um processo de fusão. Nesse sentido, SORJ (1984)

ilustra o advento de novas fontes de proteínas, quer baseadas em hidrocarburos ou em

matérias renováveis.

Os autores também destacam as inovações em tecnologia de enzimas,

complementadas por engenharia genética, tem transformado o escopo de atividades às

quais as companhias químicas têm acesso direto, no caso da proteína de célula única

(Single Cell Protein) e suas implicações nos setores tradicionais de alimentos. Ao mesmo

tempo, estas inovações oferecem o prospecto de uma fonte alternativa renovável ao

petróleo como material base dos produtos químicos.

Desse modo, há uma tendência de um processo crescente de concentração intra-

industrial – indústria farmacêutica, alimentar e insumos agrícolas – onde, dentro desse

processo as grandes indústrias alimentares tenderiam a se orientar para o setor químico e

vice-versa. O surgimento desse novo paradigma tecnológico, baseado em biotecnologia

avançada, provocará uma reestruturação radical dessas indústrias a medida que os capitais

realinham as suas atividades para defender posições já estabelecidas e explorar novas

oportunidades (GOODMAN, 1990).

A evolução recente da biotecnologia está mostrando que mais do que numa nova

“indústria”, as NEBs estão se transformando – embora não fosse seu propósito inicial – em

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fornecedores especializados de P&D, a partir do estabelecimento de diversos tipos de

acordos, alianças estratégias e fusões com grandes companhias (SALES FILHO, 1993).

Desta forma, as aplicações da biotecnologia estão ocorrendo no contexto das

trajetórias tecnológicas e dos ambientes concorrenciais de setores industriais já existentes,

revelando um protagonismo cada vez maior das grandes corporações dos setor químico,

farmacêutico, de sementes e de alimentos.

Nesses termos, as biotecnologias, constituem hoje, conjuntamente com a

informática, um dos campos da inovação tecnológica que terá maiores conseqüência

sociais e econômicas para países em desenvolvimento, tendo em vista o maior peso de

produtos agrícolas na pauta de exportação dos mesmos. Nesse sentido, analisaremos a

seguir o impacto biotecnológico na agricultura.

4.2 Biotecnologia na agricultura e complexos agroindustriais

Restringindo nosso campo de análise à área agrícola concernente aos impactos da

biotecnologia, verificamos que a engenharia genética é uma realidade ampliando as

possibilidades em linhas como: controle biológico de pragas, obtenção de novas variedades

mais resistentes ou mais produtivas via culturas de tecido, fixação biológica de nitrogênio,

obtenção de sementes isentas de vírus e muita outras possibilidades derivadas destas.

Ao contrário do desenvolvimento dos setores da atividade industrial artesanal, a

agricultura possui um processo de produção natural, nesse sentido, descreve os autores

GOODMAN (1990) a alternativa dos capitais industriais foi se adaptar as limitações

estruturais do processo representadas por questões de energia, tempo e espaços ligados à

terra. Assim, a natureza com seus ciclos, concerne à produção agrícola propriamente dita,

uma singularidade pois é regida pelas estações climáticas, qualidade do solo e pelos

aspectos biológicos-químicos (resistência às pragas e doenças) naturais.

Dentro desses limites naturais alguns elementos discretos do processo produtivo

foram conquistados pela indústria como: a semeadura a lanço pela máquina de semear, o

cavalo pelo trator, o esterco por produtos sintéticos, ou seja, sementes e agroquímico,

equipamentos e processamento, criando assim, um “complexo de setores agroindustriais” e

que os autores denominaram de apropriacionismo.

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“Este Processo descontínuo porém persistentes de eliminação de elementos discretos da produção agrícola, sua transformação em atividades agrícolas e sua reincorporação na agricultura sob a forma de insumos designamos aprociacionismo.” (GOODMAN, 1990)

As apropriações da produção rural, parciais e historicamente descontínuas,

acabaram definindo as origens dos capitais agroindustriais e o complexo de setores

equipamentos, processamento, sementes e agroquímico.

Por outro lado, com o surgimento da indústria alimentícia o produto agrícola acaba

sendo reduzido a um insumo industrial, sofrendo cada vez mais transformações por

componentes não-agrícolas, por exemplo, técnicas de enlatamento e refrigeração

(margarina x manteiga), processamento de carnes, fibras artificiais (algodão x náilon) em

que os autores caracterizaram como substitucionismo3.

As inovações por parte das indústrias no processamento de produtos alimentícios

intermediários básicos como: farinha, óleos vegetais comestíveis, gorduras animais,

açúcar, leite em pó deram uma liberdade muito maior para diferenciar a forma, a

composição e a embalagem do produto rural.

Nesse sentido, a agricultura passaria a ser composta por novas relações sociais

tendo a agroindústria como setor dominante que dita os processos produtivos

desenvolvidos no meio rural.

Com o novo paradigma tecnológico representado pela biotecnologia avançada, por

sua vez, esta apresenta forte impacto em diferentes cadeias produtivas que utiliza ou

produzam qualquer tipo de matéria orgânica.

Não obstante, para os autores a biotecnologia no processo de apropriacionismo e

substitucionismo deu novas direções no processo de produção, rompendo no sentido de

eliminar a terra e a natureza concernentes na reprodução de plantas e animais domésticos,

nos agroquímicos e na fabricação de alimentos. Um exemplo desta questão é o

desenvolvimento na criação confinada de aves e animais domésticos e expansão dos

sistemas agrícolas de meio ambiente controlado. 3 Para GRAZIANO DA SILVA (1992) os termos utilizados “apropriacionismo” e “substitucionismo” que são utilizados para descrever o processo de industrialização da produção rural e do produto agrícola final não passam de recursos descritivos, sem conteúdo analítico, utilizados para analisar processos, de há muito relatados pelos clássicos, de criação de novos ramos de atividades (ou transferência de funções, na definição de autores neoclássicos) para o “mercado interno” do desenvolvimento capitalista. A literatura mais recente tem tratado o fenômeno com diferentes terminologias, figurando entre as mais conhecidas a “externalização” (de partes) do processo produtivo ou o “desmonte” das unidades agrárias.

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GOODMAN et al. (1990) concluem que o resultado final será o de eliminar o

produto rural e, assim, a base rural da agricultura. Esta dinâmica é ilustrada pelo

paradigmático desenvolvimento da indústria química e das matérias-primas sintéticas. Na

indústria alimentícia a mesma tendência é revelada pela expansão dos alimentos

“fabricados” altamente processados, baseados na reconstituição de componentes

alimentícios genéricos, e pelo crescente controle tecnológico da produção de alimentos,

manifesto no uso de aditivo químicos.

Nesses termos, a indústria biotecnológica (ou a biotecnologia) estaria abrindo

novos campos de valorização dos capitais no agribusiness ao revitalizar antigas trajetórias

tecnológicas4. Assim, os complexos agroindustriais estariam se convertendo em complexos

bio-industriais, no qual as industrias de base biológica não apenas têm lugar garantido na

indústria alimentar do futuro, como também devem ampliar o seu espaço no chamado D1

da agricultura – indústria de sementes e matrizes, vacinas, defensivos e fertilizantes.

Contrariamente a essa visão, GRAZIANO DA SILVA (1992) coloca em discussão

de que dispomos de alternativas de fabricação de quase todos os produtos agrícolas, sejam

tecidos e fibras, sejam alimentos “fabricados” a partir de insumos não agrícolas, mas a

questão é que sempre houve no caso dos alimentos uma grande resistência por parte dos

consumidores à substituição dos produtos naturais por sintéticos, resistência essa que tem

crescido nos últimos anos em função das novas dimensões nutricionais e de saúde ligadas

ao consumo de alimentos.

Nesse sentido, o autor enfatiza que é essa “preferência dos consumidores” – que

nada tem haver com o postulado neoclássico da soberania do consumidor, mas sim com os

interesses do agribusiness – que não nos permiti antecipar qualquer “tendência final”

inexorável de eliminar completamente a base rural da agricultura. A exploração de tais

especificidades da produção agropecuária pode se constituir exatamente em fontes de

lucros extraordinários, como atestam os movimentos de recuperação da agricultura

orgânica.

4As novas tecnologias poderão acelerar e ampliar o caminho da utilização da microeletrônica - em especial da informática e da robotização – na agricultura, constituindo-se essa sim na base do novo paradigma pós-industrial baseado na automação flexível, como já ocorre em muitos segmentos industriais. Para essa discussão ver GRAZIANO DA SILVA, J. O desenvolvimento das novas tecnologias e seus possíveis impactos sobre a agricultura. Campinas: IE/UNICAMP, 1991; e também SORJ, B. et al., O impacto sócio-econômico das biotecnologias: uma perspectiva internacional. Cadernos de difusão de tecnologia. Brasília, 1 (2):219-244 (maio/ago), 1984.

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Assim, qualquer que seja o padrão alimentar do futuro, um novo padrão produtivo

tenderá a se impor em nível internacional a partir da disseminação dessas novas

tecnologias. Os estudos recentes têm apontado para a formação de verdadeiros “complexos

internacionais” de certas commodities, como, por exemplo, no caso do

milho/soja/carros/óleos vegetais5.

Não obstante, aí se destaca a importância da estratégia dos grandes grupos

multinacionais na reestruturação dos sistemas agroalimentares na Europa, nos Estados

Unidos, Ásia e América Latina. Nesse sentido, uma nova divisão internacional do trabalho

se impõe redefinindo as funções da agricultura dos países retardatários.

Nessa perspectiva, a reestruturação da produção agrícola orientada pela

biotecnologia avançada pode significar para países em desenvolvimento janelas de

oportunidade cada vez mais escassa devido às necessidades de vantagens competitivas

acumuladas pela estrutura agro-industrial e sua biodiversidade. Verifica-se dessa maneira,

uma oportunidade única para que nações menos desenvolvidas possam ter acesso a uma

tecnologia de fronteira com grande potencial de aplicações produtivas.

5. A biotecnologia como janela de oportunidade

A partir do surgimento da biotecnologia "moderna", foi estabelecido um debate

sobre seu potencial de alterar as estruturas industriais existentes, conformando um novo

"paradigma" de produção. Devido ao caráter genérico das técnicas biotecnológicas, que

permitem uma grande variedade de aplicações possíveis, alguns autores prognosticaram

seu efeito "revolucionário", no sentido da possível criação de novos setores industriais e da

modificação das fronteiras dos anteriormente existentes.

Nessa interpretação, destacou-se o provável surgimento de empresários

"schumpeterianos", que saberiam explorar o potencial de aplicação comercial das novas

descobertas científicas. Apontava-se a possível existência de "janelas de oportunidade"

para as pequenas empresas inovativas, mesmo nos países em desenvolvimento, uma vez

que os momentos de "ruptura do paradigma" seriam mais propícios para esses novos

5A semelhança dos “worlds car”, que têm suas peças produzidas em diferentes partes do mundo, teríamos os “world steer”, por exemplo, termo utilizado para expressar a crescente internalização dos processos produtivos na pecuária de corte. SANDERSON (1984) apud GRAZIANO SILVA (1992).

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entrantes e para o estreitamento do gap com os países desenvolvidos (PEREZ & SOETE,

1988). Também sob a perspectiva de ruptura radical, foram destacadas as possíveis

ameaças do desenvolvimento da biotecnologia para os países em desenvolvimento, a partir

da possibilidade de substituição de vários produtos agrícolas tradicionalmente exportados

por esses países.

Assim, são citados os casos dos novos adoçantes e seu efeito sobre o mercado

açucareiro, a produção de aminoáciodos essenciais pela via biotecnológica em substituição

da proteína da soja e a produção de manteiga de cacau por vias altenativas, para citar

apenas alguns exemplos. No extremo, foi prognosticada a substituição das lavouras

agrícolas por processos biotecnológicos que passariam a produzir compostos básicos de

natureza genérica, a partir de cuja combinação seriam produzidos os alimentos

(GOODMAN et al., 1990).

Todavia, até o presente, a evolução da biotecnologia apresenta um quadro muito

aquém desses prognósticos de ruptura e reestruturação industrial. Em primeiro lugar, ainda

são poucos os produtos biotecnológicos efetivamente comercializados. Por outro lado,

existem ainda muitas lacunas no conhecimento científico e na sua aplicação produtiva.

Além disso, as empresas que lidam com biotecnologia deverão enfrentar sérios problemas,

seja de ordem técnico-científica, produtivos, financeiros ou comerciais, que ainda não

conseguiram ser totalmente equacionados.

Nesses termos, esse momento de atraso de difusão constitui uma grande

oportunidade para os países menos desenvolvidos se inserirem como “primeiro

inovadores”, notadamente em setores de agrobiotecnologia nos quais existem capacidade

tecnológica institucional já acumuladas. Em vez de queimar etapas, como sugerido por

PEREZ & SOETE (1988), janelas de oportunidade nesse caso vêm do conhecimento

acumulado em P&D e do aprendizado tácito das instituições públicas e privadas de

pesquisa.

Considerações finais

O objetivo deste artigo foi traçar a questão de como se insere a agricultura no

contexto do novo paradigma notadamente, a biotecnologia avançada, cujo setor é muito

importante para os países em desenvolvimento e que, esta onda tecnológica poderia

determinar uma nova divisão de forças entre países.

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Assim, os riscos de marginalização ou mesmo exclusão dos países em

desenvolvimento desse processo são grandes pois muitos já apresentam grande atraso na

sua capacidade de usar a mudança tecnológica como motor do crescimento, de

transformações estruturais e modernização.

A percepção de que a competitividade deve ser construída (ou seja, as vantagens

comparativas são dinâmicas), e que a competitividade depende de determinantes

microeconômicos quanto estruturais. No nível micro, importam a capacitação tecnológica

– produtos, processos, gerenciamento – a organização industrial e as estratégias das

empresas. No nível estrutural importam o ambiente macroeconômico favorável, políticas

nacionais adequadas, acumulação de capital – taxas elevadas de investimento e poupança –

recursos humanos qualificados, infra-estrutura física eficiente e infra-estrutura de Ciência e

Tecnologia (C&T) articulada aos interesses dos setores produtivo e sociedade. As

vantagens competitivas nacionais serão determinadas pelo número e natureza dessas

indústrias e locais.

Nesses termos, o consenso na literatura de que a biotecnologia avançada está se

consolidando como um sistema ou paradigma tecnológico tendo em vista seu potencial de

uso para vários agrupamentos industriais e um amplo espectro de novos produtos e

processos. Considerando-se as oportunidade que a biotecnologia oferece às nações em

desenvolvimento, de maneira geral a América Latina (Brasil, Colômbia, Venezuela,

México, Equador e o Peru) são países mais ricos em biodiversidade. É fato de que esses

países não possuem nenhuma capacidade tecnológica na produção de biofármacos,

produtos que estão tornando realidade um novo padrão tecnológico da química

farmacêutica, no países desenvolvidos. Por outro lado, na agricultura os países em

desenvolvimento tem competência mínima para almejar resultados mais ousados. Isto não

significa que devam ser descartadas outras áreas, mas apenas que no curto prazo toda a

oportunidade está na agricultura.

Nesse sentido, o exemplo dos países desenvolvidos em que os governos continuam

desempenhando papel ativo na promoção da competitividade de suas economias através de

políticas públicas, os países em desenvolvimento teriam que definir uma efetiva política

nacional de biotecnologia – legislação de patentes, coordenação e financiamento de

pesquisa básica com prioridades, rede de informações - e a criação de ligações mais

duradouras de pesquisa pública e privada.

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Dessa forma, para os países menos desenvolvidos, a biotecnologia é, ao mesmo

tempo, uma oportunidade e um risco. É necessário agir com rapidez e bom senso para

reduzir os riscos e aproveitar ao máximo as oportunidades.

Referências Bibliográficas AZEVEDO, NARA. Pesquisa científica e inovação tecnológica: a via brasileira da biotecnologia. Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n.1, p. 139-176, 2002. CHESNAIS, F. A globalização e o curso do capitalismo de fim-de-século. Campinas: Economia e Sociedade. n.5, 1-30, dez., 1995 Economia e Sociedade: Campinas, n. 1, ago. 1992. DOSI, G., PAVITT, R. SOETE, L. La economia del cambio técnico y el comercio internacional. México: Conselho Nacional de Ciencia y Tecnologia, 1988. GOODMAN, D. E., SORJ, B. WILKINSON J. Da lavoura as biotecnologias. Rio de Janeiro: Campus, 192 p. 1990. ______________. Agroindústria, políticas públicas e estruturas rurais: análises recentes sobre a agricultura brasileira. Revista de Economia Política, v. 5, n. 4, p. 31-56, out-dez./1985. GRAZIANO DA SILVA. J. Fim do “Agribusiness” ou Emergência da Biotecnologia? Campinas: Economia e Sociedade. n.1, 163-67, dez. 1992. LEMOS, M. B. Liderança de mercados e entrada em tecnologia em sistemas agroalimentares de países semi-industrializado; o caso brasileiros. Revista de Economia Política, v. 16, n. 1, p. 79-100, jan-mar./1996. PAULA, J. A. de, CERQUEIRA, H. E. A. da G., ALBUQUERQUE, E. da M. Ciência e tecnologia na dinâmica capitalista: a elaboração neoschumpeteriana e a teoria do capital. Texto para discussão , n.152 . Belo Horizonte: UFMG/CEPLAR, 2001. PAULA, A. P. Limites do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil. Revista de Economia Política, v. 19, n. 2, p. 05-24, abr-jun./1999. PÉREZ, Carlota. Cambio técnico, reestruturación competitiva y reforma institucional en los países em desarrolo. México: El Trimestre Economico, LIX, n. 233, jan-mar/ 1992. PÉREZ, C., SOETE, L. Catching up in technology; entry barries and windows of opportunity. In Dosi, G. et alii, Techinal change and economic theory. London, Mova York, Pinter Publishers. 1988

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CONSUMIDOR IDOSO: UM ESTUDO SOBRE A TOMADA DE DECIS ÃO NA

COMPRA DE SERVIÇOS DE TURISMO

Marco Aurélio Carino Bouzada 1

Luciana Merçon 2

Resumo

O principal objetivo deste trabalho foi identificar quais os fatores e as variáveis demográficas (gênero, faixa etária, renda e escolaridade) que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços de turismo. Para isso, foi realizada uma pesquisa de campo com os associados da terceira idade da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR), no estado do Rio de Janeiro. A fundamentação teórica levantada para esta pesquisa mostrou-se relevante, abrangendo temas sobre tomada de decisão, satisfação/lealdade/confiança, lazer/turismo e terceira idade. A partir do universo da AAP-VR, foi extraída uma amostra de 100 respondentes e os dados foram tratados através da utilização da Análise Fatorial e da Regressão Linear Múltipla para atender o objetivo e verificar as hipóteses. Os resultados que mais se destacaram foram: as mulheres viajam com mais frequência que os homens e quanto menor o grau de instrução, maior a frequência de viagens.

Palavras-chave: Consumidor Idoso, Serviços de Turismo, Tomada de Decisão

Abstract

The main objective of this work were to identify the factors and demographic variables (gender, age, income and education) with more influence over the decision making of senior citizens in the purchase of tourism services. For this, it was conducted a field survey with senior members of the Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR), within Rio de Janeiro. The theoretical basis for this research revealed itself as being relevant, covering topics on decision-making, satisfaction/loyalty/trust, leisure/tourism and senior citzens. From the AAP-VR universe, it was extracted a sample of 100 members and the data were handled by Factor Analysis and Multiple Linear Regression to meet the goal and verify the assumptions. The results to be highlighted are: women travel more frequently than men, and the lower the level of education, the higher the frequency of trips.

Key-words: Elderly Costumer, Tourism Services, Decision Making

1 Doutor em Administração - COPPEAD/UFRJ. Professor Universidade Estácio de Sá do Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial. ([email protected]). 2 Mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial - MADE/UNESA). Diretoria Financeira e Contábil. PSA Peugeot Citroen. ([email protected]).

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Introdução

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil, em 2009,

tinha 21 milhões de pessoas com mais de 60 anos que movimentavam R$ 255,6 bilhões por

ano. Diante destas cifras, é importante que o mercado veja o idoso como um consumidor

especial.

O setor do turismo foi um dos primeiros a apostar no nicho. Segundo pesquisa do

Quorum Brasil, viajar é o desejo de consumo da maioria (58%) dos idosos. Por isso, por

exemplo, o Ministério do Turismo tem há quase dois anos o programa "Viaja Mais Melhor

Idade Hospedagem", em que o idoso paga metade do valor da hospedagem. Além disso, no

final da primeira década do século XXI, 60% dos passageiros de cruzeiros tinham mais de 60

anos e, segundo Oliveira e Vieira (2008), o público da terceira idade é responsável por cerca

de 20% da receita de turismo no Brasil.

Mas como esses idosos brasileiros tomam suas decisões em relação à compra de

serviços de turismo? Que características são capazes de impactar esta tomada de decisão?

De uma maneira geral, por exemplo, de acordo com Welch (2002), há diferenças

importantes no estilo masculino e feminino de tomar decisões. Os homens tendem a encarar

uma situação decisória como um desafio intelectual. Eles evitam ouvir outras pessoas e

decidem com agilidade, porque entendem tais ações como uma representação de capacidade e

de independência. Por outro lado, as mulheres tendem a perceber tais situações como uma

oportunidade para construir relacionamentos e até obter consenso, sem se sentirem piores por

consultar outras pessoas.

Mas em relação ao consumidor idoso? Há características e necessidades especiais que

influenciam a tomada de decisão no que se refere à compra de serviços de turismo?

Para ajudar a discutir estas questões, algumas hipóteses foram testadas em relação ao

grupo de idosos estudado nesta pesquisa (a ser descrito na seção de Metodologia). Tais

hipóteses surgiram com base no Referencial Teórico apresentado a seguir e na experiência dos

pesquisadores:

- H1: O gênero dos idosos tem relação com a frequência em viagens de turismo;

- H2: A escolaridade influencia a frequência com que os idosos viajam em turismo;

- H3: Há atributos do serviço que têm uma maior influência na tomada de decisão dos

idosos na compra de um pacote de turismo.

Para Castro e Bastos (2003), a terceira idade, sem dúvida, preocupa e mobiliza o mundo

moderno, dado o expressivo crescimento da população mundial acima dos 60 anos. Há falta

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de informações científicas sobre o processo de envelhecimento e pouca divulgação de estudos

e pesquisas sobre suas características e potencialidades. A sociedade procura novas

alternativas de atendimento e estimulo para os idosos, a fim de não serem excluídos da força

de trabalho e do convívio social.

Segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2009, a expectativa de vida da

população brasileira ultrapassa os 70 anos, uma transformação que se reflete na economia

(IBGE, 2010).

De acordo com a mesma pesquisa, a cidade olímpica – o Rio de Janeiro – terá mais

idosos do que jovens em 2016. O Rio de Janeiro é o estado do Brasil que tem o maior

percentual de pessoas com mais de 60 anos, em torno de 14,9%.

Por outro lado, o consumo de produtos de lazer, em especial em um estado com

vocações turísticas evidentes, necessita ser adequadamente compreendido e difundido.

A presente investigação interliga as duas questões, buscando esclarecer as contingências

e peculiaridades que interferem no desenvolvimento de importante segmento econômico e

social do país.

Dessa forma, o objetivo principal desta pesquisa consiste em identificar quais as

variáveis que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços

de turismo.

1. Referencial Teórico

1.1 Tomada de Decisão em Compra de Serviço

De acordo com Gomes et al. (2002), nas decisões em grupo, as preferências individuais

podem ser combinadas de modo a resultar em uma decisão do grupo. As variáveis de decisão

são as ações detalhadas, que devem ser decididas e comunicadas. A decisão do grupo é,

assim, consequência de um intercâmbio de decisões entre os membros do grupo do qual

emana a negociação das propostas aceitáveis. Se o compromisso é obtido, elas são

automaticamente acordadas. Um ponto importante da decisão é a objetividade: os

participantes podem divergir na avaliação, mas a decisão grupal é objetiva e final.

Grönroos (2003) ressalta que clientes não compram bens ou serviços, compram os

benefícios que os bens e serviços lhes proporcionam. Compram ofertas consistindo em bens,

serviços, informações, atenção pessoal e outros componentes. Tais ofertas lhes prestam

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serviços e este é percebido pelos clientes que criam um valor para eles. Na análise final,

empresas, no geral, oferecem um serviço aos clientes, não importando o que produzam.

Uma das peculiaridades no processo de compra de um serviço consiste no fato de o

cliente não poder examinar um serviço antes da compra (PARASURAMAN et al., 1985), o

que traz implicações bem particulares para o processo de tomada de decisão por parte do

cliente.

1.2 Satisfação / Lealdade / Confiança

Kotler (1998) define a satisfação como nível de sentimento de uma pessoa resultante da

comparação do desempenho (ou resultado) de um produto ou serviço em relação às suas

expectativas.

Apesar da crença de que a satisfação é um determinante crítico para se alcançar a

lealdade dos clientes, estudos empíricos realizados sobre o tema indicam que a relação entre

satisfação e lealdade não é linear e muito menos simples: um alto nível de satisfação nem

sempre é suficiente para gerar comportamentos de lealdade (GASTAL & LUCE, 2005).

Esta necessidade para confiança é particularmente importante em indústrias de serviço

onde há risco; a incerteza é aumentada à extensão que o cliente não pode examinar um serviço

antes da compra (PARASURAMAN et al., 1985).

1.3 Terceira Idade

De acordo com Goldman (2000), o termo terceira idade foi criado pelo gerontologista

francês Huet, cujo princípio cronológico coincide com a aposentadoria, na faixa dos 60 aos 65

anos, embora as mudanças características já tenham começado a se tornar evidentes mais

cedo.

Segundo Oliveira e Vieira (2008), os idosos desejam as mesmas coisas que pessoas mais

jovens, mas precisam de certas exclusividades que atendam sua saúde e outras condições que a

idade impõe. Por exemplo, os idosos diferem quanto ao comportamento de compra e isto se

deve não somente às diferenças cronológicas, mas também às biológicas, psicológicas e

sociais (SCHEIN et al., 2009).

Dessa forma, avaliar a qualidade de vida do idoso implica na adoção de múltiplos

critérios de natureza biológica, psicológica e sócio-estrutural, pois vários elementos são

apontados como determinantes ou indicadores de bem-estar na velhice, tais como:

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longevidade, saúde biológica, saúde mental, satisfação, controle cognitivo, competência

social, produtividade, atividade, status social, renda, continuidade de papéis familiares,

ocupacionais e continuidade de relações informais com amigos (NERI, 1993).

Por isso, algumas das áreas importantes que podem atender este público incluem

academias de ginástica, cruzeiros e turismo, cirurgia estética e tratamento de pele, livros e

cursos universitários (SOLOMON, 2008).

Além disso, segundo Sheth et al. (2008), uma parcela recorde da terceira idade participa

de viagens e atividades de lazer, faz investimentos e empréstimos e oferece presentes para os

mais jovens de sua família.

Outros mercados também precisam começar a prestar atenção nesse público, percebê-lo

como um consumidor em potencial. No entanto, começar a entender o idoso somente como

público-alvo não é suficiente, é necessário saber como persuadi-lo. E esse “como” faz uma

total diferença (SCHIRRMACHER, 2005).

1.4 Lazer / Turismo

Dumazedier (1973) conceitua o lazer como o tempo outorgado pela sociedade ao

indivíduo após o cumprimento de suas obrigações profissionais, familiares, sociais, espirituais

e políticas.

No domínio do turismo, certos estudos mostraram que os clientes satisfeitos da sua

estada turística demonstram intenções comportamentais favoráveis ao destino (ZEITHAML et

al., 1996) ou mesmo conduzem a uma fidelidade acrescida ao destino (BEARDEN & TEEL,

1983).

As motivações para viajar são variadas e influenciadas por experiências passadas. Os

motivos mais usuais incluem nostalgia, busca de experiências culturais, vontade de conhecer

lugares e pessoas novas (LEE; TIDESWELL, 2005).

1.4 Lazer / Turismo na Terceira Idade

Desde os anos 80, diversos estudos vêm sendo desenvolvidos para descobrir os fatores

motivacionais que impulsionam as pessoas de mais idade a se engajarem em viagens a lazer,

que não envolvam trabalho (HORNEMAN et al., 2002).

Ao envelhecer, as pessoas não querem ficar isoladas, sentem necessidade de manter e

criar novas amizades e tendem a buscar lugares onde possam aumentar suas redes de contatos,

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como clubes para terceira idade, que promovem bailes, viagens, jogos e chás da tarde

(SCHEWE, 1991).

Soma-se a isso o fato verificado por Schein et al. (2009) dos idosos, em parte,

possuírem renda e tempo disponíveis para consumir produtos turísticos.

Há ainda vários fatores identificados como motivação de lazer para pessoas idosas,

como:

- lazer e saúde física e mental (OLIVEIRA; VIEIRA, 2008);

- descanso e relaxamento, tempo com a família e amigos, exercícios físicos,

aprendizado e auto-realização (GUINN, 1980);

- escape da rotina, contatos sociais e relaxamento (KERSTETTER; GITELSON, 1990);

- estímulo intelectual, independência e socialização (THOMAS & BUTTS, 1998);

- educação/natureza, acampamento, socialização, relaxamento e busca de informações

para viagem (BACKMAN et al., 1999);

- e desenvolvimento de novas habilidades, ajustes físicos, desafio, exploração ou

aprendizado sobre a natureza e conhecer novas pessoas (MOISEY & BICHIS, 1999).

Estando motivados e com tempo e dinheiro disponíveis, integrantes da terceira idade

compram serviços de turismo. No Brasil, por exemplo os idosos respondem por

aproximadamente 20% da receita de turismo (OLIVEIRA & VIEIRA, 2008). Schein et al.

(2009) identificaram os atributos vistos como mais importantes desse consumo, em âmbito

nacional: acomodações do hotel, atendimento/cortesia do hotel, localização do hotel e gastos

totais da viagem.

Mesmo com disponibilidade de tempo, nem todos têm disponibilidade de dinheiro. A

terceira idade de baixa renda, no Brasil, tem severas limitações orçamentárias. Desta forma, as

propostas de desenvolvimento de opções de lazer, segundo Araujo et al. (2012), deveriam levar

em conta não apenas a criação de produtos e serviços para o mercado; tais propostas também

deveriam ser levadas em consideração pelo setor público, para esse desenvolvimento de

programas que possam igualmente atender expectativas e possibilidades de acesso por parte dessa

fatia da população.

2. Metodologia

Esta pesquisa teve como finalidade descrever e explicar a tomada de decisão do

consumidor idoso na compra de serviços de turismo. Ela caracterizou-se por uma abordagem

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quantitativa em virtude de obedecer ao paradigma clássico, que postula a existência de uma

realidade externa que pode ser examinada com objetividade, por meio da aplicação de

métodos quantitativos (TERENCE & ESCRIVÃO FILHO, 2006).

Quanto aos meios, ou seja, quanto aos procedimentos técnicos utilizados, a pesquisa

pode ser caracterizada como um estudo de campo que, segundo Gil (2007), embora muito se

assemelhe a um levantamento, apresenta maior profundidade e menor alcance.

2.1 Universo e Amostra

De acordo com Gil (2007), a amostra consiste em uma pequena parte dos elementos que

compõem o universo.

Para a efetivação deste trabalho, o universo adotado para a realização da amostragem da

pesquisa foi a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR),

situada no Médio Paraíba, em Volta Redonda – RJ (AAP-VR), considerando apenas os

membros pertencentes à terceira idade (mais de 40.000).

A AAP-VR foi criada em 1973, como entidade de utilidade pública e filantrópica e com

objetivo de prestar assistência aos seus associados, defendendo seus direitos e interesses.

Hoje, tem mais de 45 mil associados (a grande maioria pertencente à terceira idade) e é a

maior associação de aposentados da América Latina, prestando assistência médica,

odontológica, social e funerária aos associados e aos seus dependentes.

A partir do universo, foi realizado um processo de amostragem por conveniência

(CHURCHILL, 1998), com a aplicação do questionário (abordado na seção 3.2 a seguir) a

100 diferentes membros da Associação, pertencentes à terceira idade.

O tamanho da amostra foi escolhido de forma a garantir um mínimo de qualidade

inferencial nas análises estatísticas, sem inviabilizar o processo de coleta de dados. Tal

inviabilização fatalmente aconteceria se precisasse ser abordada e incomodada, no período de

tempo destinado a esta fase da pesquisa, uma quantidade muito maior de idosos pertencentes a

uma associação de difícil acesso e com normas rígidas quanto à entrada de não-membros.

2.2 Coleta e Tratamento de Dados

Para o processo de coleta, os pesquisadores desenvolveram um formulário estruturado,

composto de indagações demográficas (gênero, faixa etária, renda e escolaridade) e sobre a

frequência de viagens acerca dos respondentes e de 24 questões fechadas. Tais questões foram

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elaboradas com base na fundamentação teórica acerca dos temas sobre tomada de decisão,

satisfação/lealdade, confiança, envolvimento social, lazer/turismo e terceira idade, abordados

na seção 2 anterior.

É válido ressalvar que as perguntas foram construídas e direcionadas para consumidores

de pacotes de turismo que utilizam o ônibus como meio de transporte, pois outras formas de

viajar não são muito utilizadas pelos membros da AAP-VR.

O pré-teste do questionário foi realizado junto a idosos da família dos pesquisadores e

de alguns colegas e indicou que o mesmo estava adequado, sem deixar de exigir, no entanto,

alguns ajustes quanto ao teor de algumas perguntas.

A coleta de dados foi realizada no segundo semestre de 2009 na AAP-VR, através da

aplicação do questionário durante o período matutino, devido à presença e participação da

terceira idade nas atividades culturais, de lazer, assistência médica e outras.

Ao longo de 3 dias, os pesquisadores tiveram seu acesso autorizado pela associação e

puderam abordar, presencialmente, membros aparentemente pertencentes à terceira idade, que

estavam participando das atividades externas. O objetivo da pesquisa era brevemente

apresentado para o membro, que era indagado quanto à sua vontade de participar da mesma e

quanto à sua faixa etária (para verificação se ele tinha pelo menos 60 anos).

Caso o membro pertencesse efetivamente à terceira idade e quisesse participar da

pesquisa, os pesquisadores liam cada pergunta e anotavam cada resposta. Tal processo foi

repetido até a cota de 100 questionários respondidos ser alcançada.

A análise dos dados foi realizada, inicialmente, através da utilização da Análise Fatorial,

que é recomendada quando se está diante de uma amostra com diversas variáveis associadas.

Dessa forma, foi possível obter uma redução dimensional, transformando uma base de 24

variáveis em uma quantidade menor de fatores, sem grande perda de informação.

Em seguida, foram realizadas algumas Regressões Múltiplas para tentar explicar o

comportamento entre as variáveis e fatores (estes oriundos da Análise Fatorial): (i) variáveis

demográficas como variáveis explicativas para cada fator; (ii) fatores como variáveis

explicativas para a frequência de viagem; e (iii) variáveis demográficas como variáveis

explicativas para a frequência de viagem.

Houve a necessidade de incorporar informações de algumas variáveis qualitativas

(dados demográficos: faixa etária, renda e escolaridade) e o método para quantificar esses

atributos consistiu na criação de variáveis dummy, usadas para indicar a presença ou ausência

de determinado atributo, assumindo apenas o valor 1 ou 0; em seguida, foi realizado um

agrupamento dos dados: faixa etária, renda e escolaridade. A variável frequência foi

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transformada em quantitativa através da regra apresentada na tabela 1 a seguir. Na tabela 2 a

seguir, estão evidenciadas tais transformações.

Tabela 1: Definição de Valores para a Frequência

Valor Original Valor Quantitativo

Primeira vez 0

A cada seis meses 2

A cada ano 1

Raramente 0,5 Fonte: elaboração própria

Tabela 2: Variáveis Demográficas e Frequência3

Gênero

Mas

culin

o

60-6

9

70-7

9

1-3

salá

rios

mín

imos

4-6

salá

rios

mín

imos

anal

fabe

to

(a)

1º g

rau

inco

mpl

eto

e co

mpl

eto

2º g

rau

inco

mpl

eto

e co

mpl

eto

1 0 0 0 0 1 0 1 0 0,52 0 0 0 1 0 0 1 0 2,03 0 1 0 0 1 0 0 1 2,04 0 0 1 1 0 0 1 0 1,05 0 0 1 1 0 1 0 0 0,06 0 0 1 1 0 1 0 0 0,57 0 0 1 1 0 0 1 0 0,58 0 0 1 0 1 0 1 0 2,09 1 1 0 1 0 1 0 0 0,010 1 1 0 1 0 1 0 0 0,511 1 1 0 1 0 0 1 0 0,512 1 1 0 1 0 0 1 0 1,013 1 1 0 1 0 1 0 0 1,014 1 1 0 1 0 1 0 0 0,5

Fre

quen

cia

Faixa Etária Renda Escolaridade

Par

ticip

ante

s

Fonte: elaboração própria

2.3 Limitações

Nem todos os integrantes abordados responderam ao formulário, deixando uma dúvida

quanto à existência de diferenças substanciais entre os integrantes que responderam e aqueles

que se negaram a responder e as possíveis divergências em termos de variáveis relevantes

para o estudo, conforme sugere poder acontecer Malhotra et al. (2005).

O processo de amostragem não foi aleatório e sim por conveniência dos pesquisadores.

Além disso, os resultados são baseados em opiniões, que podem carregar subjetividade

3 Apesar da amostra consistir de 100 entrevistas, nesta tabela estão apresentados apenas 14 resultados para fins de demonstração do processo.

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demais (limitação intrínseca ao método). Outra limitação foi a transformação arbitrária que

sofreu a variável frequência.

Apesar da pesquisa não envolver todos os idosos (mas somente os pertencentes à AAP-

VR), há uma limitação que é a dificuldade de se generalizar os resultados, pois os dados

foram coletados em um grupo específico (a AAP-VR), que não pode ser considerado como

representativo de todos os idosos consumidores de serviços de turismo. Além disso, o tema

permite muita subjetividade, e o nível de instrução do grupo pode ter levado a entendimentos

equivocados sobre os questionamentos feitos.

3. Análise e Interpretação dos Resultados

3.1 Análise Fatorial

A maioria dos indicadores conseguiu (na tentativa com todos os indicadores) um poder

de explicação alto, considerando todos os fatores obtidos (comunalidades). Os fatores que

apresentaram as variáveis com maior semelhança nos resultados (de 0,833 a 0,800) referem-se

à qualidade e satisfação do consumidor. Os que apresentaram resultados (de 0,699 a 0,578)

são as variáveis mais peculiares e referem-se à qualidade e eficiência do prestador de serviço.

Um grau de explicação satisfatório foi atingido por 8 (oito) fatores que foram calculados

pela Análise Fatorial. Com relação a esse indicativo, o conjunto de fatores conseguiu explicar

mais de 75% da variação dos dados originais, o que é um bom resultado.

A partir do resultado, os fatores rotacionados foram avaliados com os dados originais e

classificados e rotulados conforme o que está apresentado, juntamente com o % de variação

explicada por cada fator, na tabela 3 a seguir. A rotulação foi realizada de acordo com o teor

das perguntas que se revelaram mais correlacionadas com cada fator, o que pode ser

visualizado na tabela 4, na sequência.

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Tabela 3: Rótulo e % de variação explicada dos fatores

Fator Rótulo% de variação

explicada1 Recompensa do investimento em dinheiro, tempo e amigos 14,53%2 Bem-estar em grupo 13,27%3 Conforto do transporte 10,73%4 Satisfação em viajar 8,99%5 Bem-estar de viajar em companhia 8,80%6 Confiança na qualidade do serviço prestado 7,80%7 Serviço / Custo 5,66%8 Disponibilidade de tempo para viajar 5,42%

Total 75,20%

Fonte: elaboração própria

Tabela 4: Matriz de Fatores Rotacionados

Fonte: elaboração própria

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Conforme pode ser observado, a pergunta nº 5 do formulário de pesquisa – Sem a

eficiência dos motoristas e pessoal de atendimento a viagem de turismo não seria tão boa –

não se mostrou altamente correlacionada a nenhum fator.

Assim, a base de dados teve a sua dimensão bastante reduzida, passando de 24 variáveis

para 8 fatores, capazes de explicar boa parte da variação dos dados. Esses fatores, e não mais

as 24 variáveis, foram utilizados nas Regressões apresentadas a seguir, ora como variáveis

explicativas, ora como dependentes.

3.2 Regressões Múltiplas

O estudo gerou algumas Regressões Múltiplas para tentar explicar a relação entre as

variáveis demográficas, os fatores e a frequência de viagem. O relatório resultante da

Regressão, por exemplo, do fator 2 – Bem-estar em grupo – em função das variáveis

demográficas pode ser observado na tabela 5 a seguir.

Tabela 5: Relatório de Regressão: Fator 2 x Variáveis demográficas

Multiple R 0,26

R Square 0,07

Adjusted R Square (0,01)

Standard Error 1,01

Observations 100,00

df F Significance F

Regression 8,00 0,85 0,56

Residual 91,00

Total 99,00

Coefficients P-value Lower 95% Upper 95%

Intercept 0,81 0,63 (2,55) 4,17

Masculino (0,42) 0,07 (0,86) 0,03

60-69 (0,43) 0,38 (1,40) 0,54

70-79 (0,54) 0,30 (1,56) 0,49

1-3 salários mínimos 0,05 0,97 (2,33) 2,42

4-6 salários mínimos 0,17 0,89 (2,20) 2,53

analfabeto (a) (0,38) 0,72 (2,48) 1,73

1º grau incompleto e completo (0,25) 0,81 (2,31) 1,80

2º grau incompleto e completo (0,59) 0,62 (2,93) 1,76

ANOVA

Fonte: elaboração própria

Como pode ser observado, foi obtido um valor baixo para o nível de explicação (R2) e

um valor alto para o nível de significância da estimativa F, o que compromete a capacidade

preditiva do modelo de Regressão como um todo. Essas ocorrências se verificaram na maioria

das Regressões efetuadas. Mas como o objetivo da pesquisa é avaliar as variáveis

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individualmente (e não usar o modelo para prever o comportamento dos fatores e variáveis),

tal constatação não chega a constituir um grande problema.

Já que não há motivos para crer em uma alta multicolinearidade entre as variáveis

independentes das Regressões, é possível tentar analisar o impacto das variáveis explicativas

na variável dependente de cada Regressão. Na maioria dos casos, poucas variáveis

independentes se mostraram relevantes e capazes de impactar a variável estudada. O quadro 1

a seguir resume a análise dos resultados e indica o nível de explicação (R2) obtido em cada

Regressão. A Regressão Variáveis Demográficas x Recompensa do investimento em dinheiro,

tempo e amigos não apresentou nenhum resultado relevante.

Quadro 1: R2 e análise dos resultados para cada Regressão

Regressão – variáveis explicativas x

variável dependente ( e R2) Análise dos Resultados

Variáveis Demográficas x Bem-estar em grupo (7%)

Gênero tem grande impacto sobre o resultado: para o homem, a companhia das outras pessoas que estão viajando com ele tem menor influência no seu bem estar.

Variáveis Demográficas x Conforto do transporte (4%)

Renda Familiar tem média influência sobre o resultado: quanto menor a renda, maior o score para este fator.

Variáveis Demográficas x Satisfação em viajar (5%)

Escolaridade tem influência moderada para este fator.

Variáveis Demográficas x Bem-estar de viajar em companhia (15%)

Renda Familiar tem elevada influência sobre o resultado: quanto menor a renda, maior o score para esse fator.

Variáveis Demográficas x Confiança na qualidade do serviço prestado (5%)

Todas as variáveis apresentam baixa influência, exceto a Escolaridade: quanto maior o nível de instrução, maior o score para esse fator (exceto para analfabetos, que apresentam um score mais elevado do que aqueles com 1º grau).

Variáveis Demográficas x Serviço / Custo (3%) Todas as variáveis apresentam baixa influência. Variáveis Demográficas x Disponibilidade de

Tempo para viajar (4%) Faixa Etária não apresenta influência sobre o fator, já as demais variáveis apresentam uma influência moderada. O fator Bem-estar em grupo tem elevada influência. O fator Confiança na qualidade do serviço prestado apresenta um resultado altamente relevante, com influência negativa; já os fatores Bem-estar de viajar em companhia e Serviço / Custo apresentaram influência moderada se sinal negativo.

Fatores x Frequência de Viagem (22%)

O fator Recompensa do investimento em dinheiro, tempo e amigos apresenta influência relevante sobre a frequência. Gênero tem elevada influência, com resultado negativo: o homem viaja 0,35 menos vezes por ano do que a mulher.

Variáveis Demográficas x Frequência de Viagem(20%) Escolaridade tem média influência: quanto menor o grau de

instrução, maior a frequência de viagens (exceto para os analfabetos, que viajam menos do que os com 1º. e 2º. grau).

Fonte: elaboração própria

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Considerações Finais

Esta pesquisa teve como finalidade identificar quais as variáveis que mais influenciam a

tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços de turismo. Ela foi motivada

porque o consumidor idoso apresenta atualmente melhores condições de vida e,

consequentemente, de consumo, revelando-se como um segmento econômico e social

importante para o país.

Para o consumidor idoso, há características e necessidades especiais para tomada de

decisões no que se refere à compra de serviço de turismo.

Diante deste cenário, surgiu o interesse em pesquisar o que leva o consumidor idoso a

tomar decisões de compra de serviços de turismo e quais seriam os fatores que mais impactam

esta decisão. Para tal, foi realizada uma pesquisa com um grupo da terceira idade, que

respondeu a diversas perguntas em um formulário apresentado.

Através da Análise Fatorial realizada, foi possível analisar, entender e identificar uma

estrutura de relacionamento entre os dados originais e gerar fatores. Em seguida, realizaram-

se Regressões Múltiplas para tentar explicar o comportamento entre as variáveis / fatores e

pode-se observar, entre outras coisas, que:

- o gênero masculino viaja com menor frequência que o gênero feminino;

- a terceira idade com formação escolar até o 2º grau (completo ou incompleto) viaja

mais que os que possuem o 3º grau (completo ou incompleto);

- as variáveis que mais influenciaram a tomada de decisão da terceira idade na compra

de serviços de turismo foram o gênero e a escolaridade;

- o fator Bem-estar em grupo tem elevada influência positiva e o fator Confiança na

qualidade do serviço prestado tem forte influência negativa sobre a frequência de viagens;

- os demais fatores têm baixa/moderada influência sobre a frequência de viagens.

De uma maneira geral, alguns resultados podem ter sido surpreendentes, como o fato da

renda não ter impacto na frequência de viagem. Mas não se pode esquecer que os idosos

diferem dos mais jovens quanto ao comportamento de compra devido às diferenças

cronológicas, biológicas, psicológicas e sociais, segundo Schein et al. (2009), e precisam de

certas exclusividades que a idade impõe, de acordo com Oliveira e Vieira (2008).

O resultado encontrado por esta pesquisa e apresentado anteriormente corrobora o que

diz Welch (2002): há diferenças importantes no estilo masculino e feminino de tomar

decisões, pois, para o homem, a companhia das outras pessoas que estão viajando com ele tem

menor influência no seu bem estar; já para as mulheres, este é um fator importante.

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A definição de Kotler (1998) sobre satisfação – nível de sentimento de uma pessoa

resultante da comparação do desempenho (ou resultado) de um produto ou serviço em relação

a suas expectativas – está de acordo com o resultado desta pesquisa apontado no fator Serviço

/ Custo.

O resultado de tal fator também está alinhado com o que pensam Parasuraman et al.

(1985), que destacam que a necessidade para confiança é particularmente importante em

indústrias de serviço porque o cliente não pode examinar um serviço antes da compra.

O resultado a respeito do fator Recompensa do investimento em dinheiro, tempo e

amigos está bem em sintonia com o que escreveram Sheth et al. (2008) sobre a participação

da terceira idade em viagens, atividades de lazer e desembolsos financeiros.

Pode-se destacar que os interessantes resultados acerca dos fatores bem-estar em grupo

e Bem-estar de viajar em companhia estão de acordo com Gomes et al. (2002), que citam que

nas decisões em grupo, as preferências individuais podem ser combinadas de modo a resultar

em uma decisão do grupo.

Grönroos (2003) ressalta que clientes não compram bens ou serviços, mas os benefícios

que os bens e serviços lhes proporcionam; compram ofertas consistindo em bens, serviços,

informações, atenção pessoal e outros componentes. Isto e a constatação, obtida por Schein et

al. (2009), que os idosos possuem renda e tempo disponíveis para consumir produtos

turísticos podem ser ratificados pelo resultado do fator Recompensa do investimento em

dinheiro, tempo e amigos influenciando a frequência de viagens.

Para os autores Lee & Tideswell (2005) e Guinn (1980), as motivações para viajar a

lazer para pessoas mais velhas são variadas e influenciadas por experiências passadas. Isto

está alinhado com o resultado dos fatores disponibilidade de tempo para viajar e recompensa

do investimento em dinheiro, tempo e amigos.

Os fatores identificados como mais importantes nesta pesquisa foram, em ordem: bem-

estar em grupo, Confiança na qualidade do serviço prestado, Bem-estar de viajar em

companhia, serviço/custo e recompensa do investimento em dinheiro, tempo e amigos. Tal

constatação não está muito em consonância com os atributos identificados por Schein et al.

(2009) como os mais importantes: acomodações, atendimento/cortesia e localização do hotel e

gastos totais da viagem.

No decorrer da pesquisa, surgiram algumas hipóteses que contribuíram para o

desenvolvimento do estudo e que foram apresentadas anteriormente na Introdução. O

resultado da verificação de tais hipóteses está evidenciado no quadro 2 a seguir.

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Quadro 2: Verificação das hipóteses de pesquisa

HIPÓTESE RESULTADOS

H1: O gênero dos idosos tem relação com a frequência em viagens de turismo.

Sim. As mulheres têm maior frequência em viagens de turismo que os homens.

H2: A escolaridade influencia a frequência com que os idosos viajam em turismo.

Sim. Quanto menor o grau de instrução, maior a frequência de viagens (exceto para os analfabetos, que viajam menos do que os com 1º. e 2º. grau).

H3: Há atributos do serviço que têm uma maior influência na tomada de decisão de compra de um pacote de turismo.

Sim. O fator Bem estar em grupo têm uma maior influência na tomada de decisão de compra de um pacote de turismo.

Fonte: elaboração própria

Segundo Oliveira e Vieira (2008, p.1), o público idoso, “que a cada dia mais participa

ativamente do mercado, precisa de estudos específicos e direcionados para eles, para que haja

o conhecimento de quais são as suas necessidades e os seus desejos ainda não supridos pelo

mercado”, como a pesquisa realizada por John e Cole (1986).

Apesar da contribuição deste trabalho, alguns aperfeiçoamentos ainda podem ser

realizados. Por exemplo, a variável demográfica sstado civil poderia ser indagada no

questionário e incluída na análise, já pode impactar o comportamento do idoso quanto a

pacotes de turismo. Outro potencial aperfeiçoamento consiste em uma maneira de quantificar

a variável frequência de forma menos arbitrária do que a utilizada neste artigo (fazendo a

pergunta de forma diferente, por exemplo).

E, finalmente, ainda há muito para ser explorado no universo da terceira idade. Em vista

disso, são apresentadas outras abordagens potencialmente interessantes acerca de assuntos

correlatos ao dessa pesquisa, que passam pelas seguintes indagações:

- Em que as empresas de turismo estão investindo para melhor atender o consumidor da

terceira idade?

- A terceira idade do Médio Paraíba consome mais serviço de turismo que a terceira

idade da capital do estado (RJ)?

- De que forma qualitativa o consumidor da terceira idade toma a decisão em adquirir o

serviço de turismo?

- O marketing de serviço de turismo de grandes centros para o consumidor da terceira

idade tem maior influência na tomada de decisão do que para o consumidor da terceira idade

do interior?

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