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Apresentação
É com satisfação que apresento a última edição da Revista Análise. Essa
publicação, a nº 20 do ano 12, contém cinco artigos que abordam temas da
administração, economia e ciências contábeis da conjuntura nacional.
No primeiro artigo, a autora desenvolve estudo a respeito da oportunidade
(timeliness) das demonstrações contábeis das companhias abertas no mercado brasileiro.
Para tanto realiza uma pesquisa empírica com as principais empresas aponatdas como
indicadas para o prêmio da ANEFAC com o objetivo de analisar quais possuem maior
oportunidade (timeliness) nas informações contábeis apresentadas.
No segundo artigo, os autores apresentam um estudo sobre o setor produtivo
nacional de celulose e papel. Como essa indústria apresentava-se em franco crescimento
até meados da crise financeira internacional, como ela suportou a crise e os fatores
decisivos para que fosse um dos setores produtivos nacionais que mais rapidamente se
recuperasse.
O terceiro artigo aborda a questão do pensamento e o comportamento humano
na influencia dos problemas sociais, tanto na manutenção de sua causa, quanto na
ampliação de seus efeitos, e que a criação de conhecimento por meio de métodos de
aprendizagem coletiva pode ser o caminho para que mudanças gradativas e eficazes
sejam possíveis.
No quarto texto, destaca-se a reestruturação produtiva, muitas vezes chamada de
“terceira revolução industrial”, e como ela tem se inserido na agricultura e como os
países em desenvolvimento podem se aproveitar desse novo paradigma para obter
vantagem comparativas.
No último texto dessa edição da Revista Anáise os autores objetivaram
identificar quais os fatores e as variáveis demográficas (gênero, faixa etária, renda e
escolaridade) que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de
serviços de turismo.
Boa leitura!
Fabrício José Piacente
2
Sumário
Informações Contábeis e Timeliness: Uma pesquisa empírica no mercado brasileiro Márcia Adriana da Silveira Gomes
........ 3
A Indústria de Papel no Brasil no Contexto da Crise Econômica Mundial de 2008 Stephanie Scherer Fabrício José Piacente
........ 18
A Prática das Cinco Disciplinas nas Organizações e na Sociedade: O diálogo e a gestão participativa como prática para compartilhar conhecimentos Fernanda de Moraes Rossi Affonso
Janaína Priscila Rodrigues Firmino
Antonio Carlos Zambon
........ 36
Biotecnologia e Terceira Revolução Industrial: Origem, dinâmica e perspectiva para países em desenvolvimento Carlos Alberto Gaspari
........ 53
Consumidor Idoso: Um Estudo sobre a Tomada de Decisão na Compra de Serviços de Turismo Marco Aurélio Carino Bouzada Luciana Merçon
........ 71
3
INFORMAÇÕES CONTÁBEIS E TIMELINESS: UMA PESQUISA EM PÍRICA
NO MERCADO BRASILEIRO
Márcia Adriana da Silveira Gomes 1
Resumo
O presente artigo teve por finalidade realizar um estudo a respeito da oportunidade (timeliness) das demonstrações contábeis das companhias abertas no mercado brasileiro. Para executar seus objetivos, foi realizada uma pesquisa empírica, utilizando-se da metodologia positiva, sob a qual foi levanta como hipótese de pesquisa que as empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis do que empresas não integrantes do grupo indicado. Foi então utilizado um modelo matemático, que através da relação entre os retornos das empresas e os lucros apurados, estabelecendo-se uma regressão multivariada para avaliar a relação entre os preços das ações e os números contábeis, baseados em modelo previsto na literatura. Foram utilizadas como variáveis os retornos contábeis, os lucros contábeis e a variação dos lucros. Os resultados da pesquisa empírica demonstraram que as empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC nos últimos 5 anos não possuem maior timeliness no conteúdo das suas informações contábeis, não se podendo aceitar a hipótese inicialmente proposta.
Abstract
The present article had for objective to carry through a study regarding the chance (timeliness) of the countable demonstrations of the public company in the Brazilian market. To execute its objectives, an empirical research was carried through, using itself of the positive methodology, under which it was raises as research hypothesis that the companies who had received indications to prize ANEFAC possess greater chance (timeliness) in the countable information that the not integrant companies of the indicated group. Then a mathematical model was used, that through the relation enters the refined returns of the companies and profits, established a multivaried regression to evaluate the relation enters the countable prices of the actions and numbers. The countable returns, the countable profits and the variation of the profits had been used as changeable. The results of the empirical research had demonstrated that the companies who had received indications to prize ANEFAC in last the 5 years do not possess greater timeliness in the content of its countable information, if not being able to accept the hypothesis initially proposal.
1 Coordenadora e professora do curso de Ciências Contábeis do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí ([email protected]).
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Introdução e motivação do trabalho
A contabilidade, abordada sob o ponto de vista de um meio de transmissão das
informações, cada vez mais vem atraindo a atenção dos pesquisadores em mercados
financeiros. Especificamente com respeito às variáveis Lucro Líquido do Exercício e
Patrimônio Líquido, que proporcionaram aos pesquisadores evidências empíricas a
respeito de seu impacto sobre o retorno das ações.
A Hipótese do Mercado Eficiente (EMH), em conjunto com o modelo de
precificação de ativos financeiros (CAPM), permitiram o desenvolvimento de estudos
na área contábil, mediante o estabelecimento de relações entre os dados contábeis e
variáveis econômicas, com o objetivo final de verificar se os dados contábeis tinham ou
não influência para os agentes do mercado de capitais. Através destes dois instrumentos,
tornou-se possível isolar apenas duas ou três variáveis que tinham influência no modelo
econômico, ao invés de considerar todas as variáveis possíveis, o que dificultaria a
interpretação dos resultados, proporcionando a difusão da chamada metodologia
positiva em contabilidade.
Segundo Cardoso e Martins (2004), esta nova vertente da contabilidade permitiu
a verificação da utilidade dos números contábeis, sob a ótica informacional, para o
mercado de capitais, mediante questões que levaram os pesquisadores a testar, de forma
empírica, qual o comportamento dos mercados à informação contábil produzida pelas
empresas.
Desde o seminal paper de Ball e Brown (1968), as relações entre retornos de
ações e ganhos contábeis têm sido investigadas intensamente. O presente artigo foi
desenvolvido com o objetivo de abordar uma questão frequentemente presente nas áreas
de finanças, economia e contabilidade, que é a relação entre os relatórios contábeis e o
retorno das ações.
Partindo-se do pressuposto de haja um mercado eficiente e maduro, as possíveis
mudanças do preço das ações refletem uma mudança importante nas expectativas do
mercado, relacionadas aos fluxos de caixa futuros das empresas. Por outro lado, os
lucros da contabilidade possuem somente uma habilidade limitada neste sentido.
Kothari e Sloan (1992) indicam que a razão preliminar para esta restrição é que a
objetividade, a verificabilidade e outras convenções que sustentam os padrões contábeis
limitam a habilidade do lucro contábil de refletir contemporaneamente, para o mercado,
as expectativas futuras do fluxo de caixa líquido.
5
Esta afirmativa está extensamente documentada por pesquisas anteriores,
iniciadas por Ball e Brown (1968), que demonstraram que o lucro incorporado está
relacionado aos preços e aos retornos, possuindo um índice informativo. Contudo o
lucro fornece apenas uma explanação parcial da variação total nos retornos, conforme
demonstram os estudos de Kothari e Sloan (1992), refletindo os eventos econômicos de
uma forma assimétrica, conforme demonstrado por Basu (1997), que abordou a
informação contábil sob a ótica do conservadorismo.
O relacionamento entre os números contábeis e os retornos foi investigado em
alguns estudos recentes, tais como Hayn (1995), Basu (1997) e Ball et al (2000). Estes
estudos, entre outros, encontraram uma fraca associação entre os lucros contábeis e os
retornos das ações no mercado. Um argumento normalmente utilizado para justificar
esta associação fraca entre os lucros e os retornos é que eles são provenientes
principalmente do conservadorismo e do baixo timeliness do lucro. Entretanto, as
diferenças na demanda da contabilidade em vários contextos institucionais podem fazer
com que as propriedades dos relatórios contábeis variem de acordo com os padrões
contábeis estabelecidos, provocando esta assimetria informacional entre as expectativas
do mercado e os resultados apresentados de acordo com tais padrões.
Segundo Beaver (1998) a relação existente entre as alterações do lucro contábil e
as variações dos preços das ações não é simétrica, sendo que isto pode ser provocado
por alguns outros fatores, que por estarem presentes no processo de elaboração do
resultado, distorcem sua capacidade informativa provocando uma alteração desta
relação, conforme descrito no estudo realizado por (Sarlo Neto et al. (2002) .
Uma questão que tem despertado muita atenção nos últimos anos é se os lucros
publicados pelas empresas contêm informações usadas pelo mercado para avaliar o
valor público das ações destas empresas. Uma das formas utilizadas pelos pesquisadores
para avaliar se há um reflexo da informação contábil sobre o preço das ações é analisar
o grau de oportunidade da informação contábil: quanto maior o grau de oportunidade
das informações contábeis, maior a tendência de a informação contábil está sendo
utilizada para fins de precificação de ativos no mercado financeiro.
A informação proveniente dos números da contabilidade, de acordo com o
conceito de “timeliness”, deve ser fornecida em tempo hábil, de forma a influenciar de
uma forma particular o processo de tomada de decisão por parte dos investidores. A
capacidade de previsão da informação da contabilidade é relacionada diretamente,
6
através de previsões realizadas em conjunto com a expectativa de fluxos de caixa
futuros.
Para Krishnan (2005) uma característica fundamental do lucro contábil é que a
má notícia disponível sobre os fluxos de caixa futuros é reconhecida publicamente mais
rapidamente do que a boa notícia. Seguindo esta linha de pensamento, temos que o
timeliness do lucro é assimétrico. Considerar este fator é de extrema importância, uma
vez que, aliado ao conceito do conservadorismo, esta afirmação pode influenciar a
forma pela qual se observa o lucro contábil.
Ressalte-se que, no presente trabalho, não se está utilizando o conceito do
princípio contábil da oportunidade previsto na Resolução nº 750/93 do Conselho
Federal de Contabilidade, que trata de forma diversa o conceito de oportunidade. De
acordo com a referida norma, a oportunidade tem como objetivo a completeza da
apreensão das variações, do seu oportuno reconhecimento, sob uma perspectiva
eminentemente técnica, não vislumbrando seus reflexos para o mercado de capitais. É
considerada, sob esta ótica, como o fundamento para que se tenha uma “representação
fiel” da informação, esperando-se que ela espelhe com precisão e objetividade as
transações e eventos que ocorreram no interior da entidade.
Segundo Hendriksen e Van Breda (1999), os analistas visualizam as relações
existentes entre os fluxos líquidos de caixa e as relações com o pagamento de
dividendos provenientes dos lucros contábeis. Fazem isto realizando também uma
análise detalhada dos resultados dos períodos anteriores, sendo que esta é utilizada
como parâmetro para determinação dos lucros futuros e uma visualização do risco
inerente a todo investimento. Desta forma, pode-se acreditar que o mercado utiliza-se
das informações contábeis presentes e passadas para suas projeções, avaliando quais os
impactos que tais informações podem ter sobre o preço das ações.
Em conjunto com o conservadorismo, que afeta os accruals contábeis e a forma
pela qual o mercado absorve a informação contábil, o processo de timeliness tem gerado
vários trabalhos, buscando-se verificar se qual a influência que este tipo de
procedimento exerce sobre os resultados das empresas.
Desta forma, o presente artigo apresenta a seguinte questão de pesquisa: as
empresas indicadas ao prêmio da Associação Nacional dos Executivos de Finanças,
Administração e Contabilidade – ANEFAC possuem informações mais oportunas,
quando comparadas a um grupo de empresas que não receberam tal indicação?
7
Este estudo será desenvolvido com a finalidade de se encontrar evidências
empíricas que possam responder a questão de pesquisa, buscando-se verificar o grau de
oportunidade de informações contábeis do grupo de empresas consideradas pelos
operadores do mercado como sendo empresas com maior qualidade informativa, quando
comparadas a um grupo de empresas não classificadas como tal.
Para que se pudesse atingir os objetivos de pesquisa propostos, a pesquisa foi
desenvolvida sobre os resultados de uma pesquisa empírica elaborada sobre os dados
das empresas de capital aberto com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo
(BOVESPA), durante os anos de 2001 a 2004.
1 Análise da literatura
A literatura que serviu de embasamento teórico para o presente trabalho possui
ampla cobertura no contexto internacional, tendo sido realizados diversas pesquisas que
buscam estabelecer relações entre preço das ações e os números fornecidos pela
contabilidade.
Para Bezerra e Lopes (2004), os estudos que buscam relacionar a informação
contábil (principalmente o lucro) e o preço das ações são de extrema relevância, uma
vez que:
“se a informação contábil é utilizada por diversos motivos e por diversos usuários, e supondo que entre esses motivos estão incluídas as decisões que envolvem os processos de negociação entre a firma e seus credores e fornecedores, a análise da relação entre a informação contábil e o mercado de capitais pode facilitar a previsão do fluxo de caixa futuro das empresas e auxiliar na determinação do risco e retorno esperados” (BEZERRA & LOPES, 2004, p. 135)
Segundo Kothari (2001) o pesquisador precisa de controles caso tenha interesse
em realizar uma pesquisa sobre a relação considerada “normal” entre informações
contábeis e os retornos das ações, com o objetivo de isolar os efeitos do tratamento de
interesse.
Especificamente, a pesquisa realizada sobre o coeficiente de resposta dos ganhos
(ou Earnings Response Coefficiente – ERC, termo internacionalmente utilizado) tem
tido ampla aplicação em mercados de capitais, tendo sido realizados diversos trabalhos
sobre o tema, buscando-se inferir qual o impacto das informações contábeis nos lucros
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das empresas e no preço das ações no mercado, dentre os quais alguns destacam-se no
contexto da presente pesquisa.
Kormendi e Lipe (1987) examinaram as relações existentes entre o conteúdo da
informação dos lucros relatados e o preço das ações no mercado, buscando determinar a
magnitude da relação entre lucros x retornos, examinando como esta magnitude
relaciona-se com as propriedades das séries temporais dos lucros.
O estudo desenvolvido por Kothari e Sloan (1992) foi um dos primeiros a
verificar as relações existentes entre as informações contidas nos preços sobre ganhos
futuros e as implicações para os coeficientes de resposta dos ganhos. Neste estudo, eles
analisaram o impacto das informações contábeis no preço das ações, através da análise
dos coeficientes. Concluíram que os retornos antecipam mudanças dos ganhos da
empresa no decorrer do tempo, afetando de forma direta o comportamento dos
coeficientes.
O trabalho de Teets (1992) buscou demonstrar a associação entre respostas do
mercado de ações para lucros anunciados e a regulação do setor elétrico. Ao comparar
grupos de empresas reguladas com empresas não sujeitas à regulação, confirmou a
hipótese de que a regulação afeta a variação dos coeficientes de respostas dos ganhos,
quando comparadas com empresas não sujeitas à regulação. O mesmo resultado foi
obtido em uma comparação de empresas do setor público (mais sujeitos à regulação)
com uma amostra aleatória de empresas do setor privado.
Alguns resultados de pesquisas implicam que os lucros não podem refletir
totalmente o índice informativo em uma forma oportuna, conforme demonstraram os
estudos preliminares realizados por Beaver at al., (1980). Duas explicações possíveis
para a associação fraca entre os lucros e os retornos são dadas por Hayn (1995). Uma é
que os lucros contêm os componentes transitórios que tem um peso value-irrelevant ou
devem ter somente um impacto limitado no processo de avaliação. O outro é que os
testes de cross-sectional não reconhecem as propriedades dos lucros de uma empresa,
um fator da série temporal provavelmente a ser incorporado por investidores quando
estão projetando os lucros e os retornos futuros.
Os estudos recentes foram efetuados levando-se em consideração fatos como a
assimetria informacional, o timeliness e o conservadorismo da informação contábil.
Embora grande parte dos estudos realizados utilize-se dados dos Estados Unidos e do
Reino Unido, mercados altamente desenvolvidos, estudos similares em outros mercados
9
os comparam frequentemente com os resultados dos papéis negociados nestes
mercados.
Billings (1999) pesquisou a relação entre o risco padrão das dívidas e o
coeficiente de resposta dos ganhos. Realiza considerações a respeito de que a teoria
sugere que os coeficientes de resposta dos ganhos (ERC) são positivamente associados
com a expectativa de crescimento dos ganhos e negativamente associados com o risco
das ações. Em sua conclusão, ele sugere que os resultados apontam para uma situação
na qual o risco específico pode ter um papel limitado na explicação dos coeficientes de
resposta dos ganhos.
Partindo da premissa de que se os dados da contabilidade forem boas medidas
dos eventos incorporados aos preços das ações, eles são value relevance e seu uso pode
fornecer um valor da firma que é perto de seu valor de mercado, Pritchard (2002)
efetuou um estudo da relação entre números contábeis e retornos nos países bálticos,
especificamente Estônia, Lituânia e Letônia. Neste estudo, é importante ressaltar que o
fato de mercados serem mais ou menos eficientes afeta de forma contundente as
inferências da pesquisa, não permitindo uma comparação direta sem antes ponderar as
questões relativas à eficiência dos mercados.
Ao realizar uma análise sob a perspectiva das vantagens competitivas de Porter,
Gosh at al., (2004) realizaram um trabalho de pesquisa no qual foram comparadas
empresas que adotavam como estratégia o aumento de lucros, comparando-as com
empresas que tinham por foco a redução de custos. Concluíram em seu estudo que os
coeficientes de resposta dos ganhos têm maior persistência em empresas cuja estratégia
está relacionada com aumento dos lucros, quando comparados aos coeficientes de
empresas relacionadas com redução de custos. Na visão dos autores, a redução de custos
é uma atitude reativa, não representando uma possibilidade de ganho real no futuro. Por
outro lado, as empresas que atuam com a estratégia de melhorar a qualidade dos lucros
estariam adotando uma atitude pró-ativa, trazendo de forma subjacente uma
diferenciação para o mercado, aumentando indiretamente a possibilidade de realização
de lucros futuros.
O trabalho de pesquisa realizado por Lopes (2002) investigou qual o papel da
informação contábil na explicação dos retornos das ações no Brasil. Seu trabalho
procurou investigar a value relevance das variáveis contábeis no país. Para tanto,
utilizou como grupos comparativos as empresas da velha economia (metalúrgicas,
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siderúrgicas, têxteis, indústria mecânica, etc), quando comparadas às empresas da nova
economia (telecomunicações, mídia e tecnologia).
Os resultados da pesquisa mostraram que os lucros não possuem um poder
explanatório elevado no Brasil, apresentando uma situação na qual o valor contábil (ou
book value) tem um poder explanatório mais elevado do que os lucros, o que tende a
refletir o modelo do governança das empresas Brasil. Como resultado comparativo, os
números contábeis apresentaram maior relevância para as empresas da Nova Economia,
contrariando o previsto na literatura.
Percebe-se, mediante a análise dos trabalhos realizados anteriormente, uma
tendência da utilização dos coeficientes de resposta dos ganhos como forma de atribuir-
se uma melhor qualidade nos valores dos lucros, através da análise do impacto das
informações contábeis nos lucros das empresas e no preço das ações no mercado.
2 Desenvolvimento das hipóteses, modelo empregado e seleção da amostra.
Para atender aos objetivos desta pesquisa, foi utilizada a metodologia empírica
positiva para a coleta, classificação e análise dos dados. A técnica estatística selecionada
para a realização da pesquisa foi análise de regressão múltipla. Através desta técnica
será possível calcular as relações existentes entre o retorno contábil (variável
dependente) e os lucros do período e do período anterior (variáveis independentes).
Uma vez que a questão de pesquisa já se encontra formulado, pode-se a partir
desta questão elaborar a hipótese de pesquisa, que direcionará os trabalhos e permitirá
inferir a partir das conclusões do estudo. Assim sendo, temos a seguinte hipótese de
pesquisa:
Ho= As empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis que as empresas não integrantes do grupo indicado.
A hipótese formulada procura estabelecer uma relação de causa-efeito entre o
nível de oportunidade das demonstrações contábeis, com base nos critérios de
classificação para o prêmio da ANEFAC, quando comparadas às demais demonstrações
de empresas não indicadas ao referido prêmio.
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O prêmio ANEFAC é concedido anualmente e busca destacar as empresas cujas
demonstrações contábeis foram consideradas mais completas e detalhadas. É realizada a
seleção das empresas, após uma análise prévia das demonstrações contábeis, através de
uma comissão composta por especialista da FIPECAFI e da ANEFAC, objetivando
identificar aquelas que serão indicadas ao prêmio, em um total de dez empresas. Dentre
estas dez empresas classificadas para indicação, é escolhida uma vencedora do prêmio
anual entre as empresas de capital aberto e uma entre as empresas de capital fechado.
No período de 2001 a 2005, um total de vinte empresas foram indicadas ao prêmio
ANEFAC.
Cabe ressaltar que o prêmio concedido pela Associação Nacional de Executivos
de Finanças e Contabilidade não tem, dentre as suas premissas, a verificação da
oportunidade das informações contábeis em relação ao preço das ações no mercado. A
base de dados utilizada constitui apenas um indicativo de qualidade da informação
extraída das demonstrações contábeis, constituindo-se uma proxy para a seleção das
empresas que, em tese, apresentariam demonstrações de melhor qualidade.
A seleção da amostra de empresas foi realizada mediante a coleta dos dados
contábeis e preço das ações do total de 13 empresas que foram indicadas pelo menos
duas vezes ao prêmio no período. As empresas que receberam apenas uma indicação
foram excluídas, uma vez que não demonstraram um padrão de continuidade nas
informações prestadas nas demonstrações contábeis.
Para as empresas da amostra de comparação, foram selecionadas 13 empresas,
mediante a inclusão de companhias que compõem o índice BOVESPA, realizando-se os
devidos ajustes para controle de liquidez e escala.
Para a verificação do timeliness das demonstrações contábeis no período de 2001
a 2004, de acordo com a hipótese elaborada e com a metodologia de estudo proposta, a
relação entre os retornos dos preços das ações e os lucros contábeis foi estabelecida pelo
seguinte modelo:
Rit = γ0 + γ1 Lucit + γ2 ∆Luc it(t-1) + εij
Onde:
Rit = retorno das ações para o período t γ0 = constante da regressão γ1Lucit = lucro do período t γ2∆ Luc it(t-1) = diferença entre o lucro do período t e o lucro
12
do período anterior (t – 1) εij = termo de erro da regressão
O termo Rt, o retorno da porcentagem nas ações de uma firma no período t é
definida como:
Pt – Pt-1 + Dt P t-1
Onde Pt é o preço da ação no fim do período t, P t-1 é o preço das ações no fim do
período t-1 e Dt representa os dividendos declarados por ação ajustados.
Têm-se então seguinte notação, que expressa o coeficiente de resposta dos
ganhos (ERC), de acordo com os dados fornecidos pela regressão:
ERC = γ1 + γ2
Pela definição do modelo, a soma dos coeficientes γ1 e γ2 resultam no
Coeficiente de Resposta dos Ganhos, permitindo analisar qual empresa (ou grupo de
empresas) possui maior oportunidade nas informações contábeis, quando comparados a
outra empresa ou grupo de empresas.
Tal coeficiente representa, de forma resumida, uma relação do quanto dos lucros
do período atual e da variação dos lucros está devidamente refletida no retorno das
ações.
3 Resultados encontrados e Análise dos resultados
De posse dos dados levantados na base Economática, procedeu-se a apuração
das informações necessárias para a realização do estudo, com base no modelo proposto
e na hipótese de pesquisa que norteou os trabalhos.
Desta forma, têm-se os seguintes grupos de empresas observados e analisados
pela pesquisa:
1. Empresas Indicadas ao Prêmio ANEFAC : composto apenas pelas companhias que
possuem ações negociadas na BOVESPA, indicadas pelo menos duas vezes nos últimos
5 anos;
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2. Demais Empresas: composto por empresas que possuem ações negociadas na
BOVESPA e que não receberam nenhuma indicação ao Prêmio ANEFAC nos últimos 5
anos.
A seguir, apuraram-se as variáveis da Estatística Descritiva de cada um dos
grupos pesquisados:
Tabela 1: Estatística Descritiva Variáveis N Média Desvio Padrão Mediana Máximo Mínimo
Retorno – ANEFAC 52 0,4112 0,8343 0,2682 4,53 -0,52
Retorno – Demais 52 0,5416 1,0654 0,1897 5,08 -0,66
Lucro – ANEFAC 52 1.694,62 3.890,96 476,00 17.860,00 -3.417,52 Lucro – Demais 52 295,80 563,20 223,00 1.981,79 -957,00
∆ Lucro – ANEFAC 52 388,19 1.696,52 64,52 9.696,88 -2.604,21
∆ Lucro – Demais 52 57,58 566,71 43,56 1.225,69 -1.477,43 Fonte: Elaborado pelo autor. A seguir, foi realizada a regressão da função: Rit = γ0 + γ1 Lucit + γ2 ∆Luc it(t-1) + εij Quando efetuados os cálculos necessários para o estabelecimento dos
coeficientes da regressão utilizada, mediante a aplicação do testes empírico nos dados
coletados e separados por grupos de empresas, foram obtidos os seguintes resultados:
Tabela 2: Coeficientes da Regressão
Grupo Empresas γ1 p-value γ2 p-value R2
ANEFAC -0,0247 0,477 0,182 0,025 0,105 Outras -0,143 0,584 1,231 0,000 0,378 Fonte: Elaborado pelo autor Como se pode observar pelos dados da tabela nº 02, a variável que representa os
lucros do período t apresenta p-value acima do nível de tolerância de 0,05, o que
significaria dizer que a mesma não contribui para aumentar a capacidade preditiva do
modelo. Entretanto, ao analisar-se a composição do modelo, nota-se a utilização de
variáveis que podem possuir alto nível de multicolinearidade (lucros e variação dos
lucros).
Conforme Hair (2005) quando ocorre multicolinearidade, torna-se difícil a
separação dos efeitos individuais de cada variável. Isto é provocado pelo grau de
correlação existente entre as variáveis, o que pode tornar a interpretação dos
coeficientes da regressão mais complexa, pois os efeitos podem ser apresentados de
14
forma confusa, não sendo possível indicar qual a contribuição particular de uma ou
outra variável.
Desta forma, foi realizada posteriormente uma análise do grau de correlação
entre as variáveis independentes, com o objetivo de se ponderar os efeitos da
multicolinearidade no modelo. Foi observado que no grupo de empresas ANEFAC as
variáveis lucro e variação do lucro possuíam correlação de 0,540, tendo significância
estatística ao nível de 1%. No grupo das demais empresas não integrantes do prêmio
ANEFAC as variáveis lucro e variação do lucro possuíam correlação de 0,566, também
significante estatisticamente ao nível de 1%.
Tendo em vista os altos índices de correlação entre as variáveis independentes,
deve-se ponderar os efeitos da multicolinearidade no modelo, o que pode limitar os
aspectos de análise do mesmo. Os p-value superiores ao nível de 5% podem estar sendo
afetados por este fato, sendo que a estatística F de ambas as regressões resultaram em
valores inferiores a 5%, validando o modelo de regressão de forma conjunta.
Outro fator que merece destaque é a existência de coeficientes negativos no
coeficiente da variável “lucros do período” em ambas as regressões. Isto indica que o
mercado não estabelece, de maneira simétrica, a relação “aumento do lucro x aumento
do preço das ações”, sendo que a variação dos lucros nos períodos apresenta maior
relação com os preços de mercado das empresas.
Em relação ao Earnings Response Coefficient (ERC), de acordo com os números
apresentados pelas regressões, temos que:
Tabela 3: Cálculo do Earnings Response Coefficient
Grupo Empresas γ1 γ2 E.R.C. ANEFAC -0,0247 0,182 0,1573
Outras -0,143 1,231 1,0880 Fonte: elaborado pelo autor Observando-se o ERC das integrantes do grupo de empresas indicadas ao prêmio ANEFAC, percebe-se que o ERC deste grupo é inferior ao do grupo de empresas que não foram indicadas, sendo que a partir dos resultados, não se pode aceitar a hipótese nula formulada, não se podendo afirmar que as empresas que receberam indicações ao prêmio ANEFAC possuem maior oportunidade (timeliness) nas informações contábeis que as empresas não integrantes do referido grupo. Conclusões
15
O presente artigo procurou demonstrar a relevância dos números contábeis para
o mercado de ações, tomando por base a realização de uma análise a respeito do
timeliness das demonstrações contábeis de empresas com ações negociadas na Bolsa de
Valores de São Paulo.
Ressalte-se que as informações analisadas pelo prêmio ANEFAC não visam
determinar o grau de oportunidade das demonstrações contábeis, mas sim constituiu
apenas um indicativo de qualidade da informação extraída das demonstrações contábeis,
constituindo-se uma proxy para a seleção das empresas que, em tese, apresentariam
demonstrações de melhor qualidade sob a ótica da visão do mercado.
Com base nos dados pesquisados, chegou-se à conclusão que as empresas
indicadas ao prêmio ANEFAC nos últimos 5 anos não possuem maior timeliness no
conteúdo das suas informações contábeis, não se podendo aceitar a hipótese
inicialmente proposta.
Entretanto, cabe destacar alguns fatos que podem afetar os dados utilizados na
pesquisa empírica. Em primeiro lugar, o mercado brasileiro não demonstra uma
maturidade comparável aos mercados desenvolvidos, notadamente Estados Unidos e
Inglaterra. Outro fator que possui influência direta é a questão relativa ao grau de
eficiência do mercado, que pode interferir de modo crucial na forma pela qual os dados
influenciam o mercado de ações.
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16
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A INDÚSTRIA DE PAPEL NO BRASIL NO CONTEXTO DA CRISE ECONÔMICA MUNDIAL DE 2008
Stephanie Scherer1
Fabrício José Piacente2
Resumo A Indústria de Papel tem grande importância histórica e econômica para o Brasil, trata-se de uma grande geradora de emprego e uma colaborada importante para a balança comercial do país com volumes crescentes de exportação. O artigo tem o objetivo de apresentar o desempenho do setor de celulose e papel no Brasil frente à crise financeira internacional que eclodiu em meados de 2008. Trata dos fatos que ocasionaram a crise, detalhando suas etapas, os impactos na indústria nacional de papel e celulose e na economia brasileira. Destaca ainda o papel do Estado como apoiador do setor, mantendo os níveis de investimento através de políticas diretas. Mostra ainda a estratégia dotada pela indústria nacional de papel e celulose fase a redução na demanda internacional desses produtos ocasionada pela crise financeira, voltou sua produção externa para o mercado chinês, substituindo em parte os tradicionais compradores fortemente abalados e em recuperação. E no crescimento do mercado doméstico de papel e embalagens que cresceu com os incentivos anticíclicos adotados pelo governo brasileiro como medidas de choque frente a crise.
Abstract
The paper industry has great historical importance for the economic and Brazil, it is a major generator of jobs and an important collaborated for the country's trade balance with increasing volumes of export. The paper aims to present the performance of pulp and paper in Brazil against the international financial crisis that erupted in mid-2008. Deals with the facts that led to the crisis, detailing its stages, the impact on the domestic industry of pulp and paper in the Brazilian economy . Also emphasizes the role of the state as a supporter of the industry, maintaining levels of investment through direct policies . It also shows the strategy provided by the domestic industry of paper and pulp phase the reduction in international demand for these products caused by the financial crisis , turned its foreign production for the Chinese market , superseding the traditional buyers strongly shaken and recovering . And the growth of the domestic paper and packaging that grew up with incentives countercyclical adopted by the Brazilian government as shock measures against crisis. Palavras-chaves: Crise Econômica; Papel e Celulose; Players; Políticas Governamentais.
1 Bacharel em Ciências Econômicas pelo Centro Universitário Padre Anchieta e Analista de Compras de Energia Elétrica da KLABIN ([email protected]). 2 Doutor em Economia pelo IE/UNICAMP, professor do Programa de Mestrado em Gestão e Tecnologia em Sistemas Produtivo do Centro Paula Souza e professor do curso de Ciências Econômicas do UNIANCHIETA ([email protected]).
19
Introdução
Em outubro de 2008 uma grande crise abalou a economia mundial, provocando a
desestabilização do sistema financeiro internacional, queda no comércio mundial, uma
grande recessão, desemprego generalizado e graves tensões sociais tanto nos países
desenvolvidos, quando nos subdesenvolvidos.
No contexto que antecedeu a crise, o Brasil passava por um crescimento
econômico, o setor industrial nacional mostrava toda sua relevância apresentando um
crescimento anula da ordem de 4,9%, parte justificado pelo aquecimento na demanda
interna do país, conforme o Boletim de Conjuntura da ABDI (2008).
O setor de celulose e papel no Brasil foi durante o período pré-crise internacional
um dos grandes responsáveis pelo crescimento do setor industrial. Além do aquecido
mercado doméstico onde a indústria de papel apresenta grande penetração na estrutura
produtiva e de consumo, como por exemplo: embalagem, papéis de imprimir e escrever,
papel cartão entre outros, o mercado externo era um forte comprador do papel
produzido no país, posto que a indústria nacional desse segmento apresentava vantagem
competitivas importantes com relação a outros produtores mundiais.
Notadamente trata-se de um importante segmento produtivo, fortemente enraizado
na estrutura industrial nacional, que sempre demandou elevados índices de
investimentos, tecnologicamente bem aparelhado e que, apesar do seu gigantismo,
assim como outros setores, em linhas gerais, também foi abalado pela crise financeira
internacional de 2008.
O objetivo do trabalho é apresentar o desempenho desse setor antes e depois da
crise. A estratégia utilizada para que as consequências que abalaram todo o setor
produtivo nacional fossem amortizadas o mais rápido possível, uma vez que a indústria
nacional de papel e celulose foi um dos primeiros setores industrial a ser afetado pela
crise macroeconômica mundial, bem como, foi um dos primeiros a se recuperar, tendo
em vista a crescente ebulição do mercado interno nacional.
Esse crescimento da economia interna brasileira, devido principalmente a medidas
anticíclicas adotadas pelo governo teve reflexos indústria do papel. Assim, uma das
perguntas de partida do presente estudo é como a crise de 2008 afetou esta indústria. Se
ela estava estruturada para enfrentar a crise mundial de 2008? E, por fim, quais foram os
mecanismos de superação? Ao compreendê-los espera-se criar um mecanismo de
20
autodefesa e imunidade para futuras crises econômicas, bem como a transmissão desses
conhecimentos para outros setores que podem vir a também utilizá-los.
1 As bases da indústria de papel e celulose no Brasil
O papel começou a ser produzido no Brasil em 1809, especificamente no Rio de
Janeiro devido às necessidades da coroa portuguesa. Na verdade, em sua maioria o
papel aqui utilizado era proveniente da Inglaterra (IANNI, 1991).
Já em São Paulo – e muito mais tardiamente – a produção de papel chegou a partir
das grandes migrações do final do século XIX e início do século XX, “know how”
intrínseco dos imigrantes europeus que vieram ao Brasil para trabalhar inicialmente nas
áreas rurais, particularmente nas grandes lavouras de café e consigo trouxeram o
conhecimento da produção de papel em suas bagagens. Contudo, logo em seguida, boa
parte dessa população se transferiu para as cidades impulsionando, mesmo que
indiretamente, o desenvolvimento de uma produção industrial nascente.
Com a instabilidade na indústria brasileira de papel gerada pela Primeira Guerra
Mundial surge a necessidade da substituição da importação de matéria prima pela
própria produção local, sendo que este câmbio impulsionou significativamente a
indústria nacional. Essa necessidade faz com que adiante o processo de substituição de
importações, em 1917 foram feitos os primeiros experimentos para o desenvolvimento e
produção de pasta de celulose por meio de plantas nativas (IANNI, 1991). Ou seja, não
só a produção passou a ser nacional como também o cultivo da matéria prima.
Contudo, logo depois, quase uma década após seu surgimento nos moldes de
produção industrial tais como se assemelham aos dias de hoje:
[...], a indústria é atingida pela crise de 1929, a qual teve efeitos devastadores sobre os preços do café. Uma vez que parte significativa da economia brasileira dependia do desempenho deste produto, vários setores foram afetados, como a indústria de papel.”(HILGEMBERG & BACHA; 2001)
Desse modo:
“Diante da crise de superprodução de café (nosso principal gerador de divisas naquela época) e das grandes dificuldades financeiras atravessadas por muitas empresas, o governo proibiu - até 1937 - a importação de máquinas para a instalação de novas fábricas de papel e criou um fundo especial para socorrer as empresas em dificuldades. O
21
resultado deste processo foi a concentração de capacidade de produção nas maiores empresas existentes.” (HILGEMBERG & BACHA; 2001)
Dando prosseguimento à política estatal e macroestrutural de fortalecimento do
mercado interno, entre as décadas de 40 e 50, o governo brasileiro se empenhou em
desenvolver pesquisas para a produção de celulose, com fibras extraídas a partir das
plantas nativas. Este tipo de investimento governamental pode ser encarado como mais
um indício da relevância assumida por este tipo de indústria dentro da matriz mais geral
de indústrias nacionais.
Com o Programa de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956–1961 – o
tão conhecido “cinquenta anos em cinco”), a indústria brasileira de papel se enquadrava
na relação das indústrias de base, as quais consideradas estratégicas para o
desenvolvimento do país e, por este motivo, alvo de maciços investimentos estatais. O
objetivo era modernizar e introduzir novas tecnologias, para atender a uma demanda
cada vez maior do mercado gráfico e editorial – principalmente após a “proliferação” da
imprensa (IANNI, 1991).
A partir da década de 60 o país se torna referência mundial na produção de papel e
celulose e se compromete com a preservação do meio ambiente, economia de energia e
de insumos.
O Governo consolidou as bases da indústria de papel e celulose através de uma
política de incentivos fiscal, também por meio de atuação direta do BNDES, bem como
através da fixação de novos níveis mínimos de produção que resultaram no aumento
expressivo da produção e no início das exportações (JUVENAL, 2002).
Essa breve contextualização exprime dois importantes aspectos da indústria de
papel, bem como os motivos pelos quais ela torna-se um objeto tão interessante de ser
analisado. O primeiro desses aspectos é que tal indústria não é de modo algum tão nova,
uma vez que – ao menos no caso brasileiro – carrega consigo toda uma história que
remonta o Brasil colônia.
E, o segundo, é que ela foi uma das indústrias que alavancou o crescimento
industrial nacional no início do século passado. Compreendê-la é compreender um
pouco a história da industrialização brasileira e seus estreitos nexos com o Estado.
2. Setores de papel e celulose no Brasil
No Brasil em 2010 existiam 222 empresas vinculadas ao setor industrial de papel
e celulose, um número relativamente expressivo tendo em vista a economia nacional.
22
Ainda assim, é importante ressaltar que o tamanho e a abrangência de cada uma dessas
empresas diferem imensamente entre si. Em outras palavras, há dentro desse universo,
grandes e pequenas empresas com maior ou menor impacto na produção de papel e
celulose e, consequentemente, maior ou menor geração de riquezas.
Sua capilaridade no território é, portanto, notável. Sua espacialização pulverizada
no território nacional demonstra sua relevância, visto que ela acaba por gerar receitas,
riquezas e empregos em praticamente todos os estados.
Em 2010 foram produzidas 14 milhões de toneladas de celulose e 9 milhões de
toneladas de papel no Brasil (BRACELPA, 2011). Mas não é tão somente no cenário
nacional que a indústria de papel desempenha um papel crucial, em 2010 o Brasil foi o
4⁰ colocado no ranking dos maiores produtores de celulose do mundo e o 9⁰ em
produção de papel (PAINEL FLORESTAL, 2011). O setor representa 1,05% da
participação na Balança Comercial Brasileira, com o total de mão de obra empregada de
115 mil diretos e 575 mil indiretos, sendo o total de salários pagos de
R$1.831.963.000,00.
Dessa forma, ele tem grande importância na pauta das exportações brasileiras,
sendo que, nos últimos anos, a partir da intensificação de operações comerciais no
exterior, ele vem conquistando novos mercados, mantendo o saldo comercial positivo, o
qual totalizou - em 2010 - segundo a BRACELPA (2010), US$ 4,9 bilhões.
Além disso, os investimentos do setor de celulose e papel, nos últimos anos,
somaram US$ 12 bilhões. E para cada emprego direto gerado no setor de celulose e
papel, há cinco empregos indiretos criados em atividades vinculadas a esses produtos.
De acordo com a Tabela 1, em 2010 o papel e a celulose eram alguns dos
principais produtos nacionais exportados, representando 3,4% do total de produtos
exportados pelo país. Cifra esta digna de atenção e que indica um claro processo de
internacionalização desta indústria.
23
Tabela 1: Principais Produtos Exportados
Dois anos depois, já em março de 2012, a BRACELPA apresentou dados do
faturamento anual do ano calendário de 2011, no montante de R$33.949.847.000,00.
Neste caso, houve um incremento de 23,4% em relação ao faturamento do ano
calendário de 2009.
Este dado expressa o vigor desta indústria. Além disso, expressa sua força em um
momento delicado da economia nacional e internacional, ou seja, imediatamente ao
momento pós-crise de 2008. Pode-se supor a partir daí, que mesmo havendo certo
impacto sobre a indústria de papel e celulose, ele não foi tão intenso quanto aquele
sentido por outros setores. Os mecanismos que garantiram esse amortecimento podem
ser muitos, mas talvez o principal deles resida no fato de uma economia interna cada
vez mais robusta com a agregação de estratos sociais – até então – menos abastados
financeiramente.
3. Os principais players
A cadeia produtiva do setor abrange várias etapas, como: o plantio de florestas
com alto nível de produtividade (devido ao clima e solo propício), desenvolvimento de
tecnologias e estudos (pesquisa, de um modo geral), energia, celulose e papel,
conversão em artefatos de papel e papelão, reciclagem de papel, produção gráfica e
editorial, além de transporte e distribuição (BRACELPA, 2009).
24
Ao longo dos anos empresas de grande expressão e importância dentro do setor se
consolidaram, enquanto que outros tantos deixaram de existir ou simplesmente
perderam espaço. Dessa forma, foi feito um recorte temporal de quatro anos (entre 2006
e 2010), a fim de melhor controlar a influência desses diversos atores, dentro desta
janela temporal foram selecionadas tão somente as três maiores empresa do setor, já que
elas são, de fato, as mais representativas.
Desse modo, as maiores empresas aqui selecionadas e, portanto, analisadas são: 1)
Suzano Papel e Celulose; 2) Klabin S/A e; 3) Votorantim Celulose e Papel (VCP), qual
se uniu a partir de 2009 à Aracruz Celulose, criando a empresa Fibria.
4 Crise econômica mundial de 2008
No fim do ano de 2008 deu se o auge da crise econômica mundial, essa por sua
vez iniciada nos Estados Unidos.
A crise financeira internacional teve a sua origem na crise do subprime3 – o
mercado financeiro imobiliário com necessidade de ampliar seus ganhos levou
instituições financeiras a apostar em papéis de alto risco, já que a securitização
financeira que serviria para diluir os riscos acaba fazendo desaparecer de modo que não
se perceba.
Como resultado - ao menos imediato para o mercado norte-americano -, houve
brusco desaquecimento econômico nas mais diversas esferas. Isto porque houve falta
generalizada de crédito que atingiu especialmente e diretamente as empresas que
encontraram dificuldades para se autofinanciarem. Por outro lado, houve aumentos
especulativos de preços das principais mercadorias e commodities do mundo, como por
exemplo, o petróleo (Gráfico 1), o que impactou diretamente na produtividade norte
americana (BRUM & SILVEIRA, 2010).
3 Subprime é um crédito de risco que é concedido a um tomador que não oferece garantias suficientes para se beneficiar da taxa de juros mais vantajosas (prime rate).
25
Gráfico 1: Variação das Cotações do Barril de Petróleo (Brent – Mar do Norte) no período de 2007 e 2009
Gráfico da Variação das Cotações do Barril de Petró leo (Brent - Mar do Norte
77,70
20,00
40,00
60,00
80,00
100,00
120,00
140,00
160,00
jan/0
7
mar
/07
mai/
07jul
/07
set/0
7
nov/0
7
jan/0
8
mar
/08
mai/
08jul
/08
set/0
8
nov/0
8
jan/0
9
mar
/09
mai/
09jul
/09
set/0
9
nov/0
9
Período Mensal
US
$/B
arril
(pr
eço
do ó
leo
cru)
Fonte: Central Internacional de Análises Econômicas e de Estudos de Mercado Agropecuário - CEEMA – com base em dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV) (apud BRUM; SILVEIRA, 2010).
Ou seja, a economia americana entrou em um momento “duplamente negativo”,
primeiro, porque havia escassez de liquidez, haja vista que os bancos estavam sendo
mais criteriosos com seus empréstimos e os faziam tão somente para aqueles negócios e
serviços com grande potencial de recuperação e confiabilidade de retorno. E, em
segundo, porque a produção em si se tornou mais cara, visto os constantes aumentos das
matérias primas.
Nesse sentido, outras economias com custos de produção muito inferiores ao
norte-americano emergiram no cenário; como é o caso da economia chinesa. Cabe
também frisar que o incremento dos preços das matérias primas se deveu – em boa
medida – a própria “voracidade” do mercado chinês. Como explicam Brum & Silveira
(2010):
“Ora, com moedas sobrevalorizadas, a maioria dos países perde a competitividade externa. E quem ganha com isso são países como EUA e a China, que mantém um sistema de desvalorização do Yuan ao ritmo do dólar. Após o estouro da crise e o chamado fundo do poço, em 2009 pode se ver claramente o interesse estadunidense em manter um dólar fraco (desvalorizado frente as demais moedas mundiais). Na prática, a coisa funcionou assim: como qualquer produto no mercado, o valor do dólar evolui em função de sua oferta e procura [Gráfico 2]. A partir do segundo semestre de 2008, e até abril/maio de 2009, o dólar saiu de uma posição depreciada e ganhou valor perante as moedas mundiais rapidamente. Neste sentido, a crise internacional provocou dois efeitos explicativos: as empresas transnacionais foram obrigadas a repatriar seus ativos para os EUA, visando cobrir os rombos em Wall Street; e houve uma redução na oferta de títulos americanos. Em síntese, a
26
demanda líquida por dólares acabou aumentando, fato que provocou sua apreciação.”(BRUM; SILVEIRA; 2010)
Gráfico 2: Variação das Cotações do Dólar no Mercado Brasileiro entre 2007 e 2009
Gráfico da Variação das Cotações do Dólar (R$ x US$ )
1,93
1,00
1,20
1,40
1,60
1,80
2,00
2,20
2,40
2,60
jan/0
7
mar
/07
mai/
07jul
/07
set/0
7
nov/0
7
jan/0
8
mar
/08
mai/
08jul
/08
set/0
8
nov/0
8
jan/0
9
mar
/09
mai/
09jul
/09
set/0
9
nov/0
9
Período Mensal
R$
Fonte: Central Internacional de Análises Econômicas e de Estudos de Mercado Agropecuário - CEEMA – com base em dados do Banco Central do Brasil (BACEN) (apud BRUM & SILVEIRA, 2010).
Mas essa valorização do dólar não foi necessariamente ruim para a economia
brasileira como um todo e para o setor de papel. Em função do seu duplo aporte, a
indústria de papel continuou a vender boa parte de sua produção para o mercado
interno. Mas, ao mesmo tempo, se viu privilegiada de vender a ótimo preços para o
mercado externo, se não mais para os Estados Unidos, agora para um grande mercado
emergente: o chinês.
5. Como a crise impactou efetivamente o setor de celulose e papel no Brasil
Em 2006 os principais “players” apresentaram bom resultados operacionais e
financeiros, como demonstrado nos dados das tabelas abaixo, principalmente tendo-se
em vista que o setor tem um dos menores custos de produção entre as indústrias
brasileiras.
Tratava-se de fábricas modernas, florestas altamente produtivas, profissionais
qualificados, grandes investimentos e desenvolvimento (por vezes sob os critérios de
sustentabilidade). Em 2008 o Brasil foi do sexto para o quarto lugar no ranking Mundial
27
dos produtores de Celulose (BRACELPA, 2008). Os Gráficos 3, 4, 5, 6 e 7 mostram a
evolução dos principais players que atuavam no Brasil no período pré e pós crise.
Gráfico 3: Evolução Histórica - análise do lucro (prejuízo) Suzano
Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).
Gráfico 4: Evolução Histórica - análise do lucro (prejuízo) Klabin
Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).
Gráfico 5: Evolução Histórica - análise do lucro (prejuízo) Votorantim
Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).
28
Gráfico 6: Evolução Histórica – analise do lucro (prejuízo) Aracruz Celulose
Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).
Gráfico 7: Evolução Histórica – analise do lucro (prejuízo) Fibria
Fonte: Elaboração própria adaptado de BRACELPA (2008).
Esse cenário continuou até meados de 2008 quando os primeiros sinais da crise
mundial atingiram o mercado brasileiro. Houve uma desvalorização do real, os estoques
mundiais aumentaram, em seguida houve a diminuição dos investimentos no
seguimento de papel e celulose. Por fim, veio da desvalorização da celulose no mercado
mundial acompanhando o decaimento geral do mercado de commodities.
O setor de celulose e papel também foi um dos principais setores com queda de
rentabilidade entre o primeiro trimestre de 2008 e o mesmo período de 2009 com
resultado de 0,80%, como demonstra o grupo de conjuntura Fundap no texto Crise e Pós
Crise; O impacto sobre as grandes empresas brasileiras de capital aberto (2012).
Fato esse visível com os resultados das empresas Aracruz e Votorantim Celulose e
Papel que se fundiram em 2009 criando a Fibria, apresentaram resultado ruins logo após
o estouro da crise e no ano seguinte, uma vez que perderam fundamentalmente do
mercado externo para a vender seus produtor. Por outro lado, a Suzano e Klabin
29
mantiveram seus níveis de rentabilidade, pois contavam com boa parte do mercado
interno de papel para escoar sua produção.
Esse mercado iniciou 2008 com queda, mas logo em 2009 se reergueu, com o
constante crescimento do mercado interno e seu grande consumidor externo a China.
Tornando-se grande parceiro do Brasil para comercio logo após a crise de celulose e
papel.
6. Medidas tomadas pelo setor
As empresas brasileiras iniciam um grande esforço em incrementar as produções
com o intuito de se valer desta situação adversa e das dificuldades que os países
concorrentes enfrentavam. Nesse sentido, até outubro de 2008, ou seja, precisamente no
momento mais dramático da crise financeira e econômica mundial, a produção de
celulose nacional aumentou em 9%, totalizando 10,692 milhões de toneladas e, a de
papel 1,9%, quando comparamos os resultados do ano anterior.
Mesmo assim alguns dos principais atores sofreram alguns danos. A Aracruz tinha
feito apostas de altíssimo risco em derivativos, a Suzano Papel e Celulose, a VCP e a
Klabin registraram aumento de despesas com dívidas em moeda estrangeira e prejuízos
milionários no final de 2008.
Mesmo o setor sendo mais dependente do mercado interno, já que 60% da
produção era absorvida domesticamente e compradores da América Latina, o efeito da
crise foi sentido nas produções e, consequentemente, na queda de preços já no primeiro
bimestre de 2009.
O setor teve que pedir ajuda ao governo para que houvesse redução de impostos
sobre os investimentos na construção de novas fábricas, isenções de impostos nos
produtos finais, medidas restritivas para importação de papel imune, solicitação de uma
fiscalização mais severa por parte da Receita Federal e ampliação das parcerias
governamentais de distribuição de livros e cadernos para as escolas públicas. Em suma,
a indústria de papel e celulose uma vez mais, assim como o fez em décadas passadas,
foi buscar guarida junto ao Estado. Tal afirmação deve ser entendida e lida sem
qualquer tipo de juízo de valores associado a perspectivas específicas, por exemplo, a
(cartilha) neo-liberal, posto que talvez sem esse socorro governamental boa parte do
30
setor pudesse ter amargado prejuízos ainda maiores e, claro, com consequências ainda
maiores.
Além de parcerias com o governo, o setor teve que ampliar as linhas de crédito e a
criação de um mecanismo no sistema bancário para apoio as empresas exportadoras em
momento de crise (BRACELPA, 2008).
7. Resultado das medidas tomadas pelo setor no Brasil
A primeira resposta a crise internacional por parte do setor de celulose e papel
no Brasil foi a de manter em 2009 os mesmos níveis de produção de 2008, como
demonstrado no Relatório Anual 2008-2009 da Bracelpa, os resultados foram
minimamente alcançados, conforme pode ser observado nos dados da Tabela 2.
Os números da balança comercial do setor demonstra que a variação de 2009 para
2010 foi maior do que a do ano anterior, comprovando a meta para o setor. Esse
resultado é visto pelo saldo da balança comercial que em 2010 é o melhor em 20 anos,
como demonstra a Gráfico 8.
O setor não retraiu, pelo contrário, a produção de celulose cresceu em 6%, sendo
este um resultado muito relevante para o PIB brasileiro. Segundo a Bracelpa, parte
desse crescimento foi alavancado pelas exportações, posto que elas cresceram 17% no
período, em parte justificado pela sua alta qualidade comparado com outros produtores
mundial.
31
Tabela 2: Evolução Histórica da Balança Comercial do Setor de Papel e Celulose
Gráfico 8: Evolução do Saldo Comercial do Setor de Papel e Celulose
Fonte: Relatório Estatístico 2010/2011 BRACELPA.
32
Houve crescimento na produção em todo o setor, bem como incremento das
exportações, sem, ainda, se esquecer das vendas voltadas para o mercado interno. Isso
porque as principais empresas do setor em todo o mundo se tornaram obsoletas por falta
de recursos para investimentos ocasionados pela falta de liquidez internacional gerada
pela crise financeira, ou simplesmente fecharam suas portas. Contudo, a participação da
China foi algo sem precedentes a demanda desse país pela matéria-prima brasileira
cresceu tanto no período que supriu a diminuição dos outros mercados tradicionais,
notadamente a Europa e os EUA.
Logo em 2009, o setor nacional de celulose e papel já apresentava manutenção
nos níveis de produção em comparação a 2008, e que, apesar das dificuldades, o setor
teve planejamento, demonstrando seu potencial tanto no mercado interno, quanto
externo. A Tabela 3 mostra a evolução do consumo aparente de papéis em mil
toneladas.
Tabela 3: Evolução do Consumo Aparente de Papéis
Fonte: Relatório anual 2011 BRACELPA.
Um dos fatores que fizeram com que a produção continuasse aquecida foi o
mercado interno, uma vez que as vendas domésticas cresceram 2,7% em 2009, cifra esta
que para um período de crise e pós-crise foi extremamente positiva. É bem verdade, que
esse crescimento pode ter sido um pouco inercial, ou seja, o crescimento sentido em
2009 ainda estava vinculado a transações anteriores a crise econômica, mas, mesmo
nessa situação, o crescimento e o curto período de tempo em que ele se deu não deixam
de ser notáveis.
O Governo reconhece que o setor é relevante para a economia e ajuda a superar
alguns “gargalos” de competitividade em diversos seguimentos do papel. O Brasil é
destaque, atraindo centro de desenvolvimentos de tecnologia e produtos, pois conta com
qualidade de mão de obra, além de que o mercado interno é crescente, garantindo
ganhos de escala e rentabilidade.
33
Considerações finais
Considerando a confluência de fatores externos e internacionais que garantiram
a recuperação e o processo de retomada de crescimento, verificou-se que a indústria
nacional de papel e celulose estava minimamente estruturada para suportar, apesar das
consequências sem precedentes, os abalos provocados pela crise econômica mundial por
ser um dos setores historicamente mais robustos da indústria brasileira. Ademais, trata-
se de uma tradicionalmente atendida pelo Estado, recebendo incentivos por meio dos
mais inúmeros instrumentos: financiamentos facilitados; linhas especiais de créditos;
investimentos diretos; redução fiscal, entre outros.
Deve-se, também, levar em consideração a organização interna e a maturidade
destas empresas como fatores decisivos para o seu sucesso. Dessa forma e em suma, foi
possível enfrentar a instabilidade da economia mundial devido à competitividade e
produtividade das empresas do setor. Mas não só isso houve na verdade uma
confluência de fatores tanto externos, quanto internos. Alguns países - que não aqueles
de fato centro da crise econômica - continuaram tão pujantes economicamente quanto
eram pré-crise, vide o caso da China que como um grande comprador de celulose
ajudou a sustentar o setor no Brasil. Desta forma, houve uma certa compensação onde
antigos principais parceiros foram substituídos por novos principais parceiros.
Afora os fatores externos, ocorreu nesse período uma inversão da lógica estatal,
onde este passaria a ser um indutor mais decisivo da economia, especialmente do
mercado interno – diferentemente da lógica neo-liberal de enxugamento e retração do
Estado. Houve, portanto, a formação de uma nova “classe média” baixa (por meio de
diversos incentivos – repasse direto de somas de dinheiro, incentivo a construção civil, a
indústria automobilística, a produção industrial de eletrodomésticos etc.) que
demandava novos produtos e serviços grande parte deles demandantes de celulose.
Nesse sentido, para a indústria de papel a recuperação foi mais rápida do que
outros setores devido por sua dupla embocadura: a) continuava a ter mercado externo
suficiente a preços internacionais remuneradores e; b) suas vendas no mercado interno
foram surpreendentes. Além disso, o setor demonstra uma alta viabilidade econômica
comprovada, espera-se que cresça nos próximos anos em torno de 500 mil
toneladas/ano, o que equivale a quase 5% de toda sua capacidade produtiva.
Trata-se de um setor com grandes investimentos em tecnologia, que gera um
circulo econômico favorável para a economia do país, dando grande movimentação ao
34
mercado nacional e internacional, gerador de emprego e grande exportador. Em
momentos de incerteza, atua com força no mercado interno e na América Latina,
garantindo menor risco e certa lucratividade. Assim o setor apresenta característica
cíclica, alternando períodos de preços internacionais elevados e estoques mundiais
reduzidos, com períodos de grande margem e excesso de oferta.
Referências Bibliográficas
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35
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A PRÁTICA DAS CINCO DISCIPLINAS NAS ORGANIZAÇÕES E NA SOCIEDADE: O DIÁLOGO E A GESTÃO PARTICIPATIVA COMO PRÁTICA
PARA COMPARTILHAR CONHECIMENTOS
Fernanda de Moraes Rossi Affonso1
Janaína Priscila Rodrigues Firmino2
Antonio Carlos Zambon3
RESUMO
O desenvolvimento de tecnologias para resolver problemas sociais contemporâneos tornou-se uma constante nas universidades e centros de pesquisa. Sem desmerecer as pesquisas e intenções válidas, este artigo pretende apresentar quanto o pensamento e o comportamento humano influenciam tais problemas sociais, tanto na manutenção de sua causa, quanto na ampliação de seus efeitos, e que a criação de conhecimento por meio de métodos de aprendizagem coletiva pode ser o caminho para que mudanças gradativas e eficazes sejam possíveis. Os resultados teóricos apresentados originam-se da aplicação prática das Cinco Disciplinas de Aprendizagem Organizacional (SENGE, 2011) utilizando técnicas ou métodos de diálogo para exemplificar tal utilização.
1 Especialista em Marketing, Professora Universitária e Consultora empresarial. Colaboradora do GEICON/Unicamp. ([email protected]). 2 Especialista em Gestão Empresarial, Professora Universitária e Consultora empresarial. Colaboradora do GEICON/Unicamp. ([email protected]). 3 Doutor em Engenharia de Produção, Professor da FT/Unicamp. Pesquisador do GEICON. ([email protected]).
37
Introdução
Considerando os estudos sobre as Organizações aprendizes (Learning
Organizations) e que estas são constituídas a partir do compartilhamento dos
conhecimentos e a necessidade do profissional atual ser inovador, flexível, ter visão
sistêmica, trabalhar em equipe, atuar em mercados e políticas globais - fatores que
permeiam a vida de agentes de mudanças organizacionais e sociais na época atual - é
que esse essa pesquisa foi realizada.
Como desenvolver tais habilidades, se estas dependem da percepção individual,
do modo de ver, pensar e ler o mundo e, além disso, interagir com outras pessoas,
também dotadas de percepções próprias?
Alguns estudos do campo da Gestão do Conhecimento propõem práticas ou
disciplinas que permitem esse desenvolvimento:
Nonaka e Takeuchi (2008) apresentam na Teoria da criação do conhecimento
organizacional a proposta de conversão do conhecimento tácito (na mente das pessoas)
em explícito (conhecido por todos), e permite externalizar e compartilhar o
conhecimento individual. Na década de 80, Peter Senge, publicou a obra “A Quinta
Disciplina”, propõe que as pessoas aprendem a lidar com situações complexas a partir
do reconhecimento de sua visão de mundo (modelo mental) e das demais pessoas. A
quinta disciplina é o pensamento sistêmico, que permeia as quatro outras disciplinas:
modelos mentais, domínio pessoal, visão compartilhada e aprendizagem em equipe.
(SENGE, 2011)
Davenport e Prusak (1999), afirmam que os estudos das cinco disciplinas apenas
sugerem que as pessoas aprendam e não explicam como se deve aprender ou criar
conhecimento. Senge (2011), entretanto, relata a prática das cinco disciplinas nos
últimos 15 anos e os resultados demonstram o sucesso e a possibilidade de sua
aplicação em diversas áreas como a criação de negócios sustentáveis, tratamentos de
problemas sociais urbanos e educacionais e propostas para melhorar o desenvolvimento
econômico e produtivo.
Com esses relatos de experiências percebe-se que a mudança comportamental
daqueles que praticam as disciplinas afeta diretamente o sistema em que a pessoa
38
aprendiz atua, seja ele a organização, a sociedade ou o próprio ambiente familiar, e o
aprendizado, consequentemente, traz como resultado o conhecimento.
Este artigo pretende apresentar as Cinco Disciplinas de Aprendizagem com
enfoque na importância do pensamento sistêmico e modelos mentais no comportamento
e relacionamento humano. Para exemplificar a prática das disciplinas, são apresentadas
ferramentas de Diálogo e Gestão Participativa como instrumentos de explicitação,
representação, compartilhamento de conhecimentos e aprendizagem nas organizações e
na sociedade.
1. Trabalhos relacionados
Com a finalidade de estudar o aprendizado organizacional de maneira
sistemática, dinâmica e humana, Peter Senge, estudante do Massachussetts Institute of
Technology (MIT) e atualmente, palestrante sênior do mesmo Instituto, escreveu a obra
“A Quinta Disciplina” propondo uma nova mentalidade para administrar organizações,
sejam privadas, públicas ou a própria sociedade.
A base de seus estudos foi construída durante o seu trabalho de pesquisa sob
orientação de Jay W. Forrester, criador da System Dinamics, e na mais recente edição
(27ª publicada em 2011), Senge refere-se à mudança de mentalidade (metanóia4) na
gestão mecanicista das organizações para a gestão baseada em pessoas, que são capazes
de aprender e propor melhorias na atuação empresarial. A proposta das cinco disciplinas
é desenvolver as pessoas, compartilhar seus domínios, visões e modelos mentais, para
aprender e trabalhar em grupo utilizando o pensamento sistêmico.
A filosofia das cinco disciplinas é o aprendizado. Pessoas são aprendizes e as
organizações compostas por pessoas aprendizes tornam-se organizações aprendizes
(Learning Organizations). O conhecimento constrói-se da aprendizagem que acontece
em um ambiente propício ao diálogo, compartilhamento de pensamentos (modelos
mentais) e trabalho em equipe. Deve-se também levar em consideração que o
conhecimento pode ser construído através de estudos (conhecimento científico),
filosofia, teologia e a própria experiência de vida de cada pessoa (conhecimento
empírico)(MATTAR, 2008). Para existir o compartilhamento do conhecimento, torna-se
4Metanoia: mudança de metalidade. (SENGE, 2011, p. 40) explica que “entender o sentido de ‘metanoia’ é entender o significado mais profundo de ‘aprendizagem’, pois essa também envolve uma alteração fundamental ou movimento da mente”.
39
necessário o entendimento de como o ser humano percebe e valoriza o mundo. Os
princípios do pensamento sistêmico são decorrentes dos estudos de Bertalanffy (1968),
“aplicáveis em sistemas complexos, da biologia à sociologia” (VALENÇA, 2011).
Jonh D. Sterman (2000, p. 4), na obra “Business Dynamics” reforça que o
desenvolvimento do pensamento sistêmico “é crucial para a sobrevivência da
humanidade” quando evidencia a importância de entender que “tudo está conectado a
tudo”. Valença (2011, p. 18) propõe, portanto, que entender as situações do ponto de
vista sistêmico não agrega nenhum atributo à ação, apenas o sujeito “tem a sua
percepção qualificada”.
2. As cinco disciplinas de aprendizagem: a influência dos modelos mentais e a importância do raciocínio sistêmico 2.1. A importância do pensamento sistêmico na gestão das organizações e da sociedade
O ponto inicial de estudo das disciplinas é a compreensão do raciocínio
sistêmico, que considera um sistema um todo composto por partes e partes que
compõem um todo, interligadas e inter-relacionadas e interdependentes - segundo os
estudos da Teoria Geral de Sistemas de Berttalanffy, de onde se originaram estudos da
visão sistêmica em todas as áreas das ciências (MARTINELLI, NIELSEN e
MARTING, 2010).
Entender o comportamento desses sistemas complexos e compreender como
ocorre a aprendizagem das pessoas é a missão da Dinâmica de Sistemas, um modelo de
raciocínio sistêmico que permite simular a gestão organizacional ou social, baseada em
psicologia cognitiva e social, e que considera os efeitos da política e da economia e
outras ciências sociais sobre as reações do sistema. (STERMAN, 2000). “As ideias
fundamentais de System Dynamics (SD) consideram os sistemas humanos e naturais
como complexos, definindo seus componentes como elementos ou objetos, unidos por
meio de fluxos de causa e efeito, que também são retroalimentados” (FORRESTER,
1972 apud TOMÉ, 2012).
2.2 As cinco disciplinas de aprendizado organizacional e social
40
A Quinta Disciplina é o Pensamento Sistêmico. É a disciplina que integra as
demais disciplinas, fundindo-as em teoria e prática (SENGE, 2011).
Ao estudar o comportamento das organizações - em primeiro plano as atividades do
ambiente interno – a prática das cinco disciplinas foi indicada como antídoto para
combater as deficiências de aprendizagem organizacional e constata-se que sua
aplicação depende do entendimento e aprovação por parte dos gestores e da alta
administração.
Esse entendimento e aprovação para a prática das disciplinas atua como
feedback de reforço para a obtenção dos resultados, ou seja, a influência que pode
amplificar positiva ou negativamente uma ação.
Um exemplo desse modelo de pensamento pode ser observado no exemplo e figura a
seguir: propaganda boca a boca sobre um produto. Se houver clientes satisfeitos as
vendas aumentam, caso contrário, as vendas podem se retrair.
Figura 1: Diagrama de feedback de reforço
Fonte: Adaptado de Senge (2011, p. 123)
Antes de apresentar os conceitos das deficiências de aprendizagem e das cinco
disciplinas, entretanto, é necessário identificá-las e demonstrar suas relações.
2.2.1 As deficiências do aprendizado organizacional
Para que as organizações tornem-se organizações aprendizes, existe, porém, a
necessidade de identificar e eliminar as deficiências de aprendizagem organizacional,
que impedema criação e disseminação deste conhecimento (SENGE 2011). Tais
deficiências são encontradas na maioria das organizações e estão demonstradas no
Quadro 1. Para o autor, a forma como as organizações são projetadas, gerenciadas,
41
estruturadas e a forma de pensar e interagir – princípios da cultura organizacional - cria
deficiências de aprendizagem.
Quadro 1: Deficiências de Aprendizagem Organizacional
Eu sou o meu cargo Sem perceber ou saber em que sistema organizacional estão inseridas, as pessoas se limitam ao seu cargo, têm pouco senso de responsabilidade em relação aos resultados.
O inimigo está lá fora
A constante prática de culpar um agente (externo ou interno) por não atingir os resultados.
A ilusão de assumir o controle
Agir proativamente e não reativamente. Em muitas situações a reação ao que aconteceu é confundida com a proatividade, sendo esta definida por Senge como “perceber qual é a nossa contribuição para nossos próprios problemas”.
A fixação em eventos
Aprender a trabalhar de maneira estratégica, em longo prazo. Evitar o domínio mental de trabalhar olhando apenas às atividades a curto prazo.
A parábola do sapo escaldado
O título dessa deficiência é uma analogia à situação da seguinte situação: se colocar um sapo em água quente, ele irá pular para fora imediatamente, ao passo que, ao colocá-lo em água fria e posteriormente, ligar o fogo, ele irá se sentir aquecido gradativamente em um primeiro momento e quando a temperatura passar do limite ele não conseguirá sair da água e morrerá escaldado, pois, os sapos não têm a capacidade de reconhecer o perigo gradualmente, apenas sob mudanças de condições abruptas.
A ilusão de aprender com a experiência
Aprender com a experiência direta e não perceber que existem consequências indiretas, que podem influenciar sistematicamente a atuação da empresa. É aprender com as decisões e feedbacks de primeiro plano, sem se atentar às reações subsequentes destas decisões.
Mito da equipe gerencial
É acreditar que uma equipe gerencial será capaz de sanar os problemas causados por essas deficiências. Em geral, os gerentes estão envolvidos em resolver dilemas de suas responsabilidades, e, a atuação desse grupo com objetivos divergentes, possivelmente, impedirá a criação de conhecimento organizacional, ao invés de fomentá-lo.
Fonte: Adaptado de SENGE (2011).
As deficiências de aprendizagem também podem ser observadas nos ambientes
familiares e no convívio em sociedade, em que a prática das cinco disciplinas também é
indicada para o desenvolvimento de melhoria contínua.
2.1.2 Pensamento sistêmico
42
Segundo Senge (2011), “É uma disciplina para ver o todo”, tão necessária ao
mundo atual, bombardeado por uma quantidade imensa de informações que o homem
não é capaz de absorver e tem dificuldades em relacionar e administrar.
Para desenvolver o pensamento sistêmico é necessário perceber que as situações
são sistemas compostos de nodos interligados e inter-relacionados (em rede), em que
seus efeitos agem ou reagem sobre os outros. “As empresas e os outros feitos humanos
são sistemas”. Para resolução de uma situação é primordial compreendê-la como parte
de um todo, interligado e inter-relacionado a outras situações. Existem três conceitos
necessários para a prática do raciocínio sistêmico: o conceito de feedback de reforço,
feedback de equilíbrio (balanceamento) e a defasagem (diferença entre o que se deseja e
o que se tem). Considerando as situações dinâmicas em que os sistemas atuam
(complexidade dinâmica), é possível identificar que tipo de fenômeno está acontecendo
e tomar a decisão que será assertiva à causa e não aos efeitos.
De acordo com Senge (2011, p. 118):
“Na perspectiva sistêmica, o ser humano é parte de um processo de feedback, não ficando a parte dele. Isso representa uma profunda mudança na percepção. Permite-nos ver como estamos continuamente tanto sendo influenciados pela realidade quanto influenciando-a”.
O autor, entretanto, enfatiza que, embora a visão sistêmica, das partes para o
todo é crucial, também é importante perceber que essas partes podem integrar um
sistema dinâmico, complexo, e que em um contexto organizacional, é algo
intrinsicamente ligado ao sucesso na tomada de decisões.
2.1.3 Domínio pessoal e a primeira disciplina
Esta disciplina trata de reconhecer a importância da aprendizagem individual, e
que pessoas têm desejos e formas de pensar próprias. É a disciplina que proporciona
crescimento e aprendizado pessoal e a expansão da capacidade criativa.
Ao desenvolver a disciplina do domínio pessoal, dois movimentos subjacentes
são incorporados: o esclarecimento do que é importante para si e aprender
continuamente como ver a realidade atual com mais clareza. O primeiro faz com que a
resolução de problemas esteja em segundo plano e que os motivos pelos quais os
problemas devem ser resolvidos sejam considerados importantes. O segundo
43
movimento se caracteriza pela justaposição da visão (o que se quer) e uma imagem da
realidade atual (onde está em relação ao que se quer). O autor denomina essa situação
de tensão criativa e diz que a essência do domínio pessoal está em aprender, gerar e
sustentar tensão criativa. De acordo com os estudos das cinco disciplinas, há grande
resistência por parte das organizações em permitir o desenvolvimento pessoal de sua
força de trabalho. É algo abstrato, depende de um ambiente propício e de estímulos para
desenvolvê-lo.
O autor sugere uma série de práticas e princípios para a expansão contínua do
domínio pessoal, como o estabelecimento da visão pessoal, não a visão reduzida ao
presente, baseada em aspectos fragmentados do cotidiano, mas a visão a longo prazo,
considerando todos os fatores relacionados a vida (aspectos de saúde, liberdade e
sinceridade consigo) e não focar em aspectos materiais seguindo tendência da
sociedade.
2.1.4 Modelos mentais
Esta disciplina estuda o domínio dos modelos mentais e sua expectativa: “[...]
trazer à tona, testar e aperfeiçoar nossas imagens internas sobre o funcionamento do
mundo”. (SENGE, 2011, p. 219).
Os modelos mentais determinam a forma de como se entende o mundo e
também como as pessoas agem. O modelo mental afeta a visão pessoal e molda a
percepção. Segundo os estudos de Chris Argyris, professor de Harvard, citado por
Senge (2011), as pessoas nem sempre agem conforme dizem. As Teorias Esposadas
(aquilo que se diz) nem sempre são coerentes às Teorias em uso (Modelos Mentais). Os
modelos mentais afetam o que se faz, pois é influenciado pelo o que se vê. “Duas
pessoas com modelos mentais diferentes podem observar o mesmo evento e descrevê-lo
de forma diferente, pois veem detalhes diferentes e fazem interpretações distintas”
(SENGE, 2011, p. 220).
“A essência da disciplina de modelos mentais é a prática reflexiva”
(SENGE,2011, p. 236).
As pesquisas descritas na obra “A Quinta Disciplina”, relacionando o
pensamento sistêmico com o domínio dos modelos mentais demonstram um ganho
quando as duas estão naturalmente caminhando juntas, pois os modelos mentais expõem
44
premissas ocultas enquanto o pensamento sistêmico trata de revelar as causas de
problemas significativos.
2.1.5 Visão compartilhada
Esta disciplina propõe que as pessoas de um grupo ou equipe compartilhem da
mesma visão e explica que pessoas trabalhando juntas sem o compartilhamento de suas
visões pessoais “trabalham sem rumo”. “Quando existe uma visão genuína [...], as
pessoas dão tudo de si e aprendem, não porque são obrigadas, mas porque querem”
(SENGE, 2011, p.35).
Para o autor, “não existe organização que aprende sem uma visão
compartilhada”. Os objetivos, as metas, devem ser algo que as pessoas desejam realizar,
e se isso não acontece, a aprendizagem se torna difícil.
2.1.6 Aprendizagem em equipe
O ponto fundamental da aprendizagem em equipe é o diálogo e o
aprendizado acontece quando existe o “pensar coletivo”. Para que isso ocorra, é
necessário que a organização proponha ambiente favorável ao diálogo, quebre modelos
mentais hierarquizados e que possa compartilhar dos saberes da equipe. “A
aprendizagem em equipe é vital, pois as equipes, e não os indivíduos são a unidade de
aprendizagem fundamental nas organizações modernas. Esse é um ponto crucial: se as
equipes não tiverem capacidade de aprender, a organização não a terá” (SENGE, 2011,
p. 36)
Senge (2011, p. 290) diz que: “uma equipe que aprende domina o movimento de
vaivém entre diálogo e discussão. As regras básicas são diferentes. As metas são
diferentes. Sem distingui-las, as equipes normalmente não conseguem ter nem diálogos
nem discussões produtivas”.
3. O diálogo e a gestão participativa como ferramentas práticas da representação e compartilhamento do conhecimento 3.1 A importância da criação e gestão do conhecimento nas organizações
45
Na sociedade do século XIX, em meio às mudanças socioeconômicas e
tecnológicas, o conhecimento tornou-se o ativo de maior valor das organizações
privadas e sociais. Este pensamento corrobora os estudos de Peter Ferdinand Drucker,
um dos grandes pensadores de gestão da Administração Moderna, que dizia ainda que
os sucessos ou fracassos empresariais dependem muito mais da influência das mudanças
sociais do que dos eventos econômicos. (DRUCKER, 2005)
As principais mudanças por que passaram as organizações a partir de meados do
século XX devem-se à influência e estilo da Administração Japonesa. Baseados nos
estudos sobre “Qualidade” levadas ao Japão pelo Professor Deming, e unindo a
capacidade de trabalho em equipe, confiança e o alinhamento de objetivos dos
trabalhadores à organização, as organizações ocidentais tentavam incorporar algumas
práticas em suas rotinas.
Quel (2006, p. 57) diz que,
quando uma empresa lança mão de gestão do conhecimento, ela está buscando estabelecer um vínculo entre o saber individual, o saber social e o saber empresarial, formando assim um elo, um ciclo, um sistema que permite o desenvolvimento compartilhado do futuro.
Nonaka e Takeuchi (2008) apresentam a Espiral do Conhecimento como um
método para proporcionar a conversão dos conhecimentos tácitos (implícitos) em
explícitos, partindo do pressuposto que grande parte do conhecimento das pessoas está
intrínseca, em sua mente.
Visando permitir a criação de conhecimento, a organização deve propor um
ambiente favorável à construção do conhecimento, com espaços para a socialização, ou
seja, o diálogo, entre as pessoas, visando externalizar seus conhecimentos e organizá-los
de forma que possam ser disseminados entre os colaboradores e agregados aos produtos
e serviços, bem como ao convívio social.
Os autores definem Gestão do Conhecimento como: “conjunto de esforços
ordenados e sistematizados visando a criar novo conhecimento, difundi-lo na
organização para os que dele precisam e incorporá-lo a produtos, serviços e sistemas,
bem como protegê-lo contra o uso indevido” (NONAKA E TAKEUSHI, 2008).
Na visão de Drucker, Nonaka e Takeushi, Davenport e Prusak, Peter Senge entre
outros autores e pensadores de gestão, a organização que está disposta a reconhecer a
importância do conhecimento que possui e que estimula a criação e disseminação deste
46
conhecimento, será detentora de grande diferencial no mercado altamente competitivo e
inovador e terá capacidade de aprender com maior facilidade e destreza a se comportar
durante as mudanças sistêmicas desse novo século.
3.2 Fundamentos e ferramentas de diálogo
Pode parecer um assunto sem novidades, que é inerente ao ser humano, pois a
lógica é que ao aprender (ou apreender) uma linguagem, logo, é possível “dialogar”
com quem também compreende a mesma língua. David Bohm citado por BOJER (2010,
p. 18) definiu diálogo como “significado que flui através das pessoas”, e engloba fatores
como “ênfase nas questões, nas perguntas, na cocriação, na escuta, na revelação de
suposições de cada um, na suspensão do julgamento e numa busca coletiva pela
verdade.”
A partir dessas premissas, é notória a complexidade que envolve o processo de
diálogo, e é frequente a confusão do conceito com outras formas de conversas como:
debates, discussões, conferências, consultas.
Revendo os estudos sobre os modelos mentais de Peter Senge, torna-se claro que
o diálogo permite expor o que se vê e pensa do mundo, visando a construção de uma
verdade, compreendendo uma importante ferramenta para a conversão do conhecimento
tácito em explícito.
Bojer (2010) demonstra os fundamentos básicos para a realização de um
diálogo:
• Definir e esclarecer o propósito, identificar quais as necessidades verdadeiras e
se é um assunto atrativo aos participantes. A clareza dos objetivos tornará o
diálogo um processo produtivo;
• Boas perguntas: elaborar boas perguntas proporciona um ambiente de
aprendizagem em um diálogo. Evitar a preocupação com respostas e focar nas
perguntas é uma arma poderosa para estimular um ambiente criativo e de
raciocínio sistêmico. Segundo os princípios de Argyris, associar indagação e
argumentação, conforme abordado no tópico sobre Modelos Mentais;
• Participação e participantes: contar com participantes que além de interessados,
sejam colaboradores e auxiliem na construção das ideias poderá aproveitar da
melhor maneira o tempo e os recursos disponíveis;
47
• Estrutura essencial do processo: definir o método de condução das ideias,
sugerido pelos autores, o modelo da divergência e convergência, que possibilita
momentos de abertura de possibilidades e necessita da participação dos
presentes. Estimula o lançamento de muitas ideias, porém se houver divergência
em demasia, corre-se o risco de gerar frustração. Também se houve
convergência com poucas ideias, corre-se o risco de minimizar o potencial de
mudanças;
• Princípios: acordo entre os participantes, baseados no respeito mútuo (e
recíproco);
• Seleção das ferramentas:existem muitas ferramentas para a realização de
diálogos, e a escolha depende dos objetivos. Conhecer poucas ferramentas desse
método poderá causar dependência de algumas formas de dialogar. É importante
também a busca contínua por novas formas de propor um diálogo;
• O facilitador: pessoa de extrema importância na condução do processo e que
deve possuir habilidades e qualidades como: forte habilidade de escuta,
autoconsciência e autenticidade, fazer boas perguntas e ter abordagem holística.
Seu papel é mediar o processo desconectado de seu modelo mental (para evitar
julgamentos das propostas), porém, com capacidade de pensar e estimular
sistematicamente o conhecimento gerado;
• Espaço físico: item de grande importância, tanto quanto a presença de um
facilitador capacitado. O ambiente que favorece o diálogo deve permitir que
todos sintam-se confortáveis em participar. O modelo tradicional de sala de
reuniões nem sempre é a melhor alternativa para que existam indagações e
argumentações, definindo, muitas vezes, papéis aos participantes – o que impede
a comunicação coletiva.
Os propósitos e o contexto do diálogo estão representados no Quadro 1 a seguir.
A complexidade dependerá de quantos assuntos estão conectados
sistematicamente. Na obra “Mapeando Diálogos”, Bojeret al (2010) sugerem uma série
de ferramentas para a prática do diálogo, cada qual com sua finalidade e objetivos
específicos. A seguir, segue um resumo das principais ferramentas apresentadas na obra
e sua relação à prática das cinco disciplinas (Quadro 3).
48
Quadro 2: Propósitos do diálogo
Propósitos de um processo de diálogo G
era
r co
nsci
ênci
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Res
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oble
mas
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Fonte: BOJER (2010, p. 36)
Quadro 3: Ferramentas para a prática do diálogo da obra “Mapeando Diálogos” Ferramenta Ideia geral Recomendações
Investigação apreciativa
Inverte a lógica da resolução de problemas. Valoriza pontos fortes para alcançar resultados.
Atende bem à maioria dos propósitos, trabalha com pequenos e grandes grupos e adequada para situações de baixas complexidades e conflitos.
Laboratório de mudança
Processo dialógico que envolve múltiplas partes interessadas. Gerainsights coletivos, empenho compartilhado, capacidades criativas.
Atende bem à maioria dos propósitos, com melhores resultados em pequenos grupos e situações de alta complexidade.
O círculo Permite aos participantes relaxar, praticar a escuta profunda e pensar junto. É a configuração mais apropriada ao diálogo.
Atende bem à maioria dos propósitos, funciona melhor com pequenos grupos e pode ser utilizado em todos os tipos de situações, com ênfase nas pacíficas.
Democracia profunda Facilitação baseada na premissa de que existe sabedoria valiosa para todos na voz minoritária e na diversidade de pontos de vista. Traz à tona e dá voz ao que poderia ser silenciado.
A ênfase está na conscientização e lidar com conflitos e tomar decisões. Utilizada em todos os tipos de situações e pode ser mais adequada a pequenos grupos.
Busca do futuro Tem o princípio de trazer o “sistema inteiro” para a sala de diálogo, com a intenção de enxergar experiências de
Ênfase na visão partilhada, planejamento/estratégias, em situações de alta complexidade e indicada a grandes grupos, com
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passado, presente e futuro. Pode ser trabalhado em diversos encontros (até 3 dias) depende da aceitação de todos para esse propósito
múltiplas partes interessadas.
Escola para a Paz Palestino-Israelense
Permitir que os participantes examinem sua própria identidade por meio do encontro com o grupo oposto em diálogos autênticos e diretos. Cria percepções e compreensões reais para analisar processos turbulentos e violentos e o papel de cada um no conflito.
Muito indicado para construir relações, compartilhar conhecimentos e lidar com conflitos. Indicado em situações de conflito e com pequenos grupos.
Tecnologia do espaço aberto
Permite que pequenos ou grande grupos se organizem para lidar de forma efetiva com questões complexas em curto espaço de tempo.
A ênfase é na resolução de problemas e planejamento e ações estratégicas. Pode ser aplicada com grandes ou pequenos grupos.
Planejamento de cenários
Permite a criação de imagens possíveis e plausíveis do futuro. Possibilita questionar algumas suposições sobre o mundo e libera a criatividade e entendimento do futuro.
Atende bem aos propósitos do diálogo, preferencialmente nos quesitos inovação, visão partilhada e planejamento. Adequado ao trabalhar com situação de alta complexidade e múltiplas partes interessadas.
Diálogo sustentado Permite aos participantes sustentar o diálogo com frequência, considerando a complexidade de trabalhar com temas conflituais, principalmente. Propõe maior profundidade às conversas, constrói relações de confiança e base de conhecimentos compartilhados.
Ênfase na conscientização, construção de redes e compartilhamento de conhecimento. Possui maior resultado com a participação de pequenos grupos.
World café Criar uma rede viva de conversas em torno que questões importantes. O ambiente é organizado como uma cafeteria, e as pessoas sentam-se em mesas de quatro pessoas para conversarem, o anfitrião permanece à mesa e as demais pessoas se realocam em outras mesas, conectando-se às outras conversas. É criada uma rede que poliniza as conversas.
Possui foco na resolução de problemas, na construção de relações, compartilhamento de conhecimentos. Funciona muito bem com grandes grupos.
Diálogo de Bohm Cria uma situação em que os participantes se mobilizam para criar um entendimento comum sobre algo. Bohm acreditava que o pensamento modela a realidade e que o diálogo
Ênfase na mente compartilhada ou inteligência coletiva. Pede que os julgamentos, reações emoções e impulsos sejam suspensos durante o processo. Funciona bem em grupos de 15 a 40 pessoas.
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modela o pensamento e os processos mentais.
Fonte: Adaptado de Bojer (2010)
A cada ferramenta de diálogo sugerida é possível relacionar a aplicação das
cinco disciplinas, conferindo, portanto, a prática aos estudos de Peter Senge (2011).
4. A gestão participativa e o processo de tomada de decisões
A Gestão ou Administração Participativa tem como intuito envolver as pessoas
participantes de uma organização em processo de tomada de decisões (MAXIMIANO,
2008).
Neste processo as pessoas podem ser envolvidas de modo individual ou
coletivamente, atuando em comitês ou comissões, que consigam trabalhar com uma
visão única, compartilhada. Em um ambiente saudável, com diálogo, é possível
aprender e gerar novos conhecimentos que se agregarão à situação analisada.
Considerando, contudo, que as organizações ou representações sociais são
arranjos complexos dinâmicos, que atuam em ambientes complexos também dinâmicos,
deve-se evitar o pensamento linear, individual pode ser a forma simplista, fácil, rápida e
inadequada de decidir quando o assunto é urgente ou alvo de um grupo de interesses.
Zambon (2006, p. 57) evidencia: “Uma organização é um sistema complexo, com
uma quantidade intocável de subsistemas interdependentes. Para a correta interpretação
desse sistema complexo seja possível, situando-o no macroambiente, é necessária a
utilização do Raciocínio Sistêmico”, confirmando a necessidade da visão sistêmica
apontada por Peter Senge (2011) no início desse estudo.
Mais uma vez, a aplicação das cinco disciplinas funcionaria como antídoto para
as deficiências do comportamento e comprometimento no processo decisório, pois a
atuação em equipe, proporciona além do aprendizado organizacional, o envolvimento
com a missão, a visão e os valores da organização privada ou social.
Considerações Finais
A compreensão da existência dos modelos mentais e o raciocínio sistêmico podem
ser o grande diferencial no comportamento das organizações e das pessoas que as
compõem. O desenvolvimento de novas tecnologias é importante para resolução de
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problemas (quando aplicado às causas), porém, não interfere nos modelos mentais
estimulando-os ao aprendizado. A sociedade, as organizações privadas, públicas e
sociais podem se tornar aprendizes (Learning Organizations) a partir do momento que
conheçam e reconheçam sua percepção e visão de mundo e entendem como as decisões
e ações influenciam os sistemas em que estão inseridas.
Compartilhar conhecimentos e visões requer mudança de mentalidade e cultura,
uma vez que o ambiente de trabalho ou social deve ser propício ao diálogo, à gestão
participativa e ao aprendizado contínuo; tarefa árdua para gestores e tomadores de
decisões.
Desconsiderar esses conhecimentos significa aplicar uma visão estritamente
linear na resolução de situações, o que poderá reforçar problemas e conflitos que
desencadeiam outros efeitos, em um ciclo que crescerá como efeito de bola de neve.
Este artigo apresentou as Cinco Disciplinas de Aprendizagem e demonstrou
como é possível aplicá-las na gestão das organizações e da sociedade, visando despertar
o aprimoramento de pessoas que, consequentemente, participam de organizações que
podem tornar o mundo um pouco melhor.
Referências Bibliográficas BATEMAN, Thomas S., SNELL, Scott A. Administração: novo cenário competitivo. trad. Bazán Tecnologia e Linguística Ltda. 2. ed. 2. Reimpr. São Paulo: Atlas, 2009.
BOJER, M. M.; ROEHL, Heiko; KNUTH, Marianne; MAGNER, Colleen.Mapeando Diálogos:ferramentas essenciais para a mudança social. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2010. DAVENPORT, T. H.; PRUSAK, L. Conhecimento empresarial. Rio de Janeiro: Campus; São Paulo: Publifolha, 1999.
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52
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BIOTECNOLOGIA E TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL: ORIGEM, DINÂMICA E PERSPECTIVA PARA PAÍSES EM
DESENVOLVIMENTO
Carlos Alberto Gaspari1
Resumo
Esta em curso um processo de reestruturação produtiva - muitas vezes chamada de “terceira revolução industrial”, que pode ter profundo alcance na divisão internacional e técnica do trabalho, na redistribuição da produção entre diferentes unidades produtivas, e nas próprias formas de execução efetiva da atividade de trabalho. Não obstante, áreas como: tecnologia da informação, microeletrônica, novos materiais e biotecnologia avançada engendram constituir as mais recente revolução técnica a partir da qual se vem produzindo inovações tecnológicas, definidas pela introdução de novos padrões de geração, uso e difusão de formas de produzir e comercializar bens e serviços. Dessa forma, o problema a ser abordado no trabalho é a questão de como se insere a agricultura e os países em desenvolvimento neste contexto do novo paradigma, notadamente a biotecnologia avançada.
Palavras-chaves: revolução industrial, biotecnologia, novo paradigma, agricultura Abstrat :
There is in course a productive restructuring process - called of “third industrial revolution”, that can have deep reach in the international and technical division of the labor, in the redistribuition of the production among differents unit productives, and in the own execution forms of labor activity. Thus, areas as: information technology, microeletronics, new materials and advanced biotechnology engender to constitute the most recent technical revolution starting from which it’s producing technological innovations, defined for the introduction of new generation patterns, use and diffusion in ways of to produce and to market goods and services. So, the problem to consider in the labor is the question of how it inseres the agriculture and the countries trhough development in the new paradigm context, especially the advanced biotechnology.
Key words: industrial revolution, biotechnology, new paradigm, agriculture
1 Mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Maringá – UEM-PR e professor do curso de Bacharelado em Administração de Empresas do Centro Universitário Anchieta. (
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Introdução
Esta em curso um processo de reestruturação produtiva - muitas vezes chamada de
“terceira revolução industrial”, que pode ter profundo alcance na divisão internacional do
trabalho, na divisão técnica do trabalho, na redistribuição da produção entre diferentes
unidade produtivas, e nas próprias formas de execução efetiva da atividade de trabalho.
Tais inovações derivam de um contexto social político e econômico marcado pelas
crises financeiras, de mercado e social que emergem nos anos 60/70, e que colocam para as
empresas novas necessidades de integração ( para dar saltos de produtividade) e de
flexibilidade ( fazer frente a um ambiente- especialmente a um mercado – pouco previsível
e com alta instabilidade). Surge daí o novo paradigma da empresa integrada e flexível,
contrapondo-se àquele da empresa “taylorista – fordista”.
Não obstante, áreas como: tecnologia da informação, microeletrônica, novos
materiais e biotecnologia avançada engendram constituir as mais recentes revolução
técnica a partir da qual se vem produzindo inovações tecnológicas, definidas pela
introdução de novos padrões de geração, uso e difusão de formas de produzir e
comercializar bens e serviços.
Dessa forma, o problema a ser abordado no trabalho é a questão de como se insere
a agricultura neste contexto do novo paradigma notadamente, a biotecnologia avançada,
cujo setor é muito importante para os países em desenvolvimento e que esta onda
tecnológica poderia determinar uma nova divisão de forças entre países.
1. Mudanças tecnológicas: enfoque e justificativa analítica
Na literatura econômica, diversificados trabalhos têm sido divulgados com a
finalidade de questionar posicionamentos conceituais e metodológicos para análise,
compreensão e explicação dos sistemas econômicos.
Geralmente, as críticas concentram-se em atacar as teorias dominantes, procurando
identificar seus principais problemas e inconsistências que permitam reduzir sua
importância, sua validade ou seu poder empírico explanatório. Em resposta, contra-
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argumentação pode ser apresentada, acabando por radicalizar antagonismos ou incorporar
críticas, na medida em que contribuam para ampliar o seu escopo e a sua abrangência.
As implicações e o impacto do avanço tecnológico da biotecnologia avançada na
dinâmica capitalista é um assunto recente na literatura econômica, assim, o arcabouço
epistemológico estará embasado em autores que seguem os referenciais teóricos:
evolucionista e regulacionista. Justificando tal escolha pela abrangência em relação a
mudanças estruturais e dinâmica de longo prazo das economias capitalistas desenvolvidas.
As teoria de progresso técnico, mais precisamente a teoria evolucionista,
contribuem para que se entenda o desenvolvimento tecnológico. Os seus principais autores
analisam as mudanças técnico-econômico-sociais através de produtos e processos. Estudos
sobre as novas formas de organização da produção, ao nível da empresa, da indústria e da
economia, permitem melhor conhecer a estrutura, o funcionamento e a emergência dos
novos modelos produtivos.
As teorias regulacionistas cujo desenvolvimento teórico foram desenvolvidos na
França, procuram estudar a emergência dos modelos, com base nas estratégias das firmas
multinacionais das indústrias das indústrias automobilísticas e de alimentos.
Como salientado por VEIGA (2000, p. 141) as obras de Schumpeter
(evolucionismo) e Marx (regulacionismo) continuam ligadas dado a importância que
ambos atribuem à história em suas respectivas metodologias.
Desse modo, o autor destaca que seria errado afirmar que o paralelismo
metodológico existente entre Marx e Schumpeter não ocorresse entre os projetos
evolucionista e regulacionista só porque o primeiro esteve mais voltado para a
formalização microeconômica.
Assim, o que mais distingue os evolucionistas e regulacionistas são suas respectivas
ênfases nas inovações e nas instituições. Para os primeiros, os períodos de expansão estão
ligados à introdução e à difusão de importantes invenções, enquanto as depressões são
períodos de transição entre dois regimes tecnológicos. Para os últimos, a taxa de
acumulação não é essencialmente determinada pelo progresso tecnológico, mas depende
crucialmente das instituições que permitem o exercício do poder capitalista.
O ponto de convergência entre as duas correntes seria a idéia desenvolvida por
PÉREZ (2001) de “paradigma técnico-econômico”, onde explicações razoáveis podem ser
formuladas para a concentração temporal de grandes inovações, as expectativas de
rentabilidade e sua difusão na forma de um exame de produtos e processos.
56
PAULA et al. (2001) também salienta a conexão entre a teoria do capital com a
elaboração neo-schumpeteriana sobre ciência e tecnologia que pode permitir um
importante salto qualitativo na compreensão da dinâmica capitalista contemporânea, onde
esse movimento é rico para as duas abordagens.
A inter-relação entre ambas está apontada por CHESNAIS (1992), que ressalta
estar explicitamente posto no capitalismo contemporâneo a centralidade da tecnologia
como fator crucial nas estratégias de competição do grande capital.
Nesse sentido, o enfoque é direcionado aos trabalhos que resgatam a importância
das inovações na dinâmica capitalista realizada por autores dessas duas correntes
especialmente aqueles que analisam a influência das transformações tecnológicas a partir
da concepção da biotecnologia.
2. Paradigmas, trajetória econômica e janelas de oportunidade
As teorias evolucionistas analisando o progresso técnico contribuem para quer se
compreenda o desenvolvimento tecnológico, enfoca-se as mudanças técnico-econômico-
sociais através da noção de paradigma. Nesses termos estudos sobre novas formas de
organização da produção, ao nível da empresa, da indústria e da economia, permitem
melhor conhecer a estrutura, o funcionamento e a emergência dos novos modelos
produtivos.
Nesse sentido, DOSI (1993) usando o conceito de paradigma para entender o
desenvolvimento das tecnologias, construiu a idéia de paradigma tecnológico, ou seja, um
modelo de soluções de problemas técnicos, baseado nas ciências naturais, para adquirir
novos conhecimentos que os seus proprietários procuram salvaguardar, tanto quanto
possível, contra uma difusão excessivamente rápida entre os concorrentes.
Trata-se de uma definição microeconômica (em relação as empresas) ou
mesoeconômica (em relação as indústrias). Existem procedimentos de pesquisa específicos
da indústria química de alimentos ou da indústria automobilística. Neste dois últimos
casos, poder-se-iam considerar, por exemplo, os paradigmas revolução verde e motor a
explosão.
Os paradigmas tecnológicos definem as oportunidades de inovações sucessivas em
certa direção ou trajetória tecnológica. Esta seria o vetor do progresso técnico e do
desenvolvimento econômico a partir da efetivação das mudanças instituídas no sistema
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produtivo. Como exemplo, o uso da gasolina para combustão interna, seguido do ciclo
diesel e, no Brasil, o uso do álcool, define uma trajetória tecnológica.
Quando o paradigma se esgota, são necessários conhecimentos científicos e
tecnológicos completamente diferentes para o desenvolvimento de processos
biotecnológicos. PÉRES (1992) estudando as fases de esgotamento de paradigmas observa
que uma inovação radical começa a ser aplicada numa indústria, que termina por
influenciar as demais, a partir daí constrói o conceito de paradigma técnico-econômico.
Cada época histórica é marcada por uma ou duas inovações radicais que acabam
influenciando toda a economia.
Nesse sentido, entre 1770 a 1830, o fator-chave foram o algodão e o ferro-gusa; em
seguida, o carvão, quando a indústria de transportes mudou a estrutura de custos relativos
da economia. No terceiro período veio o aço; e no quarto, a energia, particularmente o
petróleo. Hoje o fator-chave é o chip – elemento central da indústria microeletrônica, por
outro lado, um novo sistema de inovações técnicas, sociais e gerenciais que vai adquirindo
coerência está focado nos avanços da genética, notadamente a biotecnologia, onde muitos
autores afirmam constituir um novo sistema ou paradigma tecnológico.
Isto posto, PÉRES (1992) demonstra que nos períodos de transição entre um
paradigma e outro surge as janelas de oportunidade que possibilitariam as nações menos
desenvolvidas acesso à competitividade e fontes de conhecimentos existentes. Nesse
sentido, essas nações menos desenvolvidas poderiam obter dos processos de mudança de
paradigma “saltos2” de desenvolvimento absorvendo e se favorecendo com o novo
paradigma acelerando a convergência até os países lideres. Para conseguir tal feito, os
países em desenvolvimento dependeriam de uma boa coordenação entre os vários agentes
do sistema econômico, condições econômicas estáveis, definição estratégicas e políticas
públicas voltadas no direcionamento a absorção das oportunidades abertas pelo novo
paradigma técnico-econômico.
Assim, a ligação entre a emergência e o declínio do paradigma e a sucessão de
ciclos econômicos permitem compreender a natureza do progresso e sua relação com a
economia. Essas teorias que envolvem os processos de inovações tecnológicas e
organizacional bem como sua trajetória, permite analisar os impactos da biotecnologia
2 A hipótese de “saltos” ou “queima de etapas” basei-se na idéia de que países retardatários têm maiores chances de entrar em um novo paradigma tecnológico nos estágios iniciais de seu desenvolvimento, já que eles estão menos comprometidos com o aparato institucional e socioeconômico dos paradigmas existentes (PERES & SOETE, 1988).
58
avançada na agricultura bem como ensejar a oportunidade que alguns países em
desenvolvimento terão com relação a essa nova tecnologia.
3. A evolução biotecnológica
Muitos autores destacam que a manipulação de organismos vivos para fins
produtivos remontam de tempos imemoráveis, assim, AZEVEDO et alii (2002) demonstra
que o desenvolvimento e a utilização com finalidades práticas de organismos vivos como
fabricação de bebidas e transformação de alimentos constitui uma tradição milenar.
Nesse sentido, somente nas últimas décadas do séc. XX, a biotecnologia
conquistaria avanços sem precedentes com o desenvolvimento de técnicas que
possibilitariam a manipulação direta dos genes dos seres vivos. Essas novas técnicas, que
designam o que se passou a denominar de engenharia genética.
“a técnica do DNA/RNA recombinante, que permite a transferência de material genético de um organismo para outro ultrapassando as barreiras de compatibilidade sexual entre as espécies. Desta forma genes de organismos diferentes, inclusive pertencentes a reinos diferentes são identificados, separados e implantados em vegetais como a soja, milho, algodão, batata, feijão, microorganismos e animais superiores.” (SALLES FILHO, 1993)
Os primeiros resultados concretos desta técnica foram obtidos em 1973, dando
início ao que se poderia chamar de “indústria” biotecnológica.
Nas primeiras indústrias science-based (eletricidade, química, farmacêutica), fez
emergir uma nova organização das práticas cientificas e tecnológicas nos âmbitos público e
privado, onde convencionou-se chamar essa nova organização de big-science, em função
de algumas de suas características, notadamente, o trabalho coletivo e multidisciplinar
(equipes formadas por engenheiros, tecnologistas e cientistas); as finalidades aplicadas da
investigação, que passou a ser conhecida como Pesquisa & Desenvolvimento (P&D);
incorporação de novos atores às atividades de ciência e tecnologia (empresárias,
planejadores, administradores, políticos); a mobilização de elevados recursos financeiros
advindos da indústria, dos governos e de agências internacionais.
59
Não obstante, a conceito de biotecnologia, em princípio, pode ser entendida como
qualquer técnica que utilize organismos vivos com o objetivo de produção e/ou pesquisa e
desenvolvimento (SALES FILHO, 1993).
Nesse sentido, outro conceito importante é diferenciar a biotecnologia tradicional
que é relacionada as tradicionais técnicas de fermentação e a biotecnologia avançada no
qual é um conjunto de técnicas baseados nos avanços da genética molecular.
O divisor de águas entre a biotecnologia tradicional e avançada foi dado pelas
formas de expansão empresarial da engenharia genética na sua primeira fase, ou seja, em
finais da década de 70 pouco tempo depois de serem obtidos os primeiros resultados das
técnicas do ADN recombinante.
SORJ & WILKINSON (1988) apontam que estas surgiram nos Estados Unidos na
forma de pequenas empresas, produto da iniciativa de pesquisadores universitários. As
grandes empresas do setor químico-farmacêutico, cuja lógica de inovação estava centrada
em métodos tradicionais tiveram que aceitar as novas biotecnologias, passando então a
associar-se às novas empresas e/ou a gerar suas próprias capacidades no setor. Na Europa e
no Japão foi o Estado o fator que forçou a introdução das novas biotecnologias no sistema
produtivo. Assim, as biotecnologias se apresentam como um desencadeador de novas
potencialidades para o setor.
Esta diferenciação é fundamental, pois como fundamentado pelos autores as novas
biotecnologias prometem transformar radicalmente as estruturas produtivas no campo de
atuação das indústrias química, farmacêutica, alimentar e agrícola. Assim, os autores
argumentam que a biomassa passará a ser uma matéria de utilidade quase universal,
enquanto que microorganismos passarão a constituir um instrumento de produção de
utilidade e fins os mais variados possíveis.
De todas as áreas de aplicação da biotecnologia como: saúde, energia, agricultura,
alimentos, a de agricultura e alimentos são as que, têm maior relevância para países em
desenvolvimento. Em termos de mercado, as aplicações da biotecnologia em alimentos,
não são, no momento, as de maior no valor total dos investimentos, mas o serão no médio
prazo. Em termos de capacidade interna de desenvolvimento, é nítido que a área agrícola
desponta diante das demais, pois nelas se concentra a maior parte das qualificações em
instituições e pesquisadores, haja vista a secular tradição na pesquisa agronômica que
existe nesses países. Por fim, o desenvolvimento biotecnológico toma nos países em
60
desenvolvimento, contornos diferentes daqueles observados nos países desenvolvidos,
onde a área de saúde é o carro-chefe da biotecnologia.
Figura 1: Fases da Revolução Biotecnológica
Fonte: SALLES FILHO (1993)
Figura 2: Comunidade de biotecnologia
Fonte: SALLES FILHO (1993)
- NETWORK -COMUNIDADE DEBIOTECNOLOGIA
UNIVERSIDADESHOSPITAIS,
CENTROS DE PESQUISA
FORNECEDORESDE SERVIÇOS E
EQUIPAMENTOS
GOVERNOS: FEDERAL, ESTADUAL
MUNICIPAL
SETORFINANCEIRO
EMPRESAS DEBIOTECNOLOGIA
CaracterísticasAgronômicas
Qualidade eProcessamento
FarmacêuticosNutracêuticos
Químicos Específicos
1995 2000 2005 2010
Resistência a herbicidas e insetos “input agronomic traits”
Óleos especiais, proteínas, vitaminas, minerais, etc “output quality traits”
Alimentos contendo vacinas, vitaminas, minerais, etc. Produção de fármacos.
Biofábricas. Plantas e animais produzindo matérias primas para a indústria.
61
4. Biotecnologia e sua inserção na indústria, na agricultura e nos complexos
agroindustriais
4.1. Indústria
O avanço da biotecnologia para fins industriais veio ao encontro de vários fatores: a
procura de mecanismos de luta contra a poluição, crise do preço e aprisionamento de
hidrocarburos (devido a utilização do petróleo de forma maciça) e uma crise das indústrias
químicas, farmacêutica e de insumos agroindustriais.
Por volta da década de 70 estas indústrias passaram a sofrer uma queda de
rentabilidade devido aos rendimentos decrescentes em pesquisa, baixa rentabilidade de
novos produtos e aumento de custos de inovação, em grande parte causado pela legislação
que passou a exigir maior controle e tempo de experimentação de novos produtos (SORJ,
1984).
As pressões sobre o consumo de energia e, em menor medida, os problemas de
poluição, atuaram no sentido de mobilizar o apoio dos governos a programas de pesquisa
sobre aplicação das biotecnologias que embora nem sempre estritamente rentáveis,
respondiam às necessidades sociais e de procura estratégia de alternativas à dependência de
fontes externas de abastecimento.
Na mesma década, o ramo químico estava começando a testar a produção de SPC a
partir de hidrocarburos e gás. A crise do petróleo, porém, levou a desviar as atenções para
a biomassa.
O desenvolvimento da engenharia genética, paralelamente à pressão crescente das
críticas ecologistas, à poluição do meio ambiente, a crise energética que surgiu com a crise
do petróleo de 1973, e o avanço na procura de substitutos na indústria alimentar levou a
biotecnologia ao lugar central em que se encontra hoje.
Assim, os investimento tanto estatais como dos capitais industriais direcionaram-se
em especial no campo do controle da poluição e da procura de fontes renováveis de
energia. Por outro lado, as biotecnologias implicam tanto na substituição de produtos
existentes, como a criação de produtos novos, e envolve uma variedade de processo
industriais os mais diversos setores: produção agrícola, química/farmacêutica, prospecção
mineral, informática estabelecendo um novo patamar para o conjunto da produção
industrial.
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A inserção das biotecnologias nos mais diversos ramos industriais a partir do
controle das novas formas de tecnologia está produzindo uma verdadeira reestruturação
industrial. A maioria dos grandes centros de pesquisa em engenharia genética se formaram
na década de 70 – e ainda estão em formação – no qual denominou-se de Novas Empresas
de Biotecnologia (NEBs) onde a maior parte destas estão concentradas nas áreas de saúde
humana e animal, agricultura e especialidades químicas e ambientais.
“Toda movimentação em torno da biotecnologia, ocorrida em torno dos anos 70, levou estas empresas a avaliarem os possíveis impactos, das novas técnicas sobre seus processos e produtos. Evidente que muitas das possibilidades que se abriam vinham ao encontro aos interesses estabelecidos dessas empresas, fato que movimentou-as na direção das inovações, da pesquisa própria e do investimento em empresas emergentes do ramo. Estas últimas – empresas emergentes - ,por seu turno, ou associaram-se de alguma forma aquelas tradicionais, ou não lograram êxito suficiente a ponto de manterem-se no mercado. (SALLES FILHO, 1986)
A biotecnologia acabou por conseguinte convergindo setores industriais como de
alimentação e químico intensificando um processo de fusão. Nesse sentido, SORJ (1984)
ilustra o advento de novas fontes de proteínas, quer baseadas em hidrocarburos ou em
matérias renováveis.
Os autores também destacam as inovações em tecnologia de enzimas,
complementadas por engenharia genética, tem transformado o escopo de atividades às
quais as companhias químicas têm acesso direto, no caso da proteína de célula única
(Single Cell Protein) e suas implicações nos setores tradicionais de alimentos. Ao mesmo
tempo, estas inovações oferecem o prospecto de uma fonte alternativa renovável ao
petróleo como material base dos produtos químicos.
Desse modo, há uma tendência de um processo crescente de concentração intra-
industrial – indústria farmacêutica, alimentar e insumos agrícolas – onde, dentro desse
processo as grandes indústrias alimentares tenderiam a se orientar para o setor químico e
vice-versa. O surgimento desse novo paradigma tecnológico, baseado em biotecnologia
avançada, provocará uma reestruturação radical dessas indústrias a medida que os capitais
realinham as suas atividades para defender posições já estabelecidas e explorar novas
oportunidades (GOODMAN, 1990).
A evolução recente da biotecnologia está mostrando que mais do que numa nova
“indústria”, as NEBs estão se transformando – embora não fosse seu propósito inicial – em
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fornecedores especializados de P&D, a partir do estabelecimento de diversos tipos de
acordos, alianças estratégias e fusões com grandes companhias (SALES FILHO, 1993).
Desta forma, as aplicações da biotecnologia estão ocorrendo no contexto das
trajetórias tecnológicas e dos ambientes concorrenciais de setores industriais já existentes,
revelando um protagonismo cada vez maior das grandes corporações dos setor químico,
farmacêutico, de sementes e de alimentos.
Nesses termos, as biotecnologias, constituem hoje, conjuntamente com a
informática, um dos campos da inovação tecnológica que terá maiores conseqüência
sociais e econômicas para países em desenvolvimento, tendo em vista o maior peso de
produtos agrícolas na pauta de exportação dos mesmos. Nesse sentido, analisaremos a
seguir o impacto biotecnológico na agricultura.
4.2 Biotecnologia na agricultura e complexos agroindustriais
Restringindo nosso campo de análise à área agrícola concernente aos impactos da
biotecnologia, verificamos que a engenharia genética é uma realidade ampliando as
possibilidades em linhas como: controle biológico de pragas, obtenção de novas variedades
mais resistentes ou mais produtivas via culturas de tecido, fixação biológica de nitrogênio,
obtenção de sementes isentas de vírus e muita outras possibilidades derivadas destas.
Ao contrário do desenvolvimento dos setores da atividade industrial artesanal, a
agricultura possui um processo de produção natural, nesse sentido, descreve os autores
GOODMAN (1990) a alternativa dos capitais industriais foi se adaptar as limitações
estruturais do processo representadas por questões de energia, tempo e espaços ligados à
terra. Assim, a natureza com seus ciclos, concerne à produção agrícola propriamente dita,
uma singularidade pois é regida pelas estações climáticas, qualidade do solo e pelos
aspectos biológicos-químicos (resistência às pragas e doenças) naturais.
Dentro desses limites naturais alguns elementos discretos do processo produtivo
foram conquistados pela indústria como: a semeadura a lanço pela máquina de semear, o
cavalo pelo trator, o esterco por produtos sintéticos, ou seja, sementes e agroquímico,
equipamentos e processamento, criando assim, um “complexo de setores agroindustriais” e
que os autores denominaram de apropriacionismo.
64
“Este Processo descontínuo porém persistentes de eliminação de elementos discretos da produção agrícola, sua transformação em atividades agrícolas e sua reincorporação na agricultura sob a forma de insumos designamos aprociacionismo.” (GOODMAN, 1990)
As apropriações da produção rural, parciais e historicamente descontínuas,
acabaram definindo as origens dos capitais agroindustriais e o complexo de setores
equipamentos, processamento, sementes e agroquímico.
Por outro lado, com o surgimento da indústria alimentícia o produto agrícola acaba
sendo reduzido a um insumo industrial, sofrendo cada vez mais transformações por
componentes não-agrícolas, por exemplo, técnicas de enlatamento e refrigeração
(margarina x manteiga), processamento de carnes, fibras artificiais (algodão x náilon) em
que os autores caracterizaram como substitucionismo3.
As inovações por parte das indústrias no processamento de produtos alimentícios
intermediários básicos como: farinha, óleos vegetais comestíveis, gorduras animais,
açúcar, leite em pó deram uma liberdade muito maior para diferenciar a forma, a
composição e a embalagem do produto rural.
Nesse sentido, a agricultura passaria a ser composta por novas relações sociais
tendo a agroindústria como setor dominante que dita os processos produtivos
desenvolvidos no meio rural.
Com o novo paradigma tecnológico representado pela biotecnologia avançada, por
sua vez, esta apresenta forte impacto em diferentes cadeias produtivas que utiliza ou
produzam qualquer tipo de matéria orgânica.
Não obstante, para os autores a biotecnologia no processo de apropriacionismo e
substitucionismo deu novas direções no processo de produção, rompendo no sentido de
eliminar a terra e a natureza concernentes na reprodução de plantas e animais domésticos,
nos agroquímicos e na fabricação de alimentos. Um exemplo desta questão é o
desenvolvimento na criação confinada de aves e animais domésticos e expansão dos
sistemas agrícolas de meio ambiente controlado. 3 Para GRAZIANO DA SILVA (1992) os termos utilizados “apropriacionismo” e “substitucionismo” que são utilizados para descrever o processo de industrialização da produção rural e do produto agrícola final não passam de recursos descritivos, sem conteúdo analítico, utilizados para analisar processos, de há muito relatados pelos clássicos, de criação de novos ramos de atividades (ou transferência de funções, na definição de autores neoclássicos) para o “mercado interno” do desenvolvimento capitalista. A literatura mais recente tem tratado o fenômeno com diferentes terminologias, figurando entre as mais conhecidas a “externalização” (de partes) do processo produtivo ou o “desmonte” das unidades agrárias.
65
GOODMAN et al. (1990) concluem que o resultado final será o de eliminar o
produto rural e, assim, a base rural da agricultura. Esta dinâmica é ilustrada pelo
paradigmático desenvolvimento da indústria química e das matérias-primas sintéticas. Na
indústria alimentícia a mesma tendência é revelada pela expansão dos alimentos
“fabricados” altamente processados, baseados na reconstituição de componentes
alimentícios genéricos, e pelo crescente controle tecnológico da produção de alimentos,
manifesto no uso de aditivo químicos.
Nesses termos, a indústria biotecnológica (ou a biotecnologia) estaria abrindo
novos campos de valorização dos capitais no agribusiness ao revitalizar antigas trajetórias
tecnológicas4. Assim, os complexos agroindustriais estariam se convertendo em complexos
bio-industriais, no qual as industrias de base biológica não apenas têm lugar garantido na
indústria alimentar do futuro, como também devem ampliar o seu espaço no chamado D1
da agricultura – indústria de sementes e matrizes, vacinas, defensivos e fertilizantes.
Contrariamente a essa visão, GRAZIANO DA SILVA (1992) coloca em discussão
de que dispomos de alternativas de fabricação de quase todos os produtos agrícolas, sejam
tecidos e fibras, sejam alimentos “fabricados” a partir de insumos não agrícolas, mas a
questão é que sempre houve no caso dos alimentos uma grande resistência por parte dos
consumidores à substituição dos produtos naturais por sintéticos, resistência essa que tem
crescido nos últimos anos em função das novas dimensões nutricionais e de saúde ligadas
ao consumo de alimentos.
Nesse sentido, o autor enfatiza que é essa “preferência dos consumidores” – que
nada tem haver com o postulado neoclássico da soberania do consumidor, mas sim com os
interesses do agribusiness – que não nos permiti antecipar qualquer “tendência final”
inexorável de eliminar completamente a base rural da agricultura. A exploração de tais
especificidades da produção agropecuária pode se constituir exatamente em fontes de
lucros extraordinários, como atestam os movimentos de recuperação da agricultura
orgânica.
4As novas tecnologias poderão acelerar e ampliar o caminho da utilização da microeletrônica - em especial da informática e da robotização – na agricultura, constituindo-se essa sim na base do novo paradigma pós-industrial baseado na automação flexível, como já ocorre em muitos segmentos industriais. Para essa discussão ver GRAZIANO DA SILVA, J. O desenvolvimento das novas tecnologias e seus possíveis impactos sobre a agricultura. Campinas: IE/UNICAMP, 1991; e também SORJ, B. et al., O impacto sócio-econômico das biotecnologias: uma perspectiva internacional. Cadernos de difusão de tecnologia. Brasília, 1 (2):219-244 (maio/ago), 1984.
66
Assim, qualquer que seja o padrão alimentar do futuro, um novo padrão produtivo
tenderá a se impor em nível internacional a partir da disseminação dessas novas
tecnologias. Os estudos recentes têm apontado para a formação de verdadeiros “complexos
internacionais” de certas commodities, como, por exemplo, no caso do
milho/soja/carros/óleos vegetais5.
Não obstante, aí se destaca a importância da estratégia dos grandes grupos
multinacionais na reestruturação dos sistemas agroalimentares na Europa, nos Estados
Unidos, Ásia e América Latina. Nesse sentido, uma nova divisão internacional do trabalho
se impõe redefinindo as funções da agricultura dos países retardatários.
Nessa perspectiva, a reestruturação da produção agrícola orientada pela
biotecnologia avançada pode significar para países em desenvolvimento janelas de
oportunidade cada vez mais escassa devido às necessidades de vantagens competitivas
acumuladas pela estrutura agro-industrial e sua biodiversidade. Verifica-se dessa maneira,
uma oportunidade única para que nações menos desenvolvidas possam ter acesso a uma
tecnologia de fronteira com grande potencial de aplicações produtivas.
5. A biotecnologia como janela de oportunidade
A partir do surgimento da biotecnologia "moderna", foi estabelecido um debate
sobre seu potencial de alterar as estruturas industriais existentes, conformando um novo
"paradigma" de produção. Devido ao caráter genérico das técnicas biotecnológicas, que
permitem uma grande variedade de aplicações possíveis, alguns autores prognosticaram
seu efeito "revolucionário", no sentido da possível criação de novos setores industriais e da
modificação das fronteiras dos anteriormente existentes.
Nessa interpretação, destacou-se o provável surgimento de empresários
"schumpeterianos", que saberiam explorar o potencial de aplicação comercial das novas
descobertas científicas. Apontava-se a possível existência de "janelas de oportunidade"
para as pequenas empresas inovativas, mesmo nos países em desenvolvimento, uma vez
que os momentos de "ruptura do paradigma" seriam mais propícios para esses novos
5A semelhança dos “worlds car”, que têm suas peças produzidas em diferentes partes do mundo, teríamos os “world steer”, por exemplo, termo utilizado para expressar a crescente internalização dos processos produtivos na pecuária de corte. SANDERSON (1984) apud GRAZIANO SILVA (1992).
67
entrantes e para o estreitamento do gap com os países desenvolvidos (PEREZ & SOETE,
1988). Também sob a perspectiva de ruptura radical, foram destacadas as possíveis
ameaças do desenvolvimento da biotecnologia para os países em desenvolvimento, a partir
da possibilidade de substituição de vários produtos agrícolas tradicionalmente exportados
por esses países.
Assim, são citados os casos dos novos adoçantes e seu efeito sobre o mercado
açucareiro, a produção de aminoáciodos essenciais pela via biotecnológica em substituição
da proteína da soja e a produção de manteiga de cacau por vias altenativas, para citar
apenas alguns exemplos. No extremo, foi prognosticada a substituição das lavouras
agrícolas por processos biotecnológicos que passariam a produzir compostos básicos de
natureza genérica, a partir de cuja combinação seriam produzidos os alimentos
(GOODMAN et al., 1990).
Todavia, até o presente, a evolução da biotecnologia apresenta um quadro muito
aquém desses prognósticos de ruptura e reestruturação industrial. Em primeiro lugar, ainda
são poucos os produtos biotecnológicos efetivamente comercializados. Por outro lado,
existem ainda muitas lacunas no conhecimento científico e na sua aplicação produtiva.
Além disso, as empresas que lidam com biotecnologia deverão enfrentar sérios problemas,
seja de ordem técnico-científica, produtivos, financeiros ou comerciais, que ainda não
conseguiram ser totalmente equacionados.
Nesses termos, esse momento de atraso de difusão constitui uma grande
oportunidade para os países menos desenvolvidos se inserirem como “primeiro
inovadores”, notadamente em setores de agrobiotecnologia nos quais existem capacidade
tecnológica institucional já acumuladas. Em vez de queimar etapas, como sugerido por
PEREZ & SOETE (1988), janelas de oportunidade nesse caso vêm do conhecimento
acumulado em P&D e do aprendizado tácito das instituições públicas e privadas de
pesquisa.
Considerações finais
O objetivo deste artigo foi traçar a questão de como se insere a agricultura no
contexto do novo paradigma notadamente, a biotecnologia avançada, cujo setor é muito
importante para os países em desenvolvimento e que, esta onda tecnológica poderia
determinar uma nova divisão de forças entre países.
68
Assim, os riscos de marginalização ou mesmo exclusão dos países em
desenvolvimento desse processo são grandes pois muitos já apresentam grande atraso na
sua capacidade de usar a mudança tecnológica como motor do crescimento, de
transformações estruturais e modernização.
A percepção de que a competitividade deve ser construída (ou seja, as vantagens
comparativas são dinâmicas), e que a competitividade depende de determinantes
microeconômicos quanto estruturais. No nível micro, importam a capacitação tecnológica
– produtos, processos, gerenciamento – a organização industrial e as estratégias das
empresas. No nível estrutural importam o ambiente macroeconômico favorável, políticas
nacionais adequadas, acumulação de capital – taxas elevadas de investimento e poupança –
recursos humanos qualificados, infra-estrutura física eficiente e infra-estrutura de Ciência e
Tecnologia (C&T) articulada aos interesses dos setores produtivo e sociedade. As
vantagens competitivas nacionais serão determinadas pelo número e natureza dessas
indústrias e locais.
Nesses termos, o consenso na literatura de que a biotecnologia avançada está se
consolidando como um sistema ou paradigma tecnológico tendo em vista seu potencial de
uso para vários agrupamentos industriais e um amplo espectro de novos produtos e
processos. Considerando-se as oportunidade que a biotecnologia oferece às nações em
desenvolvimento, de maneira geral a América Latina (Brasil, Colômbia, Venezuela,
México, Equador e o Peru) são países mais ricos em biodiversidade. É fato de que esses
países não possuem nenhuma capacidade tecnológica na produção de biofármacos,
produtos que estão tornando realidade um novo padrão tecnológico da química
farmacêutica, no países desenvolvidos. Por outro lado, na agricultura os países em
desenvolvimento tem competência mínima para almejar resultados mais ousados. Isto não
significa que devam ser descartadas outras áreas, mas apenas que no curto prazo toda a
oportunidade está na agricultura.
Nesse sentido, o exemplo dos países desenvolvidos em que os governos continuam
desempenhando papel ativo na promoção da competitividade de suas economias através de
políticas públicas, os países em desenvolvimento teriam que definir uma efetiva política
nacional de biotecnologia – legislação de patentes, coordenação e financiamento de
pesquisa básica com prioridades, rede de informações - e a criação de ligações mais
duradouras de pesquisa pública e privada.
69
Dessa forma, para os países menos desenvolvidos, a biotecnologia é, ao mesmo
tempo, uma oportunidade e um risco. É necessário agir com rapidez e bom senso para
reduzir os riscos e aproveitar ao máximo as oportunidades.
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71
CONSUMIDOR IDOSO: UM ESTUDO SOBRE A TOMADA DE DECIS ÃO NA
COMPRA DE SERVIÇOS DE TURISMO
Marco Aurélio Carino Bouzada 1
Luciana Merçon 2
Resumo
O principal objetivo deste trabalho foi identificar quais os fatores e as variáveis demográficas (gênero, faixa etária, renda e escolaridade) que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços de turismo. Para isso, foi realizada uma pesquisa de campo com os associados da terceira idade da Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR), no estado do Rio de Janeiro. A fundamentação teórica levantada para esta pesquisa mostrou-se relevante, abrangendo temas sobre tomada de decisão, satisfação/lealdade/confiança, lazer/turismo e terceira idade. A partir do universo da AAP-VR, foi extraída uma amostra de 100 respondentes e os dados foram tratados através da utilização da Análise Fatorial e da Regressão Linear Múltipla para atender o objetivo e verificar as hipóteses. Os resultados que mais se destacaram foram: as mulheres viajam com mais frequência que os homens e quanto menor o grau de instrução, maior a frequência de viagens.
Palavras-chave: Consumidor Idoso, Serviços de Turismo, Tomada de Decisão
Abstract
The main objective of this work were to identify the factors and demographic variables (gender, age, income and education) with more influence over the decision making of senior citizens in the purchase of tourism services. For this, it was conducted a field survey with senior members of the Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR), within Rio de Janeiro. The theoretical basis for this research revealed itself as being relevant, covering topics on decision-making, satisfaction/loyalty/trust, leisure/tourism and senior citzens. From the AAP-VR universe, it was extracted a sample of 100 members and the data were handled by Factor Analysis and Multiple Linear Regression to meet the goal and verify the assumptions. The results to be highlighted are: women travel more frequently than men, and the lower the level of education, the higher the frequency of trips.
Key-words: Elderly Costumer, Tourism Services, Decision Making
1 Doutor em Administração - COPPEAD/UFRJ. Professor Universidade Estácio de Sá do Programa de Mestrado em Administração e Desenvolvimento Empresarial. ([email protected]). 2 Mestre em Administração e Desenvolvimento Empresarial - MADE/UNESA). Diretoria Financeira e Contábil. PSA Peugeot Citroen. ([email protected]).
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Introdução
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Brasil, em 2009,
tinha 21 milhões de pessoas com mais de 60 anos que movimentavam R$ 255,6 bilhões por
ano. Diante destas cifras, é importante que o mercado veja o idoso como um consumidor
especial.
O setor do turismo foi um dos primeiros a apostar no nicho. Segundo pesquisa do
Quorum Brasil, viajar é o desejo de consumo da maioria (58%) dos idosos. Por isso, por
exemplo, o Ministério do Turismo tem há quase dois anos o programa "Viaja Mais Melhor
Idade Hospedagem", em que o idoso paga metade do valor da hospedagem. Além disso, no
final da primeira década do século XXI, 60% dos passageiros de cruzeiros tinham mais de 60
anos e, segundo Oliveira e Vieira (2008), o público da terceira idade é responsável por cerca
de 20% da receita de turismo no Brasil.
Mas como esses idosos brasileiros tomam suas decisões em relação à compra de
serviços de turismo? Que características são capazes de impactar esta tomada de decisão?
De uma maneira geral, por exemplo, de acordo com Welch (2002), há diferenças
importantes no estilo masculino e feminino de tomar decisões. Os homens tendem a encarar
uma situação decisória como um desafio intelectual. Eles evitam ouvir outras pessoas e
decidem com agilidade, porque entendem tais ações como uma representação de capacidade e
de independência. Por outro lado, as mulheres tendem a perceber tais situações como uma
oportunidade para construir relacionamentos e até obter consenso, sem se sentirem piores por
consultar outras pessoas.
Mas em relação ao consumidor idoso? Há características e necessidades especiais que
influenciam a tomada de decisão no que se refere à compra de serviços de turismo?
Para ajudar a discutir estas questões, algumas hipóteses foram testadas em relação ao
grupo de idosos estudado nesta pesquisa (a ser descrito na seção de Metodologia). Tais
hipóteses surgiram com base no Referencial Teórico apresentado a seguir e na experiência dos
pesquisadores:
- H1: O gênero dos idosos tem relação com a frequência em viagens de turismo;
- H2: A escolaridade influencia a frequência com que os idosos viajam em turismo;
- H3: Há atributos do serviço que têm uma maior influência na tomada de decisão dos
idosos na compra de um pacote de turismo.
Para Castro e Bastos (2003), a terceira idade, sem dúvida, preocupa e mobiliza o mundo
moderno, dado o expressivo crescimento da população mundial acima dos 60 anos. Há falta
73
de informações científicas sobre o processo de envelhecimento e pouca divulgação de estudos
e pesquisas sobre suas características e potencialidades. A sociedade procura novas
alternativas de atendimento e estimulo para os idosos, a fim de não serem excluídos da força
de trabalho e do convívio social.
Segundo uma pesquisa realizada pelo IBGE em 2009, a expectativa de vida da
população brasileira ultrapassa os 70 anos, uma transformação que se reflete na economia
(IBGE, 2010).
De acordo com a mesma pesquisa, a cidade olímpica – o Rio de Janeiro – terá mais
idosos do que jovens em 2016. O Rio de Janeiro é o estado do Brasil que tem o maior
percentual de pessoas com mais de 60 anos, em torno de 14,9%.
Por outro lado, o consumo de produtos de lazer, em especial em um estado com
vocações turísticas evidentes, necessita ser adequadamente compreendido e difundido.
A presente investigação interliga as duas questões, buscando esclarecer as contingências
e peculiaridades que interferem no desenvolvimento de importante segmento econômico e
social do país.
Dessa forma, o objetivo principal desta pesquisa consiste em identificar quais as
variáveis que mais influenciam a tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços
de turismo.
1. Referencial Teórico
1.1 Tomada de Decisão em Compra de Serviço
De acordo com Gomes et al. (2002), nas decisões em grupo, as preferências individuais
podem ser combinadas de modo a resultar em uma decisão do grupo. As variáveis de decisão
são as ações detalhadas, que devem ser decididas e comunicadas. A decisão do grupo é,
assim, consequência de um intercâmbio de decisões entre os membros do grupo do qual
emana a negociação das propostas aceitáveis. Se o compromisso é obtido, elas são
automaticamente acordadas. Um ponto importante da decisão é a objetividade: os
participantes podem divergir na avaliação, mas a decisão grupal é objetiva e final.
Grönroos (2003) ressalta que clientes não compram bens ou serviços, compram os
benefícios que os bens e serviços lhes proporcionam. Compram ofertas consistindo em bens,
serviços, informações, atenção pessoal e outros componentes. Tais ofertas lhes prestam
74
serviços e este é percebido pelos clientes que criam um valor para eles. Na análise final,
empresas, no geral, oferecem um serviço aos clientes, não importando o que produzam.
Uma das peculiaridades no processo de compra de um serviço consiste no fato de o
cliente não poder examinar um serviço antes da compra (PARASURAMAN et al., 1985), o
que traz implicações bem particulares para o processo de tomada de decisão por parte do
cliente.
1.2 Satisfação / Lealdade / Confiança
Kotler (1998) define a satisfação como nível de sentimento de uma pessoa resultante da
comparação do desempenho (ou resultado) de um produto ou serviço em relação às suas
expectativas.
Apesar da crença de que a satisfação é um determinante crítico para se alcançar a
lealdade dos clientes, estudos empíricos realizados sobre o tema indicam que a relação entre
satisfação e lealdade não é linear e muito menos simples: um alto nível de satisfação nem
sempre é suficiente para gerar comportamentos de lealdade (GASTAL & LUCE, 2005).
Esta necessidade para confiança é particularmente importante em indústrias de serviço
onde há risco; a incerteza é aumentada à extensão que o cliente não pode examinar um serviço
antes da compra (PARASURAMAN et al., 1985).
1.3 Terceira Idade
De acordo com Goldman (2000), o termo terceira idade foi criado pelo gerontologista
francês Huet, cujo princípio cronológico coincide com a aposentadoria, na faixa dos 60 aos 65
anos, embora as mudanças características já tenham começado a se tornar evidentes mais
cedo.
Segundo Oliveira e Vieira (2008), os idosos desejam as mesmas coisas que pessoas mais
jovens, mas precisam de certas exclusividades que atendam sua saúde e outras condições que a
idade impõe. Por exemplo, os idosos diferem quanto ao comportamento de compra e isto se
deve não somente às diferenças cronológicas, mas também às biológicas, psicológicas e
sociais (SCHEIN et al., 2009).
Dessa forma, avaliar a qualidade de vida do idoso implica na adoção de múltiplos
critérios de natureza biológica, psicológica e sócio-estrutural, pois vários elementos são
apontados como determinantes ou indicadores de bem-estar na velhice, tais como:
75
longevidade, saúde biológica, saúde mental, satisfação, controle cognitivo, competência
social, produtividade, atividade, status social, renda, continuidade de papéis familiares,
ocupacionais e continuidade de relações informais com amigos (NERI, 1993).
Por isso, algumas das áreas importantes que podem atender este público incluem
academias de ginástica, cruzeiros e turismo, cirurgia estética e tratamento de pele, livros e
cursos universitários (SOLOMON, 2008).
Além disso, segundo Sheth et al. (2008), uma parcela recorde da terceira idade participa
de viagens e atividades de lazer, faz investimentos e empréstimos e oferece presentes para os
mais jovens de sua família.
Outros mercados também precisam começar a prestar atenção nesse público, percebê-lo
como um consumidor em potencial. No entanto, começar a entender o idoso somente como
público-alvo não é suficiente, é necessário saber como persuadi-lo. E esse “como” faz uma
total diferença (SCHIRRMACHER, 2005).
1.4 Lazer / Turismo
Dumazedier (1973) conceitua o lazer como o tempo outorgado pela sociedade ao
indivíduo após o cumprimento de suas obrigações profissionais, familiares, sociais, espirituais
e políticas.
No domínio do turismo, certos estudos mostraram que os clientes satisfeitos da sua
estada turística demonstram intenções comportamentais favoráveis ao destino (ZEITHAML et
al., 1996) ou mesmo conduzem a uma fidelidade acrescida ao destino (BEARDEN & TEEL,
1983).
As motivações para viajar são variadas e influenciadas por experiências passadas. Os
motivos mais usuais incluem nostalgia, busca de experiências culturais, vontade de conhecer
lugares e pessoas novas (LEE; TIDESWELL, 2005).
1.4 Lazer / Turismo na Terceira Idade
Desde os anos 80, diversos estudos vêm sendo desenvolvidos para descobrir os fatores
motivacionais que impulsionam as pessoas de mais idade a se engajarem em viagens a lazer,
que não envolvam trabalho (HORNEMAN et al., 2002).
Ao envelhecer, as pessoas não querem ficar isoladas, sentem necessidade de manter e
criar novas amizades e tendem a buscar lugares onde possam aumentar suas redes de contatos,
76
como clubes para terceira idade, que promovem bailes, viagens, jogos e chás da tarde
(SCHEWE, 1991).
Soma-se a isso o fato verificado por Schein et al. (2009) dos idosos, em parte,
possuírem renda e tempo disponíveis para consumir produtos turísticos.
Há ainda vários fatores identificados como motivação de lazer para pessoas idosas,
como:
- lazer e saúde física e mental (OLIVEIRA; VIEIRA, 2008);
- descanso e relaxamento, tempo com a família e amigos, exercícios físicos,
aprendizado e auto-realização (GUINN, 1980);
- escape da rotina, contatos sociais e relaxamento (KERSTETTER; GITELSON, 1990);
- estímulo intelectual, independência e socialização (THOMAS & BUTTS, 1998);
- educação/natureza, acampamento, socialização, relaxamento e busca de informações
para viagem (BACKMAN et al., 1999);
- e desenvolvimento de novas habilidades, ajustes físicos, desafio, exploração ou
aprendizado sobre a natureza e conhecer novas pessoas (MOISEY & BICHIS, 1999).
Estando motivados e com tempo e dinheiro disponíveis, integrantes da terceira idade
compram serviços de turismo. No Brasil, por exemplo os idosos respondem por
aproximadamente 20% da receita de turismo (OLIVEIRA & VIEIRA, 2008). Schein et al.
(2009) identificaram os atributos vistos como mais importantes desse consumo, em âmbito
nacional: acomodações do hotel, atendimento/cortesia do hotel, localização do hotel e gastos
totais da viagem.
Mesmo com disponibilidade de tempo, nem todos têm disponibilidade de dinheiro. A
terceira idade de baixa renda, no Brasil, tem severas limitações orçamentárias. Desta forma, as
propostas de desenvolvimento de opções de lazer, segundo Araujo et al. (2012), deveriam levar
em conta não apenas a criação de produtos e serviços para o mercado; tais propostas também
deveriam ser levadas em consideração pelo setor público, para esse desenvolvimento de
programas que possam igualmente atender expectativas e possibilidades de acesso por parte dessa
fatia da população.
2. Metodologia
Esta pesquisa teve como finalidade descrever e explicar a tomada de decisão do
consumidor idoso na compra de serviços de turismo. Ela caracterizou-se por uma abordagem
77
quantitativa em virtude de obedecer ao paradigma clássico, que postula a existência de uma
realidade externa que pode ser examinada com objetividade, por meio da aplicação de
métodos quantitativos (TERENCE & ESCRIVÃO FILHO, 2006).
Quanto aos meios, ou seja, quanto aos procedimentos técnicos utilizados, a pesquisa
pode ser caracterizada como um estudo de campo que, segundo Gil (2007), embora muito se
assemelhe a um levantamento, apresenta maior profundidade e menor alcance.
2.1 Universo e Amostra
De acordo com Gil (2007), a amostra consiste em uma pequena parte dos elementos que
compõem o universo.
Para a efetivação deste trabalho, o universo adotado para a realização da amostragem da
pesquisa foi a Associação dos Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (AAP-VR),
situada no Médio Paraíba, em Volta Redonda – RJ (AAP-VR), considerando apenas os
membros pertencentes à terceira idade (mais de 40.000).
A AAP-VR foi criada em 1973, como entidade de utilidade pública e filantrópica e com
objetivo de prestar assistência aos seus associados, defendendo seus direitos e interesses.
Hoje, tem mais de 45 mil associados (a grande maioria pertencente à terceira idade) e é a
maior associação de aposentados da América Latina, prestando assistência médica,
odontológica, social e funerária aos associados e aos seus dependentes.
A partir do universo, foi realizado um processo de amostragem por conveniência
(CHURCHILL, 1998), com a aplicação do questionário (abordado na seção 3.2 a seguir) a
100 diferentes membros da Associação, pertencentes à terceira idade.
O tamanho da amostra foi escolhido de forma a garantir um mínimo de qualidade
inferencial nas análises estatísticas, sem inviabilizar o processo de coleta de dados. Tal
inviabilização fatalmente aconteceria se precisasse ser abordada e incomodada, no período de
tempo destinado a esta fase da pesquisa, uma quantidade muito maior de idosos pertencentes a
uma associação de difícil acesso e com normas rígidas quanto à entrada de não-membros.
2.2 Coleta e Tratamento de Dados
Para o processo de coleta, os pesquisadores desenvolveram um formulário estruturado,
composto de indagações demográficas (gênero, faixa etária, renda e escolaridade) e sobre a
frequência de viagens acerca dos respondentes e de 24 questões fechadas. Tais questões foram
78
elaboradas com base na fundamentação teórica acerca dos temas sobre tomada de decisão,
satisfação/lealdade, confiança, envolvimento social, lazer/turismo e terceira idade, abordados
na seção 2 anterior.
É válido ressalvar que as perguntas foram construídas e direcionadas para consumidores
de pacotes de turismo que utilizam o ônibus como meio de transporte, pois outras formas de
viajar não são muito utilizadas pelos membros da AAP-VR.
O pré-teste do questionário foi realizado junto a idosos da família dos pesquisadores e
de alguns colegas e indicou que o mesmo estava adequado, sem deixar de exigir, no entanto,
alguns ajustes quanto ao teor de algumas perguntas.
A coleta de dados foi realizada no segundo semestre de 2009 na AAP-VR, através da
aplicação do questionário durante o período matutino, devido à presença e participação da
terceira idade nas atividades culturais, de lazer, assistência médica e outras.
Ao longo de 3 dias, os pesquisadores tiveram seu acesso autorizado pela associação e
puderam abordar, presencialmente, membros aparentemente pertencentes à terceira idade, que
estavam participando das atividades externas. O objetivo da pesquisa era brevemente
apresentado para o membro, que era indagado quanto à sua vontade de participar da mesma e
quanto à sua faixa etária (para verificação se ele tinha pelo menos 60 anos).
Caso o membro pertencesse efetivamente à terceira idade e quisesse participar da
pesquisa, os pesquisadores liam cada pergunta e anotavam cada resposta. Tal processo foi
repetido até a cota de 100 questionários respondidos ser alcançada.
A análise dos dados foi realizada, inicialmente, através da utilização da Análise Fatorial,
que é recomendada quando se está diante de uma amostra com diversas variáveis associadas.
Dessa forma, foi possível obter uma redução dimensional, transformando uma base de 24
variáveis em uma quantidade menor de fatores, sem grande perda de informação.
Em seguida, foram realizadas algumas Regressões Múltiplas para tentar explicar o
comportamento entre as variáveis e fatores (estes oriundos da Análise Fatorial): (i) variáveis
demográficas como variáveis explicativas para cada fator; (ii) fatores como variáveis
explicativas para a frequência de viagem; e (iii) variáveis demográficas como variáveis
explicativas para a frequência de viagem.
Houve a necessidade de incorporar informações de algumas variáveis qualitativas
(dados demográficos: faixa etária, renda e escolaridade) e o método para quantificar esses
atributos consistiu na criação de variáveis dummy, usadas para indicar a presença ou ausência
de determinado atributo, assumindo apenas o valor 1 ou 0; em seguida, foi realizado um
agrupamento dos dados: faixa etária, renda e escolaridade. A variável frequência foi
79
transformada em quantitativa através da regra apresentada na tabela 1 a seguir. Na tabela 2 a
seguir, estão evidenciadas tais transformações.
Tabela 1: Definição de Valores para a Frequência
Valor Original Valor Quantitativo
Primeira vez 0
A cada seis meses 2
A cada ano 1
Raramente 0,5 Fonte: elaboração própria
Tabela 2: Variáveis Demográficas e Frequência3
Gênero
Mas
culin
o
60-6
9
70-7
9
1-3
salá
rios
mín
imos
4-6
salá
rios
mín
imos
anal
fabe
to
(a)
1º g
rau
inco
mpl
eto
e co
mpl
eto
2º g
rau
inco
mpl
eto
e co
mpl
eto
1 0 0 0 0 1 0 1 0 0,52 0 0 0 1 0 0 1 0 2,03 0 1 0 0 1 0 0 1 2,04 0 0 1 1 0 0 1 0 1,05 0 0 1 1 0 1 0 0 0,06 0 0 1 1 0 1 0 0 0,57 0 0 1 1 0 0 1 0 0,58 0 0 1 0 1 0 1 0 2,09 1 1 0 1 0 1 0 0 0,010 1 1 0 1 0 1 0 0 0,511 1 1 0 1 0 0 1 0 0,512 1 1 0 1 0 0 1 0 1,013 1 1 0 1 0 1 0 0 1,014 1 1 0 1 0 1 0 0 0,5
Fre
quen
cia
Faixa Etária Renda Escolaridade
Par
ticip
ante
s
Fonte: elaboração própria
2.3 Limitações
Nem todos os integrantes abordados responderam ao formulário, deixando uma dúvida
quanto à existência de diferenças substanciais entre os integrantes que responderam e aqueles
que se negaram a responder e as possíveis divergências em termos de variáveis relevantes
para o estudo, conforme sugere poder acontecer Malhotra et al. (2005).
O processo de amostragem não foi aleatório e sim por conveniência dos pesquisadores.
Além disso, os resultados são baseados em opiniões, que podem carregar subjetividade
3 Apesar da amostra consistir de 100 entrevistas, nesta tabela estão apresentados apenas 14 resultados para fins de demonstração do processo.
80
demais (limitação intrínseca ao método). Outra limitação foi a transformação arbitrária que
sofreu a variável frequência.
Apesar da pesquisa não envolver todos os idosos (mas somente os pertencentes à AAP-
VR), há uma limitação que é a dificuldade de se generalizar os resultados, pois os dados
foram coletados em um grupo específico (a AAP-VR), que não pode ser considerado como
representativo de todos os idosos consumidores de serviços de turismo. Além disso, o tema
permite muita subjetividade, e o nível de instrução do grupo pode ter levado a entendimentos
equivocados sobre os questionamentos feitos.
3. Análise e Interpretação dos Resultados
3.1 Análise Fatorial
A maioria dos indicadores conseguiu (na tentativa com todos os indicadores) um poder
de explicação alto, considerando todos os fatores obtidos (comunalidades). Os fatores que
apresentaram as variáveis com maior semelhança nos resultados (de 0,833 a 0,800) referem-se
à qualidade e satisfação do consumidor. Os que apresentaram resultados (de 0,699 a 0,578)
são as variáveis mais peculiares e referem-se à qualidade e eficiência do prestador de serviço.
Um grau de explicação satisfatório foi atingido por 8 (oito) fatores que foram calculados
pela Análise Fatorial. Com relação a esse indicativo, o conjunto de fatores conseguiu explicar
mais de 75% da variação dos dados originais, o que é um bom resultado.
A partir do resultado, os fatores rotacionados foram avaliados com os dados originais e
classificados e rotulados conforme o que está apresentado, juntamente com o % de variação
explicada por cada fator, na tabela 3 a seguir. A rotulação foi realizada de acordo com o teor
das perguntas que se revelaram mais correlacionadas com cada fator, o que pode ser
visualizado na tabela 4, na sequência.
81
Tabela 3: Rótulo e % de variação explicada dos fatores
Fator Rótulo% de variação
explicada1 Recompensa do investimento em dinheiro, tempo e amigos 14,53%2 Bem-estar em grupo 13,27%3 Conforto do transporte 10,73%4 Satisfação em viajar 8,99%5 Bem-estar de viajar em companhia 8,80%6 Confiança na qualidade do serviço prestado 7,80%7 Serviço / Custo 5,66%8 Disponibilidade de tempo para viajar 5,42%
Total 75,20%
Fonte: elaboração própria
Tabela 4: Matriz de Fatores Rotacionados
Fonte: elaboração própria
82
Conforme pode ser observado, a pergunta nº 5 do formulário de pesquisa – Sem a
eficiência dos motoristas e pessoal de atendimento a viagem de turismo não seria tão boa –
não se mostrou altamente correlacionada a nenhum fator.
Assim, a base de dados teve a sua dimensão bastante reduzida, passando de 24 variáveis
para 8 fatores, capazes de explicar boa parte da variação dos dados. Esses fatores, e não mais
as 24 variáveis, foram utilizados nas Regressões apresentadas a seguir, ora como variáveis
explicativas, ora como dependentes.
3.2 Regressões Múltiplas
O estudo gerou algumas Regressões Múltiplas para tentar explicar a relação entre as
variáveis demográficas, os fatores e a frequência de viagem. O relatório resultante da
Regressão, por exemplo, do fator 2 – Bem-estar em grupo – em função das variáveis
demográficas pode ser observado na tabela 5 a seguir.
Tabela 5: Relatório de Regressão: Fator 2 x Variáveis demográficas
Multiple R 0,26
R Square 0,07
Adjusted R Square (0,01)
Standard Error 1,01
Observations 100,00
df F Significance F
Regression 8,00 0,85 0,56
Residual 91,00
Total 99,00
Coefficients P-value Lower 95% Upper 95%
Intercept 0,81 0,63 (2,55) 4,17
Masculino (0,42) 0,07 (0,86) 0,03
60-69 (0,43) 0,38 (1,40) 0,54
70-79 (0,54) 0,30 (1,56) 0,49
1-3 salários mínimos 0,05 0,97 (2,33) 2,42
4-6 salários mínimos 0,17 0,89 (2,20) 2,53
analfabeto (a) (0,38) 0,72 (2,48) 1,73
1º grau incompleto e completo (0,25) 0,81 (2,31) 1,80
2º grau incompleto e completo (0,59) 0,62 (2,93) 1,76
ANOVA
Fonte: elaboração própria
Como pode ser observado, foi obtido um valor baixo para o nível de explicação (R2) e
um valor alto para o nível de significância da estimativa F, o que compromete a capacidade
preditiva do modelo de Regressão como um todo. Essas ocorrências se verificaram na maioria
das Regressões efetuadas. Mas como o objetivo da pesquisa é avaliar as variáveis
83
individualmente (e não usar o modelo para prever o comportamento dos fatores e variáveis),
tal constatação não chega a constituir um grande problema.
Já que não há motivos para crer em uma alta multicolinearidade entre as variáveis
independentes das Regressões, é possível tentar analisar o impacto das variáveis explicativas
na variável dependente de cada Regressão. Na maioria dos casos, poucas variáveis
independentes se mostraram relevantes e capazes de impactar a variável estudada. O quadro 1
a seguir resume a análise dos resultados e indica o nível de explicação (R2) obtido em cada
Regressão. A Regressão Variáveis Demográficas x Recompensa do investimento em dinheiro,
tempo e amigos não apresentou nenhum resultado relevante.
Quadro 1: R2 e análise dos resultados para cada Regressão
Regressão – variáveis explicativas x
variável dependente ( e R2) Análise dos Resultados
Variáveis Demográficas x Bem-estar em grupo (7%)
Gênero tem grande impacto sobre o resultado: para o homem, a companhia das outras pessoas que estão viajando com ele tem menor influência no seu bem estar.
Variáveis Demográficas x Conforto do transporte (4%)
Renda Familiar tem média influência sobre o resultado: quanto menor a renda, maior o score para este fator.
Variáveis Demográficas x Satisfação em viajar (5%)
Escolaridade tem influência moderada para este fator.
Variáveis Demográficas x Bem-estar de viajar em companhia (15%)
Renda Familiar tem elevada influência sobre o resultado: quanto menor a renda, maior o score para esse fator.
Variáveis Demográficas x Confiança na qualidade do serviço prestado (5%)
Todas as variáveis apresentam baixa influência, exceto a Escolaridade: quanto maior o nível de instrução, maior o score para esse fator (exceto para analfabetos, que apresentam um score mais elevado do que aqueles com 1º grau).
Variáveis Demográficas x Serviço / Custo (3%) Todas as variáveis apresentam baixa influência. Variáveis Demográficas x Disponibilidade de
Tempo para viajar (4%) Faixa Etária não apresenta influência sobre o fator, já as demais variáveis apresentam uma influência moderada. O fator Bem-estar em grupo tem elevada influência. O fator Confiança na qualidade do serviço prestado apresenta um resultado altamente relevante, com influência negativa; já os fatores Bem-estar de viajar em companhia e Serviço / Custo apresentaram influência moderada se sinal negativo.
Fatores x Frequência de Viagem (22%)
O fator Recompensa do investimento em dinheiro, tempo e amigos apresenta influência relevante sobre a frequência. Gênero tem elevada influência, com resultado negativo: o homem viaja 0,35 menos vezes por ano do que a mulher.
Variáveis Demográficas x Frequência de Viagem(20%) Escolaridade tem média influência: quanto menor o grau de
instrução, maior a frequência de viagens (exceto para os analfabetos, que viajam menos do que os com 1º. e 2º. grau).
Fonte: elaboração própria
84
Considerações Finais
Esta pesquisa teve como finalidade identificar quais as variáveis que mais influenciam a
tomada de decisão da terceira idade na compra de serviços de turismo. Ela foi motivada
porque o consumidor idoso apresenta atualmente melhores condições de vida e,
consequentemente, de consumo, revelando-se como um segmento econômico e social
importante para o país.
Para o consumidor idoso, há características e necessidades especiais para tomada de
decisões no que se refere à compra de serviço de turismo.
Diante deste cenário, surgiu o interesse em pesquisar o que leva o consumidor idoso a
tomar decisões de compra de serviços de turismo e quais seriam os fatores que mais impactam
esta decisão. Para tal, foi realizada uma pesquisa com um grupo da terceira idade, que
respondeu a diversas perguntas em um formulário apresentado.
Através da Análise Fatorial realizada, foi possível analisar, entender e identificar uma
estrutura de relacionamento entre os dados originais e gerar fatores. Em seguida, realizaram-
se Regressões Múltiplas para tentar explicar o comportamento entre as variáveis / fatores e
pode-se observar, entre outras coisas, que:
- o gênero masculino viaja com menor frequência que o gênero feminino;
- a terceira idade com formação escolar até o 2º grau (completo ou incompleto) viaja
mais que os que possuem o 3º grau (completo ou incompleto);
- as variáveis que mais influenciaram a tomada de decisão da terceira idade na compra
de serviços de turismo foram o gênero e a escolaridade;
- o fator Bem-estar em grupo tem elevada influência positiva e o fator Confiança na
qualidade do serviço prestado tem forte influência negativa sobre a frequência de viagens;
- os demais fatores têm baixa/moderada influência sobre a frequência de viagens.
De uma maneira geral, alguns resultados podem ter sido surpreendentes, como o fato da
renda não ter impacto na frequência de viagem. Mas não se pode esquecer que os idosos
diferem dos mais jovens quanto ao comportamento de compra devido às diferenças
cronológicas, biológicas, psicológicas e sociais, segundo Schein et al. (2009), e precisam de
certas exclusividades que a idade impõe, de acordo com Oliveira e Vieira (2008).
O resultado encontrado por esta pesquisa e apresentado anteriormente corrobora o que
diz Welch (2002): há diferenças importantes no estilo masculino e feminino de tomar
decisões, pois, para o homem, a companhia das outras pessoas que estão viajando com ele tem
menor influência no seu bem estar; já para as mulheres, este é um fator importante.
85
A definição de Kotler (1998) sobre satisfação – nível de sentimento de uma pessoa
resultante da comparação do desempenho (ou resultado) de um produto ou serviço em relação
a suas expectativas – está de acordo com o resultado desta pesquisa apontado no fator Serviço
/ Custo.
O resultado de tal fator também está alinhado com o que pensam Parasuraman et al.
(1985), que destacam que a necessidade para confiança é particularmente importante em
indústrias de serviço porque o cliente não pode examinar um serviço antes da compra.
O resultado a respeito do fator Recompensa do investimento em dinheiro, tempo e
amigos está bem em sintonia com o que escreveram Sheth et al. (2008) sobre a participação
da terceira idade em viagens, atividades de lazer e desembolsos financeiros.
Pode-se destacar que os interessantes resultados acerca dos fatores bem-estar em grupo
e Bem-estar de viajar em companhia estão de acordo com Gomes et al. (2002), que citam que
nas decisões em grupo, as preferências individuais podem ser combinadas de modo a resultar
em uma decisão do grupo.
Grönroos (2003) ressalta que clientes não compram bens ou serviços, mas os benefícios
que os bens e serviços lhes proporcionam; compram ofertas consistindo em bens, serviços,
informações, atenção pessoal e outros componentes. Isto e a constatação, obtida por Schein et
al. (2009), que os idosos possuem renda e tempo disponíveis para consumir produtos
turísticos podem ser ratificados pelo resultado do fator Recompensa do investimento em
dinheiro, tempo e amigos influenciando a frequência de viagens.
Para os autores Lee & Tideswell (2005) e Guinn (1980), as motivações para viajar a
lazer para pessoas mais velhas são variadas e influenciadas por experiências passadas. Isto
está alinhado com o resultado dos fatores disponibilidade de tempo para viajar e recompensa
do investimento em dinheiro, tempo e amigos.
Os fatores identificados como mais importantes nesta pesquisa foram, em ordem: bem-
estar em grupo, Confiança na qualidade do serviço prestado, Bem-estar de viajar em
companhia, serviço/custo e recompensa do investimento em dinheiro, tempo e amigos. Tal
constatação não está muito em consonância com os atributos identificados por Schein et al.
(2009) como os mais importantes: acomodações, atendimento/cortesia e localização do hotel e
gastos totais da viagem.
No decorrer da pesquisa, surgiram algumas hipóteses que contribuíram para o
desenvolvimento do estudo e que foram apresentadas anteriormente na Introdução. O
resultado da verificação de tais hipóteses está evidenciado no quadro 2 a seguir.
86
Quadro 2: Verificação das hipóteses de pesquisa
HIPÓTESE RESULTADOS
H1: O gênero dos idosos tem relação com a frequência em viagens de turismo.
Sim. As mulheres têm maior frequência em viagens de turismo que os homens.
H2: A escolaridade influencia a frequência com que os idosos viajam em turismo.
Sim. Quanto menor o grau de instrução, maior a frequência de viagens (exceto para os analfabetos, que viajam menos do que os com 1º. e 2º. grau).
H3: Há atributos do serviço que têm uma maior influência na tomada de decisão de compra de um pacote de turismo.
Sim. O fator Bem estar em grupo têm uma maior influência na tomada de decisão de compra de um pacote de turismo.
Fonte: elaboração própria
Segundo Oliveira e Vieira (2008, p.1), o público idoso, “que a cada dia mais participa
ativamente do mercado, precisa de estudos específicos e direcionados para eles, para que haja
o conhecimento de quais são as suas necessidades e os seus desejos ainda não supridos pelo
mercado”, como a pesquisa realizada por John e Cole (1986).
Apesar da contribuição deste trabalho, alguns aperfeiçoamentos ainda podem ser
realizados. Por exemplo, a variável demográfica sstado civil poderia ser indagada no
questionário e incluída na análise, já pode impactar o comportamento do idoso quanto a
pacotes de turismo. Outro potencial aperfeiçoamento consiste em uma maneira de quantificar
a variável frequência de forma menos arbitrária do que a utilizada neste artigo (fazendo a
pergunta de forma diferente, por exemplo).
E, finalmente, ainda há muito para ser explorado no universo da terceira idade. Em vista
disso, são apresentadas outras abordagens potencialmente interessantes acerca de assuntos
correlatos ao dessa pesquisa, que passam pelas seguintes indagações:
- Em que as empresas de turismo estão investindo para melhor atender o consumidor da
terceira idade?
- A terceira idade do Médio Paraíba consome mais serviço de turismo que a terceira
idade da capital do estado (RJ)?
- De que forma qualitativa o consumidor da terceira idade toma a decisão em adquirir o
serviço de turismo?
- O marketing de serviço de turismo de grandes centros para o consumidor da terceira
idade tem maior influência na tomada de decisão do que para o consumidor da terceira idade
do interior?
87
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