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Ap em História - Pedagogia

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Bittencourt, Circe Maria Fernandes Ensino de histria: fundamentos e mtodos / Circe Maria Fernandes Bittencourt So Paulo: Cortez, 2004 (Coleo docncia em formao. Srie ensino fundamental / coordetnio Joaquim Severino, Selma Garrido Pimenta) ISBN 85-249-1069-0 Bibliografia 1. Histria Estudo e ensino I. Severino, Antnio Joaquim. II. Pimenta, Selma Garrido. III. Ttulo. IV Srie.04-5240 CDD-907 ndices para catlogo sistemtico: 1. Histria: Estudo e ensino 907 Impresso no Brasil - setembro de 2005 Circe Maria Fernandes BittencourtEnsino de Histria:fundamentos e mtodosCortezEditoraAprendizagens em Histria comum a afirmao de que o ensino e a aprendizagem de Histria acontecem por intermdio do domnio de conceitos, de modo que no basta, evidentemente, o aluno saber nomes de pessoas famosas ou fatos ocorridos em determinado tempo e espao que podem ser comprovados pelos documentos. O conhecimento histrico no se limita apresentar o fato no tempo e no espao acompanhado de uma srie de documentos que comprovam sua existncia. E preciso ligar o fato a temas e aos sujeitos que o produziram para buscar uma explicao. E para explicar e interpretar os fatos, preciso uma anlise, que deve obedecer a determinados princpios. Nesse procedimento, so utilizados conceitos e noes que organizam os fatos, tornando-os inteligveis. Assim, tal qual os outros, o conhecimento histrico passa pela mediao de conceitos. Para o historiador Marrou, conhecer no caso, conhecer historicamente substituir um dado bruto por um sistema de conceitos elaborado pelo esprito". Dessa forma, torna-se invivel o ensino de Histria sem o domnio conceituai. Por essa mesma razo, o ensino da disciplina tem sido considerado impossvel, especialmente para alunos de determinadas faixas etrias, porque, segundo alguns princpios epistemolgicos, no h condies de uma abstrao suficiente para o domnio de conceit A Histria deve ser ento um conhecimento exclusivo para alunos do ensino mdio e interditado aos 183Mtodos e contedos escolares: uma relao necessriaalunos do ensino fundamental? Uma resposta negativa a essa pergunta, considerando a possibilidade de aprendizagem da disciplina a partir dos primeiros anos da escolarizao, conduz a outras indagaes. Como os conceitos so formados por alunos de diferentes idades? Existem etapas de domnio conceituai? Quais so os conceitos histricos fundamentais a ser introduzidos no processo de escolarizao, para a apreenso do conhecimento histrico escolar? Tais indagaes permeiam este captulo, que se inicia com consideraes gerais sobre estudos relativos formao de conceitos para, em seguida, apresentar alguns dos conceitos histricos bsicos para o ensino escolar.1. A formao de conceitos: confrontos entre Piaget e Vygotsky Como os alunos apreendem os conceitos? E possvel o domnio de conceitos em qualquer estgio do processo de escolarizao? Para responder a essas perguntas, temos de recorrer s teorias de aprendizagem, especialmente as de Piaget e de Vygotsky, pesquisadores que dedicaram muito dos seus estudos anlise do desenvolvimento cognitivo e ao problema da formao dos conceitos. No pretendemos aqui desenvolver de maneira aprofundada os pressupostos tericos da psicologia cognitiva, mas situar o debate epistemolgico e apresentar alguns tpicos de estudo desses autores que tem servido de base para o denominado construtivismo, fundamento da maioria das formulaes curriculares atuais. Limitamo-nos assim a identificar a contribuio de alguns epistemlogos para o problema da formao de conceitos em crianas e jovens, com destaque problemtica das formulaes dos conceitos sociais.184Aprendizagens em Histria1.1. Estgios de desenvolvimento cognitivo A formulao epistemolgica do professor suo Jean Piaget (1896-1980) provm de parte de suas preocupaes biolgicas, das adaptaes orgnicas do homem e dos processos cognitivos que possibilitam sua adaptao ao meio por intermdio da inteligncia. Nessa perspectiva, o ponto central de sua obra a construo do conhecimento pelo sujeito, partindo da gnese do pensamento racional. As estruturas cognitivas dos indivduos so adquiridas ao longo da vida em estgios delimitados pela maturidade biolgica e, em face do meio, assimilam os objetos (materiais ou ideais) de acordo com as estruturas internas orgnicas. Ao se situar diante de um objeto, cada indivduo acomoda-o a determinados esquemas, incorporando-o de acordo com as condies disponveis e organizando o pensamento para a assimilao. O funcionamento constante dos dois processos assimilao/acomodao corresponde ao princpio de desenvolvimento das estruturas mentais e ao crescimento da capacidade cognitiva: o sujeito responde por meio de compensaes ativas aos desafios exteriores, aos desequilbrios criados pelos problemas enfrentados, pelos conflitos, e esse reequilbrio promove o desenvolvimento intelectual. Para essa etapa de reequilbrio so necessrias a maturao fsica do sistema nervoso e a interferncia de fatores sociais. Essa teoria do desenvolvimento cognitivo, aqui apresentada sucinta e parcialmente, passou a sustentar muitos dos princpios da constituio de conceitos e permitiu justificar a impossibilidade de alunos dos primeiros anos de escolarizao dominarem conceitos abstratos, como os de tempo histrico, uma vez que cada fase operatria depende de condicionantes biolgicos. Os estgios de desenvolvimento do concreto ao abstrato determinam a formalizao das etapas de185Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria domnio conceituai assim como as fases operatorias progressivas no processo de conhecimento. A teoria gentica de Piaget fundamentou muitas normas e aes pedaggicas de currculos nacionais e de outros pases, os quais consideraram as etapas de desenvolvimento da criana a fase oral, a do pensamento concreto e a do pensamento abstrato em verses diversas. Houve, por exemplo, o enfoque mais determinista, que induziu a educao escolar a subordinar a aprendizagem ao desenvolvimento biolgico e no qual o nvel de maturidade se tornou o ponto central da organizao de contedos escolares. Essa a base, ainda, de muitos dos atuais currculos. Embora aceitas no meio educacional, sobretudo nos anos 60 e 70 do sculo passado, semelhante forma de concepo e adaptao da teoria piagetiana foi bastante criticada, notadamente por educadores e psiclogos voltados para a problemtica da aprendizagem de temas sociais. 1.2. Pressupostos sobre conceitos sociais O pesquisador russo L. S. Vygotsky (1896-1934), em seus escritos dos anos 30 sobre a formao dos conceitos, aponta para alguns dos problemas da formulao piagetiana. Uma de suas crticas refere-se forma negativa como o professor suo encara os conceitos e noes provenientes do senso comum os conceitos espontneos, como denomina Vygotsky. Piaget entende o conceito espontneo e o conceito cientfico como antagnicos, pressupondo que o primeiro fosse impeditivo ou opusesse obstculos constituio dos conceitos cientficos. Segundo essa linha de interpretao, deve-se conhecer o pensamento espontneo da criana para que, com base nesse conhecimento, tal pensamento possa ser combatido e anulado.Aprendizagens em Histria Contrariamente a essa proposio, Vygotsky defende a existncia de uma interao muito prxima entre os conceitos, o espontneo e o cientfico, a qual no considerada pela pesquisa de Piaget. O estudioso russo, mesmo reconhecendo os estgios de desenvolvimento cognitivo, entende como questo fundamental sobre a aquisio dos conceitos a distino entre os conceitos espontneos, ou os do senso comum, e os conceitos cientficos, denstrando sua interferncia mtua. No processo de apreenso do conhecimento cientfico, proposto normalmente em situao de escolarizao, no h necessariamente o desaparecimento do conceito espontneo, mas modificaes de esquemas intelectuais anteriormente adquiridos. No que se refere ao modo pelo qual os conceitos so formados, a nfase maior da teoria de Vygotsky recai na aquisio social dos conceitos, e no apenas na maturidade biolgica. So consideradas fundamentais, nas apreenses conceituais, as dimenses historicamente criadas e culturalmente elaboradas no processo de desenvolvimento das funes humanas superiores, notadamente a capacidade de expressar e compartilhar com os outros membros do seu grupo social todas as suas experincias e emoes. A linguagem humana, sistema simblico por excelncia que possibilita a mediao entre sujeito e objeto do conhecimento, favorece o intercmbio social e a formao conceituai. A linguagem o atributo humano que favorece os processos bsicos da constituio dos conceitos: a abstrao e a generalizao. Vygotsky entende assim que pela comunicao social o ser humano pode progressivamente chegar ao desenvolvimento dos conceitos, que para ele significa o entendimento das palavras. Os conceitos cientficos correspondem ampliao do significado das palavras, interferindo nesse processo o desenvolvimento de outras funes intelectuais:1872 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria ateno deliberada, memoria lgica, abstrao, capacidade para comparar e diferenciar. O papel da escola na elaborao conceituai , pois, fundamental, urna vez que essa capacidade s se adquire pela aprendizagem organizada e sistematizada. Assim, a crtica dos estudiosos russos, incluindo os seguidores de Vygotsky, como Luria e Leontiev, dirigese nfase de Piaget sobre a maturao interna e biolgica do individuo para a aquisio de conceitos. Embora Piaget considere a interao do individuo com fatores externos da vida social como relevante no dominio de conceitos, entende que o aspecto biolgico mais decisivo nesse processo. A crtica em relao a esse processo de aquisio de conceitos recai ainda no reconhecimento do indivduo como um ser universal, e, para muitos seguidores de Piaget, no importa a historia e as influncias do espao social de vivncia desse indivduo. Em consequncia, todo indivduo, aps ter rompido a centrao sobre si mesmo - o egocentrismo -, passa a classificar, ordenar, medir, calcular e deduzir de maneira neutra e facilmente verificvel. Muitos autores, discordando dessa concepo, assinalam, ao contrrio, a importncia das condies que o indivduo encontra na conduo de seu prprio caminho cognitivo. A psicologia social enfatiza as relaes entre o desenvolvimento cognitivo, o amadurecimento intelectual e as condies socioculturais da vida cotidiana. As inmeras interferncias sociais nesse processo, sobretudo a organizao familiar, a sade e as condies econmicas, entre outras contingncias, foram os indivduos a resolver problemas e se reequilibrar de modos diversos em seu processo cognitivo e nem sempre dentro da faixa etria prevista. Ressaltam todos esses autores a importncia das situaes interindividuais e da aquisio social do conhecimento, assim como da interferncia do grupo de convvio, da afetividade e dos nveis de socializao.188Aprendizagens em Histria1.3. Reflexes sobre o conhecimento prvio dos alunos As novas interpretaes sobre a aprendizagem conceituai e a importncia das interferncias sociais e culturais nesse processo erigiram o aluno ou o aprendiz e seu conhecimento prvio como condio necessria para a construo de novos significados e esquemas. Como conseqncia, a psicologia social passou a contribuir para a reflexo acerca das seqncias de aprendizagens, partindo do conhecimento prvio dos alunos. No que se refere ao conhecimento histrico, essa posio torna-se ainda mais relevante, levando em conta as experincias histricas vividas pelos alunos e as apreenses da histria apresentada pela mdia cinema e televiso, em particular por parte das crianas e dos jovens, em seu cotidiano. A Histria escolar no pode ignorar os conceitos espontneos formados por intermdio de tais experincias. E muito comum escutar dos professores que determinado conceito foi ensinado, mas o aluno no aprendeu nada, que o ensinado serve apenas para responderem s provas ou ainda que, s vezes, os alunos transformam radicalmente o explicado, dando-lhe um sentido contrrio ao exposto. A eficincia do ensino est comprometida com o nvel de desenvolvimento do aluno, sem esquecer o desenvolvimento operatrio piagetiano, mas encontra-se relacionada s estruturas de conhecimento adquiridas por uma srie de experincias e formas de convvio que incluem motivaes e emoes. O importante, na aprendizagem conceituai, que sejam estabelecidas as relaes entre o que o aluno j sabe e o que proposto externamente no caso, por interferncia pedaggica , de maneira que se evitem formas arbitrrias e apresentao de conceitos sem significados, os quais acabam sendo mecanicamente repetidos2 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessriapelos alunos, confundindo-se domnio conceituai com definio de palavras. Atualmente, considera-se necessrio ao pblico escolar das mais diferentes faixas etrias crianas, jovens e adultos partir do conhecimento do vivido, denominado tambm de senso comum, para que se possam situar as problemticas enfrentadas na vida em sociedade, no mundo do trabalho e nas relaes de convvio e se efetivem aprendizagens provenientes do conhecimento acumulado e sistematizado por mtodos cientficos. Paulo Freire, desde seus primeiros escritos dos anos 70, j considerava como ponto fundamental no processo de alfabetizao de adultos o conhecimento que o sujeito cognoscitivo possui, a leitura de mundo imersa no pensamento de cada um. Cabe ao professor, na perspectiva freiriana, reconhecer e estabelecer um dilogo com esse conhecimento, porque os alunos esto sempre em um processo de aprender mais e no so absolutamente sujeitos acomodados; ademais, adverte-nos o grande educador, o conhecimento no um dado imobilizado apenas transferido de um especialista para outra pessoa que ainda no o possui. Ainda sobre os conhecimentos do senso comum, devemos estar atentos s crticas associadas ao carter ideolgico e acrtico com que eles se manifestam. Existe uma leitura de mundo permeada de manipulaes, de aprendizagens provenientes dos meios de comunicao de massa, e revestida de ideologia, condio que, por princpio, difere essencialmente do conhecimento e do domnio dos conceitos cientficos. Pode-se dizer que existe uma espcie de preconceito sobre o conceito espontneo. Este entendido por muitos especialistas como um conhecimento impregnado de conservadorismo, falso, que precisa ser vencido pelo conhecimento cientfico racional e objetivo. Recentes debates190Aprendizagens em Histriaepistemolgicos, no entanto, tm demonstrado que a oposio entre cincia e senso comum deve ser abolida, entre outras razes, porque mesmo a cincia no est isenta de preconceitos. As teorias racistas, de raa superior, embasadas em princpios de racionalidade cientfica, so exemplares de como o conhecimento cientfico no apenas est impregnado de preconceitos, mas tambm pode servir igualmente para refor-los, transformando-os em ideologias de controle social e de poder poltico. Concebe-se como necessrio o reencontro da cincia com o senso comum, para que seja possvel compreender melhor o mundo e seus problemas tnicos, sexuais, religiosos, as diferentes formas de relaes desiguais, entre outros. O reconhecimento da necessidade da aproximao do conhecimento do senso comum com o conhecimento cientfico favorece, por outro lado, um processo de aprendizagem diferenciado, que requer procedimentos metodolgicos especficos. A constituio de conceitos cientficos ocorre de maneira articulada aos conceitos espontneos. A seguir, indicaremos tais relaes em situaes que envolvem o domnio de conceitos histricos.2. Conhecimento histrico: conceitos fundamentais Na anlise e interpretao dos acontecimentos histricos, os historiadores defrontam-se com conceitos e categorias. Uma das tarefas fundamentais do pesquisador selecionar os conceitos-chave, contextualiz-los e utiliz-los na organizao e sistematizao dos dados empricos. A dificuldade dos historiadores diante dos conceitos e categorias de anlise a ser selecionados e1912 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessriaexplicitados uma constante em seu trabalho. Tambm para o professor de Histria o problema se apresenta, mas de maneira diferente. Em situao de ensino, h a necessidade de domnio da natureza especfica do conhecimento histrico, alm do desafio de saber como introduzir e encaminhar as tarefas de aprendizagem para alunos de diferentes idades e condies culturais. Como ensinar conceitos histricos como capitalismo, colonizao, aristocracia, liberalismo, cidadania, etc.? Quais as aproximaes entre as formulaes conceituais dos historiadores e as dos professores de Histria?2.1. Histria e conceitos No exerccio do seu ofcio, os historiadores empregam conceitos especficos especialmente produzidos para a compreenso de determinado perodo histrico. Segundo alguns historiadores, existem as noes histricas singulares, tais como Renascimento, mercantilismo, descobrimento da Amrica, feudos medievais, cruzadas, Repblica Velha. Muitos dos conceitos criados pelos historiadores tornaram-se verdadeiras entidades a designar povos, grupos sociais, sociedades, naes: povos brbaros, bandeirantes, colonato, donatrios das capitanias, patriciado romano, democracia ateniense, mercadores. Esses conceitos tm sido consolidados pela comunidade de historiadores e so delimitados no tempo e no espao. A Histria escolar utiliza essas noes e conceitos com bastante familiaridade, a ponto de acabarem por designar contedos programticos e constiturem captulos de livros didticos. interessante lembrar, entretanto, que os historiadores tambm se apropriam de conceitos provenientes de outros campos cientficos. Ao lado das noes singulares criadas pelos historiadores h uma srie deAprendizagens em Histria conceitos empregados na pesquisa e na escrita da histria que so adquiridos de outras reas cientficas, assim como aqueles provenientes do senso comum e utilizados amide no dia-a-dia pelos diferentes meios de comunicao. Em tais casos, noes e conceitos precisam ser explicitados para que sejam empregados corretamente. Revolues, burguesia, povo, rei, monarquia, sindicato, clero, cidade, famlia, termos usados normalmente, parecem muitas vezes ter sempre existido em todos os lugares e em todos os tempos. Esses conceitos e noes empregados com freqncia so evidentemente necessrios para tornar o objeto histrico inteligvel. No entanto, importante que se fornea uma descrio mais precisa deles, exatamente porque so expresses conhecidas por todos e, nesse sentido, seu uso torna-se arriscado, em razo do significado que assumem em cada poca. Para a utilizao de muitos desses conceitos demanda-se muita prudncia, advertem os historiadores. A histria sempre histria de alguma coisa, de algo que est acontecendo, que muda, que possui movimento at mesmo quando se trata de perodo de longa durao, que parece imutvel, e os conceitos utilizados nessa investigao esto ligados a determinado contexto, fazem parte de determinada histria. A escravido do perodo moderno ou a escravido do perodo colonial americano so diversas da escravido entre os gregos ou romanos da Antiguidade, e assim preciso situar o contexto no qual a escravido acontece, os conflitos que se estabelecem, as relaes com os demais trabalhadores e assim por diante. Quando se afirma que a escravido era prtica costumeira de povos africanos e, portanto, os negros escravizados no Brasil estavam j habituados a esse sistema de trabalho, h a uma incorreo. O sentido da escravido entre populaes africanas tinha outro carter e no fazia parte da1932 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria lgica de acumulao capitalista, a qual induziu o trfico negreiro europeu no priplo do comrcio do Atlntico. O risco maior de utilizar um conceito do senso comum ou proveniente de outros campos de estudos perder seu sentido histrico e empreg-lo de forma atemporal. A utilizao de conceitos em sentido atemporal conduz a um dos grandes pecados abominados por todos os que se dedicam Histria: cometer anacronismo. Advertem os historiadores que, ao fazer us de noes "emprestadas de outros domnios cientficos ou do senso comum, necessrio desconfiar das imprecises dos termos e ser cauteloso com a leitura das fontes em que eles se encontram; ou seja, deve-se ter um domnio metodolgico para o emprego correto do conceito. Ao tratar, por exemplo, do conceito de Estado, podem-se criar analogias entre o Estado-nao dos tempos modernos e as cidades-Estados gregas, sendo as relaes de poder existentes em cada caso o objeto da comparao. Deve-se, porm, levar em conta as diferenas, o contexto econmico e poltico de cada poca, seu funcionamento e formas de atuao. O historiador Reinhart Kosellech enfatiza a necessidade de estar atento a procedimentos metodolgicos que forneam o contexto do conceito. Por exemplo, as prticas democrticas de Atenas no sculo V a.C. no so iguais s dos pases do mundo ocidental contemporneo. Portanto, tais prticas polticas, nesses diferentes mundos, precisam estar sempre situadas no contexto em que so empregados determinados conceitos. Kosellech salienta ainda que os conceitos esto constantemente inter-relacionados: Nas cidades alems do sculo XVIII, economicamente ricas e pujantes, eram os grandes comerciantes que possuam o direito de cidadania. Eles tinham assento no Senado dessas194Aprendizagens em Histria. cidades, participavam das corporaes urbanas. Ao lado desses cidados havia uma grande camada de no-cidados urbanos. Essa situao se assemelha em alguma medida realidade histrico-poltica da cidade de Atenas, habitada tanto por cidados com direitos polticos quanto pelos metecos e escravos, destitudos da cidadania plena. Essa j convergncia entre sociedade civil e organizao do poder poltico organizao esta subsumida ao conceito de Estado a partir do sculo XVIII e to-somente a partir da pressupe uma articulao entre os conceitos de cidado e poder poltico: a cidadania implicava alguma forma de exerccio de poder poltico. Mas na forma como ns hoje concebemos o conceito de sociedade civil, (...) o conceito diferencia-se de sua formulao original. Na moderna acepo do conceito e em seu emprego h um sentido novo que no implica necessariamente uma forma de poder (exerccio de poder). Nesse novo sentido o conceito aplica-se ao entendimento de uma rede de cidados que satisfazem livremente suas necessidades, se auto-organizando, que dispem de um cdigo jurdico ou podem influenciar na constituio de um, capaz de garantir o funcionamento de um Estado sob o princpio da igualdade de direitos, da liberdade e do contrato entre as partes (Koselleck, 1992, p. 139).2.2. Apreenso de conceitos histricos na escola O conhecimento histrico escolar, comparado ao historiogrfico, produz-se por intermdio da aquisio de conceitos, informaes e acrescenta o autor francs Henri Moniot vares, especialmente os cvicos, que se relacionam formao da cidadania. As especificidades dos conceitos histricos a ser apreendidos no processo de escolarizao tm conotaes prprias de formao intelectual e valorativa, e a preciso conceituai torna-se fundamental para evitar deformaes ideolgicas. A Histria possui um contedo escolar que necessita estar articulado, desde o incio da escolarizao, com os fundamentos tericos, para da autora.195 2 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessAriaevitar conotaes meramente morais e de sedimentao de dogmas. Para Moniot, o ensino da disciplina justifica-se em todo o processo de escolarizao se estiver aliado necessidade de domnio e preciso de conceitos. Dessa concepo adv suas crticas teoria piagetiana dos estgios de desenvolvimento, a qual serviu para impedir o ensino da Histria para crianas e jovens de determinadas faixas etrias. Em algumas pesquisas fundamentadas em Piaget, sobretudo nas realizadas pelo educador ingls Roy Harlam, as concluses sobre o insucesso da Histria escolar relacionavam-se incapacidade dos alunos de dominar conceitos e contedos em razo da defasa-gem dos estgios evolutivos e da falta de maturidade intelectual e de certas capacidades para o pensamento abstrato. Com base nessas pesquisas, chegava-se a afirmar que apenas por volta dos 16 ou 18 anos os alunos poderiam ser introduzidos nos estudos histricos. A noo de tempo passado, base do conhecimento histrico, seria pura abstrao e, portanto, impossvel de ser compreendida por pessoas de faixa etria correspondente ao pensamento operatorio concreto. Muitos educadores piagetianos, por esse princpio, organizaram os currculos em crculos concntricos, conforme foi anteriormente mencionado, partindo da experincia concreta dos alunos e tornando o conhecimento social em algo atemporal ou apenas contemporneo. Os valores morais e cvicos so transmitidos por uma histria de heris responsveis pelos grandes fatos nacionais destitudos de qualquer noo de tempo histrico. Os personagens no se apresentam no contexto histrico; so concebidos como pessoas aistricas, tal como se mostram nas histrias de heris dos desenhos animados da televiso.196Aprendizagens em Histria Pilar Maestro, historiadora espanhola, em seu texto Una nueva concepcin del aprendizaje de la Historia critica as interpretaes e as pesquisas baseadas nas concepes piagetianas e afirma que a convico da impossibilidade de um conhecimento slido da Historia escolar teve conseqncias considerveis, levando a disciplina a tornar-se um saber secundrio. Considera ainda que, embora tenha havido interferncia de outros fatores para a criao dessa viso, sobretudo o iderio de uma sociedade industrial e tecnocrtica que proclama as virtudes do conhecimento cientfico e tcnico, certo que esta teoria concedeu respaldo cientfico a esta limitao distorcida do papel da Histria no currculo (1991, p. 57). As pesquisas de Pilar detectaram ainda outros problemas nessas concepes. Passou a cristalizar-se a idia de que o desenvolvimento de capacidades cognitivas ocorre independentemente dos contedos e das tarefas efetivamente desenvolvidas. Essa compreenso tinha como premissa o entendimento de que o importante ......era aprender a aprender, sem preocupaes com os contedos histricos escolares. A autora contrape-se desvalorizao dos contedos histric escolares, sustentando que a produo de um conhecimento efetivo deve orientar a aprendizagem em uma relao mais estreita com as dificuldades geradas pelos contedos e a estrutura epistemolgica de cada cincia com os mtodos a ela associados (Maestro, 1991, p. 58). Alm dessas noes piagetianas, outro aspecto altamente polmico tm sido algumas das afirmaes do professor suo sobre a caracterstica moral da Histria e de outras reas dasias humanas. Piaget distinguiu a Histria da Fsica e da Matemtica, considerando que estas ltimas no sofrem interferncia social nas formulaes do seu campo de conhecimento:2 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria Uma verdadeira matemtica no sofre interferncia das contingncias da sociedade adulta, mas uma construo racional acessvel a toda inteligncia s; uma verdadeira fsica elementar verificvel por um processo experimental que no possui interferncias tambm das opinies coletivas, mas de uma pesquisa racional indutiva e dedutiva, igualmente acessvel a qualquer tipo de inteligncia normal (1969, p. 44). A histria, ao contrrio, por ser uma espcie de inveno do mundo adulto, resultante de mltiplas interferncias e incapaz de ser apreendida por uma racionalidade objetiva, no pode ser assimilada como conhecimento verdadeiro. Trata-se talvez de uma interpretao a determinado tipo de produo histrica que exclui os traos de qualquer cincia formal. No caso do ensino de Histria, esta seria apenas a matria escolar criadora de valores morais que no exige por parte dos alunos qualquer tipo de operao intelectual. Para combater essa viso de uma histria sem domnios conceituais ou esquemas que mobilizam as diferentes formas de pensar e que constituem o pensamento histrico, vrios especialistas tm divisado novas possibilidades para o ensino da disciplina, assim como existem muitas prticas efetivas de professores nas salas de aula que contradizem essa viso deturpada da Histria escolar. Algumas pesquisas mais recentes sobre o ensino de Histria reabilitam certas abordagens piagetianas, embora registrem as crticas, sobretudo de Vygotsky, e combinem com maior sucesso as etapas de desenvolvimento definidas por Piaget com os contedos especficos, relacionando esses fatores com as variveis sociais e culturais dos alunos. Maria Carmen Gonzlez Muoz, apresentando um balano de pesquisas recentes realizadas na Espanha sobre o ensino da198 Aprendizagens em Histria.disciplina, destaca a importncia das novas tendncias de investigao da rea, as quais associam a problemtica epistemolgica assinalada pela psicologia cognitiva das teorias de Histria. O psiclogo espanhol Mario Carretero, notadamente, tem-se dedicado a pesquisas sobre a aprendizagem de conceitos histricos especficos, resgatando a importncia dos contedos, a fim de buscar a superao da polmica em torno da relao mtodoco. Ao situarem diferentemente a polmica mtodo contedo, alguns investigadores passaram a indagar sobre a possibilidade de aprender conceitos/contedos de diferentes reas ou disciplinas utilizando os mesmos mtodos. Pelas pesquisas em desenvolvimento, a resposta parece ser negativa, conforme afirma Gonzlez Muoz, pautando-se pelas diferenas entre as cincias sociais e as exatas. Decorrem dessa constatao algumas questes relativas aos conceitos especficos da Histria, para configurar e assegurar o conhecimento histrico ao atual pblico escolar.3. Tempo/espao e mudana social: conceitos histricos fundamentais Entre as noes e conceitos histricos fundamentais tanto para a pesquisa quanto para o ensino de Histria, a noo de tempo histrico e a de espao so fundamentais. Todo objeto do conhecimento histrico delimitado em determinado tempo e em determinado espao. consensual a afirmao de que a Histria acincia dos homens no tempo e de que o espaoconcebido pelos historiadores deve ser entendidocomo uma construo social. Exatamente por essa na criana, afirma que tempo no pode ser considerado um conceito porque no possvel defini-lo e estsempre em mutao sempre emexistindo muitas existindo muitas variveis para entend-loem toda a sua dimenso tempo fsico, psicolgico, biolgico, vivido, histrico. Por essa razo, Piaget, considera que o tempo uma noo,e no um conceito.Um2 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessriaespecificidade da Histria, os historiadores, em variadas obras, tm-se dedicado ao esclarecimento do tempo histrico e de sua importncia para o estudo das diferentes sociedades em diferentes espaos e tempos. Pela mesma razo, a Histria escolar no pode prescindir de um aprofundamento das noes de tempo histrico e espao e da metodologia necessria e adequada a ser utilizada no processo de aprendizagem de tais noes.3.1. Noes de tempo e de espao Uma reflexo inicial sobre as noes de tempo necessria para esclarecer as especificidades do tempo histrico. H o tempo vivido, o tempo da experincia individual: o tempo psicolgico os acontecimentos agradveis parecem passar rpido e os desagradveis parecem durar mais tempo. O tempo vivido tambm o tempo biolgico, que se manifesta nas etapas de vida da infncia, adolescncia, idade adulta e velhice. Na nossa sociedade, o tempo biolgico marcado por anos de vida, geralmente comemorados nas festas de aniversrio, e evidenciado em idades bem delimitadas, que possibilitam a entrada na escola, na vida adulta a maioridade , o direito de votar, de dirigir automveis, o alistamento militar... Em culturas indgenas, as passagens do tempo biolgico, embora no sejam delimitadas por idades, tm marcas ritualsticas importantes, realizadas por cerimnias que indicam as fases de crescimento e de novas responsabilidades perante a comunidade. O tempo vivido percebido e apreendido por todos os grupos e sociedades e, evidentemente, est associado aos dois plos da vida: o nascimento e a morte. Na dimenso das possveis explicaes sobre a200Aprendizagens em Histriaorigem da vida e da morte, as religies introduzem tempos futuros, transcendentais, salvacionistas e escato-lgicos (fim do mundo e dos tempos) que acabam por transformar-se em experincias ritualsticas e so incorporados, de diferentes formas, pelos grupos sociais. Mas, ao lado do tempo vivido, existe o tempo concebido, que organizado e sistematizado pelas diferentes sociedades e tem por finalidade tentar controlar o tempo vivido. Assim se instituiu o tempo cronolgico, o tempo astronmico, o tempo geolgico. O tempo concebido varia de acordo com as culturas e gera relaes diferentes com o tempo vivido. Na sociedade capitalista, apenas para ilustrar, tempo dinheiro, no se pode perder tempo e as pessoas so controladas pelo relgio. Para alguns grupos indgenas brasileiros e mesmo de outros lugares, essa concepo gera algumas perplexidades. Uma delas receber dinheiro pelo tempo de trabalho, e no pelo produto realizado. Tal procedimento provoca, s vezes, a incompreenso de muitos povos indgenas que trabalham como assalariados para os brancos e acolhem mal a idia das oito horas de trabalho, os feriados e domingos, uma vez que o tempo cclico o mais significativo para eles e indica outras formas de ordenar o trabalho ou mesmo o descanso, o lazer, as festas, associando-os ao tempo da chuva, da seca, de plantar e colher e dos respectivos rituais. A semana de sete dias no faz parte do tempo indgena das aldeias, bem como os anos, os meses, as mudanas dos fusos horrios ou o horrio nacional de vero. As diferentes cincias tm-se ocupado em entender o tempo. Para os fsicos e astrnomos, o tempo fsico tem sido objeto de variadas concepes. Da newtoniana, que propugnava pela infinitude do tempo e do espao, moderna fsica quntica, passando pelo relativismo201 - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria de Einstein, concluiu-se, no incio do sculo XX, que o tempo relativo e o universo, por estar em expanso e sofrer mutaes, possui, portanto, histria. Para a Fsica atual, o tempo no mais um plano fsico no qual se desenrolam os fenmenos, mas algo inerente a eles. A Terra, estudada historicamente pelos gelogos e bilogos, concebida em uma escala temporal diversa, que se preocupa em determinar o tempo da natureza. O tempo geolgico e o tempo da criao das espcies vegetais e de outros seres vivos determinam outras formas de referncias temporais. Quando os cientistas situam a idade da Terra em aproximadamente 4,5 bilhes de anos, pode-se entender a afirmao metafrica sobre o tempo da humanidade, que corresponderia a uma pequena frase ao fim de uma nota de rodap na ltima pgina ao longo do compndio da vida do planeta. As diversas cincias humanas, ao preocuparem-se com o tempo social, tm, na atualidade, situado outras dimenses temporais, cujos referenciais podem forne-cer os dados para se perceber o lugar que o homem ocupa na histria do planeta bem como o poder e os limites de sua atuao em suas relaes com o tempo da natureza. A psicologia experimental, na qual se inclui a do desenvolvimento cognitivo, tambm se ocupou das noes de tempo. Os estudos psicolgicos sobre o tempo relacionam-se memria e aos problemas decorrentes da ausncia dela, da amnsia e das variadas perturbaes mentais provocadas por doenas. Muitos dos experimentos da rea da Psicologia, como apontamos anteriormente, foram acolhidos por educadores. Os estudos de Piaget publicados no livro A noo de tempo na criana contriburam para a compreenso de duas vises importantes que tm sido incorporadasAprendizagens em Histria pela educao escolar. A primeira delas a de que o tempo e o espao constituem um todo indissocivel: 0 espao um instantneo tomado sobre o curso do tempo e o tempo o espao em movimento (1975, p. 12). A outra corresponde s reflexes sobre o tempo intuitivo e o tempo apreendido segundo o pensamento formal, que Piaget denomina de pensamento operatrio. 0 tempo intuitivo limita-se s relaes de sucesso (antes e depois) e de durao fornecidas pela percepo imediata, tanto externa quanto interna. O tempo operatrio, por sua vez, desenvolve relaes de sucesso e de durao por intermdio de operaes s. Pode ser mtrico (medido por Unidades numricas ordinal ou cardinal) ou qualitativo, possibilitando, neste ltimo caso, a construo de relaes de simultaneidade, sucesso e durao. De acordo com a abordagem piagetiana, na linha do que j dissemos anteriormente, necessria uma maturao biolgica para a compreenso do tempo. Piaget afirmava que compreender o tempo libertar-se do presente, e esta capacidade corresponde a transcender o espao por intermdio de um exerccio de reversibilidade, remontando o tempo passado ao presente e ao futuro e ultrapassando assim a marcha real dos acontecimentos. Espao e tempo so, pois, referncias bsicas para diferentes reas do conhecimento das cincias humanas, cabendo ento indagar: como se situa a Histria no processo de apreenses do tempo e do espao? Ou ainda: como os historiadores pensam o tempo e o espao? 3.2. Historiadores e o tempo histrico Tempo e espao constituem os materiais bsicos dos historiadores. De fato, qualquer escrita da histria fundamenta-se em uma dimenso temporal e espacial. 203Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria Um dos objetivos bsicos da Histria compreender o tempo vivido de outras pocas e converter o passado em nossos tempos. A Histria prope-se reconstruir os tempos distantes da experincia do presente e assim transform-los em tempos familiares para ns. Para realizar essa tarefa, os historiadores utilizam-se de vrias categorias temporais: acontecimento, ciclo, estrutura, conjuntura. O tempo que o historiador traba-lha consiste em tempo mtrico cronologias e periodizaes e tempo qualitativo das duraes, da sucesso (diacrnico) e simultaneidade (sincrnico), das mudanas e permanncias. Os historiadores modernos ou antigos, ao escreverem ou contarem historias, sempre tiveram de resolver o problema de situar os fatos em determinado tempo, em eras ou perodos ou com datao em anos. Por exemplo, os Terena, grupo indgena cuja populao vive, em sua maioria, em Mato Grosso do Sul, situam em sua historia o Tempo da Servido, um perodo iniciado aps a Guerra do Paraguai e caracterizado pela perda de terras, com a chegada de numerosos fazendeiros que passaram a escraviz-los. Esse perodo estendeu-se at a segunda dcada do sculo XX, com a demarcao inicial do territorio desse grupo pelo poder governamental. Diferentes culturas tm buscado instituir referncias temporais, organizando calendrios segundo o tempo fsico e astronmico. Foram criados calendrios solares e lunares na organizao do tempo cclico e do tempo evolutivo. Baseando-se no calendrio solar, os povos da Mesoamrica criaram o Xiuhpohualli, que estabelecia o ano em 365 dias, divididos em 18 perodos de 20 dias cada um e mais 5 parte dias aziagos , poca em que no se podia realizar nada de importante.Aprendizagens em Histria No mundo ocidental europeu, o calendrio solar serviu de base para a constituio do calendrio gregoriano, sistematizado no pontificado de Gregorio XIII (1582), o qual acabou se impondo aos demais, medida que o cristianismo estendeu seu poder internacionalmente. A Igreja Catlica acabou por impor seu calendrio, e, segundo Le Goff, esse dominio foi possvel por ela ter conseguido abranger trs dimenses temporais: o tempo cclico o ano litrgico, que possibilita retomar os acontecimentos da f, como a Pscoa, o Natal, as festas em homenagem aos santos de junho (festas juninas); o tempo evolutivo a contagem dos anos com base na referncia antes e depois de Cristo ; o tempo salvacionista o tempo futuro da ressurreio aps a morte, o qual fundamenta a f crist e cria valores na relao presentefuturo. A contagem temporal por intermdio de calendrios foi aperfeioada por tcnicas que, buscando auxiliar comerciantes e navegadores em suas atividades, acabaram por determinar uma noo de tempo capitalista, com valor diferenciado de outros momentos, na qual tempo se identifica com dinheiro. O tempo da fbrica, como tambm denominado o tempo do capitalismo industrial, o do mundo contemporneo. Os historiadores ocidentais do perodo moderno passaram a organizar o tempo cronolgico de acordo com a periodizao crist a.C. e d.C. e fizeram, recortes, criando os sculos e os perodos: pr-histria, Antiguidade, Idade Mdia, perodo moderno e contemporneo. Alm dessas periodizaes, criaram formas de sistematizar determinadas pocas, como sculo das luzes, o sculo XIX e ainda o breve sculo XX, concebido por Hobsbawm como os anos que vo da ecloso da Primeira Guerra Mundial ao colapso da extinta Unio Sovitica.Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria Tais formas de conceber perodos demarcados por problemas diversos confrontam-se com uma Histria cronolgica que pretensamente visa abranger toda a histria da humanidade. Essa Histria cronolgica, criada no fim do sculo XIX, tem sido objeto de crticas pela forma linear com que organiza o tempo, de acordo com a ideologia do progresso. Dentre os crticos dessa organizao cronolgica, destacam-se os franceses da dcada de 30 do sculo XX, pertencentes Escola dos Annales, e mais recentemente Jean Chesneaux, que em sua obra Devemos fazer tbula rasa do passado? possibilitou reflexes para novas posturas com relao a periodizaes que pretensamente so vlidas para uma histr universal, mas efetivamente excluem povos e grupos, sobretudo das reas mais pobres ou dominadas pelos europeus, e incluem a organizao temporal que se apia nos modos de produo. Marc Bloch, um dos criadores da revista Annales, enfatizou que o papel do historiador como ele prprio ir alm da ordenao cronolgica dos acontecimentos, sendo seuever maior pensar os acontecimentos no tempo da durao, que um tempo contnuo, mas tambm o de mudana constante. Continuidade e mudana constituem os atributos cuja anttese faz surgir os grandes problemas que o historiador tem de desvendar. Outro historiador que se preocupou com as noes de tempo histrico foi Fernand Braudel. Retomando as reflexes de Marc Bloch sobre a durao, incorporou tambm os fundamentos antropolgicos do estrutura-lismo de Lvi-Strauss e da histria das flutuaes econmicas, notadamente de Labrousse, que abrangia amplos espaos e estudos demogrficos em larga escala. Braudel, ao pensar a durao como fundamento da problemtica histrica, preocupou-se em situar e delimitar com preciso os diferentes ritmos e nveis que a integram.Aprendizagens em Histria Para ele, a relao das sociedades com a durao o ponto especfico da investigao histr Os fatos histricos tm uma durao distinguvel em trs ordens que no se diferenciam mecanicamente pelas medidas de tempo, como as categorias menos de um ano, a cada sculo, mais de um sculo. Essas trs ordens da durao possuem ritmos diferentes: o acontecimento (fato de breve durao) corresponde a um momento preciso: um nascimento, uma morte, a assinatura de um acordo, uma greve, etc.; a estrutura (fato de longa durao), cujos marcos cronolgicos escapam percepo dos contemporneos: a escravido antiga ou moderna, o cristianismo ocidental, a proibio do incesto, etc.; a conjuntura (fato de durao mdia), que resulta de flutuaes mais ou menos regulares no interior de uma estrutura: a Revoluo Industrial inglesa, a ditadura militar brasileira, a guerra fria, etc. Alm dos ritmos da durao, Braudel distingue tambm diferentes nveis: culturais, econmicos e polticos. Os nveis da durao articulam os fatores distintos que explicam as mudanas sociais. O primeiro nvel, correspondente ao acontecimento, geralmente se refere ao plano poltico acidental e individual (forma poltica da atualidade). O segundo nvel aplica-se s conjunturas das relaes de poder e das flutuaes da economia. O terceiro nvel, que se ocupa de movimentos lentos da ecologia humana, de comportamentos coletivos mais enraizados e de crenas ideolgicas e religiosas, articula-se, por exemplo, histria cultural e das mentalidades.3.3. Tempo histrico e espao Os historiadores, alm de se preocuparem em situar as aes humanas no tempo, tm a tarefa de situ-las2072 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria_ no espao. Nao se pode conceber um fazer humano separado do lugar onde esse fazer ocorre. O ambiente natural ou urbano, as paisagens, o territrio, as trajetrias, os caminhos por terra e por mar so necessariamente parte do conhecimento histrico. Mudanas do espao realizadas pelos homens assim como as memrias de lugares tambm integram esse conhecimento. Normalmente o uso da cartografia a base para situar as sociedades nos diferentes espaos assim como os seus deslocamentos. Mapas histricos possibilitam a localizao das sociedades em determinados espaos, assim como a verificao das mudanas na sua ocupao. No entanto, ao lado das representaes cartogrficas, em escalas locais ou mundiais, muitos historiadores tm-se dedicado a explicar as diferentes apreenses de espao pelas diversas sociedades, em diferentes momentos histricos. Le Roy Ladurie, no j citado Montaillou, que estuda o cotidiano dos camponeses ctaros do sculo XIII nos Pireneus franceses, identifica as percepes e a utilizao mental do espao por parte desses grupos sociais em variadas dimenses. Uma forma de os camponeses lidarem com o espao imediato era a apreenso corporal, que auxiliava na identificao de medidas de comprimento e superfcie, tais como palmos, ps ou aas, caso em que os braos se destinavam a identificar medidas um pouco mais longas. A dimenso de espao geogrfico era proporcionada pela percepo da regio, do territrio, da terra como espao maior do que o da casa, tal como a terra do conde de Foix ou a terra de Pamiers dos padres dominicanos. Evidentemente, eram identificados os limites de circulao nesses espaos, assim como os caminhos para as diferentes direes: para o mar, para os desfiladeiros, para o alto das montanhas,Aprendizagens em Histria etc. Do ponto de vista sociolgico, o espao era apreendido pelos contatos comerciais, pelo trabalho sazonal da poca de colheita, pelos casamentos, situaes essas que possibilitavam o conhecimento de pessoas de outros lugares e as aproximaes entre diferentes regies. A percepo do espao ocorria tambm por indicaes culturais, tais como o sotaque, que podia (e pode) ser reconhecido com facilidade. Havia, ademais, a dimenso do espao poltico, com a percepo de que o lugar onde os camponeses viviam pertencia ao poder e domnio do rei da Frana, situao reconhecida pela circulao da moeda produzida pela monarquia parisiense. O estudo dos camponeses medievais revela assim formas de apreenso do espao utilizadas por muitos outros grupos sociais, incluindo o nosso. possvel identificar, pelo sotaque, a origem de um brasileiro em qualquer lugar onde se encontre, seja ele gacho, carioca ou do interior de Minas ou So Paulo. A dimenso corporal empregada como suporte para medidas de comprimento braas, palmos ainda hoje. A toponmia nacional herdou muito da apreenso geogrfica das populaes indgenas. Estradas, caminhos, rios, colinas, montanhas e lagos constituem espaos identificados por nomes especficos que cada povo, em determinado momento, lhes atribuiu, o que torna possvel conhecer as aes humanas nos seus lugares, tais como no Grande serto: veredas. Estudos mais recentes de historiadores e outros especialistas sobre meio ambiente mostram a superao da concepo do determinismo do meio sobre a humanidade, e analisa-se atualmente a interferncia recproca entre o espao e as aes dos homens. Os historiadores ambientalistas, como muitos so denominados, investigam como, em diferentes sociedades, os homens, ao longo dos sculos, so afetados pelo meio2 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria ambiente e como, de maneira recproca, o ambiente tem sido afetado pelos homens. Preocupam-se assim com as relaes entre homem e natureza, analisando-as em uma perspectiva no determinista, diferentemente, portanto, dos estudos do sculo XIX que entendiam que a sociedade era prisioneira do meio fsico. Um dos historiadores dessa rea, Jos Augusto Drumond, insiste sobre esse aspecto da histria ambiental e assinala a contribuio desses estudos para a compreenso da dimenso espacial, ressaltando que a cultura humana age sobre o meio fsico de modo que propicia significados e usos complexos dos seus elementos. Da mesma forma, salienta, sempre fundamental compreender as influncias da natureza na constituio histrica das sociedades. Por conseguinte, as apreenses do espao em suas relaes mais complexas tornam-se fundamentais para o conhecimento histrico e no se limitam a apenas localizar os espaos pelas representaes cartogrficas. Estas so, sem dvida, fundamentais, mas precisam estar associadas a apreenses dos espaos vividos e percebidos pelos diferentes grupos sociais. A formao das fronteiras nacionais da Amrica e os conflitos dela decorrentes s sero efetivamente entendidos se pudermos apresentar as diferentes concepes de territrio das populaes indgenas e dos dominadores estrangeiros e no limitar o estudo s disputas entre os pases europeus ou, posteriormente, entre governos dos Estados nacionais. O sentimento de pertena a determinados espaos nacionais, regionais ou locais faz parte de uma histria. 3.4. Tempo histrico e ensino Uma pesquisa sobre o ensino da noo de tempo histrico feita no decorrer do estgio do curso de210Aprendizagens em HistriaPrtica de Ensino de Histria com alunos de diversos nveis de escolarizao demonstrou alguns dos obstculos enfrentados pelos professores para efetivar essa aprendizagem. O aspecto que estes destacaram como a maior dificuldade dos alunos relaciona-se localizao ou identificao dos acontecimentos no tempo; mais especificamente, identificao dos sculos e do perodo antes de Cristo (a.C.) e depois de Cristo (d.C.) e s dataes decorrentes dessa diviso temporal. Veri-ficou-se assim que o tempo histrico ao qual os professores se referiam limitava-se a ser o tempo cronolgico. Tempo cronolgico era, portanto, sinnimo de tempo histrico. Semelhante entendimento de tempo histrico encontra-se ainda em muitos livros didticos. De fato, comum encontrarmos nos livros das sries iniciais do ensino fundamental captulos introdutrios sobre as medidas usadas para a localizao do tempo, e estas, ao que tudo indica, so ensinadas no incio do ano letivo por intermdio de alguns exerccios sobre a contagem dos sculos, com destaque aprendizagem de algarismos romanos. Evidentemente que a localizao dos acontecimentos no tempo de acordo com os critrios estabelecidos pelos historiadores importante, mas no suficiente para o entendimento de tempo histrico. A datao, como foi visto, importante para situar os acontecimentos no tempo, e os historiadores necessitam dessa localizao temporal para analisar e interpretar os fatos recolhidos nos documentos. No caso escolar, ela tambm importante, sobretudo porque vivemos em um mundo cujas referncias so datadas (ano de nascimento, maioridade, morte, casamento, etc.). Mas apenas conhecer datas e memoriz-las, como se sabe, no constitui um aprendizado significativo, a no ser que se entenda o sentido das dataes. No 2112a Parte - Mtodos e contedos escolares; uma relao necessriasuficiente o aluno conhecer os calendrios ou indicar os acontecimentos nos sculos. A aquisio dessas informaes e habilidades , sem dvida, necessria, mas deve ser acompanhada de uma reflexo sobre o significado da datao. O uso das datas precisa estar vinculado a uma busca de explicao sobre o que vem antes ou depois, sobre o que simultneo ou ainda sobre o tempo de separao de diversos fatos histricos. Deve-se, em suma, dar um sentido s dataes, para que o aluno domine as datas como pontos referenciais para o entendimento dos acontecimentos histricos. O uso das linhas do tempo ou frisas cronolgicas tem sido um meio eficiente de concretizar e visualizar perodos longos para apreender uma representao da dimenso temporal da histria. O uso das linhas do tempo merece tambm cuidados quando se pretende que os alunos dominem efetivamente a noo de tempo histrico. No caso do ensino do tempo cronolgico para alunos das sries iniciais, interessante vincul-lo noo de gerao. Pais, avs, os vestgios do passado de pessoas familiares ma velhas mostram um momento diferente do atual, revelando uma histria e as transformaes sociais possveis de ser percebidas nas relaes com o tempo vivido da criana. Essas sucesses e transformaes podem ser sistematizadas por meio de linhas do tempo, chegando-se visualizao de um tempo cronolgico que apreendido progressivamente. Posteriormente, nas sries escolares seqenciais, essa etapa acrescida de linhas do tempo de uma genealogia mais extensa e com associaes de outros tempos e lugares. Na configurao do tempo cronolgico existe ainda o problema da periodizao. A tradio eolar, respaldada pela produo historiogrfica, como foi apresentada anteriormente, tem-se utilizado da diviso de212Aprendizagens em Histriaperodos organizados de acordo com a lgica eurocn-trica, seguindo o modelo francs, que inclui povos considerados significativos na formao do mundo ocidental cristo espao atualmente compreendido pela Frana, Alemanha, Inglaterra e norte da Itlia e exclui, na maioria das vezes, os demais europeus, tambm os da Pennsula Ibrica e Balcnica. Por exemplo, a idade antiga da tradio escolar corresponde apenas Antiguidade clssica, restrita a alguns povos em torno do Mediterrneo, excluindo as demais populaes, mesmo as civilizadas e letradas, como as da sia e da Amrica. A Idade Mdia, ctrada no mundo do cristianismo romano, fornece poucos indcios para a compreenso das contribuies histricas dos cristos bizantinos, dos povos islmicos e dos reinos e tribos africanas que viveram na mesma poca, cujos contatos foram fundamentais nas mudanas europias e na configurao do mundo moderno. Organizar os estudos de Histria por perodos importante, mas depende das marcas de referncia. Podem-se estabelecer novos critrios quando se criam novos temas e se pretende escapar do domnio da lgica eurocntrica. Ao pensar em uma histria mais ampla da humanidade, podem-se considerar perodos mais extensos, tendo como critrio, por exemplo, o conceito de revoluo. Assim, de uma tradicional idade antiga pode-se chegar ao perodo dos tempos antigos, correspondente poca em que a sociedade humana no possua o conhecimento de todo o planeta ou dos continentes, da dimenso e formato da Terra ou do globo terrestre. No interior desse longo perodo ocorreram mudanas significativas e momentos de ruptura que afetaram as relaes sociais e as do homem com a natureza. A mais significativa das transformaes a que muitos estudiosos denominam de revoluo agrcola (ou Neoltico).2132 Parte - Mtodos e Contedos Escolares: Uma Relao necessriaA mudana seguinte, que pode ser considerada revolucionria por afetar toda a sociedade, mesmo que em ritmos e tempos diferentes, e, portanto, ter-se tornado irreversvel, a das Revolues Industriais ou tecnolgicas iniciadas no fim do sculo XVIII, correspondentes ao tempo da fbrica. Essa uma possibilidade, entre tantas, de pensar novas periodizaes e indicar novas marcas para estabelecer e organizar a noo de tempo cronolgico, sistematizando acontecimentos de acordo com critrios que indiquem temporalidades de diferentes populaes. Trat;a-se de possibilidades fundamentais para situar tambm as problemticas do tempo presente. Uma importante inteno didtica a de possibilitar ao estudante a reflexo sobre o presente pelo estudo do passado, para que possa desenvolver o esforo de dimensionar a vida hodierna em extenses de tempo. A sugesto dos PCN para a relao entre tempo passado e tempo presente a de que as questes atuais devem servir para sensibilizar os alunos para o estudo do passado, de modo que, estudando outras realidades temporais o espaciais, eles possam dimensionar a sua insero e adeso a grupos sociais diversificados". Sobre a relao entre presente e passado, Fernand Braudel afirma: Se algum passar um ano em Londres, o mais provvel chegar a conhecer muito mal a Inglaterra. Mas, por com-pao, luz de surpresas experimentadas, compreender bruscamente alguns dos traos mais profundos e originais do seu prprio pas, aqueles que se no conhecem fora de conhec-los. Frente ao atual, o passado confere, da mesma maneira, perspectiva. (...) 0 presente e o passado esclarecem-se mutuamente, com uma luz recproca (1986, p. 21). A periodizao serve ainda para refletir sobre outro aspecto fundamental na apreenso do tempo histrico,214Aprendizagens em Histriaa noo de durao. A apreenso da durao um dos aspectos cruciais para compreender o tempoistrico. Pela durao, podem-se compreender as mudanas, as transformaes e as permanencias. No se trata de utilizar a terminologia braudeliana e explicitar, por intermdio de definies, o conceito de durao, mas de efetivar sua apreenso por uma srie de atividades que devem ser distribuidas ao longo das diversas sries escolares. O historiador canadense Andr Segal oferece variadas possibilidades para a compreenso dos ritmos e dos nveis de durao explicitados por Braudel. Uma das atividades apresentadas para consolidar e ampliar o conceito de fato histrico, associando-o categoria de durao, o uso da linha do tempo. O aluno deve ser encarregado de recolher determinados fatos histricos em livros, revistas e jornais e em seguida disp-los em uma linha do tempo ou quadro sintico. Ele descobrir que os acontecimentos curtos uma greve, um golpe de Estado - so facilmente representados por pontos situados na linha do tempo. A dificuldade surge quando solicitado a indicar na linha do tempo acontecimentos com maior durao e sem datas precisas, como a crise econmica de determinados pases, a continuidade da guerra entre judeus e palestinos, etc. Haver necessidade de integrar certos pontos nessas linhas ou interromper as pontuaes em um lugar preciso. A utilizao dos processos grficos, afirma Segal, muito importante: jogos de cores, tons cinzentos, traos de forma e espessura variveis. Pode-se chegar assim a distinguir e construir visualmente as trs ordens de fatos (1984, p. 107) ou seja, os de curta, mdia e longa durao. No item 2 das Sugestes de atividades deste captulo, h outra proposta desse autor sobre a apreenso da durao em uma situao de estudo de histria do2152 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessriapresente ou de realidades contemporneas vividas pelos prprios alunos.Sugestes de atividades 1) Anlise e interpretao de textos Texto 1: Formao de conceitos cientficos Em primeiro lugar, com base na simples observao, sabemos que os conceitos se formam e se desenvolvem sob condies internas e externas totalmente diferentes, dependendo do fato de se originarem do aprendizado em sala de aula ou da experincia pessoal da criana. (...) A mente defronta-se com problemas diferentes quando assimila conceitos na escola e quando entregue aos seus prprios recursos. Quando transmitimos criana um conhecimento sistemtico, ensinamos-lhes muitas coisas que ela no pode ver ou vivenciar diretamente. Uma vez que os conceitos cientficos e espontneos diferem quanto sua relao com a experincia da criana e quanto atitude da criana para com os objetos, pode-se esperar que o seu desenvolvimento siga caminhos diferentes, desde o seu incio at a sua forma final. (...) Embora os conceitos cientficos e espontneos se desenvolvam em direes opostas, os dois processos esto intimamente relacionados. E preciso que o desenvolvimento de um conceito espontneo tenha alcanado um certo nvel para que a criana possa absorver um conceito cientfico correlato. Por exemplo, os conceitos histricos s podem comear a se desenvolver quando o conceito cotidiano que a criana tem do passado estiver suficientemente diferenciado quando a sua prpria vida e a vida dos que a cercam puder adaptar-se generalizao elementar216Aprendizagens em Histriano passado e agora; os seus conceitos geogrficos e sociolgicos devem-se desenvolver a partir do esquema simples aqui e em outro lugar.VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. Trad. Jeferson Camargo. So Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 74 e 93. Baseando-se no texto de Vygotsky, explicite as diferenas bsicas entre conceito cientfico e conceito espontneo. Texto 2: Por um aprendizado conceituai A atividade conceituai , portanto, o segundo plano da aprendizagem metodolgica. Na prtica, esta atividade est implcita e inerente ao mtodo. As palavras circulam confusamente: papado, partido, pas, plebe, polcia, poltica, classes dominantes, empresa, poder, imprensa, proletariado... Muitas vezes estas palavras so definidas. Elas no so entendidas em toda a sua profundidade e nem so percebidas como conceitos. E preciso, entretanto, que elas sejam integradas nas categorias conceituais e articuladas umas s outras. fcil articular a velha dupla romana patrciosplebeus. Mas, qual a relao desta dupla com o proletariado? E quais as relaes entre papado, cristianismo,istandade, igreja? As noes dos alunos sobre a maior parte destes termos so muito confusas. (...) Enfim, preciso explicitar que o conhecimento das palavras, mesmo quando corretamente definidas, no significa que haja um verdadeiro conhecimento conceituai. Paradoxalmente, a aprendizagem conceituai no pode ser terica. Ela necessariamente a aprendizagem de uma prtica. Sendo forado a aplicar a palavra em realidades mltiplas, o aluno tem condies de adquirir a matriz do conjunto conceituai 2 Parte - Mtodos e contedos escolares: uma relao necessria at o momento em que passa a integr-la espontaneamente em seu discurso. SEGAL, Andr. Pour une didactique de la dure (Por uma didtica da durao). In: MONIOT, Henri (Org.). Enseigner lhistoire. Berne: Peter Lang, 1984. p. 95-96. a) Por que o historiador Andr Segal afirma que paradoxalmente, a aprendizagem conceituai no pode ser terica? b) Explicite, por meio de exemplos semelhantes aos apresentados no texto, a diferena entre definir e conceituar. 2) Esquema de exerccio sobre durao a) Informaes (recolhidas de um testemunho oral ou de outra maneira) Aqui havia uma fbrica. Ela foi destruda por um incndio e no foi mais reconstruda. Em seu lugar, a municipalidade construiu o jardim pblico que vocs podem ver agora. b) Reflexo (discusso entre os alunos dirigida pelo professor) Fase 1: o acontecimento acidental a causa da criao do jardim, isto , de uma modificao estrutural da paisagem e da vida social do bairro. Fase 2: Por que a fbrica no foi reconstruda ou, ento, por que no foi construdo algum outro prdio no seu lugar? (Resposta sob a forma de hiptese, ou melhor, usando outros testemunhos.) No era mais economicamente rentvel ter uma fbrica nesse lugar. (Histria da fbrica desde sua edifi- 218 Aprendizagens em cao, evoluo do mercado, dos meios de transporte; acesso longa durao.) A necessidade de um jardim apareceu. (Histria do bairro, distncia progressiva de reas verdes desde sua criao, mudana etria da populao e conjuntura municipal favorve proximidade de campanha eleitoral.) Nota: com o mesmo material, possvel desenvolver outras aprendizagens: poder, relaes de fora entre pblico e privado (talvez um dos proprietrios da fbrica pudesse ser vereador?). Fase 3: retorno ao acontecimento. Esse incndio no a causa da mudana estrutural. Qual a funo do acontecimento? A evoluo estrutural levaria cedo ou tarde supresso da fbrica. O valor do edifcio (do ponto de vista da arquitetura) exercia um papel temporrio de evitar seu desaparecimento. O aconte- cimento acidental desencadeia a mudana estrutural, mas no a sua causa. O acontecimento determina a data da mudana. A conjuntura poltica (poltica municipal) acelera, freia a mudana e pode interferir um pouco na estrutura (terreno vago, jardim privado, jardim pblico...). c) Concluso: Distinguimos os ritmos da durao (acontecimento: incndio; conjuntura: eleies municipais?; movimento estrutural: mudanas no mercado. ..), e sobretudo os nveis da durao. Primeiro nvel: o acidente, que embora tenha marcado fortemente a memria das pessoas, no foi decisivo e no explica nada. Segundo nvel: a conjuntura poltica local, embora um pouco apagada da memria das pessoas, pesou sobre a evoluo e contribuiu para sua explicao. Terceiro nvel: a mudana lenta da estrutura econmica, Histria 2192 Parte - Mtodos E contedos escolares: uma relao necessria_ embora ausente da memria, foi determinante e fornece a chave para a explicao da mudana ocorrida. No necessrio que o exerccio se desenvolva usando a terminologia de historiadores. A aprendizagem conceituai pode preceder a aprendizagem semntica. Esta ltima aprendizagem necessria apenas quando estamos no nvel de uma formulao terica. SEGAL, Andr. Pour une didactique de la dure (Por uma didtica da durao). In: MONIOT, Henri (Org.). Enseigner lhistoire. Berne: Peter Lang, 1984. p. 93-111. Bibliografia BLOCH, Marc. Introduo histria. Traduo de Maria Miguel e Rui Gracio. Lisboa: Europa-Amrica, 1965. BRAUDEL, Fernand. Histria e Cincias Sociais. 5. ed. Lisboa: Editorial Presena, 1986. CARRETERO, Mario. Construir y ensear: las Ciencias Sociales y la Historia. 4. ed. Buenos Aires: Aique, 1999. FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. KOSELLECK, Reinhart. Uma historia dos conceitos: problemas tericos e prticos. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, v. 5, n 10, p. 134 -146, 1992. LAUTIER, Nicole. la rencontre de lhistoire. Ville-neuve dAscq: Presses Universitaires du Septentrion, 1997. 220Aprendizagens em Histria LEDUC, Jean. 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