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APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA: DE ØRSTED AOS DIAS ATUAIS Anestor S. Machado Neto 1 (IC), Hemerson Henrique F. do Nascimento 1 (IC), Joelmir Chaves Diniz 1 (IC), José Euzébio Simões Neto 1 (PQ), Marília Gabriela de Menezes Guedes 1 (PQ). 1. Universidade Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UAST-UFRPE). Serra Talhada – PE. Introdução O conhecimento científico não é um conjunto estático de informações cristalizadas pe- lo tempo e disponíveis para resgate de forma única sempre que nos é conveniente. O conhe- cimento é sim um construto das ações humanas sobre si próprias e sujeito à semântica das múltiplas interpretações dos indivíduos ao longo do tempo. O saber é algo vivo, tem uma tra- jetória, um contexto histórico e pode sempre ser superado ou mais acertadamente aperfeiçoa- do pela ação do novo. É devido a essa dinamicidade do saber que torna-se útil conhecer a his- tória dos acontecimentos. Entender o passado é uma necessidade para melhor compreender o presente. Como afirmam Quintal e Guerra (2009, p. 2): (...) o estudo adequado de alguns episódios históricos permite compreender as inter- relações entre ciência, tecnologia e sociedade, mostrando que a ciência não é uma coisa isolada de todas as outras, mas, sim faz parte de um desenvolvimento históri- co, de uma cultura, de um mundo humano, sofrendo e influenciando por sua vez muitos aspectos da sociedade. Este, porém não é o único motivo que torna relevante a inclusão do componente histó- rico nos currículos de ciências. Michael Matthews (1994) reuniu ao longo de seus anos de pesquisa um conjunto de sete razões que sustentam a necessidade de abordar a história da ciência. Segundo o autor, a história da ciência é intrinsecamente valiosa; é necessária para entender a natureza da ciência; neutraliza o cientificismo e dogmatismo que são encontrados freqüentemente nos manuais de ensino de ciências; humaniza a matéria científica, tornando-a menos abstrata e mais interessante aos alunos; expõe a natureza integrativa e interdependente das aquisições humanas; promove melhor compreensão dos conceitos científicos e métodos; e conectam o desenvolvimento do pensamento individual com o desenvolvimento das idéias científicas.

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Page 1: APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM HISTÓRIA DA … · Um fato marcante na História da Ciência foi o experimento realizado por Ørsted, pois até o ano de 1820, os cientistas acreditavam

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA EM HISTÓRIA DA CIÊNCIA:

DE ØRSTED AOS DIAS ATUAIS

Anestor S. Machado Neto1 (IC), Hemerson Henrique F. do Nascimento1 (IC), Joelmir Chaves

Diniz1 (IC), José Euzébio Simões Neto1 (PQ), Marília Gabriela de Menezes Guedes1 (PQ).

1. Universidade Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UAST-UFRPE). Serra Talhada – PE.

Introdução

O conhecimento científico não é um conjunto estático de informações cristalizadas pe-

lo tempo e disponíveis para resgate de forma única sempre que nos é conveniente. O conhe-

cimento é sim um construto das ações humanas sobre si próprias e sujeito à semântica das

múltiplas interpretações dos indivíduos ao longo do tempo. O saber é algo vivo, tem uma tra-

jetória, um contexto histórico e pode sempre ser superado ou mais acertadamente aperfeiçoa-

do pela ação do novo. É devido a essa dinamicidade do saber que torna-se útil conhecer a his-

tória dos acontecimentos. Entender o passado é uma necessidade para melhor compreender o

presente. Como afirmam Quintal e Guerra (2009, p. 2):

(...) o estudo adequado de alguns episódios históricos permite compreender as inter-relações entre ciência, tecnologia e sociedade, mostrando que a ciência não é uma coisa isolada de todas as outras, mas, sim faz parte de um desenvolvimento históri-co, de uma cultura, de um mundo humano, sofrendo e influenciando por sua vez muitos aspectos da sociedade.

Este, porém não é o único motivo que torna relevante a inclusão do componente histó-

rico nos currículos de ciências. Michael Matthews (1994) reuniu ao longo de seus anos de

pesquisa um conjunto de sete razões que sustentam a necessidade de abordar a história da

ciência. Segundo o autor, a história da ciência é intrinsecamente valiosa; é necessária para

entender a natureza da ciência; neutraliza o cientificismo e dogmatismo que são encontrados

freqüentemente nos manuais de ensino de ciências; humaniza a matéria científica, tornando-a

menos abstrata e mais interessante aos alunos; expõe a natureza integrativa e interdependente

das aquisições humanas; promove melhor compreensão dos conceitos científicos e métodos; e

conectam o desenvolvimento do pensamento individual com o desenvolvimento das idéias

científicas.

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Um fato marcante na História da Ciência foi o experimento realizado por Ørsted, pois

até o ano de 1820, os cientistas acreditavam que os fenômenos elétricos e magnéticos eram

totalmente independentes uns dos outros. No entanto, o físico dinamarquês Hans Christian

Ørsted comprovou a conexão em 1820. Esse fato trouxe grande avanço para a tecnologia e a

sociedade, pois além da sua enorme aplicabilidade contribuiu para a compreensão da natureza

em sua totalidade.

Nessa perspectiva, compreendemos a contextualização histórica como uma importante

ferramenta capaz de possibilitar ao estudante uma aprendizagem significativa entendida na

teoria de Ausubel como “um processo de modificação do conhecimento, em vez de compor-

tamento em um sentido externo e observável” (PELIZZARI e cols., 2002, p.38).

Ausubel1 foi um médico especializado em psiquiatria que atuou como professor da

Universidade de Columbia (NY) destacando-se com trabalhos na área de aprendizagem cogni-

tiva. A aprendizagem cognitiva enfatiza a inserção do conteúdo no cognitivo do indivíduo de

uma forma organizada e complexa. O cognitivo, ou estrutura cognitiva, pode ser entendido

como um conjunto global de idéias sobre um determinado assunto.

A aprendizagem significativa só é possível na presença de duas condições: predisposi-

ção para aprender por parte de quem aprende e que o conteúdo seja potencialmente significa-

tivo para o aprendiz. Nessa direção, compreendemos que a abordagem histórica fornece um

conjunto de conhecimentos científicos prévios que tornam significativo o conhecimento pos-

teriormente adquirido.

Segundo Pelizzari e colaboradores a “aprendizagem é muito mais significativa à medi-

da que o novo conteúdo é incorporado às estruturas de conhecimento de um aluno e adquire

significado para ele a partir da relação com seu conhecimento prévio.” (2002, p. 38). Essa

relação acarreta inúmeras vantagens – reforçadas pela adoção de abordagem histórica e cria-

ção de conhecimentos científicos prévios – dentre as quais vale salientar: o conhecimento é

retido e lembrado por mais tempo; aumenta a capacidade de aprender outros conteúdos, de

uma maneira mais fácil (mesmo se o conhecimento precedente for esquecido); a reaprendiza-

gem de modo geral é facilitada.

É nesse quadro de ideias, que o presente trabalho tem como objetivo socializar uma

experiência pedagógica vivenciada com os estudantes do Ensino Médio abordando o tema

“Eletromagnetismo” de forma contextualizada, significativa e aplicada. Utilizamo-nos do ex-

perimento realizado por Ørsted (Figura 1) tencionando relacionar historicamente o saber cien-

1 Para aprofundar sobre a Teoria da Aprendizagem Significativa (TAS) proposta por Ausubel, sugerimos consul-tar o livro Teoria da aprendizagem significativa de David Ausubel, de Sérgio Choiti Yamazaki (2008).

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tífico, e assim, favorecer a compreensão significativa por parte do estudante para que esse

possa aplicar o conhecimento no cotidiano e principalmente consiga se libertar do abstracio-

nismo tão presente nas disciplinas científicas.

Metodologia

A princípio vivenciamos a atividade para ser validada pelos licenciandos do 7º período

do curso de Química na disciplina de Metodologia do Ensino de Química da Unidade Acadê-

mica de Serra Talhada da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UAST/UFRPE). De-

pois de realizadas as reformulações na atividade a partir das sugestões dos licenciandos, es-

tendemos o trabalho na forma de oficinas a estudantes do 3º ano do Ensino Médio de escolas

públicas. Cada oficina contou com cerca de 40 (quarenta) estudantes de duas escolas do inte-

rior de Pernambuco: Escola Antônio Gomes, no município de Calumbi, e a Escola Regina

Pacis, no município de Santa Cruz da Baixa Verde.

Iniciamos a discussão com uma exposi-

ção histórica do experimento, seguida da re-

produção do sistema de Ørsted (Figura 1). Para

preparar o sistema foram utilizados bússola,

bateria elétrica (15-20V), fio condutor de co-

bre, chave interruptora e suporte de madeira

para apoio do sistema. Além do material em-

pregado na réplica do experimento de Ørsted foram utilizados outros materiais como limalha

de ferro, imãs de diferentes formas e tamanhos e metais diversos para demonstrações e aplica-

ções de fenômenos eletromagnéticos.

Juntos com os estudantes, acionamos o sistema, a fim de observarmos o fenômeno de

eletromagnetismo e interpusemos materiais diversos, para visualizar alterações no sentido da

agulha da bússola. Apresentamos objetos, cujo funcionamento envolve fenômenos eletromag-

néticos, evidenciando o momento histórico em que ocorreu a descoberta e explicamos através

de uma aula dialogada o fenômeno observado. Para a discussão do conteúdo histórico utili-

zamos apresentações em multimídia com textos, figuras e animações que mostrassem a reali-

dade de acontecimentos passados e aplicações do presente.

Após a realização das oficinas, os estudantes responderam individualmente um questi-

onário contendo 9 (nove) perguntas abertas sobre a atividade pedagógica vivenciada, sendo

elas: o que você aprendeu com as atividades? O que pode melhorar? O que foi excelente?

Figura 1:Réplica do experimento de Øersted utiliza-da nas oficinas.

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Com o que as oficinas contribuíram para a sua aprendizagem? Você gostou das atividades? O

que você achou mais interessante nas atividades? O que você não gostou nas atividades? O

que você aprendeu com as atividades? Quais as suas sugestões?

O questionário foi aplicado pelos professores responsáveis pelas disciplinas de Quí-

mica e/ou Física das supracitadas escolas para fins de coleta dos dados objetivando validar a

proposta pedagógica vivenciada no sentido de contribuir para percebemos, enquanto professo-

res em formação, os limites e as possibilidades de utilizarmos estratégias didáticas que privi-

legiam uma abordagem histórica. Tais dados com as respostas dos estudantes compõem os

resultados discutidos a seguir.

Resultados e Discussão

Gráfico 1: O que você aprendeu com as atividades?

Gráfico 2: O que pode melhorar?

Gráfico 3: O que foi excelente?

Gráfico 4: Com o que as oficinas contribuíram para a sua aprendizagem?

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Gráfico 5: Você gostou das atividades?

Gráfico 6: O que você achou mais interessante nas

atividades?

Gráfico 7: O que você não gostou nas atividades?

Gráfico 8: O que você aprendeu com as atividades?

Gráfico 9: Quais as suas sugestões?

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A análise dos resultados mostra que a

inserção de contextualização por meio de

História da Ciência acompanhada de aplica-

ções cotidianas possibilitou maior aprendi-

zagem segundo os próprios estudantes –

100% dos estudantes gostou da oficina. Pro-

vavelmente esta unanimidade ocorre em vir-

tude da promoção de um dia “diferente” que

altera a dinâmica desgastada de sala de aula – e estes afirmaram também ter compreen-

dido melhor a presença do eletromagnetismo no cotidiano.

A maioria dos estudantes (60%) reclamou da réplica do experimento de Ørsted e

pediram que este fosse mais bem elaborado de uma próxima vez. Muitos pediram que o

número de demonstrações, já considerável, fosse aumentado, pois estas tornam a apren-

dizagem mais dinâmica. Para o nosso contentamento um número muito limitado (10%)

fez críticas ao conteúdo histórico (teórico), o que possivelmente mostra que este trouxe

algo de positivo para os participantes.

Segundo os resultados, 80% dos estudantes consideraram a metodologia aplica-

da excelente, o que mais uma vez reitera os benefícios de uma contextualização baseada

na História da Ciência. A abordagem histórica superou até mesmo as demonstrações

experimentais (10%) e a contextualização (10%) na preferência dos estudantes.

Por fim vale salientar os benefícios que os participantes consideram ter tirado da

oficina aplicada. Em função de uma cultura preparatória tão forte que ainda é adotada

pelas escolas do Brasil, a maioria dos participantes (70%) considerou a oficina um “au-

lão” em que puderam tirar dúvidas e aprender um pouco mais sobre o assunto. Um nú-

mero razoável (30%), contudo, entendeu a oficina como uma forma de aprender mais

significativamente, levando o conhecimento para o cotidiano, aplicando-o de forma útil

e promovendo crescimento pessoal.

Quanto ao que os estudantes aprenderam as respostas foram bem equilibradas,

variando entre 15% e 20%. Destacamos a aprendizagem da História do Eletromagne-

tismo e dos experimentos a ela associados e ainda a aprendizagem de conceitos (15%

dos estudantes), um dos pontos-chave da teoria da aprendizagem significativa de Au-

subel.

Finalmente terminamos com um pedido de sugestões para aperfeiçoamento da

oficina. Entre os que gostaram de tudo e aqueles que pediram que retornássemos mais

Figura 2: Explicando o experimento de Ørsted.

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vezes apontamos os 50% dos estudantes que pediram que aumentássemos o número de

experimentos, o que já se podia esperar.

Considerações Finais

A História da Ciência e em particular a História da Química é um campo vasto e

produtivo quando explorado. Situar historicamente o estudante é uma forma de mostrar

que existem mais do que fórmulas matemáticas e nomenclaturas ininteligíveis, há sem-

pre um porque de determinado conhecimento e um caminho até se chegar a ele. É com

essa compreensão e diante dos achados da pesquisa que consideramos que trabalhar os

conteúdos científicos articulados com o contexto histórico contribui para uma aprendi-

zagem mais significativa por parte dos estudantes.

Os resultados do trabalho também apontam para a importância do emprego do

material concreto no sentido de tornar mais fácil a aprendizagem de alguns conteúdos.

Pois, como nos alerta os trabalhos de Piaget sobre o desenvolvimento da inteligência,

muito estudantes com idade para cursar o Ensino Médio não chegaram ao nível de co-

nhecimento formal e possuem grande dificuldade para lidar com abstrações. Sendo as-

sim, uma aula rica em exemplos e demonstrações constitui uma ferramenta valiosa para

o ensino de Ciências.

É nesse quadro de idéias, que entendemos que a discussão sobre o eletromagne-

tismo com base em uma abordagem histórica vivenciada neste trabalho além de ter

permitido aos estudantes evidenciarem que a ciência não está pronta e acabada, mas

cresce com erros e acertos, também possibilitou para os professores em formação per-

cebê-la como importante instrumento da ação pedagógica capaz de humanizar a ciência

e possibilitar uma aprendizagem significativa, como defendida por Ausubel.

Referências

QUINTAL, João Ricardo; GUERRA, Andréia. Física na escola: A História da Ciência

no Processo de Ensino-aprendizagem, v.10, n. 1, 2009. Disponível em:

www.sbfisica.org.br/fne/Vol10/Num1/a04.pdf. Acesso em: 08/09/2010.

MATTHEWS, Michael R. Science teaching: the role of history and philosophy of

science. New York: Routledge, 1994.

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PELIZZARI, Adriana e cols. Teoria da Aprendizagem Significativa Segundo Au-

subel. Rev. PEC, Curitiba, v.2, n.1, p.41-42, jul. 2001-jul. 2002

RIBEIRO, Raimunda Porfírio; NUÑEZ, Isauro Beltrán. A aprendizagem significativa e

o ensino de Ciências Naturais. In: NUÑEZ, Isauro Beltrán; RAMALHO, Betânia Leite

(Orgs.). Fundamentos do Ensino-Aprendizagem das Ciências Naturais e da Mate-

mática: o Novo Ensino Médio. Porto Alegre: Sulina, 2004.

ATKINS, Peter; JONES, Loretta. Princípios de química: questionando a vida mo-

derna e o meio ambiente. 3 ed. Porto Alegre: Bookman, 2006. Tradução de: Ricardo

Bicca Alencastro.

MÁXIMO, Antônio; ALVARENGA, Beatriz. Curso de Física. 5ed. São Paulo: Scipio-

ne, 2000.

MÁXIMO, Antônio; ALVARENGA, Beatriz. Física: de olho no mudo do trabalho.

São Paulo: Scipione, 2003.