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A P R E N D E R Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação

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A P R E N D E R Caderno de Filosofia

e Psicologia da Educação

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

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O periódico Aprender é indexado nas seguintes bases de dados:

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Catalogação na publicação: Biblioteca Central da Uesb

100 A661a

Aprender – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação. Ano 7, n. 12, jan./jun. 2009. Vitória da Conquista: Edições Uesb, 2009. Início da publicação: dezembro de 2003. Periodicidade: semestral.ISSN 1678-7846 - Número Especial: Pedagogia na Educação Superior1. Filosofia – Periódicos. 2. Psicologia. I. Universidade Estadual do Sudo-este da Bahia. II. Título.

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Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

A P R E N D E R Caderno de Filosofia

e Psicologia da Educação

ISSN 1678-7846

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 1-226 2009

númeRo esPeciAl:Pedagogia na Educação Superior

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APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da EducaçãoDepartamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)Departamento de Ciências Humanas e Letras (DCHL)

Universidade Estadual do Sudoeste da BahiaAno VII - n. 12, jan./jun. 2009

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Sumário

ApresentaçãoJosé Carlos Souza Araújo.................................................................................7

entReVistA

Dermeval Saviani...........................................................................................13

ARtigos

História da universidade e suas concepções no Brasil

Formação de professores para a docência universitária no Brasil: uma introdução históricaGraziela Giusti Pachane.................................................................................25

Revisitando a história da universidade no Brasil: política de criação, autonomia e docênciaTalamira Taita Rodrigues Brito e Ana Maria de Oliveira Cunha..................43

O projeto de Humboldt (1767-1835) como fundamento da pedagogia universitária José Carlos Souza Araújo...............................................................................65

Política, currículo e didática na educação superior

A política educacional e as suas implicações no ensino superior José Carlos Barboza da Silva..........................................................................85

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Las innovaciones curriculares en la universidad. Hipótesis para su implantación e evaluación Sonia Marcela Araujo..................................................................................107

Un estudio empírico sobre las ventajas e inconvenientes del Aprendizaje Basado en Problemas (ABP) en grupos numerososMoisès Esteban Guitart................................................................................131

Administração, Direito e Medicina

A disciplina de Filosofia nos cursos superiores de Administração: uma análise institucionalSérgio Eduardo F. Vieira e Maria Eugênia Castanho.................................149

O ensino superior em Direito no Brasil: cenários, perspectivas e principais desafiosEduardo Manuel Val e Graciela Hopstein...................................................167

A educação médica, o professor de medicina e o Projeto Político-Pedagógico da escola médicaLuciano Abreu de Miranda Pinto e Mary Rangel........................................185

tRAdução

Digressão a partir de um retrato apócrifo, de Pierre Klossowski Leonardo Maia.............................................................................................203

ResenHA

Pedagogia universitária e produção de conhecimento Armindo Quillici Neto.................................................................................211

Periódicos permutados............................................................................219

Normas para publicação de trabalhos...................................................221

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Apresentação

O dossiê que ora vem a público com a temática Pedagogia na Educação Superior propôs-se à tarefa de oferecer um enfoque pluridisciplinar das diversas áreas que concorrem para a construção e a consolidação dos processos pedagógicos no ambiente universitário. Dentre os eixos a serem enfocados, expressos pela chamada de artigos lançada em março de 2008, estavam questões ligadas à Filosofia da Educação, à Psicologia da Educação, à Sociologia da Educação, às Políticas Educacionais para a Educação Superior, à História das Universidades (do Brasil e do exterior), à Gestão e à Economia da Educação, às Estatísticas da Educação Superior e aos rumos da Pedagogia na Educação Superior, associáveis, ainda, à Didática e à Metodologia do Ensino Superior.

Das aspirações expressas, o número 12 do APRENDER – Caderno de Filosofia e Psicologia da Educação reúne as realizações. Panoramicamente, o seu conteúdo: uma entrevista a respeito do tema, em seguida nove artigos distribuídos em três eixos, cujos temas se diversificam através de concepções de universidade e de docência, compreendidas em seu passado, que se faz presente tanto pelas aspirações, como pelos limites e obstáculos a manter tensões com tais aspirações. Também as políticas educacionais são abordadas através de análises panorâmicas, curriculares, bem como da técnica de aprendizagem baseada em problemas; além disso, as questões de ordem pedagógica são enfocadas a partir de uma

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8 José Carlos Souza Araújo

análise de três cursos, Administração, Direito e Medicina: no primeiro, associadas ao ensino de Filosofia; no segundo, à dinâmica expansão quantitativa dos cursos nessa área desde os anos de 1990; e no terceiro, elencando os desafios a serem enfrentados pelas escolas médicas, tendo em vista as diretrizes curriculares vigentes desde 2001, envolvidas em questões de educação e saúde, de docentes educadores em medicina e de necessidade de um projeto político-pedagógico.

Quanto à entrevista, deve-se ressaltar seu caráter inédito em nossa publicação. Pela primeira vez, o caderno dedica parte das suas páginas ao diálogo direto com um autor de expressão, visando ao debate das questões pedagógicas. O escolhido para abrir esse ciclo foi Dermeval Saviani, um dos mais eminentes pesquisadores no campo da educação em nosso país.

Em sua entrevista, Saviani focaliza a temática objeto desse dossiê: são aí instigantes suas reflexões que associam a pedagogia, por um lado, a questões conceituais e filosóficas e, do outro, à dimensão empírica e prática ligada à formação. Aí estariam as raízes da pedagogia universitária. Instado pela questão em torno dos caminhos ou diretrizes para o desenvolvimento de uma pedagogia universitária, Saviani posiciona-se a favor de que o seu início deva se dar “[...] pelo cultivo da pedagogia como teoria da educação. [...] Trata-se, em suma, de proceder ao resgate histórico da longa e rica tradição teórica da pedagogia como ciência da e para a prática educativa”.

Estruturalmente, o dossiê de artigos que se segue à entrevista se compõe de três eixos, assim intitulados:

• História da universidade e suas concepções no Brasil.• Política, currículo e didática na educação superior.• Administração, Direito e MedicinaO primeiro eixo reúne três artigos. O de Graziela Giusti

Pachane, intitulado Formação de Professores para a docência universitária no Brasil: uma introdução histórica, busca estabelecer um percurso histórico de tais processos de formação. Diante da ascendência do ensino e da pesquisa no decorrer do século XX, acabam os mesmos por se tornarem

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9 Apresentação

constituintes de um divisor de águas na educação superior: de um lado, as instituições não universitárias voltadas para o ensino e, de outro, as universitárias, votadas, em vista de seu projeto político e pedagógico, além do ensino, também à pesquisa. Tal divisor acaba por exigir um projeto a ser construído em vista da formação pedagógica dos docentes da educação superior, seja pelo déficit histórico em relação a ela, seja pelas questões contemporâneas a respeito.

O artigo de Talamira Taita Rodrigues Brito e Ana Maria de Oliveira Cunha revisita a história da universidade no Brasil e procura articular uma compreensão em torno da criação de universidades brasileiras no decorrer do século XX, associada à autonomia e à docência. Sob esse último aspecto, as autoras defendem que a mesma foi secundarizada em termos formativos, o que implica uma herança que precisa ser desobstruída.

O projeto de Humboldt (1767-1835) sobre a universidade teria uma longa duração?, de autoria de José Carlos Souza Araújo, parte da análise de uma obra de Humboldt, A Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim, escrita em 1810, em que se expressa já o ideário em torno da indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa, fundador da concepção moderna de universidade, ancorada na autonomia, liberdade de investigação, cooperação e colaboração entre pesquisadores. Tal ideário constitui-se como uma concepção de longa duração, e a manter-se hodiernamente inclusive no Brasil, pelo projeto de reforma universitária do atual governo.

O segundo eixo, Política, Currículo e Didática na Educação Superior, também se estrutura com três artigos. O primeiro deles, de autoria de José Carlos Barboza da Silva, explana sobre as políticas educacionais no ensino superior e os seus impactos políticos, em particular nos cursos de graduação universitária, principalmente nas últimas décadas no Brasil. Nesse sentido, procura articular as relações entre as mudanças políticas e econômicas associadas às políticas educacionais, em especial na configuração da formação acadêmica.

Las innovaciones curriculares en la universidad. Hipótesis para su implantación y evaluación é o artigo segundo desse eixo, cuja autoria pertence

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10 José Carlos Souza Araújo

a Sonia Marcela Araujo. O foco do mesmo é estabelecer a instituição universitária como aquela que reúne um conjunto de disciplinas para a formação de estudantes dos mais diversos campos profissionais; todavia, tem sido ela renitente à incorporação da pedagogia e da didática como campos de conhecimento capazes de trazer conhecimentos férteis para sustentar as práticas educativas em nível superior.

O terceiro dedica-se à exposição de Un estudio empírico sobre las ventajas e inconvenientes del Aprendizaje Basado en Problemas (ABP) en grupos numerosos, tendo por autor Moisès Esteban Guitart. Trata-se de uma reflexão sobre a valoração que estudantes de Psicologia da Universidade de Girona (Espanha) faziam depois de uma sessão de Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP). Em síntese, a experiência é avaliada positivamente pelas discussões que se permitem entre os colegas, bem como pela possibilidade de trabalhar cooperativamente.

O terceiro eixo se organiza em torno de três análises diferenciadas a respeito da temática pedagógica em três cursos: Administração, Direito e Medicina.

A disciplina de Filosofia nos cursos superiores de Administração: uma análise institucional é de autoria de Sérgio Eduardo F. Vieira e de Maria Eugênia Castanho. Resulta ele de um estudo realizado em um curso de Administração, preocupado em localizar a relação e o papel da disciplina Filosofia na formação de jovens estudantes de uma Instituição de Ensino Superior no interior do Estado de São Paulo, instituição que propaga ter uma qualidade de ensino diferenciada, formando, segundo os veículos de divulgação da própria Instituição, uma elite profissional para o mercado de trabalho. A pesquisa contou com uma metodologia qualitativa, ancorada em questionários semi-estruturados pertinentes à visão discente frente à proposta pedagógica da instituição.

Eduardo Manuel Val e Graciela Hopstein enfrentam O ensino superior em Direito no Brasil: cenários, perspectivas e principais desafios. Este estudo visa à análise do cenário da educação superior em Direito no Brasil, no contexto da expansão quantitativa dos cursos nessa área iniciada a partir da década de 1990. Sustenta que tal expansão não

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11 Apresentação

foi acompanhada de dinâmicas qualitativas, especificamente no que diz respeito à formação oferecida pelos diversos cursos, e ao nível de qualificação e desempenho do corpo docente.

E por último, Luciano Abreu de Miranda Pinto e Mary Rangel propõem um artigo em torno d’A educação médica, o professor de Medicina e o projeto político pedagógico da escola médica. Posiciona-se ele que a educação médica vem sofrendo cronicamente de uma crise, e as respostas advindas do interior das próprias escolas médicas, bem como de entidades da classe, estão sendo incorporadas às Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina, de 2001. Segundo tais Diretrizes, ao formando cabe integrar conceitos ampliados de educação e saúde, além de apontar para a necessidade de que um dos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, o professor de medicina, seja cada vez mais um educador. Entretanto, para isso requer-se um Projeto Político-Pedagógico da Escola Médica, e urgentemente. Trata-se, segundo os autores, de um componente essencial na qualificação da prática docente e da própria educação médica, e a ser constituído coletivamente. Eis os desafios colocados às escolas médicas.

Temos em seguida ao dossiê de artigos uma segunda experiência inédita no caderno, que é a publicação de uma tradução. Leonardo Maia, um dos editores responsáveis pela publicação, traduz um texto do filósofo e escritor francês Pierre Klossowski sobre a filosofia de Gilles Deleuze, pensador francês contemporâneo. É de especial interesse a concepção de Klossowski de que a grande originalidade do pensamento deleuziano se encontraria numa experiência inovadora de ensino: trata-se para Deleuze, segundo Klossowski, de ensinar o inensinável.

Por fim, compõe este número de nossa publicação uma resenha de autoria de Armindo Quillici Neto sobre o livro Pedagogia Universitária e Produção de Conhecimento, organizado por Maria Isabel da Cunha e Cecília Luiza Broilo, publicado pela EDIPUCRS em 2008.

José Carlos Souza Araújo Organizador

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 13-21 2009

númeRo esPeciAl:Pedagogia na Educação Superior

Entrevista1

Aprender: O que é pedagogia universitária? Quais são os seus fundamentos? Como distinguir tal locução de “metodologia do ensino superior”, ou mesmo de “didática do ensino superior?

Dermeval Saviani: A palavra “pedagogia”, desde sua raiz etimológica (condução da criança) possui conotação metodológica, pois remete à ideia de um caminho que se percorre para se chegar a determinado lugar, o que corresponde ao significado etimológico da palavra “método” (caminho para). Eis porque o substantivo “pedagogia” e, mais particularmente, o adjetivo “pedagógico” evoca, com frequência, os procedimentos que se adotam na realização da tarefa educativa, tendo em vista atingir-se determinado objetivo. Assim, é compreensível que o enunciado referente à “pedagogia universitária” traga ao espírito, de forma mais ou menos imediata, a ideia de uma “metodologia do ensino superior” ou da “didática do ensino superior”.

Entretanto, é preciso ter presente que o significado da pedagogia vai bem além do aspecto metodológico sendo, pois, nitidamente mais amplo do que é denotado pelas expressões “metodologia do ensino” ou “didática”. Ao longo da história da educação, “delineou-se uma

1 Entrevista concedida pelo Prof. Dr. Dermeval Saviani, em agosto de 2008, a partir de um roteiro elaborado pelo Prof. Dr. José Carlos Souza Araújo.

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dupla referência para o conceito de pedagogia. De um lado, foi se desenvolvendo uma reflexão estreitamente ligada à filosofia, elaborada em função da finalidade ética que guia a atividade educativa. De outro lado, o sentido empírico e prático inerente à paideia entendida como a formação da criança para a vida reforçou o aspecto metodológico presente já no sentido etimológico da pedagogia como meio, caminho: a condução da criança. A partir do século XVII estes dois aspectos tenderam a se unificar como o demonstra o esforço realizado por Comênio. [...] Foi, porém, com Herbart que os dois aspectos da tradição pedagógica foram reconhecidos como distintos, sendo unificados num sistema coerente: os fins da educação, que a pedagogia deve elaborar a partir da ética; e os meios educacionais, que a mesma pedagogia elabora com base na psicologia. A partir daí, a pedagogia se consolidou como disciplina universitária, definindo-se como o espaço acadêmico de estudos e pesquisas educacionais” (SAVIANI, 2008a, p. 2).

Por aí já se manifesta diretamente um sentido específico para a locução “pedagogia universitária”. Trata-se do cultivo da pedagogia como campo de estudos científicos que tem um lugar assegurado no sistema universitário. Nesse contexto, a expressão “pedagogia universitária” estaria nomeando a área acadêmica que, no interior das universidades se dedica aos estudos sistemáticos do fenômeno educativo.

No entanto, penso que, se considerarmos o significado próprio da pedagogia como “teoria da educação”, isto é, como “ciência da e para a prática educativa”, a expressão “pedagogia universitária” deverá ser interpretada como a teoria da educação universitária ou teoria do ensino superior. Assim entendida, ela envolve o estudo da universidade como instituição de ensino que forma pesquisadores e profissionais voltados para as carreiras intelectuais. Seu objeto de análise seria, então, a especificidade dos estudos de nível superior em sua relação com a sociedade e com os demais aspectos que compõem o fenômeno educativo em sua totalidade.

Aprender: O que essa locução significa no atual cenário nacional brasileiro?

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15 Entrevista

Dermeval Saviani: Em maio de 2007, a Unisinos realizou o “V Seminário de Pedagogia Universitária”, propondo-se a fomentar uma reflexão sobre a produção do conhecimento no campo da educação superior e analisar o funcionamento dos Grupos de Pesquisa como base da pós-graduação e como estratégia de formação. A USP realizou em abril de 2008 o “III Seminário de Pedagogia Universitária”, promovido pela Pró-Reitoria de Graduação. Seu objetivo foi “apresentar inovações pedagógicas aos professores universitários”. A Universidade de Santa Cruz do Sul realizou, no segundo semestre de 2008, um ciclo de palestras sobre pedagogia universitária, promovido pela Coordenação pedagógica da Pró-Reitoria de Graduação, propondo-se como “um espaço de estudo e reflexão sobre a docência em sala de aula”. A Universidade de Caxias do Sul mantém um Núcleo de Pedagogia Universitária voltado à “educação pedagógica” continuada dos docentes, tendo programado para o primeiro semestre de 2009 um Seminário de Atualização Didático-Pedagógica. Entre 12 e 14 de janeiro de 2009, a Rede Metodista de Educação do Sul, integrada pelo Colégio Metodista Centenário, de Santa Maria, Colégio Metodista Americano, de Porto Alegre, Colégio Metodista União, de Uruguaiana, Centro Universitário Metodista, Faculdade de Direito de Porto Alegre (FADIPA) e a Faculdade Metodista de Santa Maria (FAMES), realizou o “Seminário de Pedagogia Universitária 2009”. De 13 a 15 de janeiro de 2009, o Centro Universitário UniRitter, de Porto Alegre, realizou o “XI Seminário de Pedagogia Universitária” promovido pela Pró-Reitoria de Ensino, tendo como objetivo apoiar a formação e qualificação pedagógica docente.

Esses exemplos mostram que, embalada pelo clima da chamada “sociedade do conhecimento”, a expressão “pedagogia universitária” vem se disseminando no atual contexto, sendo “utilizada para nomear cursos de especialização ou eventos que manifestam preocupação com a organização do ensino nas universidades e com a questão da formação e do exercício da docência nas instituições de ensino superior” (SAVIANI, 2008a, p. 203-204). Não se trata, portanto, de uma modalidade específica de teoria pedagógica, mas de buscar, por meio de recursos didáticos que

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16 Dermeval Saviani

incorporam as novas tecnologias, aumentar a eficiência e produtividade da prática docente de nível superior.

Aprender: É possível falar-se em pedagogia universitária no Brasil antes da emergência da Universidade do Rio de Janeiro (a atual UFRJ) em 1920 e da Universidade de Minas Gerais (a atual UFMG) em 1927?

Dermeval Saviani: Do ponto de vista conceitual, cumpre fazer uma distinção. Se considerarmos o adjetivo “universitária” em sentido geral, isto é, como se referindo ao ensino superior em qualquer uma de suas modalidades, e levando em conta que, desde 1808, foram criados cursos de nível superior no Brasil, seria possível falar em pedagogia universitária para se referir à orientação e aos procedimentos pedagógicos que vigoraram nesses cursos. Mas, se tomarmos o adjetivo “universitária” em sentido estrito, isto é, como se referindo especificamente ao trabalho desenvolvido nas universidades, não caberia falar em pedagogia universitária antes de 1931, pois foi só a partir daí, tendo como parâmetro o “Estatuto das Universidades Brasileiras”, que se deu a instalação de universidades, em sentido próprio, em nosso país. No entanto, creio que, do ponto de vista histórico, a resposta é negativa porque tanto a expressão pedagogia universitária como o conteúdo que lhe corresponde, seja ele considerado em sentido estrito ou em sentido amplo, não se manifestaram no Brasil antes da década de 1920.

Aprender: Em 1930, Ortega y Gasset, em sua Missão da Universidade, afirmava: “Tudo preme para que se tente uma nova integração do saber, que hoje anda em pedaços pelo mundo. Mas a tarefa que isso impõe é tremenda e não se pode obter êxito enquanto não existir uma metodologia do ensino superior, semelhante pelo menos à que já existe em outros níveis do ensino. Ainda que pareça mentira, atualmente há uma carência total de uma pedagogia universitária” (ORTEGA Y GASSET, 1999, p. 110-111). O que você pensa de tal posicionamento?

Dermeval Saviani: Essa frase aparece quando Ortega y Gasset vai se aproximando do final do capítulo denominado “Cultura e ciência”. Ele havia iniciado o capítulo anterior, intitulado “O que a universidade

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17 Entrevista

tem que ser ‘primeiro’”, fazendo a seguinte afirmação: “A Universidade consiste, primeiro e de imediato, no ensino superior que deve receber o homem médio” (ORTEGA Y GASSET, 1965, p. 48). Em segundo lugar afirma ele que a universidade “tem que fazer do homem médio, antes de tudo, um homem culto”, o que implica que “a função primária e central da Universidade é o ensino das grandes disciplinas culturais” (p. 48). Em terceiro lugar, ele considera que cabe à universidade “fazer do homem médio um bom profissional” (p. 48).

Vê-se, então, que no capítulo seguinte (cultura e ciência), Ortega está preocupado em destacar o caráter da universidade como uma instituição primordialmente de ensino, cujo papel é formar o homem culto. Com esse entendimento, ele irá considerar que o ensino, isto é, o ato docente requer determinadas habilidades que não são dadas espontaneamente. E, mais do que isso, ele observa que “um dos males trazidos pela confusão entre ciência e universidade foi entregar as cátedras, segundo a mania do tempo, aos pesquisadores, os quais são quase sempre péssimos professores que sentem o ensino como um roubo feito às horas de seu trabalho no laboratório ou no arquivo” (ORTEGA Y GASSET, 1965, p. 70). É nesse contexto que aparece a frase citada em que ele advoga uma “metodologia do ensino superior” ou uma “pedagogia universitária” como antídoto à fragmentação do saber, tendo em vista “a necessidade de criar vigorosas sínteses e sistematizações do saber para ensiná-las na ‘Faculdade’ de Cultura” (p. 69).

Você me pergunta o que eu penso desse posicionamento. Ainda que a partir de uma concepção filosófica distinta daquela perfilada por Ortega y Gasset, manifesto minha concordância com a posição por ele defendida. Aliás, em outras oportunidades já havia me manifestado sobre esse assunto. Por exemplo, num texto redigido em 1971, fiz a seguinte afirmação: “Aqui se faz necessário distinguir a ciência quando encarada do ponto de vista do educador e quando encarada do ponto de vista do cientista. Do ponto de vista do cientista, a ciência assume caráter de fim, ao passo que o educador a encara como meio. Exemplificando: um geógrafo, uma vez que tem por objetivo o esclarecimento do fenômeno

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18 Dermeval Saviani

geográfico, encara a geografia como fim. Para um professor de geografia, entretanto, o objetivo é outro: é a promoção do homem, no caso, o aluno. A geografia é apenas um meio para chegar àquele objetivo. Dessa forma, o conteúdo será selecionado e organizado de modo que atinja o resultado pretendido. Isso explica por que nem sempre o melhor professor de geografia é o geógrafo, o que pode ser generalizado nos termos seguintes: nem sempre o melhor professor de determinada ciência é o cientista respectivo” (SAVIANI, 2008b, p. 62). E enfatizei num outro momento, ao destacar as diferenças específicas entre ensino e pesquisa: “Se estou pesquisando, por exemplo, um tipo novo de energia e, ao dar um curso para os alunos de Física, fico comentando com eles os problemas que estou enfrentando na pesquisa [...] então todo o curso fica centrado no problema da busca de nova fonte de energia. No entanto, para se formar um físico, é necessário a assimilação de todo um conjunto de conhecimentos básicos que já estão acumulados ao longo dos séculos. E na medida em que esses conhecimentos não são transmitidos ao aluno, ele vai sair um profissional não propriamente formado mas deformado; um profissional enviesado, que apenas captou aquele problema específico que seu professor ou sua equipe de professores pesquisa” (SAVIANI, 1984, p. 47).

Aprender: Pode-se afirmar que as universidades têm debatido presentemente uma pedagogia específica, uma pedagogia efetivamente voltada para o ensino superior? Que direções esse debate tem indicado?

Dermeval Saviani: Em que pese o aparecimento mais ou menos frequente da expressão “pedagogia universitária” dando nome a eventos organizados por instituições de ensino superior, assim como a linhas de pesquisa ou a disciplinas, não me parece que as universidades vêm debatendo seriamente a questão de uma pedagogia específica, voltada para a educação de nível superior. Isso porque as iniciativas são isoladas, fragmentárias, além de marcadas por uma certa orientação pragmatista, preocupadas com resultados imediatos, as mais das vezes motivadas pela busca de eficiência e do aumento da produtividade, recheadas de apelos

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19 Entrevista

às novas tecnologias. Faz falta uma discussão mais substantiva que aborde a problemática da docência universitária a partir da pedagogia entendida como teoria da educação, isto é, como teoria que articule a educação de nível superior no conjunto da prática educativa permitindo evidenciar sua especificidade e as relações de dependência e determinação que mantém com os demais aspectos e níveis educativos.

Aprender: Haveria uma pedagogia universitária em instituições não universitárias? Seria pedagogia universitária o que se realiza em centros universitários, faculdades isoladas etc?

Dermeval Saviani: Embora em sentido estrito a expressão “pedagogia universitária” se reporte apenas à educação de nível superior que se realiza nas instituições organizadas sob a forma de universidades, a referida expressão possui um sentido mais abrangente referindo-se, portanto, a todo o espectro do ensino superior seja ele organizado na forma de universidade, centro universitário, faculdades associadas ou faculdades isoladas. Isso fica claro nos exemplos que mencionei na resposta à sua segunda pergunta, em que aparecem centros universitários e faculdades isoladas organizando seminários sobre “pedagogia universitária”.

Aprender: É possível pensar em uma pedagogia universitária quando as instituições universitárias e não universitárias reúnem muitos professores sem formação pedagógica? Como encarar isso? Ou a formação pedagógica não traria aportes importantes para a estruturação de uma pedagogia universitária?

Dermeval Saviani: Essa pergunta parece apontar para uma contradição. Por um lado, podemos argumentar que, exatamente porque a maioria dos professores de nível superior não tem formação pedagógica se faz necessário desenvolver um trabalho sistemático de pedagogia universitária voltado para a qualificação pedagógica desses professores. Por outro lado, se entendermos a expressão “pedagogia universitária” como se referindo à efetivação de uma prática genuinamente pedagógica levada a efeito pelos docentes no interior das instituições de ensino superior, então se pressupõe que todos os professores de nível superior

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20 Dermeval Saviani

tenham formação pedagógica prévia. Para enfrentar esse problema faz-se necessário organizar programas de pedagogia universitária para os docentes em serviço nos termos da formação continuada e, paralelamente, inserir no currículo dos cursos que formam professores de nível superior (mestrado e especialização) os conteúdos específicos traduzidos pela locução “pedagogia universitária”.

Aprender: Quais seriam os caminhos, ou mesmo diretrizes, para o desenvolvimento de uma pedagogia universitária?

Dermeval Saviani: Como já adiantei, penso que o desenvolvimento de uma pedagogia universitária deve começar pelo cultivo da pedagogia como teoria da educação. A partir daí cabe explicitar a especificidade da educação de nível superior, compreender o lugar que ocupa no sistema de ensino em seu conjunto, verificar as relações de dependência e determinação que mantém com os outros níveis de ensino identificando, em consequência, os objetivos, os meios e os procedimentos que garantam a eficácia da docência universitária. Trata-se, em suma, de proceder ao resgate histórico da longa e rica tradição teórica da pedagogia como ciência da e para a prática educativa. Esse é, digamos assim, o caminho epistemológico a ser trilhado. A partir daí pode ser delineado um caminho metodológico que implica o desenvolvimento de linhas de pesquisa em torno da temática da pedagogia universitária como base para a estruturação de disciplinas específicas que, por um lado, irão alimentar a estruturação de programas de formação pedagógica destinados aos professores universitários já em exercício; e, por outro lado, serão inseridas nos cursos de mestrado e de especialização voltados para a qualificação pedagógica dos futuros docentes de nível universitário.

Referências

SAVIANI, Dermeval. Ensino público e algumas falas sobre universidade. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984.

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21 Entrevista

______. A pedagogia no Brasil: história e teoria. Campinas: Autores Associados, 2008a.

______. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 17. ed. Campinas: Autores Associados, 2008b.

ORTEGA Y GASSET, J. Missão da Universidade. Rio de Janeiro: EdUerJ, 1999. p. 110-111.

______. Misión de la Universidad. 4. ed. Madrid: Ed. Revista de Occidente, 1965, p. 48.

Dermeval Saviani é graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1966), com doutoramento em Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1971). Em 1986, obteve o título de livre-docente e, em 1991, foi aprovado no Concurso de Professor Titular de História da Educação da UNICAMP. É Professor Emérito da UNICAMP e Coordenador Geral do Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” (HISTEDBR). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Filosofia e História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação brasileira, legislação do ensino e política educacional, história da educação, história da educação brasileira, historiografia e educação, história da escola pública, pedagogia e teorias da educação.

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História da universidade e suas concepções no Brasil

ARtigos

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 25-42 2009

Formação de Professores para a docência universitária no Brasil: uma introdução histórica

Graziela Giusti Pachane 1

Resumo: O objetivo do texto é retratar aspectos históricos da constituição da educação superior no Brasil e, paralelamente, do perfil e da formação necessários aos docentes para atuarem nesse nível educacional. Destacamos o preparo profissional do estudante universitário e a produção de conhecimentos como objetivos centrais do fazer universitário, até a consolidação da dicotomia entre Instituições de Ensino Superior (IES) voltadas ao ensino e Universidades voltadas à pesquisa. Por fim, mostramos que, embora ao longo da história pouca ênfase tenha sido dada à formação pedagógica dos docentes universitários, o momento atual tem apontado para essa necessidade, o que nos leva a questões relativas à qualidade de programas de formação pedagógica oferecidos, em especial, aos pós-graduandos.

Palavras-chave: Educação superior. Formação de professores universitários. História da educação.

Teacher training for university teaching in Brazil: a historical introduction

Abstract: The aim of this text is to present historical aspects of the constitution of higher education system in Brazil and, in parallel, of the profile and training considered necessary for teachers of this educational level. We point out the 1 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora da Uni-versidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) – Uberaba, MG. E-mail: [email protected].

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professional training of university students and the production of knowledge as central objectives of university tasks, until the consolidation of the dichotomy between Higher Education Institutions, dedicated to teaching, and Universities, dedicated to knowledge production. Finally, we show that, although in the history of education low emphasis has been given to pedagogical training for university teachers, contemporarily this training is considered necessary, what lead us to questions about the quality of programs of pedagogical training offered, especially, for post-graduate students.

Keywords: Higher education. University teachers’ training. History of Education.

Embora possamos considerar a criação dos cursos de arte e teologia no colégio jesuíta da Bahia (Real Colégio de Jesus), em 1572, como um marco do início da educação superior no Brasil, seu desenvolvimento ocorreu somente a partir de 1808, quando o rei D. João VI e a corte portuguesa transferiram-se de Portugal para o Brasil. Dessa data em diante, foram criados cursos para a formação de burocratas e de profissionais liberais (Direito, Medicina, Farmácia e Engenharia) necessários ao Estado, sob o modelo da Universidade de Coimbra, iniciando-se, também, as tentativas de reuni-los em uma universidade (CUNHA, 1986; RIBEIRO JR., 2001).

O modelo de ênfase na formação para as profissões liberais adotado pelas reformas modernizadoras, adaptado da universidade napoleônica e não transplantado para o Brasil em sua totalidade, permaneceu em vigor no país até o início da década de 1930 (SAMPAIO, 1991, p. 1). Caracterizado por voltar-se à profissionalização de seu corpo discente, seu processo de ensino pautava-se pela transmissão de um conjunto organizado de conhecimentos estabelecidos e experiências profissionais de “um professor que sabe a um aluno que não sabe e não conhece, seguido por uma avaliação que diz se o aluno está apto ou não para exercer aquela profissão” (MASETTO, 1998, p. 10), sem a preocupação de buscar e criar a ciência, nem de aplicá-la.

O desenvolvimento da pesquisa aplicada surgiu no Brasil fora das escolas superiores, em estabelecimentos como o Instituto Agronômico

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de Campinas (criado em 1887) e o Instituto Butantan (criado em 1899), dedicados à solução de problemas concretos e imediatos. Algumas instituições dessa natureza, como o Instituto Biológico e o Instituto Manguinhos, organizavam cursos para formar pesquisadores, alguns deles de nível superior, porém não havia ainda no país a vinculação necessária entre as atividades de ensino e pesquisa desenvolvidas nas instituições de ensino superior ou, mais especificamente, nas universidades, tal como hoje a entendemos (MARAFON, 2001, p. 16).

Os professores das primeiras escolas superiores brasileiras foram inicialmente trazidos de universidades europeias. Com a expansão dos cursos superiores, ocorrida especialmente após a Proclamação da República, o corpo docente precisou ser ampliado e passou a ser procurado por seus profissionais renomados, com sucesso nas atividades que desenvolviam.

Como nos informa Masetto (1998, p. 11), os professores, em sua maioria, eram convidados e sua tarefa era a de ensinar seus alunos, geralmente provenientes da elite, a serem tão bons profissionais quanto eles. Nesse contexto, ressalta o autor, ensinar significava ministrar grandes aulas expositivas e palestras sobre determinado assunto, ou “mostrar na prática como se faz”, o que, como complementa, um profissional teria condições de fazer. Acreditava-se (como alguns ainda hoje defendem) que “quem soubesse, saberia automaticamente ensinar”; não havia, assim, atenção dirigida à necessidade do preparo pedagógico do professor para ministrar esse ensino (MASETTO, 1998, p. 11).

A concepção de ensino superior, o paradigma científico no qual se inseria a universidade e a concepção de educação de adultos então vigentes também contribuíam para que a crença da não-necessidade de formação específica para professores universitários fosse reforçada.

Nascida na Idade Média, a universidade cresceu assimilando gradativamente o paradigma da modernidade, que se consagrou com a fundação da Universidade de Berlim na primeira década do século XIX. A ciência moderna valorizava a racionalidade técnica e adotava a física como modelo canônico de ciência, tendo como seus fundamentos a

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supremacia da razão, do indivíduo e da liberdade individual (SANTOS FILHO, 2000, p. 30; PEREIRA, 2002, p. 40).

Goergen (2000, p. 113) salienta que a criação da universidade idealista alemã foi uma forma de instrumentalizar e operacionalizar o projeto idealista filosófico moderno, e o momento no qual o “programa da razão moderna como ordenamento de todo o conhecimento do real num projeto de racionalização total” tentou realizar-se de modo mais ambicioso. Assim, “a universidade torna-se, de certa forma, uma comunidade que se alimenta dos mesmos princípios de fé (história e racionalidade) da modernidade”.

Os processos de ensino-aprendizagem que, em geral, embasavam a pedagogia universitária – e ainda se encontram presentes em muitas situações –, caracterizavam-se por sua simplificação, que, de acordo com Ariza e Toscano (2000, p. 36), manifestava-se, entre outros, pelos seguintes aspectos:

tendência a converter diretamente os conteúdos disciplinares em conteúdos curriculares, como se entre eles não existissem diferenças epistemológicas, psicológicas e didáticas;uma visão dos conteúdos curriculares exclusivamente conceitual e acumulativa, que ignora as atitudes e os procedimentos implicados no ensino das diferentes disciplinas;uma tendência a considerar os alunos como receptores passivos da informação, destituídos de significados próprios sobre as temáticas que se trabalham na escola;uma separação reducionista que se dá entre conteúdos e metodologias, segundo a qual os conteúdos são únicos e as metodologias diversas, como se entre os processos de produção de significados e os significados mesmos não houvesse relações de interdependência;concepção da aprendizagem científica numa perspectiva individual, sem levar em conta sua dimensão social e grupal;um modelo de avaliação seletivo e sancionador, que, em vez de levantar dados que permitam uma tomada de decisões fundamentada sobre o desenvolvimento da classe, pretende medir, com bastante frequência, a capacidade dos alunos para memorizar mecanicamente os conteúdos.

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Pressupunha-se, ainda, como menciona Gil (1990, p. 15), que os adultos já estariam motivados à realização das atividades acadêmicas, que teriam “estratégias” desenvolvidas de autodidatismo, e que, por essa razão, não haveria necessidade de uma preocupação mais acentuada do professor com a aprendizagem do aluno. Assim, reforçava-se a ideia de que bastava ao professor oferecer o conteúdo (o ensino), e a aprendizagem seria concretizada de acordo com o empenho do estudante. Além disso, o ensino universitário estava voltado a uma elite que, como considera o autor, de qualquer maneira, conseguia superar as limitações do ensino oferecido e obter resultados satisfatórios ao final de seus estudos.

Em geral, a qualidade do trabalho realizado pelo professor não era sequer questionada. Como complementa Masetto (1998, p. 12):

Em nenhum momento, por exemplo, perguntava-se se o professor tinha transmitido bem a matéria, se havia sido claro em suas explicações, se estabelecera uma boa comunicação com o aluno, se o programa estava adaptado às necessidades e aos interesses dos alunos, se o professor dominava minimamente as técnicas de comunicação. Isso tudo, aliás, era percebido como supérfluo, porque, para ensinar, era suficiente que o professor dominasse muito bem apenas o conteúdo da matéria a ser transmitida.

No entanto, o interesse pela melhoria da qualidade docente não era de todo inexistente. Já Rui Barbosa, num balanço da educação imperial, criticava a situação em que se encontrava o ensino superior brasileiro, especialmente no que diz respeito ao curso de direito. Em seu parecer, datado de 1882, mencionava que havia necessidade de “uma reforma completa dos métodos e dos mestres” (RIBEIRO JR., 2001, p. 29). A preocupação com a necessidade da formação do professor universitário em nível de pós-graduação pode ser encontrada em documentos que datam da década de 1930 (BERBEL, 1994, p. 22; MARAFON, 2001, p. 19). Porém, foi somente a partir da década de 1950 que cursos dessa natureza começaram a ser ofertados de modo mais sistemático, sob padrões mais rigorosos.

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A ideia do doutorado, distinto dos cursos de bacharelado – cujo objetivo específico deveria orientar-se à formação de práticos –, foi apresentada inicialmente por Francisco Campos, ministro da Educação e Saúde Pública do Governo Provisório, em 1931. Na exposição de motivos de dois decretos elaborados para regulamentar o ensino superior no Brasil, o ministro argumentava que o doutorado deveria visar especialmente à formação de futuros professores, para os quais seria imprescindível abrir os estudos da alta cultura, formação dispensável àqueles voltados apenas à prática das profissões, como o direito (SUCUPIRA, 1980, p. 3).

O período da República Populista (1945/1964) foi rico em mudanças na área do ensino superior: marcou-se pelo aumento quantitativo das instituições de ensino superior no país e pela criação das cidades universitárias, no modelo dos campi norte-americanos. A modernização do ensino superior ocorrida nesse período correspondia às exigências da ideologia nacionalista, que propugnava a realização de pesquisas e estudos que o desenvolvimento do país exigia (MARAFON, 2001, p. 29-30). Essa tendência foi acentuada na década de 1960, para atender à necessidade urgente de estudos pós-graduados no país, tanto para o treinamento do especialista altamente qualificado como para que a universidade brasileira conquistasse, por meio da pós-graduação, um caráter verdadeiramente universitário, transformando-se em centro criador de ciência e cultura, além de exercer a sua função formadora de profissionais (NEUENFELDT; ISAIA, 2008). De acordo com o Relatório do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU), elaborado em 1969:

No que concerne à Universidade Brasileira, os cursos de pós-graduação, em funcionamento regular, quase não existem. O resultado é que, em muitos setores das ciências e das técnicas, o treinamento de nossos cientistas e especialistas há de ser feito em Universidades estrangeiras. Além disso, uma das grandes falhas de nosso sistema universitário está praticamente na falta de mecanismos que asseguram a formação de quadros docentes. Desta forma, o sistema fica impossibilitado de se reproduzir sem rebaixamento dos níveis de qualidade. Daí a urgência de se

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promover a implantação sistemática dos cursos pós-graduados a fim de que possamos formar nossos próprios cientistas, professores, bem como tecnólogos de alto padrão.

A expansão da indústria brasileira requeria número crescente de profissionais criadores, capazes de desenvolver novas técnicas e processos, e os ensinamentos oferecidos pelos programas de graduação então existentes não atendiam a essa demanda. Como salienta Dias Sobrinho (1995, p. 73), nessa época, a política educacional do Estado buscava a criação rápida de uma competente massa de pesquisadores e uma sólida estrutura de investigação científica e tecnológica que alavancassem o desenvolvimento industrial e ampliassem a base de consumo qualificado.

Por outro lado, a grande expansão social e econômica produzida na América Latina na década de 1960, a ampliação dos debates e confrontos acerca dos direitos civis, a evolução da produção de conhecimentos científicos e de descobertas tecnológicas criavam um quadro de crescentes complexidades, que culminavam por provocar forte pressão por novas e mais amplas oportunidades educacionais, coincidindo, ainda que por razões diferentes, com os projetos políticos dos governos e dos setores produtivos (DIAS SOBRINHO, 1994a, p. 131-132).

Coube às instituições universitárias grande parte da responsabilidade pelo desenvolvimento do país. Consequentemente, a exigência de qualificação dos professores se alterou, havendo necessidade cada vez maior da especialização acadêmica, que seria obtida com uma ampliação dos programas de mestrado e doutorado.

Muito embora o incentivo à pós-graduação solucionasse o problema da mão-de-obra especializada para o desenvolvimento de pesquisas nesses centros, o aspecto da docência continuava a ser negligenciado. A partir da década de 1970, época marcada pela rápida expansão do ensino superior brasileiro, observou-se um grande avanço quantitativo nas ações de formação de professores universitários. No entanto, como ressalta Berbel (1994, p. 21), esse processo ainda não pode ser considerado satisfatório no tocante à preparação desses profissionais, especialmente no que diz respeito à docência.

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A Lei 5.540/68, que propunha a reforma do ensino superior, trouxe modificações da estrutura interna das universidades para produzir a expansão necessária com um mínimo de custos. Ao lado da departamentalização, da matrícula por disciplina e da implantação do ciclo básico, ocorreu a institucionalização da pós-graduação, e, pela primeira vez, a legislação brasileira estabeleceu a indissociabilidade entre ensino e pesquisa.

A lei, em seu artigo 1º, declarava que “o ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das Ciências, Letras e Artes, e a formação em nível universitário”. Assim, por determinação da lei, o Ensino Superior no Brasil passaria a englobar as funções consideradas essenciais para o desenvolvimento da universidade moderna. Nesse contexto, a pós-graduação passava a ser definitivamente entendida como a condição básica para transformar a universidade em centro criador de ciência, de cultura e de técnicas. Cabia a ela, além do desenvolvimento da pesquisa, formar os quadros para o magistério superior e criar as mais altas formas de cultura universitária (MARAFON, 2001, p. 37-38).

Na década de 1970, a produção da ciência, da tecnologia e da cultura, condensada nas atividades de pesquisa, sobrepõe-se ao ensino, que, até o momento, definia a finalidade da universidade. Ocorre, então, uma mudança na identidade da universidade brasileira. Ela não deixa de ser instituição de ensino, mas os recursos governamentais passam a priorizar a pesquisa e a pós-graduação. Após a aprovação da Lei 5.540/68, a universidade vai-se configurando como universidade da produção de ciência, de cultura e de tecnologia, dando novo significado ao ensino. Segundo Dias Sobrinho (1994b, p. 133):

Havia um modelo a ser superado pelas grandes Universidades: o das instituições dedicadas basicamente à transmissão de conhecimentos e habilidades tradicionais. Havia um modelo a ser produzido: uma instituição capaz de preservar e criticar os conhecimentos historicamente acumulados, mas também preparada para a produção da ciência, das artes, da tecnologia,

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da cultura humana em geral, capaz de alargar as fronteiras estabelecidas, criar as interfaces e por em diálogos inusitados diferentes campos e áreas. As universidades deveriam formar pessoas não só para a difusão do conhecimento, mas também para a crítica e para a criação do novo.

Para Pimenta e Anastasiou (2002, p. 151-153), fica assim estabelecida uma forma de relação em parceria de professores e alunos na direção da construção do conhecimento, em que a figura do professor transmissor não prevalece. Entende-se que “o professor não existe para o aluno, mas ambos para a ciência”. Nesse momento, separa-se a graduação da pós-graduação, o ensino da pesquisa e o modelo napoleônico – voltado à formação profissional dos estudantes de graduação – do modelo humboldtiano – voltado à formação dos pós-graduandos e centrado nas grandes universidades. Separam-se, assim, as universidades das demais Instituições de Ensino Superior, muitas das quais faculdades isoladas, geridas com recursos privados, e que observaram também grande ampliação após as reformas educacionais implantadas nas décadas de 1960 e 1970.

Observa-se que, ao longo de todo esse período aqui retratado, quase dois séculos, a formação esperada do professor universitário tem sido restrita ao conhecimento aprofundado da disciplina a ser ensinada, conhecimento este prático – decorrente do exercício profissional – ou teórico/epistemológico – decorrente do exercício acadêmico. Pouco, ou nada, tem sido exigido em termos pedagógicos. Com a evolução do modelo humboldtiano de universidade e a crescente ênfase na produção acadêmica como fator primordial no processo de avaliação do desempenho dos docentes universitários, acentuou-se ainda mais a necessidade de preparação de pesquisadores capacitados, ficando a preparação para a docência relegada, situação que permanece praticamente inalterada até os dias de hoje, embora muitos sejam os autores que buscam atentar para a necessidade da formação pedagógica dos professores do ensino superior.

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Nesse sentido, Cunha e Silva (2008, p. 9) salientam que:

[...] os cursos de formação de professores em nível superior historicamente tiveram o campo disciplinar como matriz e a estrutura desse conhecimento prevaleceu na organização de seus currículos e representações da docência. Soaria muito estranho pensar que os saberes próprios do ensinar e do aprender orientassem com primazia suas propostas, inspiradas na concepção clássica da universidade.

Em trabalho anterior (PACHANE, 2007), apresentamos alguns fatores que influenciam a ampliação do consenso quanto à importância da formação pedagógica do professor universitário e justificam a necessidade de que essa formação seja tomada de maneira mais efetiva. Entre esses fatores, destacamos: 1) expansão do ensino superior; 2) diversificação do sistema de ensino superior; 3) instituição de um Estado Avaliativo; 4) mudança do perfil do aluno ingressante no ensino superior; 5) mudança no perfil esperado do egresso do ensino superior (e consequentemente no papel a ser desempenhado pelas instituições de ensino superior e seus professores); 6) mudanças no paradigma científico e pedagógico; 7) crescente percepção/conscientização dos próprios docentes da necessidade de formação para a atuação como professores no ensino superior; 8) emergência de um novo perfil de professor universitário, o que poderá se refletir na exigência de sua formação pedagógica; 9) baixa correlação entre a formação atualmente oferecida em cursos de pós-graduação e a melhoria da qualificação do professor para o exercício da docência no ensino superior.

Também Forster e Rodrigues (2008) chamam a atenção para esse movimento de mudanças, considerando que a Universidade tem sofrido os impactos das enormes alterações nas relações sociais, econômicas e culturais das últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 80, com o decorrente processo de realinhamento do capital, no qual o mercado procura impor-se como balizador das organizações da sociedade. As autoras complementam que o pragmatismo ganhou fôlego e o

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discurso instrumental ganhou espaço na Instituição, o que dificultou a discussão sobre o caráter reflexivo da docência. Porém, argumentam que em função do avanço tecnológico que torna sem sentido o ensino transmissivo, é possível instigar novas posições sobre o sentido da pedagogia universitária e da formação de professores universitários, pois, como salientam Cunha e Silva (2008, p. 13), hoje “não basta um professor erudito para provocar aprendizagem nos alunos; é preciso entender as múltiplas demandas para esse profissional e reconhecer a docência universitária como uma ação complexa”.

Numa breve análise da evolução da educação superior no Brasil nos últimos anos, percebemos que a expansão das IES não se deu de forma equitativa, houve predominância das instituições privadas e de caráter não universitário (PACHANE, 2007). Uma vez que a qualidade das aulas ministradas (junto de outros critérios mercadológicos, como valor das mensalidades e instalações físicas) é fundamental para a manutenção dos estudantes nos cursos e a fonte de renda dessas IES advém das mensalidades pagas por esses estudantes, pode-se supor que haja uma relação entre a expansão das Instituições de Ensino Superior e a pressão por melhoria da qualidade docente.

Importa ainda lembrar que paralelamente à diversificação na oferta de cursos, as políticas de avaliação da educação começaram a ser reforçadas nesse mesmo período. Como destaca Morosini (2000, p. 13), o professor universitário tem sofrido na última década uma marcada pressão para obter sua qualificação, e, embora o sistema nacional de avaliação não estabeleça normas de capacitação didática do docente, a avaliação pode ser feita por meio de outros indicadores que refletem o êxito da pedagogia universitária (p. 19). A autora compreende que haja uma íntima relação entre o desempenho didático do professor e o desempenho do aluno e, dessa forma, sugere que as avaliações, mesmo não incidindo diretamente na qualidade docente, indiretamente afetam-na.

Assim, pelo entrecruzamento de diversos fatores, de natureza distinta (como social, pedagógica, epistemológica, política e econômica), o momento atual tem apontado para uma crescente preocupação com a

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melhoria da qualidade docente no ensino superior. Seguindo-se ao que ocorreu historicamente com a formação dos professores para o ensino fundamental e médio, podemos sugerir que a formação pedagógica dos professores universitários poderá, em breve, constituir-se em critério obrigatório para o ingresso no magistério superior.

A esse respeito é interessante destacar, embora de modo sucinto, as orientações do Plano Nacional de Graduação2 (PNG) e a exigência da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) de que seus bolsistas realizem ao menos um semestre de prática docente durante seus programas de pós-graduação.

Segundo Marafon (2001, p. 72), a formação de professores universitários é uma preocupação presente em documentos desde a elaboração do I PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação3), em 1974; no entanto, foi somente no PNG, aprovado em 1999 no XII Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras (FORGRAD), que se expressou a qualidade da formação desejada:

A pós-graduação precisa integrar à sua missão básica de formar o pesquisador a responsabilidade de formação do professor de graduação, integrando, expressamente, questões pedagógicas às que dizem respeito ao rigor dos métodos específicos de produção do saber, em perspectiva epistêmica (PNG, 1999, p. 11 apud RODRIGUES, 2002).

A CAPES vem, desde 2000, exigindo que seus bolsistas se envolvam com a docência durante no mínimo um semestre, por entender que o estágio docente é parte da formação de mestres e doutores e que deve ser supervisionado pelo orientador do bolsista. As instituições que têm alunos com bolsas oferecidas pela CAPES têm a liberdade de organizar seus próprios projetos, criando disciplinas pedagógicas voltadas ao magistério superior ou um estágio de monitoria.

2 O documento “Plano Nacional de Graduação – um projeto em construção” pode ser encontrado no livro organizado por Maria E. F. Rodrigues, Resgatando espaços e construindo ideias: ForGrad 1997 a 2002. (EdUFF, 2002), ou no site: www.proacad.ufpe.br/forgrad. Acesso em: abril de 2003.3 Uma síntese dos Planos Nacionais de Pós-Graduação pode ser consultada em Neuenfeldt e Isaia (2008).

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Forster e Rodrigues (2008, p. 6), em uma pesquisa a respeito de como IES do Rio Grande do Sul têm implementado o estágio de docência, observam que existem diferenças entre as modalidades de estágios praticadas, desde inserções em salas de aula até organização de cursos de curta duração, por exemplo. O tempo de duração dos estágios em sala de aula também é bastante diferenciado, pode variar de doze até sessenta horas, a depender da instituição e do curso de pós-graduação. As autoras salientam ainda, com base nos dados obtidos em seu estudo, que o estágio de docência cumpre um papel importante para os estudantes na medida em que a maioria o reconhece como possibilitador de aprendizagens, sejam elas específicas para a formação docente, sejam para o desenvolvimento da área de estudo e/ou investigação; porém, como processo instituído, não fica claro qual o significado da docência e, consequentemente, dos parâmetros para as atividades a serem desenvolvidas. Assim, levando em conta as condições nas quais esse estágio se organiza, constatam que, embora os alunos reconheçam-no como fonte de aprendizagem, ele se constitui num espaço de formação com pouco reconhecimento, em especial por parte dos docentes e coordenadores das instituições analisadas, e de legitimidade frágil (p. 5)4.

Nesse sentido, acreditamos que seja necessário cuidado para que não se instituam nas universidades programas obrigatórios de formação pedagógica dos pós-graduandos somente com a finalidade de cumprir determinações legais, os quais se constituam apenas num “apêndice” de um curso de pós-graduação, sem integração com as demais atividades realizadas nesse curso e sem ligação com a prática – limitando-se à apresentação de algumas poucas teorias educacionais ou mesmo ao oferecimento de algumas técnicas de condução de aulas, sem uma reflexão mais ampla sobre a educação superior – e até utilizem indevidamente os estagiários como forma de suprir a falta de docentes permanentes qualificados para o ensino de graduação.4 A professora Maria Isabel da Cunha vem coordenando desde 2006, na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), um projeto intitulado Trajetórias e lugares da formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional, que tem um subgrupo composto pelas professoras Mari Foster, Vânia Cahaigar, Rosane Wolff, Ligia Carlo e Heloiza Rodrigues, cujo objetivo é estudar especificamente programas de estágio de docência em mestrados e doutorados.

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Entendemos, ainda, que a falta de uma política de regulamentação desses estágios, a prática marcada pela realização de experiências pontuais, fragmentadas e dispersas de formação continuada dos docentes atualmente em exercício (muitas das quais a fim de suprir a inexistência de formação inicial para a docência universitária), a falta de um espaço de socialização e reflexão sistemática sobre os resultados dessas experiências poderiam pôr a perder todo um esforço de superação da cultura historicamente marcada pela negação da importância da formação pedagógica do professor universitário.

Sendo os professores os protagonistas do fazer universitário, a nosso ver, a busca por melhoria da qualidade da educação superior passaria não só pela contratação de mais professores, mas também pela contratação de professores mais bem preparados para o exercício das diversas funções que compõem o fazer universitário (e que extrapolam e muito a pesquisa, porém constituem-se sempre do componente de docência, independentemente do tipo de instituição na qual o docente vá trabalhar), e pelo aprimoramento daqueles que atualmente compõem os quadros docentes do sistema de ensino superior.

Dessa maneira, a valorização do ensino e da formação pedagógica do professor universitário demandaria, em primeiro lugar, a alteração do modo como as questões pedagógicas são entendidas e tratadas na universidade, superando a crença de que para ser bom professor basta conhecer profundamente e conseguir transmitir com clareza determinado conteúdo, ou, no caso do ensino superior, ser um bom pesquisador.

Acreditamos que a cultura de negação da necessidade de formação pedagógica para a atuação docente no ensino superior, que sucintamente buscamos demonstrar no presente artigo, passaria necessariamente por mudanças na concepção dos professores já atuantes em nossas universidades, pois é pelo corpo docente atualmente em exercício nas instituições de ensino superior que as novas gerações de professores são, direta ou indiretamente, formadas. Além de fornecerem exemplos de conduta como professores e profissionais a seus alunos, são esses docentes (pesquisadores?) que atuam como tutores dos professores

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ingressantes, influenciando, com seu trabalho, a mudança ou a permanência dos valores que hoje vigoram no ambiente acadêmico.

Tampouco a melhoria da qualidade docente no ensino superior poderá se dar por meio de soluções imediatistas ou simplistas. Somente por meio de um projeto coletivo, integrado, institucional e que partilhe de uma filosofia “formativa”, num processo contínuo assumido tanto pela instituição que forma como por aquela que contrata o professor, que poderemos dar início à mudança de mentalidades necessária para que a dimensão do ensino e da formação pedagógica dos professores passe a ser valorizada na cultura universitária.

Para finalizar, apresentamos uma observação de Benedito, Ferrer e Ferreres (1995), realizada há mais de uma década, num contexto de educação superior europeu, e que, a nosso ver, sintetiza aquilo que buscamos retratar a respeito da constituição histórica e da situação atual da docência no ensino superior no Brasil:

As exigências que neste momento se colocam ante o desenvolvimento das novas titulações e a implantação de planos de estudos modernos, flexíveis, homologados com os dos outros países europeus e relacionados com o mundo do trabalho, faz necessária a atualização. Os docentes universitários trabalham com o conhecimento, as atitudes e os valores, os quais não apenas revestem de transcendência a atuação com os indivíduos, mas também, chegam ao meio social e à dinâmica na qual se inscreve, e para isso são necessárias algumas sensibilidades, habilidades, e estratégias de comunicação e de relação. A profissão docente se exercita em um contexto espaço-temporal determinado, com umas pessoas determinadas, que exigem uma adaptação particular àquelas condições e características pelas quais é necessário preparar o docente. Estes argumentos, alguns interessantes para a sociedade em geral, outros para a economia, outros para a ciência e a cultura, constituem razões mais que suficientes para considerar que a docência universitária é importante e a formação de seus profissionais já não admite demora. (p. 186-187)

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40 Graziela Giusti Pachane

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Recebido em: 21/5/2008Aprovado em: 25/11/2008

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Revisitando a História da Universidade no Brasil: política de criação, autonomia e docência

Talamira Taita Rodrigues Brito1

Ana Maria de Oliveira Cunha2

Resumo: O sentimento de Universidade no Brasil emerge na medida em que o ideal republicano nasce no final do século XIX. Os modelos francês, alemão e norte-americano serão as inspirações que o Brasil terá para compor seu sentimento de Universidade. Acreditando que esses modelos revelam possibilidades de se compreender os caminhos trilhados pelo Brasil no desdobrar de seu projeto de universidade é que lançamos como objetivo deste trabalho mostrar o resultado dessas buscas sobre o ideal universitário brasileiro e como isso constitui o que temos de políticas de criação, autonomia e docência nessa instituição.

Palavras-chave: Universidade no Brasil. Política de criação da Universidade. Autonomia. Docência.

Revisiting the History of University in Brazil: creation, autonomy and teaching policies

Abstract: The feeling of University in Brazil emerged along with the birth of the republican ideal in the late 19th century. The French, German and North

APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 43-63 2009

1 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia e Doutoranda pela mesma instituição. Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Professora e Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]

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44 Talamira Taita Rodrigues Brito e Ana Maria de Oliveira Cunha

American models served as the inspiration for Brazil to create its feeling of University. In the belief that these models reveal possibilities to understand the paths Brazil has traveled in developing its university project, our objective in this work is to describe the results of this quest for the Brazilian university ideal and how it constitutes what we have in terms of creation, autonomy and teaching policies in this institution.

Keywords: University in Brazil. University creation policy. Autonomy. Lecturing.

Notas Introdutórias...

Este texto é um desdobramento de uma discussão iniciada em nosso trabalho de mestrado, defendido em 2006. A pesquisa teve como proposta o estudo das representações de docência na Universidade e seus impactos na prática universitária – políticas para pesquisa, sala de aula, extensão, etc. No decorrer de nossas reflexões, foi preocupação nossa conhecer mais sobre a constituição da Universidade no mundo e no Brasil como instituição, uma vez que acreditávamos que as representações de docência estavam também conectadas às representações/construções de tal Universidade.

Com esse pensamento, elaboramos um capítulo que teve como propósito apontar o residual e o emergente na constituição da Universidade no Brasil, tomando-se por base o que temos construído sobre a Universidade Brasileira.

O objetivo desse artigo que ora apresentamos é mostrar o resultado dessas buscas sobre o ideal universitário brasileiro e como isso constitui o que temos de políticas de criação, autonomia e docência nessa instituição. Tomamos como referência os movimentos que deram origem a universidade no Brasil até a Lei da Reforma Universitária de 1968. Optamos por focar esse espaço de tempo por acreditar que, a partir desses movimentos históricos, alguns comportamentos foram se cristalizando nas ações e percepções contemporâneas dos sujeitos acerca da importância e valor social/político/econômico da universidade

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no país. É importante lembrar que em nosso estudo enfatizamos mais a construção de sentimento de ensino superior e Universidade, com a intenção de entender melhor a ideia de docência que se ergue tendo como base as políticas públicas em torno da atividade do professor e suas possíveis consequências.

Com isso esperamos possibilitar uma revisita a uma questão posta historicamente aqui no Brasil e que depois de quase um século continua gerando espaços para tantos debates e confrontos. Perguntas como “que Universidade é esta?”, “quais foram as suas marcas e influências e como a docência se constituiu no dia a dia de fazer Universidade?” apontam para um grupo de respostas que procuraremos apresentar nesse artigo como possibilidade de ampliar nossos olhares sobre essa instituição tão antiga e ao mesmo tempo tão recente no contexto da Educação no Brasil.

Para tanto, o texto foi organizado em duas partes: a primeira apresenta algumas respostas às perguntas acima, tendo como orientação as publicações sobre o pensamento de Universidade no Brasil e a outra aponta nossos olhares sobre essas construções históricas – principalmente acerca da docência na universidade.

Uma tradição euro-norte-americana de Universidade no Brasil – influências inacabadas

A nossa universidade tem um traço bastante peculiar de ser influenciada por três tendências estrangeiras – o que dá para ela uma condição bastante diferenciada de outras histórias sobre universidade em outros países. A compreensão apontada no enunciado deste tópico de que a universidade no Brasil possui influências inacabadas de três modelos de universidade é nosso ponto de partida e de chegada. Acreditamos que no Brasil os modelos que iremos apresentar se fizeram presentes em momentos históricos da política brasileira e dessa maneira nunca chegaram às “vias de fato” de permanências de suas orientações por muitos anos a ponto de se tornarem tradicionais no Brasil.

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46 Talamira Taita Rodrigues Brito e Ana Maria de Oliveira Cunha

A começar, os desdobramentos da Universidade na Europa e na América do Norte proporcionaram a legitimação de modelos filosóficos que se tornaram referências mundiais na constituição de tantas Universidades que se espalharam pelos vários continentes. Assim, os modelos clássicos alemão ou humboldtiano, francês ou napoleônico, inglês e americano, como apontado por Castanho (2000), marcaram a história da Universidade no mundo.

Nas obras de Cunha (2003; 1988; 1986; 1983), Fávero (2000), Teixeira (1999; 1998), Buarque (1996), Morosini (1994), Castanho (2000), Doria (1998) e tantos outros que vêm se dedicando a pensar a Universidade, o Brasil foi um dos países que notadamente sofreu a influência de tais sistemas universitários.

Cunha (1988, p. 15) afirma que, no Brasil, o ensino superior incorporou tanto os produtos da política educacional napoleônica quanto os da reação alemã à invasão francesa. Observando os movimentos dessas influências percebe-se que nas primeiras décadas do século passado (1910-1930), o ideário francês inspirou a educação superior, já que a característica mais acentuada em tais espaços formativos era a visão de uma Universidade voltada para a profissionalização e para a formação de carreiristas liberais. A pesquisa não era o foco de interesse nesse modelo de universidade.

A segunda influência, a alemã, já aparece a partir das críticas a essa Universidade, tecida no início da década de 30 deste mesmo século. A política do livre pensar, do fomento à pesquisa e do envolvimento da Universidade na vida política do país teve influência no Brasil, com Fernando de Azevedo, e marca a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934.

O modelo norte-americano de universidade – terceira influência, com o olhar voltado para uma profissionalização para atender à demanda de mercado, chega aos centros de formação superior com mais ênfase após a II Guerra Mundial, na medida em que os ideais norte-americanos se tornam mais próximos da realidade brasileira, junto à era desenvolvimentista e à Ditadura Militar.

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Dessa maneira, refletir sobre a Universidade no Brasil – sua história, seu legado, seus problemas de existência ou de vocação, é algo que só pode se dar com maior amplitude na medida em que se observam as bases que orientaram os nossos modelos de universidade no florescer de seu desenvolvimento no século passado. Nesse sentido, essas análises se tornaram uma referência no entendimento da organização e constituição da docência na Universidade, que historicamente foi se solidificando sob a organização engendrada por tais inspirações. Assim, nas linhas seguintes apresentaremos algumas ideias sobre o ensino superior e a formação do espírito de Universidade no Brasil e ao mesmo tempo estaremos apontando os entremeios da docência nesse movimento.

Para iniciar, gostaríamos de apresentar uma citação de Teixeira (1999, p. 297) que evidencia um olhar crítico quanto à constituição do pensamento de universidade brasileira e seu legado:

O Brasil constitui uma exceção na América Latina: enquanto a Espanha espalhou Universidades pelas suas colônias – eram 26 ou 27 ao tempo da independência –, Portugal, fora dos colégios reais dos jesuítas, nos deixou limitados às Universidades da Metrópole: Coimbra e Évora.

Nesse sentido, podemos dizer que o ideal universitário foi se

constituindo aqui no Brasil de forma endógena, ou seja, foi na elaboração do pensamento de República Independente e da mudança na economia que a ideia de Universidade emerge distando, assim, das propostas de outros territórios colonizados que tiveram como marca principal a organização e implantação da Universidade, com vistas a reforçar o processo de colonização e formação de uma nova identidade.

Os motivos que levaram Portugal ao não investimento numa Educação Superior na Colônia Brasileira, segundo Cunha (2003; 1986), Fávero (2000), Doria (1998) e outros autores estão ligados diretamente ao receio de que os estudos universitários operassem como coadjuvantes de movimentos independentistas, “especialmente a partir do século XVIII,

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quando o potencial revolucionário do Iluminismo fez-se sentir em vários pontos da América” (CUNHA, 1998, p. 152), e ao fato de Portugal não ter um sistema universitário tão desenvolvido como a Espanha, o que dificultava o trânsito livre de docentes entre Portugal e sua Colônia.

Essa afirmação aponta uma diferenciação profunda de olhares sobre o papel da universidade para o desenvolvimento social/histórico/político de um país – enquanto para países de colonização hispânica, a universidade tinha como papel ajudar no processo de legitimação de uma nova cultura, o Brasil – colonizado por portugueses – percebe na universidade uma forma de ameaça ao processo de exploração.

Frente à situação da ausência de Universidade no Brasil, algumas iniciativas foram tomadas. Para Fávero (2000), podemos localizar a história da Educação Superior no país sob três dimensões: os Estudos Superiores introduzidos pelos Jesuítas através da Companhia de Jesus; as Escolas Superiores que emergem com a Reforma Pombalina e a Criação da Universidade, esta última, inicialmente por pensamentos privatistas e posteriormente por decretos federais.

Nessa transição entre a existência de educação superior atrelada à igreja e à criação da Universidade laica, um movimento intermediário, de certa maneira, será o anúncio da instauração de Universidade no Brasil, as chamadas Escolas Superiores.

Os cursos de Cirurgia na Bahia, Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro, ambos datados de 1808; a Academia Real da Marinha e Real Militar (1810); a Escola de Agricultura (1812); a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios (1816); o curso de Química (1817), de Desenho Industrial (1818) e posteriormente os cursos jurídicos (Convento de São Paulo e Mosteiro de São Bento, em Olinda) e a primeira Faculdade de Filosofia do Brasil, fundada em 1908 no mosteiro Beneditino de São Paulo, podem ser considerados como os primeiros passos para a formação de uma consciência universitária no Brasil3.

Podemos afirmar com isso que o sentimento de Universidade aconteceu antes do início do século XX. Para Doria (1998), essas iniciativas de criação desses cursos, na verdade, tiveram como objetivo 3 Ver mais detalhes em Fávero (2000).

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manter na ordem do desenvolvimento da época as oligarquias agrárias que por ora precisavam mudar e reproduzir o poder no sistema político. Então os herdeiros do poder precisavam se manter no mesmo padrão de desenvolvimento econômico da Colônia Portuguesa. E, a exemplo disso, o autor aponta nomes como Antonio Carlos Magalhães, Roberto Santos, Joaquim Gomes de Sousa, que fizeram nome na política brasileira, como frutos típicos da corporação burocrática que emergiu junto às cátedras nas Academias Brasileiras.

Nesse sentido, podemos afirmar que a necessidade de se ter estudos superiores no Brasil teve inicialmente uma intenção bem fechada e aristocrática. Se isso por um lado denunciou as verdadeiras intenções políticas da época a respeito da presença/ausência de Universidade no Brasil, por outro, confluiu para o fortalecimento do movimento provocado por pensadores liberais a respeito da necessidade de se fazer presente o espaço universitário brasileiro como forma de organização política e intelectual num país que crescia rumo à democracia.

Bem verdade que os ditos positivistas da época, bem como o próprio Estado, resistiam à ideia de ter uma Universidade genuinamente brasileira, dificultando o processo de ampliação e mudança do regime que se tinha enquanto formação superior. Para Fávero (2000, p. 33):

Da Colônia à República, há uma grande resistência à ideia de criação de instituições universitárias. Durante o período monárquico, mais de duas dezenas de projetos de criação de Universidades foram apresentados, e não lograram êxito. Mesmo após a proclamação da República, as primeiras tentativas também se frustraram.

Tanto que algumas iniciativas privadas ocorreram, como a criação da Universidade de Manaus (1909), São Paulo (1911), Curitiba (1912), que posteriormente foram extintas por não terem o apoio político e financeiro do Governo Federal.

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Somente a Universidade do Rio de Janeiro4 (1920), segundo Romanelli (2001), assumiu o status duradouro de Universidade, pelo fato de ter sido criada sob autorização legal conferida pelo Presidente da República, Epitácio Pessoa. Nascida genuinamente da iniciativa pública, a mesma resultou da reunião das Faculdades de Medicina, Engenharia e Direito.

É importante notar aqui que, para nossos autores de referência – Cunha, Fávero, Teixeira –, a forma de articulação e formação dessa Universidade serviria de “modelo” para as Universidades Federais que passaram a existir em seguida no Brasil: Minas Gerais (1927), e a do Rio Grande do Sul, em 1934. O que, para nós, aponta para a constituição de uma universidade fechada para as peculiaridades locais e necessidades regionais, se formos pensar no sentido controlador e ditador dessa prática – já ferindo naturalmente o sentido de autonomia diante do Estado.

Para Cunha (2000), a forma débil como tais Universidades foram organizadas denuncia a frágil autonomia dessas instituições, pois o Estado continuava nomeando seus diretores e controlando o orçamento nas faculdades – garantindo, assim, uma reitoria só de fachada. Os conselhos eram mais simbólicos do que efetivos, consagrando um lugar de dependência a essa recente instituição “autárquica”. As cátedras continuavam sob custódia do Estado, os currículos eram fixos, imutáveis e a forma de ministrar as aulas também.

Em nossa reflexão, essa plástica na constituição da ideia de Universidade Brasileira não foge em nada aos caminhos trilhados pela Universidade medieval. A autonomia pode ser considerada uma farsa frente ao controle do Estado/Igreja que é transversalizador à administração de seus objetivos e funções, e podemos ainda afirmar que a universidade é considerada como mantenedora do status/poder/localização social das classes que se formavam ao redor do modelo econômico que se ergueu no Brasil no início do século XX. 4 Esta Universidade nasceu da aglutinação de três escolas superiores existentes: Direito, Engenharia e Medicina, com função totalmente profissionalizante. Fávero (2000) e Cunha (1986) mostram que as Universidades tiveram como uma referência de articulação os antigos liceus – que nascem de agregação de aulas régias. A Universidade do Rio de Janeiro em 1927 passou a ser chamada de Universidade do Brasil.

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Essa falsa autonomia da Universidade brasileira, desde então, bem como a facilidade de ter nessa Instituição uma aliada na perpetuação de um poder hegemônico por parte do Estado, cobraram desta um preço que virou o seu paradoxo: liberdade/autonomia, poder, produção de conhecimento, reconhecimento social. Na verdade, esse mesmo paradoxo passou a ser sua condição de existência no seu movimento, que, durante sua história, se fez valer tanto nos movimentos sociais (ao pensar numa universidade mais democratizada e autônoma diante do Estado) como nos movimentos da organização do Estado Brasileiro (tendo-a como uma aliada na forma de organizar politicamente o país).

A Reforma Rocha Vaz de 1925, que autoriza o funcionamento de outras instituições universitárias nos Estados de Pernambuco, Bahia, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, se respaldou nas mesmas condições e proposta da Universidade do Rio de Janeiro. Fávero (2000, p. 35) aponta que “para se organizar tais instituições, eram feitas as seguintes exigências: ser pautada no modelo da Universidade do Rio de Janeiro e possuir um patrimônio em edifícios e instalações das faculdades não inferior a três contos de réis”. Essa afirmação pontua que apesar de o Estado ter consciência das críticas feitas ao modelo apresentado por esta Universidade entre os anos de 1920 e 1925, esta continua sendo vista como um espaço de referência brasileira para a constituição de outras universidades. Isso retoma a ideia posta em parágrafos anteriores de uma autonomia atravessada pela intervenção estatal desde os primeiros anúncios de constituição da universidade brasileira.

Com a Revolução de 1930, o Ministério da Educação foi fundado, e a partir daí, algumas medidas foram tomadas em diversos setores da educação – inclusive na Educação Superior.

Em 11 de abril de 1931, foi baixado o Decreto de nº 19.851, que dispunha sobre a forma como o sistema universitário deveria se constituir. Esse decreto ficou conhecido como o Estatuto das Universidades Brasileiras, que estabeleceu os padrões de organização para as instituições de ensino superior em todo o país, universitárias e

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52 Talamira Taita Rodrigues Brito e Ana Maria de Oliveira Cunha

não universitárias. Tal decreto veio acompanhado do Decreto nº 19.852 (de mesma data), que dispunha sobre a reorganização da Universidade do Rio de Janeiro.

O que nos interessa saber sobre esse último decreto, é que mesmo a Universidade do Rio de Janeiro sendo reorganizada, a mesma permanece como antes: uma instituição voltada para o trabalho em sala de aula e para o preparo profissional, sem lugar para a investigação científica ou cultivo do saber desinteressado. Tanto que esta última vira uma realidade no sistema de Educação Superior no país, de forma efetiva, apenas a partir de 1945 com a chegada de professores de outros países especializados e com prática em pesquisa. A docência (a atividade do professor) aqui se refletia apenas na sala de aula.

Outro fato relevante foi a criação do Decreto de nº 20.179, de junho de 1931, que versava sobre o formato que as outras instituições de Educação Superior deveriam seguir para terem a chancela do Estado para seu funcionamento. Esse documento pode ser apontado como a materialização do controle do Estado sobre a Educação Superior, pois de acordo com ele todos os institutos interessados deveriam ter como exemplo as prerrogativas das Instituições Federais, que eram:

Ministrar em cada curso o ensino, pelo menos, de todas as disciplinas obrigatórias do curso correspondente de instituto federal congênere; exigir para admissão, no mínimo, as condições estabelecidas para ingresso em instituto federal; organizar os cursos e os períodos de regime didático e escolar idênticos aos de instituto congênere (FÁVERO, 2000, p. 37).

Essa afirmação nos leva a pensar que toda e qualquer iniciativa diferenciada que por ventura nascesse, naquele momento, contrária ao ideário federal, não teria possibilidade de ser desenvolvida. Tal decisão ocasionou alguns manifestos contrários que, segundo Fávero (2000), trazem à tona a insatisfação do pensamento católico, que além de fazer críticas severas ao laicismo do Estado, funda em 1932 o Instituto Católico de Estudos Superiores – embrião das Universidades Católicas do Brasil5,

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53 Revisitando a História da Universidade no Brasil: política de criação, autonomia e docência

tendo como seu representante Alceu Amoroso Lima6. Cunha (2000, p. 163) nos apresenta uma reflexão muito serena a

respeito dos acontecimentos da década de 1930, afirmando que: “nos cinco anos da era Vargas, desenvolveram-se no Brasil duas políticas educacionais, uma autoritária, pelo governo federal, outra liberal, pelo governo do Estado de São Paulo e pela prefeitura do Distrito Federal”.

Dessa maneira, sob a ótica do pensamento liberal, em 1934 é fundada a Universidade de São Paulo (USP), por meio de um Decreto Estadual. Os ideais políticos da então Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, nascida com a finalidade de constituir um grupo engajado com o crescimento científico e político para o país foram inspiração para o pensamento diferenciado dessa Universidade.

No mesmo tempo de sua criação, além de aglutinar os cursos que já existiam, Faculdade de Direito, Escola Politécnica, Escola Superior de Agronomia, Faculdade de Medicina e Escola de Veterinária, foram criadas a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o Instituto de Ciências Econômicas e Comerciais e a Escola de Belas Artes, e outros que foram integrados à USP, tais como o Instituto de Educação, elevado à Escola Superior e agregado à USP como Faculdade de Educação. Essa faculdade, no pensamento de Fernando de Azevedo (membro fundador da USP), tinha como objetivo formar professores para o ensino secundário.

A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras desempenhou um importante papel para a organização interna “pedagógica” da USP, funcionando como o núcleo central de todos os cursos, no dizer de Fernando de Azevedo. Os alunos ingressos na USP deveriam passar primeiro por essa faculdade para aprenderem o que ele denominava de conhecimento básico sobre as humanidades e, posteriormente, seguiriam para a sua área profissionalizante.

5 Em 1940, nasce a Faculdade Católica, reconhecida em 1946. Ela foi a primeira universidade privada do país. 6 Alceu Amoroso Lima, conhecido pelo pseudônimo de Tristão de Athayde, escreveu fervorosa crítica à Reforma Campos em 1931, de acordo com Fávero (2000).

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54 Talamira Taita Rodrigues Brito e Ana Maria de Oliveira Cunha

O quadro docente foi composto inicialmente por professores franceses, italianos e alemães. Durante o período de 1934 a 1942, trabalharam na Universidade 45 professores estrangeiros, mostrando o retrato de nossa história docente na academia, o que inclusive evidencia a baixa produção de mão de obra qualificada que se tinha até então, para atender a demanda de uma Universidade com vistas a galgar, além da sala de aula, também a pesquisa e a extensão.

Conforme Cunha (2000, p. 171), após o ano de 1945,

[...] a intensificação dos processos de industrialização e de monopolização, ao lado da emergência do populismo como instrumento de dominação das massas incorporadas à política, mas que escapavam do controle das classes dominantes, foram os primeiros fatores determinantes das mudanças no campo da educação escolar.

A expansão do público para ingresso aos cursos de formação superior foi consequência da ampliação do ensino secundário e a federalização de instituições privadas e estaduais que ora existiam de forma isolada, tornando-se a saída para o aumento do número de Universidades no país, bem como para o aumento de suas vagas.

Posterior a essas articulações e em meio aos movimentos políticos de época, como a derrocada do Estado Novo e a assunção da era desenvolvimentista no país, a ideia de modernização é apontada como forma de desenvolver e articular o crescimento científico.

A modernização (ou segunda fase da Universidade no Brasil) passava pela compreensão de que a Universidade precisava produzir conhecimento. Assim, a Pós-Graduação e a Pesquisa começavam a fazer parte da Universidade como algo concreto, impondo também um outro perfil de docente – aquele que além de manter-se na sala de aula (compreendida como atividade de Ensino), também deveria qualificar-se e familiarizar-se com a pesquisa (CUNHA, 2000).

Daí nasce a necessidade de se forjar um “docente-pesquisador”, aquele sujeito engajado com a vida da Universidade, da sociedade e da Ciência/Tecnologia. As primeiras impressões sobre esse docente-

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pesquisador estão localizadas no seio da USP, uma vez que foi com base nela que os docentes contratados com experiência no exterior em pesquisa avançaram na formação de alunos predispostos a seguirem carreira na pesquisa e no magistério superior.

Nesse tempo, o governo de São Paulo já investia 0,5% de sua receita para fomento à pesquisa, o que de certa forma concorreu para um maior prestígio social desse docente engajado com o Ensino Superior e, em especial, com a pesquisa.

À contramão desse processo que acontecia na USP, alguns problemas passaram a existir com os pesquisadores alocados em alguns institutos paulistas, que não possuíam o mesmo prestígio social e financeiro dos que pertenciam à USP. A falta de maiores salários e investimentos por parte do governo fez com que tais pesquisadores se organizassem ocasionando, assim, a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948. A SBPC tinha por objetivo difundir a Ciência a fim de buscar apoio do Estado e da Sociedade, promover o intercâmbio entre cientistas de várias especialidades e lutar pela liberdade de pesquisa e pela verdadeira Ciência.

Esse movimento, entre os anos de 1950 e 1960, teve como resultado um intelectual coletivo, “um protagonista sempre presente nas políticas educacionais do país, fosse como propositor, como colaborador, fosse como crítico de tais medidas” (CUNHA, 2000, p. 174).

Foi em meio a essa efervescência política que acolhia a liberdade, a autonomia, o desejo por coesão, por consciência de grupo que a Universidade de Brasília (UNB) acontece, tendo como proposta manter junto à burocracia governamental uma reserva de especialistas de alta qualificação e criar um paradigma moderno para o ensino superior brasileiro.

Assim, segundo Cunha (2000), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) foi fundado em 1947 servindo de modelo para o que se entendia na época por modernização. A Universidade de Brasília foi fruto do movimento iniciado pela criação do ITA, e pela própria ideia advinda da transferência da sede de governo do país para o Centro-Oeste, com a criação da cidade de Brasília. Em 1962 ela inicia suas atividades, sob um regime diferenciado das demais federais, o regime

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fundacional. A intenção era a de justamente impedir velhos/ novos vícios encontrados nas outras instituições organizadas sob regime autárquico, mas “já enrijecido por numerosos regulamentos e normas padronizadas” (CUNHA, 2000, p. 175).

Em obra anterior, Cunha (1983) tece análises de que a Universidade dessa época era crítica, marcada pela possibilidade de mudança, de produção. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) foi o ponto de partida/chegada para aqueles que planejavam repensá-la e, sucessivamente, a USP, o ITA, a UNB, podem ser apontados como peças-chaves da história da Universidade brasileira. Após a criação de uma estrutura psicológica coletiva sobre os rumos e desenvolvimento dessa Universidade Crítica, a Reforma Universitária passa a ser o próximo passo para a manutenção dessa utopia: a autonomia e liberdade de organização e de expressão.

A União Nacional dos Estudantes (UNE) assumiu essa bandeira em 1961, junto aos professores, preconizando a quebra das barreiras entre as faculdades da mesma Universidade; criação de institutos de pesquisa; organização do regime departamental; trabalho docente e discente em tempo integral; extinção da cátedra vitalícia; estruturação da carreira docente tendo como orientação a formação destes através dos cursos de pós-graduação, de tempo de serviço e de realizações profissionais; remuneração justa aos professores e assistência aos estudantes, como bolsas, alimentação, alojamento e trabalho remunerado dentro da Universidade; e incentivo à pesquisa científica, artística e filosófica (CUNHA, 2000; GERMANO, 2000).

Tendo como referência tais aspectos, algumas Cartas7 passaram a apresentar variações acerca do formato original da reforma, por exemplo a extinção do vestibular, desistência da reivindicação da autonomia universitária – entendida como perigosa para a democratização da instituição e participação dos estudantes nas comissões de admissão e/ou demissão de professores, dentre outros aspectos.

Dessa maneira, 7 Tais cartas datadas de 1962 e 1963 foram resultados de reuniões entre estudantes que discutiam as razões da Reforma Universitária em vários pontos do país.

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[...] à medida que o movimento pela reforma universitária se intensificava, com a expressão referindo-se a concepções cada vez mais distintas, o Estado passou a incorporar essa bandeira, acabando, depois do golpe militar de 1964, por arrebatá-la completamente, redefinindo seu sentido para fazê-lo mero apoio para a modernização do ensino superior (CUNHA, 2000, p. 178).

Na verdade, podemos dizer que a reforma preconizada pelos alunos e professores recebeu uma nova roupagem quando o Estado se apropriou dela realizando, assim, uma reforma da reforma. Independente dos rumos que as Universidades Federais e Estaduais tomaram após a Reforma Universitária de 1968, por meio da Lei 5.540, que afetou toda a organização política e pedagógica desses espaços formativos, alguns aspectos pedagógicos (a concepção de se ensinar, pesquisar e estender tais estudos) e administrativos foram se constituindo e ganharam legitimidade junto aos professores, alunos e administradores de tais instituições – é o movimento contraditório da ditadura frente à realidade da Universidade.

A relação com o Ensino, a Pesquisa e posteriormente a Extensão8 como formas de manter a condição do fazer pedagógico; as condições de Dedicação Exclusiva e tempo integral para parte dos docentes; o incentivo à carreira docente com os cursos de Pós-Graduação a partir de 1970; a condição creditada à Universidade como um espaço de poder e formação de consciência política e profissional são frutos adquiridos ao longo de seu percurso no Regime Militar.

As mudanças ocorridas na estrutura interna da Universidade, a nosso ver, foram motivadas por duas forças antagônicas: aquelas que acreditaram na sua autonomia frente aos interesses do Estado e aquelas que, por saberem de sua força e de sua importância, tentaram condicioná-la a uma submissão. E essa relação é a fonte de suas contradições pela busca, ora pela autonomia, ora pelo poder.

8 Fávero (2000) pontua que a extensão universitária já era uma realidade desde 1930, porém praticamente era uma extensão elitizada; apenas médicos, engenheiros, advogados e outros profissionais liberais tinham acesso a tal proposta.

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Após a Ditadura Militar, a partir da década de 1980, essa mesma Universidade foi protagonista do movimento pela democratização, pelo avanço nas pesquisas sobre a sociedade, sobre a educação, e em outros setores reafirmou sua importância, inclusive para ser consultada nas questões de vida cotidiana e política do país.

É claro que, como nos aponta Germano (2000), não se pode esquecer as mazelas da não democratização do ensino superior, não devem ser esquecidos os contrastes que essa ditadura proporcionou para a produção de política no país e na Universidade. Afinal, muitos professores foram exilados, tiveram aposentadorias compulsórias, assim como muitos alunos e professores desapareceram.

Como desdobramento da Ditadura no processo de organização do Ensino Superior e da sua docência, percebe-se que se antes havia um grupo coeso de docentes-pesquisadores comprometidos com o desenvolvimento do país, independente da área de atuação, com a pós-ditadura, o que restou foi uma profunda crise: de um lado professores em sala de aula e de outro os pesquisadores em seus laboratórios. As discussões sobre os rumos da educação superior, da carreira docente, bem como da tal falada autonomia, passaram a ser algo resumido para os idealistas e sindicatos envolvidos com o movimento.

Quanto às reflexões acerca do caráter da docência no ensino superior, encontrado nesse espaço de tempo de formação e implantação da Universidade no Brasil, alguns movimentos puderam ser observados: a cátedra, que consistia em ter uma autorização vitalícia concedida pelo Estado para criar uma área de conhecimento, foi a mola propulsora da atividade do professor por um longo espaço de tempo. Dentro dessa área o catedrático poderia formar seu grupo de trabalho com professores auxiliares. Observa-se que se de um lado foi esse processo que iniciou o movimento da carreira docente universitária, de outro, essa mesma cátedra proporcionou alguns desvios na condição dada ao professor auxiliar (aquele que iniciava sua vida acadêmica), pois o mérito não era a condição para ocupar tal cargo e sim a amizade ou a prestação de favores (DORIA, 1998). Uma pequena mudança nesse sistema se dá

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quando o Estatuto das Universidades propõe concursos para ocupar tais cátedras.

Com a Lei 5.540/68, as cátedras foram extintas. A partir daí outra dinâmica assegura a organização da carreira docente e do trabalho do professor. O concurso público de provas e títulos assume os contornos da vida universitária.

A essa altura, a inspiração acerca do modelo de Universidade brasileira já se encontrava submerso sob várias tendências, principalmente com a predominância do sistema norte-americano de pensar o conhecimento e a Universidade como espaços ligados diretamente ao mercado.

Foi sob essa influência que a Faculdades de Ciências Humanas e Letras foram destituídas de seu grau de importância no movimento de formação dos estudantes, promovendo, de acordo com Germano (2000), uma outra organização interna universitária: agregação dos departamentos em alguns poucos centros, reunião dos departamentos em número maior de institutos, faculdades ou escolas, ligação dos departamentos diretamente à administração superior, sem instâncias intermediárias, superposição de centros às faculdades, aos institutos e às escolas e, a criação dos campi universitários9.

Quanto aos desdobramentos dessas tendências no movimento mais contemporâneo de Universidade, à guisa de curiosidade, observamos no trabalho de Castanho (2000) que foi considerando a Universidade como um espaço representativo frente aos interesses do Estado Nação, que novos modelos foram forjados. O primeiro, como reflexo da ideia de Estado Nacional, oriundo do pensamento clássico capitalista, que o autor denomina Modelo democrático-nacional-participativo:

[...] democrático porque, à semelhança do que se passava no entorno político, a Universidade deveria definir-se como um espaço da livre manifestação do espírito; nacional porque, da mesma maneira como o restante da sociedade se aglutinava em torno do Estado Nacional para a tarefa do desenvolvimento, assim também a Universidade deveria ser um espaço para

9 Tanto nos trabalhos de Cunha (2003), como no de Germano (2000) observamos que ambos afirmam que esse tipo de organização do espaço físico universitário conflui intencionalmente para a desarticulação política docente e discente.

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que a cultura nacional se manifestasse e se produzisse em nível superior; e participativo porque seria na própria prática da vida universitária que se formariam gerações capazes de compreender, assumir e empreender as mudanças necessárias para o desenvolvimento. Em outras palavras, seria exercitando-se na prática da participação intra-universitária que se preparariam os quadros para levar à frente o desenvolvimento nacional (CASTANHO, 2000, p. 32).

Essa tendência não afligiu países como Portugal e Espanha em razão da situação política em que cada um se encontrava em particular, mas no Brasil, esse modelo democrático-nacional-participativo foi forjado. Mesmo não sendo cristalizado integralmente pela LDB de 1961, este representou o “próprio espírito da vida universitária no período. O modelo não obteve guarida senão parcial na lei, mas foi vivido inteiramente na Universidade” (CASTANHO, 2000, p. 33).

O fortalecimento do neoliberalismo a partir da década de 80 do século passado, que por sua vez gerou o enfraquecimento do Estado Nacional e de sua estrutura pública estatal, fez prover questionamentos sobre a função e finalidade da educação pública e gratuita e do estado como mantenedor desses espaços. A Universidade, então, se vê novamente na berlinda.

O modelo neoliberal-globalista-plurimodal foi apontado por Castanho (2000) como uma forte tendência em projeção. Tal modelo depõe a favor da forma mais elaborada que o capitalismo atingiu nas últimas décadas. E nos Estados Unidos isso já é uma realidade. Para o autor, o modelo consiste em considerar a Universidade:

[...] neoliberal porque se orienta não mais para as necessidades da nação, mas para as exigências do mercado; porque se vê como um empreendimento como tantos outros, sendo preferível que sua iniciativa seja privada, não pública [...] porque passa a se definir como um espaço onde o indivíduo busca instrumentos para o seu sucesso e não onde a sociedade habilita indivíduos para o seu serviço. [...] globalista porque é o mundo que importa e não mais a nação, [...] porque sua pesquisa já não é voltada para o homem completo que vive nas suas cercanias, mas para a

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informação acessível na grande rede de computadores interligada planetariamente. [...] Agora a Universidade passa ser plurimodal, ou seja, como Proteu, ela assume mil formas, tantas quantas as necessidades do mercado e da integração dos mercados exigirem (CASTANHO, 2000, p. 36).

Nesse sentido, percebemos que para cada momento histórico da economia, modelos de universidades são pensados, gestados por políticas públicas e implantados por grupos de interesses diversos. Talvez a autonomia por parte de seus sujeitos tenha sido uma ilusão proposital para se fazer valer os interesses do Estado nesse processo de aprimorar sua forma de controle social. Percebendo assim, a Universidade tem feito muito bem o seu papel. Resta saber se é isso que fará dela um espaço de criação de novas formas de conceber a sociedade e as relações entre/com sujeitos.

Alguns comentários

Tivemos como proposta inicial de reflexão responder a três perguntas: que Universidade é esta? Quais foram as suas marcas e influências? E como a docência se constituiu no dia a dia de fazer Universidade?

Tentar responder a estas perguntas nos mostrou o grau de complexidade que temos instituído na história da universidade brasileira. A realidade de nossa Universidade, de uma maneira geral, é a de uma instituição com várias marcas (francesa, alemã e americana), nascida sob vários olhares de fora. Nota-se que essas influências caminharam de acordo com as conveniências de cada época política do país, o que nos possibilita afirmar que esses modelos de certa forma não foram de fato implementados, vez que consideramos que um processo de implementação de uma proposta ou de uma forma de perceber a universidade pressupõe políticas a longo prazo.

O professor universitário aqui começa a figurar com um papel de prestador e recebedor de favores – no regime de cátedras, posteriormente como um sujeito ativo na organização do ideal de universidade autônoma e, durante a ditadura militar, uma ameaça à ordem estabelecida. Nesse

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sentido, sua docência vai se constituindo na medida em que a sala de aula, assim como a pesquisa e a extensão vão se materializando no dia a dia da vida universitária, diga-se de passagem, de acordo com as tendências aqui implantadas.

Acreditamos que ao longo desse processo de construção de um sentimento sobre Universidade brasileira, torna-se válido pensar que as influências de fora já deram sua contribuição como fontes de inspiração. É chegada a hora de se propor uma Universidade que seja respeitada em seu tempo histórico, em suas condições políticas e econômicas. Parece até romântico pensar que essa Universidade deve ser gestada em uma base nacional que vá em direção contrária ao que o Velho Continente, ou até mesmo às influências da América do Norte vêm indicando e movimentando mediante seus tratados e suas tendências. Porém, seria uma felicidade pensar em forjar a nossa tradição de Universidade.

A Universidade que temos na atualidade é tão somente fruto dessas relações tecidas ao longo da história da educação brasileira. A forma com a qual lidamos no dia a dia do fazer Universidade é a maneira que temos de repensá-la, questioná-la, reorientar os olhares em torno dela.

Hoje a Universidade se move para repensar sua prática ou repensarem por ela: atender ao mercado, ao Estado, ao ideal utópico de sua existência – sua autonomia. E sua liberdade de ser e estar na sociedade é o que de fato se questiona. Uma nova reforma tem sido pensada10. Os protagonistas da história são os mesmos: comunidade, sociedade, Estado e capital.

Vários encontros nacionais e internacionais11 têm sido promovidos em prol de pensar essa instituição. As dúvidas, certezas, inspirações, lutas e vozes não param. Esse tecer é o que vem movendo 10 Essa reforma parte do Modelo neoliberal de economia, que vem priorizando a iniciativa superior privada e negando as Universidades públicas existentes, bem como sua expansão. Aqui no Brasil, desde o ano de 1996, mobilizações e discussões estão acontecendo em prol dessa Nova Reforma. Ver maiores informações em: www.mec.gov.br. 11 Em 1998, ocorreu em Paris um encontro internacional: Conferência Mundial sobre Educação Superior, que teve como resultado a confecção do documento “Visão e Ação: a Universidade no século XXI”. Em 1999, um acordo conhecido como Tratado de Bolonha foi feito em 29 países do velho continente. Esse tratado é uma aliança entre tais países para unificar os conteúdos e currículos das Universidades com a finalidade de tornar a Europa mais competitiva no mercado de trabalho internacional. Ver mais em: <www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=12054>.

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as possibilidades de se pensar o docente, o discente e a tendência dos rumos dessa instituição tão recente no Brasil.

Referências

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Recebido em: 18/6/2008Aprovado em: 20/1/2009

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 65-81 2009

O projeto de Humboldt (1767-1835) como fundamento da pedagogia universitária

José Carlos Souza Araújo1

Resumo: Este se estrutura em torno de uma análise dos aspectos basilares da obra de Wilhelm von Humboldt (1767-1835) intitulada Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim, escrita em 1810, a qual ainda traduz, e de um modo significativo, o ideário em torno de universidade nos tempos contemporâneos. Seus marcos se expressam em torno da indissociabilidade entre ensino e pesquisa, sob a tutela da busca pelo desenvolvimento científico, fundado na autonomia, na liberdade de investigação, na cooperação, na colaboração, cabendo ao Estado a obrigação de construir e manter tal empreendimento. Seu horizonte universitário se organiza em torno da construção do Estado-Nação, para o qual a universidade é convocada a enriquecer sua cultura moral. Em suma, a postura humboldtiana enuncia, com base nesses princípios enunciados, fundamentos teórico-educacionais significativos, em vista de uma pedagogia universitária, temática esta que vem ocupando as atuais investigações, bem como sua disseminação no campo da educação brasileira contemporânea, através de publicações em revistas, livros e em anais de congressos.

Palavras-chave: Humboldt. Universidade. Educação Superior. Pedagogia universitária.

1 Doutor em Educação pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professor da Universidade de Brasília e da Universidade Federal de Uberlândia. E-mail: [email protected]

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Humboldt’s Project as a universitarian pedagogy fundamental

Abstract: This paper is structured on the analysis of the Wilhem von Humboldt masterpieces basis’ aspects (1767-1835) titled “Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim”, written in 1810, which still translates in a meaningful way, the ideals around the universities in the current time. Its ideals express the indivisibility between teaching and research, under the custody of the searching for the scientific development, founded on autonomy, in the freedom of investigation, on cooperation, on colaboration, given to the State the obligation to build and maintain such activity. Its universitarian horizon is organized based on the State-Nation construction, which the university is required to enrich its moral culture. In synthesis, the humboldtian posture announces, based on the described principles above, meaningful theoretic-educational fundamentals, in the behalf of an universitarian pedagogy, which has been occupying the current investigations, such as its spread in the brazilian education field nowadays, through publications, magazines, books and congresses press.

Keywords: Humboldt. University. Higher Education. Universitarian pedagogy.

O objeto deste é estruturar um fundamento, dentre outros, da universidade contemporânea expresso pelo alemão, Wilhelm von Humboldt (1767-1835), particularmente através de uma obra vinda a público somente em 1899. Seu texto, objeto deste artigo, se intitula Sobre a Organização Interna e Externa das Instituições Científicas Superiores em Berlim, escrito em 1810, um opúsculo fundador sobre a Universidade de Berlim, Alemanha, da qual foi reitor, desligando-se da mesma em abril de 1810, depois de se envolver nesse projeto desde os finais de 1808 (cf. ROCHA, 1997).

Embora seja um escrito fundador da história daquela Universidade, revê-lo significa buscar as trilhas do ideal universitário – e, por consequência da pedagogia universitária – que informou a Educação Superior nos séculos XIX e XX, bem como inspirações para a discussão sobre o rumo da universidade contemporânea, particularmente a brasileira, e por dois motivos: o primeiro em vista da oxigenação das universidades federais, e o segundo associado à ruidosa expansão do setor privado no campo da Educação Superior.

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Por conseguinte, advoga-se nesse artigo que o horizonte em que se põe a universidade contemporânea guarda estreitos laços com as balizas estabelecidas por Humboldt. A partir da década de 1980, o debate sobre a universidade brasileira tem se firmado em torno de uma defendida distinção entre universidade de pesquisa e universidade de ensino (SILVA FILHO, 2004): se, por um lado, desde então aí se revela a gestação de novas concepções de universidade e de educação superior (SANTOS, 2004), por outro a defendida distinção entre ensino e pesquisa, bem como sua indissociabilidade, expressam uma estreita sintonia com o horizonte humboldtiano do início do século XIX.

E esta é a direção desse estudo: estruturar as balizas da concepção de universidade de Humboldt, no sentido de compreendê-la como uma referência à discussão contemporânea, inclusive em torno do recente encaminhamento político-educacional brasileiro em torno da reforma universitária, expresso na Exposição de motivos da reforma universitária, de 29 de julho de 2005 (BRASIL, 2005).

O iluminismo e a emergência da universidade alemã

Buscando explicitar o contexto alemão em que nasce e se forma Wilhelm von Humboldt, remetemo-nos à concepção iluminista que concebe e expressa ideais centrados na ideia de progresso, explicitando a educação – particularmente a escolar, e aí a educação superior está inserida – como mediação para nortear e realizar o mesmo progresso. As discussões sobre tal temática presentes nas obras de Turgot, Kant, Condorcet, Voltaire, Herder entre outros no decorrer da segunda metade do século XVIII explicitam tal norteamento. Tratava-se de iluminar, de trazer luzes à razão: nesse diapasão, as ciências e a filosofia são convocadas a dar sustentação a esse projeto iluminista. Estava então em andamento, mais nitidamente, a secularização da cultura, e de uma maneira mais expressiva do que se punha desde os inícios da Modernidade no século XIII (VAZ, 1991, p. 77).

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Nessa direção, a perspectiva que se abre é buscar a compreensão dos vínculos entre as categorias progresso e educação, compreendendo a primeira como central na compreensão das ideias educacionais veiculadas desde o projeto iluminista. Afirmando assim, a categoria progresso se inscreve como potencialmente significativa para a perspectiva da história de longa duração. Nessa direção, a referida categoria se posiciona como um projeto civilizatório, bem como um norteamento para esse mesmo projeto. E a educação é concebida como capaz de fazer irradiar o progresso, eis em suma o ideário iluminista.

O verbete da Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers sobre Progresso é insignificante quanto à extensão: “Movimento para a frente; o progresso do Sol na elíptica; o progresso do fogo; o progresso desta raiz. Também se toma em sentido figurado, e diz-se fazer progressos rápidos numa arte, numa ciência” (ENCYCLOPÉDIE..., 1986, p. 284). Entretanto, sua significação se projeta para além de sua genealogia no século XVIII, particularmente no andamento de sua segunda metade.

O ir para diante ou o movimento para frente tornou-se uma alavanca orientadora para a civilização ocidental. Embora haja referência sobre o progresso na obra de Saint-Pierre (1658-1743), Projeto de Paz Perpétua, escrita em 1713, bem como se reconheçam influências de Bossuet (1627-1704), de seus Discursos sobre a história universal, de 1681, na configuração desse norteamento, o termo progresso passa a adquirir projeção basicamente a partir de 1750, sobretudo através das obras de Turgot (1727-1781), Condorcet (1743-1794), Kant (1724-1804), Herder (1744-1803) e Voltaire (1694-1778).

Portanto, historicamente a ideia de progresso se esboça com nitidez no século XVIII, quando na verdade ela é assumida numa perspectiva mais plenamente secularizada. Os esforços anteriores, sobretudo os vinculados ao período da modernidade, deixam antever o percurso de tal concepção triunfante. Embora a partir do século XVIII possam ser visualizadas várias perspectivas em torno da ideia de progresso, esta adquire uma conotação bem singular no interior da

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concepção iluminista: aposta ela na perfectibilidade do ser humano, seja no âmbito da educação intelectual, seja no âmbito da educação moral. A utopia educacional se estrutura em torno da construção de um homem ilustrado, contando com as qualidades naturais que ele guarda consigo.

Na visão de Nisbet (1985, p. 181), o período entre 1750 e 1900 cobre o auge da ideia de progresso no Ocidente, assumindo que é em torno dela que giravam outras ideias como igualdade, justiça social, soberania popular – acrescentaríamos também o de educação. Tais ideias “quando inseridas no contexto da ideia de progresso poderiam parecer, não só meramente desejáveis, mas também historicamente necessárias, sendo inevitável sua eventual realização”.

Para o âmbito desse artigo, serão explicitadas algumas posições significativas de Kant e Condorcet a título de exemplificação, buscando situar a questão relativa ao binômio educação e progresso, a fim de explicitar o encaminhamento do ideário iluminista.

Para Kant (1986a, p. 9), na obra Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, vinda a público em 1784, “[...] o que se mostra confuso e irregular nos sujeitos individuais poderá ser reconhecido, no conjunto da espécie, como um desenvolvimento continuamente progressivo, embora, lento, das suas disposições originais”. Tal afirmação precisa levar em conta a articulação de três conceitos-chave: espécie humana, progresso e disposições naturais. Ou seja: a marcha progressiva da humanidade é perceptível em termos da espécie e não em nível individual, mas tal marcha implica em direcionar as disposições naturais com que a humanidade é dotada.

O trecho citado acima se torna mais explícito, quando da enunciação da Primeira Proposição presente na referida obra: “Todas as disposições naturais de uma criatura estão destinadas a um dia se desenvolver completamente e conforme um fim” (KANT, 1986a, p. 11). No entanto, a Segunda Proposição da mesma obra, explicita melhor as relações entre o indivíduo e a espécie, bem como situa o significado e a potencialidade da razão como faculdade vinculada à marcha progressiva

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da humanidade em vista de sua destinação à perfeição. Mas de forma nenhuma ela dispensa o exercício, o ensinamento e a tentativa em vista de tal marcha:

No homem [...] aquelas disposições naturais que estão voltadas para o uso de sua razão devem desenvolver-se completamente apenas na espécie e não no indivíduo. Numa criatura, a razão é a faculdade de ampliar as regras e os propósitos do uso de todas as suas forças muito além do instinto natural, e não conhece nenhum limite para seus projetos. Ela não atua apenas de maneira instintiva mas, ao contrário, necessita de tentativas, exercícios e ensinamentos para progredir, aos poucos, de um grau de inteligência a outro (KANT, 1986a, p. 11).

Na obra publicada em 1793, Aquilo que vale em Teoria, não vale na Prática, Kant situa o progresso como um gradual e contínuo crescimento, o qual nunca pode ser detido:

Será a mim permitido, pois, admitir que, como o gênero humano se encontra em contínuo avanço no que respeita à cultura, que é seu fim natural, também cabe conceber que ele progride para melhor no que concerne ao fim moral de sua existência, de modo que este progresso sem dúvida será às vezes interrompido porém jamais detido (KANT, 1986b, p. 53-54).

Para Condorcet (1993), a razão e o progresso também se fazem bem delineados em sua obra, Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano, publicada em 1794. Faremos três citações, a primeira presente na introdução à obra. Seu teor, em vista do objeto deste artigo, implica reconhecer a progressão contínua das faculdades humanas e a marcha para a perfectibilidade humana. Em suas palavras:

[...] a natureza não indicou nenhum termo ao aperfeiçoamento das faculdades humanas; que a perfectibilidade do homem é realmente indefinida: que os progressos dessa perfectibilidade, doravante independentes da vontade daqueles que desejariam detê-los, não têm outros termos senão a duração do globo onde a

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natureza nos lançou. Sem dúvida, estes progressos poderão seguir uma marcha mais ou menos rápida, mas ela deve ser contínua e nunca retrógrada enquanto a terra ocupar o mesmo lugar no sistema do universo, e enquanto as leis gerais deste sistema não produzirem nem uma desordem geral, nem mudanças que não permitiriam mais à espécie humana conservar aqui as mesmas faculdades, desdobrá-las, encontrar aqui os mesmos recursos (CONDORCET, 1993, p. 20-21).

A segunda citação, presente no capítulo intitulado, Dos futuros progressos do espírito humano, na verdade, de caráter conclusivo, Condorcet estabelece relações em relação ao papel da educação como instrumento destinado ao desenvolvimento igual das faculdades, igualdade esta concebida em seus vínculos com a liberdade concebida como encaminhamento para a vida social:

Enfim, a instrução bem dirigida corrige a desigualdade natural das faculdades, em lugar de fortalecê-la, assim como as boas leis remedeiam a desigualdade natural dos meios de subsistência; assim como, nas sociedades onde as instituições terão conduzido a esta igualdade, a liberdade, se bem que submetida a uma constituição regular, será mais extensa, mais integral do que na independência da vida selvagem [...] (CONDORCET, 1993, p. 186).

No parágrafo seguinte, é clara a relação entre o aperfeiçoamento do homem e a ideia de progresso como capaz de promovê-lo. Este, na verdade, se funda na igualdade, na extensão da instrução, na liberdade. Enfim, o que está em jogo é a felicidade dos homens:

As vantagens reais que devem resultar dos progressos dos quais se acaba de mostrar uma esperança certa só podem ter por termo o aperfeiçoamento da espécie humana, já que, na medida em que diversos gêneros de igualdade o estabelecerão por meios mais vastos de prover a nossas necessidades, por uma instrução mais extensa, por uma liberdade mais completa, mais esta igualdade será real, mais ela estará próxima de abarcar tudo aquilo que interessa verdadeiramente à felicidade dos homens (CONDORCET, 1993, p. 186).

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Portanto, tal ideário em torno do progresso que implica umbilicalmente a educação do homem, individual e coletivamente, mas sempre vinculado à perspectiva civilizatória potencializada pelo progresso, se configura energicamente como norteamento, em que a ilustração se torna uma instrumento para a realização civilizatória da humanidade.

É nessa direção, ou sob tal inspiração iluminista, que várias obras particularmente sobre a universidade – desde os fins do século XVIII e primeiras décadas do século XIX – devem ser concebidas como expressões de um movimento de ordem intelectual e de exigências organizativo-institucionais respondentes ao movimento da secularização da cultura. Exemplificando: é o caso de Diderot, com seu Plano de uma universidade de 1775, de Kant, com a obra Conflito das faculdades, de 1798, de Fichte com a Por uma Universidade Orgânica: Plano Dedutivo para um Estabelecimento de Ensino Superior, de 1807, de Schleiermacher com Pensamentos de Circunstância sobre a Universidade segundo a Concepção Alemã, de 1808.

Sobre a organização interna e externa das instituições científicas superiores em Berlim

É no interior de tal contextualização de ordem intelectual e civilizatória, sob a direção iluminista, que se insere a referida obra de Humboldt de 1810, na verdade um texto sucinto e inacabado, mas lapidar enquanto manifestação teórico-educativa em torno da universidade e de sua pedagogia, mas também associado às dimensões organizativa e gestora das instituições de ensino superior.

Seu posicionamento inicial confere a estas duas tarefas: desenvolvimento científico e formação moral e intelectual: “O conceito das instituições científicas superiores [...] implica duas tarefas. De um lado, promoção do desenvolvimento máximo de ciência. De outro, produção do conteúdo responsável pela formação intelectual e moral” (HUMBOLDT, 1997, p. 79).

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No entanto, essas duas tarefas não se põem como autônomas e complementares. Na verdade, revela Humboldt que as referidas instituições internamente se organizam pela combinação da ‘ciência objetiva’ com a ‘formação subjetiva’. Como se observa, as bases da concepção sobre o vínculo entre pesquisa e ensino na educação superior estão aí postas. Porém, esclarece que o carro-chefe da mesma, bem como seu objetivo é a ciência. E o desenvolvimento não pode obedecer a parâmetros externos à universidade: para ele, o desenvolvimento científico contém a sua própria finalidade. Portanto, a centralidade da instituição universitária está posta na ciência, esta sim diretora da “produção do conteúdo responsável pela formação intelectual e moral” (HUMBOLDT, 1997, p. 79).

No dizer de Gerhardt (2002, p. 20), professor da Humboldt Universität zu Berlin, Alemanha,

[...] Wilhem von Humboldt parte de uma concepção de ciência aberta, inteiramente experimental. Não se sabe ao certo por que caminhos a pesquisa haverá de enveredar. Ninguém sabe para onde conduz o conhecimento. Mas se os resultados são abertos, as formas institucionais, nas quais se busca alcançá-los, também devem ser abertas. Por isso, também a organização da ciência deve ser definida na medida mínima possível. A instituição também deve ser mantida aberta a inovações, como dizemos hoje, bem no sentido de Humboldt. O único norte é o da concorrência fecunda. Se lograrmos estabelecer um certame de grande vitalidade entre espíritos livres, teremos criado os melhores pressupostos para o desenvolvimento da ciência.

No entanto, é no interior de tal assertiva que seu posicionamento ganha clareza: “[...] as instituições científicas apenas se justificam plenamente quando as ações que as definem convergem para o enriquecimento da cultura moral da Nação” (HUMBOLDT, 1997, p. 79).

A esta altura, alguma síntese é possível e necessária: a universidade se configura em torno da ciência, devotada à veiculação de conteúdos destinados à formação intelectual e moral, mas em última instância assentada num projeto de enriquecimento da cultura moral da Nação.

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Esta última posição nos remete às discussões sobre a concepção de educação nacional, ou de educação como mediação para a construção da Nação. Embora elas já se expressem em textos de Erasmo de Roterdão e de Lutero no início do século XVI, as discussões afloraram com mais densidade no período de efervescência do iluminismo, sobretudo no decorrer da segunda metade do século XVIII.

Conceber a educação como provedora de uma estruturação da nacionalidade é algo que está presente em escritos de Rousseau, La Chalotais, Diderot, Lepelletier, Fichte, entre outros. Estava aí em gestação a emergência do Estado Moderno que se afigura como representante da Nação. Conceber a universidade – uma forma particular de educação escolar – como devendo estar devotada ao ‘enriquecimento da cultura moral da Nação’ é revelar as marcas de uma discussão que tem sua contextualização datada em termos alemães. O pensamento de Fichte expresso no Discursos à nação alemã, de 1807-1808, manifesta a mesma preocupação, e a ela certamente Humboldt está vinculado.

No entanto, há uma outra dimensão a ser ressaltada, a de que a ciência orienta a produção de conteúdos. Portanto, estes ganham sentido desde que orientados pela pesquisa e pelo desenvolvimento científico, e desde que se apresentem como intermediação em vista de um destino, que passa pela formação intelectual e moral, a qual por sua vez visa, em última instância, a cultura moral da Nação.

O posicionamento humboldtiano, no entanto, é lapidar, pois a centralidade de que goza a ciência em sua concepção o permite afirmar: “Uma vez que estas instituições só cumprem sua finalidade ao realizarem a ideia pura de ciência, os princípios mais importantes de sua organização se encontram na autonomia e na liberdade” (HUMBOLDT, 1997, p. 80).

Tais princípios, se somados à cooperação e à colaboração, como o faz Humboldt (1997, p. 80), são basilares em sua concepção de universidade. Se de um lado a autonomia científica está vinculada à liberdade de investigação, e ambas se influenciando mutuamente na construção das relações entre os pesquisadores, estes contribuem para

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a vida da instituição universitária, desde que estabeleçam interações em vista da cooperação – expressa por Humboldt em duas perspectivas: uma concebida como complementação mútua entre os cientistas, e a outra como geradora de entusiasmo entre os mesmos. Trata-se como se vê de promover no interior da universidade uma sinergia que seja cimentadora das relações em vista do desenvolvimento científico.

Em esclarecimento ainda à centralidade de que goza a ciência no pensamento humboldtiano: “[...] numa instituição científica superior, o relacionamento entre professores e alunos adquire uma feição completamente nova, pois, neste ambiente, ambos existem em função da ciência” (p. 81). Tal orientação acaba por revelar que o ensino na educação superior não deve se organizar em torno do que propriamente significa o ensino em versão dicionarizada ou seja, como transmissão de conhecimentos.

Se ensinar deriva de insignire, que significa distinguir, assinalar, tal dimensão etimológica é ultrapassada pela perspectiva posta por Humboldt, a de que o ensino resulta da pesquisa, e não esta daquele. Situar a pesquisa como norteadora do ensino envolve, como já se viu anteriormente, em elevar-se a um patamar, cujos parâmetros sejam a autonomia, a liberdade acadêmica, a cooperação e a colaboração. Se o aluno de nível superior deve assentar-se nesse patamar, trata-se de elevá-lo fundado nesses princípios orientadores. Portanto, o ensino como transmissão de conteúdos é secundarizado, e a pesquisa é situável como princípio organizador das relações entre o professor e o aluno, ainda que este se manifeste fragilizado em relação à vitalidade científica do professor. Mas, é o norteamento pela pesquisa que deve balizar tais relações. Como afirma Humboldt (1997, p. 81), as instituições universitárias devem se caracterizar pela “[...] vida intelectual dos que se dedicam à ciência e à pesquisa”.

Sua concepção, nessa direção, estabelece o Estado com a obrigação de manter a dinâmica em vista de tal desenvolvimento científico, concebendo-o como possuidor de uma lógica própria e interna à atividade científica. No entanto, não é somente a pesquisa que

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tem a sua própria lógica interna, mas também o conteúdo de ensino, destinado à formação intelectual e moral. “Esse conteúdo não pode ser determinado segundo uma intenção que lhe seja externa. Pelo contrário, contém sua própria finalidade” (HUMBOLDT, 1997, p. 79). Dessa forma, o Estado, em sua concepção, deve se manter isento em relação ao desenvolvimento científico, e isentar-se de intervenção.

Trata-se, como se deduz de tal princípio orientador da política educacional, de colocar a ciência como uma busca infindável, que orienta a instituição universitária como lugar de desenvolvimento científico, fundado na liberdade de investigação e na autonomia. Uma de suas demarcações se põe na relação com o Estado, uma vez que este “[...] não pode exigir das instituições científicas superiores nada que se relacione imediata ou diretamente a si mesmo. Ao contrário, deve compreender que, ao alcançarem sua autêntica finalidade, estas também cumprem as finalidades do próprio Estado” (HUMBOLDT, 1997, p. 89).

Tal concepção acaba situando a universidade como um local em que a ciência e a política se expressam coadjuvantes, aquela construtora deste. Não há uma dicotomização, pelo contrário: “[...] a universidade mantém sempre uma relação intrínseca com a vida prática e com as necessidades do Estado, já que, ao orientar a juventude, desempenha tarefas pragmáticas que interessam ao Estado” (HUMBOLDT, 1997, p. 94-95).

Em síntese, as balizas postas por Humboldt se explicitam em torno da pesquisa e do ensino, concebidos como indissociáveis, mas este sob a tutela daquela. Para isso, a autonomia, a liberdade, a cooperação e a colaboração são mediações que visam estruturar as condições para o desenvolvimento científico. O papel do Estado aí se configura como uma obrigação, a de propiciar as condições para o desenvolvimento científico que, em última instância, ressoa em vista das finalidades do Estado. Se a concepção de Nação, no texto em apreço, aparece dissociada das concepções que expressam o que é o Estado, significa que este é posto a serviço daquela, ou seja: as realizações do Estado têm em vista o enriquecimento da cultura moral da Nação.

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Liames entre o projeto humboldtiano e a universidade brasileira

Tais balizas humboldtianas apresentam-se como auxílio à avaliação do sentido da reforma da educação superior brasileira, em gestação, seja para captar as suas direções, bem como suas diferenças em relação ao projeto humboldtiano. Como a inserção da educação superior se encontra em ebulição em relação às demandas postas pela atual construção histórica, pretende-se sugerir que a visão de Humboldt se apresente como um contraponto, sem pretender servir a uma inspiração reacionária. Afinal, desvelar o movimento histórico contemporâneo implica conhecer como o passado deixa as suas marcas, muitas vezes de longa duração, como é o caso da concepção humboldtiana; por outro lado, implica em captar o presente em suas manifestações diferenciadas em relação ao passado. Em suma, trata-se de dialetizar o passado e o presente através da empiria que os informam, bem como através da análise das manifestações empíricas.

Que existam diferenças entre as instituições de ensino superior – universidades, centros universitários, faculdades etc.2 –, é inegável, mas que as universidades ditas de ensino vêm contribuindo para a pesquisa e para o desenvolvimento científico também é plenamente sustentável. É plausível também reconhecer que alguns centros universitários tenham norteamentos também vinculados à pesquisa, seja em torno de seus projetos político-pedagógicos, seja efetiva e operacionalmente da pesquisa, da iniciação científica etc.

Embora as universidades de ensino e de pesquisa estejam postas em discussões contemporâneas, às vezes de uma forma dicotômica, é preciso afirmar que o ideário humboldtiano ainda está a inspirar reflexões contrárias a tal dicotomização. O projeto humboldtiano deixa implícita a defesa de uma universidade pública (sinônimo de estatal), sob os cuidados do Estado, mas isenta de suas interferências e/ou de seus interesses imediatos. No entanto, aí está afirmada a dimensão política da educação que não pode perder de vista a sociedade a que ela serve.2 Segundo a legislação em vigor, as Instituições de Educação Superior estão organizadas da seguinte forma: universidades, universidades especializadas, centros universitários, centros universitários especializados, faculdades integradas, faculdades, institutos superiores ou escolas superiores e centros de educação tecnológica (BRASIL, 2009).

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Exemplo de tal perspectiva é a tensão expressa pelo documento do MEC de 29/07/2005:

a) de um lado, a afirmação de que as instituições de ensino superior devem estar voltadas para o desenvolvimento da nação, reconhecendo a liberdade de pensamento e de opinião, a autonomia do fazer acadêmico; tais posições nos remetem às diretrizes humboldtianas. Nesse sentido, o documento que contém a exposição de motivos a respeito da reforma universitária é explícito com relação à autonomia universitária (BRASIL, 2005, p. 24) e à liberdade acadêmica.

Em relação ao Estado, o documento em apreço é explícito com relação ao seu papel relativamente à educação. Depois de citar os artigos 215 e 216 e 218 da Constituição Brasileira de 1988, cujos conteúdos são referentes ao papel do Estado em relação aos direitos culturais, às criações científicas, artísticas e tecnológicas associadas ao desenvolvimento nacional e regional, sustenta:

Sendo assim, o Estado deve propiciar, ele próprio, a educação superior como um de seus atributos não apenas em benefício dos que a recebem diretamente das instituições públicas de educação superior, mas também em favor do conjunto da sociedade pelos serviços que lhes prestarão os profissionais por elas formados, pelo conhecimento que geram e comunicam à sociedade, aí incluído o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de técnicas produtivas com repercussão econômica direta (BRASIL 2005, p. 11).

Além de tal perspectiva que compreende o papel do Estado em relação à sociedade, delineia o papel da reforma universitária proposta, primeiramente afirmando o papel do Estado como provedor das unidades federativas com pelo menos uma universidade federal, para afirmar que a “[...] Reforma da Educação Superior visa [...] a ampliação da rede pública de educação superior e a oferta de melhores condições acadêmicas nas instituições existentes [...]” (BRASIL, 2005, p. 11). E arremata que “[...] a educação privada realizada não se exime das finalidades da educação superior a que se submete a educação superior pública” (p. 11).

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Todavia, dentre as diretrizes do anteprojeto da reforma universitária em apreço, afirma que a segunda “[...] refere-se à necessária e urgente recuperação da capacidade do Poder Público de regular, avaliar e supervisionar adequadamente as instituições, sejam elas privadas ou públicas, [...] um elemento essencial no enfrentamento das desigualdades sociais e regionais [...]” (p. 23).

b) por outro, também estas instituições devem estar promovendo a solidariedade e a inclusão social, através dos saberes que põem em circulação, bem como um equilíbrio entre a soberania popular e autonomia do fazer acadêmico; além disso, também a redução das desigualdades sociais e regionais está entre as suas preocupações diretoras:

[...] Hoje, a construção de uma universidade pública, democratizada e comprometida com um projeto de nação, guarda sua inspiração básica nessas conquistas históricas, embora tenhamos assistido posteriormente a uma diversificação institucional da educação superior. Tal dinâmica, porém, incluindo a expansão da educação superior privada, não nos deve afastar da missão fundadora da universidade latino-americana (BRASIL, 2005, p. 3-4). As instituições de ensino superior, e as universidades em particular, [...] devem ser pensadas em conexão com os grandes impasses e dilemas que deverão ser superados pelo Brasil nas próximas décadas, entre os quais se sobressaem a superação das desigualdades e a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável, capaz de conciliar crescimento econômico com justiça social e equilíbrio ambiental. As instituições de ensino superior são chamadas a interagir com as vocações e as culturas regionais, repartindo o saber e a tecnologia com toda a sociedade [...] (BRASIL, 2005, p. 1).

Dessa forma, o ideário humboldtiano se põe ainda inspirador dos norteamentos da educação superior brasileira, mas manifestam-se posições, no caso brasileiro, que se revelam, de um ponto de vista filosófico-social, situadas sob parâmetros em que as locuções – educação superior e sociedade – configuram-se como uma aspiração possível, certamente em vista de sua concretização. Nesse sentido, a temática

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em torno da educação superior para todos se renova – particularmente desde os anos 1960, quando o lema era, mas continua sendo, talvez com mais nitidez, a democratização do acesso –, mas a ideia de ciência pura ainda continua a inspirar os rumos da educação superior no Brasil, particularmente entre as universidades públicas.

Procurando concluir: em torno de tais aspectos aqui reunidos, pode-se compreender que a postura humboldtiana é um princípio diretor para a construção de uma pedagogia universitária, capaz de oxigenar as discussões contemporâneas a respeito, bem como oferecer diretrizes a essa importante dimensão da formação da juventude. A pesquisa científica se configura em vista da elaboração do conhecimento, mas também deve responsabilizar-se pela formação intelectual e moral da juventude. Como pensava Humboldt, ciência objetiva e formação subjetiva implicam numa interação entre os professores e os alunos diante dos projetos institucionais devotados ao desenvolvimento científico. Trata-se de um compartilhamento necessário – entre professores e alunos – para constituir-se como um ancoradouro à pedagogia universitária. Nesse sentido, as artérias que farão pulsar a vida universitária, são denominadas por liberdade de investigação, autonomia, cooperação e colaboração. Certamente, tais aspectos aqui refletidos são constituintes de uma topografia – etimologicamente, descrição de um lugar – da própria pedagogia universitária.

Referências

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BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). O Sistema de Educação Superior. Disponível em: <http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/educacao_superior.stm>. Acesso em: jun. 2009.

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81 O projeto de Humboldt (1767-1835) como fundamento da pedagogia universitária

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Recebido em: 29/6/2008Aprovado em: 10/7/2008

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Política, currículo e didática na educação superior

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 85-105 2009

A política educacional e as suas implicações no ensino superior

José Carlos Barboza da Silva1

Resumo: O artigo apresenta uma explanação das políticas educacionais no ensino superior no Brasil e seus impactos políticos, em particular nos cursos de graduação universitária, principalmente nas últimas décadas. A análise de tais políticas demonstra que no ensino superior as mudanças políticas e econômicas ocorridas afetaram significativamente as políticas educacionais e, em particular, a configuração da formação acadêmica.

Palavras-chave: Política educacional. Nível superior de ensino. Formação acadêmica.

The educational politics and its implications for universitarian education

Abstract: The article presents an explanation on policies at the universitarian educational system and its impacts, in particular, on univestarian graduation course, mainly in the last decades in Brazil. The analysis of such politicies demonstrates that in the universitarian education, changes which happened affected meaningfully the educational politicies and, in particular, the organization of the academic formation.

Keywords: Educational Policy. Universitarian Education. Academic formation.

1 Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da UNIR/RO. Doutorando em Educação Escolar pela UNESP/Araraquara. E-mail: [email protected]

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Introdução

O presente artigo tem como principal objetivo apresentar uma análise sucinta das interferências e dos desdobramentos ocasionados pelas políticas públicas na área educacional, dadas as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais ocorridas nas últimas duas décadas em nosso país.

Significativas mudanças sociais ocorreram na década de 80, tanto do ponto de vista político quanto econômico-social, tais como o acirramento do modelo econômico de desigualdade em termos de distribuição de renda, e a violência crescente nos grandes centros urbanos do país.

É durante a década de 70 que se rompe o chamado consenso, palavra que denominava um pacto político importado da Europa pós-guerra, e que tinha como princípio e pontos não-negociáveis o pleno emprego e políticas de salário, a construção de um sistema nacional de saúde e a seguridade social. Tal modelo era advindo do Reino Unido e fazia parte da reorganização capitalista, constituindo-se na base do welfare state ou, em outras palavras, estado do bem-estar, que era uma “forma de garantir a estabilidade das democracias capitalistas desenvolvidas” (YAMAMOTO, 1996, p. 15). Foi Keynes o teórico mais importante na concepção de que havia a necessidade do Estado atuar planejando, regulando e criando políticas de incentivo na economia para que o mercado fosse controlado. Esta seria uma maneira de diminuir os efeitos nefastos do capitalismo numa sociedade de livre mercado.

Rosanvallon (1997) utiliza a expressão Estado-providência para referir-se ao welfare state. Ele situa o nascimento de tal expressão em meados do século XIX, informando que teria um sentido inicial de reprovação para autores de economia política “cristã”. Aponta, ainda, que houve uma modificação dos termos do que ele denomina compromisso keynesiano, que vigorou nos últimos 30 ou 40 anos no Estado-providência e que deve ser entendido com base nos imperativos do crescimento econômico, mas atendendo-se às exigências de uma maior equidade social nos parâmetros do Estado socialmente e economicamente ativo.

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87 A política educacional e as suas implicações no ensino superior

Conforme Moraes (2000), o movimento neoliberal começa a romper o keynesianismo na metade dos anos 70 e, logo em seguida, em vários países, iniciando pela Inglaterra com Margaret Thatcher e, depois, nos EUA, com Reagan, já em 1980, quando tais líderes partidários do neoliberalismo assumem o poder em seus países. O autor informa que as primeiras grandes experiências utilizando-se de um modelo econômico-político com viés neoliberal foram utilizadas na América Latina no início da década de 70, no Chile e, posteriormente, na Argentina, em 1976. Os demais países latino-americanos na década de 1980 sofreram a imposição de tal modelo neoliberal de ajuste econômico por meio dos processos de renegociação de suas dívidas com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e com o Banco Mundial (BIRD). São exemplos a Bolívia, o México, a Argentina, a Venezuela, e o Peru. É preciso lembrar que a maioria dos países da América do Sul , na década de 1970, inclusive o Brasil, estava sob regime de ditaduras militares que financiavam seus regimes por meio de endividamento externo com o FMI e Banco Mundial.

Yamamoto (1996) informa que é controversa a questão de um estado do bem-estar em sentido estrito no caso brasileiro, que não apresentava as mesmas características históricas do Primeiro Mundo. Nossa realidade correspondia a uma situação de miséria e exclusão social na quais as políticas sociais tinham um baixo grau de eficácia. Covre (apud YAMAMOTO, 1996, p. 16) denomina tal situação de “panorama dos direitos sociais ilusoriamente atendidos”.

Com isso, apesar do desmonte de um Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos ter se iniciado na forma de uma política nos anos 80, na realidade brasileira somente a partir dos anos 19902 essa política passa a ser uma realidade concreta, pois o país passou por estagnação econômica, instabilidade política e luta pela redemocratização durante a década de 1980.2 Silva Júnior (2002a) aponta que no governo de Fernando Henrique Cardoso são marcantes os principais traços que dirigiram as mudanças estruturais nos planos econômico e social, sendo a reforma do Estado o primeiro e imprescindível fator para que o Estado pudesse ser entendido como um tipo de relação social, decorrendo daí um novo processo de politização das relações sociais e de produção de uma nova cultura política que estivesse ajustada às mudanças do capitalismo das últimas três décadas. Por isso, a necessidade premente de iniciar um processo de reformas institucionais pelo Estado.

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Interferências e desdobramentos das políticas públicas na área educacional

Cada vez mais o mercado de trabalho tem assumido a hegemonia na determinação do tipo de escolarização que deve ser dada ao povo (CFP, 1998, p. 4). Correia e Matos (1999) afirmam que um dos aspectos importantes das reformas educativas da década de 1990 foi o aumento da permeabilidade da escolarização às mudanças econômicas. Houve a substituição de um paradigma democratizante e humanista por um de natureza tecnocrática em que os atores e interesses envolvidos só se legitimam à medida que haja eficácia dos conteúdos escolares na direção do mercado de trabalho. Os aspectos econômicos passam a possuir a legitimidade necessária para interferir e determinar o tipo de escolarização a ser fornecido. Tal lógica de mercado passa a difundir-se como desejável dentro dos sistemas educativos. Santos Filho (1995, p. 3-4), afirma que a universidade tem incorporado “valores e práticas do mundo dos negócios, de vários grupos de interesses sociais e de outras subculturas”. Em países dependentes do capital externo como o Brasil, essa tendência é predominante e tenta estabelecer uma diretriz capaz de submeter o processo educativo ao processo produtivo (CHAVES, 2002). Pode-se falar no avanço das forças produtivas que fazem com que o capitalismo avance transformando tudo em mercadoria. A vinculação do sistema educacional ao bom funcionamento da maquinaria produtiva é um dos responsáveis pelas exigências feitas ao sistema escolar. Uma das consequências é a seguinte: “Quanto mais escasso for o mercado de trabalho, menos se aceitará que a educação faça outra coisa que não seja preparar para o mercado de trabalho. Quanto mais restrições são impostas pela crise, mais ajustes são reclamados” (GIMENO-SACRISTÁN, 1998, p. 54).

A política federal para a educação nos diferentes níveis representa a afirmação feita acima estabelecendo avaliações nos diferentes níveis de ensino fundamental, médio e superior3. Chaves (2002) realiza bem 3 Vianna (2003) chama a atenção para o fato de que a avaliação educacional tem sido usada na tentativa de obter resultados que elevariam os padrões de desempenho, mas nota que, apesar de tais avaliações apontarem os problemas, não os solucionam. Tedesco (1999) afirma que os

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fundamentada análise acerca dos aspectos embutidos no modelo de “avaliação” criado e executado atualmente na realidade brasileira, e sua vinculação umbilical com o modelo capitalista global vigente4, além dos desdobramentos sociais, políticos e econômicos decorrentes da execução e continuidade de tal processo dentro do ensino. Há a utilização de um novo modelo de estado capitalista denominado neoliberal que atinge as mais variadas áreas, inclusive a educação em seus diferentes níveis.

Como apontam Silva e Gentili (1999), o neoliberalismo serviu para a orientação de políticas governamentais num espectro de países que abrangiam desde as nações desenvolvidas até aquelas em situação de subdesenvolvimento ou não alinhadas.

É necessário esclarecer o significado da palavra neoliberalismo, derivada da palavra liberalismo, que diz respeito a uma doutrina política e econômica centrada na ideia de que o mercado auto-regulado ou não regulado pelo Estado é capaz de promover a igualdade social entre as pessoas de uma dada sociedade e as conduz à prosperidade, como se fosse uma política social. O neoliberalismo seria assim uma nova forma do liberalismo. Para os neoliberais, as políticas sociais e de igualdade não conduzem à liberdade, mas ao seu oposto, à escravidão (FRIGOTTO, 2004).

O conceito de equidade dentro da doutrina neoliberal se contrapõe ao conceito de igualdade na medida em que a equidade serve para promover as diferenças naturais entre as pessoas dentro de um sistema social, ao passo que a igualdade seria fruto de uma intervenção de caráter homogeneizador e, portanto, artificial. Dentro da visão neoliberal, a equidade se promove criando um sistema meritocrático para levar os indivíduos dessa sociedade à promoção das suas diferenças naturais (GENTILI, 1999).

resultados modestos das mudanças educacionais são decorrentes da interação de muitos fatores que atuam de forma sistêmica.4 Silva Júnior (2002) descreve o caminho percorrido pelas políticas econômicas, sociais e educacio-nais em nosso país apontando, entre outros fatores, a substituição da influência do modelo de Estado Keynesiano, criado pela necessidade de qualificação de mão-de-obra para a indústria nacional, e não pela preocupação da construção da cidadania, por um novo modelo de estado capitalista, a saber, o Neoliberal, em que há repasse para a iniciativa privada das responsabilidades antes desempenhadas pelo Estado. Aponta que, no Brasil, esse modelo começa a ser hegemônico a partir de 1994, com as privatizações e desmonte do parque industrial, tendo como uma das consequências a redução de verbas para as universidades e a instituição de avaliações: o “Provão”.

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As reformas estruturais por que vêm passando os países em desenvolvimento como o Brasil, desde as décadas de 80 e 90 do século passado, estão baseadas em uma concepção de desenvolvimento que aponta para: ajuste fiscal, privatização, reforma do sistema previdenciário, desregulamentação da economia e diminuição dos gastos públicos, dentre outros aspectos. No caso brasileiro tal reforma do Estado só pode se dar de forma abrangente a partir dos anos 90, já que nos anos 80 a economia encontrava-se debilitada, e viviam-se os aspectos do processo de redemocratização, após duas décadas de Ditadura Militar. Havia instabilidade macroeconômica e política, marcada pela desvalorização da moeda nacional, ausência de crescimento econômico, indefinição de políticas públicas, além de um processo de redemocratização da sociedade e de suas instituições.

Há uma transformação significativa na direção do discurso da década de 80 para a de 90, onde as ideias de qualidade e princípios tais como o de justiça redistributiva dos bens sociais e econômicos, foram trocados pelas ideias de maior produtividade, sempre com menor custo e maior controle do produto.

No contexto do ensino superior os aspectos de tais modificações econômicas e políticas vão se fazer sentir por meio da implementação de uma ampla reforma curricular, pois dentro do diagnóstico capitaneado pelo modelo neoliberal de desenvolvimento, trata-se de uma falta de qualidade advinda da falta de adequado gerenciamento das instituições. Daí caberem mecanismos que sejam capazes de avaliar a qualidade dos serviços educacionais entendida como a sua eficiência, a eficácia e a produtividade. A intenção e ação são vividas por meio de uma reestruturação do sistema de ensino com vistas a flexibilizar a oferta de “produtos educacionais”. Tal situação é acompanhada por ações no sentido de promover uma mudança comportamental que torne hegemônica uma cultura empresarial no sistema escolar dos diferentes níveis de ensino (SILVA; GENTILI, 1999).

Na perspectiva neoliberal, é a ausência de um mercado educacional que explica a incapacidade e ineficiência governamental para gerenciar

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o sistema de ensino e seus “produtos”, pois nessa lógica onde não há competição não pode haver interesse na qualidade dos “produtos” e nem preocupação com o estudante-consumidor. Assim, é na construção de tal mercado educacional que se dirige a linha mestra das políticas governamentais atuais, que priorizou incentivos à iniciativa privada no ensino superior (PROUNI)5 enquanto contingencia os recursos para as instituições de ensino superior públicas (REUNI)6.

Pode-se pensar, baseado nas análises efetuadas de inúmeros documentos oficiais, tais como a Lei de Parceria Público-Privada (PPP), Lei nº 11.079/04 (BRASIL, 2004f), a Lei de Incentivo à Inovação e à Pesquisa Científica e Tecnológica (IIPCT), a Lei nº 10.973/2004 (BRASIL, 2004e) e o Projeto de Lei nº 59/05 (BRASIL, 2005), que boa parte dos aspectos contidos nos distintos documentos expressa um reforço do processo de privatização do bem público e, em particular, do ensino superior. Tal opinião está fundamentada na observação, dentre outros, de documentos como o que trata da Reforma da Educação Superior (BRASIL, 2004c).

O que é a autonomia institucional dada para universidades e centros universitários para criarem cursos que pudessem ser vendidos ao mercado, senão um mecanismo do capitalismo que se instrumenta dentro de tal realidade institucional?

As políticas públicas educacionais que vem sendo implantadas especialmente no nível superior de ensino têm utilizado como método verificador de sua eficácia e/ou eficiência7 a avaliação, utilizando-se principalmente do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES)8, substituto atual do antigo Exame Nacional de Cursos 5 PROUNI significa Programa Universidade para Todos. Conferir: BRASIL. Ministério da Edu-cação. Medida Provisória nº 213, de 10 de setembro de 2004, que o instituiu conjuntamente com a Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005 (BRASIL, 2004d).6 REUNI significa Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais. Foi criado pelo Decreto nº 6096, de 24/04/2007 (BRASIL, 2007).7 Segundo Chauí (2003), o conceito de organização social que foi aplicado à universidade está diretamente afinado com a ideia de eficácia e eficiência, já que está em busca de determinados objetivos particulares guiados por tipos específicos de gestão, controle e planejamento adminis-trativo. Para ela a diferença entre o conceito de universidade como instituição e organização social se refere à falta, principalmente, da possibilidade de questionar sua função e seu lugar na luta de classes, ao passo que a universidade como organização social desempenha um papel de competir com as demais organizações que tenham os mesmos objetivos. 8 O MEC lançou, em 2003, a nova proposta de avaliação da educação superior, denominada SI-NAES. Tal avaliação foi aprovada pela Lei nº 10.861, de 14 de abril de 2004 (BRASIL, 2004a). A regulamentação dos procedimentos de avaliação do SINAES foi feita por meio da Portaria MEC nº 2.051, de 09 de julho de 2004 (CNE, 2004b). O SINAES é composto por três processos: a

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(ENC)9, conhecido como “PROVÃO”. Não se pode descartar a ideia de que a cobrança dos resultados da formação acadêmica ofertada está ligada a uma perspectiva utilitarista do capital mundial, já que países como o Brasil, dependente de investimento de capitais estrangeiros para se desenvolver busca na produtividade uma alternativa para seu crescimento, necessitando sobremaneira da capacitação promovida pelo processo educativo.

Não se deve esquecer que o conjunto de avaliações realizadas nos diferentes níveis de ensino, principalmente no ensino superior, é parte de uma política governamental advinda da reforma do Estado preconizada por organismos multilaterais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC), que atinge de forma pronunciada, a partir da década de 90, países como o Brasil. Nessa ótica, a universidade passa a ser tratada como uma empresa privada, já que a produção de conhecimento deve estar dirigida para determinados fins que atendam tais exigências impostas pelo mercado, ou seja, o saber passa a ser encarado tal qual uma mercadoria como outra qualquer, e, por isso, o processo avaliativo é utilizado igualmente como um “controle de qualidade” empresarial onde o conhecimento não é mais um direito fundamental e um bem coletivo (CHAUÍ, 2003), para além do modelo de produção capitalista (DOURADO; OLIVEIRA; SOUSA; VELOSO, 2005).

Avaliação das Instituições, a Avaliação dos Cursos de Graduação e o Exame Nacional do Desem-penho dos Estudantes (ENADE). Apesar de cada um desses processos serem desenvolvidos em momentos distintos, com instrumentos próprios, a ideia é de que se articulem entre si. Segundo a proposta governamental, o SINAES levará em conta a diversidade do sistema; o respeito à identi-dade, à missão e à história de cada uma das instituições; e a continuidade do processo de avaliação como uma política educacional pública. A Avaliação das Instituições é dividida em duas partes: a auto-avaliação e a avaliação externa. O ENADE vai avaliar o desempenho dos estudantes com relação aos conteúdos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de graduação. A avaliação dos cursos de graduação visa identificar a qualidade do ensino oferecido a partir da análise de três dimensões: organização didático-pedagógica, corpo docente e instalações físicas. É uma avaliação in loco realizada por uma comissão de especialistas.9 O Exame Nacional de Cursos (ENC) conhecido pela denominação de “Provão” foi aplicado aos formandos no período de 1996 a 2003, sendo que nesta última edição realizada em 2003, par-ticiparam do Exame mais de 470 mil formandos de 6,5 mil cursos de 26 áreas de graduação. Foi instituído pela seguinte legislação: a) dispositivos legais presentes na Lei nº 9.131, de 24/11/1995; b) Decreto nº 2.026, de 10/10/1996, que estabelece os procedimentos de avaliação dos cursos e instituições de ensino superior (revogado pelo Decreto nº 3.860, de 9/07/2001) e c) Lei nº 9.394, de 20/12/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional).

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A educação passou a ser considerada um “bem econômico”, já que atende ou serve tão somente para o aumento da capacidade de competir dos estados nacionais na economia globalizada. Deixou de ser um “patrimônio da humanidade”, que em níveis nacionais tinha como preocupação a preservação de uma identidade e da sua cultura.

Em última instância, a discussão sobre o papel do Estado se faria em nome da democracia entendida como liberdade de escolha no mercado. Argumentos de que o Estado já é partícipe privilegiado na regulação do sistema de ensino, por exemplo, quando determina as condições de funcionamento às escolas, ordena a concessão e expedição de diplomas, ordena o sistema avaliativo, e fornece as diretrizes curriculares nacionais, não irão faltar por parte da iniciativa privada. Numa era de economia globalizada, a oferta plural de bens e serviços é apresentada como em nome da liberdade que aspiramos todos.

Somente aqueles que se apresentam em situação gravemente desfavorável devem contar com o auxílio do, agora, estado mínimo. Para os demais, há outras “ofertas”. Tal situação legitima a intenção e execução de um desmonte ou entrega à iniciativa privada dos bens públicos, inclusive a educação.

Diferentes autores (CORREIA; MATOS, 1999; CUNHA, 2005; GOMES, 2002; SANTOS, 2004), apontam para a criação do chamado “Estado Avaliador”, que encarna uma lógica na área educacional em que a preocupação está diretamente relacionada à eficiência no gerenciamento dos “produtos” educacionais. Para que tal tarefa seja possível de cumprimento, dentre outros aspectos há uma preocupação com a elaboração curricular uniforme no país e de acordo com as demandas do mercado, diminuição dos custos com o ensino superior etc. O chamado “Estado Avaliador” funciona tanto como política governamental para a educação como um instrumento de “governança do sistema” e apresenta-se como a outra face do “Estado interventor” que busca controlar os aspectos da dinâmica da educação superior10. 10 O conceito de “Estado avaliador” e “Estado interventor” são termos introduzidos por Neave apud Gomes (2002), sendo o primeiro conceito o de que a avaliação desempenha papel fundamental em todo o resultado do processo educativo – o produto. O chamado “Estado interventor” tem sua

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O entendimento de que a educação deve estar subordinada às necessidades do mercado de trabalho é a expressão da necessidade de ajuste ao número cada vez menor de empregos disponíveis, dadas as modificações introduzidas pela inovação tecnológica nos diferentes setores da economia, além das disputas pelo capital internacional globalizado. Contudo, tais ajustes não são garantia de emprego. As atuais discussões e tentativas de flexibilização das condições de contratação são evidente consequência de tal processo. Não por acaso, a flexibilização da formação tem sido um item dos mais importantes da pauta das políticas educacionais.

A massificação da educação superior em nosso país, acreditam seus formuladores, servirá para a aquisição de competências para um mercado de trabalho que tem sido impulsionado pela inovação tecnológica decorrente de um processo de competição globalizado que, em última instância, orienta tal sistema educacional e suas políticas.

A instituição de programas e políticas governamentais tais como o PROUNI e o REUNI, são os indicadores de que a massificação do ensino superior faz parte de uma estratégia de transformação de um sistema de ensino superior de característica fechada, dado seu grau de seletividade, em um sistema de massas. Com tal massificação desse sistema de ensino é necessária a montagem de procedimentos de avaliação capazes de gerar informações sobre o desempenho das instituições formadoras, item indispensável para a reestruturação e promoção do mercado da educação superior, já que o ranking de tais instituições promove a competição institucional que, por sua vez, leva os estudantes-consumidores a competirem pelas instituições melhor avaliadas. Além disso, colocam em cheque aquelas instituições que não se adequarem aos padrões de qualidade da economia de mercado. Como ficou evidenciado pelos relatórios do antigo ENC e de verificação da Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de graduação, as instituições de ensino superior privadas apresentavam elevado grau de desqualificação.

ação marcada pela redução orçamentária, o estabelecimento de objetivos e a regulação da maneira como as instituições de ensino superior devem atuar.

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É evidente que não é qualquer tipo de avaliação que se prestará ao objetivo da massificação, mas tão somente aquele tipo que atende a mecanismos de seleção, regulação, controle, classificação e monitoramento das instituições envolvidas no processo educativo de nível superior. Pode-se inferir que tal avaliação que corresponda ao processo de massificação funciona para medir produtos e resultados que fortalecem o funcionamento do mercado do ensino superior. Tal modelo de avaliação foi identificado com duas distintas tendências valorativas: a perspectiva somativa/regulatória e a construtiva/emancipatória. A primeira apresenta como característica a classificação (hierarquia); competição (concorrência); seleção (excelência); padronização (generalização) e exclusividade (exclusão). Tal sistema cria a prática meritocrática de prêmios e punições de acordo com a regulação desejada pelo Estado. A segunda, contrariamente à anterior, traz como característica o entendimento de que a avaliação é formativa (processo); é compreensiva, pois se refere ao sujeito; é histórica, já que se dá num determinado momento; é temporal, pois se dá num determinado lugar, mas também, circunstancial, dada as diferentes interações e possibilidades, são relativas (DIAS SOBRINHO, 2000 apud CUNHA, 2005).

As consequências de tais modelos de avaliação somativa/regulatória são a intensificação ou aumento do trabalho docente; o aumento do estresse; sentimento de culpabilidade quando não se atinge tais padrões almejados; consequente diminuição da auto-estima e processos de autofagia, ou seja, culpabilização recíproca quando há resultados negativos. Essa é a forma pela qual o docente deve se mostrar produtivo; individualista, já que competitivo; acatar as regras do jogo; possuir titulação; e estar a serviço da “clientela” consumidora dos produtos educacionais do mercado (CUNHA, 2005)11.

11 Conferir Matos (2005), que em um estudo sobre a docência em instituições públicas e privadas de ensino superior em Rondônia apontou, dentre outras, como consequência: o estresse crescente dos professores submetidos à incorporação da lógica mercantil do modelo capitalista de natureza produtivista-quantitativista, dada a intensificação e proletarização financeiro-social do trabalho docente e o processo de auto-responsabilização pelos problemas da universidade decorrentes de tal modelo. Em suma, pode-se falar no mal-estar docente que é agravado pelas políticas educacionais citadas. Chauí (2003, p. 14) cita, entre outras das condições necessárias à mudança da universidade pública, a revisão do critério dos procedimentos avaliativos “[…] regidos pelas noções de pro-dutividade e de eficácia […]” no tocante aos pesquisadores dessas instituições públicas. A autora defende a prestação de contas por parte dos agentes públicos ao Estado e à sociedade.

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No outro plano, quando a avaliação tem uma perspectiva construtiva/emancipatória, favorece a realização profissional, pois está baseada num processo de autonomia e compromisso tanto do próprio sujeito como com os demais envolvidos; utiliza da maturidade e solidariedade como fazendo parte do processo de formação, o que leva ao aumento da auto-estima positiva e possibilidade de catalisação de tais sentimentos nos demais atores envolvidos. É uma aposta no docente como sujeito fundamental desse processo. As capacidades envolvidas nesse processo são: a capacidade de reflexão, o compromisso, a cooperação e a autonomia (CUNHA, 2005). Infelizmente, como assevera Cunha (2005), esse modelo foi deslegitimado pelas políticas governamentais do MEC, a partir da segunda metade dos anos noventa. Não por coincidência nessa época no Brasil, começa a aplicação das receitas econômicas e políticas do Estado neoliberal. O que antes era atribuição da tradição pedagógica e das teorias passou a fazer parte do domínio do Estado.

Tratando da comparação entre diferentes sistemas de ensino, Gimeno-Sacristán (1999) coloca em dúvida a qualidade do sistema privado em detrimento do sistema público argumentando que é necessário considerar as condições sócio-econômicas e culturais dos alunos que participam em cada um dos sistemas sob pena de obter-se uma visão equivocada por falta de rigor metodológico. Ainda argumenta que a outra condição ou premissa fundamental é a de que tal comparação tem de estar apoiada numa avaliação que considere itens tais como: os objetivos educacionais requeridos e os consequentes dispositivos materiais, técnicos, humanos e metodológicos para o atendimento destes. O autor relaciona o rendimento escolar com o capital cultural familiar. Ele inverte a premissa de que os pais escolhem a escola afirmando que o tipo de escola pública ou privada “seleciona os pais em função de seu nível cultural” (p. 160).

Como afirma Gimeno-Sacristán (1999), a deslegitimação e a desintegração ocorrem na origem do sistema público, pois a retórica é de que é caro e ineficiente, e a forma de encará-lo por seus “clientes-consumidores” favorece a ótica de que há oferta de outros melhores serviços para um “cidadão exigente”. O Estado passa a não ter mais a

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necessidade de promover e regular a organização de tais serviços. Em um mundo que cobra, por meio do mercado, a desregulação, outros agentes e atores são melhores capacitados para oferecerem tais “produtos”. O autor atribui, entre outras causas, o processo de deslegitimação do sistema público à entrada tardia de nossa sociedade nos valores da modernidade e o enfraquecimento atual seria uma decorrência do processo de revisão e de releitura da modernidade realizado atualmente.

Chauí (2003, p. 6) esclarece que a reforma do Estado, ao definir os setores que o compõem, criou as condições para que a instituição pública figurasse como apenas um dos possíveis setores de serviços, mas não exclusivo do Estado. Assim procedendo, “[...] definiu a universidade como uma organização social e não como uma instituição social”. A consequência mais evidente e imediata é a desobrigação do Estado quanto ao seu papel de garantir a oferta educacional nos diferentes níveis de ensino.

Gimeno-Sacristán (1999) colabora no sentido de identificar que tanto o sistema público quanto o privado de ensino cumprem objetivos distintos, muito embora não defenda qualquer tipo de escolarização como sendo o parâmetro de qualidade, entendida por ele como “relevância cultural”. Aponta que numa sociedade marcada pelo individualismo competitivo aliado ao seu subproduto, o isolacionismo, o ensino público apresenta-se enfraquecido se não atentar-se para todos os aspectos elencados acima. Entretanto, não deixa de considerar que se deve dar importância ao êxito acadêmico, mas esclarece que tal êxito não pode ser entendido como qualidade pedagógica ou cultural. Para ele, é fundamental destacar a relevância intelectual que a escola e o sistema de ensino público possuem. Afirma que existe um espaço público que não está sendo utilizado na discussão para um clima intelectual aberto. Tal espaço seria em tese propício para a crítica, o desenvolvimento da liberdade pessoal, para inovações pedagógicas. Aponta que, dentre outros fatores, a burocratização, a falta de estímulos e uma letargia impedem que tal espaço seja aproveitado. Não deixa de perceber que a iniciativa privada tem se beneficiado desse espaço para seu fortalecimento.

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O autor enumera os aspectos que podem colaborar para a transformação da educação pública a partir de sua especificidade calcada nos seguintes elementos: integração social sem segregações, dada a necessidade de tolerância multicultural, aliada à universalidade e valorização dos sujeitos; liberdade, autonomia moral e intelectual numa cidadania solidária, já que o indivíduo está refém de uma privacidade reducionista e consumista que encara a educação tão somente pelo valor de troca no mercado de trabalho. Segundo sua opinião, a utilização extremista de uma racionalidade formal que defende verticalmente alguns fins que não são implantados de fato e o atendimento às exigências de rendimento do mercado do outro, devem ser combatidas com o reforço da especificidade de um projeto democrático da educação de natureza pública. Por fim, destaca a necessidade de que haja participação social no pressionamento dos governos como item para a salvação da escola pública.

O texto em vigor da atual LDB favorece uma perspectiva de educação onde a “qualidade” do ensino tem por base as ideias de eficiência e produtividade, em contraposição à ideia de democratização da educação e do conhecimento como estratégia de construção e consolidação de uma esfera pública democrática. Tal texto, evidentemente, favorece uma perspectiva empresarial na educação, que tornam antagônicas e não complementares as ideias de eficiência e de democracia. Como diz Frigotto (2004), “A LDB é do tamanho ideal para as políticas neoliberais” e “[...] Adequada ao ideário da desregulamentação, flexibilização e privatização. Onde não se regulamenta, a lei é do mais forte, no caso do mercado do ensino e do ideário pedagógico do capital”.

Vianna (2003, p. 66) defendeu a necessidade da avaliação no ensino superior citando dados da SESU/MEC, referentes a 2002, quando “foram solicitadas permissões para a abertura de quase 2700 novos cursos”, o que, segundo o autor, coloca em dúvida a qualidade de tais cursos, acreditando que as entidades de classe regionais e federais deveriam realizar o controle da qualidade dos cursos oferecidos, juntamente com órgãos governamentais. Para ele, deve haver uma combinação de auto-avaliação com avaliações externas.

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Yamamoto et al. (2002, p. 83) destacam a necessidade de articulação do compromisso social em uma formação com as condições concretas postas pelo mercado de trabalho, mas não a subordinando como adestrada para as demandas sempre mutáveis do mercado. Nos termos desse autor, o compromisso profissional com as demandas sociais contemporâneas necessita inicialmente da capacidade de problematização, de intervenção e consciência das “determinações concretas da divisão social do trabalho capitalista [...] no mercado profissional” dessa realidade.

Para Marx (1988), a natureza do homem é um produto da história. Assim, ao modificar a natureza externa, o homem modifica a sua própria natureza. O desenvolvimento do organismo humano é mediatizado pelas condições sociais de sua existência.

É preciso lembrar que o conceito marxista de liberdade está fundamentado na consciência histórica da necessidade e da transformação da realidade (VÁZQUEZ, 1984). Contrária a essa noção há a de liberdade como algo subjetivo, abstrato e individual. Porém, uma análise séria revela que tal noção é questionável, já que “Liberdade implica, também, e primariamente, direito à vida, saúde, emprego, transporte, educação, moradia e direitos iguais para todos. E isso as sociedades capitalistas mesmo as mais democráticas e desenvolvidas, não conseguem satisfazer efetivamente” (FREIRE, 1988, p. 69). Mesmo a chamada liberdade de pensamento é uma aparência, pois a ideologia do modelo de sociedade capitalista também define estritos espaços para tal. O que se pensa está definido pela propaganda como regra tanto para a produção como para o consumo (MERANI, 1977).

Cada momento histórico, ordenamento social e modelo de produção trazem um determinado comportamento moral específico justificado pela doutrina ética/teórica. No Brasil, como país capitalista em desenvolvimento, tal ética está expressa por alguns princípios morais como: o simbolismo do ter; o individualismo e o egoísmo latente ou não na competição; a acumulação de bens por minorias; a aceitação da miséria e da guerra como acontecimentos naturais. O homem é um ser

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histórico, concreto e cultural, portanto determinado por fatores de ordem política e econômica, assim sua essência é relativa ao conjunto das relações sociais a que pertence. Nessa sociedade, o capital tem exercido hegemonia absoluta sobre os demais aspectos da realidade, inclusive o trabalho (FREIRE, 1987).

Cabe lembrar Esping-Andersen (1995, p. 108), quando afirma: “Mas tampouco podemos esquecer que a única razão para promover a eficiência econômica é a de garantir o bem-estar”.

Conclusão

Como se pode deduzir do que foi exposto, as políticas educacionais causaram impactos na configuração dos caminhos da profissionalização em diferentes cursos superiores, pois as transformações políticas, econômicas, sociais e culturais que ocorreram na sociedade brasileira nas últimas duas décadas obrigaram tal adequação ao modelo político-econômico vigente.

A realidade política e econômica impôs um modelo econômico marcado exatamente pelo afastamento de um Estado do Bem-Estar social que, no caso brasileiro, nunca foi constituído de fato dadas as diferenças de classe social, renda e de falta de políticas públicas que indicassem a implantação de tal modelo de Estado.

As políticas educacionais nos diferentes níveis, em particular no superior, passaram a aplicar uma lógica em que as palavras-chave são: produtividade, competência e habilidades, que podem ser entendidas dentro da racionalidade técnica decorrente da utilização de um modelo de ensino que está baseado no funcionamento das empresas privadas que desempenham fundamental comportamento no modus de produção capitalista. Há uma preocupação evidente com o produto – “o ensino” - e uma despreocupação igual com os processos – meios pelos quais se realiza tal tarefa.

Conforme Fiori (apud SILVA JÚNIOR, J. R., 2002a, p. 49), o processo de hegemonia do capital mundial globalizado ocorrido

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nas últimas décadas é um novo colonialismo que está assentado num programa ou estratégia que apresenta três fases sequenciais, sendo a primeira dedicada à estabilização macroeconômica fruto da crise do capitalismo mundial e se apresentado em nossa realidade brasileira por meio do desenvolvimento do Plano Real e seus desdobramentos; a segunda, dedicada às “reformas estruturais”, como por exemplo: do Estado na previdência, na saúde, na educação etc.; e, por fim, a terceira, por meio da desregulamentação dos mercados e sua liberalização financeira e comercial e a privatização de empresas estatais.

Referências

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Recebido em: 19/6/2008Aprovador em: 23/10/2008

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 107-130 2009

Las innovaciones curriculares en la universidad. Hipótesis para su implantación e evaluación

Sonia Marcela Araujo1

Resumen: El artículo tiene como propósito introducir una serie de discusiones, reflexiones y principios vinculados con la implantación de innovaciones en el currículum universitario. Se busca plantear un marco referencial que a modo de hipótesis contribuya a crear las condiciones institucionales que faciliten y promuevan los cambios esperados en el proyecto innovador. Dicho marco referencial incluye la discusión misma del concepto de innovación y la importancia de la actividad de evaluación como estrategia de gestión de la misma en sus diferentes fases. Este abordaje que recupera las teorías y metodologías en el campo de la evaluación tanto como la investigación y la experiencia en prácticas evaluadoras intenta orientar la política institucional de implantación de una innovación más que “exhortar” o “prescribir” sobre cómo realizarla. Se proponen principios y pautas orientadoras para definir un plan de autoevaluación o de evaluación externa a través de dimensiones de análisis, variables e indicadores cuya adecuación puede ser de utilidad en situaciones particulares.

Palabras clave: Innovación. Currículum. Evaluación. Universidad.

1 Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Facultad de Ciencias Humanas. Departamento de Educación. Núcleo de Estudios Educacionales y Sociales.

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108 Sonia Marcela Araujo

Curriculum innovations at university. Hypothesis for its implantation and assesment

Abstract: This article has the purpose of introducing a series of discussions, reflections and principles related to the implantation of innovations on the academic curriculum. It is pretended to introduce a referential framework which, as an hypothesis, would contribute to create the institutional conditions to facilitate and promote the changes expected on the innovative project. Such referential framework includes the discussion of the concept of innovation itself and the importance of the assesment activity as a management strategy of it in it`s different phases. This approach which regains the theories and methodologies in the field of asessment as well as the research and the experience in assesment practices intends to orient the institutional policy implantation of an innovation rather than “exhort” or “prescribe” on how to make it. Principles and guidelines are proposed to define an autoassesment or external assesment plan through analysis dimensions, variables and indicators which adequation could be useful in particular situations.

Keywords: Innovation. Curriculum. Assesment.University

1. Presentación

La institución universitaria, como ámbito que reúne un conjunto de disciplinas y subdisciplinas para la formación de los estudiantes en diversos campos profesionales, ha sido reacia a la incorporación de la pedagogía y la didáctica como campos de conocimiento capaces de brindar conocimientos fértiles para sustentar las prácticas educativas en el nivel superior. Esta reticencia suele asentarse en al menos dos creencias arraigadas en el profesorado universitario: aquella que plantea que los adultos ya dominan todos los instrumentos intelectuales necesarios para aprender (como parte de la denominada por Ph. Jackson [2002] “presunción de identidad compartida”) motivo por el cual sólo son disciplinas fundamentales en el caso de de la educación de los niños, y otra, bastante generalizada, apoyada en que para enseñar sólo basta con saber el contenido que se enseña o la asignatura.

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109 Las innovaciones curriculares en la universidad. Hipótesis para su implantación e evaluación

En la actualidad, los problemas que atraviesan a la universidad en el área de la enseñanza ponen en discusión las creencias anteriores. Las dificultades de aprendizaje de los alumnos en el primer año de estudios, la deserción temprana, la extensión de las carreras que superan en mucho la duración prevista en los planes de estudios, el diseño de los currículos y las cuestiones internas y externas que es preciso atender en su formulación, la búsqueda de las mejores estrategias para la enseñanza en el aula, constituyen cuestiones complejas que reclaman una mirada multidisciplinar para enfrentarlas.

Las creencias del profesorado que suelen resistir la incorporación de la mirada pedagógico-didáctica en la universidad se cimientan en las dificultades de estas disciplinas para brindar categorías y principios apropiados con potencial para hacer frente a dichos problemas. Una vía para intentar superar esta situación, con capacidad para erigirse en un aporte idiosincrásico y relevante, es la construcción de una perspectiva pedagógico-didáctica que se sustente en teorías y conceptos específicos que den cuenta de la particularidad y especificidad de los establecimientos universitarios; en la investigación de los problemas particulares de este tipo de organizaciones; en la comprensión de las condiciones de la innovación en este ámbito; y en el carácter explícito del marco valorativo desde el cual se abordan e interpretan las situaciones problemáticas tanto como las propuestas que realiza.

Este texto tiene como propósito introducir una serie de discusiones, reflexiones y principios vinculados con la implantación de innovaciones en el currículum universitario. Se pretende introducir un marco referencial que a modo de hipótesis contribuya a crear las condiciones institucionales que faciliten y promuevan los cambios esperados en el proyecto innovador. Dicho marco referencial incluye la discusión misma del concepto de innovación y la importancia de la actividad de evaluación como estrategia de gestión de la misma en sus diferentes fases. Este abordaje que recupera las teorías y metodologías existentes tanto como la investigación y la experiencia en prácticas evaluadoras tiene como propósito orientar la política institucional de

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implantación de una innovación más que a “exhortar”2 o “prescribir” sobre el modo cómo realizarla.

En principio se realiza una aproximación conceptual tendiente a plantear cuestiones que vuelven problemática la noción misma de innovación. En una segunda instancia se efectúa un planteamiento general respecto de las particularidades de los procesos de cambio curricular para introducir la importancia de la evaluación como herramienta de gestión del proyecto innovador. Hacia el final se incluye una propuesta para el diseño de un plan de evaluación que acompañe su puesta en marcha.

2. Reforma, innovación y cambio: conceptos básicos

El concepto de innovación, como cualquier otro en el campo de las ciencias de la educación, no es susceptible de ser definido en unas pocas líneas. Suele ocurrir que para quienes una propuesta de cambio en el marco de una política educativa es una innovación, para otros simplemente se trata de la introducción de cambios superficiales o cosméticos en las instituciones educativas. En ocasiones las innovaciones introducidas en el marco de reformas educativas más amplias y, aunque se observa con mayor frecuencia en otros niveles del sistema educativo, son percibidas por docentes y directivos como “más de lo mismo”, o avalando la hipótesis de la continuidad, como modificaciones en las que sólo se transforman los términos para referirse a prácticas que se desarrollaban con anterioridad. Y si bien es cierto que suele tratarse de nuevos términos para viejos problemas y respuestas, también ha de advertirse que las apreciaciones anteriores suelen ser producto de las creencias desde las cuales se asimilan las nuevas perspectivas, o bien, de la distancia existente entre la imagen idealizada de la situación que se pretende cambiar y las condiciones institucionales existentes para enfrentar la propuesta de cambio. 2 Esta idea se sustenta en la crítica que plantea I. Goodson (2003) a la teoría curricular racionalista y burocrática tanto como a aquellas que, surgidas desde la práctica, terminaron convirtiéndose en una exhortación respecto de lo que se debe hacer quedando alejadas y entrando en colisión con las estructuras y circunstancias existentes.

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111 Las innovaciones curriculares en la universidad. Hipótesis para su implantación e evaluación

Aunque resulte difícil encapsular el concepto en una definición es posible reconocer algunas notas que caracterizan una innovación en el ámbito educativo.

La primera, y la más evidente, es que toda innovación está vinculada con el cambio. A pesar de que, como se verá, no se trata de una relación simple, la innovación intenta dar respuesta a uno o a un conjunto de problemas detectados en diferentes ámbitos del quehacer de las instituciones. En este sentido, y específicamente en la universidad, las innovaciones pueden estar orientadas a introducir cambios particulares en las diferentes actividades que hacen a la dinámica institucional – docencia, investigación, extensión, etc.-, a actores particulares – profesores, estudiantes, etc. – y con finalidades explícitamente definidas. En este sentido, y referido a la actividad de docencia, una definición dada por Carbonell (2001) puede ser útil para caracterizar una innovación pues la entiende como

[...] una serie de intervenciones, decisiones y procesos, con cierto grado de intencionalidad y sistematización, que tratan de modificar actitudes, ideas, culturas, contenidos, modelos y prácticas pedagógicas. Y, a su vez, de introducir en línea renovadora, nuevos proyectos y programas, materiales curriculares, estrategias de enseñanza y aprendizaje, modelos didácticos y otra forma de organizar y gestionar el currículum, el centro y la dinámica del aula.

Como puede visualizarse, y aunque Carbonell considera que se trata de una definición en la que podría existir consenso, no quedan contenidas las innovaciones en el campo de la investigación universitaria. Esto es así en tanto es posible reconocer culturas propias de las actividades de enseñanza y de investigación que se rigen por creencias e instrumentos de cambio particulares. Sin embargo, esta diferenciación no significa que se trate de dos mundos divorciados. Por el contrario, las innovaciones en el área de la investigación provocan cambios en las actividades de enseñanza así como toda modificación en la docencia puede traer aparejada transformaciones en el quehacer investigativo, a

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partir de la introducción de nuevas ideas en las culturas de la enseñanza y de la investigación.

La segunda característica es la presencia de presupuestos políticos, teóricos y axiológicos diferentes que llevan a que las innovaciones sean consideradas buenas o malas según el grado de acuerdo o de desacuerdo existente entre dichos presupuestos y aquellos sostenidos por diferentes grupos o sectores en la universidad. En este sentido, los desacuerdos en torno a la finalidad así como en los aspectos instrumentales suelen estar en el origen de las disputas y conflictos que atraviesan su desarrollo. Este desacuerdo ideológico, que da cuenta de la carencia de neutralidad de toda innovación, suele explicar también el desacuerdo en torno a qué propuesta puede ser calificada o no como innovadora.

Junto al reconocimiento de la carencia de neutralidad de cualquier innovación educativa, es preciso agregar que sus relaciones con el mejoramiento de la educación son complejas; dicho en otros términos, si bien toda innovación tiene como propósito provocar cambios en la educación, dichos cambios no siempre están asociados con procesos de mejora. En este sentido, no existe una relación mecánica ni lineal entre los objetivos de la innovación, su puesta en práctica y el mejoramiento educativo. O, dado que el término mejoramiento también está sujeto a controversias, siendo igualmente objeto de disputas y disensos, entre los objetivos de la innovación y los cambios que efectivamente se suceden en el acontecer cotidiano de las instituciones. De manera que las tensiones y las contradicciones forman parte y atraviesan toda propuesta innovadora.

Otra de las tesis, vinculada con lo anteriormente expresado, es que el mejoramiento de la educación requiere la comprensión del problema que implica el cambio en la práctica así como la creación de escenarios y el desarrollo de estrategias que permitan producir los efectos valorados y esperados (HARGREAVES, 2003; FULLAN, 2003; CARBONELL, 2001; STENHOUSE, 1981; entre otros). La ausencia de esta comprensión, como puede observarse en muchas propuestas de reforma, suele dar lugar a modificaciones superficiales – o “cosméticos”

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–, o bien, a efectos colaterales que reproducen prácticas anteriores sin dar respuesta a las dificultades que explícitamente se pretende atender, llegando a agudizar problemas existentes o pudiéndose crear otros nuevos. Estas situaciones generalmente se relacionan con los aprendizajes individuales, colectivos e institucionales que necesariamente están implicados en toda propuesta que tiene como propósito provocar transformaciones en las instituciones en su conjunto o en dimensiones particulares de las mismas.

Finalmente, toda innovación requiere la implantación de determinadas condiciones y el desarrollo de escenarios que permitan sostenerla en el tiempo así como una evaluación del modo como diferentes factores involucrados favorecen o constituyen un obstáculo en su desarrollo.

El concepto de innovación se diferencia, también, del concepto de reforma en términos de su alcance. Mientras que la primera tiene un alcance más limitado pues está anclada en instituciones particulares, la segunda afecta la estructura del sistema educativo en su conjunto. Si bien una innovación puede ser pensada en el marco de una reforma educativa, el carácter localizado de la primera permite experimentar y evaluar propuestas que, a su vez, son capaces de colaborar en una comprensión más acabada de las condiciones relacionadas con los cambios más significativos y valorados que se intentan institucionalizar. Esta experimentación acompañada de procesos de evaluación puede constituir, al mismo tiempo, la base para la implementación de propuestas que abarquen el sistema educativo en su conjunto.3

3. Acerca de los cambios curriculares

Cuando se modifican los planes de estudio en la universidad para una carrera específica estallan múltiples conflictos en la base de las instituciones académicas y al interior de cada disciplina, conflictos que

3 En este caso cabe señalar la importancia de la perspectiva de Stenhouse (1984) para quien primeramente ha de probarse el currículum para luego plantear su extensión o generalización al conjunto de las instituciones educativas.

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están asociados a las disputas propias de la estructura característica del campo disciplinario de que se trate –Historia, Física, Administración, etc.- en un momento determinado. La investigación sobre los procesos de cambio curricular, y la experiencia de quienes participan en procesos de este tipo, muestra que estos conflictos suelen dar lugar a la agrupación de docentes e investigadores en torno a proyectos curriculares en pugna y, en otras ocasiones, a la búsqueda o consolidación del poder individual a través de la inclusión o acrecentamiento de cierta parcela de saber en el seno de un mismo proyecto. El contenido de las disputas se vincula con qué conocimientos serán valiosos en ese currículum, cuáles serán ponderados, y directamente vinculado con lo anterior, qué tipo de práctica profesional ese currículum asumirá.

El reconocimiento del nivel de base como lugar de confrontación así como la centralidad asignada a quienes poseen el “capital específico” de cada campo disciplinario para determinar el contenido y la orientación de los currículos, no significa desconocer que las decisiones ligadas al currículum transitan otros niveles de la organización (intermedio y establecimiento)4 ni tampoco la participación de otros grupos no académicos internos o externos en su definición. En el caso de los primeros se hace referencia a los estudiantes y los graduados, y con respecto a los segundos a las asociaciones profesionales, los gremios, las organizaciones que demandan del trabajo profesional en el mercado laboral, entre otros. En la actualidad, y en el contexto de la República Argentina, en las carreras “cuyo ejercicio pudiera comprometer el interés público”, deben considerarse los requisitos sobre contenidos curriculares básicos y criterios sobre intensidad de la formación práctica establecidos por el Ministerio de Educación en acuerdo con el Consejo de Universidades, considerados en la acreditación de carreras realizadas por la Comisión Nacional de Evaluación y Acreditación Universitaria (CONEAU).5 4 Nos referimos a los órganos colegiados propios del cogobierno universitario – docentes, graduados, estudiantes y no docentes – en la República Argentina como el Consejo Académico – órgano de gobierno de las facultades – y el Consejo Superior – órgano de gobierno de la institución. 5 Artículo 43. Ley de Educación Superior Nº 24.521. Ministerio de Cultura y Educación. Secretaría de Políticas Universitarias. República Argentina.

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Si bien en todo proceso de cambio es preciso considerar tanto la presencia de la aceptación como de la resistencia al nuevo proyecto curricular, también es cierto que el proceso y el modo como se resuelven las contiendas son variables. Sin intentar dar cuenta de las condiciones que afectan dicha variabilidad, sí puede afirmarse que la modalidad de resolución de las confrontaciones indicadas así como las resoluciones adoptadas, dependerán de las posibilidades de interjuego entre múltiples intereses en relación con quiénes tienen poder para expresarse en torno a un determinado currículum en un contexto particular, de la cultura del sistema de educación superior en su conjunto así como de la cultura de los sectores que lo componen (público-privado), de las diferentes culturas disciplinares, de las tradiciones pedagógicas vinculadas con cada campo de conocimiento, entre otros. Así, la receptividad de los cambios externos está atravesada por variables de poder que se entretejen en la definición de currículos académicos así como por las propiamente epistémicas vinculadas a cada campo disciplinario (ARAUJO, 1994).

La comprensión de la dinámica del cambio requiere la indagación de la dimensión oficial del mismo materializado en el documento curricular o plan de estudios tanto como del proceso de implantación en el que se despliega. La presencia de continuidades y discontinuidades entre la dimensión formal y la realidad del currículum, entre las intencionalidades pretendidas y declaradas y lo que efectivamente sucede, es un aspecto intrínseco de toda propuesta innovadora que ha de contemplarse como parte de su seguimiento.

En tanto la innovación introduce una serie de valores, normas y prácticas nuevas es preciso crear una serie de condiciones que la promuevan: una política institucional que la sostenga con un cuerpo docente comprometido con sus principales finalidades; la constitución de redes de intercambio y cooperación, asesores y colaboradores y apoyos externos; la institucionalización y la creación de confianza; y la puesta en marcha de un proceso de evaluación encaminado a detectar avances y retrocesos que orienten su marcha.

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4. Consideraciones para la evaluación de una innovación curricular4.1. Precisiones conceptuales

Como se señaló, la puesta en marcha de un nuevo currículo o plan de estudios requiere de procesos de evaluación. Como ocurre en la mayoría de las disciplinas de las ciencias sociales y humanas, en el campo de la didáctica el concepto de evaluación es complejo y está sujeto a múltiples interpretaciones teóricas, metodológicas y axiológicas. En tal sentido, y a pesar de que se trata de una práctica añeja y extendida en los sistemas educativos, es un concepto polisémico, obedeciendo dicha polisemia a su arraigo en diferentes concepciones sobre la educación, el currículum, la enseñanza, el aprendizaje y la vinculación de las instituciones educativas con la sociedad más amplia. La evaluación es un invento, una convención o un constructo social susceptible de cambio aún cuando su naturalización haga pensar que existe consenso respecto de los objetivos, los usos y las funciones (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2000; McCORMICK; JAMES, 1996; ANGULO RASCO, 1995)

En la actualidad existe acuerdo en reconocer la existencia de un campo de conocimiento o disciplina sobre la evaluación (STUFFLEBEAM; SHINKFIELD, 1987; HOUSE, 1994; BARBIER, 1993), situación que obliga a introducir algunas precisiones iniciales para la definición de principios destinados a evaluar una innovación curricular.

La confusión más habitual ligada a la evaluación del aprendizaje de los estudiantes se ha dado con los conceptos de medición y calificación. La identificación de la evaluación con la medición surge con la investigación experimental y su aplicación en el campo de la psicología. La denominada pedagogía por objetivos, de tradición positivista con el desarrollo de las pruebas objetivas en sus múltiples manifestaciones, colaboró en la confusión de ambos conceptos. La evaluación, según el modelo experimental consiste en medir resultados utilizando instrumentos formalizados para la obtención de información capaz de

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ser comparada con una escala estandarizada. Desde esta perspectiva se desarrollan una variedad de “técnicas y mecanismos de medida que se aplican para lograr datos de información capaces de manipulación matemática y estadística, que permitan trabajar con grandes masas de datos y compararlos entre sí y con datos individuales” (ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2001, p. 123).

La práctica de evaluación de tradición positivista que tuvo su origen en la teoría curricular a principios del siglo XX – siendo uno de los exponentes más significativos Tyler (1949) – constituye una perspectiva de evaluación del currículum como control del logro de los resultados de aprendizajes esperados – expresados como objetivos –, en la que es factible separar la evaluación de la práctica de enseñanza ya que el diseño de instrumentos y su aplicación en contextos particulares suele no ser responsabilidad de los profesores. En la literatura anglosajona, y en el marco de una concepción más amplia centrada en la evaluación del sistema educativo, suele utilizarse el término ‘assessment’ (ANGULO RASCO, 1995), para referirse al impacto del servicio educativo sobre los receptores, expresado a través de pruebas nacionales, mediciones de rendimiento, sistemas de tests, etc. En este sentido, se trata de una perspectiva estrecha y limitada para la evaluación del currículum, en general, y más aún para la implementación de innovaciones en las que es preciso la experimentación6 para el reconocimiento de todas aquellas condiciones que garantizan su desarrollo tanto como de los obstáculos que limitan la resolución de problemáticas a las que la propuesta innovadora intenta dar una respuesta.7

6 Aquí la experimentación no es entendida desde una perspectiva positivista. Por el contrario, se recupera la concepción del currículum como hipótesis en la tradición curricular desarrollada por Schwab y, más precisamente, por Stenhouse y Elliot.7 Sutufflebeam y Shinkfield (1987) consideran los estudios “basados en objetivos” y en la “ex-perimentación” como cuasievaluaciones por cuanto su alcance suele ser demasiado estrecho o tangencial respecto del establecimiento de un juicio de valor, de la apreciación del mérito o el valor de una propuesta. Según ellos, parten de un problema concreto y luego buscan la metodología para solucionarlo razón por la cual la búsqueda de información para emitir un juicio de valor tiene un papel secundario.

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La calificación asociada al examen y, consecuentemente a la práctica de examinar, es producto de la necesidad de certificar institucionalmente conocimientos y habilidades aprendidos por el estudiante poniendo en evidencia el nivel de rendimiento alcanzado. La identificación evaluación=examen=calificación desnaturaliza la primera pues se limita a constatar éxitos o fracasos sin un aprendizaje sobre los factores que incidieron en los mismos, y forma parte de las necesidades políticas y económicas para la administración y distribución social del conocimiento (DÍAZ BARRIGA, 1992; ÁLVAREZ MÉNDEZ, 2000; 2001). Así, si bien calificar, medir, clasificar, certificar, examinar y corregir forman parte de la evaluación no se confunden con ella.

Otra confusión más reciente es la asimilación del concepto de evaluación al de rendición de cuentas o accountability entendida como justificación ante el Estado y la sociedad en general del uso de los recursos financieros de origen público, y cuyo resultado suele estar asociado con la detracción de los mismos.8 En el caso de una innovación promovida por el Estado el objetivo principal no sería rendir cuentas en el sentido aludido sino más bien indagar y emitir juicios fundados acerca de los efectos que se desencadenan a medida que la propuesta de formación se va experimentando en situaciones particulares.

La evaluación como control y la evaluación como calificación presentan limitaciones en el caso de una innovación curricular. Se requiere de perspectivas más complejas que colaboren en la comprensión de los procesos que dan lugar tanto a efectos esperados como a todos aquellos que resultan inesperados y que, en ocasiones, son contradictorios con los primeros. Esta óptica de análisis implica reconocer la presencia de efectos colaterales en la implementación de los currículos así como la importancia de la evaluación como una instancia de aprendizaje individual e institucional en la comprensión de los factores que la favorecen u obstaculizan. 8 McCormick y James (1996) indican que en el contexto anglosajón la predominancia de modelos económicos input-output ha estimulado la dependencia de la valoración de los resultados o de los productos de la enseñanza lo cual dio lugar a la predominancia de pruebas de rendimiento y esque-mas de evaluación que engloban la valoración de la actuación de profesores y estudiantes.

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4.2. Principios para la evaluación de una innovación curricular

Existe acuerdo en sostener que la evaluación consiste en una práctica en la cual se emite un juicio fundamentado y comunicable sobre el valor de algo (currículum, programa, institución, etc.) sobre la base de la definición de criterios o normas de referencia9 y para lo cual se requiere de la búsqueda, sistematización e interpretación de información obtenida a través de diferentes medios. Según McCormick y James (1996) la mayor parte de las definiciones consideran, además, la vinculación con la toma o adopción de decisiones.

En la evaluación del currículum es posible distinguir diferentes enfoques o modelos que se asientan en distintas perspectivas teóricas, epistemológicas, metodológicas y axiológicas. Una de las notas características de la evaluación es la dimensión ética pues en tanto práctica que implica una dimensión valorativa plantea disputas en torno a la jerarquía de valores adoptados, las personas responsables de llevarla a cabo, los objetivos que se pretenden satisfacer poniendo en evidencia el carácter político de toda práctica evaluadora (GIMENO SACRISTÁN; PÉREZ GÓMEZ, 1985; MacDONALD, 1985). El componente axiológico se expresa en la presencia de confrontaciones y tensiones entre grupos que rivalizan entre sí cuando tienen una definición diferente de las situaciones, demandando en consecuencia distinto tipo de información y sosteniendo diversos fines respecto de los resultados. Una evaluación así entendida incluye como una dimensión clave la reflexión sobre su finalidad, de las consecuencias implicadas en su instrumentación tanto como del proceso de evaluación mismo o meta evaluación.

La evaluación del currículum requiere superar las limitaciones de modelos asentados en enfoques de carácter experimental que, en términos de House (1994), se articulan en torno a un conjunto de cuestiones típicas tales como el control del logro de los efectos

9 Corresponde señalar la advertencia de House (1994, p. 20) quien sostiene que “muchos enfoques, como el estudio de casos, presentan las normas, comparaciones y juicios de forma más implícita e intuitiva”. En este sentido, tienden más a la comprensión que al juicio.

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previstos, el modo de lograr los mismos efectos de la manera más económica, el análisis de la productividad o eficacia de un programa o alguna de sus partes.

En contraposición a la racionalidad instrumental preocupada por el control de los resultados y por la eficacia del programa se erige otra serie de modelos que se articulan alrededor de la denominada perspectiva cualitativa de la evaluación. Esta última incluye una variedad de enfoques y métodos que sustentan principios de interés para la evaluación del currículum, en línea con las perspectivas que introducen el valor de la práctica en su desarrollo (J. Schwab, L. Stenhouse, J. Elliot). Intenta superar el reduccionismo de la evaluación centrada en los resultados de la enseñanza antes que en los procesos, el énfasis en los efectos observables y explícitos obviando los efectos colaterales de cualquier implementación curricular, y el valor de la participación de diferentes actores (estudiantes además de los profesores y autoridades) en el proceso.10

Bajo el presupuesto de que toda práctica de evaluación requiere la asunción de presupuestos teóricos, epistemológicos, metodológicos y axiológicos así como la anticipación de un plan flexible, se enunciarán algunos de los principios11 capaces de orientarla.

1. Carácter holístico, global o integrador: la evaluación ha de abordar los factores referidos a las condiciones iniciales de los estudiantes, las características de los profesores, el currículum y el contexto institucional en el que se desarrolla la innovación educativa; y los múltiples efectos o resultados previstos, colaterales o imprevistos, tanto en los estudiantes como en los profesores, el currículum y el contexto.

10 Forman parte de esta perspectiva la evaluación democrática de Mac Donald y la evaluación ilu-minativa de Parlett y Hamilton. Estas propuestas aun tienen valor para la práctica, son retomadas por autores recientes (Kushner, por ejemplo) y merecen ser consideradas por su aporte original a un modo alternativo de entender la evaluación del currículum. 11 Los principios a los que se hará referencia atraviesan diferentes modelos o enfoques de evalu-ación que han sido clasificados bajo la denominación de modelo de evaluación basado en la negociación (HOUSE, 1994; PÉREZ GÓMEZ, 1985).

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2. Énfasis en la descripción e interpretación antes que en la predicción: es una evaluación situada en el contexto real en el que se desarrolla el proyecto que se va a evaluar considerando cómo funciona en la situación particular, cómo influyen las variadas situaciones en las que se aplica, qué ventajas y desventajas visualizan las personas involucradas, y cómo la propuesta afecta a estudiantes y profesores. En suma, se trata de discernir, discutir y documentar las características más significativas, los sucesos más frecuentes y los puntos críticos de la innovación.

3. Consideración del proceso además del resultado del currículum: en el primer caso debe detectar las variables que inciden, positiva o negativamente, en el desarrollo de un currículum; en el segundo, emitir juicios sobre los efectos logrados y el análisis de la relación con los valorados explícitamente en la propuesta.

4. Carácter democrático de la evaluación: desde esta perspectiva se requiere la participación de diferentes actores involucrados en el programa que se está implementando sobre la base del reconocimiento de la existencia de una pluralidad de intereses que suelen ser contradictorios razón por la cual resultan necesarias la deliberación y negociación durante todo el proceso evaluador.

5. Diferenciación y articulación de las prácticas de investigación y evaluación: si bien la evaluación comparte la utilización de técnicas propias del campo de la investigación para la búsqueda de información que permita la elaboración de juicios fundamentados, la evaluación tiene un compromiso directo con la transformación de una práctica y está sujeta a múltiples controversias en términos de la finalidad, de quiénes participarán, de la utilización de los resultados, y de su relación con el financiamiento.

6. Pluralidad metodológica: hace alusión a la necesidad de evitar la dicotomía o disputa entre métodos y técnicas cuantitativos y cualitativos para pensar en un diseño evaluativo que los integre según la potencialidad

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de cada uno en contextos y situaciones específicas. En el caso del currículum es posible utilizar diferentes técnicas según qué dimensión se pretende evaluar: el currículum oficial o plan de estudios; el currículum en el aula; los resultados del currículum; o el contexto curricular. Así es posible incluir la observación, la entrevista, el cuestionario, los grupos focales, y fuentes documentales e históricas tanto como el análisis de información cuantitativa.

7. Apertura hacia el aprendizaje individual, colectivo e institucional:supone la consideración de la evaluación como aprendizaje pues a partir de ella se adquiere conocimiento sobre el funcionamiento de una innovación curricular tanto como de las relaciones necesarias para llevarla a cabo. Significa el rechazo a pensarla como un momento aislado, parcial y confinado en el tiempo, reafirmando el papel del “aprendizaje” que ésta brinda como punto de partida y de llegada, de puerta abierta y permanente base de nuevas propuestas superadoras en la política y la gestión curricular.

8. Validez y confiabilidad: se requiere la utilización de técnicas e instrumentos adecuados a las variables e indicadores seleccionados. Es preciso que la información tenga validez externa e interna, o sea que “se refiera a las dimensiones y variables que interesan y no a otras, que midan aquello que procuran medir en el caso de cuantificaciones, y que permitan apreciar y emitir juicios fundamentados sobre aquello que se procura comprender o explicar en el caso de las cualificaciones.” (...) “Se requiere que el instrumento sea suficientemente confiable, es decir que tenga la capacidad de ofrecer resultados similares o comparables al ser aplicado reiteradas veces y por diferentes evaluadores. (NIRENBERG et al. 2000, p. 92).

9. Intersubjetividad y triangulación: la primera intenta corregir la subjetividad individual a través de la incorporación de diferentes actores en distintos momentos del proceso evaluador, lo cual genera espacios de confrontación

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y reflexión, para permitir acuerdos y consensos sobre distintos aspectos y, en particular, sobre los juicios valorativos fundamentados. La segunda supone la utilización de diferentes técnicas y fuentes para evaluar los mismos fenómenos o aspectos de la realidad a través de operaciones convergentes, en el sentido de síntesis y complementación metodológica. También se habla de triangulación cuando la evaluación es realizada por un grupo en el que se cruzan los criterios y puntos de vista de cada uno de los evaluadores. Con ellos se busca mayor confiabilidad de la información obtenida, más entendimiento de los fenómenos bajo estudio, reducción de sesgos propios de cada técnica, fuente y profesional, y la validación de las apreciaciones evaluativas.

10. Potenciación de la multidisciplinariedad: el valor del conocimiento proveniente de diferentes campos disciplinares en el proceso evaluativo incrementa la comprensión y la posibilidad de resolución de problemas, razón por la cual se requiere la conformación de equipos multidisciplinares.

11. Cualidades éticas de las prácticas de evaluación: transparencia, imparcialidad, confidencialidad, confianza, negociación, colaboración, accesibilidad, justicia, independencia y objetividad constituyen valores primordiales que han de atravesar la reflexión sobre la práctica de quienes se dedican a esta actividad profesional.

4.3. La autoevaluación como herramienta para la innovación curricular: hipótesis para la definición de una propuesta

Una perspectiva adecuada para la evaluación de una innovación educativa que recupere los principios antedichos es la autoevaluación. El proceso de autoevalución es una instancia de carácter participativo y reflexivo en la cual se incorporan los involucrados con diferentes grados de responsabilidad. Se trata de una actividad sistemática cuyo registro posibilita la confrontación de la práctica con las hipótesis que sustentan la innovación. En este sentido, quienes adhieren a la

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autoevaluación sostienen que las teorías inspiran la acción y la evaluación y que, a su vez, de la acción reflexiva y de la evaluación surgen nuevas reformulaciones teóricas sobre la realidad educativa. También dentro de esta perspectiva que articula evaluación y construcción de teorías adquiere valor el desarrollo o formación de los docentes en el marco de la propia innovación antes que como procesos fuera del contexto del trabajo (SANTOS, 1993; SIMONS, 1985)

Dos cuestiones merecen ser señaladas. La primera es que la revalorización de la autoevaluación en los términos señalados no es una perspectiva reñida con la rendición de cuentas. Por el contrario, se trata de una óptica particular de entender este proceso que brinda una evidencia más amplia en el caso de una práctica innovadora. La segunda también lleva a plantear que la autoevaluación no se confronta con la evaluación externa de un proyecto. Toda innovación requiere el apoyo y la colaboración externa y ésta puede ser una de las vías de concreción de este apoyo en cuanto instancia superadora de la medición y el control.

A continuación serán incluidas una serie de pautas orientadoras para la definición de un plan de autoevaluación o de evaluación externa de una innovación curricular. Podrían ser considerados a modo de dimensiones de análisis, variables e indicadores cuya adecuación puede ser de utilidad en el caso de innovaciones particulares.

a. Respecto del diseño o plan curricular • Selección, organización y adecuación de los contenidos en términos de los aprendizajes promovidos. • Selección, organización y adecuación de los contenidos en términos de las características de los estudiantes.• Carga horaria según “unidades curriculares”12 incluidas en el diseño curricular.• Plan de correlatividades y relación con el rendimiento estudiantil.

12 La “unidad curricular” abarca diferentes modalidades de estructuración de los contenidos: materias, seminarios, talleres, entre otras.

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• Instancias de articulación, continuidades y discontinuidades en los diferentes tramos de la formación. • Actividades curriculares destinadas a la orientación y seguimiento de los estudiantes. • Relación de los contenidos incluidos con las características y requerimientos de la práctica profesional. • Carga horaria de la formación teórica y la formación práctica en instituciones que demandan del futuro profesional.

b. Respecto de la implementación del plan curricularRespecto de los estudiantes

• Tasa de éxito, retraso y abandono.• Tiempo medio empleado para el cumplimento de los requisitos del Plan de Estudios y relación con la calidad de la formación.• Fortalezas y debilidades según diferentes poblaciones estudiantiles.• Opiniones y valoraciones acerca de la propuesta de formación según diferentes destinatarios.

Respecto de los profesores• Composición de la planta docente encargada de la implantación de la innovación en términos de jerarquía y dedicación.• Formación pedagógico-didáctica del profesorado para comprender e instrumentar los cambios promovidos por la innovación desde el punto de vista de la propuesta oficial.• Tiempo de dedicación a la enseñanza en el aula.• Tiempo de dedicación a actividades vinculadas con la enseñanza: organización de actividades intra e inter cátedra, elaboración de planes de trabajo conjuntos, preparación de materiales curriculares, entre otras. • Tiempo de dedicación a actividades tutoriales por parte de los equipos docentes y relación con los resultados de aprendizaje de los estudiantes.

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• Articulación horizontal y vertical de las planificaciones de los equipos docentes.• Ventajas y dificultades individuales en la planificación y el desarrollo de la enseñanza. • Instancias de trabajo colegiado intra e interinstitucional para el desarrollo de la enseñanza y relación con los efectos logrados.• Metodología de enseñanza utilizada por los equipos docentes y relación con los resultados de aprendizaje de los estudiantes.• Implementación de estrategias para atender las diferencias que puedan encontrarse en grupos de alumnos: a quienes tienen dificultades, por un lado, y a quienes están en condiciones de avanzar y profundizar con relación a los aprendizajes, por el otro. • Instancias destinadas a la evaluación individual y colectiva de la enseñanza durante el proceso formativo. • Resultados no previstos de la enseñanza.

Respecto de las reglamentaciones• Adecuación de las reglamentaciones a las características del currículum, y de las demandas de su implementación en términos de los requerimientos de los estudiantes y docentes.

Respecto de la infraestructura y los recursos materiales• Grado de adecuación de la infraestructura y del equipamiento institucional a los requerimientos derivados del proceso de formación según las características de la población estudiantil y del proceso de enseñanza.

c. Gestión• Capacidad institucional para hacer frente a los cambios implicados.• Política y gestión institucional para la atención de las diferentes dimensiones relacionadas con la creación de las condiciones necesarias que promuevan el desarrollo de la innovación.

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d. Contexto institucional• Criterios y mecanismos de admisión de los estudiantes• Servicios de Información y Orientación de los estudiantes• Servicios de apoyo económico a los estudiantes • Servicio de Biblioteca

Síntesis de variables a considerar en un proceso de implantación y autoevaluación (o evaluación externa) de una innovación curricular

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Recebido em: 13/3/2009Aprovado em: 20/4/2009

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 131-145 2009

Un estudio empírico sobre las ventajas e inconvenientes del Aprendizaje Basado en Problemas

(ABP) en grupos numerosos

Moisès Esteban Guitart 1

Resumen: El presente trabajo expone un estudio sobre la valoración que realizaban estudiantes de último curso de la carrera de Psicología de la Universidad de Girona (España) después de participar en una sesión de Aprendizaje Basado en Problemas (ABP) aplicado a la ética aplicada o profesional. Se concluye resaltando que los estudiantes perciben más ventajas que inconvenientes, diferencias que son estadísticamente significativas, valorando positivamente la sesión con una media de 7.7 sobre 10. El aspecto positivo más mencionado fue: “el ABP permite discutir con los compañeros y trabajar cooperativamente”, mientras que el negativo fue: “requiere más tiempo”.

Palabras clave: Didáctica universitaria. Metodologías activas de enseñanza-aprendizaje. Aprendizaje Basado en Problemas.

An empirical study on the advantages and disadvantages of the Problem Based Learning (PBL) in large classes

Abstract: This paper shows a study on the assessment of students doing final year of the psychology degree at the University of Girona (Spain) after attending in a session of problem-based learning (PBL) applied to the professional 1 Doctor en Psicología por la Universidad de Girona (programa de Doctorado Interuniversitario en Psicología de la Educación coordinado por la Universidad de Barcelona). Profesor asociado en el De-partamento de Psicología de la Universidad de Girona, España. E-mail: [email protected]

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or applied ethics. We conclude by emphasizing that students perceive more advantages than disadvantages, differences that are statistically significant, an average of 7.7 out of 10. The most positive aspect mentioned was: “in the PBL you can discuss with colleagues and learn cooperatively”, while the negative was: “the PBL require more time”.

Keywords: Higher Education. Active Methodologies for Teaching and Learning. Problem-Based Learning.

Este artículo tiene como objetivo reflexionar alrededor de las ventajas e inconvenientes del Aprendizaje Basado en Problemas (ABP) aplicado a grupos de clase numerosos. Para ello, primero presentamos un breve esbozo de la historia y naturaleza del ABP. A continuación, centraremos esta metodología docente en grupos numerosos (grupos clase de alrededor de 70 o más estudiantes, trabajando con grupos de 10 estudiantes). Seguidamente, ilustraremos una sesión de ABP aplicado a una clase sobre ética profesional. Después, introduciremos un estudio realizado con el objetivo de calibrar las ventajas e inconvenientes percibidas por los estudiantes al finalizar una sesión de ABP. Después de presentar los objetivos de investigación, la metodología utilizada, el cuestionario que rellenaron los estudiantes y las características de la muestra, así como los resultados obtenidos, concluiremos el trabajo reflexionando en torno el ABP como estrategia docente en estudios universitarios.

Naturaleza e historia del Aprendizaje Basado en Problemas (ABP)

Una de las llamadas metodologías de enseñanza y aprendizaje activas es el Aprendizaje Basado en Problemas (en adelante ABP). Se llaman metodologías activas ya que tienen el objetivo de generar aprendizajes a través de la participación de los alumnos. Es decir, a diferencia del modelo unidireccional transmisor de educación según el cual el profesor enseña y el alumno escucha, el ABP concibe la educación en tanto que puente de diálogo bidireccional y trabajo interactivo entre

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los alumnos y el profesor; los alumnos y los materiales de aprendizaje; y los alumnos con los propios alumnos. En otro trabajo llamábamos este cambio el “fin del silencio en las aulas” (ESTEBAN; BLUNDELL, 2006, p. 37) ya que supone, básicamente, trabajar cooperativamente alrededor de objetivos de aprendizaje y actividades significativas con el objetivo de construir conocimiento a través del diálogo y la acción participativa.

El ABP tiene su origen en la Universidad de McMaster (Canadá) cuando un grupo de profesores de los estudios de Medicina decidieron buscar nuevas estrategias con las que cubrir los procesos de enseñanza y aprendizaje. Los fundadores del ABP tenían en mente la necesidad de que el aprendizaje fuera autodirigido, siguiendo con los antiguos preceptos de Confucio. Dicho con otras palabras, el profesor debe facilitar, ayudar, andamiar los procesos de construcción de conocimiento para que los alumnos se conviertan en el verdadero leitmotiv de dicho proceso (BRANDA, 2007).

En las últimas décadas se han dado distintas definiciones de esta metodología docente que podríamos resumir del siguiente modo: el ABP es un modo de entender los procesos de enseñanza y aprendizaje basado en la construcción de conocimientos mediante problemas y objetivos de aprendizaje que suscitan reflexión individual y grupal. Por lo tanto, los elementos fundamentales del ABP podríamos decir que son dos. Por un lado, la apropiación de conocimientos a partir de problemas (situaciones reales como casos clínicos, recortes de prensa, etc.) y objetivos de aprendizaje (aquello que uno o una debe aprender) y, por otro lado, el trabajo individual y colectivo mediante el cual se cumplen, o no, estos objetivos de aprendizaje.

Pensamos que, desde un punto de vista psicopedagógico, el mérito de esta estrategia educativa consiste en integrar, por un lado, el espacio individual de conocimiento dilucidado por Piaget así como, por otro lado, el carácter público, negociado y andamiado intuido por Vygotsky (ESTEBAN; SIDERA; SERRANO, 2008). Partiendo de situaciones emparentadas con la realidad como relatos de prensa, casos clínicos y situaciones varias que pueden simular la práctica profesional (por

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ejemplo, suposición de un caso de Educación Secundaria), los alumnos disipan “conflictos cognitivos” con la ayuda de sus compañeros, las lecturas que hacen y el profesor o profesora.

El ABP en grupos numerosos

A pesar de que en su versión original el ABP se concibió para implementarse en grupos pequeños (5, 6 estudiantes), la necesidad de afrontar grupos clase de 70, 80, 90, 100 o más estudiantes han reconsiderado la versión original y han obligado a desarrollar procedimientos con grupos grandes, es decir, de hasta 10 estudiantes.

El procedimiento es bien sencillo, a pesar de que evidentemente hay variantes y versiones. Nosotros seguiremos la impulsada por uno de los responsables de la implementación de esta estrategia que participó en el desarrollo de su versión original en McMaster (BRANDA, 2009). En un primer momento se establece un “contrato” entre el o la docente y los alumnos. En este “contrato” figuran: la descripción del curso; el problema que será motivo de análisis y discusión; los objetivos de aprendizaje o aquello que los estudiantes deberán saber al finalizar la sesión; así como el método de evaluación. Ello ayuda a que el estudiante se sitúe y anticipe la dinámica y las características de las futuras sesiones. A partir de una primera lectura del problema y, teniendo muy presentes los objetivos de aprendizaje, los estudiantes consideran aquello que necesitan saber con el objetivo de afrontar los objetivos propuestos de aprendizaje. Es decir, realizan una “lluvia de ideas” (rescatando el conocimiento previo sobre el tema) y pactan un plan de aprendizaje (pueden, por ejemplo, pactar una clase conceptual con el profesor después de una sesión dedicada a trabajar en pequeños grupos). Un plan de aprendizaje que será revisado y seguido en la medida que los alumnos respondan a una serie de cuestiones como, por ejemplo: ¿Qué de nuevo se ha aprendido trabajando con el problema?, ¿cómo se relaciona este aprendizaje con los objetivos de aprendizaje?, ¿qué principios nuevos se han discutido y cuáles se han aprendido?, ¿qué de lo aprendido

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ayudará a entender diferentes problemas en el futuro?, ¿qué áreas de aprendizaje se han identificado pero no se han explorado? (BRANDA, 2009, p. 18). A continuación, detallaremos el procedimiento en base a un ejemplo ilustrativo que pienso ayudará a comprender los elementos implicados en el ABP.

El ABP aplicado a la enseñanza y aprendizaje de la ética profesional

En el marco de un programa formativo en ética aplicada o profesional en los estudios de psicología de la Universidad de Girona (ESTEBAN, en prensa), se desarrollan distintas sesiones, de hora y media cada una, que tienen el objetivo de plantear dilemas éticos (ESTEBAN, 2008), es decir y, siguendo a del Rio (2007, p. 12): “cuando entran en colisión dos deberes de obligado cumplimiento o, dicho de otra manera, cuando la única forma de cumplir con una obligación sea infringiendo otra”.

El procedimiento de la sesión consta de cuatro grandes fases. En un primer momento, diez primeros minutos de la clase, se explican las características de la sesión, se entrega el problema, con unas preguntas asociadas, y los objetivos de aprendizaje (ver Figura 1).

Figura 1 - Ejemplo de problema y objetivos de aprendizaje

COMPETENCIAS OBJETIVOS DE APRENDIZAJE

Entender el concepto de dilema ético

El estudiante debe ser capaz de:Definir el concepto de “dilema ético”.Tener el conocimiento suficiente del Codigo Deontológico para poder detectar los principios implicados en un dilema ético

PROBLEMA: Maria entra como usuaria en el centro donde trabajas como psicólogo/a clínico/a. Después de una primera entrevista te dice que padece insomnio y le cuesta dormir. En una ocasión posterior nos explica que está siendo agredida por su pareja. PREGUNTAS: ¿Qué entendéis por dilema ético? ¿Existe un dilema ético en esta situación? En caso de que exista: ¿Por qué?

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En un segundo momento, cerca de 20 minutos, se hace la siguiente pregunta a los estudiantes: ¿Qué necesitáis saber para responder las preguntas, resolver el problema y cumplir los objetivos de aprendizaje? El profesor anota en la pizarra aquello que los estudiantes detectan deben saber, así como aquello que saben al respecto (conocimiento previo). Es decir, se trata de hacer una “lluvia de ideas” recabando con la información previa que los alumnos tienen sobre el tema de conocimiento, así como explicitando aquello que no saben y necesitan saber. Supongamos que uno de los aspectos que los estudiantes demandan es conocer el Código Deontológico. Es lógico que así sea ya que el Código Deontológico establece la normativa a través de la cual debe pivotar la práctica profesional del, en este caso, psicólogo/a. A continuación, el profesor administra ejemplares del Código Deontológico y los estudiantes se ponen en grupos de 10 con el objetivo de responder las preguntas y cumplir con los objetivos de aprendizaje (aquello que deben ser capaces de conocer al finalizar la sesión), todo ello a partir del análisis y la discusión en torno al problema planteado. El profesor deja 30 minutos para realizar la tarea. En este tiempo, los estudiantes leen el Código, lo comentan con los compañeros, analizan el caso, hacen preguntas y se plantean hipótesis. Finalmente, la última media hora de la sesión se dedica a que los grupos pongan en consideración, públicamente, los aprendizajes realizados, intentando responder a las preguntas planteadas, así como discutir el material con la ayuda del profesor.

Objetivo de investigación

El objetivo del estudio que se presenta en este artículo fue determinar la satisfacción que los estudiantes tenían después de realizar esta sesión de hora y media de ABP. El objetivo más amplio consiste en calibrar y reflexionar en torno los aspectos positivos y negativos que tiene susodicha estrategia docente en un espacio educativo superior.

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Metodología utilizada y participantes en el estudio

El diseño del estudio es descriptivo y se basa en la aplicación de un cuestionario que tiene el objetivo de valorar la percepción que tienen los estudiantes en torno al Aprendizaje Basado en Problemas, después de participar en una sesión que aplica esta metodología docente.

De 70 estudiantes matriculados en el último curso de psicología de la Universidad de Girona, 67 acuden a esta primera sesión de hora y media de los cuales 7 (4.7%) son varones y 60 (95.3%) mujeres. La media de edad de los estudiantes era 23.5 años, siendo 22 el valor mínimo y 34 el valor máximo (DT = 2.759).

El cuestionario utilizado para recabar la opinión de los participantes se realiza para la ocasión y consta de varias partes. Primero se pregunta por la edad y el sexo y se explica el objetivo del estudio: “Con el objetivo de conocer tu opinión o valoración sobre la metodología de enseñanza y aprendizaje en la que has participado (Aprendizaje Basado en Problemas, ABP), a continuación te proponemos tres cuestiones para responder. No hay respuestas buenas ni malas, simplemente queremos conocer tu opinión y para ello agradecemos tu sinceridad”. A continuación hay una primera pregunta que dice: “En una escala del 1 (muy negativa) al 10 (muy positiva) podrías valorar la metodología de enseñanza – aprendizaje llamada ABP? Marca con cuna cruz”. La segunda pregunta era: “Podrías describir tres aspectos positivos de esta metodología” y, finalmente, la última pregunta era: “Podrías describir tres aspectos negativos de esta metodología”.

Los estudiantes respondían a las cuestiones planteadas y tardaron una media de 10 minutos. Dado que es un cuestionario sencillo y rápido no se localizaron preguntas ni problemas en el momento de aplicarlo. Una vez obtenidos los cuestionarios se analizaron, mostrando los resultados que a continuación presentamos.

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Resultados

El análisis de los datos se llevó a cabo con la ayuda del programa informático Atlas.ti, versión 15.0 para Windows. Más concretamente, se utilizó, como veremos, la prueba t para muestras relacionadas que permite comparar medias para establecer diferencias estadísticamente significativas en las respuestas halladas.

Por lo que hace a la valoración o puntuación de la experiencia, primera pregunta del cuestionario, 3 estudiantes dieron un 6 (4.5% de los participantes), 22 estudiantes puntuaron la sesión con un 7 (32.8%), 34 lo hicieron con un 8 (50.7%) y 8 estudiantes con un 9 (11.9%). Ello indica que la nota más recurrente fue un 8, a pesar de que la media obtenida es de 7.7. Por lo tanto, la valoración indica un notable, próximo al 8. Es decir, los estudiantes valoraron positivamente la metodología de Aprendizaje Basado en Problemas (ABP).

En relación a la segunda pregunta, los aspectos positivos del ABP, destaca el hecho que se recogieron un total de 179 aspectos positivos sobre un posible total de 201. Ya que había 67 estudiantes y cada uno debía elegir 3 tenían que salir 201 respuestas. 7 estudiantes describieron solamente 1 aspecto positivo, 10 señalaron 2, 48 los tres que el enunciado pedía y 2 destacaron 4. Las respuestas más recurrentes fueron:

“El ABP permite discutir con los compañeros y trabajar cooperativamente” (21.8% de las respuestas).“El ABP permite trabajar con casos prácticos, casos reales” (19.5%)“El ABP permite llegar a una síntesis y puesta en común” (7.8%)

Estos tres argumentos fueron los más destacados por los alumnos. De modo que aquello que se percibe como más relevante o positivo es el procedimiento de la metodología: el trabajo en grupos a través problemas llegando a una puesta en común.

Finalmente, la tercera pregunta era igual pero, en este caso, se preguntaba por la percepción de los aspectos negativos. Al igual que en la pregunta anterior deberían salir 201 enunciados o rasgos negativos

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pero, en este caso, salieron 113 en total, 67 descripciones menos en comparación con los enunciados positivos. De hecho, 3 estudiantes no destacaron ningún aspecto negativo, 27 solamente 1, 25 nombraron 2 y 12 estudiantes describieron 3. De las respuestas halladas las tres más recurrentes fueron:

“El ABP requiere más tiempo que el sistema tradicional” (24.7% del total de respuestas encontradas).“Los grupos son demasiado grandes” (22.1%).“El ABP requiere más conocimientos previos” (8.8%).

Por lo tanto, los aspectos negativos se refieren a la magnitud de los grupos, uno de los principales inconvenientes en el ABP en grupos numerosos, el tiempo que requiere de trabajo individual y colectivo, así como los conocimientos previos que se necesitan.

Según la prueba t de comparación de medias para muestras relacionadas, las diferencias de medias entre los aspectos positivos (2.67) y negativos (1.69) es significativa (t = 9.174, p < 0.05). Esto indica, por lo tanto, que los estudiantes describen más aspectos positivos que negativos, de un modo estadísticamente significativo.

En resumen, los datos empíricos nos apuntan, por un lado, que los estudiantes valoran más positivamente que negativamente la sesión y, por lo tanto, la metodología ABP. Y, por otro lado, aquello que valoran (trabajo en grupo, discusión de problemas y puesta en comunión del ejercicio) y no valoran (se requiere de más tiempo, los grupos son demasiado grandes, faltan conocimientos previos) de esta metodología de enseñanza – aprendizaje.

En torno las ventajas e inconvenientes del ABP en grupos numerosos. A modo de discusión

Uno de los campos de investigación más concurridos en el ABP, en particular, y en cualquier estrategia de innovación educativa, en general, es el análisis de las consecuencias que tiene. Dicho con otras

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palabras, los aspectos positivos y negativos de dicha metodología de enseñanza y aprendizaje. ¿Se ha mostrado eficaz el ABP en relación a metodologías de enseñanza – aprendizaje tradicionales? ¿Qué aspectos positivos tiene? ¿Qué aspectos negativos?

Uno de los estudios que, sin duda alguna, nos aporta más luz al respecto es el reciente meta-análisis desarrollado por Dochy, Segers, Van Den Bossche y Gijbels (2003), quiénes examinaron el efecto del ABP según el análisis de 43 artículos empíricos. Más concretamente, los autores exploraron los posibles beneficios de la metodología en la adquisición de conocimiento y de habilidades. Los autores concluyen que existe un sólido efecto positivo del ABP en la calificación de los estudiantes. Así mismo, ninguno de los estudios analizados informó de aspectos negativos. No obstante, parece que, comparado con metodologías tradicionales, los estudiantes adquieren ligeramente menos conocimiento, pero éste parece ser más significativo, ya que los conocimientos adquiridos se recuerdan más. Además, hay más aprendizaje vinculado a habilidades profesionales (trabajo en equipo, comunicación, discusión) en comparación con los estudiantes que participan en clases convencionales. Ello es lógico ya que uno de los aspectos característicos de esta metodología y, muy valorado por los estudiantes analizados en este articulo, es el fomento del trabajo en equipo, la discusión con el grupo clase y el análisis de situaciones reales o semi-reales, estrechamente vinculadas con la práctica profesional. Sin embargo, el meta-análisis descrito, lejos de cerrar el debate en torno a los efectos del ABP, ha abierto nuevas vías de investigación y ha puesto en colección artículos anteriores que examinaban el efecto de esta metodología.

Por ejemplo y, quizá el más conocido, es el de Albanese y Mitchell (1993). Según esta revisión que abarca estudios sobre educación médica de 1972 a 1993, el ABP es más agradable y a veces mejor valorado por los estudiantes y el profesorado, en relación a los métodos convencionales de enseñanza. Sin embargo, los estudiantes ABP puntúan más bajo en los exámenes de ciencias básicas y se ven a sí mismos como menos

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preparados en las ciencias básicas, en comparación con sus homólogos formados convencionalmente. Además, los costes de ABP son elevados cuando el tamaño de las clases es de 100 estudiantes o más. En nuestro estudio se ha visto como uno de los aspectos negativos, valorado por los estudiantes, es la magnitud de los grupos de trabajo. Según ellos, se trata de demasiado grandes ya que hacen difícil la participación de todos, así como la negociación de las opiniones expresadas.

Otro estudio, realizado en el mismo año, es el de Vernon y Blake (1993), quiénes sintetizaron algunas investigaciones desde 1970 hasta 1992. Los autores concluyeron que el ABP resulta ser significativamente superior en relación a los métodos convencionales según las actitudes y opiniones de los estudiantes. A pesar de que los estudiantes no obtienen resultados significativamente diferentes en comparación con los estudiantes que han participado en programas tradiciones que, incluso, son mejores en las pruebas de la Junta Nacional de Examinadores Médicos. También en el mismo año, Berkson (1993), no halló diferencias significativas en resolución de problemas, motivación, promoción aprendizaje autodirigido o satisfacción. Incluso se sugiere que el ABP puede ser excesivamente estresante para estudiantes y profesores ya que supone trabajo continuo y más dedicación. Los participantes de nuestro estudio describen requerir más tiempo y más conocimientos previos, en relación a las clases tradicionales donde el profesor enseña y ellos atienden.

Más recientemente y, en sintonía con las investigaciones previas, Colliver (2000) concluye que no hay pruebas convincentes de que el estudiante ABP mejore en conocimientos y rendimiento clínico. Sin embargo, si que este autor considera que puede ser más atractivo y, por lo tanto, más motivador para los estudiantes, en comparación el sistema tradicional, donde su participación es más escasa.

En definitiva, como se puede comprobar en estas revisiones mencionadas hay opiniones divergentes en torno al efecto del ABP. A pesar de ello, parece que hay acuerdo en ciertos aspectos como, por ejemplo, en el hecho de que el ABP no mejora, necesariamente, el

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rendimiento en exámenes convencionales, incluso pueden puntuar peor en comparación con estudiantes formados según el sistema tradicional. Sin embargo, si que parece ser una metodología más valorada por los estudiantes, que fomenta su motivación y que incluso prepara, de un modo más adecuado, para el ejercicio profesional. Ello sería esperable ya que en la práctica diaria uno se encuentra frente a problemas y el ABP podría mejorar las competencias profesionales en relación al sistema tradicional (SCHMIDT; VERMEULEN; Van der MOLEN, 2006). Precisamente, como hemos visto, el ABP se basa en el ejercicio de habilidades y construcción de conocimientos alrededor de la resolución de problemas. Según la clásica definición de Barrows y Tamblyn (1980, p. 18):

El aprendizaje resulta de un proceso de trabajo alrededor de la comprensión y resolución de problemas. El problema es la base del proceso de aprendizaje y sirve como estimulo para la aplicación de las habilidades de razonamiento, así como para provocar la búsqueda de información o conocimiento necesario para entender los mecanismos responsables del problema y como debe ser resuelto.

En definitiva, el ABP como metodología docente sigue creando polémica en torno a sus ventajas e inconvenientes. En el trabajo presentado, se destacan más ventajas o aspectos positivos que inconvenientes, al menos desde el punto de vista del alumno, que aquí se ha analizado. Ello no es sorprendente ya que otros estudios han llegado a la misma conclusión (ver, por ejemplo, MAVIS; WAGNER, 2006). Sin embargo, esta estrategia pedagógica también presenta sus inconvenientes y sus retos para el futuro como, por ejemplo, su utilización en grupos numerosos sin que ello suponga una dificultad añadida a la práctica docente. En este sentido, se requieren nuevos estudios con el objetivo de escudriñar los puntos fuertes y débiles del ABP.

Al terminar solamente querría hacer una consideración a modo de reflexión. Basar el aprendizaje en la resolución de problemas y el trabajo en equipo y autodirigido no significa menospreciar el papel del profesor, ni de la clase conceptual. Se requiere combinar la innovación

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educativa que supone trabajar desde una filosofía bidireccional, con la enseñanza tradicional basada en la exhortación de un experto en un determinado ámbito de conocimiento. Sino queremos echar de menos esta figura en el futuro, es importante destapar el rol multidimensional del profesor, quién informa (transmite, resume), confronta (discrepa, evalúa, corrige), desafía (clarifica, promueve, provoca), educe (facilita, despierta) y comparte (intercambia, negocia). Que el aprendizaje sea autodirigido, que el alumno sea el protagonismo de la apropiación e interiorización de los conocimientos no quiere decir que los compañeros y, especialmente el profesor, no puede ayudar, guiar y andamiar en este proceso (BRUNER, 1997). Al fin y al cabo, si Vygotsky (1979) tiene razón, y pensamos que si, educar significa crear “zonas de desarrollo próximo”, y ello quiere decir: llevar al alumno más allá de aquello que sabe hacer de un modo autónomo, independiente e individual, para que aprenda a hacer cosas con otras personas que conocen y saben utilizar un determinado instrumento, idea, noción. En este proceso de construcción compartida de conocimientos, el aprendiz participa en una tarea, guiada socialmente a través de un andamio formado con las ayudas del profesor, que al final el alumno o alumna puede desechar (WORD; BRUNER; ROSS, 1976).

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BARROWS, H. S.; TAMLYN, R. M. Problem-Based Learning: An Approach to Medical Education. New York: Springer, 1980.

BERKSON, L. Progblem-Based Learning: Have the expecations been met? Academic Medicine, Washington: Association of American Medical Colleges, v. 68, n. 10, p. 79-88, 1993

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BRANDA, L. A. Reflexiones sobre las cosas ya pasadas. En: VV.AA. Historia de un cambio: Un currículum integrado con el aprendizaje basado en problemas. Barcelona: Enciclopèdia Catalana, 2007. p. 11-31.

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DOCHY, F; SEGERS, M.; VAN DEN BOSSCHE, P.; GIJBELS, D. Effects of Problem-Based Learning: A meta-analysis. Learning & Instruction, Londres: Elsevier, n. 13, p. 533-568, 2003.

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SCHMIDT, H. G.; VERMEULEN, L.; VAN DER MOLEN, H. T. Long-term effects of problem-based learning: A comparison of competencies acquired by graduates of a problem-based and a conventional medical school. Medical Education, Oxford: Blackwell, v. 40, n. 6, p. 562-567, 2006.

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Recebido em: 27/4/2009Aprovado em: 30/5/2009

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Administração, Direito e Medicina

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 149-166 2009

A disciplina de filosofia nos cursos superiores de administração: uma análise institucional

Sérgio Eduardo F. Vieira1

Maria Eugênia Castanho2

Resumo: Este presente trabalho resulta de um estudo realizado em um curso de Administração, verificando a relação e consequentemente o papel da disciplina de Filosofia na formação de jovens estudantes de uma Instituição de Ensino Superior no interior do estado de São Paulo, que propaga qualidade de ensino diferenciada, formando, segundo os veículos de divulgação da própria Instituição, a elite profissional para o mercado de trabalho. O estudo analisa a função que a disciplina de Filosofia recebe ao ser inserida na grade curricular de um curso fora do universo puro da reflexão epistemológica, enfrentando os desafios da atividade prática e dinâmica da administração. A pesquisa contou com uma metodologia qualitativa, reunindo um estudo bibliográfico sobre o tema, aplicação de questionários semi-estruturados pertinentes à visão discente ante a proposta pedagógica da instituição. O estudo está focado na análise dos dados levantados com base na proposta de um ensino de excelência, contextualizando o pensar filosófico, nas realidades contraditórias e desiguais do mercado e das políticas que regem as relações administrativas.

Palavras-chave: Ensino-aprendizagem em Administração. Filosofia. Consciência neoliberal.1 Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente da Rede Anhan-guera Educacional na área de Ciências Humanas e Sociais. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas e professora titular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas no Programa de Pós-graduação em Educação. E-mail: [email protected]

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The role of the suject philosophy in the administration college courses: an analysis institutional

Abstract: This present study results of a study in a course of Administration verifying the relationship and consequently the role of the discipline of philosophy at the training of young students of an institution of higher education within the State of Sao Paulo, which propagates differed teaching quality, putting top professionals in the job market, according to the means of publishing of the institution itself. The project analyses the function that the subject Philosophy is given when inserted in the school curriculum of a course out of the plain universe of the epistemologic reflection, facing the challenges of practical and dynamic activity of the administrative quotidian. The methodology used consists of a qualitative investigation that gathers a bibliographical study on the theme, application of semi-structured questionnaires pertinent to the student’s view before the pedagogic proposal of the institution. The present study is concentrated on the analysis of the collected data from the proposal of an excellence teaching, contextualizing the philosophical thinking in the conflicting and disparate realities of the market and policies ruling the administrative relationships.

Keywords: Teaching-Learning for Administration. Philosophy. Neoliberal awareness.

Introdução

O que se espera da disciplina Filosofia nos cursos de Administração?

A filosofia não é mera especulação no vácuo ou simples jogo de conceitos abstratos.

É trabalho sobre a experiência real e que cumpre levar a cabo sem perder esse sentido do concreto.

(João Cruz Costa)

A Filosofia passou praticamente banida do ensino brasileiro, especialmente no período do regime militar, por causa de reflexos do movimento ocorrido no mundo inteiro em razão de uma ideologia de conciliação da cultura geral com a preparação profissional e da presença do trabalho no currículo educativo. Agora a Filosofia volta, em meio a um

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cenário de lutas e discussões3, a ser ministrada no ensino fundamental e médio nos estados brasileiros, em nível superior nas áreas humanísticas, e em caráter ético nas demais áreas do conhecimento, retomando a necessidade do pensar filosófico na sociedade.

Nos anos 60, segundo Manacorda (2002), todos os conteúdos trabalhados pela Educação eram distribuídos com igual grau de paridade entre aqueles voltados para a formação geral e formação profissional. Em linguagem moderna, visavam a uma solução para a relação instrução-trabalho, ou seja, do “dizer” e do “fazer”. As disciplinas humanísticas, entre elas a Filosofia, perderam espaço para as disciplinas voltadas para as ciências naturais e produtivas (automação, cibernética, telemática).

Atualmente, a Filosofia consta como matéria obrigatória, de formação básica4, como currículo mínimo, na maioria dos cursos de graduação. Tem como objetivo oferecer embasamento conceitual e teórico do universo específico e, ao mesmo tempo, direcionar o olhar crítico da realidade em uma visão ampla e de conjunto. Mesmo fora do universo da administração, observa-se um movimento de renascimento do interesse pela Filosofia, até mesmo sob o ponto de vista mercadológico e do consumo como best-sellers.

Apesar do entusiasmo talvez disseminado pelo mercado e por atraentes ideologias alternativas, a maioria dos jovens que ingressa no meio acadêmico, ao deparar-se com a complexidade da linguagem e do pensar filosófico, cria automaticamente bloqueios de aprendizagem no árduo trabalho que é a construção do conhecimento. Isso se torna ainda mais difícil na medida em que o público docente e discente não possui o espírito científico-filosófico e, sobretudo, pedagógico: base para a formação integral da pessoa humana.

3 Em 7 de julho 2006, o Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu, por unanimidade, o retorno obrigatório da disciplina de Filosofia ao Ensino Médio conforme Parecer CNE/CEB nº 38/2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb038_06.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2007.4 Para os cursos de Administração, a última Resolução do CNE foi dada em 13/07/2005. Anteriormente a essa resolução, os debates tiveram sua gestação com parecer e resolução em 1993. No ano de 2001 a CEEAD (Comissão de especialistas de ensino em Administração) submeteu Proposta à apreciação do CNE, sendo aprovado no ano de 2004 a Resolução nº01 inserindo o ensino de Filosofia nos cursos de Administração como Conteúdo de formação Básica.

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Além disso, e de inúmeras tentativas de “aproximação popular”, a Filosofia ainda continua sendo rotulada como uma disciplina fora do universo prático, principalmente em cursos profissionalizantes e técnicos. Nestes, os planos de ensino e o projeto pedagógico geralmente atendem o agir pragmático e técnico como fio condutor do programa, o que, na maioria das vezes, compromete a construção do pensamento, pela falta da educação para o pensar e para uma visão ampla e de conjunto que a Filosofia estabelece.

Sob esse paradigma constituído, Freire (2005, p. 69) fundamentou e justificou a função resguardada à Filosofia vista muitas vezes por sua transversalidade, mas sobretudo ao que lhe é atribuído em sua essência:

A Filosofia é considerada uma disciplina que possibilita uma formação humanística e crítica, a capacidade de se desprender – libertar – das questões imediatas do cotidiano, da função técnica e profissional decorrente da profissão abraçada, podendo assim avistar também as questões de longo prazo.

Entender a Filosofia como instrumento para captar a realidade por meio de ideias e conceitos em suas distintas compreensões favorece não só uma melhor aceitação como disciplina formativa nos currículos como também uma nova saída para ideias inovadoras e que traduzem de maneira geral a compreensão da complexidade em que a Administração se insere no mundo de contradições, desafios, competições e sobretudo desigualdades.

A área em questão é talvez uma das mais suscetíveis ao fenômeno da globalização, atingida por modelos administrativos pautados em planejamento estratégico, nela prevalecendo a preocupação com o atendimento ao mundo do trabalho e tendo como foco as grandes empresas.

A especialização dada a esse curso atende às necessidades atuais do mercado que, em meio a inúmeras crises, redescobre por meio desse ensino a exploração, através de políticas de produtividade, lucros, controle de qualidade de produto, saídas para sua sustentação na gerência dos processos determinantes (da economia). Essas características, por sua vez, se referem

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às implicações desastrosas de uma visão completamente empresarial no campo social, marcado por grandes desigualdades e injustiças.

As condições em que se colocam a presente pesquisa e o objeto pesquisado partem de uma realidade complexa em sua estrutura histórica, sobretudo no que se refere à formação pedagógica com o viés do mundo do trabalho. Quais então, as possíveis relações? Qual o sentido e o valor de discutir tal problema? Em que medida se objetiva uma proposta educacional e quais embates emperram o desenvolvimento do conhecimento?

Entre essas e outras indagações, construímos os caminhos a serem trilhados para as análises e reflexões. Ao discutir a Filosofia na formação universitária, Severino (2006, p. 91) relatou:

Com a completa impregnação da cultura contemporânea por exacerbado pragmatismo, a educação superior vem sendo vista, cada vez mais, como apenas um aparelhamento técnico para o exercício de operações funcionais na sofisticada engrenagem tecnológica da produção. O que realmente parece contar doravante é a capacitação para o manejo de funções técnicas ou tecnicizadas no mundo da produção, sejam elas relacionadas ao comando operacional das engenharias e das medicinas ou à elaboração de petições no campo jurídico ou até mesmo na composição de relatórios no campo das ainda chamadas ciências humanas. [...] o conhecimento científico em si só tem sentido e valor reconhecidos quando diretamente ligado a uma eficácia técnica.

Foi escolhida para esta pesquisa uma Instituição de Ensino Superior que pudesse retratar o ideário das primeiras escolas de administração, que se tornaram referência de ensino, pesquisa e qualidade na formação dos profissionais de ponta.

A Instituição pesquisada possui como modelo de ensino os grandes centros de excelência na especialização de profissionais para o mercado de trabalho e pesquisa e tem como linha diretriz o compromisso com o ensino de alta qualidade.

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A pesquisa

A pesquisa, pautada em questionários e roteiro de entrevistas, foi direcionada aos sujeitos, para obter rigorosamente o caráter científico da objetividade dos fatos em primeira instância e da subjetividade do pesquisado a posteriori, numa análise qualitativa dos dados obtidos, a fim de observar o perfil sociocultural do aluno e posteriormente o seu posicionamento diante do ensino de Filosofia no curso de Administração.

Foram ouvidos 140 alunos do curso de Administração da Faculdade, de março a maio no 1º semestre de 2007, atingindo alunos de semestres diferentes que já cursaram e que estavam cursando a disciplina de Filosofia. Pretendeu-se levantar dados que caracterizam a formação global do aluno e qual sua visão em relação à disciplina de Filosofia na vida intelectual acadêmica e na formação profissional.

O material para análise de dados compõe-se de 3.920 respostas fechadas e 1.260 respostas discursivas apresentadas pelos estudantes do campo pesquisado. As respostas livres, sem qualquer censura, versaram sobre suas próprias vidas, os processos de aprendizagem pelos quais passam durante o curso e o significado que atribuíam à Faculdade naquele momento, descrevendo e avaliando suas experiências como universitários e suas projeções enquanto profissionais e acadêmicos a curto e a médio prazo.

Com as leituras sucessivas do material coletado – questionários, entrevistas e documentos –, optamos pela constituição de unidades de significados que nessa etapa de análise, tornam-se “ato de decifração possível perante a complexa rede de forças que atua sobre o fato” (MEDINA, 1995, p. 33).

O recorte epistemológico dado ao trabalho indica eixos para uma análise que procurou valorizar o posicionamento e o pensar crítico para uma formação humanística, descaracterizados pelo pragmatismo e o utilitarismo. Ambas as categorias serão conceitualizadas e ofereceram embasamento teórico de análise após ser apresentado um perfil sociocultural do aluno pesquisado para contextualizar as relações realizadas.

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O perfil sociocultural do estudante de Administração da IES pesquisada

A primeira parte do questionário aplicado aos alunos oferece a possibilidade de visualização do perfil sociocultural dos respondentes. Nascidos no período da redemocratização do país, acontecida na segunda metade dos anos 80, a maioria dos jovens pesquisados ainda teve como berço dos seus primeiros anos de vida um contexto histórico de mudanças sociais e políticas. A luta pelas eleições diretas, pela autonomia dos sindicatos, pelo direito do voto aos analfabetos e sobretudo pela liberdade partidária, inclusive dos comunistas, mostrava que o Brasil passava por grandes mudanças que findaram na promulgação da Constituição de 3 de outubro de 1988, na Assembleia Constituinte. Ao mesmo tempo em que a política passava por transformações, a economia sofria não só no Brasil (a década perdida), mas em toda a América Latina: volatilidade de mercados, problemas de solvência externa e baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Conforme Sader (2000, p.105):

O final do século vê o continente debilitado pela aplicação de políticas neoliberais no plano econômico, que tornaram vulneráveis suas economias, dependentes dos capitais especulativos, enquanto seus Estados perderam força e os embriões de processos de integração regional – como o Mercosul – se enfraqueceram.

Em sua adolescência, o jovem que cursava o ensino médio, assistia à era Fernando Henrique Cardoso e à consolidação do sistema neoliberal, já aberta por Fernando Collor de Melo no Plano Brasil-Novo e Itamar Franco, sistema que marcou fortemente as duas metades do século XX e o começo do atual milênio.

Os dados são importantes para que, ao se analisar o perfil do aluno e as suas “falas”, possa ter-se presente o contexto histórico-cultural em que se dá não só o seu grau de formação em nível superior, como também os níveis anteriores de escolaridade e formação familiar.

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O Governo Thatcher, no Reino Unido, provocou o avanço e consolidação do neoliberalismo. No entanto, isso não impediu que as consequências desse regime tivessem fortes marcas em suas vidas, influenciando na visão que têm sobre a formação profissional e as demais projeções que fazem sobre seu próprio futuro.

Assim, foi-se construindo o perfil do estudante e revelando que o contato com o mundo do trabalho somente acontece no último ano do curso, em que se exige o estágio supervisionado. No entanto, um dado importante que contribui para a construção do perfil do pesquisado é que segundo o coordenador da área de humanidades da faculdade,

não são os alunos que procuram vagas para realizar o estágio supervisionado no mercado de trabalho, mas sim as empresas que procuram a Instituição de Ensino para que possam ter em seu quadro de funcionários, (material humano altamente qualificado) os melhores profissionais do mercado, pois formamos aqui o topo da elite intelectual e profissional (grifo nosso).

Portanto, somente uma parcela irrisória dos alunos trabalha. Os que exercem essa função, são identificados como proprietários, freelances, estagiários que ocupam cargos direcionados ao grupo de líderes e gestores nas empresas. Outra questão abordada no questionário, que tece o perfil do aluno é como ele se mantém informado(a) sobre a situação social, política e econômica do país e do mundo. Numa escala crescente, foi pedido para que o estudante indicasse em ordem de importância o meio utilizado. Optou-se nessa pesquisa em quantificar apenas a opção que indicasse em primeira escala o meio mais utilizado.

O mundo virtual parece dominar o cotidiano desses jovens. A internet ganhou espaço significativo na vida dessa nova geração. As novas tecnologias e o espaço virtual já participam do seu dia a dia, fornecendo o que ele considera como informação. A Internet e Noticiários de TV somam 67,9%, em contraponto aos outros meios como a leitura de jornais (11,4%), as revistas (9,3%) o rádio (1,4%) e a conversa com amigos (9,3%).

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Os percentuais registrados na pesquisa retratam as novas exigências frente ao contexto mundial globalizado e multifacetário da modernidade que segundo Castanho (2003, p. 23), podemos denominar de:

[...] maré de globalização contemporânea. Dentre suas inúmeras características destacam-se: o deslocamento do centro dinâmico do sistema da indústria para os serviços, especialmente os que têm relação com as tecnologias derivadas da microeletrônica e muito particularmente a informática.

O mundo expressa um novo ciclo de expansão do capitalismo e das exigências do modo de produção e do processo civilizatório em alcance mundial. As emergências que a era do globalismo traz à sociedade, fazem com que a realidade passe a ser constantemente dinâmica e veloz, universalizando os mercados e os meios de comunicação.

O mundo global se revela por maneiras independentes. Tudo é possível para que se chegue primeiro, com eficiência e atendendo, com sucesso, o esperado. Assim, os meios de que a informação se utiliza no seu processo de comunicação passam pelo crivo da competitividade, quando não da ilusão de uma realidade puramente imediatista.

Segundo Ianni (2002, p. 27):

[...] O mundo se povoa de imagens, mensagens, colagens, montagens, bricolagens, simulacros e virtualidades. Representam e elidem a realidade, vivência e experiência. Povoam o imaginário de todo mundo. Elidem o real e simulam a experiência, conferindo ao imaginário a categoria da experiência. As imagens substituem as palavras, ao mesmo tempo em que as palavras revelam-se principalmente como imagens, signos plásticos de virtualidades e simulacros produzidos pela eletrônica e pela informática.

E ainda:

[...] permitem transmitir, modificar, inventar e transfigurar signos e mensagens que se mundializam. Correm o mundo de modo instantâneo e desterritorializado, elidindo a duração. Criam a ilusão de que o mundo é imediato, presente, miniaturizado, sem geografia nem história.

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A própria necessidade e os parâmetros da Administração focam a busca constante pela eficácia e, consequentemente, algumas bases formativas podem se tornar comprometidas diante da fugacidade dessas rotinas.

Chauí (2001, p. 131) reafirmou:

Não por acaso, na cultura, o romance é substituído pelo conto, o livro, pelo paper, e o filme, pelo videoclipe. O espaço é sucessão de imagens fragmentadas; o tempo, pura velocidade dispersa. [...] incorporam sem crítica e sem reflexão essa perda do antigo referencial da racionalidade. E é fácil comprovar a ausência de críticas pelos temas que são pesquisados – o gosto pelo micro, o gosto pela “diferença”; pela docência submissa aos estudantes como consumidores que esperam dos cursos a gratificação narcísica instantânea, como a televisão lhes dá; pelo fascínio dos papers, das parcerias, do vocabulários, da competitividade, da eficiência e da modernidade, como se a universidade, para esconder a crise da razão, operasse com categorias como a eficiência, a competitividade, a modernidade, categorias que ela não produziu e sobre as quais ela não tem ideia.

Um ponto fundamental da pesquisa está justamente na questão seguinte. Questiona-se se o jovem atua em algum movimento social. O quadro geral indica que 72,9% dos alunos não atuam em nenhuma organização ou movimento social. A abordagem utilizada nessa questão oferece margem a inúmeras análises. Quando perguntados como projetam sua vida profissional nos próximos 5 anos, e quando se questiona, diante do percurso realizado no aprendizado filosófico, como observam temas como: globalização, Mercosul, virtualidade, avanço científico-tecnológico, ética, neoliberalismo, exclusão social, poluição ambiental, preservação de recursos, cidadania, deterioração das cidades, desemprego, violência e movimentos sociais, as respostas revelam certa linearidade. De maneira geral, elas refletem a preocupação com o sucesso profissional, destacando o desejo para as relações internacionais:

- “Estar altamente qualificado para concorrer aos melhores cargos” (Q3)

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- “Só existem duas possibilidades: multinacional ou setor público.” (Q32)- “Sucesso profissional e empresarial” (Q37)- “Próprio negócio ou multinacional” (Q52)- “Trabalho em empresa da família ou multinacional” (Q54)-“Trabalhando em uma empresa conceituada e aprimorando a cada ano meu conhecimento e o meu currículo” (Q101)-“Espero estar trabalhando em uma boa empresa, num cargo de prestígio e ganhando bom salário” (Q119)Fica caracterizado, com base nos dados coletados, o perfil de

um aluno que possui uma visão pasteurizada da sua sociedade, com preocupação exclusiva de prosperidade financeira e sucesso profissional. No entanto, a perspectiva de crescimento desses estudantes encontra-se fora do país:

- “Estudar fora, fazer estágio em grandes empresas” (Q4)- “Bom cargo, com ótimo salário, em empresa no exterior” (Q72)- “Programas de trainee em multinacional no exterior” (Q11)- “Crescimento em outro país”. (Q124)

Não encontramos em qualquer momento da pesquisa a preocupação para participação no desenvolvimento nacional. A alusão à questão retrata o papel educacional da Instituição que reforça a preocupação em formar a elite intelectual e profissional sem vínculos com os problemas sociais do país, visto que as melhores oportunidades parecem estar em terras estrangeiras.

No que tange às respostas da observação do aluno a temas globais, foi detectado de maneira geral um grau de interesse considerável, uma vez que o curso de Administração procura oferecer ao aluno inúmeras possibilidades de especializações e, consequentemente, nas gerências de projetos, poderá deparar-se com problemas de ordem social.

Somente os temas como poluição ambiental, preservação de recursos e deterioração das cidades predominaram como preocupação

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exclusivamente pessoal. Pode ser notado que parcela significativa nos temas virtualidade e neoliberalismo atinge um índice de desinteresse frente à aprovação dos demais.

Parece-nos que temos um aluno preocupado com os problemas sociais mundiais. No entanto, cabe-nos indagar: sob que ótica se dá a discussão desses temas? O interesse realmente existe? Em que olhar? Já que, na questão sobre atuação social, parcela esmagadora dos respondentes não atua socialmente, estarão devidamente problematizados e contextualizados? Que relações podem estar sendo feitas? Daí decorre que apenas o falar sobre os temas polêmicos e significativos do ponto de vista social não implica necessariamente discuti-los criticamente, tornando visíveis seus determinantes históricos, políticos. E esse ponto nos parece decisivo para a formação de uma consciência social valorativa, qualificando inequivocamente sua forma de inserção na realidade do trabalho.

Um dado interessante e que vai compondo o perfil do aluno pesquisado é o item que indaga o grau de importância dado à contribuição para a melhoria da sociedade, quando infere sobre os motivos que o levaram à escolha do curso; pouco relevante ou que não tem importância alguma somam 59,3% dos respondentes, contrapondo 11,4% que consideram o item muito importante. A preocupação individualista e de cunho estritamente subjetivo leva a considerar que as preocupações levantadas em outras questões com vieses sociais possam ser meramente retóricas.

Os dados demonstram o ambiente em que o estudante convive. Lugar onde as ideias são impostas, as relações são amadurecidas, os posicionamentos tornam-se ideológicos, reafirmando a que se propõem e quais interesses defendem. O perfil sociocultural elitizado e amarrado a interesses classistas reforça a condição pasteurizada do pensamento, tornando-o regulador na medida em que a manutenção do sistema advém de institutos que produzem e reproduzem profissionais para esse mercado.

Analisamos a seguir como esse aluno pensa e vê a Filosofia em sua formação.

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O envolvimento do aluno com a disciplina de Filosofia

Foram propostas aos alunos questões abertas, específicas em relação à Filosofia e ao curso de Administração. As apreciações dos alunos são reproduzidas de acordo com a redação original. Os dados entre parênteses referem-se à identificação do questionário.

Perguntou-se: quais são as contribuições que a disciplina de Filosofia oferece em relação ao curso e como é percebido esse aprendizado diante dos futuros desafios profissionais. Obtivemos respostas heterogêneas quanto ao enfoque dado, porém todas com caráter predominantemente utilitarista. Vejamos:

- “Apesar de não gostar muito de Filosofia, acredito que ela possa ser um pouco útil.” (Q99)- “Espero conhecimento e cultura, podendo utilizar alguma coisa. Contribui para a formação ética humanística”; (Q 30)- “Sinceramente não sei, não consegui pensar filosoficamente. E até hoje não entendo. Não sei. Em nada talvez. Pensar em coisas abstratas, não ser nem um pouco objetivo. Acho que pode ser melhor explicado, pois eu não consegui ver uma utilidade nela. Talvez tenha alguma, mas eu não sei” (Q123).- “Ela poderia oferecer mais se fosse oferecida de modo prático. Pelo modo que nos foi passado não será muito utilizada, não agregou muito. Pode ser muito interessante caso seja oferecida de modo motivador” (Q126)- “Não utilizo. Não acho importante. Acho legal. Porém a matéria Filosofia deveria ser mais prática, ou seja, fazer paralelos e analogias com o mundo atual” (Q137).- “Terei um olhar diferenciado perante assuntos, o que será vantajoso pra mim. Procurarei sempre extrair os principais aprendizados e aplicá-los a cada situação” (Q70).Além da visão pragmática dada às respostas, percebe-se a dificuldade em enxergar, no ensino da disciplina, seus objetivos e as possíveis correlações. Verdade, pensamento, procedimentos

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especiais para conhecer os fatos, relação entre teoria e prática, acúmulo de saberes são questões meramente filosóficas e que, dados tais posicionamentos, anulam essa possibilidade de conhecer e perceber a realidade de maneira crítica e reflexiva, podendo tornar-se um universo estático e/ou alienado.- “Muita “viagem”, porém é interessante. É legal, pois gostei da matéria, mas não acho muito importante. Importante pois estimula uma capacidade de debates importantes no mercado” (Q125)- “Já vem acontecendo... ensina toda mecânica do meio econômico entender os pensamentos e entender a imagem do mundo. Estarei apto a ter um raciocínio mais rápido e consciente de vários mecanismos e situações”; (Q60)A relutância em negar a filosofia, como descaracterizar seu

papel, torna-se questionadora, pela proposta em que está inserida. Um ensino forte, de qualidade, com visão ética e humanista não deveria ter tais índices de resistência e negação da disciplina. No entanto, o que se levanta são problemas pertinentes a uma possível proposta curricular com maior clareza, ou ainda um posicionamento pedagógico de ensino coerente com o que se pretende formar.

Conceitualizando as unidades de significação

No caminho para identificar categorias representativas dos discursos retratados nos questionários e entrevistas, deve-se levar em consideração, além da realidade sócio-econômica e cultural, um fator preponderante à área em estudo que decorre das escolas de administração. Nelas, são evidenciadas teorias organizacionais que veiculam valores e discursos ideológicos de um projeto hegemônico que segundo Gurgel (2003, p. 32):

[...] se “disfarçam” sob o instrumental da gestão empresarial/organizacional no fenômeno da contemporaneidade, na formação da consciência social [...] difundindo através do genérico administração flexível e suas expressões materiais –

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gestão de qualidade, reengenharia, terceirização, virtualização, multifuncionalidade e outros conceitos e técnicas gerenciais em relevo (grifo do autor).

A mentalidade técnica, impregnada na ação pragmática, é caracterizada pelo instrumentalismo e pelo utilitarismo. Tais conceitos se encadearam ao longo da história, direcionando o agir e o pensar humanos de maneira que tais princípios norteassem o imediatismo hedonista (o bom como útil).

A corrente filosófica do utilitarismo arraigada com as concepções e ideais iluministas e positivistas obtiveram, sob um viés humanista, críticas aos seus modelos de conceber a realidade pela razão humana de modo exaustivo, transformando-a de objetiva em instrumental. Entende-se por razão objetiva aquela que admite uma ordem no mundo, o sentido da vida humana, a existência de fins últimos a conseguir.

As condições dadas pelo filósofo, indicam o delinear pela construção da felicidade humana fundamentado no princípio da utilidade. Esse princípio é a base de toda ética racional e toda legislação em que Bentham (1979, p. 95) teoriza cientificamente o comportamento humano. Assim, o “princípio de utilidade” formulado pelo autor se estabelece.

Considerando que as ações humanas são regidas pelo princípio da utilidade independente de sua intencionalidade individual ou coletiva, o sentido estabelecido do agir cabe aos critérios da moral que Bentham (1979, p. 96), estabelece como “[...] a arte de dirigir as ações do homem para a produção da maior quantidade possível de felicidade em benefício daqueles cujos interesses estão em jogo”.

O campo pesquisado retrata de maneira clara o significado e a representação da categoria levantada. Entender o utilitarismo nas dinâmicas da complexidade humana do mundo contemporâneo é perceber as emergências reprodutivas do modelo que se espera, ou que se quer de sociedade e de educação. No contexto neoliberal em que se insere tal realidade, a educação quanto mais atende ao mercado capitalista – parafraseando Mészaros (2005) – mais vira mercadoria, ou se não o é, não serve, não tem utilidade.

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Considerações finais

A riqueza dos dados nos possibilita inúmeras análises e abordagens diante do objeto de estudo. No entanto, o enfoque dado privilegiou o esforço racional para conceber e ordenar a realidade mediante os desafios da contemporaneidade e da visão de mundo.

Para justificar a necessária presença da formação filosófica no Ensino Superior, partimos da premissa de que a finalidade da educação superior não pode exaurir-se somente nesse perfil de profissionalização técnica. E que, além desse necessário preparo técnico dos profissionais e da fundamentação científica que deve servir-lhe de lastro, a educação superior precisa investir profundamente na formação humana dos estudantes. Tal formação humana – para além de qualquer retórica idealista – está relacionada com uma forma aprimorada do existir das pessoas humanas, historicamente situadas.

A Filosofia, portanto, se entendida como mera designação ou ferramenta para resolução de problemas administrativos ou ainda como instrumento de regulação em que se julgue o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, tem no currículo básico uma razão de existir que se torna dispensável, desnecessária e até mesmo prejudicial. Trata-se, sem dúvida, de um objeto que soa utópico e de difícil consecução, à vista da realidade pesquisada.

Nenhum profissional será, efetivamente em sua prática histórica, apenas um técnico; ele será, necessariamente, um sujeito interpelado pela história, pela sociedade, pela cultura e pela humanidade, devendo dar-lhe respostas que vão muito além de seu desempenho puramente operacional no âmbito da produção.

Certamente, a pesquisa ofereceu a esse texto algumas reflexões, respondendo a algumas questões e deixando outras em aberto para futuras análises na construção do conhecimento.

Por fim, as palavras de Chauí (1994, p. 15) elucidam o tema trabalhado na presente pesquisa:

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Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.

Cabe-nos questionar, portanto, que se esse saber emancipatório, humanista, não se torna claro em seu processo de ensino-apredizagem aos futuros profissionais desse campo, fica marcado nesse estudo que as artimanhas neoliberais do capital ofuscam o papel da filosofia. Apropriam-se desse saber universal, reproduzindo de maneira descompromissada e como uma obrigação curricular a ser cumprida, com data no calendário para ser encerrada. As possibilidades de desenvolvimento do pensamento contraideológico ficam seriamente comprometidas.

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GURGEL, Cláudio R. M. A gerência do pensamento: gestão contemporânea e consciência neoliberal. São Paulo: Cortez, 2003.

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166 Sérgio Eduardo F. Vieira e Maria Eugênia Castanho

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Recebido em: 28/4/2008

Aprovado em: 19/11/2008

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 167-184 2009

O ensino superior em Direito no Brasil: cenários, perspectivas e principais desafios

Eduardo Manuel Val 1

Graciela Hopstein 2

Resumo: Este trabalho tem a finalidade de analisar o cenário do ensino superior em Direito no Brasil, no contexto da dinâmica de expansão quantitativa iniciada a partir da década de 90. Trata-se de um curso que nos últimos 20 anos verificou um significativo crescimento em termos de demanda, oferta institucional, e matrícula. Porém, a expansão quantitativa dos cursos de Direito não foi acompanhada de dinâmicas qualitativas, especificamente no que diz respeito à formação oferecida nos diversos cursos, e em nível de qualificação e desempenho do corpo docente.

Palavras-chave: Brasil. Ensino superior. Direito. Qualidade de ensino.

Resumen: Este trabajo tiene por finalidad analizar el escenario de la enseñanza superior en Derecho en Brasil, en el contexto de las dinámicas de expansión cuantitativa iniciadas a partir de la década de 90. En los últimos 20 años, los cursos de Derecho verificaron un significativo crecimiento vinculadas a la demanda, oferta institucional y matrícula. Sin embargo, junto con el proceso de expansión cuantitativa no se registraron dinámicas cualitativas, específicamente 1 Doutor em Direito (PUC-Rio). Professor Adjunto de Direito das Relações Internacionais e Direitos Humanos. na Faculdade de Direito.da Universidade Federal Fluminense (UFF). 2 Mestre em Educação (UFF); Doutora em Serviço Social (UFRJ). Professora das disciplinas Metodologia de pesquisa e Didática do ensino superior no programa de pós-graduação em Direito do Centro Universitário da Cidade.

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relacionadas al nivel de formación ofrecida en los diversos cursos, y a la calificación y desempeño del cuerpo docente.

Palabras llave: Brasil. Enseñanza superior. Derecho. Calidad de la enseñanza.

Introdução

Este trabalho tem a finalidade de analisar o cenário do ensino superior em Direito no Brasil, no contexto da dinâmica de expansão quantitativa iniciada a partir da década de 90. Trata-se de um curso que nos últimos 20 anos verificou um significativo crescimento em termos de demanda, oferta institucional e matrícula, levando em conta que a formação nesta área oferece visíveis oportunidades de inserção no mercado de trabalho, tanto na área privada como na pública, especificamente no âmbito da carreira administrativa. Porém, e como analisaremos ao longo destas páginas, podemos afirmar que a expansão quantitativa dos cursos de Direito não foi acompanhada de dinâmicas qualitativas, especificamente no que diz respeito à formação oferecida nos diversos cursos, à qualificação e desempenho do corpo docente.

Ao longo destas páginas pretendemos estudar, inicialmente, as políticas públicas implementadas a partir da década de 90 e as tendências verificadas no âmbito do ensino superior no Brasil, a fim de oferecer um panorama contextualizado sobre as principais dinâmicas que caracterizaram a expansão deste nível educacional. Posteriormente, apresentaremos um breve panorama e o histórico recente do ensino jurídico no Brasil, mapeando não apenas as principais tendências, mas também analisando as dificuldades registradas nesta área de ensino, especialmente no que diz respeito aos problemas vinculados à qualidade dos cursos. Finalmente, sistematizamos algumas conclusões obtidas por meio da análise, e os principais desafios orientados à construção de uma didática do ensino jurídico adequada à realidade dos cursos de Direito no Brasil.

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169 O ensino superior em Direito no Brasil: cenários, perspectivas e principais desafios

Políticas e tendências do ensino superior no Brasil

O crescimento do sistema de ensino superior brasileiro ocorreu a partir da promulgação da Constituição de 1988, que consagrou os princípios da autonomia universitária, da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (art. 207), e fixou as normas básicas da participação do setor privado na oferta de ensino superior (art. 209).

Por sua vez, a Lei nº. 9.394 de 1996 – que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB) – promoveu, através dos seus dispositivos, uma ampla diversificação do sistema de ensino superior pela previsão de novos tipos de instituições: universidades especializadas, institutos superiores de educação e centros universitários. Ao mesmo tempo, a LDB instituiu novas modalidades de cursos e programas, e estabeleceu os fundamentos para a construção de um sistema nacional de avaliação da educação superior3. Com base nesse arcabouço legal, complementado por um conjunto de leis, decretos, portarias e resoluções, o sistema nacional de ensino superior no Brasil experimentou não apenas uma vigorosa expansão, mas também uma profunda diversificação dos tipos de instituições que o integram. Certamente, as mudanças introduzidas a partir das mencionadas normas e regulamentações implicaram a instalação de novas dinâmicas no âmbito do ensino superior e uma alteração significativa de sua composição, especialmente no que diz respeito às características institucionais, e do corpo discente.

Para nos aprofundar na discussão da problemática, é interessante mencionar que o ensino superior no Brasil teve uma importante expansão a partir da década de 90. Se em 1991 registrava-se a existência de 893 instituições de educação superior (IES), em 2005 elas passam a ser 2165. Esta dinâmica esteve fortemente atrelada à implementação de políticas públicas orientadas a democratizar o ingresso de amplos e diversos setores populacionais excluídos do acesso em nível superior,

3 Concebido e implementado na década de 90, o sistema nacional de educação superior tem atra-vessado diversos processos de reformulação e aprimoramento no que diz respeito à metodologia e instrumentos de avaliação.

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levando em conta que historicamente a universidade pública no país não conseguiu efetivamente incluir esses contingentes através de políticas direcionadas à ampliação quantitativa do sistema. Nesse contexto, foram as instituições privadas as que absorveram efetivamente a demanda pelo acesso ao ensino superior, expandindo visivelmente a oferta de cursos, vagas e instituições, ampliando a matrícula. Se em 1980, segundo as estatísticas oficiais (INEP, 1996), registrava-se a presença de 20 universidades particulares em todo o território nacional, em 1994, elas passam a ser 594. Analisando a evolução da matrícula, observamos que no ano de 1980 a população universitária era de 91.430 alunos e desse universo 60% estavam matriculados em universidades públicas (federais e estaduais). Já em 1993, 50% do alunado pertenciam a entidades de ensino particular (sobre um total de 128.014 alunos). Outro dado interessante diz respeito aos concluintes, já que enquanto no ano de 1993 as universidades públicas (estaduais e federais) formaram 70.632 alunos, as particulares, 155.038, o que representa 65% da população graduada. As políticas educacionais no contexto do governo Fernando Henrique Cardoso tiveram como foco principal a expansão do ensino fundamental e superior, e neste último caso, estiveram orientadas à concessão de benefícios para as instituições privadas, subsidiando o crescimento do setor através do acesso a recursos financeiros (crédito) via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Uma das principais motivações do governo FHC em expandir o ensino superior no Brasil foi a de alcançar os patamares de ensino dos países latino-americanos, considerando que na década de 90, apenas 11% da população brasileira tinham educação superior. Para esse período, a Argentina contava com 41% da população com esse nível de instrução, Chile com 21% e Uruguai com 30%. Ao analisar as informações referentes aos anos de 2000 e 2003, observamos que o Brasil conseguiu efetivamente ampliar o acesso ao nível superior, já que passou a ter respectivamente 16% e 21% da população com esse nível educacional (SADER; JINKINS, 2006, p. 1200). 4 No início da década de 80, registrava-se um total de 34 universidades federais e nove estaduais, e em meados de 90 haviam 39 universidades federais e 25 estaduais (INEP, 1996).

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Vale salientar que, ao longo deste período, a universidade pública começou a atravessar um processo de retração. Este fenômeno esteve diretamente ligado à redução do orçamento destinado para essas instituições, à redução salarial do pessoal docente e administrativo e à falta de contratação de professores. Como afirmamos nos parágrafos anteriores, a expansão do ensino superior no Brasil teve as instituições privadas como o ator-chave do processo. Segundo os dados do Ministério da Educação (MEC), entre 1990 e 1997 o crescimento da matrícula no setor público foi de 31%, contra 23% no privado, porém entre 1997 e 1998 (em um ano), o aumento do setor privado foi de 11%, marcando desta forma uma importante presença no âmbito do ensino superior no Brasil. Em 2002, as instituições privadas representavam 88% desse universo, retendo 70% da matrícula5. As informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-2004) indicam que o setor privado continua em processo de expansão, já que nesse ano, 25,9% dos alunos pertenciam a entidades públicas, e 74,1% estudavam em instituições privadas (IBGE, 2004). Segundo a mencionada pesquisa (PNAD), no ano de 2007, verificou-se um aumento de 185% – de 224 mil para 745 mil – do número de estudantes de famílias com renda de até três salários mínimos. Certamente, e levando em conta as informações apresentadas relativas à distribuição da matrícula entre as entidades públicas e particulares, os estudantes oriundos de famílias de baixa renda ficaram absorvidos no âmbito da educação privada. Além do mais, outro dado significativo diz respeito à proliferação de cursos particulares de graduação no Brasil e, considerando os valores da oferta de muitos cursos, especialmente daqueles vinculados às áreas de ciências sociais e humanas, é possível afirmar que estão claramente destinados às populações de baixos ingressos. Embora nos últimos anos, através da implementação de políticas públicas de caráter afirmativo (especialmente vinculadas às cotas para negros, estudantes da rede pública e de famílias de baixa renda), conseguiu-se ampliar a matrícula nas universidades públicas, os impactos dos mencionados programas não afetaram ainda a composição do alunado deste nível educacional (superior). 5 Fonte: INEP (Julho de 2006). Disponível em: www.edudatabrasil.inep.gov.br.

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Com base na análise realizada, podemos afirmar que o panorama da educação superior no Brasil apresenta sérias contradições. De modo geral, pode-se observar que paradoxalmente são as universidades particulares as que efetivamente conseguiram absorver alunos com menor nível de renda, isto é, aqueles que, de modo geral, vivem em situações socioeconômicas mais precárias ou desfavoráveis, que não tem condições de pagar cursos preparatórios para o vestibular, e cuja trajetória educacional é, na maioria dos casos, problemática em termos do acesso a serviços educacionais de qualidade.

Porém, e como analisaremos, essa expansão quantitativa implicou a emergência de sérios problemas vinculados à qualidade dos cursos oferecidos, levando em conta os resultados e indicadores divulgados pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES).

O governo Lula, certamente, inaugura uma nova etapa na implementação de políticas para o ensino superior. Devemos mencionar aqui o Programa Universidade para Todos (ProUni) que tem como finalidade a concessão de bolsas de estudos integrais e parciais a estudantes de baixa renda, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de educação superior, oferecendo, em contrapartida, isenção de alguns tributos àquelas que aderirem ao Programa. Também o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) constitui uma política importante, já que um dos principais objetivos é dotar as universidades federais das condições necessárias para ampliação do acesso e permanência na educação superior. Embora os mencionados programas ocupem um papel destacado, o MEC vem implementando um amplo conjunto de políticas e projetos específicos, orientados a democratizar o acesso ao nível superior, contemplados no Plano Nacional de Educação.

É evidente que as mencionadas políticas tiveram como foco a ampliação do acesso ao ensino superior e a finalidade de absorver aqueles setores da população historicamente excluídos dos direitos de cidadania. Sem dúvida, estes programas representam uma autêntica revolução no âmbito das universidades públicas brasileiras, levando em

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conta que até o momento ditas instituições não conseguiram absorver a demanda desta população, criando possibilidades efetivas de acesso, e proporcionando condições de permanência através da oferta de cursos noturnos, bolsas de estudo e outros incentivos.

O problema da qualidade do ensino superior

Como mencionamos nos parágrafos acima, não é menos importante a questão da qualidade do ensino superior em escala nacional, tema de destacada projeção há alguns anos. Desde o início da década de 90, o Brasil tem desenvolvido metodologias consistentes de avaliação, e certamente é pioneiro na implantação da avaliação da qualidade na pós-graduação e na aplicação dos resultados para recomendar e reconhecer programas de formação avançada. Criado pela Lei n° 10.861, de 14 de abril de 2004, o SINAES é formado por três componentes principais: a avaliação das instituições, dos cursos e do desempenho dos estudantes. O SINAES6 avalia todos os aspectos que giram em torno desses três eixos: o ensino, a pesquisa, a extensão, a responsabilidade social, o desempenho dos alunos, a gestão da instituição, o corpo docente, as instalações e vários outros aspectos. O mencionado sistema possui uma série de instrumentos complementares: autoavaliação, avaliação externa, o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE)7, avaliação dos cursos de graduação e instrumentos de informação (censo e cadastro). Os resultados das avaliações possibilitam traçar um panorama da qualidade dos cursos e instituições de educação superior no país.

Apesar das possibilidades abertas pela Constituição Federal e pela LDB, e da real expansão do nível educacional, também produto da implementação de políticas e programas específicos, não é possível afirmar que o país foi capaz de levar adiante uma verdadeira reforma da educação superior, embora seja fundamental reconhecer os avanços 6 Os processos avaliativos são coordenados e supervisionados pela Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (CONAES) e a sua operacionalização é de responsabilidade do INEP.7 O ENADE tem o objetivo de aferir o rendimento dos alunos dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, suas habilidades e competências. Dito exame é realizado por amostragem.

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vinculados à democratização do acesso. Apesar de ser inegável que a partir da década de 90 registrou-se uma efetiva expansão quantitativa deste nível educacional, o ensino superior ainda enfrenta sérias dificuldades vinculadas, de modo geral, à qualidade da formação oferecida, isto é, ao nível dos conhecimentos adquiridos – medido através do ENADE – às características gerais dos cursos, ao perfil docente e à infraestrutura institucional, aspectos estudados pelo sistema de avaliação. Certamente, e a partir das informações recolhidas pelo SINAES, este problema se verifica com maior frequência nas instituições privadas. Considerando as condições do trabalho docente e o baixo investimento que estas instituições realizam em atividades de pesquisa, fica evidente que a maior parte delas não conseguiu cumprir com o estabelecido no artigo 207 da Constituição Federal. O contrato dos professores por hora/aula fora dos parâmetros salariais nacionais, sem estabilidade e possibilidade efetiva de construir democraticamente a sua prática profissional, e o escasso financiamento para o desenvolvimento de atividades de pesquisa e extensão vem caracterizando a dinâmica de funcionamento das instituições privadas de nível superior no Brasil.

Sem dúvida, as precárias condições de trabalho docente não constituem um grande atrativo para os profissionais mais qualificados do mercado, já que a maior parte deles acaba sendo absorvida pelas universidades públicas que, além de oferecer estabilidade laboral, reúnem as condições para o desenvolvimento de uma autêntica dinâmica acadêmica.

Porém, o problema da qualidade do ensino não se restringe apenas à dimensão institucional, mas trata-se também de uma questão que atinge com maior frequência àqueles IES de curta trajetória institucional e aos cursos que registraram um importante crescimento quantitativo no curto prazo. Especificamente, trata-se de cursos com uma significativa e crescente demanda de público, considerando que muitos deles oferecem a possibilidade de uma rápida inserção no mercado de trabalho e que, além do mais, são de baixo custo e não requerem de grandes investimentos, tanto para os discentes como para as instituições. As formações em Administração, Direito, Ciências Contábeis, Computação,

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Educação Física, Pedagogia, Letras, Comunicação, dentre outras, estão entre os 10 maiores, em termos de alunos matriculados (64,7% do total), de concluintes (64,7%), e cursos oferecidos.

No caso dos cursos em Direito – tema que constitui o nosso objeto de análise – observamos que em 20048 havia um total de 533.317 alunos matriculados, número que representa 12,3% da matrícula total do ensino superior no país, e no ano de 2006, registrava-se um total de 1066 cursos em Direito em todo o país9. Estes dados indicam que a formação em Direito ocupa um papel destacado no contexto do ensino superior brasileiro. Porém, e como analisaremos ao longo destas páginas, podemos afirmar que a expansão quantitativa dos cursos de Direito não foi acompanhada de dinâmicas qualitativas, especificamente no que diz respeito à formação oferecida nos diversos cursos e em nível de qualificação e desempenho do corpo docente.

Breve panorama e histórico recente do ensino jurídico no Brasil

Para uma adequada valorização deste cenário, torna-se necessário apresentar um breve panorama da evolução do ensino jurídico no Brasil, com foco no período de renovação iniciado a partir da década de 90. Esta etapa está diretamente influenciada pelos efeitos decorrentes da volta ao estado democrático de direito, após a Constituição Federal de 1988.

A dimensão democrática dada ao ensino superior se une ao reconhecimento do papel do advogado consagrado no artigo 133 da Constituição Federal definido como “indispensável à administração de justiça”10. Sem dúvida, a centralidade do papel do advogado no contexto de uma sociedade que acabou de recuperar os direitos políticos e se torna consciente dos seus direitos e garantias para alcançar o acesso à justiça, vai ser determinante para a instalação de uma nova reforma do modelo de ensino jurídico vigente. Assim, ao longo desse período, se dará início a um conjunto de ações que vão alterar de forma significativa o caminho

8 MEC, DAES, INEP. Censo da Educação Superior 2004. Disponível em: www.inep.gov.br 9 Fonte: MEC, INEP, DAES, Cadastro de cursos. Disponível em: www.sinaes.inep.gov.br10 O mencionado artigo também declara a inviolabilidade no exercício da profissão.

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percorrido desde a criação dos primeiros cursos de Direito no Brasil, em 1827. No período compreendido entre o Império e a República, o ensino jurídico no Brasil esteve orientado principalmente à capacitação legal dos quadros da administração pública do Estado, e dita tendência não verificou importantes transformações, inclusive até os dias de hoje. A reforma de 1931, alavancada no pensamento de Francisco Campos, tentou aprimorar o caráter científico da educação jurídica, promovendo um pragmatismo dogmático e uma objetividade técnica e profissional que terminou esvaziando qualquer possibilidade de autonomia crítica no pensamento jurídico brasileiro. Em 1972, San Tiago Dantas impulsionou uma nova reforma apontando para uma renovação humanista e uma valorização ética que não foi favorecida pelo contexto político em que se pretendeu aplicar. Certamente, nenhuma das duas reformas resolveu a propalada crise do ensino do Direito.

O novo momento reformador do ensino jurídico no Brasil será simultaneamente liderado pelo Ministério da Educação e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que em 9 de agosto de 1991, cria sua Comissão de Ensino Jurídico (CEJ), enquanto o MEC nomeia, em março de 1993, uma nova Comissão de Especialistas no Ensino de Direito (CEED) que estará diretamente ligada à Secretaria de Educação Superior (SESU), com atribuições legais de opinar sobre os processos de autorização de funcionamento, reconhecimento e renovação dos cursos de Direito (substituindo a Comissão anterior nomeada em 1980).

Preocupados com a expansão dos cursos na área e com qualidade da formação, em 1992, a CEJ encaminhou aos especialistas em ensino do Direito de todo o país um questionário científico solicitando-lhes que oferecessem diagnósticos e soluções para resolver a crise do ensino jurídico. Em 1993, a comissão analisou os dados do questionário, classificou os indicadores e finalmente divulgou a primeira avaliação global dos cursos jurídicos do Brasil. Ao longo do mesmo ano, em promoção conjunta com a comissão de especialistas do ensino jurídico do MEC, então instalada, e com o objetivo de gerar um debate amplo e fértil sobre a reforma dos cursos de Direito, realizaram-se três seminários regionais e um nacional.

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Ditas atividades contaram com uma importante participação de docentes e alunos da área, e também das mantenedoras dos cursos de Direito, envolvendo desta forma a comunidade acadêmica e profissional. Nessas ocasiões conseguiu-se recolher sugestões sobre três temas interligados: a qualidade, o currículo e a avaliação do ensino jurídico.

Em 1994, as duas comissões (CEJ e CEED) empenharam-se em converter em ato normativo as diretrizes curriculares (ou os conteúdos mínimos), dos cursos jurídicos, consolidando as recomendações sugeridas no contexto dos seminários. Finalmente, editou-se a portaria MEC nº 1886, de 30 de dezembro de 1994, que no seu artigo 15 estabelecia o prazo de dois anos para “seu integral cumprimento”. Cabe registrar que a Portaria nº 3 de 9 de janeiro de 1996 alterou a aplicação das diretrizes curriculares fixando sua obrigatoriedade “aos alunos matriculados a partir de 1997, nos cursos jurídicos que, no exercício de sua autonomia, poderão aplicá-las imediatamente.” Esta portaria elencou os seguintes indicadores de qualidade e critérios que poderiam servir como parâmetros para análise do pedido de autorização de reconhecimento dos cursos de direito: capacitação docente; desempenho da atividade docente; estrutura material; estrutura acadêmica; capacitação discente e estrutura curricular.

Entre os anos de 1992 e 1997, a CEJ publicou quatro livros contendo diversos estudos e análises sobre o tema, incluindo trabalhos de especialistas e documentos organizados em torno dos seguintes assuntos: 1) Diagnóstico, perspectivas e propostas; 2) Parâmetros para elevação de qualidade e avaliação; 3) Novas diretrizes curriculares; e 4) 170 anos de cursos jurídicos no Brasil.

Como se pode observar, a partir desta análise preliminar, desde o início da década de 90, no contexto da dinâmica de reforma do ensino jurídico, existia tanto da parte do MEC como das organizações profissionais, uma grande preocupação com relação à qualidade dos cursos de Direito oferecidos no território nacional.

Cabe destacar também a aprovação da lei 8906/94, que conseguiu plasmar o Projeto do Estatuto da Advocacia e da OAB apresentado, em 1992, pelo Conselho Federal da Ordem. A partir da sanção da

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mencionada lei, o denominado Conselho passou a ter competência não apenas para colaborar no aperfeiçoamento dos cursos de Direito, mas também na autorização ou reconhecimento dos novos cursos a serem criados. Este instrumento legal também tornou obrigatório o Exame da Ordem, que passou a ser o único meio de ingresso ao exercício profissional da advocacia.

Nos anos de 1994 e 1995, as Comissões da OAB e do MEC desenvolveram um projeto piloto de avaliação, experimentado e aplicado em sete cursos jurídicos do Brasil, de variada reputação e qualidade, não apenas para testar a viabilidade dos indicadores, mas também para recolher outros que os avaliados apontassem como necessários para ser considerados.

Como mencionamos parágrafos acima, a partir de 1996, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) começou a realizar o ENADE11 – que constitui um instrumento fundamental da avaliação – e, atualmente, são os resultados desse exame e do sistema de avaliação os indicadores que se levam em conta para estudar a qualidade dos cursos de todas as áreas, em todas as instituições, em todo o território nacional.

Segundo os dados colhidos no censo escolar de 1996, o país contava com: 262 cursos de graduação em direito; 9.386 docentes jurídicos; e 239.201 alunos de direito matriculados, estabelecendo uma relação média de um professor para cada 25,4 alunos (INEP, 1996).

De acordo com o INEP, o curso com o maior número de graduandos foi o de Direito, com 43.775 inscritos. Outros cursos tradicionais como os de engenharia civil contavam com 6.505 alunos, e medicina com 8.470. Essas quantidades impressionam quando comparadas com os dos anos letivos de 1998-99, nos Estados Unidos. Segundo as informações divulgadas pela American Bar Association12 nos Estados Unidos havia 181 escolas de Direito, 125.627 graduados, 10.838 professores (relação média: um professor para 11, 59 alunos) e 3.080 diretores e administradores acadêmicos. Esses números mantiveram-se relativamente estáveis nos últimos anos. Lembre-se que se trata de país 11 O denominado exame foi, nas primeiras versões, apelidado de Provão.12 Legal Education and Bar Admission Statistics. Disponível em: <www.abanet.org/legaled>.

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com população superior à brasileira e com elevada classe média que demanda de forma constante serviços jurídicos.

Machado (2005) alerta que “o número de escolas de direito no Brasil, num período de apenas sete anos, entre 1995 e 2002, aumentou 154%”. Se no final de 2002, tínhamos 599 cursos jurídicos em funcionamento, segundo os dados da OAB, em 2006, o país registrava oficialmente a existência de 1004 cursos de Direito autorizados pelo MEC.

Em novembro de 1996 as Comissões do MEC e da OAB promoveram um encontro para discutir especificamente os indicadores de avaliação dos cursos de Direito e, no início de 1997, estes indicadores foram classificados e mensurados para sua posterior aprovação pela CEED.

Finalmente, restava definir o perfil do profissional de Direito ao qual estavam direcionados os cursos, tanto do presente, como daquele que se pretendia atingir no futuro. Nesse contexto, a CEJ encomendou ao instituto de opinião pública Vox Populi a realização de uma pesquisa que foi realizada no mês de abril de 1996 e posteriormente publicada pelo Conselho Federal da OAB sob o título Perfil do Advogado Brasileiro: uma pesquisa nacional. Com base neste estudo, a Portaria 526 do Ministério de Educação aprovou e divulgou em 1997 o perfil do discente do curso de Direito, elaborado pela Comissão do Curso de Direito do Exame Nacional de Curso.

Voltando à questão da qualidade do ensino, os dados do SINAES – especificamente do ENADE aplicado em 2006 para os alunos dos cursos de Direito – indicam que o problema da qualidade se verifica com mais frequência no âmbito das instituições particulares, especialmente naquelas que têm uma curta trajetória acadêmica. Além do mais, uma parte significativa dessas unidades de ensino conta com equipes docentes mal remuneradas que, de modo geral, trabalham em condições de precariedade em termos contratuais, e tem uma experiência restrita na área acadêmica, tanto nas atividades de ensino como de pesquisa.

Certamente, a qualidade do ensino também está diretamente vinculada à questão da qualificação docente (embora não exclusivamente). No caso dos cursos de Direito, segundo as informações divulgadas pelo SINAES, em 2006 registrava-se um total de 22.411 docentes na área e,

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desse universo, 10% possuíam nível de doutorado, 38% de mestrado, 32% estudos de especialização e 18% de graduação. Os dados apresentados indicam que, em linhas gerais, uma parte importante das instituições cumpre com o estabelecido na LDB, de que pelo menos um terço do corpo docente tem que ter titulação acadêmica de mestrado e doutorado. Avançando na análise da qualificação do corpo docente, acreditamos que ainda é necessário elevar o nível acadêmico dos professores atuantes na área e também reforçar a sua formação na área didática, levando em conta que se trata de um desafio fundamental para aprimorar o trabalho em sala de aula e aferir a qualidade do ensino. Embora acreditemos que a qualificação acadêmica dos professores constitui um aspecto fundamental - levando em conta que os cursos de pós-graduação oferecem a possibilidade de aporte de novos conhecimentos, produto das pesquisas para elaboração das teses de doutorado e dissertações de mestrado - consideramos que esse não é um aspecto suficiente para garantir a qualidade do ensino. De fato, apontamos para a necessidade de aprofundar a formação na área de didática, aspecto que nem sempre é desenvolvido nos cursos de pós-graduação (lato e strictu senso). Em linhas gerais, os mencionados programas estão voltados ao desenvolvimento de pesquisas acadêmicas e, em muito menor medida, à formação de professores. Tirando algumas experiências pontuais, a maioria dos programas de pós-graduação não regulamentou o estágio docente que, em nossa opinião, seria uma estratégia interessante orientada à formação didática e de aquisição de experiência em sala de aula.

A partir das informações apresentadas podemos afirmar mais uma vez que na década de 90 houve uma clara expansão quantitativa dos cursos de Direito, da matrícula discente e da relação docente/discente. Mas, adentrando-nos novamente no estudo da dimensão qualitativa baseada principalmente na observação e na nossa experiência em sala de aula, achamos importante poder refletir e indagar em torno às seguintes questões:

1. O perfil vocacional do discente corresponde com o perfil desejado para o futuro operador de Direito? Na medida em que a maioria

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dos alunos ingressantes nos cursos de Direito declaram que entre as principais motivações para realizar estudos na área é a possibilidade de fazer concursos para carreiras públicas, fundamentalmente atraídos pela promissora estabilidade financeira, nos perguntamos: não estaríamos perante uma distorção motivacional que afetará necessariamente a eficiência do futuro servidor público concursado? A percepção desta tendência tem aumentando na medida em que o mercado de trabalho do profissional liberal tem se tornado cada vez mais competitivo.

2. Os dados sobre a qualificação docente - aferida pelo indicador de titulação – indicam a presença de um razoável número de docentes com doutorado ou mestrado (48%), mas com base nesta informação, nos perguntamos: qual é a capacitação didática e pedagógica que eles recebem nos programas de pós-graduação?

3. Um número igualmente relevante de professores da área (32% dos docentes) conta com titulação de especialização. Estes docentes, formados em cursos ou especializações lato sensu, com uma carga horária de no mínimo de 360 horas/aula, das quais em média entre 40 e 60 horas estão destinadas às disciplinas de metodologia da pesquisa e didática do ensino superior, cabe perguntarmos: será que esta capacitação é suficiente para o desenvolvimento das habilidades pedagógicas necessárias para a atividade docente?

4. Nossa pesquisa aponta a existência de 575 cursos Lato Sensu em Direito, cadastrados no SINAES: 571 presenciais e quatro à distância. Levando em conta que esses cursos formam atualmente 32% do corpo docente que atuam nos cursos de graduação em Direito, cabe-nos questionar e refletir acerca da qualidade da formação pedagógica oferecida para esses futuros docentes. Em suma, nos perguntamos: os problemas verificados na formação docente comprometem efetivamente a qualidade da formação discente?

5. Recentemente surgiram propostas de cursos regulares preparatórios para exame da OAB e para concursos públicos que oferecem disciplinas de didática do ensino superior, garantindo o título de especialistas em Direito, chancelado por IES do setor privado.

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Certamente, também nos questionamos sobre o impacto da formação recebida nesses cursos, basicamente em termos da capacitação para o exercício das atividades docentes em cursos de graduação.

6. Cinquenta por cento dos docentes da área têm título de especialista ou simplesmente de bacharel em Direito e ao mesmo tempo uma ampla proporção deste universo trabalha na condição de “professor horista”, o que indica que a atividade docente na área é desenvolvida em condições precárias em termos contratuais. Em face desta informação, nos perguntamos: a falta de inserção no regime de carreira docente não desestimula os objetivos de aperfeiçoamento em cursos de conteúdo especificamente voltado para capacitação ou atualização em docência do ensino superior?

4 Considerações finais

Tomando-se por base a análise realizada ao longo destas páginas, e da nossa experiência no contexto dos programas de pós-graduação lato sensu em Direito, observamos que, em linhas gerais, os professores da área têm uma grande carência de formação em didática e, ao mesmo tempo, existe uma marcada desvalorização dos conhecimentos pedagógicos. Ainda hoje prepondera a repetição de definições fechadas, citações doutrinárias e, basicamente, o sistema de prelação baseada em monólogos, que raramente consideram a participação e a opinião crítica do aluno.

Porém, neste contexto acreditamos que é fundamental reconhecer que para ser um “bom professor universitário” não basta ter competência no campo do saber, já que junto com o pleno domínio dos conteúdos, necessita-se igualmente conhecer as teorias educacionais contemporâneas, a realidade educacional brasileira, as técnicas e os recursos didáticos disponíveis, como também o manejo eficiente de um grupo de alunos em sala de aula.

A falta de conhecimento sobre as atividades e os recursos didáticos adequados ao ensino jurídico limitam seriamente as possibilidades do docente construir o conhecimento conjuntamente com o discente, já que o aluno é normalmente visto como um receptor passivo do conhecimento legitimado pela autoridade do professor.

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O conhecimento restrito ao campo técnico, transmitido de forma dogmática, sem promover o desenvolvimento do raciocínio crítico autônomo, determina o empobrecimento da formação do aluno, e desaproveita as reais possibilidades do seu desenvolvimento cognitivo.

Diante desta perspectiva, pensamos que a especificidade de um trabalho na área de didática voltado para o ensino superior deveria contribuir não apenas com a formação de futuros professores, como também no aperfeiçoamento dos docentes universitários em exercício, com a finalidade de tornar o processo de ensino mais eficaz do ponto de vista didático. Isto se justifica, sobretudo, porque o ensino no âmbito do sistema superior apresenta características próprias, não se restringindo à transmissão de fórmulas e conceitos prontos e acabados.

Cabe também refletir acerca da pertinência e necessidade de desenvolver pesquisas direcionadas a consolidar um perfil docente na área de Direito e uma didática do ensino jurídico que leve em conta as necessidades e especificidades da área e que esteja adequada às reais necessidades dos cursos no Brasil.

Finalmente, acreditamos que embora o ensino superior no Brasil tenha verificado uma importante expansão e conseguido incluir parcelas da população tradicionalmente excluídas13, trata-se de uma inclusão segmentada, levando em conta que essas camadas da população foram absorvidas majoritariamente pela iniciativa privada, cuja oferta de ensino, na maioria dos casos, é questionável em termos de qualidade. Desta forma, os setores sociais mais desfavorecidos que, de modo geral, não têm condições de afrontar despesas com educação, têm menos oportunidades de ter acesso à educação pública que, certamente, oferece uma formação de melhor qualidade, levando em conta os indicadores divulgados pelo SINAES.

13 Segundo as informações divulgadas pela PNAD (2006) entre 2004 e 2006, houve um aumento de 49% na proporção de universitários com renda familiar mensal de até três salários mínimos. Embora tenha ganhado mais espaço, esse segmento ainda está subrepresentado no ensino superior já que, em 2006, o total de brasileiros com renda de até três salários mínimos era de 55,2% da população.

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 185-201 2009

A educação médica, o professor de medicina e o Projeto Político-Pedagógico da escola médica

Luciano Abreu de Miranda Pinto1

Mary Rangel 2

Resumo: A educação médica vem sofrendo cronicamente de uma crise de paradigma. As respostas para a crise, oriundas da reflexão no interior das próprias Escolas Médicas e de outras entidades da classe, acabaram, de certa forma, sendo incorporadas ao texto das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina publicadas em 2001. O perfil do formando, expresso nas referidas diretrizes, integra conceitos ampliados de educação e saúde e aponta para a necessidade de que um dos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem, o professor de medicina, seja cada vez mais um educador. Como não há educador sem Projeto Pedagógico, a discussão do Projeto Político-Pedagógico da Escola Médica se torna uma urgência. Este Projeto, dadas as suas funções integradora, atualizadora e estruturante, se oferece como um componente essencial na qualificação da prática docente e da própria educação médica. Para tal, o Projeto precisa ser uma construção

1 Doutor em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected] Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com Pós-Doutorado na área de Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Titular de Didática da Universidade Federal Fluminense. Professora Titular da área de Ensino-Aprendizagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Assessora Pedagógica do La Salle Instituto Abel e Coordenadora Pedagógica dos Institutos Superiores La Salle de Niterói, RJ. E-mail: [email protected]

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coletiva e amplamente discutida no interior das Escolas Médicas, sob o risco de se transformar numa inovação estéril, técnica e regulatória que poucas contribuições trará para a educação médica. Resta saber se as Escolas Médicas serão capazes de enfrentar esse desafio ou se sucumbirão na busca.

Palavras-chave: Educação médica. Professor de medicina. Projeto-Político Pedagógico. Escola médica.

The Medical Education, the medicine professor and the Pedagogic-Political Project of the Medical School

Abstract: The medical education has been chronically suffering of a paradigm crises. The answers to the crises coming from the reflection in the inside of the Medical Schools themselves and from other class’s entity, have ended up, in a way, being incorporated to the text of the National Curriculum Guidelines of the Medical Graduation Courses published in 2001. The profile of the graduated student, expressed in the quoted guidelines, integrates wide concepts of education and health and point to the necessity that one of the protagonist of the teaching-learning process, the medical professor, having to be each day more of an educator. As there is no educator without a Pedagogic Project, the discussion of the Pedagogic-Political Project of the Medical School becomes an urgency. This Project, given its integrating, updated and structuring functions, offers itself as an essential component in the qualification of the docent practice and of the medical education itself. For such, the Project needs to be a corporate construction and be widely discussed in the inside of the Medical Schools, under the risk of transforming it in a sterile, technical and regulatory innovation that few contribution will bring to the medical education. It is left to know if the Medical Schools will be capable of facing this challenge or succumb in the search.

Keywords: Medical education. Medical Professor. Pedagogic-Political Project. Medical school.

Introdução: uma breve contextualização histórica

O Projeto Político-Pedagógico tem o seu valor realçado na evolução histórica do conceito de saúde e da ampliação do significado da formação médica, no sentido da consideração a valores e condições sociopolíticas dessa formação.

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Na ampliação de significados, a preparação do profissional médico passa a envolver três dimensões: a técnica, do fazer; a humana, do relacionamento; e a política, do compromisso social. Essa multidimensionalidade requer da Escola Médica uma identidade, que a assuma, e uma integração de propósitos, que a viabilize.

O Projeto Político-Pedagógico adquire, então, uma especial relevância, pois é, essencialmente, integrador, explicitando as metas e os motivos socioeducacionais da instituição, o que, no caso da Escola Médica, é indispensável à sua multidimensionalidade associada à ampliação de seus propósitos e da identidade que assume na formação e prática da medicina. Nesse sentido, antes de considerar o Projeto Político-Pedagógico e suas especificidades no âmbito da educação médica, talvez seja interessante realizar uma breve digressão histórica para resgatar a evolução do modelo de formação médica ao longo do último século.

Em meados do século XX, julgou-se que o modelo de formação do médico tinha atingido sua formulação definitiva com o Relatório Flexner. Este relatório fora publicado em 1910 por uma comissão coordenada pelo educador Abraham Flexner e encarregada de reformular a educação médica americana. Flexner era companheiro de John Dewey, conhecia os princípios da Escola Nova e procurava aplicá-los à educação médica (GONÇALVES, 1996). No paradigma flexneriano, cabia ao graduando desenvolver sólidos conhecimentos de biologia oriundos das ciências morfofuncionais e da patologia, tendo como cenário de prática o laboratório, para, em seguida, aplicar esses conhecimentos no cuidado de pacientes hospitalizados e com doenças bem estabelecidas, para realizar diagnósticos e propor condutas terapêuticas adequadas (GONÇALVES, 1996). Este paradigma, que embasava toda a concepção do saber médico, associava a saúde à ausência de doença e a medicina, seguindo a concepção de Claude Bernard, o mais brilhante patologista experimental do século XIX, à Ciência das Doenças (CANGUILHEM, 1995, p. 45).

Dentre outros, dois importantes fatores vieram desestruturar esse modelo: a crescente especialização médica e o novo paradigma sanitário. A crescente especialização, advinda do acúmulo de saber e

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do intenso progresso tecnológico na área médica, compartimentalizou o ser humano, o cuidado médico e o ensino em áreas, com fronteiras bem definidas, que não conseguiam integrar a totalidade da existência humana e da ação médica, revelando, categoricamente, que a simples justaposição das partes era incapaz de recriar o ser humano e o conhecimento como um todo. O ensino passou a ser dividido em disciplinas estanques, desintegradas e com poucas relações no cotidiano da Escola Médica, cabendo ao estudante a árdua tarefa de integrá-las, se possível, e estimulando a fragmentação, o individualismo e o isolamento na atividade docente (BALDACCI, 2000). Por outro lado, a mudança do paradigma sanitário com a (re)conceituação de saúde como uma ampla condição de bem estar biopsicossocial e a ênfase em medidas preventivas e promotoras da saúde, mais do que em medidas curativas, veio questionar a definição de medicina como Ciência das Doenças e o cenário de prática médica, predominantemente hospitalocêntrico, indicando que a ênfase do processo de ensino-aprendizagem deveria recair no paciente do ambulatório, frequentemente com queixas vagas, sem doenças bem definidas e, muitas vezes, sofrendo mais de males psicossociais do que de problemas orgânicos.

As críticas ao modelo vigente e a eminente implantação, em fins do governo Collor, de uma avaliação nacional ao final do curso no ensino superior, foram fatores que contribuiram para a criação, pelas Escolas Médicas e outras entidades da classe, da Comissão Interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico (CINAEM), em março de 1991, com o objetivo de deflagrar no interior das Escolas Médicas uma avaliação do processo de formação e sua adequação às novas necessidades da prática profissional. Com a implantação da avaliação dos cursos pelo Ministério da Educação durante o governo FHC, esse processo se intensificou em todas as Escolas, acrescentando o ingrediente de uma avaliação externa e da divulgação de conceitos referentes às instituições, como motores de uma busca pela “qualidade”.

A publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina em 2001 (BRASIL, 2001) foi, de certa

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forma, o coroamento das atividades da CINAEM, considerando as múltiplas propostas discutidas em seus fóruns que foram integradas às Diretrizes. A necessidade de adaptação das Escolas Médicas ao novo cenário regulatório estimulou ainda mais o debate sobre as concepções pedagógicas da educação médica, induzindo inclusive a participação de Escolas que haviam se alijado do processo de discussão ao longo da década de 90.

O conteúdo das Diretrizes Curriculares apontava para uma nova concepção de educação na saúde, mais ampla e em compasso mais próximo com discussão semelhante na área da educação.

Educação, saúde e conhecimento

O artigo terceiro das Diretrizes Curriculares identifica o perfil do formando das Escolas Médicas como:

[...] o médico com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, capacitado a atuar, pautado em princípios éticos... com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano (BRASIL, 2001).

Tais competências, estabelecidas como finalidades da formação do médico, remetem aos conceitos ampliados de educação, saúde, conhecimento e pedagogia, para sua ampla explicitação e formulação.

O significado da educação é essencialmente axiológico, nucleado em valores de formação para vida, a convivência e o trabalho. Esse significado, aplicado à educação profissional de modo geral e à educação médica de modo particular, leva à afirmação da tese de que o profissional formado nas Escolas Médicas deverá demonstrar, além da competência técnica, a capacidade para alcançar as implicações mais amplas dos valores de sua ação. Ressalta-se que os valores da formação profissional para as ações na área de saúde revestem-se de especial importância, pelas

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consequências dessa ação para a vida humana, conceito que apresenta uma característica de centralidade dentro das mais diversas escalas de valor e na maioria das culturas (PINTO, 2008, p. 13). Portanto, a saúde, como objeto da educação, requer que o seu estudo e as suas práticas sejam ampliados em seus conceitos e fundamentos, para que se possam também ampliar as percepções humanas, sociais e políticas das circunstâncias e condições necessárias à vida saudável ou, como define Hannah Arendt, vida útil, vida ativa (ARENDT, 2000, p. 15-26).

O conceito ampliado de saúde é, por conseguinte, recorrente ao conceito ampliado de educação, para que possa se exercer em suas dimensões e compromissos públicos, com a garantia do conhecimento e da formação de valores. Esse movimento de ampliação de sentidos da formação educativa, assim como da saúde, que é seu objeto, vincula-se ao princípio epistemológico da origem e finalidade humana e social do conhecimento que se ensina e se produz em todos os espaços, níveis e áreas de formação acadêmica e profissional, observando-se que essa formação estará sempre comprometida com os valores que justificam a construção e aplicação dos saberes na vida e no trabalho (MORAES, 2005).

Reúnem-se, portanto, no sentido da educação, da saúde e do conhecimento, premissas conceituais de ênfase numa compreensão abrangente, humana, social e politicamente engajada. As questões relativas à ampliação de conceitos e à visão contextualizada da educação e suas práticas de formação profissional tornam-se, consequentemente, um elemento importante da pedagogia e dos fundamentos que oferece à educação e à educação em saúde. Reafirma-se, então, a importância da pedagogia, caracterizada pela integração de princípios, processos e fundamentos sociais, políticos, históricos, filosóficos, epistemológicos, didáticos, da prática educativa. A educação na saúde não prescinde desses fundamentos e, especialmente na perspectiva de ampliação de conceitos (da educação, da saúde, do conhecimento), necessita das bases pedagógicas que orientam a formação profissional e as práticas de ensino, pesquisa e extensão no currículo acadêmico das Escolas Médicas (PINTO, 2008, p. 14).

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Para o entendimento do objetivo desta reflexão, é oportuno considerar nesse momento o papel do professor como educador e sua necessidade, como educador que não pode deixar de ser, de um Projeto Pedagógico que oriente sua prática docente.

Figura 1 - correlação entre educação/saúde/conhecimento e pedagogiaFonte: Pinto (2008).

O professor de medicina é um educador

A pedagogia é a “Ciência da Educação” e existe uma relação intrínseca entre teoria pedagógica e prática docente, em sua natureza educativa e, portanto, axiológica, que se manifesta em todas as áreas (AGUIAR; MELO, 2005). Deve-se atentar para o fato de que o professor possui a característica fundamental de ser um dos protagonistas do processo de ensino-aprendizagem e exerce um papel insubstituível nesta mediação: “[...] enfatizo a pessoa do professor como um sujeito de conhecimentos, um protagonista... porque ele é quem faz a mediação do aluno com os objetos dos conhecimentos” (VEIGA, 2001a, p. 7).

Philippe Perrenoud, cuja obra tem expressiva dimensão em quantidade de pesquisas, publicações e profundidade de seus aportes, destaca a importância da concepção pedagógica da ação do educador articulada à concepção educativa da docência, enfatizando o vínculo indissociável entre ensino, educação, conhecimento e sociedade. O professor, como educador, e o educador com um Projeto Pedagógico são definições e articulações necessárias à prática reflexiva do magistério (PERRENOUD, 2002).

Necessidade: bases pedagógicas

Conhecimento

Educação Saúde

Além da competência técnica - valores

Conceito ampliado

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A proposta pedagógica do magistério e “o Projeto Político-Pedagógico da educação, em todas as áreas em que se realizam”, são afirmações acentuadas em Perrenoud, Pasquay, Altet e Charlier (2001), na obra que se intitula Formando professores profissionais. Nessa formação, os autores ressaltam o valor de um Projeto Pedagógico, no sentido de desenvolver competências e condições de uma prática docente que seja reflexiva e contribua para a formação de profissionais reflexivos e socialmente comprometidos. A formação deste profissional reflexivo deve ser objetivo e finalidade das Escolas Médicas, expressa na concepção de profissional do supracitado artigo terceiro das Diretrizes. O paradigma do professor reflexivo “compreende, ao mesmo tempo, o professor que reflete sobre suas práticas e analisa seus efeitos” (PERRENOUD, 2002, p. 7).

No seu estudo sobre “Novas competências para ensinar”, Perrenoud (2000) confirma a importância da perspectiva pedagógica da formação docente e os valores sociais, éticos, políticos com os quais a educação se compromete. Assim, “o ensino em todas as áreas de preparação de profissionais conscientes das implicações sociais de seu trabalho, será educativo” e, por conseguinte, sustentado por um projeto e processo pedagógico. Em “Construir as competências desde a escola”, o mesmo autor observa a importância da visão e aplicação social do conhecimento e estabelece a “conexão entre a abordagem por competências e a luta contra as desigualdades por meio de pedagogos diferenciados” (PERRENOUD, 1999, p.17).

Ressalte-se, buscando contextualizar tais reflexões nas questões da educação médica, que uma das metas da terceira etapa do CINAEM se voltava especificamente para a profissionalização da docência médica. Nesse sentido, Moré e Gordan (2004) assinalam a necessidade da “qualificação em educação”, associada à valorização da docência e da capacitação do professor de medicina, no que se refere aos aspectos pedagógicos da ação docente:

O professor de Medicina tem algumas particularidades que o diferenciam dos demais professores de muitos outros cursos universitários: a) a maioria deles não tem qualificação

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formal em educação e, não é exigida formação específica para conceber e desenvolver as atividades de ensino-aprendizagem; b) a graduação e a especialização do médico não têm como finalidade a formação do professor; c) a atividade de docente normalmente é complementar e secundária à profissão médica, sendo menor o compromisso profissional com a docência; d) a capacitação do professor de medicina, no que se refere aos aspectos pedagógicos da ação docente, não tem recebido a devida importância e valorização dentro das próprias instituições (MORÉ; GORDAN, 2004).

Considerando ainda, na perspectiva de Perrenoud (2000), a questão dos valores sociais, éticos, políticos com os quais a educação se compromete, é importante relembrar que as Diretrizes Curriculares apontam para a formação, em uma única habilitação, de um médico com postura ética, visão humanista, senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania. Desse modo, as competências relacionam-se a princípios pedagógicos da formação, ou seja, a princípios que agregam valores humanos, sociais, políticos da prática médica, comprometida com as circunstâncias sociais da saúde, não só no sentido de compreendê-las em relação às condições de saúde de seus pacientes, como no sentido de compreendê-las em relação às condições necessárias ao exercício da medicina com qualidade e dignidade.

Assim, por todas as considerações sobre a importância dos fundamentos pedagógicos da educação que se realiza para a formação humana, social, política e profissional em todas as áreas do conhecimento, incluindo, de modo especial, a área da saúde, cujos profissionais ocupam-se de questões candentes da sociedade, da vida, da sobrevivência, e considerando as especificidades de um de seus principais atores, mediador fundamental do processo de ensino-aprendizagem, o professor de medicina, passaremos a considerar a necessidade do desenvolvimento, em cada Escola Médica, de um Projeto Político-Pedagógico, ressaltando a sua importância acadêmica e a necessidade de seu reconhecimento como fator de agregação e qualificação da prática docente.

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Figura 2 - o professor como educadorFonte: Pinto (2008).

Projeto Político-Pedagógico da Escola Médica

Cabe ressaltar, antes de entrar na discussão específica sobre o Projeto Político-Pedagógico da Escola Médica, que o Projeto Pedagógico tem recebido a atenção e o reconhecimento de professores, pesquisadores e instituições educacionais, sempre de forma relacionada a avanços na qualidade do ensino, desde a escola básica à universidade, e que a necessidade deste Projeto, nas escolas em qualquer nível, é sublinhada por vários estudiosos da área de educação, além de estar expressa no texto das próprias Diretrizes Curriculares nos seus artigos nono: “o Curso de Graduação em Medicina deve ter um projeto pedagógico, construído coletivamente” e décimo: “as diretrizes curriculares e o projeto pedagógico devem orientar o Currículo do Curso de Graduação” (BRASIL, 2001).

Assim podemos referir com base em Marques (2001, p. 3) que: “A Escola se organiza por seu projeto político-pedagógico em processo permanente de constituição e validação, porque elucidativa da vontade coletiva de seus constituintes: alunos, professores, funcionários, comunidade concreta a que ela serve”.

Veiga (2001b, p. 12) também corrobora esse princípio, observando a intencionalidade, a opção, a projeção a futuro, que caracterizam o projeto, cuja função é política, porque é de interesse público, e pedagógica, porque é de formação humana, social, educativa: “Ao construirmos os projetos de nossas escolas, planejamos o que temos

Teoria pedagógica

Prática docente reflexiva

Professor Educador

Projeto pedagógico

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intenção de fazer, de realizar. Lançamo-nos para diante, com base no que temos, buscando o possível”.

Assim sendo, o Projeto Político-Pedagógico da Escola Médica, ou de qualquer escola, representa a definição básica do curso. O projeto deve ser entendido como uma trilha, um rumo, um caminho que redescobre as origens da escola, de uma dada escola, daí o seu contexto sempre particular, examina o caminho percorrido por essa escola ao longo do tempo até a sua situação atual, que é analisada profundamente, e projeta o caminho futuro e seus objetivos a curto, médio e longo prazo. Esse entendimento do Projeto como visão do futuro que se constrói no presente e se revê no passado, está expresso na origem etimológica do termo, a palavra latina projectu, cujo sentido é projetar, lançar para frente, para o futuro (VEIGA, 2001b).

A observação atenta e crítica da escola, fundamental à elaboração de seu Projeto, faz deste Projeto um instrumento de resgate da identidade da escola. A escola se (re)vê, se (re)lembra, se (re)descobre. Assinale-se ainda que essa identidade não se esgota numa simples identidade descritiva, que informa como a escola é, mas se projeta numa identidade idealizada, de compromisso, que implica em quem a escola deseja ser, tendo como base quem é.

Como não há caminho sem conhecimento do ponto de partida e do trajeto já percorrido, ao se planejar para o futuro, é fundamental rever a história da instituição. Os fatos históricos são elementos fundamentais de moderação e conscientização da comunidade escolar, posto que é uma característica de cada geração considerar-se o pináculo da evolução humana e de sua cultura e, por este processo de autoengano, está sempre a reinventar a roda, desperdiçando tempo e oportunidades, refazendo trajetos já percorridos, mas abandonados por sua ineficácia e incapacidade de aglutinar o coletivo em torno de um projeto comum. Assim sendo, a revisão histórica resgata os propósitos originais que levaram à criação da escola, identifica erros e acertos passados, relembra dificuldades, obstáculos e suas alternativas de superação (PINTO; RANGEL, 2004).

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A análise do presente, da situação atual da escola, implica basicamente na identificação do seu contexto interno e externo. O contexto interno diz respeito, entre outras considerações, ao dia-a-dia da instituição, sua gestão, sua organização administrativa e acadêmica, sua infraestrutura, seus aspectos financeiros e orçamentários, seus problemas, suas relações de trabalho, seu perfil de formandos, seus egressos etc.

A análise do contexto externo implica em situar a escola dentro das condições socioeconômicas e de saúde da população do estado, do município, do bairro, considerando a estrutura médico-sanitária local e nacional. As observações podem se estender ao diagnóstico do contexto predominante do aluno que procura a Escola Médica. Nesse sentido, contextualizar, identificar o quem somos da escola é, também, situá-la em termos de necessidades de ofertas mais imediatas, em termos de características da demanda, informadas pelas circunstâncias de origem dos alunos.

A projeção do para onde devemos caminhar é talvez um dos aspectos mais importantes do Projeto Político-Pedagógico. Este processo define a finalidade da escola, sua intencionalidade. Esta intencionalidade obviamente estará atenta a todos os aspectos históricos e contextuais já referidos e deve adequar-se às concepções ampliadas de educação, saúde e conhecimento já discutidas. É fundamental que a escola tenha um entendimento claro do tipo de profissional que deseja formar, explicitando suas competências técnicas, humanas, sociais e políticas.

Para que os objetivos da Escola não se coloquem apenas no plano das intenções, procedimento inútil, por melhor que sejam suas boas intenções, é preciso indicar os processos e ações sistemáticas que serão instituídos para a consecução de seus objetivos teóricos. É preciso que a reflexão seja acompanhada da prática e que esta retroalimente a reflexão, num processo dialético e contínuo, que permita atingir, não o ideal, posto que impossível, mas o possível, que é o ideal.

Nenhuma trilha ou caminho, como o exposto até aqui, poderá ser percorrido, se o processo de definição da caminhada não for decidido

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pelo coletivo dos caminhantes. Nesse sentido, é de fundamental importância que o Projeto Político-Pedagógico não seja entendido como um processo inovador de cunho regulatório (VEIGA, 2003), no qual o Projeto é considerado um documento pronto e acabado, construído por uma equipe técnica e utilizado apenas como um produto para controle burocrático. É preciso perceber claramente que dadas as características das Escolas Médicas e seus procedimentos atuais de financiamento, autorização de funcionamento, reconhecimento ou credenciamento, este é um risco que poderá levar à descaracterização do Projeto como um instrumento capaz de contribuir para a qualificação da educação médica. Veiga (2003) enfatiza que o Projeto deve ser encarado como uma inovação emancipatória na qual professores, alunos, funcionários e comunidade externa participam ativamente de seu planejamento e execução. Somente assim pode-se esperar um compromisso coletivo de viabilização do Projeto, além da integração curricular através da participação de professores das diversas disciplinas, e a superação da disputa de poder e do corporativismo pelo estabelecimento de objetivos comuns, priorizados sobre a fragmentação decorrente da divisão e setorização do trabalho no interior da Escola Médica.

Levando-se em consideração as reflexões até aqui, pode-se entender o papel fundamental do Projeto Político-Pedagógico como um dos principais elementos capazes de induzir e viabilizar uma profunda reflexão sobre as práticas diárias e a organização do trabalho no interior da Escola Médica. Desta forma, pode-se dizer que o Projeto atende a três funções básicas: integradora, atualizadora e estruturante (PINTO; RANGEL, 2004).

O Projeto tem função integradora, não só porque aproxima teoria e prática, mas também porque abole a diferenciação entre os que pensam e os que executam e diminui a fragmentação disciplinar e das práticas no cotidiano do trabalho, superando o individualismo e o isolamento, claramente percebidos na maioria das Escolas Médicas.

A função atualizadora está calcada na avaliação contínua do próprio Projeto, não só de seus objetivos teóricos, mas também da prática

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associada à consecução destes objetivos. Esta avaliação será sempre realizada com sentido construtivo e emancipador, o que significa que a avaliação tem como objetivo obter informações que fundamentem decisões, buscando os melhores caminhos que têm sido percorridos para reforçá-los.

Por último, e não menos importante, o Projeto é estruturante porque articula os diversos espaços, tempos e sujeitos da Escola Médica, oferecendo elementos para a estruturação dos cursos.

Resta explicitar os sentidos de Político e Pedagógico do Projeto. Entende-se a política como a ciência do bem público. Neste ponto, cabe destacar a origem e finalidade públicas da Escola Médica e, desta forma, seu Projeto é Político porque sua ação é intencional, no sentido do saber e do saber fazer que produz e ensina, e que têm como objetivo o bem público, entendida a saúde como direito da vida humana e cidadã.

O Projeto é Pedagógico considerando-se o significado educacional dos bens e serviços universitários. Nesse sentido, a pedagogia é o campo de estudos da educação e implica numa ação sistemática que incorpora ensino, pesquisa e extensão.

Em resumo, o Projeto é Político e Pedagógico porque tem como objetivo a produção e transmissão de conhecimentos, incorporando a questão da preparação profissional, mas também de valores, no sentido de um profissional ético, responsável, crítico e reflexivo. Dessa forma, Político e Pedagógico se articulam e são mutuamente recorrentes.

Por último, é preciso ressaltar que o Projeto Político-Pedagógico da Escola Médica, não deve ser considerado um documento burocrático, armazenado em algum lugar de difícil acesso e exposto aos rigores do tempo, do desuso e das traças (ou dos vírus de computador, considerando as características dos documentos escolares na atualidade). É preciso enfatizar sua posição como documento de estudo, de reflexão e de (re)elaboração de saberes relacionados às práticas educativa e docente na Escola Médica, a fim de que ele possa realmente representar seu papel de marco no avanço da qualidade do ensino, pesquisa e extensão, em todos os espaços da educação médica.

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199 A educação médica, o professor de medicina e o Projeto Político-Pedagógico da escola médica

Figura 3 - o Projeto Político-Pedagógico (trilha, rumo) Fonte: Pinto (2008).

Considerações finais

A educação e a prática médica sofrem de uma crise crônica de identidade. Modelos e paradigmas superados ainda são largamente utilizados em nossas Escolas Médicas. Entretanto, percebe-se, pelo menos desde a década de 80 do século passado, uma nítida necessidade acompanhada de um claro desejo de mudanças. Os documentos oficiais nacionais, e o de diversas Escolas Médicas, revelam a formação de um novo paradigma, mais consistente com os avanços da educação e da saúde em suas concepções ampliadas. Resta, em número significativo de Escolas, transformar intenções em ações. O professor de medicina padece de uma graduação que não tem como objetivo, nem secundário, a formação para a docência. Assim sendo, sua capacitação profissional, como educador, é um desafio que deverá ser enfrentado por todas as Escolas que desejem realmente uma nova educação médica. A implantação de um Projeto Político-Pedagógico nas Escolas Médicas, ao proporcionar momentos de reflexão sobre a prática docente, poderá ser um dos caminhos para a qualificação da carreira docente e da formação de professores que reflitam sobre sua prática pedagógica com o mesmo cuidado e competência com que refletem sobre a sua atividade médica. Resta saber se a implantação do Projeto tomará em nossas Escolas o aspecto da inovação emancipatória, ou se, mais uma vez, as dimensões regulatórias e técnicas tornarão o Projeto Político-

De onde viemos Onde estamos Para onde vamos

Revisão da história da escola

Contextos: - interno - externo

Quais ações sistemáticas

Intencionalidade

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Pedagógico uma inovação estéril. Resta saber se as Escolas Médicas, que têm uma gama expressiva de possíveis contribuições para a saúde da população brasileira, serão capazes de enfrentar esse desafio ou se sucumbirão na busca.

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201 A educação médica, o professor de medicina e o Projeto Político-Pedagógico da escola médica

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Recebido em: 19/4/2009Aprovado em: 28/5/2009

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 203-210 2009

Tradução

Apresentação

Leonardo Maia 1

Em seus livros e artigos, Deleuze raramente fez da Universidade uma questão maior. Tampouco se refere ele diretamente ao problema da pedagogia universitária. Na verdade, ao comentar a sua experiência docente, Deleuze não estabelece grandes distinções entre o ato de dar aula na Universidade e suas outras experiências anteriores, concentrando-se, mais simplesmente, no processo da origem e da composição de uma aula, ou no grau de exigência para a sua preparação que, segundo ele, pouco se distinguiria nos seus diversos níveis. “A preparação preliminar e a inspiração na hora”: eis o segredo da boa aula...

Mas, seu ensino tendo se concentrado, ao longo de sua carreira, em instituições universitárias, sua forma de ensinar e o alcance de suas lições não podem ser desvinculados da evolução e das profundas mudanças por que passa esse nível de ensino na França e em todo o mundo durante o período em que exerce sua atividade docente. Os anos finais da década de 50 até os anos 80, em especial o período imediatamente posterior ao maio de 68 na França são ocasião de movimentos tectônicos definitivos para a organização universitária e para a profissão docente, senão mesmo para 1 Professor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected]

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toda a concepção de ensino-aprendizagem e para as relações professor-aluno, em uma mudança que, talvez, ainda não de todo avaliamos ou mesmo compreendemos em todo o seu alcance. O pensamento de Deleuze não apenas beneficia-se dessas novas concepções que emergem do maio de 68, cujo advento tem influência diversas vezes ressaltada por ele sobre o seu pensamento, mas as aprofunda. Pensamento e atividade profissional se confundem, então, e é sobre as condições dessa síntese que versa o texto de Klossowski.

Nesse pequeno texto, Klossowski é um dos primeiros a apontar o caráter inovador da filosofia deleuziana como estando ligado ao seu ato mesmo de ensinar. E ao que ela quer ensinar. Trata-se, para ele, assim, de fazer do ensino uma atividade impraticável, tecnicamente inqualificável: segundo ele, nesse caso, a grande originalidade de Deleuze estaria em buscar ensinar o inensinável. E ensinar o inensinável não apenas como a experiência contígua, universitária, institucionalizada da escrita livresca deleuziana, mas, de fato, como o desenvolvimento necessário, o elemento prático e formativo de uma filosofia da diferença.

Nesse sentido, se podemos concordar com as teses de Klosowski, sua hipótese revela-se fundamental. E por várias razões.

Em primeiro lugar, por nos mostrar onde a filosofia deleuziana melhor reencontraria o sentido prático da experiência filosófica antiga. Nesse caso, a aula contemporânea, universitária, ao constituir um forçamento do professor e seus alunos na direção do inensinável e na direção da expressão (e da experimentação) do pensamento puro, ou seja, daquilo que já não está previamente dado ao ensinar, recuperaria o ineditismo formador dialógico dos gregos. Ou seja, por ela, liberar-nos-íamos da mera exposição histórica da filosofia para (re)entrar no terreno da verdadeira formação filosófica, e, sobretudo, da verdadeira formação pela filosofia.

Mas, ainda, talvez defina-se aí, quanto ao pensamento do próprio Deleuze, o sentido prático que ele acredita estar sempre no centro de toda filosofia. Sentido ao mesmo tempo de uma nova constituição do sujeito e de uma reconfiguração da subjetividade, tema que aparece já desde Empirismo e Subjetividade e que é sucessivamente tematizado a

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partir de então, em relação a todos os pensadores por ele abordados: assim, na experiência do eterno retorno nietzschiano, ou em relação ao aprendizado dos signos em Proust, e, enfim, também na redefinição do “aprender” como novo regime transcendental do pensamento, em Diferença e Repetição. Trata-se sempre de um léxico que privilegia a condição e a conduta de formação, evidenciando uma nova experiência prática que arrasta o sujeito para fora e para além das cadeias subjetivas previamente organizadas: na direção da criação, em especial, e sobretudo da sua própria criação através de uma experimentação no pensamento. Ou isso que Klossowski chama de educação pelo simulacro, ensino do inensinável. São apenas os fantasmas do sujeito o elemento próprio a exigir-lhe um aprendizado, ao mesmo tempo o seu objeto de aprendizado e o que o faz aprender. E ainda, a única coisa relevante, na condição de inensinável, a ser “ensinada”.

Grande parte da beleza desse curto texto está nesse deslindar do sentido prático como um dos elementos fundamentais de toda filosofia da diferença. E esse sentido estaria, inesperadamente, em uma aula... No aprendizado e no exercício do inensinável entre um professor e seus alunos.

Mas por fim, então, ele apresenta-nos a ideia, a partir de Deleuze, para as condições que permitiriam reorientar, de forma experimental, nossas próprias experiências docentes. Se, em grande medida, boa parte do pensamento de Deleuze se orienta com o propósito de se desvencilhar, de forma rigorosa, da história do pensamento e dos seus efeitos constringentes, a possibilidade de fazer da sala de aula o lugar mesmo dessa empreitada é uma tarefa renovadora e apaixonante. Com a radicalidade característica ao seu pensamento, Deleuze estaria assim nos propondo a única verdadeira pedagogia, ao mesmo tempo, quem sabe?, que a sua radical impossibilidade.

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Digressão a partir de um retrato apócrifo

Pierre Klossowski 2

O que Gilles Deleuze aporta e realiza não podia se operar no contexto das últimas gerações senão através de uma instintiva teimosia: introduzir no ensino o inensinável.

Tanto mais por ser a juventude hoje convidada às diversas disciplinas aparentemente esclarecedoras, notadamente a sociologia e a psicopatologia, com seus métodos de eficácia reconfortante, cujo primeiro resultado é o de instalar os espíritos em um conformismo laboratorista.

Ensinar o inensinável: com toda evidência, era preciso que Nietzsche tivesse vivido e sofrido para que semelhante propósito não quedasse vazio e absurdo. Mas Nietzsche, que moveu o combate para conquistar tal posição, só o pôde fazê-lo abandonando o ensino. Talvez Deleuze se viu também favorecido por suas afinidades com um outro espírito exemplar cujas explorações liberaram zonas contíguas à sua própria: Michel Foucault. Todos dois têm em comum, sob todos os aspectos: a liquidação do princípio de identidade.

Demonstrar que não se trata aqui de um postulado, mas de um estado de fato – a exemplo da geologia que prospecta as consequências mineralógicas de um cataclisma passado – é ainda ensinável.

Quanto ao resultado dessa liquidação do princípio de identidade em todos os níveis do conhecimento, em todos os níveis da própria existência que a filosofia até então circunscrevia – e, enfim, no ensino filosófico fundado tradicionalmente nesse princípio, Deleuze assume a sua aventura, qual seja, a de ensinar este inensinável.

É o mesmo que se perguntar: como a filosofia pode ser ensinada contra a filosofia? Nietzsche não enlouqueceu por isso? Não temos Marx e Freud, Lacan e Lévi-Strauss para nos evitar esse falso problema?

2 Pierre Klossowski (1905-2001) é filósofo, escritor e tradutor. Dentre suas obras, destacam-se estudos sobre Nietzsche, em especial Nietzsche e o círculo vicioso.

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Ora, nos domínios em que se repartem hoje a economia, a sociologia, a psiquiatria, para nomear aqui apenas as “ciências humanas”, o inensinável não existe, pois essas disciplinas representam todas elas diferentes óticas de dados concretos, a partir das quais o próprio princípio de realidade parece hoje totalmente renovado, e a sua renovação assimilada: não estão todas elas fundadas na noção das “infraestruturas”?

Então, o que é o inensinável, para que um espírito talvez astuto se atreva mesmo assim a ensiná-lo?

É preciso todo o gênio ao mesmo tempo tão corajoso quanto imaginativo de um Gilles Deleuze para afrontar essa condição institucional da ciência, que pretende que ela não possa trabalhar se não respeitar um último nível de investigações, abaixo do qual o próprio conhecimento afundaria no caos: quem quer que transmita às consciências de uma geração não tanto uma explicação nova, mas uma reinvenção das leis que regem os fenômenos humanos e extra-humanos deve sempre impedir-se de abalar e romper, na continuidade das relações sociais, a noção antropomórfica da integridade da pessoa...

Admitindo-se que as ciências “humanas”, desde “Marx e Freud”, não tenham cessado de fazer recuar as fronteiras das infraestruturas – é imaginável, porém, que essas diferentes disciplinas em algum momento considerassem a si mesmas como puras “subestruturas” de uma sub-jacência inconfessada? O professor ex-cathedra se perderia nessa ausência de fundo.

Apreensão do advento nas consciências e costumes de uma “integralidade” que desintegraria a noção de unidade da pessoa; e é absolutamente certo que as ciências contribuem para isso pelo fato da orientação de sua atividade.

A integralidade pode se enunciar como a recuperação da polimorfia sensível que Sade descrevia segundo as espécies da monstruosidade: o conjunto das perversões. Mas também ontologicamente: como as séries de acontecimentos particulares a tantos mundos diferentes (Leibniz) – e, para além disso, a partir da noção nietzschiana das séries individuais

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a percorrer (Eterno Retorno), exprimir-se em Deleuze através do estilhaçamento do princípio de identidade em múltiplas singularidades – dando lugar a um jogo de combinações de forças intensivas e depressivas – que Deleuze, na sua própria perspectiva, definiu como “singularidades nômades” (por oposição ao sujeito sedentário em sua identidade), “singularidades pré-individuais”, agrupadas em séries divergentes ou convergentes, cujas funções ele descreveu (o não-sentido criador de sentido) e as modalidades (diferença e repetição). Em outras palavras, acontecimentos enquanto sentido sempre aleatório. Mas o que Deleuze nos diz aqui, sob a capa de uma crítica das noções doutrinais, efetua uma operação que desenraiza o tipo de ensino institucional praticado até então, porque ela pertence a uma esfera completamente diversa: a da cumplicidade – com o quê? Com quem?

O ensino supõe o cuidado com uma eficácia social: qual seja, o de delimitar a “ineficácia”, ou a “esterilidade”, ou ainda o “retorno” daquilo que se ensina àqueles mesmos que, tendo-o recebido, atestarão sua eficácia social.

Ora, esse cuidado – que Deleuze, em seu percurso, não perde jamais de vista, como o traçado de um horizonte hostil – cuidado institucionalizado desde Platão, e que vai de encontro à única atitude filosófica autêntica, a dos sofistas, permanece totalmente ignorado em um domínio completamente diverso, no extremo oposto da atitude científica: a arte, ou mais propriamente a ciência do “falso”: a do simulacro.

É a ousadia de Deleuze ter transferido as normas dessa ciência do “falso” para a esfera do “verdadeiro” e do “real”. E aqui nós tocamos o inensinável, pois não se trata tampouco de ensinar uma “estética” (veja-se o admirável ensaio Marcel Proust et les signes3). Antes disso, tratar-se-ia de uma “fisiologia aplicada”. E, com efeito, essa transferência da ciência do “falso” para a esfera do verdadeiro e do real é, uma vez mais, através da primeira das ciências humanas instituídas que Deleuze a efetua: ou seja, pela psicopatologia, que sofre aqui uma reversão das suas próprias normas.3 Em português: Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987.

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Ensinar o inensinável é, de início admitir que toda atitude pedagógica e científica, como também todo comportamento curativo (psiquiatria e psicanálise) não são menos estruturas do pathos que os modos de expressão da arte. Esta última foi sempre experimentada como um olhar incômodo sobre todo outro modo de agir ou sobre toda outra forma de contato com o real; e admitir que as ciências, por sua vez, fabricam simulacros seria quase insustentável se não parecesse que o pathos, em todos os domínios, é o primeiro produtor, o primeiro fabricante e o primeiro consumidor.

Todo produto é ambíguo segundo essa relação – não há conhecimento desinteressado – ao mesmo tempo utensiliar e simuladora. Simuladora no sentido em que não há jamais coincidência possível entre um “real” que se produz simulando-se a si mesmo – os fantasmas do pathos – e a reprodução desse simulante – salvo a de seus resíduos fixos. Mas que, em revanche, toda re-produção reaja sobre essa simulação primeira, o simulacro sobre o fantasma, eis o que demonstra que um “modelo” se institui, a partir dessa re-produção, de modo ao mesmo tempo apropriador, repressivo e expressivo.

Utensiliar, ou seja, o domínio sobre o modelo suposto para o “real” e a interpretação desse domínio. Toda interpretação é intenção, mas toda intenção responde sempre a intensidades. Assim como a arte, as ciências são máquinas desejantes, a serviço das intensidades – ou seja, dos fantasmas do pathos. Apenas o constrangimento fantasmático de uma determinada coisa é real, não a realidade de uma coisa: e o simulacro só é real se responde a esse constrangimento. Toda eficácia se deve tão somente a partir dessa regra do jogo: o resultado é obtido apenas em virtude de uma realidade inventada de antemão. O que equivale dizer que todo empreendimento não consiste senão em meios de constrangimentos.

A ciência, no seu prodigioso esforço, só obedeceria, portanto, a fantasmas? Com toda a evidência: sim! Mas não cabe a ela confessá-lo. Seus cálculos ou suas experimentações não seriam mais que simulacros? Sim, mas ela não deve sabê-lo! Seu fantasma é a seriedade indispensável à qual seu fingimento a condena.

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Segue-se daí que, face a esse necessário fascínio da ciência, toca desde então à filosofia, exclusivamente, passar-se por uma science-fiction? Se, pela voz de Deleuze, ela ousa semelhante impertinência em relação a si mesma, não é talvez para reservar somente para si tal privilégio.

In initio erat simulacrum – tal é o princípio do programa deleuziano: o pathos simulador como único produtor da significação, ou seja, o simulacro daquilo que seria ou não seria jamais um fato. O próprio suposto [não é] jamais um fato acabado, senão o produto reversível de uma simulação anterior à sua formação – eco repercutido ao infinito? O que será então da “seriedade” – da “necessidade” – do peso que arrasta um pensamento ou um ato? A resposta seria esta: que é essencialmente sério jogar, sob pena de sucumbir à seriedade bestial – com as vantagens do animal a menos. “Não é o sono da razão que engendra os monstros, mas antes a racionalidade vigilante e insone” (L’Anti-Oedipe, p. 133)4.

4 Em português:O Anti-Édipo. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

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APRENDER - Cad. de Filosofia e Psic. da Educação Vitória da Conquista Ano VII n. 12 p. 211-217 2009

resenha

A pedagogia universitária e produção de conhecimento

CUNHA, Maria Isabel da; BROILO, Cecília Luiza (Org.). Pedagogia universitária e produção de conhecimento. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

Armindo Quillici Neto1

O livro faz parte da publicação de quatro volumes da Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (EDIPUCRS). É resultado de uma série de encontros da RIES/PRONEX realizados na Região Sul do Brasil. A Rede Brasileira de Pesquisadores da Educação Superior (RIES) “objetiva mapear e consolidar a pedagogia universitária e suas interfaces”, tendo apoio do PRONEX/CNPq, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS). As temáticas dos quatro volumes são: Pedagogia Universitária e Campo de Conhecimento; Pedagogia Universitária e Aprendizagem; Pedagogia Universitária e Produção de Conhecimento, e Pedagogia Universitária e Desenvolvimento Profissional Docente.

O texto aqui apresentado foi organizado pelas Professoras Cecília Luiza Broilo e Maria Isabel da Cunha e está estruturado em quatro 1 Professor de Filosofia da Educação do Curso de Pedagogia, da Faculdade de Ciências Integradas do Pontal (FACIP) e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

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partes: Parte I – Reflexões Teórico-Práticas sobre a Produção do Conhecimento em Educação; Parte II – Grupos de Pesquisa em Educação Superior; Parte III – Considerações finais; e Anexos.

O primeiro texto da parte I do livro, escrito pelas organizadoras da obra, tem como título Pedagogia Universitária: desafios da produção do conhecimento e é resultado do discurso de abertura do V Seminário de Pedagogia Universitária organizado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Afirma que “a pedagogia universitária, ainda que recente em seu reconhecimento como espaço de produção de saberes específicos, vem se consolidando e ocupando legitimidade nas ciências da educação” (CUNHA; BROILO, 2008, p. 29). O texto aponta, ainda, que a pedagogia universitária vem buscando novos caminhos para a construção do conhecimento, sem que os professores fiquem presos a modelos universais previamente determinados, de modo a que se busque uma “condição de experimentação”.

Outro texto da parte I do livro, de autoria de Bernadete A. Gatti, Pesquisa em ação: produção de conhecimentos e produção de sentidos como desafio, aponta os principais aspectos e implicações de uma nova tendência em educação, a pesquisa em ação, tendência esta que pretende superar o discurso educacional do final do século XIX e de grande parte do século XX. A pesquisa em ação pode ser vista por dois ângulos diferentes:

[...] o das ações concretas e cotidianas em educação em que os que realizam, concomitantemente, observam, selecionam, analisam, questionam, nas dinâmicas das situações [...]; e o das investigações de cunho mais acadêmico que partem de questões problemas previamente construídas em referenciais específicos (p. 38).

A autora constata que nas últimas décadas do século XX houve

um aumento da produção literária em educação e “que no campo da pesquisa em educação não há consenso paradigmático, não há leis gerais aceitas, conceitos universalmente admitidos”, o que não significa que não haja uma atitude científica no campo educacional. A pesquisa

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em ação vem contribuir para responder ao desafio da compreensão dos aspectos formadores/formantes do humano em suas dimensões grupais, comunitárias ou pessoais. Há duas vertentes que se consolidaram durante o século XX, na primeira, “os trabalhos mais estruturantes e se definem em torno de idéias de melhoria de processos, relações ou hábitos, implicando mudanças comportamentais, e na segunda, [teríamos] trabalhos que incorporaram perspectivas de compromisso político” (p. 42).

Portanto, Bernadete Gatti (p. 46) aponta os desafios para o pesquisador que realiza a opção de trabalho em pesquisa ação, ou seja, “o pesquisador é participante ativo na construção deste texto, exigindo dele um pensar-agir-pensar em situação, sobre e com seus parceiros de trabalho, um pensar-agir-pensar compartilhável, porém analítico”.

O terceiro texto da parte I, Algunas reflexiones acerca de producción coletiva de conocimientos em el campo de la Pedagogia Universitária, é de autoria de Elisa Lucarelli, vinculada à UBA, na Argentina. O texto mostra que as origens da universidade e seu papel na investigação científica remontam à Idade Média. Diz que a RIES tem relevância e preocupação no campo da Pedagogia universitária por abordar estudos do docente como intelectual público, e do conhecimento social como configuração de saberes cotidianos, da inovação, da avaliação institucional e do contexto das novas tecnologias.

A autora entende que a produção do conhecimento no campo educacional se dá na confrontação entre a teoria e prática, ou seja, como a previsão de “una estrategia metodológica desde el inicio del proceso, [...] flexible y dialéctico”. Por outro lado, entende que investigação educativa compartilha com os modos de investigar das Ciências Sociais, pois se trata de uma prática social, situada em um contexto sócio-histórico determinado e, por isso, a investigação da educação se dá numa perspectiva crítica. Lembra, ainda, que nas últimas décadas a educação atende à lógica do mercado.

Em seguida, o artigo de Lucatelli aponta seu entendimento sobre o papel da Didática Universitária. Ela se define por investigar o que

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ocorre na aula, tomando como objeto as práticas que se desenvolvem no cotidiano do professor. A Didática Universitária encontra sua especificidade no desenvolvimento do ensino e no currículo, sendo que os sujeitos da aprendizagem são os jovens e os adultos.

Diante das peculiaridades oferecidas pelos sujeitos do ensino e diante da complexidade existente na área, a autora traça algumas questões que são fundamentais para o entendimento do papel da Didática Universitária e do pesquisador, dentre elas, apontamos uma como fundamental: como desenvolver uma prática de pesquisa de forma participativa com os docentes que focam somente no ensino dos conteúdos? A autora informa que é possível detectar ações criativas de professores que buscam soluções de problemas de seu cotidiano, e que inovar é preciso, também na produção do conhecimento. Assim, mencionam-se algumas pistas de construção de formas solidárias, dentre elas: - formação de equipes de pesquisadores jovens; - A integração multidisciplinar das equipes; - desenvolvimento de projetos fundamentados nos princípios participativos e o reconhecimento de que os professores são portadores do saber pedagógico universitário; - a formação de redes de grupos e instituições com esta problemática, como a RIES e, a Rede Argentina de Pós-Graduação em Educação Superior (RAPES). A autora encerra o texto acreditando que é necessário seguir insistindo na exploração da diversidade e da especificidade da Pedagogia e da Didática Universitária.

O quarto texto, Tempo e Experiência na Produção Científica, de Nilton Bueno Fischer, do Centro Universitário La Salle (UNILASALLE), trabalha com a categoria de “tempo” para tratar da produção científica, e busca fundar sua análise e reflexão em Alberto Melucci e em Boaventura Sousa Santos. Fala da produção científica a partir da experiência que adquiriu com os grupos de intercâmbio nos anos 80 e 90, promovidos pela ANPE, com o apoio do CNPq. Os temas mais importantes que garantiram a experiência apontada pelo texto são: Educação de jovens e adultos (Sérgio Haddad); Educação Popular (Osmar Fávero); Trabalho e Educação (Miguel Arroyo e Gaudêncio Frigoto); Educação Rural (Jacques Therrien);

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Movimentos Sociais (Marília Pontes Spósito); Alfabetização – letramento (Magda Becker Soares); Educação Infantil (Maria Malta Campos) e Avaliação (Bernadete Gatti). Aponta a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) como propulsora do encontro de pesquisa individual e coletivo através de projetos de intercâmbio.

Considerando as experiências vividas e os apoios existentes para a produção do conhecimento, o autor afirma que ainda “pode ser feita a ampliação dos destinatários e dos públicos de nossas produções para obtermos assim outras leituras a respeito de nossas preocupações” (p. 66). Realiza uma crítica sobre a forma como a pesquisa em nossa área vem sendo desenvolvida no Brasil, privilegiando a “produção individual”, e dá como exemplo “a produção de dissertações e teses”. Mostra que a construção de espaços partilhados na produção do conhecimento demanda uma cooperação com o tempo. “O instituído na forma de grupos e diretórios de pesquisa, com ou sem patrocínio ou apoio de agência de fomento, ainda é uma raridade” (p. 68).

Ao encerrar o texto, lança uma proposta: “combinar os aprendizados dos “grupos de intercâmbio” com o instituído da pesquisa dentro das agências de fomento e das nossas universidades” (p. 72).

Outro texto, CAPES: o triplo desafio do estágio docente na pós-graduação, é escrito por Robert Verhine e Lys Dantas, vinculados à Universidade Federal da Bahia (UFBA). O artigo aponta os três desafios do estágio de docência do Regulamento do Programa de Demanda Social da CAPES: 1- a aprendizagem dos discentes em nível de graduação sob a responsabilidade do bolsista; 2- sua aprendizagem/formação como docente; e, complementarmente; 3- o atrelamento dessa experiência ao desenvolvimento da dissertação/tese.

Os autores relatam a experiência do estágio de docência durante o ano de 2006, no doutorado da UFBA, vinculado ao curso de Pedagogia, cuja disciplina foi Pesquisa em Educação. No Doutorado, a pesquisa estava inserida na linha de pesquisa Políticas e Gestão da Educação, versou sobre a “avaliação dos sistemas educacionais e teve como conceito metodológico o da meta-avaliação (meta-avaliar significa avaliar a avaliação)” (p. 78).

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A experiência da disciplina durante os dois semestres se desenvolveu por três eixos: 1) discussão de conceitos e teorias a partir de livro-texto, apoiados por várias referências paralelas; 2) leituras e análise de artigos de pesquisa cujo tema fosse do interesse da turma; 3) elaboração individual, ao longo dos encontros, de um projeto de pesquisa.

O autor realiza algumas considerações sobre a meta-avaliação, apontando os conceitos de métodos somativos ou formativos, e podem abranger avaliações em larga escala. Após o estabelecimento dos critérios e da consistência do trabalho, os autores acreditam que a avaliação foi consistente com os objetivos da disciplina, e que “a utilização desses e sua discussão com os alunos favoreceram uma reflexão sobre as expectativas que eles têm quanto à avaliação de aprendizagem, à utilização de provas e de checklist” (p. 80).

Por fim, os resultados do trabalho, segundo os autores, estão assim demonstrados: foram bem analisados em relação à consistência e à técnica. Entretanto, as dimensões viabilidade e utilidade apontaram para outros resultados. O compromisso com a aprendizagem dos alunos foi honrado.

O texto Grupos de pesquisa no Brasil: a perspectiva do campo científico, escrito por Marília Costa Morosini, faz duas abordagens: uma teórica, fundamentando o pensamento de Pierre Bourdieu e sua teoria sobre o espaço social. A outra, uma análise do sistema de Educação Superior do Brasil e dos diretórios de pesquisa do CNPq. Segundo a autora, o Diretório dos Grupos de Pesquisa (GP) CNPq é um projeto de 1992 que oferece uma base de dados sobre os GP no Brasil. Apresenta quadros e gráficos sobre a realidade da pesquisa no Brasil, aponta o número de instituições, de grupos de pesquisas e de pesquisadores cadastrados atualmente. A autora diz que o sistema de “educação superior no Brasil tem 64% de professores doutores e 26% de mestres. Entretanto, apesar da prevalência de doutores e mestres no corpo docente das IES brasileiras, quando examinamos sob o prisma da região, constatamos distinções” (p. 99). Trata-se de um texto de grande profundidade acadêmica que contribui fortemente para o entendimento da organização da pesquisa no Brasil.

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Redes acadêmicas: o sentido da partilha na construção do conhecimento, de Maria Isabel da Cunha, traz uma exposição sobre o sentido da realização das pesquisas científicas. Considera, de início, que “os processos de emancipação são estimuladores de intervenções compromissadas com as rupturas que atuam no sentido da mudança. Não são medidos pelo tamanho e abrangência, mas sim pela profundidade e significado que tem para os sujeitos envolvidos” (p. 105). Apresenta, com isso, sua concepção de pesquisa e os vários autores que sustentam tal concepção: Sousa Santos (2002), Assmann (2004), Freire (1986), Chacin e Briceño (2006), Gauthier (1999), Vieira Pinto (1979) e outros. No final do texto, a autora apresenta a experiência da Região Sul do país, que é a RIES – que congrega pesquisadores que tenham tal objeto de estudo, de diferentes instituições universitárias que se localizam no sul do Brasil (p. 122). Conceitua-se ainda Grupo de Pesquisa, Linhas de Pesquisa e Redes de Pesquisa, exemplificando assim a experiência do Sul do Brasil.

A parte II do livro tem como título Grupos de Pesquisa em Educação Superior e objetiva demonstrar a constituição dos vários grupos de pesquisas em andamento, e separados por suas áreas de conhecimento. As áreas estão assim constituídas: 1- Grupos de Pesquisa em Docência Universitária e profissionalização; 2- Grupos de Pesquisa em Práticas Pedagógicas e Inovação; 3- Grupos de Pesquisa em Subjetividade e Sujeitos na Universidade; 4- Grupos de Pesquisa em Políticas e Práticas de Formação de Professores; 5- Grupos de Pesquisa em Políticas Nacionais e Institucionais de Educação Superior; 6- Grupos de Pesquisa em Universidade e suas Interfaces.

O livro reúne, na sua primeira parte, uma série de artigos significativos que refletem sobre a questão da pesquisa no Brasil. São artigos que traduzem as preocupações com o andamento e organização dos grupos e das redes de pesquisas tão fundamentais para o avanço da ciência no interior das Universidades. Na segunda parte do livro, encontra-se a forma como os grupos estão organizados, suas denominações, local de atuação e seus coordenadores. O rigor metodológico e científico presentes na elaboração do livro revela a seriedade e a profundidade com que o tema foi tratado, por isso, trata-se de uma leitura necessária e obrigatória para quem pretende fazer ciência no Brasil.

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Periódicos permutados

Ágora – Estudos em Teoria Psicanalítica (Instituto de Psicologia – UFRJ)Aletheia – Revista de Psicologia da ULBRA (ULBRA – Canoas-RS)Análise & Síntese (Faculdade São Bento – Salvador-BA)Análogos (PUC-Rio)Avaliação: Revista da Avaliação da Educação Superior (Uniso-Sorocaba - SP)BIOETHIKOS (Centro Universitário São Camilo – São Paulo-SP)BOLEMA – Boletim de Educação Matemática (UNESP – Rio Claro-SP)Boletim de Psicologia (Assoc. de Psicologia de São Paulo - São Paulo-SP)Caderno Catarinense de Ensino de Física (UFSC – Florianópolis-SC)Cadernos de Educação (Universidade Federal de Pelotas-RS)Caderno de Pedagogia (Centro Univ. Moura Lacerda – Ribeirão Preto-SP)Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas – São Paulo-SP)Cadernos PET – Filosofia (UFPR – Curitiba-PR)Ciência e Agrotecnologia (Universidade Federal de Lavras - MG)Ciência & Educação (UNESP – Bauru-SP)Cógito (Círculo Psicanalítico da Bahia – Salvador - BA)Comunicação & Educação (CCA-ECA-USP – São Paulo - SP)Comunicações (Unimep – Piracicaba-SP)Conhecimento e Diversidade (Inst. Sup. de Ensino La Salle – Niterói-RJ)Contexto & Educação (UNIJUÍ – Ijuí-RS)Dialogia (Centro Universitário Nove de Julho - UNINOVE – São Paulo-SP) Diálogo Educacional (PUC-PR – Curitiba-PR)EccoS – Revista Científica (UNINOVE – São Paulo-SP) Educação (PUC-RS – Porto Alegre-RS)Educação e Cidadania (UniRitter – Porto Alegre-RS)Educação e Filosofia (Universidade Federal de Uberlândia-MG)Educação & Linguagem (IMS – São Bernardo do Campo-SP)Educação e Pesquisa (Faculdade de Educação/USP – São Paulo-SP)Educação em Revista (UFMG – Belo Horizonte-MG)Educação em Questão (UFRN/CCSA – Natal-RN)Educar em Revista (UFPR – Curitiba –PR)Educere - Revista da Educação da UNIPAR (Umuarama-PR)Escritos Pedagógicos (UESC - Ilhéus-BA)Estudos de Psicologia (PUC-Campinas-SP)Estudos em Avaliação Educacional (Fund. Carlos Chagas – São Paulo-SP)Ethica – Cadernos Acadêmicos (UGF-RJ)

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Hispeci & Lema (Fafibe – Bebedouro-SP)Ícone Educação (Unitri – Uberlândia-MG)Ideação (Unioeste – Cascavel-PR)Leopoldianum - Revista de Estudos e Comunicações (Unisantos – Santos-SP)Linguagem, Educação e Sociedade (UFPI – Teresina-PI)Linhas Críticas (UnB – Brasília-DF)Paidéa – Cadernos de Psicologia e Educação (USP – São Paulo-SP)Pesquisas e Práticas Psicossociais (UFSJ – São João del-Rei-MG)Práxis Educativa (Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR)Proposições (Unicamp – Campinas-SP)PsicoUSF (Universidade São Francisco – São Paulo-SP)Psicologia em Revista (PUC-Minas – Belo Horizonte-MG)Quaestio - Revista de Estudos da Educação (Uniso - Sorocaba-SP)Revista AISTHE (IFCS-UFRJ – Rio de Janeiro-RJ)Revista Argumentos: Revista de Filosofia (UFC – Fortaleza-CE)Revista Brasileira de História da Educação (FE/USP – São Paulo-SP)Revista Brasileira de Pós-Graduação – RBPG (CAPES – Brasília-DF)Revista Cognitio (PUC-SP – São Paulo-SP)Revista Contrapontos (Univali – Itajaí-SC)Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade (UNEB– Salvador-BA)Revista da SPAGESP (Ribeirão Preto-SP)Revista de Educação (PUC-Campinas-SP)Revista de Educação Pública (UFMT – Cuiabá-MT)Revista Educação (UFSM – Santa Maria-RS)Revista Ide - Psicanálise e Cultura (SBP – São Paulo-SP)Revista Interdisciplinaria (CIIPME-CONICET – Buenos Aires-Argentina)Scintilla - Revista de Filosofia e Mística Medieval (São Boaventura-Faculdade de Filosofia - Campo Largo - PR)Signos (Centro Universitário Univates – Lajeado-RS)Síntese: Revista de Filosofia (FAJE – Belo Horizonte-MG)Trabalho, Educação e Saúde (FIOCRUZ – Rio de Janeiro-RJ)Zetetiké (Unicamp - Campinas-SP)

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Normas para publicação de trabalhos

O APRENDER é uma publicação que pretende divulgar trabalhos sobre o processo educacional em suas variáveis filosóficas e psicológicas ou contribuições de outras áreas do saber pedagógico a elas relacionadas.

O periódico define alguns enfoques temáticos para melhor orientar o conteúdo dos trabalhos candidatos à publicação.

Filosofia da Educação:A aprendizagem como problema filosófico: como e em que condições • se dá a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.A Filosofia e a instituição escolar.• Abordagem teórica das diferentes escolas pedagógicas.• Diferentes conceitos e concepções de educação.• Educação e Filosofia: as correntes filosóficas e sua relação com a • idéia de formação e os processos educacionais.Ética e Educação: a ética como fundamento para a formação e • a aprendizagem, a ética profissional do educador, entre outras abordagens.Teorias da Pesquisa em Educação.• Educação e Política: o caráter formador e transformador da educação • em seus aspectos político e filosófico.O papel da Filosofia nas transformações da educação • contemporânea.Novas tendências e tecnologias de ensino: aspectos filosóficos.•

Psicologia da Educação:A aprendizagem como problema psicológico: como e em que • condições se dão a transmissão, construção ou apropriação do conhecimento.Aspectos psicológicos voltados para o estudo do campo das • necessidades educativas especiais: dificuldades de aprendizagem, educação especial, preparo e formação de professores, entre outros pontos de vista. As escolas psicológicas e sua relação com os processos • educacionais. Novas tendências e tecnologias de ens ino: aspectos • psicopedagógicos.

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Psicanálise e Educação.• Psicologia Escolar/Educacional: trabalho docente, processo ensino-• aprendizagem, aquisição da leitura e da escrita, interação professor-aluno, cultura escolar, atuação do psicólogo na escola, entre outros pontos.Psicologia do Desenvolvimento e Educação: aspectos psicomotores, • afetivos, cognitivos, lingüísticos, sociais, culturais e familiares.Relações humanas na escola.• Sociedade e Educação: fatores psicossociais e de formação do • sujeito.Trabalho e Educação.•

Obs.: Somente serão aceitos trabalhos que se enquadram em um ou mais dos enfoques temáticos citados.

Envio dos TrabalhosSão recebidos para publicação artigos, ensaios, debates, resenhas,

traduções, entrevistas, relatos de caso, etc. Os textos enviados para análise devem ser escritos em português, espanhol, inglês ou francês.

Os trabalhos candidatos à publicação devem ser enviados por e-mail, com o texto anexo, para os seguintes endereços eletrônicos: [email protected] e [email protected]. Os trabalhos devem indicar os seguintes dados de identificação:

Título, resumo e palavras-chave no idioma do texto. • Nome completo do(a)(s) autor(a)(es).• Maior titulação (com indicação da área de conhecimento e nome • da instituição).Instituição de origem e função que está exercendo.• Endereço eletrônico e telefone.•

Formato dos Trabalhos1. Os trabalhos devem ser digitados em Word for Windows e apresentados

segundo as especificações a seguir: Artigos – até 20 páginas, incluídas as referências bibliográficas; Resenhas – de três a cinco páginas; Entrevistas e debates – de cinco a dez páginas; Traduções – até 20 páginas.

2. A configuração do texto deve observar as seguintes especificações: papel tamanho A4 (21 X 29,7), margens superior, inferior e laterais de 2

centímetros, espaçamento 1,5 entre as linhas e alinhamento justificado.

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3. O título do trabalho deve vir em fonte Times New Roman, tamanho 12, em negrito, centralizado no alto da página inicial.

4. Dois espaços abaixo do título do trabalho, deve vir o nome do(s) autor(es) em fonte Times New Roman, tamanho 12, em itálico, alinhado à direita da página, seguido de asterisco, e, em nota de rodapé, deve-se indicar a maior titulação (com a área de conhecimento e a instituição na qual foi obtida), a instituição a que o(s) autor(es) se encontra(m) vinculado(s) e endereço eletrônico.

5. Para artigo, dois espaços abaixo da indicação do(s) autor(es), deve vir o resumo, no idioma da redação, acompanhado das palavras-chave (máximo de cinco). O título, o resumo e as palavras-chave precisam ser traduzidos para o inglês (Abstract e Keywords) ou francês (Résumé e Mots-clés).

6. O resumo (bem como o respectivo Abstract ou Résumé) deve ter no mínimo 40 palavras e no máximo 100 palavras e ser redigido em um só parágrafo.

7. Subtítulos devem vir em fonte Times New Roman, tamanho 12, em negrito, somente com as primeiras letras maiúsculas e alinhados à esquerda da página (não devem ser numerados).

8. As citações e referências bibliográficas devem seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

9. Figuras e fotos, se houver, devem vir no corpo do texto, no local desejado pelo autor, em preto e branco.

10. Gráficos, se houver, devem ser apresentados no final do trabalho, em preto e branco, de maneira legível e com indicações e/ou legendas por extenso.

Avaliação dos trabalhosOs trabalhos candidatos à publicação são avaliados quanto a sua

qualidade e originalidade, por especialistas do assunto abordado. A escolha dos pareceristas é feita, preferencialmente, entre os membros que compõem o Conselho Editorial da revista.

RevisãoOs trabalhos aceitos para publicação serão submetidos à revisão de

linguagem. O APRENDER reserva-se o direito de realizar alterações sugeridas pela revisão que não impliquem alterações no conteúdo do trabalho. Os casos especiais serão comunicados ao(s) autor(es), para sua avaliação.

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Direitos autoraisO APRENDER detém os direitos autorais dos trabalhos publicados,

que não poderão ser reproduzidos sem autorização expressa dos editores.

ResponsabilidadeO conteúdo expresso nos textos publicados é de responsabilidade

exclusiva de seus autores.

Exemplares do autorCada autor terá direito a três exemplares do número de publicação do

seu texto.

Aquisição de exemplaresCatálogo on line: www.uesb.br/editora • E-mails: [email protected] e [email protected]

PermutasAceitam-se permutas com periódicos nacionais e estrangeiros,

preferencialmente nas áreas de Educação, Filosofia e Psicologia.Os contatos para esse fim podem ser feitos por meio dos endereços

eletrônicos: [email protected] e [email protected].

APRendeR - cAdeRno de FilosoFiA e PsicologiA dA educAção

Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb)Departamento de Filosofia e Ciências Humanas (DFCH)Departamento de Ciências Humanas e Letras (DCHL)

Estrada do Bem-Querer, km 445083-900 - Vitória da Conquista – Bahia

Site: www.uesb.br/editora/publicacoes/aprender

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EqUIPE TéCNICA

cooRdenAção editoRiAl e noRmAlizAção técnicA

Jacinto Braz David Filho

cAPA (arte gráfica)Luiz Evandro de Souza RibeiroDRT - 2535

editoRAção eletRônicA Ana Cristina Novais MenezesDRT - 1613

ReVisão de linguAgem (textos em PoRtuguês)

luciAnA moReiRA PiRes FlôRes (revisora - edições Uesb)

- Formação de professores para a docência universitária no Brasil: uma introdução histórica

mARiA dAlVA RosA silVA (revisora - edições Uesb)

- Revisitando a história da universidade no Brasil: política de criação, autonomia e docência- A disciplina de Filosofia nos cursos superiores de Administração: uma análise institucional- O ensino superior em Direito no Brasil: cenários, perspectivas e principais desafios

Os demais textos foram revisados pelo Prof. Leonardo Maia Bastos Machado (Editor responsável)

Impresso na Empresa Gráfica da BahiaNa tipologia Garamond 11/15/papel offset 90g/m²

Em novembro de 2009.

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