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SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA – SESIDepartamento Nacional

Leonor Barreto FrancoPresidente do Conselho Nacional

Carlos Eduardo Moreira FerreiraDiretor do Departamento Nacional

Rui Lima do NascimentoDiretor-Superintendente

Otto Euphrásio de SantanaDiretor-Técnico

Humberto MenesesDiretor de Desenvolvimento

UNESCO Brasil

Conselho EditorialJorge Werthein

Maria Dulce Almeida BorgesCélio da Cunha

Comitê para a Área de EducaçãoMaria Dulce Almeida Borges

Célio da CunhaLúcia Maria Gonçalves Resende

Marilza Machado Gomes Regattieri

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Brasília2002

APRENDER A VIVER JUNTOS :

educação para integração na diversidade

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Edições UNESCO Brasil

© Unesco 2002

Tradução: José FerreiraRevisão e diagramação: DPE StudioAssistente Editorial: Larissa Vieira Leite e Maria Luiza MonteiroProjeto Gráfico: Edson Fogaça

Aprender a viver juntos : educação para a integração dadiversidade / tradução de José Ferreira – Brasília : UNESCO,IBE, SESI, UnB, 2002.148p.

1. Educação I. UNESCO II. Ferreira, José

CDD – 370

Logo SESISBN – Quadra 1 Bloco C – Edifício Roberto Simonsen70040-903 – Brasília – DFTel.: (61) 317-9000 – Fax: (61) 317-9200E-mail: http://www.sesi.org.br

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a CulturaRepresentação no BrasilSAS, Quadra 5 Bloco H, Lote 6, Ed. CNPq/IBICT/UNESCO, 9o andar70070-914 – Brasília – DF – BrasilTel.: (55 61) 321-3525 – Fax: (55 61) 322-4261E-mail: [email protected]

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SUMÁRIO

CONVIVÊNCIA COMO HARMONIZAÇÃO DE LEI, MORAL E CULTURA

Antanas Mockus1. INTRODUÇÃO 132. CONVIVÊNCIA E REGRAS 1 73. CONVIVÊNCIA E PLURALISMO 1 84. DIVÓRCIO ENTRE LEI, MORAL E CULTURA 205. CULTURA CIDADÃ 2 16. PESQUISA COM JOVENS SOBRE CONVIVÊNCIA CIDADÃ 267. RESULTADOS DA PESQUISA 328. TOLERÂNCIA À PLURALIDADE DE PROJETOS 359. ALGUMAS CONCLUSÕES 3610. POST DATA: DA TOLERÂNCIA RELIGIOSA À ATRAÇÃO PELA DIVERSIDADE,

OS “ANFÍBIOS CULTURAIS” 38

A EDUCAÇÃO PARA APRENDER A VIVER JUNTOS: UMA ANÁLISECRÍTICA DA PESQUISA COMPARADA

Aaron Benavot

1. REFLEXÕES INICIAIS 412. ESCLARECIMENTOS CONCEITUAIS 443. VÍNCULOS CAUSAIS ENTRE EDUCAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL 44

As tendências da análise 474. UMA OLHADA GLOBAL PARA A EXPANSÃO EDUCATIVA 505. QUADROS ANALÍTICOS ALTERNATIVOS 57

Currículo e resultados educacionais 57Indicadores comparativos 6 1Os currículos e os livros-texto 62

6. OS CURRÍCULOS E O APRENDER A VIVER JUNTOS 647. COMENTÁRIOS FINAIS 67

APRESENTAÇÃO 09

ABSTRACT 11

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APRENDER A VIVER JUNTOS: NOSSOS JOVENS ESTÃO PREPARADOS?Alejandro Tiana

1. PRIMEIRA REFLEXÃO: APRENDER A VIVER JUNTOS REQUER ODESENVOLVIMENTO DA CIDADANIA 70

2. SEGUNDA REFLEXÃO: APRENDER A VIVER JUNTOS EXIGECONHECIMENTOS 77

3. TERCEIRA RELFEXÃO: APRENDER A VIVER JUNTOS REQUERCOOPERAÇÃO E INTERCÂMBIO 83

CENÁRIOS FUTUROS DA EDUCAÇÃO: UMA JANELA AODESCONHECIDO

Uri Peter Trier

1. UMA VIDA COM DIGNIDADE 882. O BEM-ESTAR DO ESTADO E DA COMUNIDADE 893. GENÉTICA HUMANA E ENGENHARIA GENÉTICA: ESTENDENDO A

VIDA HUMANA 904. O DIVÓRCIO ENTRE A PRODUÇÃO, O EMPREGO E

O LUGAR DE TRABALHO 925. TRABALHO NÃO-RELACIONADO COM O EMPREGO 936. O CONHECIMENTO E A SOCIEDADE DA APRENDIZAGEM 947. A INFORMÁTICA E A APRENDIZAGEM 968. CONCLUSÃO 96

POSIÇÕES/CONTROVÉRSIAS – APRENDER A VIVER JUNTOS:DESAFIO PRIORITÁRIO NO ALVORECER DO SÉCULO XXI

John Daniel

1. EDUCAÇÃO PARA VIVER JUNTOS 103

APRENDER A VIVER JUNTOS – OS CONHECIMENTOS CÍVICOS, ASCRENÇAS SOBRE AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS E OCOMPROMISSO CÍVICO DOS ADOLESCENTES DE 14 ANOS

Judith Torney-Purta

1. ANÁLISES E CONCLUSÕES SOBRE OS CONHECIMENTOSCÍVICOS 1 1 5

2. ANÁLISES E CONCLUSÕES SOBRE O COMPROMISSOCÍVICO 1 1 9

3. ANÁLISES E CONCLUSÕES A RESPEITO DAS ATITUDESCÍVICAS 124

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4. INDICADORES DE CONHECIMENTO E COMPROMISSOCÍVICOS 126

5. CONCLUSÕES GERAIS 129

EDUCAÇÃO PARA TODOS PARA APRENDER A VIVER JUNTOS: UMDESAFIO PRIORITÁRIO NO SÉCULO XXI 133

Cecilia Braslavsky

CONCLUSÕES E PROPOSTAS DE AÇÃO DA 46A SESSÃO DACONFERÊNCIA INTERNACIONAL EM EDUCAÇÃO (CIE)

1. OS DESAFIOS 1402. POLÍTICAS EDUCACIONAIS E PRÁTICAS 1423. PROPOSTAS PARA A AÇÃO 1434. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL 1465. O PAPEL DA UNESCO E DE SEUS INSTITUTOS

ESPECIALIZADOS 147

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APRESENTAÇÃO

O êxito alcançado pelo I Telecongresso Internacional de Educação de Jovens eAdultos, realizado em novembro de 2001 mediante parceria entre o SESI, a UNESCOe a Universidade de Brasília, mostrou de imediato a necessidade de sua continuidade.De fato, as perspectivas pedagógicas abertas por esse evento, com a participação emtodo o país de quase 10 mil educadores e dirigentes educacionais serviu de estímuloe incentivo à projeção do II Telecongresso.

Como a UNESCO havia realizado, em setembro de 2001, em Genebra, a46a Conferência Internacional de Educação com o objetivo de aprofundar a reflexãosobre uma pedagogia para aprender a viver juntos, aprendizagem que se configuracomo um dos maiores desafios do mundo contemporâneo, surgiu a idéia e apossibilidade de se repetir no Brasil o evento de Genebra com as adaptações que setornassem necessárias ao contexto brasileiro.

Tomada a decisão de colocar como tema do II Telecongresso a educação para adiversidade no âmbito da escola, da comunidade e do trabalho, o passo seguinte foipromover a vinda ao Brasil da Diretora da UNESCO/IBE de Genebra, a ProfessoraCecília Braslavsky, que não apenas aprovou a idéia, como também a ela se associouajudando a conceber e planejar o evento.

Como parte desse planejamento, foi decidida a publicação de um livroque reunisse textos de especialistas internacionais que, por diversos ângulos deanálise, pudessem contribuir para aprofundar o significado e a relevânciapedagógica e social de uma educação para a diversidade e para melhor viverjuntos. Coube à Cecília Braslavsky selecionar e organizar os artigos e imprimir-lhes uma visão de conjunto.

Assim, o SESI e a UNESCO, com o apoio da Universidade de Brasília, sentem-se gratificados em apresentar aos participantes do II Telecongresso Internacional deEducação de Jovens e Adultos o presente livro, que se define como uma obra deinegável alcance pedagógico no marco de uma nova educação para o século XXI.

Estamos convictos que este livro representa um importante subsídio aos projetospedagógicos das instituições escolares, em todos o seus níveis e modalidades,alimentando-as no processo de busca de uma educação solidária. Nosso objetivocomum, para repetir as palavras de John Daniels, Subdiretor-Geral de Educação daUNESCO, é fortalecer a capacidade de toda pessoa com vistas a edificar a paz e ajustiça na sociedade da informação nesses tempos de globalização.

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The book Learn to Live Together: education for diversity integration is aselection of texts discussed at the 46th International Conference on Education heldby UNESCO in Geneva, in September, 2001. The articles include philosophicalreflections, research results, discussions, and innovative experiences with the goalof stimulating debate and assuring that the twenty-first century will be a centurywhere lifelong education becomes equitable quality education that improves ourcapacity to live together. The authors are specialists in education from differentcountries and they analyze a wide variety of issues involved in this challenge.These include the moral, legal, and cultural foundations of living together andalso the relationships between education and life conditions as well as relationshipsbetween school curricula, mutual understanding, civic responsibilities, democracy,and other ideas of humanity. The publication of this book in Brazil is intendedto stimulate dialogue and an exchange of experiences directed towards educationtowards peace and social cohesion.

ABSTRACT

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CONVIVÊNCIA COMO HARMONIZAÇÃODE LEI, MORAL E CULTURA1

1 . I N T R O D U Ç Ã O

Convivência é um conceito surgido ou adotado na América Latinapara resumir o ideal de uma vida em comum entre grupos cultural,social ou politicamente muito diferentes, uma vida em comum viável,um “viver juntos” estável, possivelmente permanente, desejável por simesmo e não somente por seus efeitos.

No mundo anglo-saxão convivência costuma ser traduzida porcoexistence, que descreve a vida em paz de uns com outros,especialmente como resultado de uma opção deliberada. Precisamente,como opção contrária à guerra, contém uma ligeira conotação deresignação na hora de aceitar o outro.Talvez – como ocorreu durantea chamada coexistência pacífica –, conviva-se com o outro pornecessidade, porque não há mais remédio. Revelam-se, pois, duascaracterísticas em comum com a tolerância: por um lado, é algodesejável, por outro, implica – em certo grau – um aprender a suportar.Um matiz similar da convivência, como algo deliberadamente opostoà exclusão e como algo a que se chega com certa resignação, aparece na

Antanas Mockus*

1 Agradeço muito o convite de Nadia Sikorsky para colaborar na edição de março de 2002 da revista do BureauInternational d’Éducation, “Prospects”, abordando a primeira parte da publicação (titulada “filosofia”), com umresumo do que foi aprendido com meu trabalho sobre convivência. Este convite, junto com a experiência de trabalhoacadêmico sobre o tema, uma primeira experiência como prefeito de Bogotá, um trabalho de pesquisa sobre jovens emBogotá e o regresso à prefeitura de Bogotá, talvez ajudem a compreender a estrutura, um pouco curiosa, deste texto:reflexão filosófica, um resumo do meu inicio acadêmico no tema, algumas lições provenientes do programa CulturaCidadã, outras da pesquisa e, ao final, novamente algo de reflexão.* Prefeito de Bogotá, professor Associado da Universidade Nacional da Colômbia.

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tradução ao francês como cohabitation. No entanto, talvez por suaorigem, o termo espanhol convivencia acabou tendo conotações maispositivas e promovendo algo intrinsecamente desejável2.

Conviver é chegar a viver juntos entre distintos sem os riscos daviolência e com a expectativa de aproveitar de maneira fértil nossasdiferenças. O desafio da convivência é basicamente o desafio datolerância à diversidade e esta encontra sua manifestação mais clarana ausência de violência3.

A tolerância à diversidade implica hoje:• Uma transformação das identidades e de seus mecanismos

de reprodução, de maneira que, para se ter uma identidade forteou para conservá-la, já não seja necessário negar a identidade dooutro, não seja necessário excluí-lo.

• A aceitação do fato de que as opções que distintos gruposou distintas tradições oferecem diante das perguntas maisimportantes (religiosas4, filosóficas, políticas) poderiam considerar-

2 Talvez por isso a UNESCO decidiu usar as versões “living together” e “vivre ensamble” e optou, ainda em espanhol,por promover o “aprender a vivir juntos”3 Toda intolerância, cedo ou tarde, se traduz em violência do intolerante ou do intolerado. Emmuitos paises, aprender a conviver, aprender a viver juntos, tem um sentido imediato óbvio:aprender a viver sem violência. A pergunta, demasiado complexa, que surge então é: quais são osdeterminantes mínimos de uma vida em comum não-violenta entre pessoas e entre grupos sociaisdiversos? Muitas são as condições desejáveis que alguém poderia tentar associar a uma sociedadenão-violenta. Aqui, tenta-se identificar condições mínimas suficientes.4 A matriz histórica da tolerância foi a tolerância religiosa. O seguinte texto, de Martín Buber,ilustra os desafios para alcançá-la e sustentá-la: “toda religião tem sua origem em uma revelação.Nenhuma religião detém a verdade absoluta, nenhuma é um pedaço de céu transplantado na terra.Cada religião representa uma verdade do homem. Isto significa que expressa a relação com oAbsoluto de uma comunidade humana determinada. Cada religião é uma morada para a almahumana sedenta de Deus, uma morada provida de janelas e sem porta; não tenho mais que abriruma janela para que a luz de Deus entre nela. Mas se faço um buraco na parede e fujo, ficarei semcasa e, além disso, me rodeará uma luz de gelo, que não é a luz de Deus vivo. Cada religião é umaterra de exílio na qual o homem se vê jogado e na qual, mais que em nenhuma outra parte, estáseparado das outras comunidades humanas pela forma de sua relação com Deus. E não seremoslibertados desses exílios nem teremos acesso ao mundo de Deus, comum a todos, senão depois daredenção do mundo. Mas as religiões que sabem que todas elas estão associadas em uma esperacomum podem comunicar-se entre elas, de um lugar de exílio a outro, de morada a morada, atravésdas janelas abertas. Mais ainda: podem unir seus esforços para ver se encontram o que pode ser feitopelo homem para aproximar o tempo da redenção. É concebível uma ação comum de todas asreligiões, ainda que cada uma delas não possa trabalhar mais que em sua própria morada. Mas istonão será possível senão na medida em que cada religião recupere sua origem, ou seja, a revelação queestá em sua origem e desde a qual avança para a critica de tudo o que a distanciou no processo

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se – sob algum ângulo – equivalentes e, mais recentemente, aaceitação da possibilidade e utilidade de que coexistam, em umamesma sociedade, diversos projetos de sociedade.

• A ampliação do campo de celebração de acordos (muitostemas, como os relacionados à sexualidade ou às tarefas domésticas,deixam de ser regulados por costumes e passam a ser objetos deacordo, por exemplo, entre os casais).

Ausência de violência implica:• A exclusão de ações violentas, mediante regras compartilhadas

(legais ou culturais) ou mediante regras fixadas ou interiorizadasde maneira autônoma e unilateral (morais-pessoais).

• A universalização de rivalidades, para resolver pacificamenteconflitos (solucionar problemas, chegar a acordos).

Há, é claro, uma conexão entre os dois aspectos, tolerância enão-violência: as identidades repousam, em boa parte, sobre regrascompartilhadas ou autonomamente adotadas5. Geralmente, maisregras compartilhadas significam maior identidade comum e vice-versa; o cumprimento das partes mais fundamentais das regras é oque nos permite diferenciarmo-nos em outras (nossa maneira devestir, nossa disciplina pessoal etc.). A existência de diferentes opçõesreligiosas, filosóficas ou políticas, com valores que, de algum ponto

histórico de seu desenvolvimento. As religiões têm tendência a converterem-se em fins em simesmas, a substituir – por assim dizer – a Deus, de modo que, na verdade, para obscurecer a facede Deus não há nada mais adequado do que uma religião... Cada uma [das religiões] deve aceitar ofato de que não é mais do que uma das formas sob as quais a elaboração humana da mensagem deDeus se expressou, que não tem o monopólio do divino; cada uma deve renunciar à pretensão deser a morada única de Deus sobre a terra e aceitar que é a morada dos homens animados por umamesma imagem de Deus, uma casa aberta para o exterior. Cada uma deve abandonar sua atitudeexclusiva – sem verdadeira base – e adotar um comportamento mais próximo da verdade. (....)Então, ter-se-ão unido não só em uma espera comum da redenção, mas também nas tarefascotidianas de um mundo ainda não-salvo”. Vários, A tolerância. Antologia de textos, seleção deZaghloul Moprsy, Madri: Editorial popular –Editorial UNESCO, 1974, pp. 213-214.5 Isto se acentua nas sociedades com alta divisão do trabalho: o sistema de ofícios ou ainda maiso das profissões defende cada vez mais categorias sociais caracterizadas porque a sociedade podeestar certa de que essas categorias trabalharam dentro de imperativos categóricos (morais) e tambémem conformidade com um conjunto de imperativos hipotéticos (regras técnicas).

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de vista, são equivalentes, nos coloca, na prática, o desafio dechegar a acordos (inevitavelmente parciais e imperfeitos) e, emparticular, nos leva a procurar regras comuns (ainda que asreconheçamos e respeitemos por razões diversas de tradiçõesdistintas6).

Em suma, para tornar viável a tolerância à diversidade e para excluira violência:

a) são necessárias algumas regras em comum:• regras culturais compartilhadas (alguns denominadores

comuns);• um quadro constitucional e legal explicitamente adotado; e• convenções internacionais;b) são necessár ias uma capacidade e uma disposição

compartilhadas pela grande maioria, para celebrar e cumpriracordos.

Para deixar de ver na diferença um perigo e passar a ver nelauma ocasião para o mútuo conhecimento, para a mútua ampliaçãode perspectivas, são necessárias também, e crucialmente, essas regrascomuns e essa boa disposição para os acordos.

Além da mútua tolerância e ausência de violência, a convivênciasugere processos de construção e estabilização desse “viver juntos”:em seu conteúdo máximo, conviver poderia significar harmonizaros processos de reprodução econômica e cultural 7. Mas não é nossaintenção chegar tão longe aqui. Nossa abordagem é mais limitada:queremos ir além da definição negativa de convivência comoausência de violência, para explorar uma visão positiva da

6 “Consenso por traslapes” em Rawls, Liberalismo Político, México: Faculdade de Direito UNAM e FCE(primeira edição em inglês 1993) (Capítulos IV e V).7 A aprendizagem e a interiorização de regras e normas, que contribuem substancialmente para aformação de identidades e padrões de inter-relação e, portanto, para a reprodução cultural, sãoreconhecidos hoje em dia como o complemento indispensável das instituições (regras formais)quando se trata de explicar porque umas sociedades se desenvolvem economicamente mais rápidoque outras (North, Douglas C., Instituciones, cambio institucional y desempeño econômico, FCE,México, 1993 / Fukuyama, Francis, Confianza (Trust), Editorial Atlântida, Buenos Aires, 1996).Apesar de flagrantes manifestações de autonomia, a reprodução cultural das identidades e doscomportamentos se entrelaça irremediavelmente com a reprodução econômica. As tensões oufricções entre ambas as reproduções estão, talvez, na base dos problemas de convivência.

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convivência.O que nos leva a tolerar a diversidade, a assumi-la com

entusiasmo? O que nos distancia da violência? Uma primeiraresposta positiva, imediata, provisória, mas cujos refinamentosexaminaremos nesse artigo – indo do mais filosófico (numerais 1,2, 3 e 4) à experiência como prefeito de Bogotá (5) e às conclusões deuma pesquisa com jovens (6 e 7), para retornar a um tema maisfilosófico – toma a convivência como tolerância acompanhada deapreço diante da existência de diversos projetos de sociedade e dehumanidade (8 e 9).

À luz da visão positiva alcançada antes de iniciar a pesquisa comjovens e usada como conceito inicial para a mesma8, conviver é acatarregras comuns, contar com mecanismos culturalmente arraigados deauto-regulação social, respeitar as diferenças e acatar regras para processá-las; também é aprender a celebrar, a cumprir e a reparar acordos.

2 . C O N V I V Ê N C I A E R E G R A S

Por que poderia ser tão relevante para a convivência o respeito àsregras? A quais regras?

Para abordar o respeito às regras deve-se reconhecer que amodernidade acentua a diferenciação entre regras legais, morais eculturais, entre lei, moral e cultura. A sanção legal e o sentimento deculpa não são a mesma coisa, e nenhum desses dois castigos éassimilável ao repúdio social. Do mesmo modo, a motivação de umaconduta por admiração à lei escrita, sua gestão e sua aplicação, podediferenciar-se da motivação por autogratificação da consciência, eesta, por sua vez, da motivação por reconhecimento social.

Graças a esta diferenciação, poderemos concluir que a convivênciaconsiste, em boa parte, em superar o divórcio entre lei, moral e cultura,ou seja, superar a aprovação moral e/ou cultural de ações contrarias àlei e a debilidade ou carência de aprovação moral ou cultural das

8 Conceito possivelmente marcado pela circunstancia colombiana e pelo que pudemos aprender e fazer dentro destacircunstancia, principalmente na gestão pública e na pesquisa.

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obrigações legais.A habilidade para celebrar acordos e cumpri-los e, quando

necessário, repará-los, a desaprovação moral e cultural de ações contrariasà lei e a aprovação moral e cultural de ações obrigatórias segundo a lei,serão reconhecidas como as chaves da convivência, uma convivênciaque, por essa conexão com a diferenciação entre lei, moral e cultura, epela centralidade inequívoca da lei, chamaremos de convivência cidadã.

3 . C O N V I V Ê N C I A E P L U R A L I S M O

Na Colômbia e, em maior ou menor grau, em muitos outrospaíses, para muitas pessoas a consciência ou o costume justificamviolar a lei. Tive a sorte de poder ajudar a corrigir isso na ação dogoverno e na pedagogia. Depois de trabalhar, por mais de dez anos,em pedagogia, pude aplicar parte do que aprendi no exercício daprefeitura de Bogotá (1995-1997, e agora 2001-2003), sob a forma doprograma Cultura Cidadã, com resultados visíveis na proteção à vidae no acatamento a normas e comportamento cívico, como porexemplo, a economia voluntária de água. Além disso, nos três anosseguintes à minha primeira gestão na prefeitura, tive a oportunidadede realizar, com J. Corzo, uma pesquisa com jovens do 9ª grau emBogotá9, cujos resultados estão representando um insumo útil para asegunda versão do programa Cultura Cidadã.

A visão que inspirou este trabalho, de forma resumida, é a desociedades nas quais se consegue harmonia entre lei, moral ecultura. Isto não significa que a lei, a moral e a cultura ordenemexatamente o mesmo; isso seria conservadorismo e seriaincompatível com o pluralismo cultural e o pluralismo moral,ideais comumente acei tos na maior ia das sociedadescontemporâneas e muito claramente na nossa10.

Uma das características da sociedade contemporânea é que

9 A. Mockus e Jimmy Corzo , Indicadores de convivência ciudadana, projeto de pesquisa , Instituto de EstudosPolíticos e Relações Internacionais e Departamento de Matemática e Estatística da Universidade Nacional daColômbia, Maio de 1999.10 Como se pode observar claramente na Constituição colombiana promulgada em 1991.

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pessoas com critérios morais diferentes podem sentir mútuaadmiração moral; eu caracterizaria desta maneira o pluralismomoral. Não se trata unicamente de que cada qual estabeleça suasprópria regras, e sim que estas regras tenham a suficienteuniversalidade, a suficiente coerência ou uma adequada expressãoestética, para conseguir suscitar admiração de pessoas que têmreferências morais distintas. Durante séculos, para a humanidadenão foi fácil assumir isto ou entendê-lo, e, portanto, podemoscompreender que para uma sociedade contemporânea também sejadifícil de entender.

Pois bem: como conseguir que o pluralismo não se converta emindiferença aos critérios legais? Como evitar que seja assumido como“vale tudo”? A harmonia entre lei, moral e cultura é a situaçãona qual cada pessoa se lec iona moral e cultura lmentecomportamentos, mas os seleciona dentro dos comportamentoslegais; podendo esta opção ser diferente de pessoa para pessoa, decomunidade para comunidade. Dito de outra maneira, não hájustificativa moral para o comportamento ilegal e, se houvesse,então ter-se-iam que reunir uma série de condições. John Rawls,por exemplo, as estuda ao trabalhar sobre desobediência civil(Teoria da Justiça, capítulo VI). Algumas dessas condições consistem,primeiro, em assumir publicamente a violação da lei, estar dispostoa debater publicamente a intenção de quem, por razões morais,viola a lei; e, segundo, estar disposto a reconhecer que o valoroutorgado ao critério moral é tão alto que alguém aceitaria ocastigo legal por violar a lei.

A constituição colombiana prevê que haja respeito à diversidadecultural, à diversidade de crenças, à diversidade de costumes, masdentro do respeito à lei. Dito de outra maneira “viva o pluralismo”,mas não de tal modo que justifique moralmente ou leve a aceitarculturalmente a ilegalidade.

Na sociedade democrática ideal, de um modo que ilustraalgumas épocas na vida de algumas sociedades industrializadasestáveis, os três sistemas de regulamentação do comportamento

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mencionados – lei, moral e cultura – tendem a ser congruentes, nosentido que se explica em seguida. Todos os comportamentosmoralmente válidos à luz do juízo moral individual costumam serculturalmente aceitos (não acontece necessariamente o contrário:existem comportamentos culturalmente aceitos que algunsindivíduos abstêm-se de adotá-los por motivos morais). Por sua vez,o culturalmente permitido cabe dentro do legalmente permitido(aqui tampouco ocorre o inverso: há comportamentosjuridicamente permitidos, mas culturalmente recusados). Nessassociedades, a cultura simplesmente exige mais que a lei, e a moralexige mais que a cultura.

4 . D I V Ó R C I O E N T R E L E I , M O R A L E C U LT U R A

Eu chamei de “divórcio entre lei, moral e cultura” a falta decongruência entre a regulamentação cultural do comportamento esuas regulamentações moral e jurídica, falta esta que se expressa comoviolência, como delinqüência, como corrupção, como ilegitimidade dasinstituições, como debilidade do poder de muitas das tradições culturaise como crise ou debilidade da moral individual11.

Assim chegamos a caracterizar a sociedade colombiana por umalto grau de divórcio entre lei, moral e cultura. O exercíciosistemático da violência, fora das regras que definem o monopólioestatal do uso legítimo da mesma, e o exercício da corrupção cresceme consolidam-se precisamente porque chegam a ser comportamentosculturalmente aceitos em certos contextos. Toleram-se, assim,comportamentos claramente ilegais e, com freqüência, moralmentecensuráveis. Em trabalho posterior subtraiu-se a força que naColômbia tem a regulamentação cultural: “A estabilidade e odinamismo da sociedade colombiana dependem demasiadamente

11 Parágrafo tomado de A. Mockus, “Anfíbios culturales y divorcio entre ley, moral y cultura”. Análisis Político,21, 1994, pp. 37-48. Alguns dos textos incluídos nos numerais 4 e 10 deste artigo foram tomados ou adaptados desseartigo e de A. Mockus “Anfíbios culturales, moral y productividad” em Revista colombiana de Psicologia, 3,1994, pp 125-135.

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do alto poder que nela tem uma regulamentação cultural que àsvezes não se encaixa dentro da lei e leva as pessoas a atuaremcontra sua convicção moral”12.

Outras nações, outros continentes, a própria Europa, atravessaramsituações de crise geradas pelo divórcio entre lei, moral e cultura. Emgeral, foram os Estados nacionais que conseguiram instaurar uma certaordem, privilegiando o legal, e foi com a lei – obviamente com certoapoio da moral e da cultura e, mais especificamente, da religião e daideologia – que se alcançou um alto nível de congruência entre lei,moral e cultura.

Em suma, o divórcio entre os três sistemas se expressa em ações ilegais,mas aprovadas moral e culturalmente; ações ilegais desaprovadasculturalmente, mas moralmente julgadas como aceitáveis; e ações ilegaisreconhecidas como moralmente inaceitáveis, mas culturalmente toleradas,aceitas. E se expressa também em obrigações legais que não são reconhecidascomo obrigações morais ou que, em certos meios sociais, não sãoincorporadas como obrigações culturalmente aceitas.

5 . C U L T U R A C I D A D Ã

O primeiro programa do Cultura Cidadã (95-97) dava ênfase àregulamentação cultural. A regulamentação cultural e sua congruênciacom as regulamentações moral e legal ajudam muito a entender comofunciona o são, o não-violento, o não-corrupto. Tratava-se de reconhecere melhorar a regulamentação cultural da interação entre desconhecidosou entre pessoa e funcionário, contanto que desconhecidos.Posteriormente, houve iniciativas que despertaram interesse sobre aregulamentação cultural das interações na família (por exemplo, naluta contra a violência familiar).

A coordenação entre instituições e a compreensão social do processo,necessárias para obter os resultados alcançados, dependeram muito daapropriação institucional e social da própria idéia de cultura cidadã.Reformas legais recentes (estatuto orgânico de Bogotá, lei de

12 “Anfíbios culturales, moral y productividad”

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planejamento e lei de orçamentos) facilitaram uma apropriaçãoinstitucional da noção e permitiram, assim, dar-lhe, desde o começo, umpapel privilegiado no interior da equipe do governo e perante a sociedade,por via de uma comunicação intensificada (alto interesse dos meios decomunicação, motivado em parte pela novidade dos meios postos em jogo).

A noção de cultura cidadã buscava impulsionar principalmente aauto-regulamentação interpessoal. Subtraiu-se a regulamentação culturaldas interações entre desconhecidos, em contextos como os do transportepúblico, o espaço público, os estabelecimentos públicos e a vizinhança;e subtraiu-se também a regulamentação cultural nas interações cidadão-administração, dado que a constituição da coisa pública dependesubstantivamente da qualidade destas interações.

Definiram-se, assim, os quatro objetivos correspondentes à culturacidadã, principal prioridade e coluna vertebral do plano dedesenvolvimento da cidade:

a) aumentar o cumprimento de normas de convivência;b) aumentar a capacidade dos cidadãos para que levem outros ao

cumprimento pacífico de normas;c) aumentar a capacidade de concentração e de solução pacífica

de conflitos entre os cidadãos;d) aumentar a capacidade de comunicação dos cidadãos (expressão,

interpretação) por meio da arte, da cultura, da recreação e do esporte.O pluralismo moral e o cultural não deveriam significar

relativismo dissolvente. Para que não sejam traduzidos como um“vale-tudo”, é necessário relacionar de outra maneira a auto-regulaçãoindividual e a(s) auto-regulação(ões) coletiva(s): que os outros tenhamregras parcialmente distintas às minhas, de nenhuma maneirasignifica que eu possa ou deva negligenciar as minhas. Se reconheçoa legitimidade de outras tradições culturais, nem por isso devo debilitarmeu interesse por elaborar e intensificar minha preferência por umatradição específica.

Com as ações organizadas em torno da idéia de cultura cidadã,buscou-se identificar algo desse piso comum, desse conjunto de regrasmínimas, básicas, compartilhadas, que deveriam permitir desfrutar adiversidade moral e cultural.

O programa Cultura Cidadã incluiu múltiplas ações de educação

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cidadã marcadas por uma filosofia comum. Demandou muitacooperação interinstitucional e multissetorial, principalmente na fasede concepção e em ações de resposta a contingências não previstas.Seu custo total, durante os três anos, 95-97, foi de aproximadamente130 milhões de dólares (3,7% do orçamento de investimento para acidade). O Cultura Cidadã e a filosofia expressa em seus objetivosforam também a inspiração de muitas das ações do governo, não-planejadas e surgidas como resposta a situações imprevistas. Aconsistência entre as duas partes da agenda de governo – a planejadae a improvisada – contribuiu muito para a assimilação social doconceito. As ações executadas em matéria de Cultura Cidadãcontinuam sendo, local e nacionalmente, reconhecidas como aprincipal realização desse governo.

Um elemento crucial para multiplicar o efeito das ações do CulturaCidadã foi sua altíssima visibilidade perante a sociedade, conseguida, emboa parte, pelos meios massivos de comunicação. Não com campanhaspagas, e sim com formas novas, atrativas, de alto impacto visual oupsicológico. Em particular, nos conflitos que se apresentaram com ostaxistas, com os empresários de ônibus, vans e coletivos e com o própriogoverno nacional, a propósito do desarmamento, quanto mais oportuna,sincera e franca foi a comunicação, mais resultados favoráveis foramalcançados. Talvez o caso com maiores limitações na comunicação, o dodesarmamento pela via jurídica, tenha sido também o dos maiores tropeços.

Em três das mudanças de comportamento assinaladas (ver quadrode Resultados do Cultura Cidadã) contava-se com indicadoresatualizados que permitiam uma avaliação freqüente das açõespraticadas e a comunicação via-se muito marcada pela evolução dosindicadores13. O caso mais detectado foi a economia de água durantea crise de abastecimento em 199714. Muitas das ações do CulturaCidadã foram apresentadas como ações preventivas e, portanto,

13 Teve crucial importância a informação sobre armas e sobre álcool ministrada pelo Instituto Nacional de MedicinaLegal. Foi muito útil a cooperação interinstitucional na análise das causas da violência, na promulgação de medidase na coordenação detalhada das ações de aplicação (“enforcement”). Desarme, economia de água, restrição à pólvoraforam ações construídas, aperfeiçoadas e convalidadas graças a indicadores.

14 Levar a sério o convite à economia em vez de fazer o convite formalmente só para justificar,

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aclimataram medidas justificadas, como as de redução de riscos,rompendo com as posições segundo as quais os indivíduos sãototalmente livres para assumir riscos.

Muitas vezes, teve um papel crucial a combinação entre opiniãopública sensível, franqueza radical e uma metodologia elementar deregulamentação da comunicação. Quando a comunicação seintensifica, há, obviamente, o perigo de dissolver certas ambigüidadescômodas e gerar uma percepção crua de regras, hierarquias econcorrências. Mas a sinceridade produziu quase sempre melhorresultado que a tradicional diplomacia (mal-entendida). Dizerclaramente o que se podia e o que não se podia e recordar, com precisão,as rivalidades foram ferramentas de uso cotidiano.

Resultados do Cultura Cidadã em Bogotá (1997-2001)

• Redução da taxa de homicídios de 82, em 1993, para 35, em2000, a cada 100.000 habitantes, uma diminuição de mais de 50%nos últimos sete anos. Uma série de medidas relacionadas comos três tipos de regulamentações teriam influenciadoconsideravelmente: “lei cenoura” (limitação do horário defuncionamento de bares e discotecas e venda de bebidas alcoólicasaté uma hora da madrugada, medida adotada também em outrascidades colombianas e equatorianas); desarmamento (legal evoluntário), centros de mediação, capacitação da polícia, com aentrega voluntária de mais de 1.500 armas. No mês em que serealizou a entrega voluntária de armas, a taxa de homicídiosreduziu-se em 26%: recolheu-se somente 1% das armas, mas amensagem, que significa dispor unilateralmente da arma, teveum efeito significativo. 45.000 pessoas participaram da

depois de dois dias, o racionamento, não aceitar a pressão jornalística para centrar a notícia nas sanções previstas paraquem não economizasse água, verificar que existia a vontade de economizar e que havia de ajudar com informaçãoe metodologias para a mudança de hábitos foram alguns dos marcos desta campanha que permitiu manejar, duranteaproximadamente quatro meses, a emergência.

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“vacinação” contra a violência familiar: uma breve e intensaoficina com o apoio de psiquiatras e psicólogos, útil para detectarcasos que requerem atenção profissional, para divulgar a ofertainstitucional de atenção e para compreender o quanto a violênciatem de doença.• Redução de mortes em acidentes de trânsito de 1.387, em 1995,para 834 em 2000. A este respeito teve uma grande influência ofato de que a Polícia Metropolitana encarrega-se do trânsito nacidade, medida que também conduziu à erradicação do costumede pagar suborno para evitar as multas de trânsito.• Redução de dois terços no número de crianças queimadascom pólvora.• Avanços notórios na recuperação e respeito ao espaço público.• Economia voluntária de água entre 11% e 14% poremergência, durante vários meses, com economia residualestimulada pela estrutura tarifária (o consumo mensal médiodas famílias acabou baixando de 27 para 20 m³, permitindoprorrogar a custosa construção de novas represas por mais dequinze anos).• Interrupção da relação clientelista entre Governo e Conselho.A busca conjunta de uma relação legal, moral e culturalmentedefensável levou ao império do intercâmbio rigoroso deargumentos, onde, outrora, eram comuns os favores (nomeaçõese contratos).

Algo que também teve importância nesta primeira versão do programaCultura Cidadã foi assumir o conflito como tendo sido causado ou agrava-do por limitações na comunicação. Em um congresso de sociólogos, ao qualme convidaram, em 1993, apresentei uma conferência cujo título era A vio-lência como forma de comunicação. Consistia em tomar as idéias de JürgenHabermas, sua teoria da comunicação, para mostrar que uma pessoa violen-ta é alguém que escolhe certa linguagem, e que poderia ser do interesse dasociedade convidá-lo a escolher outros instrumentos de comunicação. Mostra-va-se, então, que parte das funções comunicativas da violência podem serexercidas de outra maneira. Dito de outro modo, se certas formas de violên-

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cia não tivessem a repercussão comunicativa que têm, seriam muito poucoatrativas. Na maioria dos casos, poderia ser dito que não há violência física,principalmente pública, que não esteja acompanhada da pretensão de comu-nicar algo. Concluímos, assim, que o conflito podia ser causado ou agravadopor limitações na comunicação e, portanto, que a comunicação e a interaçãointensificadas podiam reduzir o divórcio entre lei, moral e cultura15. Umamaneira de entender isso foi reconhecer que, nas situações de conflito, pode sermais útil o intercâmbio de argumentos do que as negociações. Concluiu-se quea relação direta, cara a cara, podia dissuadir da violência. Em Obedience toAuthority, uma pesquisa de Stanley Milgram, realizada na Universidade deYale, mostra-se que é mais fácil jogar uma bomba atômica a dez mil metros dealtura que ferir uma pessoa cara a cara. Isso não é uma garantia, mas foi umapista que seguimos: novas formas para expressar inconformismo, como a agres-são simbólica, podem ser de grande utilidade.

Em suma, a estratégia do Cultura Cidadã buscou fortalecer aregulamentação cultural e a regulamentação moral. Buscou aumentar acongruência e a eficiência complementar dessas regulamentações entre si ecom a lei. Procurou – e muitas vezes conseguiu – debilitar a legitimidadecultural ou moral de ações contrárias à lei. Buscou também comunicar (oureconstruir em um ambiente de comunicação) as razões de ser e asconveniências da regulamentação legal.

6 . P E S Q U I S A C O M J O V E N S S O B R E C O N V I V Ê N C I A C I D A D Ã

Na pesquisa com jovens de 9ª grau, em Bogotá, as respostas de umaamostra de 1.400 jovens a mais de 200 perguntas foram analisadas,utilizando as técnicas de análise de correspondências múltiplas. Napesquisa, a convivência foi inicialmente descrita como a combinação deobediência a regras, capacidade de celebrar e cumprir acordos e confiança.A obediência a regras especificou-se em maior detalhe como obediência

15 Esta era, de fato, a moral do primeiro trabalho acadêmico sobre o tema, realizado por Clara Carrillo, sob a minhadireção, em 1991 na Universidade Nacional (Carrillo Fernández, Clara, “La interacción en la reconstrucción delegalidad y moralidad”, monografia, Departamento de Filosofia, Universidade Nacional, Bogotá, 1991).

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a três tipos de regras: legais, morais e culturais. Procurou-se averiguar oque acontecia quando havia tensão entre esses sistemas reguladores equão tolerantes eram os jovens com o pluralismo moral e cultural.

Quisemos submeter a um contraste e a um refinamento empíricoo ponto de vista inicial. Utilizamos um instrumento de mais de 100perguntas (algumas delas com 40 subperguntas). A análise decorrespondências múltiplas nos permitiu identificar os grupos derespostas que melhor se prediziam umas às outras. Obviamente, osresultados estão muito marcados pelas perguntas iniciais. No entanto,a reflexão se vê exposta a resistências e, às vezes, ao caráter contra-intuitivo de conclusões que derivam dos dados16.

Uma maneira de aproximarmo-nos à teoria que há por trás deambas as concepções, de intervenção, em Bogotá, e da pesquisa sobreconvivência entre jovens, é por intermédio do seguinte quadro. Nele,distinguem-se várias dimensões ou conceitos, os quais, por sua vez,desagregam-se nas denominadas variáveis primárias.

QUADRO 1 . Conceituação inicial para a pesquisa sobreconvivência17

16 Mais adiante se apresentam alguns exemplos de resultados inesperados.17 Serv iu de base para e laborar o ques t ionár io com o qual s e ad iantou a pesqui sa empír i ca .A comparação com os resultados da análise de correspondências múltiplas leva a uma simplificaçãoe hierarquização (ver os quadros com o titulo: Quadro 2. Sete caminhos para a convivência).

Descrição Desagregação em dimensõesConvivência Integra indicadores sobre • Apego a regras

acordos, regras (morais, • Harmonia de lei, moral elegais e culturais), confiança culturae não–assimetria. • ConfiançaIndicadores de não-violência. • Capacidade de celebrarServem como variável e cumprir acordosde contraste. • Gratificação

• O outro não é muito diferentede mim mesmo (baixa assimetria)

• Não usar nem receberviolência ao resolver problemasou celebrar acordos (baixa

“violência”, dimensãode contraste

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Dimensão ou Descrição Desagregação em subdimensõessubdimensão ou variáveis primáriasApego a regras Acatamento à lei, à moral e • Regulamentação legal,

à cultura e valorização moral e culturaldas regras • Atitude diante das regras

Regulação Obediência de cada qual à sua • Intensidade da regulaçãomoral consciência , “maioridade” moral

moral. Tenta incorporar uma • Cumpro regras por razõesaproximação ao grau de moraisdesenvolvimento moral. • Os demais cumprem regras

por razões morais• Cumpro acordos por razões de consciência• Os demais cumprem acordos

por razões de consciências• A moralidade regula a ação

conforme a lei• Grau aproximado do

desenvolvimento moralRegulação Obediência às regras sociais • Intensidade dacultural do meio ou do grupo e regulação cultural

compatibilidade dessas regras • Pluralismo culturalcom a lei e consciência pessoal • A cultura regula a ação

conforme a lei• Regulamentação cultural

compatível com a moralidadeRegulação Força da lei e lei percebida • Intensidade dalegal como um acordo regulação legal

• Perceber a lei como umacordo

Harmonia Consistência, não-conflito entre • A moral regula a açãoentre lei, mo- lei e o que é aceito ou conforme a leiral e cultura18 imposto pela regulação • A cultura regula a ação

cultural e/ou moral conforme a lei• Regras culturais compatíveis

com a moral pessoal• Pluralismo

18 Mockus, A. (1999) Armonizar ley, moral y cultura. Cultura ciudadana, prioridad de gobierno con resultados enprevención y control de violencia en Bogotá, 1995-1997. Publicado na página web do Banco Interamericano para odesenvolvimento: www.bid.org.

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Dimensão ou Descrição Desagregação em subdimensõessubdimensão ou variáveis primáriasPluralismo Tolerância à diversidade em • Pluralismo moral

assuntos de consciência • Pluralismo culturale de tradição cultural

Confiança A confiança interpessoal • Os outros confiam emoutorgada e recebida mim, eu confio nos outros

• Confiança nas instituições• Confiança nas autoridades• Para chegar a acordos,

ambas as partes conquistaramconfiança

Capacidade Disposição e capacidade para • Orientação para acordosde celebrar construir acordos e procurar • Cumpro acordos por razõese cumprir cumpri-los. Resolver problemas de consciênciaacordos através de acordos • Os demais cumprem acordos

por razões de consciências• Busco acordos vantajosos

para mim• Busco acordos vantajosos

para os outros• Orientação pessoal

nos acordos• Orientação objetiva

nos acordos• Cumpro acordos

de bom grado• Os demais cumprem acordos

de bom grado• Perceber a lei como acordo

Gratificação Atribuição de maior força • Cumpro regras e acordosreguladora a recompensas de bom gradoque a punições • Os demais cumprem regras

e acordos de bom gradoAssimetria Diferenças entre percepção de • Eu me governo mais por

si e percepção que alguém consciência, os demais setem dos demais governam mais por lei ou

cultura• Eu me governo volunta-

riamente, os demais não

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A pesquisa permitiu detectar as seguintes características, bastantegeneralizadas na população (as duas primeiras e a quarta foramconfirmadas em aproximadamente uma centena de oficinas no país):

1. Eu me guio pela minha consciência, os demais pela lei e pela cultura.2. Eu entendo coisas de bom grado, os demais não.3. Pluralismo tende a ser igual ao “vale tudo”.4. mais valioso é a “família” (resposta mais freqüente à pergunta

qual é seu maior orgulho?).Nas duas primeiras características, evidencia-se uma assimetria na

percepção que os jovens de Bogotá têm (e possivelmente os colombianosem geral) de seus companheiros. A assimetria entre a autopercepção ea percepção que se tem dos demais poderia ser corrigida por meio dorespeito: respeitar é, por etimologia, olhar novamente, voltar a olhar econsiderar com atenção. É como um primeiro momento do

Dimensão ou Descrição Desagregação em subdimensõessubdimensão ou variáveis primárias

• Assimetria diante do uso daviolência: inflijo mas nãorecebo violência e vice-versa

• Assimetria perante o nãocumprimento de acordos:eu exijo o cumprimentodos demais, mas eu nãocumpro

• Os demais confiam emmim, mas eu não confionos demais

Violência Uso ou invocação de violência • Acordos atingidos comna solução de problemas ou ameaça de violênciacelebração de acordos • Problemas resolvidos

por meio de violência ouameaças de violência

• Violência física recebidae/ou infligida

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reconhecimento. Pode haver um elevado grau de respeito numasociedade em que as hierarquias são muito marcadas. Igualmente,pode-se imaginar a importância, nas circunstâncias mais recentesde sociedades como a colombiana (em que avançaram asecularização e a democratização, houve progressos notáveis emeqüidade de gênero e no acesso a oportunidades educativas), dorespeito igualitário, do respeito entre semelhantes. A noção decidadania é inseparável deste respeito entre iguais. Onde hácidadania, qualquer encontro entre desconhecidos é, antes de maisnada, um encontro entre cidadãos. Ver o outro como um semelhanteem sua relação com as três regulamentações, acreditar que se pode,como os demais, entender, sem restrições, constituem as bases deum respeito cidadão. Completar a transição do “respeito baseadoem hierarquias” para o “respeito baseado na consciência deigualdade”, comparável a uma mudança radical de paradigma, seriaum dos desafios centrais da construção da convivência. Respeitar odesconhecido, atribuir-lhe, desde o começo, qualidades de sujeitoanálogas às próprias, é um suporte crucial da convivência.

No questionário, também incluímos perguntas sobre violência.“Lembre-se do acordo mais importante que você fez nos últimos meses,faça um breve resumo, e agora responda às seguintes perguntas (....):utilizou ou sofreu violência?” De um modo similar: “na solução doproblema mais importante que teve nos últimos meses, sofreu, infligiuou ameaçou com violência ou foi ameaçado com violência?” E tambémuma pergunta mais genérica: “você sofreu violência na infância ou emalguma época de sua vida? Em que época e por parte de quem?” Masesta parte do questionário não foi incluída nos indicadores deconvivência, já que seria utilizada mais tarde como contraste. A teoriaera: a convivência consiste em seguir regras, em celebrar e cumpriracordos e em gerar e reproduzir confiança; confiar nos demais econseguir que o cumprimento de regras e acordos dê um feedback àconfiança. Era uma teoria positiva da convivência; não se definia aconvivência como não-violência. Uma vez consolidado o trabalhoestatístico, as variáveis da violência foram cotejadas com os resultados,para saber quais fatores estavam relacionados com a ausência de

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violência (e em que grau).

7 . R E S U LT A D O S D A P E S Q U I S A

Os dois principais fatores para a convivência foram a capacidadede celebrar e cumprir acordos e o respeito à lei. No entanto, o respeitoà lei predisse melhor a ausência de violência infligida pelo jovem oucontra o jovem. Esta pesquisa influenciou para que, na segunda versãodo programa Cultura Cidadã, fosse maior a ênfase em culturademocrática, especialmente em apreciar o bom, apreciar as normas eos procedimentos democráticos para decidir.

Concluímos que, para a convivência, os acordos são maisimportantes que as regras, e, nestas, é muito importante a harmoniaentre lei e cultura. A pesquisa confirmou que a mudança cultural, maisque a mudança do critério moral, podia influenciar o melhoramentoda convivência. É óbvio que as perguntas estavam influenciadas pelateoria, ou seja, não é uma prova contundente, é o argumento de umadiscussão. Na América Latina, há uma corrente de conscientização e,de certa maneira, o enfoque do Cultura Cidadã evidencia que “deconsciência estamos bem”. Talvez o difícil seja obter hábitos ecomportamentos congruentes com o que se tem claro na consciência.Todos sabem que não deveríamos matar, mas, culturalmente, é maisum tema de regulamentação externa.

O resultado final foi: se olharmos a convivência de um ponto devista positivo, o que melhor a prediz é a capacidade de celebrar ecumprir acordos. E se olharmos do ponto de vista da violência, daurgência de reduzir a violência, o mais importante é aprender arespeitar e seguir regras, especialmente a lei.

Assim, por exemplo, um resultado inesperado foi a coincidênciaem um mesmo fator da regulamentação cultural e o argumentoutilitário. A resposta: “é justificável violar a lei quando há grandeproveito econômico” coincide muito com “é justificável violar a leiquando é de costume” ou “quando os demais o fazem”. Ao menosneste momento histórico, para os jovens de Bogotá escolarizados,

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poderia ser dito que a regulamentação cultural resume os aprendizadosutilitários, mas não se os contrapõe. Hoje, o costume não é uma barreiracontra o utilitarismo, como pode ter sido em outro momento. Outrosexemplos de resultados contra-intuitivos: a confiança não seapresentou como um importante prognóstico de convivência (comexceção da resposta “quando celebro um acordo confio em que aoutra parte o cumprirá”). Era de se esperar que a convivência setraduzisse como confiança: a obediência a regras e acordos gerariaconfiança e, por sua vez, a confiança geraria maior adesão às regras eaos acordos. Mas confiantes e desconfiados convivemaproximadamente da mesma forma, pelo menos na populaçãoestudada.

Há outro resultado derivado da análise estatística de respostas auma pergunta clássica em ciências sociais: “você aceitaria, como vizinhas,pessoas de distinta religião, de regiões distintas, de nacionalidadedistinta, gente com o vírus da Aids, pessoas indigentes ou indígenas?”Entram, assim, uma quantidade de categorias com o fim de estabelecerquão tolerante é a pessoa. Nessa mesma pergunta, incluíram-se tambémos corruptos, narcotraficantes, guerrilheiros e paramilitares. Tínhamosa esperança de obter dois pluralismos, mas obtivemos um só: o jovemque tolera indígenas e portadores do vírus da Aids como vizinhos,tende a tolerar também os narcotraficantes, guerrilheiros, paramilitarese corruptos.

O pluralismo tornou-se um “vale tudo”. No entanto, o maravilhosoda invenção da lei escrita, de todos os processos para debater as leisdurante sua formação e das garantias constitucionais das minorias, éque tudo isso existe para proteger o pluralismo, mas não até o pontode torná-lo um axioma que impede a própria vigência do quadroconstitucional.

Ao contrastar os dados obtidos sobre o pluralismo com as variáveisde violência, pôs-se em evidência a relação direta entre dois fatores:apesar da tendência de ver a tolerância como um “vale tudo”, a pessoaintolerante tem uma probabilidade ligeiramente maior de utilizarviolência ou ser vítima dela.

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Em termos de seu menor grau de associação com a violência épreferível o descuido total em acordos (dificuldade para celebrá-los,cumpri-los ou até reconhecê-los) do que aquilo que chamamosanteriormente de “ordem sem lei”, caracterizada como o gosto pelasnormas acompanhado do desconhecimento da lei por razões culturais.

QUADRO 2. Sete caminhos para a convivência

Cinco caminhos, ordenados por importância decrescente por suasuposta contribuição para a redução da violência:

C2: Nomia *: acatar a lei acima de sua utilidade imediata e docostume (acatar à lei mesmo que às custas dos resultados) ebuscar formas lícitas de inovar.

C3: Adesão à lei: admirar os avanços da lei nacional ou local,gostar das normas e ser capaz de acatar à lei mesmo que entreem tensão com as convicções morais.

C5: Ordem, porém com lei e superação da negligência com osacordos: harmonizar normas legais e culturais e aprendera cultivar acordos.

C4: Pluralismo: tolerar a diversidade.C1 Fazer acordos: aprender a celebrar e cumprir acordos

e, especialmente, a reparar acordos não cumpridos.

Dois caminhos adicionais correspondentes a aspectosproblemáticos encontrados de maneira quase geral na população

C6: Respeito igualitário: romper a assimetria, chegar a respeitaro outro como a um semelhante; ver a semelhança entre um eoutro (ambos somos basicamente autônomos e buscamosconstruir harmonia entre nossa moral e a lei, ambosentendemos basicamente de boa vontade).

* Sic (N. do T.) Salvo C6 e C7. De fato, não foi analisada empiricamente a influência potencial de C6e C7 sobre violência sofrida ou infligida. Para os outros cinco, sim, foram detectadas correspondências.

* Sic (N. do T.)

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C7: Cultura democrática para um pluralismo viável: aprendera resolver mediante procedimentos democráticos as tensõesentre moral e lei e conseguir a primazia da lei sobre culturae a moral necessária para um pluralismo viável (“não umvale tudo”).

8 . T O L E R Â N C I A À P L U R A L I D A D E D E P R O J E T O S

Conviver é também compartilhar os sonhos ou, ao menos,conseguir ter sonhos compatíveis. Os sonhos podem provir do passado,portanto dotados de autoridade, ou podem nascer de processoscontratuais, de acordos reconhecidos como tais. De algum modo, asartes, e especificamente as emoções morais que as artes suscitam, ajudama transmitir e expressar sonhos compartilhados.

A autoridade do sonho herdado – o que vem do passado – seexpressaria também como regulamentação cultural, como efeitoobrigatório de caminhos e limites já decantados por tradição.

Assistimos à ampliação do poder da idéia de “projeto” e, no marcodessa ampliação, à crescente disponibilidade dos mais diversos aspectosda natureza e da vida humana. Não mais uma disponibilidade globalassociada a heranças messiânicas, e sim uma disponibilidade localizada,muitas vezes gradual.

Outra vez, inevitavelmente, diante da indeterminação associada àexistência simultânea de vários projetos (sua discussão, a variação desua força empiricamente derivada de seus êxitos ou fracassos), a lei écentral, ao formular definições claras dos comportamentos aceitos. Alei também cumpre a função de fechar caminhos.

Para algumas sociedades, em que a convivência não estáassegurada, a visão de futuro defensável para alguns consistiria emuma sociedade com muitas visões de futuro (“uma sociedade em quecada um tenha sua visão de futuro”, propôs alguém em uma oficinade construção de visão compartilhada de futuro). O projeto consisteem favorecer a coexistência de muitos projetos. Pois bem, os projetossão expressão de vontade e de poder. A luta entre projetos volta a seruma luta contra a violência, contra a exclusão e, inevitavelmente,

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passa por um acordo mais ou menos geral, ao menos majoritário,sobre as regras – para que coexistam diversos projetos. A gestação e asobrevivência desses diversos projetos encontram uma de suas maisimportantes garantias nas leis, mas, simultaneamente, dependemmuito de costumes (como o do debate, ou a concorrência limpa entreorganizações).

Qual é a autoridade do sonho comum construído medianteum processo deliberado que tinha expressamente esse fim? Nãoo sabemos exatamente, mas há muitas metodologias em voga quese baseiam neste tipo de construção conjunta do sonho comum.Não sabemos se de qualquer visão de futuro assim construídapossam ser derivados os caminhos da convivência identificados:acatar a lei por cima da utilidade imediata e do costume, gostardas normas, valorizar a lei e acatá-la, ainda que por cima dasconvicções morais, ver o outro também como sujeito moralautônomo e aprender a tentar mudar democraticamente a leiquando ela vai contra nossas convicções morais, harmonizarnormas legais e culturais e proibir o descuido com os acordos,aceitar contato cotidiano com a diversidade e aprender a celebrare cumprir acordos e a repará-los. Ao menos parte desses caminhosresultam, tácita e praticamente aceitos, no procedimento seguidopara construir essa visão compartilhada.

9 . A L G U M A S C O N C L U S Õ E S

A convivência pareceria depender principalmente do chamado“império da lei”. No entanto, o principal não é exatamente a lei: é acongruência entre a regulamentação cultural e moral e a lei. O que importasão as justificativas para obedecer ou para desobedecer à lei, ou o exemplodos demais, ou o costume, ou o único meio para alcançar o objetivo. Assim,a centralidade não está posta exatamente na lei, e sim no acompanhamentoà lei a partir da cultura e da moral. É justo onde há lei que não lhe bastasua própria força, onde para conseguir convivência faz-se indispensável orespaldo de tradições e/ou transformações éticas ou culturais. Cada vezque se legisla deveria se iniciar um processo (preferivelmente voluntário)

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de mudança cultural e moral. Para isso, a lei que nasce deve, ao menospara uma maioria de cidadãos, parecer justa.

A cultura expressa-se no costume, principalmente na medida emque o costume tem autoridade. O costume vale como expressão dacultura, especialmente quando “obriga” supra-subjetivamente, quandoexpressa autoridade gerando sentido e sentimento de obrigação.

Essa autoridade da cultura, ao menos em parte, é deslocada peladisponibilidade técnica associada ao projeto. Cada vez mais podemosrepresentar, conhecer e esquematizar – e, portanto, sonhar emconfigurar de maneira técnica – até os aspectos mais sagrados ouíntimos da reprodução cultural. A reprodução econômica quismodificar-se significativamente a partir de mudanças em uma só desuas dimensões (a propriedade dos meios de produção) e esquecendosua relação com a reprodução cultural. Os sonhos mais inspirados,que apontavam para coletividades moral e culturalmente mais próximasa certos ideais, também inspiraram e ainda podem inspirartotalitarismos como o fascismo alemão ou o stalinismo; isso nos tornoumais modestos. Porém claramente os desafios da convivência sãotambém os desafios de compreender mais (e transformar maiscuidadosamente) as relações entre a reprodução econômica e areprodução cultural. A reprodução e a educação poderão algum diaser transformadas simultânea e congruentemente? Muitas sociedadesjá avançaram na construção de um quadro cultural que, de maneirasustentável, aclimata, impulsiona e confere sentido à produtividade.

Em síntese, a construção de uma conceituação positiva daconvivência guiada por uma reflexão sobre regras e acordos, e portentativas de modificar, na prática, alguns comportamentos de cidadãosem Bogotá, foi submetida a um contraste empírico com 1.400 jovensda mesma cidade. Por sua importância para o conceito positivo daconvivência e por sua capacidade para predizer a não-violência,destacaram-se duas dimensões:

• Acatar a lei acima da utilidade imediata e do costume;• Gostar das normas e obedecer à lei, ainda quando entra em

conflito com as convicções morais e admirar os avanços da leinacional ou local.

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Aprender a celebrar e cumprir acordos e, especialmente a repararacordos não cumpridos ou chegar a respeitar o outro como a umsemelhante; ou aprender a resolver mediante procedimentosdemocráticos as tensões entre moral e lei, não foram variáveis tãoimportantes para a redução da violência, mas o foram, sim, na horade caracterizar positivamente a convivência.

1 0 . P O S T D A T A : D A T O L E R Â N C I A R E L I G I O S A ÀA T R A Ç Ã O P E L A D I V E R S I D A D E , O S “ A N F Í B I O SC U L T U R A I S ”

A tolerância perante a diversidade foi se transformando em umentusiasmo pela diversidade e em uma consciência crescente de quesob algumas condições , cu jo exame fo i o obje t ivo pr inc ipal dopresente trabalho, a diversidade é uma fonte de riqueza humanaque pode ser aproveitada de maneira fértil e sustentável. Quando adiversidade cultural é simplesmente conservada, transforma-se emriqueza inexplorada. É fundamental que ao lado da preservaçãodas diferenças se desencadeie ou se acentue o contato, o diálogo, ointercâmbio, a fertilização cruzada.

Em contextos culturais diversos, rege-se sistemas de regrasdiversos. “Anfíbio cultural” é quem se desenvolve em diversoscontextos, como camaleão, e, ao mesmo tempo, como intérprete,possibilita uma comunicação fértil entre eles, ou seja, transportafragmentos de verdade (ou de moralidade) de um contexto a outro.O “anfíbio cultural”, camaleão e intérprete, facilita o processo deseleção, hierarquização e tradução necessário para a circulação dariqueza cultural.

Para isso parece necessária uma harmonia como a descrita entreos sistemas reguladores – lei, moral e cultura – compatível com opluralismo moral e cultural. Talvez a continuação da construçãodo projeto de uma humanidade interessada, entusiasmada por suadiversidade, mas também interpelada por ela, seria ajudada pelapresença do “anfíbio cultural” – seja como identidade generalizadada humanidade, seja como uma grande coletividade transnacional,

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seja como figura excepcional, ou como figura ideal nuncaplenamente realizada.

A integração do fundo moral de diversas tradições facilita açõesdo “anfíbio”, nas quais moralidade e cultura se coincidem e seexpressam com pureza ou perfeição exemplar, demonstrando a atoresde distintas culturas a possibilidade e a fertilidade do que, em outrosmomentos, poderia ser percebido como contaminação. O “anfíbio”,enquanto tece nexos e facilita processos de reconhecimento deelementos de unidade humana no próprio mosaico da pluralidadede tradições e projetos, pode ser visto como uma espécie deintegrador moral da humanidade.

O mútuo conhecimento –com capacidade de se envolver morale culturalmente, tal como o tenta descrever a figura do “anfíbiocultural” – parece ser condição para tornar mais viável e fértil acoexistência do culturalmente diverso.

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A EDUCAÇÃO PARA APRENDER A VIVER JUNTOS:

UMA ANÁLISE CRÍTICA DA PESQUISA COMPARADA 1

Aaron Benavot *

1 . R E F L E X Õ E S I N I C I A I S

A expansão educativa e os programas escolares transformaram-sena panacéia moderna para abordar os problemas sociais (freqüentementedefinidos como “desafios”). Para facilitar o crescimento econômico e acompetitividade tecnológica, os países voltam-se para o ensino damatemática, das ciências e da informática. Para combater o desemprego,ressaltam a formação para o emprego e as capacidades profissionais

1 Uma análise crítica da pesquisa comparativa em educação, in Perspectivas, vol XXXII, no 1, março 2002. Umaversão anterior deste artigo foi apresentada em um seminário especial intitulado “Temas curriculares sobre a convivência”,auspiciado pela UNESCO:IBE, a Faculdade de Educação da Universidade de Genebra e a Unidade de PesquisaEducacional, do Departamento de Educação, cantão de Genebra, de 3 a 4 de setembro, de 2001. Fragmentos deste artigotambém foram lidos durante o debate principal do painel 1, na 46º Sessão da UNESCO, da Conferência Internacionalde Educação intitulada “A educação para todos para aprender a viver juntos”, Genebra, Suíça, 5 a 8 de setembro, de2001. Gostaria de agradecer a Francisco Ramírez, Tamar Rapoport, Ronald Sultana e John Meyer por seus valiososcomentários.* Palestrante, decano em sociologia na Hebrew University de Jerusalém. Anteriormente, foi professorassistente na Universidade da Geórgia (Estados Unidos). É co-autor de dois livros – School Knowledegefor the Masses (com John Meyer e David Kamens) e Law and the shaping of public education (comDavid Tyack e Thomas James) –, assim como, de numerosos artigos nas principais publicações emsociologia da educação e educação comparativa. Em suas pesquisas analisou os modelos dosplanos oficiais de estudo, os efeitos da educação no desenvolvimento econômico e na democratizaçãoe as origens e expansão da educação de massas. Correio eletrônico: msbenavoamscc.huji.ac.il

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adequadas. Para diminuir as altas taxas de natalidade, os países menosdesenvolvidos ampliam as oportunidades educativas para as mulheres ecriam cursos de planejamento familiar e de sexualidade humana. Parafortalecer a integração nacional, os países destacam as línguas, a históriae a geografia nacionais. Para lutar contra a deterioração do meioambiente, criam cátedras de ecologia ou de estudos para o meio ambiente.Para potencilizar o compromisso moral e a orientação ética de seuscidadãos, ressaltam a educação religiosa, a educação moral ou os estudossociais. Para aprofundar a consciência dos princípios democráticos eaumentar a participação política, promovem a educação cívica. Paralidar com as conseqüências da globalização (a transformação dos lugaresde trabalho, as novas tecnologias, o auge do conhecimento e adiversificação das fontes de informação), os países fomentam os temasinterdisciplinares, inculcam “novas” habilidades e competências, abordamtemas de diversidade cultural e apóiam a formação permanente. Empoucas palavras, a educação transformou-se em um paliativo universal,um elixir que, tomado em doses regulares segundo as prescriçõesestabelecidas, poderia solucionar um acúmulo de males nacionais e dedesafios para a sociedade.

No entanto, a pesquisa comparativa em educação não corroboraeste quadro geral, para não entrar em detalhes. Para a maioria dasdemandas mencionadas acima, existe um corpo muito limitado depesquisas e muitas de suas conclusões têm uma importância poucoclara e/ou uma validade duvidosa. Entre os poucos resultados denatureza social que podem ser conferidos às análises comparativas(desenvolvimento econômico, participação da força de trabalho,fertilidade, participação política), costumam ser deixadas de lado provasque corroborem os supostos poderosos efeitos da educação nodesenvolvimento (ver, por exemplo, Bledsoe et al., 1999; Fuller &Rubinson, 1992; Chabbot & Ramírez, 2000; Kerckhoff, 2000). Noentanto, apesar do caráter não conclusivo das pesquisas atuais e, aindamais importante, independentemente das provas científicasapresentadas, os argumentos otimistas e as configurações das políticasque vinculam a educação formal e os conteúdos dos programas deestudo a resultados sociais desejáveis transformaram-se em um traço

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predominante da paisagem educativa mundial (Chabbott, 1996). Paraas instituições educativas internacionais, para os ministérios nacionaisde educação, para os analistas das políticas e para os especialistas emeducação, a escolarização chegou a ser concebida como a soluçãoadequada para um acúmulo de problemas sociais. Mesmo que narealidade a escolarização resulte ou não nos benefícios supostos, a idéiade que a educação é crucial para alcançar importantes objetivoseconômicos, políticos e sociais difundiu-se para todos os lados einstitucionalizou-se, cada vez mais, em âmbito mundial.

Dada esta situação de desequilíbrio, é justo perguntar-se comodeveriam responder as organizações internacionais orientadas pelaspolíticas que participam nos assuntos educativos. Deveriam,independentemente das limitadas provas das quais dispomos, seguiradiante com sua função de defesa dos direitos e promover a expansãoescolar e os programas de estudo “modernos”? Ou deveriamestimular pesquisas comparativas mais rigorosas? Ou desenvolver umaatitude mais crítica – inclusive céptica – em relação às políticaspreponderantes, assim como em relação aos projetos e às reformaseducativas “inovadoras”?

Mais especificamente, já que o currículo é um elemento tãocentral na experiência escolar, cada vez mais, prolongada dos jovensem todo o mundo: que perguntas relacionadas aos conteúdos dosprogramas deveriam ser suscitadas e debatidas? Como a pesquisacomparativa pode contribuir com esse debate? Por exemplo, é sinalde realismo acreditar que os programas escolares são criados eelaborados como respostas eficazes aos “desafios” da globalização?Podem os conteúdos curriculares, isolados das mudanças que ocorremparalelamente nas famílias e nas comunidades, gerar e sustentar nosjovens atitudes de empatia, tolerância e, inclusive, respeito em relaçãoao “outro” ou ao “estrangeiro”? Podemos esperar que os programasescolares facilitem o entendimento mútuo e a coexistência entrecomunidades, países e civilizações cultural e religiosamente diversas?Como poderia se avaliar o impacto dos currículos sobre os alunosindividuais, nas comunidades ou no conjunto da sociedade, seja a curtoou a longo prazo, e quem os avaliaria?

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2 . E S C L A R E C I M E N T O S C O N C E I T U A I S

Com a finalidade de facilitar o diálogo e a discussão entre ospesquisadores e os responsáveis pela elaboração de políticas nestesassuntos, gostaria de apresentar dois conjuntos de qualificaçõesconceituais. O primeiro especifica o caráter dos vínculos causais quecostumam ser tidos como certos entre educação e conteúdos dos planosde estudo por um lado e, por outro, os resultados sociais desejados. Osegundo distingue os componentes específicos da escolarização formal,cujos efeitos sociais são destacados no discurso educativocontemporâneo.

3 . V Í N C U L O S C A U S A I S E N T R E E D U C A Ç Ã O EM U D A N Ç A S O C I A L

O modelo básico das supostas causas-chave, que apóiam a idéiade que as estruturas escolares e os conteúdos curriculares afetamuma gama de resultados sociais, pode ser descrito da seguintemaneira. Primeiro, como resultado de estruturas educativas epolíticas curriculares sistemáticas (normalmente, organizadas peloEstado), os colégios, mais ou menos de modo eficaz: a) expõem osjovens a conhecimentos valorizados culturalmente; b) ensinamhabilidades básicas, cognitivas e lingüísticas avançadas; c) inculcamimportantes valores, atitudes e modelos normativos de conduta; ed) ajudam os alunos a construírem orientações profissionais eprojetos de vida viáveis. Em segundo lugar, as mudanças promovidasentre os jovens por estes processos supostamente baseados na escolasão mais perduráveis do que transitórios. De outra forma, seriadifícil justificar os enormes investimentos públicos na escolarizaçãoformal. Em terceiro lugar, como conseqüência de um melhordesenvolvimento como adultos em diversas esferas da sociedade (omercado trabalhista, o sistema político, a família, o lar, acomunidade) os indivíduos com uma formação (ou seja,previamente escolarizados) acrescentam um valor social eeconômico ao conjunto da sociedade. Em outras palavras, as

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mudanças individuais produzidas entre as pessoas com umaformação, podem ser agregadas. Portanto, geralmente, quanto maisalta a proporção da população adulta que foi escolarizada e expostaa conteúdos curriculares valorizados, maior será seu impacto paragerar soluções viáveis para os desafios e problemas sociais.

As variações deste modelo básico, que implicam vínculos causaisentre a educação e a mudança social, como foi demonstrado, estãopresentes nas políticas educativas e na legislação contemporâneas (ver,por exemplo, Boli, 1997; Fiala & Lansford, 1987; McNeely, 1995; Meyer,1997). Podemos encontrá-las, explícita ou implicitamente, nasdeclarações dos analistas das políticas, educadores, legisladores edirigentes da comunidade cujos antecedentes ideológicos ou políticoscostumam ser muito diferentes. Além disso, as instituições educativasnacionais e internacionais costumam justificar suas recomendações depolíticas e dotações de ajudas com argumentos pertencentes a estemodelo (ver Lockheed & Vespoor, 1991).

Para um pesquisador interessado em elucidar o nexo macrosocialentre a educação, os currículos e a sociedade, esse modelo proporcionauma série de proposições e hipóteses potencialmente falsificáveis, quepodem ser provadas utilizando diversos instrumentos metodológicose formas de pesquisa. No entanto, nem todas as relações descritas nessemodelo foram objeto da mesma medida de revisão acadêmica. Mesmoque não possa supor que eu tenha um conhecimento exaustivo daliteratura relevante (principalmente nas publicações não-inglesas), achoque é justo dizer que a ampla maioria da pesquisa comparativa esteve(e continua) centrada na primeira seqüência causal, ou seja, o impactodas estruturas educativas, os conteúdos curriculares e as políticaseducativas específicas nas conquistas acadêmicas, e em outros resultadosdos alunos, como as habilidades, os modelos de conduta e as atitudes.

Para avaliar a segunda relação causal é necessário uma forma depesquisa longitudinal, que é cara, consome tempo e costuma se chocarcom as realidades a curto prazo da implementação das políticas e dofinanciamento governamental. Não é surpreendente que sejam poucosos estudos prospectivos – comparativos ou de outro caráter – queacompanham os jovens em diferentes pontos da escola e, depois, em

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diversas etapas no transcurso da vida adulta²2. É verdade queexistem numerosos estudos retrospectivos e transversais,principalmente no âmbito da economia e da sociologia daeducação. No entanto, mesmo que esses estudos costumem gerarinformação sobre o passado educativo dos entrevistados (anos deescolarização, qualificações obtidas etc.), raramente formulamperguntas sobre as disciplinas, sobre os temas e práticaspedagógicas, ou seja, sobre os conteúdos curriculares, aos quaisestas pessoas foram expostas. Os economistas e os demógrafossupõem que anos de escolarização ou de certificados obtidos sãomais importantes para definir, por exemplo, a posição no mercadotrabalhista, a produtividade por trabalhador ou a conduta defertilidade do que os conteúdos dos programas e os pontosrelevantes que foram vividos durante a escolarização. Só quandoos pacotes de conteúdo curricular institucionalizam-se nosdiferentes programas ou vias educativas (acadêmica, profissional,clássica, ciências sociais, ou matemática e ciências) aprendemosacerca do passado curricular dos indivíduos.

A terceira relação causal no modelo básico supõe, de maneiramuito pouco crítica, que quando existem mais adultos competentes,produtivos ou eficazes, isso necessariamente resulta em economias,formas de governo ou sociedades mais modernas. Se isso pode seruma caracterização válida de algumas sociedades européias e daAmérica do Norte, os fenômenos como a “fuga de cérebros” e oconsumismo crescente em outras partes do mundo deveriam dar aentender que, se os indivíduos com mais formação costumamprotagonizar um esforço racional para progredir em seus própriosinteresses pessoais, estes não coincidem, necessariamente, com osinteresses coletivos da sociedade.

2 Entre os excepcionais exemplos de estudos longitudinais, destacam-se o estudo longitudinal Malmö, na Suécia,iniciado em 1938; o First United States National Longitudinal Survey of Youth (Primeiro estudo nacionallongitudinal da juventude dos Estados Unidos), iniciado em 1979; e o Canadian National Longitudinal Survey ofChildren and Youth (NLSCY) (Estudo longitudinal nacional de crianças e jovens do Canadá), iniciado em 1994.

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Portanto, em geral, os vínculos causais fundamentais descritosneste modelo continuam sendo problemáticos. Isto deve-se a: a) faltade pesquisas comparativas; b) qualidade desigual dos estudos anteriores;c) inconsistências das descobertas registradas; e d) uma tendência amisturar níveis de análise, como o individual e o social, que devem serdiferenciados e separados.

AS TENDÊNCIAS DA ANÁLISE

Nos argumentos que vinculam os processos sociais com resultadosno conjunto da sociedade, podemos distinguir dois discursosindependentes, ainda que relacionados³3. O primeiro centra-se naexpansão quantitativa da educação, especialmente na universalizaçãoda educação de massas. Isso representa, sem dúvida, o tema dominanteno discurso educativo do século XIX e pode ser visto nos esforços paraampliar a escolarização dentro dos grupos de idade (desde a educaçãopré-escolar até a formação permanente), assim como tornar maiseqüitativo o acesso à educação para os alunos provenientes de diferentesgrupos sociais. Nos fóruns internacionais, especialmente, os temasrelativos à expansão educativa e ao acesso desigual propiciaram (econtinuam propiciando) uma gama de iniciativas de reformas e debatessobre as políticas. O principal argumento (freqüentemente implícito)é que a escolarização formal (ou seja, a ampliação da educaçãoobrigatória e, às vezes, mais horas letivas) para alunos mais jovens emcada grupo de idade (isto é, taxas de matrícula mais altas), por meiodas seqüências causais mostradas anteriormente, trará consigoimportantes resultados para o conjunto da sociedade.

O segundo discurso ressalta os conteúdos da educação edebate sobre os conhecimentos culturais valorizados que deveriam

3 Um terceiro tema, não abordado explicitamente neste artigo, mas cada vez mais destacado nos discursos das políticas,gira em torno da organização e relativa eficácia com que os serviços educativos recebem recursos do setor público. Estalinha de idéias, baseada profundamente em pressupostos econômicos, freqüentemente compreende comparações entre os“insumos” e os “produtos” dos sistemas nacionais de educação, com o objetivo geral de maximizar sua relação.

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ser selecionados e organizados sistematicamente nos currículos.O argumento central, freqüentemente não-formulado, é que asdisciplinas escolares específicas e as ênfases curriculares podemcontribuir claramente com a criação de uma sociedade maisdesenvolvida, competitiva, democrática ou sustentável. Enquanto oprimeiro tema mantém um predomínio nos debates orientados pelaspolíticas e debates acadêmicos, o interesse pelos conteúdos curricularesou das escolas teve uma história mais descontínua. Durante o auge donacionalismo europeu no final do século XIX e no começo do séculoXX, dedicou-se uma atenção excepcional à definição dos conhecimentosculturais apropriados para os jovens nos sistemas educativos nacionaisem expansão (Maynes, 1985; Goodson, 1993; Glenn, 1988). Entre osparticipantes das polêmicas sobre o conteúdo dos currículos – disciplinasque seriam incluídas (ou excluídas), temas dos programas, livros-texto,métodos pedagógicos e práticas de provas – havia acadêmicos, dirigentesde sindicatos, autoridades religiosas, pais e destacados educadores(Goodson, 1993; Kleibard, 1986; Popkewitz, 1987). Os teóricos dosistema social, como Durkheim e Waller, abordaram os problemasrelacionados com os currículos em suas análises da educação moderna(Durkheim, 1977, 1983; Waller, 1961, 1932). Os temas curricularestambém foram incorporados em numerosas recomendações doEscritório Internacional de Educação (IBE) da UNESCO, durante seusprimeiros vinte e cinco anos (UNESCO, 1979). Resumindo, era umaépoca em que os sistemas de educação de massas ampliavam-se naEuropa e na América do Norte, coincidindo com o visível egeneralizado interesse pelos conteúdos curriculares.

Nas décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial, apreocupação com conteúdos curriculares, especialmente entre osteóricos e pesquisadores das ciências sociais, desapareceu quase porcompleto. As principais linhas gerais dos currículos escolares, segundoalguns, converteram-se em um aspecto óbvio e dado como certo nosimpulsos para a modernidade (McEneaney, 2000). Ao contrário, ointeresse acadêmico centrou-se em temas que não tinham muito aver com o caráter e com a organização dos currículos escolares. Porexemplo, entre os sociólogos da educação, discutiam-se dois temaspredominantes:

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1. O primeiro centrava-se no currículo latentes ou ocultos, ouseja, os efeitos de socialização ou estratificação dos modelosde significado e das mensagens transmitidas aos alunos devidoà própria natureza da escola e da vida na sala de aula (Lynch,1989). Um enfoque consistia em analisar a contribuição daescola com a internalização de valores normativos cruciaisna adaptação e funcionamento dos adultos (Dreeben, 1968).Outro consistia em destacar, por meio de uma socializaçãodiferencial, como o currículo reproduzia as estruturas de classecapitalistas predominantes (Bowles & Gintis, 1976; Apple,1979). É significativo observar que os defensores de ambos ospontos de vista evitavam a análise dos temas explícitos que asescolas realmente tentam transmitir pela via do currículoconcreto.

2. O segundo âmbito de estudos centrava-se nas desigualdadessociais geradas a partir da diferenciação curricular. Já que asescolas tendem a classificar e distribuir os alunos em grupos eem contextos de habilidades, isto produz uma diferenciaçãocurricular considerável. Esta diferenciação, por sua vez, criaoportunidades de aprendizagem desiguais, já que os alunostrabalham com diferentes recursos educativos, grupos deconhecimentos e cobertura do conteúdo, o que posteriormentereforça as desigualdades nos resultados educativos, naconquista de certificados e nas posições profissionais (Oakes,Gamoran & Page, 1992). A maioria das pesquisas sobre estetema usam amplas distinções culturais (acadêmico emoposição a profissional; orientado para a universidade, paraa educação geral ou especial); alguns estudos analisam oprocesso de seleção de disciplinas dos alunos (Garet & Delany,1988). No entanto, são poucos os que avaliam os processosque antecedem a diferenciação curricular baseada na escola ea influência das ofertas de disciplinas e de exposição aosconteúdos sobre as desigualdades de nível macro, social eeconômico.

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Nas últimas décadas, surgiram novos enfoques que analisam oconteúdo substancial dos currículos e alguns avaliam as conseqüênciasdos conteúdos, sobre o indivíduo ou sobre o conjunto da sociedade.

Apresentarei brevemente as conclusões relevantes destes enfoquesna seção seguinte.

4 . U M A O L H A D A G L O B A L PA R A A E X PA N S Ã O E D U C AT I VA

Por mais poderosos que sejam, os discursos educativos, por sipróprios, não criam “fatos” educativos. No entanto, sem dúvida,contribuem com a legitimação da construção e da criação de políticasnacionais para a expansão da escolarização de massas e da organizaçãode estruturas curriculares. Uma breve análise do progresso da educaçãomundial ilustra a visível – há quem diga a considerável – influênciadestes discursos nas realidades educativas contemporâneas.

Vamos pensar, por exemplo, na questão da expansão da coberturaeducativa. A UNESCO (2000) informa que, por volta de 1997, mais de 1.250milhões de jovens (21% da população mundial) freqüentavam as escolas domundo inteiro (desde o primeiro grau até as instituições de terceiro grau). Astaxas mundiais de matrícula tinham chegado a níveis sem precedentes. Noprimeiro grau, 95% da população relevante em idade escolar freqüentavamformalmente a escola; no segundo grau, a taxa era de 60% e, no nível superior,de 17% (UNESCO, 2000: pp. 115-116). A matrícula nas aulas de pré-primáriotambém aumentaram rapidamente (ver O’Connor, 1988). Ao mesmotempo, 90% de todos os países independentes tinham aprovado leis sobre aeducação obrigatória que exigiam que as crianças freqüentassem a escoladurante um determinado período: entre quatro (São Tomé e Príncipe) etreze anos (Países Baixos). Em âmbito mundial, a duração média daescolarização obrigatória (que normalmente começa aos cinco ou seis anos)era de 8,2 anos e definia cada vez mais os limites sociais da infância e daadolescência (Ramírez & Vantresca, 1992)4. Além disso, os países estipulavam

4 Em 1999, 91,4% dos 186 países independentes do mundo analisados pela UNESCO haviam aprovado leis deescolarização obrigatória. No entanto, inclusive em países que carecem desta legislação, a educação básica costuma sergratuita e as taxas de matrícula são bastante altas (UNESCO, 1965, 1976, 1985, 1995 e 1999; UNESCO:IBE, 1999).

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que as crianças deviam dedicar em média 750 horas por ano nas salas deaula da escola primária (Amadio, 1998; UNESCO-IBE, 2000).Retrospectivamente, a segunda metade do século XX foi um períodoexcepcionalmente notável em relação ao crescimento da escolarização demassas e sua sistematização sob as burocracias educativas do Estado, inclusiveentre os países relativamente pobres, do chamado terceiro mundo queconquistaram recentemente a independência (Fuller, 1991; Ramírez & Soysal,1992). Mesmo que continue existindo diferenças nas taxas de matrícula entrepaíses mais ou menos desenvolvidos, a expansão mundial da escolarização é,de fato, uma “revolução educativa mundial” e deve-se, em grande parte, aodomínio deste tema no discurso educativo (Meyer et al., 1977; Boli, 1997).

Em relação aos conteúdos curriculares dos sistemas nacionais deeducação e como mudaram ao longo do tempo, sabe-se muito menos.Em parte, isto deve-se a uma suposição de longa data, aceita pela maioriados especialistas em educação comparada e dos profissionaisinternacionais, de que o currículo reflete fundamentalmente asprioridades nacionais ou perspectivas culturais específicas do mundo eque, por conseguinte, as comparações destes currículos entre países sãopouco válidas (Holmes & McLean, 1989; Cummings, 1999). Além disso,os estudos que ressaltam as mudanças históricas na organização dosconhecimentos educativos tendem a ressaltar os atores (por exemplo,os protagonistas da política nacional, as elites econômicas, os especialistasacadêmicos e pedagógicos) que lutam e competem entre si para definiros conteúdos do currículo oficial (Goodson, 1995; Kleibard, 1986). Noâmbito de tais estudos, as pesquisas baseadas em amplas comparaçõesdos currículos têm um valor limitado.

É bastante evidente que os países variam consideravelmente nosproblemas, temas e práticas pedagógicas tratados no ensino das matériasescolares. No entanto, as categorias e meios básicos com que os paísesorganizam os conhecimentos da escola e que tentam transmitir aosjovens em diferentes níveis educativos e em diferentes tipos de escolasestão padronizados em uma medida surpreendente, os horáriossemanais que definem oficialmente as matérias que deverão ser ensinadase a atribuição de tempo por matéria já se encontram em numerososinformes do século XIX). Mesmo assim, apesar da disponibilidade dessa

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informação curricular, antes dos anos 80, publicou-se apenas um únicogrande estudo (auspiciado pela UNESCO) de diversos países sobre oscurrículos da escola primária e secundária (Dottrens, 1962; UNESCO-IBE, 1960). Desde então, os dados comparativos sobre políticas e ênfasescurriculares foram recompilados, registrados e analisados por estudiosos epor organizações internacionais (Travers & Westbury, 1989; Pelgrum, Voogt& Plomp, 1995; Benavot et al., 1991; Kamens, Meyer & Benavot, 1996;Amadio, 1998; UNESCO-IBE, 2000).

As principais descobertas que surgem do estudo comparativo doscurrículos oficiais compreendem (ver tabelas abaixo).

TABELA 1. Percentual dos países, no mundo, que exigem o ensino emmatérias do currículo no nível da escola primária (1º a 6º séries), 1920-1986.

Área da matéria curricular Período histórico1920-1945 1946-1969 1970-1986(n=43-48) (n=73-82) (n=73-82)

Aprendizagem da língua 100 100 100(de todos os tipos)• Línguas nacionais ou locais 97 92 92• Línguas oficiais ou estrangeiras 19 60 61Matemáticas 100 100 100Ciências naturais 81 92 100Ciências sociais (de todo tipo) 98 96 100• História 82 71 45• Geografia 87 72 43• Educação Cívica 38 35 30• Estudos sociais 11 28 61Formação estética(arte, música, dança, ofícios) 86 97 99Formação religiosa ou moral 78 77 75• Educação religiosa 54 57 59• Educação moral 32 28 28Educação física 89 97 96Higiene/Educação para a saúde 35 38 42Matérias práticas/formação profissional 86 72 68

N=número de países Fonte: Adapatado de Meyer et al., 1992

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TABELA 2. Percentual e média do total de tempo destinado às matérias noscurrículos da escola primária, 1ª a 6ª séries, em 1970-1986

Matéria África Sub- Oriente Ásia América Caribe Europa Ocidente *Saariana Médio/ (n=17-19) Latina (n=9-10) Central (n=18-22)(n=28-29), Norte da (n=14-17) (n=9)

África (n=15-18)

Línguas(todos os tipos) 38,2 36,8 36,7 24,4 34,7 37,4 34,1•Línguas nacionais e locais 13,5 31,8 27,3 18,1 18,1 30,3 27,7•Língua oficial 24,2 0 7,0 3,8 14,2 1,9 3,5•Língua estrangeira 0,5 4,9 2,4 0,4 0,7 5,1 2,2Matemáticas 17,7 16,6 17,5 18,6 20,7 20,5 18,5Ciências naturais 7,0 6,7 8,1 11,3 7,5 7,5 6,4Ciências sociais(de todos os tipos) 7,8 6,4 8,7 13,1 12,0 6,3 9,0•História, geografia e educação cívica 4,5 2,6 2,6 4,3 4,3 6,3 3,3•Estudos sociais 3,3 3,9 6,0 8,7 7,2 0 5,0Formação estética 8,5 7,7 9,5 8,0 7,4 10,4 13,5Formação religiosae moral 4,6 12,0 6,1 3,4 2,5 0 5,0•Educação religiosa 3,8 11,8 3,0 2,2 2,2 0 4,7Educação moral 0,8 0,7 2,9 1,0 0,8 0 0,2Educação física 5,9 6,3 5,8 7,4 5,3 9,4 9,2Higiene /educaçãopara a saúde 0,9 1,8 1,5 2,5 2,9 0,3 0,5Matérias práticas/formaçãoprofissional 7,3 2,4 4,1 9,5 3,2 6,6 0,7

N=número de países (intervalo)• Ocidente compreende Europa Ocidental, América do Norte, Austrália, Nova Zelândia.• Fonte Adaptado de Meyer et al., 1992

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1. No nível primário, a maior parte dos conhecimentos escolaressão definidos em seis áreas temáticas que predominam quaseuniversalmente: língua, matemática, ciências naturais, ciências sociais,formação estética e educação física. Estas matérias escolares representamo núcleo curricular da educação primária e normalmentecorrespondem a 80%, 90% de todas as horas letivas durante os seisprimeiros anos de escolarização obrigatória. Várias outras disciplinas– formação religiosa ou moral, educação para a saúde, habilidadespráticas ou formação profissional – fazem parte de numerosos sistemasescolares nacionais, ainda que sua presença curricular limitada dependamais das condições históricas ou culturais.

2. Entre o conjunto de disciplinas nucleares mostradas acima,o currículo primário da maioria dos países dá uma especial ênfase aoaprendizado da língua e de matemática. Em média, um terço de todoo tempo letivo nas escolas primárias é dedicado à aprendizagem dalíngua (aproximadamente 25%, à língua nacional ou, em alguns casos,às línguas locais e 8%, às línguas oficiais ou estrangeiras). À matemáticadedica-se aproximadamente um quinto do total de horas letivas. Ashoras letivas destinadas às artes, às ciências naturais, à educação físicae às ciências sociais correspondem, em média, a 10%, ou um poucomenos, para cada uma destas áreas temáticas.

3. Estas estruturas curriculares permaneceram notavelmenteestáveis durante o século XX e há claros indícios de uma maior tendênciapara normas unificadas e para a homogeneidade. Além disso, foramdescobertas certas tendências longitudinais, por exemplo, a proporçãode horas letivas dedicadas a matérias “modernas”, como matemática,ciências naturais e línguas estrangeiras aumentou (Kamens e Benavot,1991; Cha, 1991; McEneaney, 1998), e o ensino de história, geografia eeducação cívica como matérias separadas diminuiu, dando lugar aos“estudos sociais” de caráter interdisciplinar (Wong, 1991).

4. Enquanto a organização estrutural dos currículos da escolaprimária permaneceu relativamente estável, os conteúdos específicosdas matérias sofreram drásticas mudanças, entre as quais oindividualismo, o aluno-centrismo e uma gestão e proteção do meioambiente natural mais racional (McEneaney e Meyer, 2000). De forma

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especial, os elementos transnacionais adquiriram uma presença maiorna história e nos estudos sociais (Frank et al., 2000), e a educação cívicacentrou-se progressivamente no “cidadão pós-nacional”, ativamenteparticipante nos assuntos mundiais (Rauner, 1998).

5. O vínculo entre o grau de industrialização ou desenvolvimentoeconômico de um país e suas ênfases curriculares é bastante fraco. Noentanto, existem diversas variações regionais interessantes, por exemplo,uma maior ênfase na aprendizagem da língua na África sub-saariana,muito menor na América Latina; mais matemática na Europa Centrale no Caribe; mais ciências naturais e sociais na América Latina; maisformação religiosa no Oriente Médio e no norte da África, enquantoé praticamente inexistente na antiga Europa Central comunista; e maisformação estética e educação física nos países da OCDE.

6. No segundo grau, os programas e fórmulas clássicas, assimcomo o estudo das línguas clássicas, diminuíram em todas as regiões domundo a partir dos anos 30. A única região na qual ainda conservacerta importância (ainda que atualmente não constitua uma exceção àtendência geral) é a Europa. Por outro lado, os currículos globais e osprogramas especializados de matemática e ciências evoluíram na maioriadas regiões do mundo (Kamens, Meyer e Benavot, 1996).

7. Atualmente, parecem delinear-se dois modos gerais bem-estabelecidos de organização da educação secundária academicamenteorientada. O primeiro é um programa escolar global que inclui umnúmero de matérias escolhidas pelos alunos, enquanto, no quadro dooutro sistema, os alunos são direcionados a programas de estudoespecializados (por exemplo, matemática e ciências, humanidades,direito), ressaltando conteúdos diferenciados. Normalmente, este últimoenfoque domina nos sistemas nos quais antes predominavam osprogramas clássicos.

8. A organização curricular e as ênfases tendem a seguir os tiposde programas acadêmicos que encontramos no sistema secundário.Em outras palavras, os programas classificados de “gerais” –“matemática e ciências”, “ciências sociais” ou “clássicos” – contêm temase ênfases curriculares que refletem o nome ou o rótulo aplicado aoprograma. Isto acontece em todas as regiões do mundo. Por exemplo,

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as horas letivas em línguas clássicas estão diminuindo porque osprogramas curriculares “clássicos” estão desaparecendo. Por outrolado, os programas de matemática e ciências adquiriram maiorimportância e normalmente eqüivalem aproximadamente ao dobrodas horas dedicadas ao estudo dessas matérias em comparação comoutros programas.

Em termos gerais, as recentes pesquisas comparativas refletem ocrescente isomorfismo dos currículos escolares nacionais. A definição oficialde disciplinas escolares e as correspondentes horas letivas,fundamentalmente no nível primário e, em menor grau, no nívelsecundário, enquadra-se em uma crescente padronização no mundo inteiro.Estas tendências não só sublinham o predomínio do Estado como o lugarno qual se elaboram e sancionam os currículos, mas também a influênciade organizações internacionais, elites profissionais e especialistas acadêmicosna divulgação de modelos padronizados e na prescrição de determinadosconhecimentos escolares e uma organização curricular adequada (Meyeret al., 1997; McNeely, 1995; Schafer, 1999).

No entanto, é importante lembrar que inclusive antes da criaçãode importantes organizações internacionais como a UNESCO, oBanco Mundial e a OCDE, as influentes forças transnacionaispropiciaram um grau considerável de padronização curricular. Porexemplo, no final do século XIX e começo do século XX, os especialistasem educação realizavam regularmente visitas a sistemas educativosestrangeiros, fundamentalmente na Europa continental, no ReinoUnido e na América do Norte, e posteriormente entregavam extensosinformes e recomendações destacando o que se poderia qualificaratualmente como “melhores práticas”. As conferências e exposiçõesinternacionais sobre educação também contribuíram com os“empréstimos culturais” e com a divulgação de políticas e práticaseducativas específicas. Sem dúvida, a criação dos sistemas educativoscoloniais, em que conteúdos “adequados” eram impostos aos alunosnativos e adaptados à luz dos sistemas escolares da metrópole, tambémdesempenharam um papel no crescente isomorfismo internacionaldos planos de estudo escolares, que continuaram, inclusive, depois dadeclaração de independência das antigas colônias.

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Em poucas palavras, a evidência sugere que antes dastendências mais recentes de crescente integração política eeconômica dos Estados, de progresso científico e tecnológico maisacelerado e de maior poder das organizações transnacionais e dasempresas multinacionais – um processo que normalmente édenominado de globalização –, as estruturas curriculares dossistemas educativos eram notavelmente similares, pelo menos noque diz respeito às intenções curriculares oficiais.

5 . Q U A D R O S A N A L Í T I C O S A L T E R N A T I V O S

Nesta seção, resenhamos brevemente outros enfoques do estudocomparativo dos currículos escolares que surgiram nas últimas décadas.Mostramos especialmente as contribuições (e limitações) destesprogramas de pesquisa com a finalidade de avaliar o impacto dosconteúdos curriculares.

CURRÍCULO E RESULTADOS EDUCACIONAIS

Desde os anos 60, realizaram-se numerosos estudos comparativosem grande escala dos resultados educacionais, fundamentalmente sobos auspícios da International Association for the Evaluation ofEducation Achievement (IEA) e, mais recentemente, pelospatrocinadores da International Assessment of Education Progress(IEAP)5. Esta corrente de pesquisas documenta diferenças intra einternacionais importantes nos resultados coletivos da escolarização,segundo a pontuação dos alunos em testes de desempenhopadronizados, em diferentes níveis de série/idade e nas principaisdisciplinas escolares.

5 O primeiro estudo IEAP está reunido em Lapointe, Mead e Phillips (1989). As conclusões de um segundo estudo,realizado em 1991, estão reunidas em um número especial da Comparative Educational Review, publicada porJohn Modell (1994).

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Algumas das contribuições notáveis deste estudo foram adistinção analítica entre o currículo oficial, o implementado e o currículorealizado6; a utilização operativa desta diferença na pesquisa educativasobre educação; e a descoberta geral de que os currículos oficiais eimplementados servem como importantes mecanismos para explicar asdiferenças de rendimento individual entre países (Travers e Westbury,1989; Harmon et al., 1997). A atenção crescente centrada no currículoimplementado tem uma importância especial, devido à acumulação deantigos trabalhos comparativos sobre os currículos oficiais ou propostos.Nestes estudos, o currículo implementado normalmente é definido como:a) “cobertura do conteúdo” (a relação entre o que supostamente deveser ensinado em uma disciplina escolar e o que realmente é cumpridopelos docentes nas salas individuais); ou b) a “oportunidade de aprender”(a porcentagem de alunos que foram expostos a temas estipulados emum conjunto de fatores de provas). Uma conseqüência importante desteprograma de pesquisa comparativa é que qualquer tentativa de avaliar,em nível individual, os resultados comportamentais ou de disposiçãoque nascem da exposição dos alunos aos conteúdos curriculares deveriaconsiderar seriamente a variação da sala de aula, a escola ou o conjuntodo sistema nas matérias que realmente são ensinadas.

Assim dito, quero mostrar pelo menos duas limitaçõesimportantes dos estudos de conquistas entre países: primeiro, entendera sala de aula como o principal âmbito analítico para avaliar o currículoimplementado e, em segundo lugar, na análise das disciplinas escolarescomo unidades isoladas7. Em seguida, aprofundarei esta particularidade.

Já que, supostamente, a maior parte da aprendizagem (assimcomo as mudanças nas atitudes e no comportamento dos alunos) éproduzida nas salas de aula, deduz-se logicamente que a medida comque os docentes aderem às diretrizes administrativas definindo os

6 Além destes três, às vezes foi analisado o conceito do currículo ideal, baseado na compreensão subjetiva que osprotagonistas têm da educação (Harrison, 1994). Um grupo de acadêmicos da Universidade de Michigan realizoupesquisas em profundidade sobre as conquistas em leitura e ciências no nível primário nos Estados Unidos, Japão e Taiwan(Stevenson, Lee e Stigler, 1986).7 Para out ros t emas r e la c ionados aos e s tudos comparat i vos de r e su l tados , v e r Baker eLeTendre (2000).

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conteúdos curriculares projetados e as práticas pedagógicas adequadasnas salas de aula é uma variável-chave para avaliar os resultados daaprendizagem8. No entanto, mesmo que, com certeza, as salas deaula sejam âmbitos importantes da produção desigual de conteúdoscurriculares, elas estão inseridas nos colégios, mas também em outrosestratos organizacionais (por exemplo, distritos, regiões, Estados), umarealidade que influencia na implementação do currículo. No âmbitoescolar, especialmente, os atores autorizados tomam decisões que sesituam entre o sistema mais amplo no qual se desenvolvem asdiretrizes curriculares oficiais e a sala de aula na qual realmente seproduz o aprendizado. As decisões relacionadas ao currículo tomadasno âmbito da escola facilitam ou limitam o ensino na sala de aula.Por exemplo, as escolas podem decidir, excluir, reformular ou deixarde dar ênfase a uma disciplina obrigatória, à medida que incorporam-se novas disciplinas ou atividades curriculares. Estas mudançasmodificam a distribuição dos conteúdos curriculares devido ao caráterde “soma zero” das horas letivas disponíveis. Além disso, as decisõesbaseadas na escola para ampliar ou não continuar com a distribuiçãohierárquica de alunos em grupos de habilidades podem influenciarno cumprimento de um determinado programa de estudo.

Estes temas estão se tornando especialmente visíveis à luz dosmodelos de gestão e financiamento em mudança nos numerosossistemas educativos nacionais (Cummings e Riddell, 1994). Devido àdescentralização e à privatização da educação, as escolas locais estãoadquirindo maior flexibilidade e espaço de manobra para organizaros conhecimentos educativos que oferecem, assim como maisautonomia em relação às diretrizes curriculares oficiais (p. ex., OCDE,2000, pp. 242-247). As escolas podem decidir modificar a distribuiçãodas horas letivas semanais ou reformular os conteúdos educativos. Nestesentido, o currículo que as escolas colocam em prática não reflete

8 Este enfoque também pode-se aplicar normativamente, seja para identificar as causas de discrepâncias entre asdiretrizes curriculares oficiais e o currículo utilizado nas salas de aula ou para definir maneiras de assegurar que asdiretrizes e práticas dos planos de estudos sejam realizadas em sua totalidade pelos diretores e docentes locais.

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apenas as diretrizes das autoridades centrais ou regionais, mas tambémum complexo conjunto de forças sociais: condições locais, normasinstitucionalizadas, perspectivas individuais do mundo e processoscoletivos de tomadas de decisões (Benavot e Resh, 2001). Em poucaspalavras, à medida que o controle sobre as decisões curriculares torna-se menos centralizado e a autoridade educativa delega responsabilidadesa agentes administrativos regionais, as escolas locais tornam-se umespaço crítico para a definição dos verdadeiros conteúdos curriculares.

Uma limitação adicional dos estudos comparativos sobreo cumprimento dos conteúdos e sobre as conquistas educativasé que se concentram invariavelmente em uma (às vezes duas)disciplinas curriculares. Com isso, supõe-se erroneamente que aênfase e o cumprimento das disciplinas são relativamenteindependentes um do outro. Na realidade, a atribuição de horasletivas nas escolas (normalmente um recurso “fixo”) desempenhaum importante papel na cobertura do conteúdo nas salas deaula. Se as escolas decidem dedicar mais horas letivas, porexemplo, à matemát ica e às c iências (disc ipl inas muitovalorizadas), isso costuma diminuir o tempo disponível parad isc ip l inas menos va lor izadas , por exemplo , a r tes ouhumanidades. Estas mudanças baseadas na escola costumamimplicar trocas curriculares: certas disciplinas relacionadaspodem adquirir ênfase ao serem emparelhadas, e as disciplinasinstitucionalmente fracas, como artes ou educação musical,podem ser sacrificadas para outorgar mais horas letivas a outrasdisciplinas. Em poucas palavras, o cumprimento do conteúdoem uma d isc ip l ina pode ser a fe tado por mudanças nadistribuição geral do conteúdo curricular nos horários semanais,principalmente nos casos em que existe uma quantidaderelativamente fixa de recursos pedagógicos para ser ministrada.A interdependência das disciplinas destacada no currículoescolar, que costuma ser ignorada nos estudos comparativos dosacadêmicos, pode definir o impacto de programas curriculares“inovadores” que ressaltam, por exemplo, a condição cidadãativa, o multiculturalismo ou a tolerância mútua.

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INDICADORES COMPARATIVOS

O interesse crescente pela qualidade e efetividade escolar,principalmente pelo entorno organizacional no qual se desenvolve aaprendizagem, gerou renovados esforços para conceituar e medir a “caixapreta” dos processos de aprendizagem e ensino situados entre os insumosdo sistema e os resultados educativos. Como conseqüência da “terceiraonda” de estudos da IEA (especialmente o Terceiro Estudo Internacionalde Matemática e Ciências, sem precedentes), o Centro para a Pesquisaem Educação e Inovação, filiado à OCDE e ao EUROSTAT, auspiciadopela União Européia, desenvolveu medidas comparáveis de intenções epolíticas curriculares (OCDE/CERI, 1992; 1994; 1995a; 1995b; ComissãoEuropéia, 2000). Em suas recentes publicações, essas organizaçõesinformam sobre uma variedade de indicadores curriculares, por exemplo,as horas letivas projetadas por ano para alunos de diferentes níveis deidade; a distribuição de horas letivas segundo as áreas temáticas; até queponto as disciplinas são obrigatórias ou opcionais; os requisitos para aslínguas estrangeiras; o predomínio de correntes ou viasinstitucionalizadas; e as práticas de exames no âmbito nacional. Noentanto, sob a luz da discussão anterior, estas medidas podem obscurecertanto quanto iluminar, já que dependem principalmente das políticas edefinições oficiais, mais do que dos verdadeiros sistemas deimplementação.

Existem outros indicadores de conteúdos e de estrutura curricular(ver Pelgrum, Voogt e Plomp, 1995). Apesar das visíveis inconsistênciasterminológicas e do alcance limitado de muitos estudos no quais se usamessas medidas, eles merecem uma revisão mais profunda. No mínimo,destacam importantes diferenças analíticas que devem ser consideradasquando avaliamos os resultados dos conteúdos curriculares: atribuição eutilização de horas letivas; classificação dos conteúdos (por exemplo, temasespecíficos, problemas ou temas ensinados ou complexidade dos materiaisutilizados); o contexto pedagógico no qual se ensinam os conteúdos (porexemplo, métodos de ensino e práticas pedagógicas, uso de livros-texto e/ou de outros materiais); estilos curriculares básicos (Piper, 1995); e a estruturainformal do currículo (Kahane, 1997; Yair, 1997; Cohen, 2001).

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OS CURRÍCULOS E OS LIVROS-TEXTO

Em numerosos sistemas educativos nacionais, especialmente nospaíses mais desenvolvidos, os livros-texto são um componente essencialdo currículo escolar, tanto do oficial como do implementado (Crossleye Murby, 1994). Os ministérios de educação obrigam a utilização delivro-texto nas principais disciplinas, o que, por sua vez, determina emalto grau os planos de horas por disciplina, a integração na sala deaula do docente com os alunos e os deveres de casa. A avaliação doaprendizado dos alunos costuma centrar-se, exclusivamente, nosconhecimentos baseados nos livros-texto.

Ao contrário, no mundo menos desenvolvido, a disponibilidade delivros-texto (sem falar de outros materiais básicos relacionados ao ensino)é mais limitada (Lockheed e Verspoor, 1991). Nessas condições, as forçasexternas têm efeitos especialmente poderosos nos currículos escolares. Porexemplo, quando os países dispõem de poucos recursos para produzir livros-texto, os produtos distribuídos por editores estrangeiros de livros-textocostumam ser os que realmente definem o currículo escolar (Altbach eKelly, 1988). Além disso, os exames de prestígio produzidos pelas metrópoleseducativas têm uma influência considerável sobre os conteúdos curriculares,principalmente nos países pequenos e nas antigas colônias (Bray e Steward,1998; Eckstein e Noah, 1993).

A pesquisa comparativa, baseada fundamentalmente em modelosde insumo-produto da aprendizagem dos alunos (os “insumos” seriamas características do docente, a disponibilidade de livros-texto, o tamanhoda sala de aula, as instalações escolares etc., e o “produto” seria odesempenho dos alunos em provas padronizadas), demonstrou que osalunos têm melhor rendimento em provas quando são utilizados livros-texto em sala de aula (Heyneman e Jamison, 1980; Fuller, 1987). Estasconclusões levaram diversos organismos internacionais, principalmenteo Banco Mundial, a aumentarem o apoio financeiro à produção edistribuição de livros-texto em diversas regiões do terceiro mundo. Aomesmo tempo, os temas relacionados a quando e como os docentes e osalunos realmente utilizam os livros em sala, e se isto varia por áreatemática, ainda não foram estudados profundamente. As limitadas

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descobertas sobre o uso do livro-texto na aprendizagem em sala deaula são contraditórias (Moulton, 1997).

No entanto, os livros-texto não só comunicam fatos quesupostamente devem ser aprendidos pelos alunos. Também organizam,legitimam e divulgam acervos selecionados de conhecimentos culturais.Especialmente nas humanidades e nas ciências sociais, mas tambémem outras disciplinas, transmitem uma visão da herança de um país eda cultura contemporânea. Por conseguinte, freqüentementetransformam-se em um objeto de intenso conflito político e social(Altbach e Kelly, 1988; Apple, 1986)9. Nesse sentido amplo, os conteúdosdos livros-texto podem representar uma poderosa plataforma parapromover a reconciliação entre inimigos políticos (Firer, 1998); paradesfazer crenças ideológicas ou culturais profundamente arraigadasque se tornam socialmente inaceitáveis ou repugnantes (por exemplo,o militarismo, o fascismo, o sexismo); para potencializar a visibilidadee a “voz” de grupos socialmente marginalizados (Al-Ashmawi, 1996); epara construir uma nova identidade transnacional (Soysal, 2000). Osestudos internacionais sobre livros-texto escolares proliferaram nasúltimas décadas (entre os exemplos, o Instituto G. Eckert forInternational Textbook Research, a rede de pesquisa sobre livros-textoda UNESCO), em grande parte devido ao rico significado social,cultural e político que os especialistas vêem implícitos nos livros-texto.

Mesmo assim, a partir da perspectiva da pesquisa comparativa,ainda restam para serem estudados os temas-chave em relação aos efeitosdos livros-texto, tanto nos alunos individuais como em diversasinstituições e processos sociais. Concretamente, sob que condições oslivros-texto potencializam a aprendizagem dos alunos? Além dosresultados da aprendizagem, os livros-texto influenciam, especialmentenas humanidades e ciências sociais, as atitudes, os preconceitos e osestereótipos que os alunos elaboram e mantêm ao longo do tempo –

9 Os recentes atritos entre Coréia do Sul e Japão por conta dos livros-texto de história no Japão (tanto em suasafirmações quanto em suas omissões) é um bom exemplo dos conflitos políticos intra e internacionais gerados comfreqüência pelos conteúdos dos livros-texto.

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além da sala de aula? Tratando-se do conjunto da sociedade, os livros-texto contribuem no terreno humanista, de alguma maneirasistemática, com a eliminação de preconceitos culturais e mal-entendidos, com o fortalecimento das instituições e processosdemocráticos ou com a potencialização das comunidades minoritárias?

As provas pertinentes, baseadas em pesquisas comparativassimplórias, outorgam escassa fé aos argumentos de que os livros-textotêm efeitos não cognitivos importantes. Digo isso consciente dosconvincentes argumentos dos especialistas e educadores que participamda produção e revisão de livros-texto. E, ao dizê-lo, não ataco o valor dasanálises do conteúdo dos livros-texto (nem dos programas das disciplinas)para descrever mudanças no conjunto da sociedade em desigualdades degênero, orientações nacionalistas, tendências de exclusão-inclusão sociale teorias pedagógicas dominantes. Meu argumento é que mesmo queseja possível que os livros-texto, na medida em que estão disponíveis,dominem o contorno da vida na sala de aula, eles não representam,necessariamente, um instrumento de socialização autorizado que modeleas atitudes e a visão de mundo dos alunos. É evidente que se requer umapesquisa aprofundada para analisar se são produzidas ou não mudançassistemáticas, nos alunos ou em setores da sociedade, como resultado dautilização generalizada de determinados livros-texto.

6 . O S C U R R Í C U L O S E O A P R E N D E R A V I V E RJ U N T O S

Como vimos, as tentativas de avaliar o impacto individual – ouno conjunto da sociedade – dos conteúdos curriculares estão cheias deproblemas. Um tema diferente, ainda que não menos importante, estárelacionado com a tentativa de esclarecer e conceitualizar o significadode “aprender a viver juntos”, um tema recente e um objetivo daspolíticas das instituições internacionais de educação (Delors, 1996). (Oexemplar de setembro de Perspectivas, vol. XXXI, no 3, foi dedicado aeste tema.) Que fenômenos e conceitos analíticos estão definidos nestacomplexa noção? Numerosas idéias avançaram – por exemplo, acapacidade de lidar com rápidas mudanças sociais, econômicas, políticas

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e tecnológicas; a tendência a reconhecer, entender e respeitar adiversidade cultural e os traços distintivos de uma comunidade; avontade de participar ativamente da vida pública e dos processospolíticos; a avaliação e assimilação dos valores relacionados aopluralismo, à coesão social, à coexistência pacífica e à harmonia; acapacidade para promover e defender os direitos humanos e asliberdades elementares, principalmente diante das guerras, da violência,do conflito político e das desigualdades sociais, para citar só alguns(Daniel, 2001). Em geral, estes conceitos referem-se a mudanças denível individual que supostamente evoluem e cristalizam durante ainfância e a adolescência e depois conservam-se ao longo da vidaadulta. Em termos concretos, estas idéias refletem noções modernasde si próprio, da pessoa e da condição cidadã em um mundo cadavez mais diverso e independente. Também são vistos como necessárioselementos de construção para uma democracia sólida e umcompromisso cívico de ampla base.

Devido aos períodos da idade em que estas transformaçõessupostamente ocorrem, ou seja, durante os anos da escolarização emmassa, não é surpreendente que se considere as escolas e os currículoselementos cruciais da formação. Ainda assim, a contribuição precisada escolarização e dos conteúdos especialmente elaborados é ambígua,a não ser que avaliemos até que ponto os jovens adquirem estascapacidades, inclusive na ausência de escolarização. Além disso, que“valor” específico é agregado ao aprender a conviver a partir da simplesfreqüência à escola, independentemente dos conteúdos aos quais sãoexpostos os alunos? Para abordar estes temas elementares, a forma depesquisa mais frutífera seria comparar crianças escolarizadas e não-escolarizadas. Além disso, temos de perguntar que papel desempenhamas famílias e as comunidades na formação destas capacidadesvalorizadas: por acaso “aprender a viver juntos” não é um complexoconjunto de disposições e habilidades que, ao contrário dascompetências em ciências e matemática, é transmitido aos jovensmediante uma diversidade de agentes de socialização? Se assim for, énecessário construir estudos que esclareçam o tecido de influênciasfamiliares, comunitárias e próprias do desenvolvimento que também

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influenciam, junto com os programas educativos e currículos específicos.Os estudos recentemente acabados da IEA sobre os conhecimentoscívicos e o compromisso político dos adolescentes poderiamproporcionar um conjunto de respostas a estas perguntas (Torney-Purtaet al., 2001). Em outro caso, poderia surgir da análise da influênciarelativa de diferentes fatores próprios dos antecedentes, por exemplo,gênero, religião, classe, estrutura familiar, assim como de fatoresrelacionados com a escolarização, nos traços sociais e políticos da vidaadulta (Inkeles e Smith, 1974; Pallas, 2000).

Um enfoque diferente consiste em alterar o nível de análise eanalisar estes temas utilizando unidades sociais agregadas comocomunidades, regiões ou países. Por exemplo, assim como ospesquisadores estudaram se as pontuações das provas nacionais emmatemática e ciências contribuem para alcançar maiores taxas decrescimento econômico (Hanushek e Kimko, 2000), poderia seranalisado se os países com desempenhos mais altos em educação cívica,ou aqueles que atribuem mais horas letivas a temas relacionados, têmmaiores probabilidades de contar com uma população mais tolerantee comprometida civicamente, com instituições democráticas maissólidas, menos violações dos direitos humanos e civis ou níveis maisbaixos de violência política. Não conheço nenhum estudo comparativodeste tipo, no qual se analisem os efeitos dos conteúdos curricularespolíticos ou cívicos10. Mesmo que exista uma extensa literaturacomparativa que analisa as relações entre a democratização educativae política (Kamens, 1988; Hadenius, 1992; Benavot, 1996), ela comparafundamentalmente o impacto político da educação de massas (primária,secundária) em relação à educação da elite (superior), e não os conteúdoscurriculares específicos. A pesquisa comparativa sobre resultadosmacrossociais, uma pesquisa que vá além dos resultados educacionaisou da expansão educativa para analisar os efeitos dos planos de estudomerece maior atenção (Benavot, 1992).

10 Entre os estudos sobre os efeitos econômicos dos conteúdos curriculares, que empregam desenhos de pesquisatransnacionais, encontram-se o de Benavot (1992) e o de Ramírez et al. (2001).

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7 . C O M E N T Á R I O S F I N A I S

Os conflitos militares, a violência étnica, a violação dos direitoshumanos, a ignorância, a marginalização cultural, a falta decompromissos cívicos, a doutrinação ideológica, a intolerância religiosa,o empobrecimento econômico e a deterioração do meio ambienteforam, e continuam sendo, traços proeminentes do panorama mundialem que vivemos. Os esforços empreendidos por parte dos indivíduos,das comunidades e organizações que pretendem erradicar ou mitigarestas manifestações da miséria humana merecem nosso apoio e respeitoativo. Cada vez mais, mas principalmente desde a Segunda GuerraMundial, a educação tem sido apresentada como um remédio quaseuniversal para abordar estes e outros males do conjunto da sociedade.As crianças pequenas e os adolescentes, segregados na escola e a salvodas iniqüidades e males do mundo adulto e desfrutando de amplasoportunidades para desenvolver suas mentes e suas potencialidadeshumanas, representam um futuro melhor no qual as comunidades eas sociedades aprendem a resolver seus conflitos e problemas por meiospacíficos, mediante o respeito mútuo e a tolerância. Esta crença napromessa e no poder da escolarização, como instrumento para umprogresso social e econômico sustentável, assim como para apotencialização individual e a transformação de si próprio, tambémtransformou-se em um traço característico (e extremamenteinstitucionalizado) do mundo em que vivemos.

Neste artigo, sustento que ainda que os benefícios coletivos eindividuais da educação moderna tenham sido amplamente elogiadosnas universidades, nos governos nacionais e nas organizaçõesinternacionais, as provas desenvolvidas até agora pelos pesquisadoresde educação comparada que apóiam ditos argumentos são equívocas,fracas, contraditórias, ou não existem. Em relação aos efeitos dasdisciplinas e conteúdos curriculares escolares concretos, os problemasdas provas são ainda mais nítidos. Não só há espaço para um saudávelceticismo, tal como corresponde a um pesquisador em educaçãocomparada, como sustento que resta ainda muito o que estudar. Nãoafirmo isso para conferir importância aos temas abordados pelas

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recentes conferências internacionais (por exemplo, a ConferênciaInternacional de Educação, da UNESCO). Ao contrário, posto que osobjetivos gerais abordados por estas reuniões são ao mesmo temporelevantes e oportunos, os especialistas interessados devem outorgar-lhes importância que vá além de fazer meras declarações. Devem pensarse contribuem para justificar as recomendações que hoje têm poucasconseqüências reais ou que provocam involuntariamente resultadoscontraproducentes (por exemplo, o fortalecimento do particularismo,a xenofobia e o egocentrismo, ou a exacerbação das divisões e tensõespolíticas e sociais). Ainda que se possa formular um argumentoconvincente de que a educação é um fator extremamente poderoso deracionalização e universalização do mundo moderno, isso não significanecessariamente que contribua para mitigar o conflito social, as relaçõesdesiguais de poder e a miséria humana (Davies, 2001).

O objetivo subjacente deste artigo é duplo. Em primeiro lugar,destacar a complexidade dos temas conceituais e metodológicos queanalisamos; em segundo, suscitar perguntas que provoquem a reflexão àluz da pesquisa comparativa em educação, perguntas que contribuampara o diálogo e para os debates existentes entre os responsáveis pelaspolíticas e os pesquisadores. Ainda que os estudos entre países sobre asintenções curriculares oficiais tenham demonstrado claramente umamaior globalização e padronização cultural, a investigação comparativatem muito menos a dizer sobre a uniformidade ou diversidade das práticascurriculares reais nas escolas locais, ou sobre os complexos resultadossociais e políticos que produzem estes modelos. Os limites dosconhecimentos acadêmicos neste âmbito deveriam ser levados emconsideração quando se pensa em novas estratégias educacionais e emfuturos alternativos.

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APRENDER A VIVER JUNTOS:

NOSSOS JOVENS ESTÃO PREPARADOS?

Alejandro Tiana*

A 46a sessão da Conferência Internacional de Educação, realizadaem Genebra em setembro de 2001, abordou um tema – “A educação paratodos para aprender a viver juntos” – sobre cuja importância não cabenenhuma dúvida. Aprender a viver juntos constitui uma necessidadeirrefutável nestes momentos de mudança cultural e de globalizaçãoacelerada. Os desafios que a situação atual traz consigo são de grandesdimensões e podem ser sentidos tanto no interior dos países como noâmbito internacional. As mudanças registradas nas tecnologias dainformação e nos processos de produção, o impacto produzido pelasmigrações em massa e pelas grandes transformações econômicas, sociais epolíticas, a expansão dos limites do saber humano requerem odesenvolvimento de novas atitudes e a aquisição de novos conhecimentos.Neste mundo crescentemente interrelacionado e complexo, onde adiferença requer respeito e a mistura de culturas demanda compreensão eaceitação, aprender a viver juntos constitui uma exigência inevitável paraum futuro promissor. E para enfrentar tais desafios, a educação volta asituar-se no centro de nossa atenção, como já era ressaltado, claramente,no Informe Delors (Delors et al., 1996).

Nos últimos anos, insistiu-se reiteradamente que essas novasaprendizagens requeridas não devem estar limitadas somente a algunssetores sociais, como foi o caso muitas vezes no passado. Como jámanifestou a Conferência de Jomtien, há uma década, adquirir osconhecimentos necessários aparece agora como uma tarefa que tem deenvolver a todos (WCEFA, 1990). Indo além dessa exigência, nos últimos

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anos insistiu-se também que não basta facilitar o acesso de todos àeducação, mas que é necessário oferecê-la em condições de qualidade, jáque esta dimensão está estreitamente vinculada à igualdade e à eqüidade(OECD, 1992; UNESCO, 2000).

O documento elaborado como marco de referência para os debatesdesenvolvidos durante a 46a Conferência ressaltou com muita clareza erigor os desafios que se impõem, assim como as respostas que a nova situaçãodemanda a todos os envolvidos no desenvolvimento da educação(UNESCO, 2001). Em sua análise, identificava uma série de necessidadesde aprendizagem para viver juntos e para assegurar a participação social,que devem constituir a base para buscar respostas adequadas a tais desafios.

Os responsáveis políticos e administrativos de nossos sistemaseducativos enfrentam um debate tão complexo quanto inevitável, do qualdevem extrair orientações para guiar sua atuação e sua tomada de decisões.E esse debate exige tanto o contraste de idéias como o diagnóstico e aanálise da situação existente.

Este trabalho concreto insere-se nesse contexto de preocupação pelodesenvolvimento educativo adequado nos próximos anos, ante a evidênciade que aprender a viver juntos constitui um desafio crucial para nossassociedades atuais e para o futuro das relações mundiais. O texto gira emtorno de algumas reflexões concretas que se inserem no quadro analíticogeral traçado pelo documento de referência da Conferência Internacionalde Educação e que estão baseadas na experiência pessoal adquirida ao longode muitos anos atuando no mundo da pesquisa e da avaliação educacionais.Trata-se de reflexões modestas, possivelmente incompletas, mas quepretendem oferecer alguns elementos para um diagnóstico da situaçãoatual, no que diz respeito à aprendizagem para viver juntos. Sua perspectivaé claramente internacional e comparativa e, para isso, recorre a diversostrabalhos desenvolvidos por algumas organizações internacionais.

1 . P R I M E I R A R E F L E X Ã O : A P R E N D E R A V I V E R J U N T O SR E Q U E R O D E S E N V O L V I M E N T O D A C I D A D A N I A

A primeira reflexão tem a ver com uma das necessidades educativasque vêm sendo identificadas como requisito indispensável para vivermelhor juntos, que consistem em desenvolver nas pessoas a capacidade

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de converter-se em cidadãos mediante a participação na vida políticae nas instituições públicas, contribuindo ao mesmo tempo para suaredefinição. Como afirmava o documento para debate da ConferênciaInternacional de Educação, a preocupação com educar os jovens paraa cidadania democrática está cada vez mais presente em todos os sistemaseducativos, o que, sem dúvida, mantém relação com as conquistasalcançadas pela democracia nas últimas décadas (UNESCO, 2001). Estanecessária educação cívica ou formação cidadã exige a aquisição deconhecimentos, o desenvolvimento de atitudes e a construção de valoresadequados, atividades que requerem tempo e atenção.

É legítimo perguntar em que medida nossos sistemas educativosestão conseguindo converter em realidade essa aspiração. Com opropósito de encontrar uma resposta a esta questão, a AssociaçãoInternacional para a Avaliação do Rendimento Educacional (IEA)1

desenvolveu, durante a segunda metade dos anos 90, um ambiciosoestudo sobre a educação cívica, que teve duas fases, a primeira queconsistiu numa série de estudos de casos nacionais e a segunda, de caráterempírico, baseada na aplicação internacional de provas e questionárioscomuns. No denominado Estudo sobre a Educação Cívica participaramao total cerca de 90 mil estudantes de 28 países, pertencentes a quatrocontinentes2. Suas conclusões, ainda que sejam modestas e devam sercontrastadas e ampliadas no futuro, são reveladoras sobre o que estáacontecendo neste âmbito atualmente (Torney-Purta, Schwille &Amadeo, 1999; Torney-Purta, Lehmann, Oswald & Schulz, 2001).

Uma primeira conclusão que se extrai do estudo é que oconhecimento dos ideais e dos processos que caracterizam os sistemas

1 A IEA, uma associação cooperativa de instituições de pesquisa educativa, sem caráter governamental, foi fundadaem 1958 e conta atualmente com 58 países-membros (6 americanos, 14 asiáticos, 5 africanos, 31 europeus e 2 daOceania). Para obter mais informações sobre a associação, pode-se consultar sua página na Internet: http://www.iea.nl.2 Não foi esta a primeira vez que a IEA dedicou-se ao estudo sobre a educação cívica que os jovensrecebem e adquirem. Já em 1971, havia desenvolvido um primeiro estudo, que produziu interessantesresultados (Torney, Oppenheim & Farnen, 1975). No entanto, as transformações nesses últimos vintee cinco anos aconselharam a realizar um novo estudo, mais ambicioso e com maior número depaíses-partic ipantes.

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políticos democráticos está amplamente difundido entre osadolescentes dos países-participantes, o que deve ser motivo desatisfação. Com efeito, o estudo constatou que mais de 75% dosestudantes da maioria destes 28 países foram capazes de respondercorretamente a uma série de perguntas relativas à naturezafundamental das leis e aos direitos políticos ou ao funcionamentodos sistemas democráticos. Por exemplo, em 21 desses 28 países, maisde 70% dos estudantes de 14 anos identificaram adequadamente asfunções que desempenha o multipartidarismo nos regimesdemocráticos, alcançando-se uma média internacional de 75% derespostas corretas, o que não é desprezível (Torney-Purta, Lehmann,Oswald & Schulz, 2001: 50).

Os dados proporcionados pelo estudo permitiram comprovarque a maioria dos adolescentes de 14 anos dos países-participantesreconhece a importância dos atributos da democracia sublinhados pelosteóricos da política. Por exemplo, a maioria desses jovens de países tãodiferentes entre si crê que as eleições livres e a existência de umapluralidade de associações cidadãs fortalecem a democracia. Tambémconsidera que a democracia encontra-se ameaçada quando os poderososexercem uma influência indevida sobre o governo, quando os políticosinterferem nos tribunais ou quando se proíbe expressar críticas à açãodos governantes. Além disso, acredita que um bom cidadão deverespeitar às leis e considera importante votar nas eleições. O estudopermite concluir que a maior parte destes adolescentes já são membrosde uma cultura política. Construíram seus próprios conceitos sobre asresponsabilidades sociais e econômicas dos governos, que coincidemem boa medida com as que possuem os adultos com os quais convivemem sociedade. E também vale a pena destacar que não existem diferençasimportantes entre homens e mulheres no que diz respeito a esseconhecimento dos principais conceitos cívicos.

Apesar de esse grau de conhecimento poder ser qualificado comosatisfatório em termos gerais, há outras duas conclusõescomplementares do estudo que obscurecem, em certa medida, opanorama. Por um lado, foram poucos os estudantes capazes deresponder corretamente a algumas perguntas que abordavam assuntos

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mais complicados, como as relacionadas com a identificação dasposições políticas de diversos grupos ou partidos que disputam umaeleição, a compreensão dos processos de reforma política ou asimplicações que têm as decisões econômicas e políticas adotadas pelosgovernantes. Por outro lado, o conhecimento cívico que essesadolescentes adquiriram pode ser qualificado em geral comosuperficial e pouco ligado à vida cotidiana. Por exemplo, mais de umterço dos estudantes consultados mostrou-se incapaz de interpretarum simples pasquim eleitoral e identificar as posições que nele sedefendiam. Apenas em 13 países houve mais de 70% de respostascorretas, em nenhum superou-se a marca de 85% e em seis deles nãose alcançou sequer o índice de 50% (Torney-Purta, Lehmann, Oswald& Shulz, 2001: 48). Mesmo com as cautelas necessárias e levando-seem consideração a idade dos estudantes entrevistados e o tipo deinstrumento utilizado, parece que nossos jovens aprendemefetivamente na escola quais são os fundamentos do funcionamentodemocrático das sociedades, mas não os aplicam adequadamente à suavida cotidiana, o que deveria nos deixar intranqüilos.

Talvez essa desconexão entre conhecimento político e cívico econduta habitual tenha relação com outra conclusão do estudo, quetambém é ambivalente. De acordo com as análises realizadas, amaioria dos adolescentes mostrou um escasso interesse em realizaratividades como participar da vida política, afiliar-se a um partidopolítico ou converter-se em candidatos eleitorais, apesar de estaremconscientes da importância que teoricamente têm tais atividades paraa vida coletiva. Esse contraste é ressaltado ao comparar-se o índice de80% dos estudantes entrevistados que manifestaram sua provável oucerta participação em eleições gerais com o índice de 39% deadolescentes que declararam seu interesse pela política ou com osquatro quintos que não se mostraram interessados em escrever cartasaos jornais sobre temas sociais ou políticos (Torney-Purta, Lehmann,Oswald & Schulz, 2001: 118-124).

No entanto, esse desinteresse pela política, entendida no sentidoconvencional, não quer dizer que os jovens sejam socialmenteinsensíveis, já que estão dispostos a participar em formas menos

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tradicionais de compromisso cívico e político, como manifestações não-violentas de protesto ou atividades de voluntariado ou caridade. Assim,59% desses jovens mostraram-se dispostos a arrecadar dinheiro paraalguma causa social e 45%, a arrecadar assinaturas para alguma petição(Torney-Purta, Lehmann, Oswald & Shulz, 2001: 124). Somente umapequena fração dos entrevistados estava inclinada a envolver-se ematividades ilegais de protesto, tais como bloquear ruas, ocupar edifíciosou fazer pixações nas paredes. Esse contraste entre a participação cidadã,fenômeno do qual se falou muito nos últimos tempos e que a pesquisaeducativa vem confirmar, deveria fazer com que refletíssemos sobre ascaracterísticas e a profundidade da formação cívica que estamosdifundindo em nossas instituições educativas.

Esta última observação torna-se especialmente relevante, selevamos em consideração que outra das conclusões que o estudosublinhou consiste no importante papel que desempenha a práticaeducativa na formação de cidadãos responsáveis: 91% dos jovensentrevistados afirmam ter aprendido na escola a cooperar em grupo;84%, a entender que há pessoas com idéias diferentes de suas próprias;79%, a atuar para proteger o meio ambiente, 68% a contribuir para asolução de problemas comunitários; 64%, a compreender a necessidadede ser um bom cidadão; e 55%, a valorizar a importância de votar naseleições (Torney-Purta, Lehmann, Oswald & Shulz, 2001: 136). Alémdisso, de acordo com as análises realizadas, as escolas que funcionamcom normas democráticas e participativas, que promovem um climaaberto à discussão em classe e que incentivam os estudantes a participarna vida escolar conseguem favorecer a aquisição de um conhecimentocívico e o desenvolvimento de um compromisso cidadão.Concretamente, o estudo revelou a importância de um clima escolaraberto à discussão, aspecto sobre o qual insistiram outros estudos (Hahn,1998; Gordon, Holland & Lahelma, 2000). Uma das conclusões maisclaras do estudo é de que a percepção de que existe tal clima aberto naescola constitui um fator positivo do conhecimento cívico e daprobabilidade de participar em futuras eleições, em três quartos dospaíses-participantes.

Apesar deste resultado incontestável, é preciso assinalar que

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muitos dos estudantes consultados nos vinte e oito países-participantesnão percebem que em suas escolas existe um clima propício àparticipação ativa. Somente uma proporção que varia entre 27% e39% dos estudantes diz que em suas escolas são incentivados a construirsuas próprias idéias, a expressar suas opiniões, ainda que difiram dasdos outros ou dos professores, e a contemplar as distintas perspectivasde um determinado assunto. São inclusive menos (16%) os que dizemque os professores estimulam às vezes a discussão de assuntos sobre osquais existem opiniões diferentes. É como se as escolas não tivessemassumido na prática sua função de formadoras de cidadãos econtinuassem ligadas à de transmissoras de conhecimentos.

Talvez esta última observação tenha relação com outro fenômenoapontado no estudo. Apesar de as declarações oficiais darem uma grandeimportância à educação cívica na maioria dos países, a realidade é queos especialistas nacionais consultados consideram que continua sendouma área curricular de escassa importância na prática e que estálimitada, muitas vezes, a um ensino bastante superficial dofuncionamento político (Torney-Purta, Schwille & Amadeo, 1999). Osprofessores que se encarregam de seu ensino dizem dar importância aassuntos como o pensamento crítico ou a construção de valores, masna realidade concentram-se na transmissão de conhecimentos. Osmétodos centrados no professor são os predominantes e os textosescolares ocupam um lugar privilegiado, ainda que muitos professoresdesenvolvam seus próprios enfoques didáticos. Esse contraste que sepercebe entre o nível das declarações políticas e pedagógicas e o planoda prática escolar, entre as convicções e a realidade escolar, deveriaatrair nossa atenção e fazer com que refletíssemos.

Entretanto, não se pode culpar, exclusivamente, a escola pelosdéficits encontrados na tarefa de conformação de sociedadesdemocráticas e coesas, nem pelas deficiências que podem serencontradas nesse campo. Seria uma reprovação tão injusta comoexcessiva. O Estudo sobre a Educação Cívica chegou à conclusão deque os estudantes procedentes de famílias com mais recursos educativosadquirem, em praticamente todos os países, um melhor conhecimentocívico e, algumas vezes, ainda que nem sempre, desenvolvem uma atitude

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mais participativa, o que ressalta a cooperação que deve existir nessatarefa entre a escola, a família e a comunidade. Por outro lado, muitosdos conhecimentos cívicos que os estudantes adquirem sãotransmitidos pelos meios de comunicação e, muito especialmente,pela televisão. Muitos dos jovens entrevistados concedem maiorcredibilidade à informação televisiva do que à impressa em jornais, oque obriga a considerar a participação destes poderosos meios deformação de opinião na tarefa da educação cidadã.

Tampouco se deve crer que a construção de uma cidadania ativae consciente por meio da educação cívica seja uma tarefa que não admiteretrocesso. A história nos mostra como alguns países com democraciasassentadas sucumbiram a regimes autoritários, e este estudo da IEAnos confirma que o problema de proporcionar uma formação cidadãadequada continua vigente, tanto em países que atingiramrecentemente a democracia, como nos outros que desfrutam dela hámuito tempo. Entre os países cujos estudantes alcançaram níveis maisaltos em conhecimentos cívicos encontram-se Chipre, República Tcheca,Finlândia, Grécia, Hong Kong, Itália, Noruega, Polônia, Eslováquia eEstados Unidos, que são muito diferentes entre si. E entre os quedesenvolveram atitudes de participação social e política estão Chile,Colômbia, Chipre, Grécia, Polônia, Portugal, Romênia e EstadosUnidos. Como se pode perceber, no desenvolvimento da formaçãocívica dos estudantes existe um elemento de vontade política emobilização social que não pode ser ignorado.

Estas conclusões do Estudo sobre a Educação Cívica da IEA sãoestimulantes, mas também mostram-se inquietantes. Por um lado,mostram que em muitos países estamos assistindo, na atualidade, auma revisão e a uma reconceitualização da educação cívica, a qual seconsidera que deve ser transdisciplinar, participativa, interativa, ligadaa vida, realizada em um encontro não autoritário e construída emcooperação com as famílias e à comunidade. Por outro lado, essasmesmas conclusões chamam a atenção para as deficiências da formaçãoadquirida pelos estudantes, que não valorizam excessivamente aatividade política, nem sempre têm níveis de intenção de participaçãoque podem ser considerados satisfatórios, nem integram habitualmente

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essa formação em sua conduta cotidiana e nem sempre encontram naescola estímulo adequado para desenvolver condutas cívicas ecomprometidas. Também é preciso levar em consideração que o estudonão pôde abordar outras questões que poderíamos propor, tais como asque se referem às motivações das condutas reais dos estudantes ou aocontraste entre os valores vigentes na sociedade e os apregoados pela escola,aspectos que permanecem abertos a futuras investigações. Em suma, trata-se de um quadro com luzes e sombras que deveríamos analisar com detalhe,se efetivamente queremos promover uma aprendizagem para viver juntos,que permita uma inserção social ativa e participativa.

2 . S E G U N D A R E F L E X Ã O : A P R E N D E R A V I V E R J U N T O SE X I G E C O N H E C I M E N T O S

A segunda reflexão está relacionada a uma frase incluída nodocumento de referência da conferência: “querer e saber como viverjuntos pressupõem conhecimentos”. Com efeito, a educação cívica é oaspecto que mais se destaca quando nos perguntamos sobre comopodemos ensinar a viver juntos, mas de modo algum esta aprendizagemestá reduzida exclusivamente à formação cidadã, por mais importanteque esta seja. Como ressalta o próprio documento, o desafio daglobalização traz consigo diversas necessidades educativas, pelo menosno âmbito das capacidades lingüísticas, do saber científico e do domíniodas tecnologias da informação e da comunicação, sem que estaenumeração esgote todas as necessidades de aprendizagem. Como indicao próprio documento, “saber, poder e querer participar, dominar aslínguas, ser científica e tecnologicamente alfabetizado constituem, semsombra de dúvidas, indicadores da qualidade da educação para todospara viver melhor juntos” (UNESCO, 2001: 26).

A necessidade de adquirir um conjunto de conhecimentos comoos mencionados relaciona-se a uma dupla exigência. A primeira consisteem conseguir um desenvolvimento em condições de eqüidade; a segunda,em assegurar o acesso generalizado à sociedade do conhecimento. Nossassociedades não podem se permitir desperdiçar o talento que possuem,depositado em seus cidadãos, sem ameaçar seriamente sua capacidade de

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desenvolvimento. O avanço em direção a uma verdadeira sociedadedo conhecimento torna ainda mais urgente esse aproveitamento. Poroutro lado, nossas sociedades não podem pôr em perigo sua coesãosocial, sem arriscar seu futuro político e social. E nessa dupla tarefa ossistemas educativos têm uma importante função designada.

A primeira pergunta que surge a partir deste ponto de vista refere-se a que diferenças de formação existem entre nossos estudantes e nossospaíses. Para tentar respondê-la, pode-se também recorrer a algunsestudos internacionais realizados recentemente. Neste caso, farei usodo conhecido Third International Mathematics and Science Study(TIMSS)3, estudo realizado também pela IEA, cujo desenvolvimentoiniciou-se no princípio dos anos 90, do qual participaram até agoramais de 50 países de todos os continentes e que já proporcionou algunsresultados de indubitável valor (Martin et al., 2000; Mullis et al.,2000).Os dados da aplicação de 1999 referem-se a estudantes de 14 anos e porisso são paralelos aos apresentados na seção anterior. Estarei centradosomente no caso da aprendizagem das ciências, como um exemplo,para colocar minha reflexão em conexão com uma das necessidadeseducativas identificadas no documento-marco da Conferência. Porém,boa parte das observações realizadas a seguir sobre os conhecimentoscientíficos são plenamente aplicáveis a outras áreas da aprendizagem.

Uma primeira conclusão do estudo consiste em que os paísesdiferem notavelmente em seu rendimento médio na aprendizagem deciências, nesta idade que corresponde aproximadamente à de finalizaçãoda educação secundária inferior. As diferenças existentes entre os paísesque encabeçam a distribuição (muitos deles da Ásia oriental) são muitoconsideráveis. Se a média internacional situa-se em 488, a distribuiçãode pontuações médias dos países estende-se de 243 até 569 (Martin etal., 2000: 32)4. inclusive, nos casos mais extremos, os melhores alunos

3 Para obter mais informações sobre o projeto, suas características e resultados, pode-se acessar sua página web: http://timss.bc.edu.4 A situação é bastante similar em matemática, cuja pontuação nacional inferior é de 275 e asuperior, de 604. A média situa-se em 487 (Mullis et al., 2000: 32).

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dos países com piores resultados alcançaram somente um nível derendimento similar ao dos piores alunos dos países com melhoresresultados. As diferenças entre os extremos são chamativas, aindaque exista um amplo grupo médio de países cujo rendimento sejabastante similar. Portanto, podemos dizer que a distribuição mundialde resultados é claramente desigual, existindo algumas situaçõesconcretas de visível polarização. E é preciso levar em consideraçãoque somente um dos países participantes tem um PIB per capita inferiora três mil dólares, o que deixa de fora do foco de análise praticamentetodos os países menos desenvolvidos. Se a participação destes últimostivesse sido maior, a desigualdade teria sido escandalosa.

Uma segunda conclusão refere-se à existência de níveis muito diversosde desigualdade de rendimento no interior dos países. Sem pretenderchegar a um nível de detalhe excessivo, pode-se dizer que há países cujadistribuição interna de resultados é muito mais igualitária do que emoutros. Assim, enquanto a diferença entre os estudantes com melhores epiores resultados situa-se em alguns países em pouco mais de 200 pontos,em outros supera amplamente os 400 pontos5. Em outras palavras, adistância entre os alunos que obtêm os melhores e os piores resultados émais ou menos notada nos diferentes países-participantes. E isso nãotem a ver exclusivamente com o nível médio dos resultados nacionais.Ou seja, há países com bons resultados médios mas pouco homogêneos(com uma grande dispersão), enquanto há outros com resultados ruinsmas relativamente homogêneos (com pequena dispersão), e vice-versa.Isto deveria fazer com que refletíssemos sobre os critérios de eqüidaderealmente aplicados pelos sistemas educativos.

Uma terceira conclusão está ligada a um tipo de diferença queacreditávamos estar em vias de superação em escala mundial. Refere-seàs diferenças de rendimento entre homens e mulheres. Os resultadosdo estudo confirmam que em quase metade dos países estudados oshomens tiveram melhor resultado em ciências do que as mulheres.

5 Este dado refere-se à pontuação obtida pelos alunos situados nos percentuais 5 e 95, respectivamente, nos diversos paísesparticipantes.

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Dos 38 países incluídos no relatório do estudo de 1999, 16 delesapresentavam diferenças estatisticamente significativas a favor dosgarotos, outros 19 tinham o mesmo tipo de diferenças, mas semsignificação estatística, em um a pontuação era idêntica para ambos osgrupos e somente em dois a diferença (não estatisticamente significativa)era a favor das garotas. A diferença da média internacional tambémera significativa a favor dos homens (Martin et al., 2000: 50)6. Alémdisso, os garotos mostraram um grau maior de confiança em suacapacidade para o aprendizado de ciências do que as garotas, o queindica que ainda existem problemas a resolver neste sentido. Aindaque a tendência geral que vem sendo percebida entre o levantamentode dados de 1995 e o de 1999 aponta para uma ligeira diminuição, essadiferença continua sendo perceptível.

Uma quarta conclusão refere-se aos níveis de acerto que puderamser identificados em escala mundial e à dispersão que apresentam ospaíses com relação a eles. O estudo permitiu identificar vários níveis deacerto (benchmarks), que estabelecem o que um estudante conhece esabe fazer, conforme esteja situado em um nível médio, ou em níveissuperiores ou inferiores de acerto7. Obviamente, não se trata de níveisde acerto prescritivos (que indiquem o que deve saber ou fazer), masexclusivamente estatísticos (que indicam o que efetivamente sabe oufaz), mas aportam uma informação muito interessante sobre quaissão as capacidades que, em termos de aprendizado científico, osestudantes dos diversos países desenvolveram, além de nos permitiremcomparar situações nacionais com padrões internacionais. Também

6 É necessário ressaltar que as diferenças existentes entre ambos os grupos no rendimento obtido em matemática nãoeram tão chamativas. Ainda que também nessa área verificava-se uma diferença internacional estatisticamentesignificativa a favor dos garotos, era muito menos do que no caso das ciências (Mullis et al., 2000: 50).7 O estudo definiu níveis de acerto (benchmarks) para os estudantes incluídos nos 10% superiores, nos 25% superiores,nos 50% e nos 25% inferiores. Para cada um deles, foram especificados os conhecimentos que possuiria, assim como asprincipais tarefas que seria capaz de realizar. Para fazer mais compreensíveis tais níveis de acerto, os relatóriospublicados como resultado do estudo incluíram alguns exemplos concretos de perguntas correspondentes a cada nível dedificuldade (Martin et al., 2000: 57-92).

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aqui se percebem diferenças entre os países. Como caso maischamativo, pode-se dizer que os estudantes com piores resultados dealguns países são capazes de realizar tarefas que nem sequer osmelhores estudantes de alguns países podem realizar. Por exemplo,mais de 30% dos estudantes de Cingapura e Taiwan alcançam apontuação média internacional dos 10% superiores, enquanto queem nove países são menos de 2% dos estudantes os que conseguem.Isso quer dizer que o nível de excelência dos 10% superiores éalcançado por muitos estudantes de alguns países, mas por muitopoucos de outros. E enquanto em oito países mais de 75% dosestudantes superam o nível de acerto médio (50%), em outros seis, oíndice não chega a 25%.

Assim como acontecia no caso da educação cívica, o estudotambém ressalta o importante papel que as escolas desempenham naconquista dessas vitórias e na eqüidade dessa distribuição. Fatores comoa confiança que o professor tem em seu preparo para o ensino, o tempoefetivamente dedicado à instrução, a freqüência de interrupções naaula, a riqueza do material didático disponível, o clima escolar reinantedemonstraram exercer um impacto perceptível nos resultadosconseguidos. Ainda que esta análise esteja aqui restrita ao caso do ensinodas ciências, os resultados correspondentes a matemática e outros estudossemelhantes concordam plenamente com estas apreciações (Crahay,2000). E também deve-se destacar a influência que exercem outros fatorescomplementares, como a riqueza dos recursos educativos no ambientefamiliar, a atitude dos pais com relação à educação dos filhos ou aligação da família com a escola. Esses resultados voltam a confirmarque a educação dos jovens é uma tarefa coletiva, na qual as escolas e osprofessores ocupam lugar central, mas com outros fatores igualmentedecisivos que não podem ser ignorados.

Em resumo, o ciclo de estudos do TIMSS, com levantamento dedados em 1995, 1999 e 2003, vai-nos permitindo conhecer as diferençasque existem nos conhecimentos realmente adquiridos pelos estudantesde nossos países em algumas áreas-chave do currículo escolar. E é precisoconfessar que a situação não se mostra excessivamente alentadora. Comoocorria no caso da educação cívica, no quadro aparecem algumas zonas

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de luz, que parecem se estender em determinadas direções, mas opanorama continua apresentando outras zonas de sombra, que nãosabemos se conseguiremos clarear em um tempo razoável. Dado queo estudo tem um componente longitudinal, que permite estudar astendências produzidas ao longo do tempo, pode-se também afirmarque o progresso linear não é a única realidade. Com efeito, enquantoalguns países mostram claros sinais de melhora em seu rendimentocom o passar do tempo, outros apresentam certos retrocessos, aindaque possam ser conjunturais ou devidos a motivos circunstanciais. Osdados do TIMSS e de outros estudos internacionais similares indicamque a tarefa que resta a fazer para assegurar um acesso ao conhecimentoem condições de igualdade é ainda considerável.

A pergunta que se faz em seguida consiste em saber se é possívelviver efetivamente juntos quando existem tais diferenças nosconhecimentos adquiridos e nas habilidades desenvolvidas pelos jovens.Essa pergunta admite uma perspectiva dupla: por um lado, pode-seaplicar ao interior de uma determinada sociedade; e por outro, pode-seaplicar às diferenças existentes entre países.

A partir do primeiro ponto de vista, a pergunta nos conduz auma reflexão sobre quais são os níveis mínimos de acerto que deveriamser assegurados a todos os cidadãos de uma determinada sociedade. Asnovas concepções de justiça social estão concedendo grande importânciaa este aspecto da igualdade, que tem a ver com a aquisição generalizadade alguns conhecimentos básicos, e o acesso a eles é responsabilidadeda escolarização inicial (Trannoy, 1999). Saber em que medida nossosjovens estão alcançando essas competências que podem ser consideradasbásicas e imprescindíveis para todos os cidadãos é fundamental paracolocar em prática políticas de eqüidade e de diminuição do fracassoescolar. O diagnóstico correto do acesso efetivo a esses conhecimentosconstitui, além de tudo, a base para a adoção de novos parâmetroscurriculares que dêem ênfase às competências, às capacidades e àshabilidades que devem ser desenvolvidas pelos jovens, em lugar dossimples conteúdos que devem ser aprendidos (Tiana, 2000).

A partir do segundo ponto de vista, a pergunta nos leva a outrareflexão sobre quais são as condições educativas que o vigente processo

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de globalização exige. Sendo mais rigorosos nas questões propostas,não bastaria somente perguntarmos sobre os níveis de rendimentoaceitáveis, mas sobre os âmbitos que devem estar incluídos nessesaber básico, sobre a conexão que estabelece com a realidade mundial,de um lado, e com a local, de outro. Estes e outros aspectossemelhantes não foram ainda abordados pela pesquisa educacionalinternacional, ainda que estejamos coletando dados de grandeinteresse para empreendermos esta reflexão. A construção de escalasde acertos (benchmarks) como as indicadas é um primeiro passopara responder a essas perguntas mais amplas.

3 . T E R C E I R A R E F L E X Ã O : A P R E N D E R A V I V E R J U N T O SR E Q U E R C O O P E R A Ç Ã O E I N T E R C Â M B I O .

A terceira e última reflexão diz respeito a outra afirmaçãocontida no documento de referência: “os resultados derivados dapesquisa permitem avançar mais para ensinar a viver melhorjuntos”, ainda que também se reconheça que “os resultados obtidospela pesquisa sobre os rendimentos de aprendizagem não parecemser ainda suficientemente utilizados” (UNESCO, 2001: 26).Qualquer pessoa que possua ou tenha possuído vínculo com omundo da pesquisa educacional e responsabilidades no âmbito daadministração da educação não pode ter outra atitude a não serassinar embaixo dessa afirmação. Mas, no contexto da reflexãosuscitada pelas necessidades educativas para aprender a viver juntos,é preciso destacar também a importância da cooperação e dointercâmbio internacionais como instrumentos de aprendizageme de melhoria para os sistemas educativos.

O documento marco da conferência caracteriza o atual processode globalização como uma etapa de expectativas e de incertezas. Nessascircunstâncias tão especiais torna-se ainda mais necessário atuarconjuntamente. E pode-se honestamente afirmar que, com todos osdefeitos que haja, com toda a insensibilidade que, às vezes, possa terdemonstrado para a resolução dos problemas vislumbrados, acomunidade dos pesquisados da educação está capacitada para colaborar

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na tarefa de melhorar nossos sistemas educacionais e seus processosde ensino e de aprendizagem.

Sabemos que é difícil experimentar em matéria de educação.Em outros âmbitos da atividade humana a experimentação, mesmosendo complicada, é factível, mas no campo da educação encontramuitas limitações. Com o fim de superar algumas dessas dificuldades,já faz quase cinqüenta anos que pesquisadores pioneiros lançaram aidéia de considerar o mundo como um laboratório educativo. Oelemento central dessa nova perspectiva consistia em comparar orendimento obtido pelos diversos sistemas educacionais, controlando,na medida do possível, as principais variáveis que intervêm neles.Essa visão comparativa permitiria analisar e mensurar a influênciados diversos fatores assim identificados, mediante uma aproximaçãotransnacional. A diversidade internacionalmente existente em aspectoscomo a organização do sistema educacional, a formação dosprofessores ou o currículo previsto ou implementado, para nãomencionar mais do que alguns exemplos, permitiria analisar e mensurarsua influência sobre os resultados, sem necessidade de introduzirmudanças complicadas e arriscadas para medir seus efeitos. Os estudosinternacionais de avaliação se converteriam, assim, em um poderosoinstrumento de pesquisa empírica do rendimento e de seus fatoresassociados, sempre a serviço da melhoria da educação.

Essas idéias inspiraram, a partir de então, o trabalho de muitosespecialistas e de diversas organizações internacionais. Sem pensar quesua aplicação direta possa ser uma nova panacéia para resolver osproblemas educativos, que, sem dúvida, requerem tratamentos muitomais complexos, tampouco pode-se desprezar as possibilidades que esteenfoque oferece para desenvolver uma análise dos sistemaseducacionais. A melhor demonstração da potencialidade dessa idéiaé que há, cada vez mais, esforços internacionais desenvolvidos nessadireção por diversas organizações, tanto governamentais quanto não-governamentais (IEA, OECD, UE, UNESCO). Os estudos que medemo rendimento da educação, a construção de escalas de acertos e aelaboração de indicadores educativos não são mais do que uma mostrasignificativa das possibilidades abertas a partir desta perspectiva

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(Degenhart, 1990). No final das contas, a comparação com algunscritérios e normas pré-estabelecidas, a comparação consigo mesmoao longo do tempo e a comparação com outras realidadessemelhantes à nossa são poderosos instrumentos de avaliação denossa situação.

Nesta tarefa de pesquisa e reflexão para aprender a viver juntos émuito difícil atuar de forma independente. Afinal vivemos um processode globalização que, apesar de acarretar riscos, também é uma fontede riqueza. Ainda que cada um possa aprender por si próprio, nossoprocesso de aprendizagem será enriquecido se for compartilhado comos outros. E nessa tarefa de cooperação e intercâmbio, nós pesquisadoresda educação que trabalhamos a partir de uma perspectiva internacionale comparativa estamos dispostos a realizar nossa contribuição, modesta,mas esperançosa.

R E F E R Ê N C I A S B I B L I O G R Á F I C A S

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CENÁRIOS FUTUROS DA EDUCAÇÃO:

UMA JANELA AO DESCONHECIDO

Uri Peter Trier *

A conditio humana muda lentamente, se é que o faz. Nãoobstante, as condições nas quais os humanos devem viver estãotransformando-se de modo intenso e importante. A educação – ouseja, o esforço de dotar cada nova geração com o que necessitarápara quando cheguar sua maturidade – acarreta necessariamenteuma concepção sobre o porvir. Não podemos conhecer o futuro eeste sempre permanecerá impredizível, mas necessitamos ter umaidéia sobre ele.

Quando refletimos sobre o futuro, todos olhamos por janelas,contemplando com lentes ideológicas a sociedade, a cultura, anatureza e nós mesmos. Absortos, falamos em termos rebuscadosda complexidade de nossas sociedades qualificadas de pós-modernas.O que vem em seguida é minha opinião, ou melhor, parte dela:exponho apenas alguns aspectos do futuro, ainda que eu sejaplenamente consciente de que existem outros de mesma importância.Meu interesse principal está em expor aqui os temas que, na minhaopinião, são fundamentais para modelar as políticas educacionais.

* Doutor honoris causa pela Universidade de Zurich. Atualmente, professor visitante de psicologia na Universidadede Neuchâtel. Ex-diretor da Faculdade de Pesquisa e Desenvolvimento da Pedagogia em Zurich. Presidente do ComitêPedagógico da Conferência Suíça dos Ministros de Educação. Diretor de um programa de pesquisa nacional.Representante suíço de educação diante da OCDE. Especialista em programas para o desenvolvimento das escolas emButão e Laos. Consultor de várias organizações suíças e internacionais. Seus âmbitos de pesquisa e trabalho:desenvolvimento e avaliação das escolas e sistemas de educação, psicologia cognitiva e psicanálise.

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1 . U M A V I D A C O M D I G N I D A D E

A Suíça é um lugar bonito, cômodo e tranqüilo para viver e pensarsobre o futuro; no entanto, antes de olhar pela primeira janela, abrorapidamente uma segunda janela que não dá ao futuro, mas ao presentebem conhecido por todos, esse que existe nos continentes distantes domeu, mas que não me são alheios. A humanidade está dividida hojeem dois mundos muito diferentes. Em um deles, as mães de famílianão podem ter certeza se “amanhã” poderão alimentar seus bebês; asfamílias não têm moradia; os níveis de educação e expectativa de vidasão baixos; o conceito dos direitos humanos não significa nada; e sematam homens, mulheres e crianças em grandes quantidades.

Existe um claro limite entre esses dois mundos, ainda que nãoseja de índole econômica ou continental. Tampouco é demarcado portermos cunhados tais como o “Terceiro Mundo”, o “Norte contra oSul” ou “os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento”. Essafronteira atravessa cidades, regiões ou nações e o que a define é o fatode que os seres humanos possam ou não viver com dignidade.

Atualmente, fala-se e escreve-se muito sobre “os pobres”. O BancoMundial organizou suas denominadas “consultorias sobre os pobres”e escreveu intrigantes livretos sobre suas condições. A comunidadeeducacional está ocupada com um vigoroso debate sobre osconhecimentos que os sistemas de educação deveriam priorizar. Nãoobstante, ela é propensa a incorrer em uma falácia comum: passar poralto sobre o impacto determinante das condições de vida de cada pessoae concentrar-se no fornecimento de conhecimentos adequados e naelaboração de listas de instrumentos, habilidades e competências paraos alunos. Nem sempre presta a devida atenção ao fato cruel de quesem moradia, alimento, proteção à saúde, segurança adequada e acessoà educação básica, as pessoas não podem levar vidas dignas e, portanto,não podem ser responsabilizadas pela construção de seu futuro.

Nossa capacidade de encontrar condições de vida melhores emnossas sociedades, principalmente nas mais fracas, será um fator decisivonas próximas décadas. A educação é importante para alcançar esseobjetivo, ainda que não seja o fator mais determinante. A realidade é,

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que as sociedades influenciam a educação mais do que a educaçãoinfluencia a sociedade

Para ilustrar este ponto, apresentarei três exemplos. Se vivêssemosem uma sociedade mundial onde a fabricação de armas se limitasse auma pequena produção controlada – ou seja, aquela necessária parauma força policial legítima –, obviamente, nossas sociedades estariammais seguras, independentemente das capacidades básicas, sociais oucívicas adquiridas individualmente. Por outro lado, sendo menosdramáticos, imaginemos os programas de televisão mostrando pistolase armas como costumava acontecer nos filmes dos anos cinqüenta deHitchcock. Sem dúvida, diminuiriam nossas necessidades em relação àeducação para prevenir o crime. Por último, enfocando um dos fatosmais horríveis e incríveis de nossa época, devemos nos perguntar: quemé realmente responsável pela morte de milhões de crianças e jovenspor causa da Aids na África? São os pais analfabetos e as escolasineficazes, ou as condições econômicas e políticas prevalecentes e osinteresses das multinacionais?

Antes de deixar essa segunda janela e passar para a primeira, minhamensagem é simples: todos nós estamos sempre nos desenvolvendo eatuando em um campo político. Isso significa que nossas atividades edecisões relacionadas com as questões sociais, econômicas e culturaisdecidirão o futuro. E as políticas visionárias de desenvolvimentosustentável poderão marcar uma diferença entre os povos que vivemsem esperança e aqueles que aspiram a viver um futuro digno. Apenas associedades que vivem em paz social sobreviverão no século XXI. Serãoaquelas que proporcionam um nível mínimo de bem-estar a todos, quepromovem uma distribuição de riqueza orientada para a igualdade, queprotegem os direitos humanos, lutam contra a violência em todos ossetores e níveis e garantem a aplicação das normas jurídicas.

2 . O B E M - E S T A R D O E S T A D O E D A C O M U N I D A D E .

As decisões que os futuros cidadãos deverão tomar serão maiscomplexas e menos transparentes do que as de hoje e, muitas vezes,

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terão conseqüências irreversíveis. As esferas decisórias em todos osplanos – comunitário, regional, estatal, nacional, continental e mundial– deverão planejar de acordo com a crescente interdependência entreesses níveis e dentro de cada um deles.

Atualmente, as organizações e instituições que foram os centrostradicionais da expressão da opinião pública – tais como as igrejas, partidospolíticos, sindicatos e associações – estão perdendo sua influência. Nasociedade civil estão se desenvolvendo novos modelos de organizações,como as organizações não-governamentais nacionais e internacionais, eaumentando sua influência no terreno do jogo político. A geração depolíticas centrada nos meios de comunicação sempre corre o risco decair em lutas internas, exageros e polarizações. O acesso à informaçãopor meio de múltiplas redes aumentará radicalmente. A questão é comoessa informação será integrada às idéias políticas dos cidadãos.

Um sistema descentralizado que admita certa autonomia é omais indicado para propiciar uma ação política eficaz. Em tal sistema,a dinâmica vital da tomada de decisões nasce das bases e dirige-se paracima, em vez de proceder ao contrário. Dessa maneira, os cidadãospodem participar diretamente do processo decisório nos contextoslocais. Ao mesmo tempo, será preciso adotar também decisões de cimapara baixo, com a finalidade de proporcionar maior eficácia eestabelecer limites e obrigações.

Talvez a lição mais importante que se pode aprender com asexperiências do século XX seja que a maior prioridade na vida social édada à responsabilidade política exercida por meio de processosdemocráticos. Além de constituir um objetivo da educação, ademocracia deveria ser um princípio de organização social e, inclusive,econômica. A democracia só existe onde é vivida.

3 . G E N É T I C A H U M A N A E E N G E N H A R I A G E N É T I C A :E S T E N D E N D O A V I D A H U M A N A

Atualmente, nossa geração espera viver em média oitenta anos(ainda que, lamentavelmente, não seja o caso de muitas populações no

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mundo). Não obstante, a divisão da longevidade em três segmentos –(i) crescimento e educação; (ii) trabalho e reprodução; e (iii)aposentadoria –, já não é um modelo pertinente para o futuro graçasaos progressos na medicina e pesquisa genética.

Ainda estão por ser entendidas em sua totalidade as enormesconseqüências da exploração do genoma humano com a finalidadede prolongar a longevidade, dadas as possibilidades que parecemremotas na nossa realidade contemporânea. Estas envolvem aprevenção de doenças por meio da manipulação genética e deterapias fundamentadas em tecnologias genéticas destinadas acontrolar o envelhecimento. As novas gerações das sociedades maisprivilegiadas poderão esperar dar um passo quantitativo em relaçãoà qualidade da saúde e à expectativa de vida para além dos cemanos, ainda que este seja um cálculo moderado. Segundo algumaspredições recentes de biólogos, nas próximas gerações concebem-se expectativas de vida que oscilarão entre os 200 e os 300 anos(Mittelstrass, 1998). Isto significa que os que agora se consideram“velhos” participarão no futuro com toda a plenitude física epsíquica da vida social, econômica e cultural de suas sociedades.

Mais ainda, é possível que as pessoas tenham acesso a seus fatoresgenéticos, podendo modificar deliberadamente suas própriasconstituições genéticas, assim como, as de seus filhos.Conseqüentemente, a condição humana mudaria no sentido de quesuas bases biológicas poderiam ser alteradas. Isto incluiria uma dimensãocompletamente nova à desigualdade intranacional e internacional. Nãoapenas o acesso à riqueza e à saúde tradicional estariam sujeitos a fatoresdo poder político e econômico, mas também o acesso à prolongaçãoda vida manipulada geneticamente.

Nesta nova área que está emergindo, as normas éticas e oscontroles políticos e jurídicos são, mais do que nunca, cruciais. Assimcomo a ecologia atual dedica-se à preservação da natureza, seráimprescindível estabelecer uma “ecologia humana que se dedique àpreservação dos seres humanos”. É necessário promover asensibilidade do público para empreender medidas responsáveis nosdois âmbitos mencionados.

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4 . O D I V Ó R C I O E N T R E A P R O D U Ç Ã O , O E M P R E G O EO L U G A R D E T R A B A L H O

A integração tradicional do emprego em um quadropermanente, estável, institucional e orientado para o trabalho,com as trajetórias profissionais traçadas – pelo menos durante a“idade ativa” – está desaparecendo (Sennet, 1998). Estadesestabilização está acontecendo pela convergência de duastendências e traz consigo novas oportunidades e riscos. O fatordecisivo é a pressão econômica da inovação, a qual exige umareestruturação constante das empresas. As redes multinacionais ea descentralização da produção e dos serviços facilitam aadaptação às mudanças do mercado. Graças à flexibilidade daespecialização na produção aumenta o grau de liberdade que asorganizações econômicas têm na tomada de decisões estratégicas comrespeito às vantagens comparativas oferecidas por certos locais pararealizar sua produção e seus serviços.

O segundo fator, sem o qual um desenvolvimento deste tiposeria impossível, procede do mundo da tecnologia avançada. Nestemomento, a gestão da produção e dos serviços dispõe de uma maiorflexibilidade. As redes de comunicação eletrônica facilitam arealocação do emprego, passando do escritório tradicional àpresença física temporal dos empregados em lugares escolhidospor eles. Este fato recente conduzirá, previsivelmente, a umaorganização e a condições de trabalho totalmente novas. Asoportunidades de emprego consistirão, cada vez mais, de umcontrato de trabalho claramente definido, no qual haverá projetosconcretos com prazos fixos que pessoas ou grupos deverão realizar.Os caminhos profissionais “clássicos” que constituíam as metasdos planos educativos e de vida, possivelmente, desaparecerão,acarretando insegurança e riscos para as pessoas, ainda que sejadifícil calculá-los. Em certo grau, os sistemas de segurança socialpoderão moderar estes riscos, mas as forças do mercado impõem,cada vez mais, a liberalização de normas, mesmo no estado debem-estar social.

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5 . T R A B A L H O N Ã O - R E L A C I O N A D O C O M O E M P R E G O

Na última década do século XX, diversos fatores indicam que ossistemas de apoio social destinados aos aposentados e deficientes, etambém aos jovens, que foram estabelecidos a um custo enorme nospaíses europeus, depois do período da política do “bem-estar social”,não seriam viáveis da mesma maneira no futuro. Os gastos dos serviçossociais essenciais não serão totalmente custeados pela economiamonetarista e será necessário que as famílias, sócios, vizinhanças,comunidades e municípios assumam mais a carga de uma renovadarede social. Essas redes deverão ser mantidas por meio da cooperaçãovoluntária e da solidariedade recíproca, e não por meio de um sistemade troca monetária, e, como tal, não poderiam organizar-se segundo opricípipo de um provedor. Não é preciso remontar à história de nossostempos modernos para ver como isso pode ser feito e inclusive hojeexistem sociedades nas quais podem ser encontrados esses exemplos.No entanto, como isso perdeu-se em nosso mundo atual, será necessáriorecriar e reorganizar as estruturas e condições da vida pós-moderna.

Nossas atitudes necessitarão de uma mudança paradigmática emrelação ao muito valorizado setor do emprego e ao muito desvalorizadosetor do desemprego. Não obstante, além das redes sociais confiáveisque deverão ser criadas, existem mais razões para atribuir valor aotrabalho não-remunerado. Cabe pensar que o desenvolvimento ulteriorda produtividade econômica continuará reduzindo os postos detrabalho. Já em alguns países, decretou-se a semana de trabalho dequatro dias e horários flexíveis para boa parte dos empregados, e ataxa de desemprego é permanente. Ao mesmo tempo, um terço dapopulação tem mais de sessenta anos de idade. É indispensável levarem conta que haverá ainda mais aposentados e pessoas sadias no futuro.Deverão ser revisados os termos usuais de “tempo livre”,“aposentadoria” ou os períodos livres sem emprego tradicional. Estestermos menosprezam a necessidade humana de realizar uma atividadecom sentido. Na minha opinião, no futuro surgirá uma nova culturado trabalho que caminhará paralelamente ao emprego atual, mas semestar unida a ele.

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Tal modelo futuro vai requerer que o trabalho não-assalariadotenha um valor igual ao do trabalho assalariado no setor econômicomonetário. Neste cenário, o trabalho não-assalariado terá pouco emcomum com os denominados passatempos atuais na sociedade de óciocontemporânea. Ao contrário, a sociedade reconhecerá plenamente asatividades inovadoras e recreativas, assim como os serviços sociais ouecológicos, organizando-os por meio de sistemas de troca direta oucooperativas.

6 . O C O N H E C I M E N T O E A S O C I E D A D E D AA P R E N D I Z A G E M

As três dimensões inter-relacionadas que acabo de esboçar –aumento da expectativa de vida, maiores flexibilidade e mobilidade damão-de-obra e uma maior valorização do trabalho não-assalariado –terão efeitos tangíveis sobre nossa compreensão da educação e daaprendizagem:• As pessoas seguirão, cada vez menos, uma carreira ou um ofício

e vão adquirir aptidões em vários âmbitos especializados ecapacidades que utilizarão em seus empregos, assim como, notrabalho não-assalariado.

• As maiores flexibilidade e mobilidade do mercado de trabalhocontinuarão oferecendo mais oportunidades (assim como, riscos),que necessitarão de níveis mais elevados de competência e deconhecimentos próprios. Isto quer dizer que as pessoasnecessitarão de uma gama de aptidões especializadas, viáveis evariadas, assim como a capacidade de adaptar-se ao mercado detrabalho, seja modelando ou acrescentando qualificações. Damesma forma, as vicissitudes ou as mudanças relacionadas coma identidade e com a segurança pessoal deverão ser percebidascomo um traço positivo, e não como ameaças.

• A divisão temporal da vida em etapas distintas – (i) educação eformação; (ii) emprego; e (iii) período posterior ao emprego (oude emprego não-assalariado) – tornar-se-ão cada vez mais difusas.Conseqüentemente, pode-se imaginar inclusive que a distinção

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entre “escolaridade” e “educação de adultos” deixará de serclara. Como resposta, podemos instituir modelos de etapascompletamente novos, como a redução da primeira etapa daeducação e o acréscimo de uma segunda e terceira etapas deeducação plenamente reconhecidas. Também podemos criar umtreinamento formal para novas habilidades profissionais e umemprego conjunto em tempo parcial, seja no mesmo campo ouem outro.

Com a finalidade de descrever adequadamente esta mudançaradical em nossas condições socioeconômicas, tentamos utilizar ostermos “sociedade pós-industrial”, “sociedade da informação”,“sociedade da aprendizagem” (Keating, 1998) e, mais recentemente,“sociedade do conhecimento” (Bereiter & Scardamalia, 1998). Todosestes termos denotam a crença de que a obtenção e a aplicação doconhecimento são um valor agregado.

O conhecimento sempre foi investido na produção de bens eserviços, mas a diferença agora é que esse conhecimento que é dadocomo certo tornou-se uma mercadoria, alheio a todo o processo deprodução ou serviços.

Em uma sociedade do conhecimento, a pessoa instruídacontinua sendo naturalmente sua portadora. Mas, sozinha, nãopode administrar ou desenvolver o conhecimento exigido pelademanda. Assim, quando a criação do conhecimento constitui oponto cardeal do desenvolvimento econômico e social, torna-se maisconcreto para muitas pessoas o conceito de que esta criação, que só éalcançada por meio do esforço coletivo.

Na sociedade do conhecimento, a colaboração será um fatorde produção decisivo. As sociedades modernas bifurcar-se-ão nocaminho do século XXI. A sociedade será capaz de se organizar paraque a maioria das pessoas participe do desenvolvimento e alcancemo conhecimento, ou dividirá-se-á em dois grupos – a elite doconhecimento e as massas marginalizadas, um cenário que coloca,evidentemente, em perigo a coesão social. Conseqüentemente, associedades que desenvolvam e utilizem a aprendizagem assistenciale social poderão garantir seu progresso socioeconômico, e aquelasque não o fizerem fracassarão.

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7 . A I N F O R M Á T I C A E A A P R E N D I Z A G E M

O conhecimento já está intrinsecamente vinculado à tecnologiada informação e vai estar, cada vez mais, no futuro. A convergência dapsicologia, da neurofisiologia e da informática já está acontecendo(Frawl, 1997). Os computadores estão se tranformando em sóciospopulares da aprendizagem em muitas áreas da aprendizagemcognitiva, mesmo nas áreas da aprendizagem “inteligente”. Até poucotempo, essa interação entre os humanos e o computador, que incluium alto nível de complexidade em relação à entrada, ao processamentoe à recuperação dos dados, aumentava a um ritmo relativamente lento;agora avança rapidamente. Por exemplo, em campos muitoespecializados, o computador recupera dados e resolve os problemasoperativos, enquanto os indivíduos ocupam-se de tomar as decisõesrelacionadas com os critérios. Nosso debate sobre o conhecimento esobre a sociedade da aprendizagem na era da tecnologia da informaçãopode ser resumido nas quatro propostas seguintes:• a aquisição e a utilização do conhecimento são fatores críticos

em nossa sociedade inovadora, mutante e em desenvolvimento;• tal conhecimento deverá ser fundamentado na cooperação de

diversos grupos humanos;• a emergência de uma sociedade do conhecimento deverá se

basear na criação e organização de uma sociedade deaprendizagem; e

• todos os grupos de idade deverão acrescentar uma aprendizagemeficaz, agilizando necessariamente esse processo. As novas formasde aprendizagem facilitarão esse processo – já que muitas delasutilizarão os computadores – ou apoiar-se-ão neles.

8 . C O N C L U S Ã O

Imaginei o “homo saeculi XXI” sadio e ativo durante umperíodo de vida mais longo, no qual ele ou ela realizará umavariedade de atividades, algumas remuneradas e outras não. Diante

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desta mudança, o valor do trabalho que não esteja relacionadocom a compensação monetária aumentará. O curriculum vitaetradicional será substituído por um perfil pessoal de profissões edestrezas múltiplas. O emprego assalariado não vai requerer umlugar de trabalho fixo nem estará sujeito a contratos de duraçãodeterminada. Haverá um equilíbrio entre a aprendizagem adquiridadurante a infância e a juventude e a aprendizagem do adulto. Aeducação e a formação profissional serão entendidas, cada vezmenos, como uma preparação para a vida adulta e, cada vez mais,como um processo que deverá continuar ao longo da vida.

A geração futura viverá, mais que a geração presente, em ummundo globalmente interconectado, reunindo povos de diferentesidiomas e culturas. Nesse mundo, as pessoas deverão aferrar-se aprincípios para poderem se relacionar com o entorno local, o qualestará inundado de mensagens e informações transmitidas pelos meiosde comunicação. Nesse mundo, a experiência virtual dificilmente poderáser distinguida da experiência direta.

A sociedade do século XXI será cada vez mais complexa. Odesenvolvimento da tecnologia e do conhecimento continuarácrescendo exponencialmente, assim como os riscos, tais como asameaças ao meio ambiente. Por um lado, poderemos manipular anatureza e a vida humana e, por outro, os efeitos diretos e secundáriosda tecnologia avançada tornar-se-ão menos transparentes e só serãocontrolados condicionalmente. Na sociedade do conhecimento, oacúmulo do conhecimento individual e coletivo não fará falta sópara aperfeiçoar a si próprio, mas para controlar responsavelmenteo impulso tecnológico que criamos.

O nível de vida digno ou elevado para todos vai depender de umaprodutividade contínua. Não obstante, os modelos de segurança socialatuais para os menos favorecidos ou para as épocas difíceis não poderãoser mantidos. Por isso, a participação do cidadão nos debates e decisõespolíticas (do município à organização supranacional) é um fatorcontundente no desenvolvimento futuro.

Imaginemos, projetando-nos no tempo, os habitantes do séculoXXIII observando nossa época. Provavelmente, examinar-nos-iam como

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Norbert Elias fazia com as matanças da Idade Média e perguntar-se-iam como toda uma civilização acha que a chave da felicidade ou dosuposto “desenvolvimento” é um ilimitado crescimento econômicodo capitalismo darwinista. É possível que a população do século XXItenha descoberto novamente que o equilíbrio é mais importante queo crescimento.

Concluirei com um exemplo do Himalaia, fazendo referênciaa um sinal dos tempos e tendências que espero que cheguem. EmButhan, país que conheço e amo, o governo propôs introduzir otermo “Felicidade Interna Bruta” (FIB), acrescentado ao da “vacasagrada universal” que é o Produto Interno Bruto (PIB), como umaidéia germinadora para elaborar políticas. A felicidade em Buthané uma “preocupação política e um objetivo político”. Ao examinara proposta de Buthan, aparece a dramática tensão dialética entre asforças de nossa economia pós-industrial mundial que guia o mundoe as mensagens de alerta procedentes das culturas antigas. Naproposta do governo de Buthan, pede-se “uma nova orientaçãopolítica e novos trabalhos de pesquisa”, afirmando que é precisoperguntar como as mudanças evidentes – ou seja, os progressos dainformática, a diminuição da diversidade biológica e cultural e arápida automatização social e econômica – que impulsionam o novoséculo afetarão as perspectivas da felicidade. Buthan trabalha paraelaborar uma política educativa orientada para a manutenção “dasbases de uma rica cultura e cheias de valor da vida cotidiana”. Naformulação de políticas, pergunta-se se “o processo da secularizaçãoe da nuclearização da família aumentará (....) a solidão e o auto-isolamento no meio da multidão urbana” e se “o capitalismomundial e o comércio competitivo internacional farão com que aspessoas sejam mais vulneráveis à infelicidade e à insegurança emsuas vidas”. Buthan traça a “questão básica de como manter oequilíbrio entre o materialismo – incluindo as vantagens da ciênciae da tecnologia – e o espiritualismo”. Em sua tomada de decisões, opaís leva em conta “a possibilidade de perder espiritualidade,tranqüilidade e “felicidade interna bruta” diante do avanço damodernização” (Thinley, 1998). Buthan abre o caminho de um

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porvir luminoso ao tentar desenvolver e aplicar uma políticarevestida de visão educativa, cultural e ecológica.

REFERÊNCIAS

BEREITER, C.; SCARDAMALIA, M. Beyond Bloom’s taxonomy:rethinking knowledge for the knowledge age [Além da taxonomia deBloom: reexaminando o conhecimento para a era do conhecimento].In: HARGREAVES, A.; LIEBERMANN, A.; FULLAN, M.; HOPKINS,D. (comps.). International handbook of educational change, pp. 675-692. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1998.FRAWL, W. Vygotsky and cogniyive science, language and theunification of the social and computational mind [Vygotsky e a ciênciacognitiva, a linguagem e a unificação da mente social e informática].Boston; Harvard UP, 1997.KEATING, D. Human development in the learning society [Odesenvolvimento humano na sociedade da aprendizagem]. In :HARGREAVES, A.; LIEBERMANN, A.; FULLAN, M.; HOPKINS, D.(comps.). International handbook of educational change, pp. 693ff.Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1998.MITTELSTRASS, J. The impact of the new biology on ethics [O impactoda nova biologias na ética]. In: European Review, vol. 7, nº 2, pp. 277-283, 1998.SENNETT, R. The corrosion of character [A corrosão do caráter]. NovaYork: Norton, 1998.THINLEY, J. Y. 1998. Values and development: gross national happiness[Valores e desenvolvimento: felicidade interna bruta]. In: KINGA, S.;GALAY, K.; RAPTEN, P.; PAIN, A. (comps.). Gross national happiness:discussion papers, pp. 12-23. Thimpu: Centre of Bhutan Studies, 1999.

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POSIÇÕES/CONTROVÉRSIASAPRENDER A VIVER JUNTOS:

DESAFIO PRIORITÁRIO NO ALVORECER DO SÉCULO XXI

John Daniel *

O Fórum Mundial de Educação, reunido em Dakar, Senegal, emabril de 2000, proporcionou a oportunidade para revisar a educaçãobásica no mundo e estabelecer, coletivamente, uma série decompromissos a serem postos em prática. Evidentemente, ficaram defora importantes aspectos referentes à desigualdade e à exclusão naeducação, particularmente no que diz respeito às mulheres das zonasrurais e aos grandes centros urbanos muito pobres. Não obstante, noinício do século XXI, a proporção das crianças e jovens de todos os paísesdo mundo que freqüentam a escola aumentou consideravelmente, emcomparação com a situação prevalecente há cinqüenta anos. Ocrescimento espetacular da assistência escolar no mundo foi resultadodo importante empenho de muitos governos, movimentos políticos esociais, da comunidade internacional e, principalmente, das própriasfamílias desfavorecidas.

Diretor Geral Adjunto de educação da UNESCO. Depois de realizar seus estudos nas universidades de Oxford e Paris,começou sua carreira como professor no Institut national des sciences et techiques nucléaires, França. Posteriormente,trabalhou em diversas universidades canadenses. Foi vice-decano da Universidade Aberta doReino Unido em 1990 e presidente da Universidade Aberta dos Estados Unidos desde 1998.Também foi membro das juntas do Conselho Internacional da Educação a Distância, de Commonwealthof Learning, da Organização Internacional do Bacharelado (OIB), da Fundação Carnegie para oProgresso do Ensino, do Centre national d’enseignement à distance, do Grupo consultivo sobre el aprendizajeelectrónico, da Universidade Aberta de Hong Kong e do CEPES. Sua publicação mais importante éMega-universities and knowledge media: technology strategies for higher education [Mega-universidades e meiosinformativos de conhecimentos: estratégias de tecnologia para os estudos superiores].

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No mundo inteiro, incluindo os países em desenvolvimento,existem circunstâncias que dificultam a freqüência ou permanência dascrianças na escola, assim como a alfabetização adequada de adultos. Apobreza, principalmente a miséria, é o meio mais eficaz que inventamospara debilitar o direito à educação e entravar o aproveitamento dasoportunidades educacionais. O isolamento geográfico, da mesma formaque as pressões exercidas pelo emprego, pelo subemprego e pelodesemprego, criam suas respectivas barreiras. Tomemos como exemploa migração do setor rural para o setor urbano e transnacional, de homensadultos em busca de um emprego remunerado para sustentar suasfamílias; nesta situação, os outros membros da família ficamsobrecarregados, limitando, conseqüentemente, suas oportunidades deestudo. Da mesma forma, as desigualdades e a discriminação baseadasno gênero, na raça, na incapacidade e na idade devem também serentendidas como causas e formas da distribuição desigual dasoportunidades de educação.

Os educadores do mundo inteiro são uma espécie sitiada que estáameaçada, não tanto pela extinção mas pelo esgotamento, uma vez quetentam realizar seu trabalho de rotina e ao mesmo tempo adaptar-se àsincessantes mudanças decorrentes das reformas, programas demelhoramento e novas iniciativas políticas. Em resumo, as metas estãosempre mudando. Por outro lado, devem ser feitas distinções, já quealgumas mudanças de metas são positivas e necessárias, como as melhoriasno acesso dos excluídos, aumentos da duração da jornada escolar,oportunidades de educação superior ou permanente e o fortalecimentoda qualidade e relevância da educação. As demandas e as expectativas nãosão estáticas. A batalha para conseguir o acesso se complementaeventualmente com a luta para manter o aluno na escola e conseguirmais anos de escolaridade. A concepção de democratização da educaçãomuda de uma abordagem quantitativa para uma ênfase no currículo,nos hábitos da vida escolar, nas relações escola/comunidade e nadescentralização. Contudo, nesses assuntos, não há uma simetria evidentenem qualquer seqüência natural ou compensação automática entre aquantidade e a qualidade. No entanto há importantes mudanças de ênfaseque podem ser detectadas na elaboração dos sistemas educativos e nasprioridades atribuídas a diferentes aspectos da educação. Em muitos

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países, por exemplo, os pais de família já não se contentam com queseus filhos freqüentem a escola primária por apenas cinco ou seis anos.Eles querem que seus filhos comecem mais cedo e terminem mais tarde.Compreenderam que, no século XXI, é necessário dedicar mais tempo àescola para obter as qualificações e habilitações indispensáveis paraingressar e progredir no mercado de trabalho.

Além disso, a relevância e a adequação do currículo chamam aatenção não somente dos progenitores, como também dos planejadores,que o vêem como uma alavanca estratégica para as reações de umpaís aos desafios da globalização, da competitividade econômicainternacional e da denominada “divisão informática”. Estasconsiderações são evidentemente importantes, mas também o são asmaneiras como a educação pode contribuir com outras dimensõesvitais do bem-estar humano. Em particular, a educação deve fazerjustiça a cada um dos “quatro pilares” mencionados no INFORMEDELORS1: aprender a saber, aprender a fazer, aprender a viver juntose aprender a ser. Na última Conferência Geral da UNESCO, foidecidido que, do dia cinco ao dia oito de setembro de 2001, aquadragésima sexta reunião da Conferência Internacional daEducação seria dedicada ao tema dos conteúdos e métodos de educaçãonecessários para viver juntos no século XXI. Dezesseis meses depoisda reunião em Dakar do Fórum Mundial da Educação, a finalidadeda presente Conferência é continuar tratando da contribuição dosdois aspectos fundamentais da qualidade educacional – os conteúdose os métodos – para o sucesso da educação básica para todos.

1 . E D U C A Ç Ã O P A R A V I V E R J U N T O S

Muitas inquietudes e questões vêm à mente, quando se pensa emaprender a viver juntos e em como enfrentar, da melhor maneira essedesafio que, na realidade, é enorme. Estas preocupações, que são analisadas

1 Jacques Delors e outros autores. Learning: the treasure within [A educação contém um tesouro]. Paris,UNESCO, 1996. (Informe da Comissão Internacional da Educação para o Século XXI).

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aqui sem qualquer ordem prioritária especial, poderão servir de pontosde referência nas deliberações da Conferência. A primeira preocupaçãoenfoca nossa sensibilidade à natureza do desafio e à sua importância emnossas vidas. O fato de que a educação não é a causa direta ou operativade guerra ou que não desencadeia a onda de violência dentro de umEstado ou entre Estados, não deveria levar-nos a subestimar seu papel.Afinal, a educação desempenha uma função importante na maneiracomo as sociedades criam e transmitem crenças, valores, percepções einterpretações sobre muitos aspectos de nossas vidas, incluindo questõesde conflito, paz e violência. Não obstante, há muito por fazer paraincrementar a tomada de consciência do papel da educação, quandoesta transmite mensagens que debilitam ou fortalecem nossa capacidadede viver juntos. Temos os conhecimentos, as pesquisas e as experiênciaspara formular estas questões. A pesquisa educacional demonstrou, porexemplo, que os currículos e os métodos de ensino utilizados em algunspaíses, antes da Segunda Guerra Mundial, realmente fomentaram oracismo e o militarismo. Outros estudos realizados sem livros-texto dehistória e geografia atuais revelam algumas práticas sutis e outrasevidentes, em que se estabelecem estereótipos e preconceitos. É possívelque, até hoje, não tenhamos nos dado conta do que está sendo ensinadoe do que os jovens estão aprendendo, dentro e fora da escola, a respeitodas maneiras de viver com os demais, neste nosso mundo de rápidasmudanças. Deverá ser dada uma atenção especial à relação existente entreas mensagens transmitidas pelos meios de comunicação, pela família epelas escolas. Pode-se, por exemplo, solicitar aos sistemas escolares queneutralizem algumas das mensagens violentas que a sociedade transmite:porém, deveremos entender mais sobre as formas de fazê-lo e sobre asrepercussões das relações existentes entre a escola e a sociedade. Na ordemdo dia do diálogo educacional internacional, deverão figurar uma maioranálise dessas questões e a difusão de maiores informações sobre elas.

A segunda inquietude refere-se a nossa capacidade de definir asaptidões necessárias para viver juntos no século XXI, assim como osconceitos, valores e metodologias que possam desenvolver melhor taishabilitações. Além da alfabetização e da aritmética elementar, o Quadrode Ação aprovado pelo Fórum Mundial de Educação em Dakar, dáimportância à aprendizagem das “habilidades essenciais para a vida”.

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Isto significa desenvolver a capacidade para lidar com a vida cotidiana,principalmente fazer escolhas difíceis e assumir responsabilidadespessoais. Por meio da ênfase em tais aspectos, aspira-se a encontrarformas de aprendizagem que evitem o verbalismo e versõesenciclopedistas do século XVIII, as quais costumam criar um abismoentre as necessidades educacionais e individuais. No entanto, é precisoser cauteloso no enfoque sobre as habilidades para a vida, a fim de queeste não reforce desigualdades, criando grupos de pessoas distintos, ouseja, os que aprendem só as habilidades para a vida e os que adquiremcapacidades cognitivas superiores. Uma educação de qualidade paratodos deve proporcionar o desenvolvimento integral de cada pessoa edar, a cada um de nós, a oportunidade de descobrir e desenvolver seustalentos, capacidades e potenciais. Mas os esforços para redirecionar aênfase excessiva às habilidades cognitivas, dada por grande parte daeducação formal, por meio de um foco nas habilidades para a vidanão devem fazer crer que as habilidades cognitivas não são importantes,ou que sejam mais importantes para algumas crianças do que paraoutras. A questão primordial é: como podemos desenvolver esses doisconjuntos de competências paralelamente e de uma maneira integral?Quais conteúdos e métodos deveríamos escolher?

O Informe da Comissão Internacional da Educação para o SéculoXXI, presidida por Jacques Delors, oferece muitos indícios a respeito disso.Como foi observado antes, o Informe Delors advoga a edificação daeducação em quatro pilares que desenvolvam ao mesmo tempohabilidades práticas para a vida e conhecimentos intelectuais superiores.No entanto, com a finalidade de pôr em prática essas orientações, épreciso fazer uma série de perguntas. É possível, e, em caso positivo,seria conveniente estabelecer um corpus ou uma lista de conteúdos quepossam ser ensinados em todos os países? Quanto aos métodos, pode-seprovar que alguns são mais apropriados do que outros? Em uma escalaglobal, será conveniente dar preferência a certos métodos, em vez deoutros, estando o mundo marcado pela diversidade cultural, pelasinterações de personalidades diferentes e pelas descobertas casuaisoriginadas pela experimentação e pela inventividade? Para melhorar asmaneiras de aprender a viver juntos, como podemos chegar à combinaçãoe ao equilíbrio de elementos nos currículos e nos processos de ensino/

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aprendizagem? Particularmente, como podemos evitar a ênfaseexagerada sobre o desenvolvimento cognitivo, em detrimento dosaspectos emocionais e sociais do desenvolvimento da pessoa? Que tiposde concepção de currículos e de práticas educativas podem melhor nosajudar a enfrentar o forte componente emocional contido nospreconceitos e estereótipos, que costumam interferir no processo deviver juntos?

A terceira preocupação tem a ver com a relação entre a demandafeita às instituições de ensino para uma melhor preparação dos jovenspara viver juntos e o conjunto existente de práticas e valores sociais. Aomesmo tempo, quando conferimos responsabilidades à educação para obteressa preparação, devemos reconhecer suas limitações. Não podemos exigirda educação o que não demandamos ou o que não podemos demandarda sociedade. Quão eficazes podem ser as mensagens educativas se ascondições atuais de paz e justiça social as contradizem ou não as apóiam?Se pedimos às instituições educacionais que ofereçam um ensino a favorda coesão social, é justo pedir em troca um grau mínimo de coesão socialpara habilitar as escolas para cumprirem suas missões adequadamente.Portanto, aprender a viver juntos deve ser concebido como uma tarefasocial, com a qual a educação deveria contribuir, porém, sem esperar queela arque com toda a responsabilidade. A criação de consensos, a promoçãoda tolerância, o respeito às diferenças e a compreensão mútua requeremum respaldo amplamente consolidado, assim como uma liderança políticacomprometida. Não podemos esperar que as escolas sejam refúgios detranqüilidade se estão rodeadas de turbulência e violência sociais.

A quarta inquietude diz respeito à relação entre as instituiçõeseducacionais e os novos sistemas de distribuição da informação quedecorrem dos avanços da tecnologia de comunicação e informação. Apartir dos anos cinqüenta, as escolas, em muitos lugares do mundo,aprenderam a viver com a televisão. No entanto, nos anos futuros, asescolas deverão decidir que tipo de relações querem manter com asautopistas da informação. Quando a televisão foi inventada e quandoela começou a se difundir, alguns idealistas pedagogos acharam queela substituiria os docentes. Na atualidade, alguns deles sugerem que asnovas tecnologias da informação e da comunicação substituam osdocentes. Porém, isto é realmente factível? E, o que é ainda mais

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importante, é o que realmente querem as pessoas?Os conteúdos e os métodos educativos não aparecem

naturalmente. Eles são o produto de uma série de decisões conscientesadotadas por uma diversidade de atores. São o resultado de atosdeliberados de seleção e ênfase efetuados na liberdade de manobra detoda pessoa. Não há dúvidas de que os novos sistemas de distribuição deinformação oferecem, por si, oportunidades muito promissoras para odesenvolvimento da educação no século XXI. Porém, como poderemosaproveitar essas oportunidades para promover um maior acesso àinformação, assegurando ao mesmo tempo que a informação sejautilizada em benefício do viver juntos? Sobre esta questão, deve-se prestaratenção às relações sociais da aprendizagem, especialmente, às interaçõesentre os alunos, assim como entre estes e seus professores. Quando setrata de aprender a viver juntos, além da preocupação com odesenvolvimento de aptidões afetivas, com a promoção da reflexão sobreatitudes e crenças e com a abordagem às realidades das diferenças econflitos interpessoais, é de grande valor a mediação hábil de educadoresprofissionais. Ainda que as tecnologias da informação e a comunicaçãoproporcionem os instrumentos úteis para aprender a viver juntos, opapel dos docentes é vital para dirigir o processo de aprendizagem.

A quinta preocupação enfoca aqueles que são responsáveis porelaborar os conteúdos e os métodos da educação para viver juntos.Durante o período da criação e da difusão dos sistemas de educação eescolarização modernos, uma grande quantidade de instituiçõesformulou os conteúdos e os métodos educativos, segundo suas culturase seus antecedentes históricos. As autoridades públicas das nações foramo agente principal deste processo, ainda que as instituições religiosastenham desempenhado, às vezes, um papel importante. Certos níveise tipos de educação atraíram o interesse de outros atores; por exemplo,algumas vezes as empresas comerciais envolveram-se profundamenteno ensino secundário técnico.

Nas décadas recentes, tem havido uma maior consciência daimportância de mobilizar e reunir todos os atores sociais envolvidoscom as decisões sobre as opções educacionais, inclusive aquelasrelacionadas com o currículo. Em muitos países, experimentos bemsucedidos foram realizados para estabelecer o perfil dos alunos que

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abandonam a escola, com a participação das empresas. Em outros,grande parte da tomada de decisões foi atribuída aos sindicatos dedocentes e organizações não-governamentais. Reconheceu-se que asreformas curriculares muitas vezes fracassam pela falta de apoio dasociedade, em geral, e dos docentes, em particular. Há muito queaprender dessas experiências bem sucedidas, e de outras com menossucesso. No âmbito dos conteúdos curriculares e dos métodos, o temado aprender a viver juntos se destaca, por demandar uma abordagemessencialmente consultiva e participativa, que envolva todas as partesinteressadas.

A sexta preocupação relaciona-se com a escala em que o aprendera viver juntos deveria ser promovido. Em um mundo cada vez maisglobalizado, para aprender a viver com os demais, as relações nãopodem limitar-se somente aos vizinhos imediatos. As virtudes de umaboa cidadania, por exemplo, aplicam-se não só às comunidades locais,mas também a populações de países distantes, que não foram e nemserão conhecidos por determinada pessoa. A educação ecológica, umcomponente importante de nossos enfoques para aprender a viverjuntos, pode oferecer inúmeros exemplos das atividades que sãorealizadas em um ponto do planeta e seus efeitos produzidos em lugaresdistantes. Devemos pesquisar como outras dimensões do aprender aviver juntos transcendem os limites da distância; estas dimensõesadicionais abarcam, por exemplo, o fomento da empatia com relaçãoà difícil situação dos refugiados, das vítimas de guerra ou daqueles quetiveram seus direitos humanos negados. Há alguns anos, tornou-sepopular dizer que era necessário “pensar globalmente e atuarlocalmente”. Chegou o momento de revisar essa declaração na Era dainternet e considerar quantos indivíduos, hoje, adquiriram a capacidadede participar pessoalmente em atividades de âmbito global.

A sétima e última inquietude está relacionada com a maneira decompreender o significado de conflito e da diferença. O aprender a viverjuntos não deveria basear-se na falsa conjectura de que se pode criarum mundo livre de conflitos, sem diferenças nem antagonismos.Deveremos adquirir melhores conhecimentos sobre a natureza doconflito, assim como maiores aptidões para manejar os conflitos, a

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fim de que estes não degenerem em violência ou opressão. Deveremosaprender a aceitar a realidade das características distintivas de outrospovos e o fato de que, provavelmente, eles não mudarão somente paranos agradar. Aprender a viver com o outro implica o direito que umpovo tem de continuar sendo “outro”.

Para concluir, não é mera coincidência que no mesmo mês emque a quadragésima sexta reunião da Conferência Internacional daEducação esteja acontecendo em Genebra, outras conferências reunir-se-ão, em Nova York e África do Sul – convocadas por organizaçõesassociadas ao sistema das Nações Unidas –, para falar de problemas dacriança, do racismo, da xenofobia e da discriminação. Estes três eventosjuntos deverão contribuir substancialmente para uma melhorcompreensão sobre o triângulo infância, educação e práticas sociais.Este entendimento, por sua vez, nutrirá as políticas nacionais, regionaise institucionais, assim como as estratégias mundiais da Educação praTodos. Nosso objetivo coletivo é fortalecer a capacidade de cadaindivíduo para edificar a paz e a justiça na sociedade da informaçãodurante a era da globalização.

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APRENDER A VIVER JUNTOS

OS CONHECIMENTOS CÍVICOS, AS CRENÇAS SOBREAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS E O COMPROMISSO

CÍVICO DOS ADOLESCENTES DE 14 ANOS

Judith Torney-Purta*

Quais são os pontos em comum entre as diferentes percepçõesdos jovens sobre suas sociedades e sobre suas responsabilidades e direitoscívicos nos países democráticos? Como esperam um dia assumir suaresponsabilidade de manter as estruturas políticas democráticas e asociedade civil? Que papel desempenham as escolas nesses processos?Um estudo empírico de massa com noventa mil jovens de vinte e oitopaíses oferece algumas respostas a estas questões, que adquiriram novaurgência nos últimos dez anos.

Em meados dos anos noventa, a Associação Internacional paraa Avaliação do Rendimento Educacional (IEA), uma cooperativaindependente de organismos e institutos de pesquisa presente em mais

* Professora de Desenvolvimento Humano e professora adjunta de Assuntos Públicos na Universidade de Maryland, CollegePark. Desde 1994, é presidente do Comitê Diretivo Internacional do Estudo sobre a Educação Cívica, executado pelaAssociação Internacional para a Avaliação do Rendimento Educacional (IEA). Co-autora do volume sobre a primeirafase do estudo, Civic education across countries: twenty-four national case studies from the IEA civiceducation project (Educação Cívica entre os países: vinte e quatro estudos de casos nacionais do projeto de educaçãocívica da IEA), publicado em 1999, e autora principal do volume do ano de 2001, correspondente à segunda faseCitizenship and education in twenty-eight countries: civic knowledge and engagement at age fourteen(Cidadania e educação em vinte e oito países: conhecimento e engajamento cívico aos quatorze anos de idade). Psicopedagoga,interessou-se particularmente pela pesquisa empírica e pela avaliação do desenvolvimento das atitudes políticas das criançase jovens. Endereço eletrônico: [email protected].

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de cinqüenta países, começou a planificar o Estudo sobre aEducação Cívica. Este é um dos vinte estudos transnacionais emgrande escala sobre o rendimento educacional executados pelaAssociação. As áreas relacionadas com a educação cívica foramobjetos de pesquisa privilegiados no final dos anos sessenta ecomeço dos setenta, e numerosas organizações internacionais,assim como unidades de pesquisa com base nacional, realizaramestudos relacionados à educação cívica e elaboraram novoscurrículos e novos programas de formação de docentes. Muitasdestas pesquisas foram realizadas por quem se interessava pelasocialização política. A IEA, por sua vez, realizou também umpequeno estudo sobre a educação cívica em 1971 (Torney,Oppenheim e Farnen, 1975). A clara consciência de que asmudanças políticas e sociais no final dos anos oitenta e começodos noventa estabeleciam novos desafios para a educação cívicalevou a IEA a realizar um estudo sobre esta problemática, baseadona coleta de dados de seus países membros.

O Estudo da IEA sobre a Educação Cívica foi executado em duasfases interligadas, em grande medida porque, quando iniciou-se otrabalho, não se dispunha de uma estrutura amplamente aceita quepudesse guiar a elaboração de provas e questionários nas velhas e novasdemocracias. A primeira fase foi constituída por estudos de casosqualitativos nacionais, baseados numa série de perguntas estruturadasde acordo com determinados parâmetros. Para isto, especialistas dospaíses participantes foram consultados sobre o que se podia esperarque a média dos estudantes de quatorze anos conhecesse,compreendesse e acreditasse sobre temas como as leis, as instituiçõeslegislativas ou a natureza dos problemas existentes na comunidade.Foram examinadas as linhas gerais dos planos de estudo e as opiniõesde docentes e outros especialistas. Este processo serviu para identificarum núcleo de expectativas comuns aos estudantes dos diversos países,assim como as diferenças nas estruturas e processos curriculares, paragarantir que os jovens tivessem a possibilidade de satisfazer as exigênciasdo estudo. Em muitos países, os objetivos da educação cívica estavaminseridos nos cursos de história ou ciências sociais ou dispersos ao longo

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de todo o currículo.Elaborou-se um modelo que mostrava a natureza dispersa da

educação cívica individual dos estudantes nos macro e microprocessosque abarcam a sociedade, a família, o grupo de pares, a comunidade ea escola. Os pesquisadores utilizaram recortes como a cogniçãocircunstanciada para compreender as maneiras como a experiênciacotidiana, tanto dentro como fora da escola, influi nas crenças ecomportamentos dos estudantes (Lave e Wenger, 1991; Wenger, 1998).Os resultados desta fase foram publicados pela IEA no volume intituladoCivic education across countries: twenty-four national case studies fromthe IEA civic education project (Torney-Purta, Schwille e Amadeo, 1999).

A segunda fase do Estudo da IEA sobre a Educação Cívica, queconstitui a base deste artigo, começou com um extenso processo deelaboração de um enquadramento de conteúdos em torno de três campostemáticos identificados nas propostas dos países durante a primeira fase.Estes campos foram: i) democracia, instituições democráticas e cidadania;ii) identidade nacional e relações internacionais; e iii) coesão social ediversidade. Este enquadramento constituía a base da elaboração daprova e do questionário. Os Coordenadores da Pesquisa Nacional daIEA em cada país e um Comitê Diretivo Internacional integrado pordez membros contribuíram com a elaboração do instrumento destinadoaos estudantes, assim como com a aplicação da prova-piloto e com aseleção das perguntas. Isto teve como resultado uma prova de múltiplaescolha sobre os conhecimentos cívicos e a capacidade de interpretar ainformação relacionada (trinta e oito pontos, cada um com uma respostacorreta); um questionário sobre conceitos, atitudes e comportamentos(cento e trinta e seis pontos, sem respostas corretas); e perguntascontextuais sobre a alfabetização nos lares, as expectativas de estudosulteriores cifradas em anos, sua eventual condição de membros deorganizações ou associações (assim como o gênero, a idade e outrascaracterísticas demográficas). Elaborou-se também um questionárioescolar e outro docente.

O centro de coordenação internacional se encontrava naUniversidade Humboldt, de Berlim, sob a direção de Rainer Lehmann.Os procedimentos de controle de qualidade da IEA foram seguidos

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para a amostragem, a verificação da tradução, a aplicação das provas ea tabela da teoria de resposta a item (TRI). Durante 1999,aproximadamente noventa mil estudantes da série que contivesse amaior parte dos jovens de quatorze anos de idade foram submetidosa provas nos seguintes países: Alemanha, Austrália, Bélgica (acomunidade de língua francesa), Bulgária, Chile, Colômbia, Chipre,Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Estados Unidos, Estônia,Federação Russa, Finlândia, Grécia, Hong Kong (China), Hungria,Itália, Letônia, Lituânia, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido(Inglaterra), República Tcheca, Romênia e Suíça.

A princípio houve certo ceticismo sobre a possibilidade de elaborarprovas para a área de educação cívica. Grande parte da pesquisa nacionalsobre educação cívica abordou detalhadamente a estrutura governamentaldo país de que se tratava, mas estes aspectos eram inadequados ao usotransnacional. O Estudo da IEA sobre a Educação Cívica dedicou recursosao processo de elaboração das provas internacionais durante um períodode quatro anos. Por meio de um processo que compreendia a construçãode um consenso transnacional sobre o enquadramento, a preparação decento e quarenta projetos de item, a revisão e o ensaio piloto destesquestionários e a obtenção do visto dos Coordenadores Nacionais daPesquisa, foi possível elaborar um instrumento significativo, válido econfiável. O índice de confiabilidade alfa para a prova de conhecimentose capacidades dos trinta e oito itens resultantes excedeu 0,80 em cada paísparticipante. Com a finalidade de satisfazer às normas da IEA, foiestabelecida uma tabela de avaliação baseada nos métodos TRI, tanto paraa prova como para o questionário.

Este processo de desenho das medições transnacionais deu aosparticipantes e aos condutores do estudo uma idéia clara do que éessencial com relação à compreensão e às crenças fundamentais sobrea democracia aplicáveis a todos os países. Por outro lado, este processolevou também a uma concordância transnacional sobre uma série devaliosos resultados obtidos por uma educação cívica eficaz, não limitadaaos conhecimentos ou às atitudes.

O desenho – durante o qual as amostras representativas em âmbitonacional foram submetidas à prova e durante o qual cada estudante respondeu

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ao mesmo instrumento – permite vários tipos de análises e apresentações.Primeiro, as médias internacionais baseadas nas respostas de todos osestudantes examinados podem ser utilizadas (e grande parte deste artigodescreve o adolescente típico de quatorze anos destes vinte e oito países).Segundo, as diferenças entre os países podem ser observadas. No volume queabrange as conclusões do estudo, Citizenship and education in twenty-eight countries: civic knowledge and engagement at age fourteen(Tourney-Purta e outros, 2001), predominam os gráficos que mostramos resultados dos distintos países e, neste artigo, são apresentadas tambémalgumas diferenças transnacionais. Terceiro, pode-se identificar dentrodos países os correlatos ou indicadores de importantes conseqüências deordem cívica, como os conhecimentos ou o compromisso. Estas análisessugerem eventuais orientações para explorar a reforma da educação cívicaem cada país. Podem examinar o efeito de um fator escolar, como oclima na sala de aula, e manter constantes outros fatores, como os recursoseducacionais do lar e o gênero. Estas análises oferecem uma imagemmais clara que a simples comparação dos resultados principais dosdiferentes grupos. Uma breve seção deste artigo apresenta um modeloindicador dos conhecimentos cívicos.

As análises e as conclusões deste estudo estão resumidas aqui sobas seguintes denominações de conteúdos: Conhecimentos cívicos,Compromisso cívico e Atitudes cívicas. Apresentam-se as respostasmédias dos distintos países e algumas diferenças nacionais. Além disso,uma breve seção deste artigo apresenta um modelo que relaciona osconhecimentos cívicos com as características dos estudantes e os fatoresescolares. Muitos outros materiais relativos às diferenças transnacionaise aos indicadores de compromisso e de conhecimentos cívicos podemser encontrados em Torney-Purta e outros (2001) e nos informesnacionais que estão sendo publicados pelos países participantes (videreferências em www.wam.umd.edu/~iea/).

1 . A N Á L I S E S E C O N C L U S Õ E S S O B R E O SC O N H E C I M E N T O S C Í V I C O S

Os dados da IEA sobre a educação cívica mostram que o estudante

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médio tem em todos os países uma compreensão das instituições edos valores democráticos fundamentais. Por exemplo, os resultadosdas provas indicam que, em âmbito internacional, a maioria dosestudantes reconhece a função das leis, das associações privadas dasociedade civil e dos partidos políticos. No entanto, sua compreensãoparece, às vezes, superficial. Isso corrobora com as pesquisas préviasrealizadas em países individuais, com amostragens menores, por meiode entrevistas ou ensaios escritos, que sugeriam que muitos jovenscompreendem a democracia referindo-se a uma série de slogans sobrea liberdade ou com relação a uma instituição em particular (Doig eoutros, 1993-94; Torney-Purta, Hahn e Amadeo, 2001).

No Estudo da IEA sobre Educação Cívica, o estudante médiodemonstrou um moderado nível de capacitação para interpretarmateriais relacionados com a vida cívica – como caricaturas políticas oucédulas de eleições simuladas – e para distinguir as opiniões dos fatos(Torney-Purta e outros, 2001, capítulo 3).

No entanto, existem diferenças estatisticamente significantes entreos países a respeito dos resultados das provas de capacidades econhecimentos cívicos. No Quadro 1, os países estão agrupados de acordocom seu posicionamento acima, no mesmo nível ou abaixo da médiainternacional. Dentro destes três grupos, a maior parte das diferençasentre os países não era significativa.

É útil comparar estes resultados com os estudos realizados emoutras áreas temáticas. As diferenças entre os países a respeito dacapacitação e dos conhecimentos cívicos são similares em magnitudeàs encontradas em estudos transnacionais prévios da IEA sobrealfabetização, mas não tão importantes como as encontradas em seusestudos da área de matemática, como o Terceiro Estudo Internacionalsobre Matemática e Ciência.

Não há explicações simples para as diferenças entre estes paísesnos níveis de conhecimentos cívicos. O grupo com resultados elevadoscompreende não só as democracias de estabilidade prolongada, mastambém nações que conheceram transições políticas radicais durantea vida dos adolescentes de quatorze anos incluídos no estudo e queainda estão em processo de consolidação da democracia (República

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Tcheca, Polônia e Eslováquia). Estes países experimentarammudanças políticas altamente visíveis e amplamente discutidas.Pouco depois dessas mudanças, os sistemas escolares destes paísesforam rapidamente modificados com o fim de introduzir novosprogramas de educação cívica democrática. Estes fatores podemter influenciado nos resultados dos estudantes; os relatóriosnacionais, por sua vez, apresentarão outros elementoscomplementares.

QUADRO 1 . Rendimento por país com relação ao total deconhecimentos cívicos segundo o Estudo da IEA sobre a EducaçãoCívica: médias e desvios padrões.

Notas: As amostras dos estudantes submetidos à prova eramrepresentativas em âmbito nacional, compensadas para corresponder

Países significativamente Países não Países significativamenteacima da média significativamente diferentes abaixo da médiainternacional de 100 da média internacional de 100 internacional de 100

Polônia 111 (1,7) Austrália 102 (0,8) Portugal 96 (0,7)Finlândia 109(0,7) Hungria 102 (0,6) Bélgica 95 (0,9)

(língua francesa)

Chipre 108 (0,5) Eslovênia 101 (0,5) Estônia 94 (0,5)Grécia 108 (0,8) Dinamarca 100 (0,5) Lituânia 94 (0,7)Hong Kong 107 (1,1) Alemanha 100 (0,5) Romênia 92 (0,9)(China)

Estados Unidos 106 (1,2) Federação Russa 100 (1,3) Letônia 92 (0,9)Itália 105 (0,8) Reino Unido 99 (0,6) Chile 88 (0,7

(Inglaterra)

Eslováquia 105 (0,7) Suécia 99 (0,8) Colômbia 86 (0,9)Noruega 103 (0,5) Suíça 98 (0,8)República Tcheca103 (0,8) Bulgária 98 (1,3)

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às cifras demográficas e ordenadas por magnitude a partir de 2.076na Bélgica até 5.688 no Chile. Os estudantes eram examinados naoitava ou na nona séries (de acordo com a série em que as estatísticasnacionais indicaram que se encontraria a maior proporção deadolescentes de 14 anos). A média de idade mais baixa se encontrouna Bélgica (língua francesa), 14,1, e a mais alta em Hong Kong, 15,3.

Fonte dos dados: Estudo da IEA sobre a Educação Cívica,mostras de quatorze anos de idade submetidos à prova em 1999. VideTorney-Purta e outros, 2001.

Os resultados cognitivos totais apresentados no Quadro 1 estãocompostos de dois subtotais intitulados “conhecimentos de conteúdos”(conhecimento de princípios democráticos fundamentais) e “capacidadede interpretar informação relacionada com a vida cívica” (como caricaturaspolíticas, cédulas eleitorais ou reportagens jornalísticas). A comparaçãodos resultados destas subescalas mostra pautas interessantes. Os estudantesda Austrália, do Reino Unido (Inglaterra), da Suécia, da Suíça e dos EstadosUnidos obtiveram melhores resultados nos pontos que mediam acapacidade de compreender a informação relacionada com a vida cívicado que nos que mediam o conhecimento de conteúdos sobre os princípiosdemocráticos fundamentais. Já os estudantes de países como a Bulgária, aRepública Tcheca, a Hungria, a Federação Russa e a Eslovênia alcançarammelhores pontuações nos itens que mediam o conhecimento de conteúdosdo que nos que avaliavam a capacidade de interpretar a comunicaçãopolítica concreta. Os resultados destes países podem refletir diferenças nosaspectos privilegiados pelos currículos: por exemplo, uma maior ênfasedada aos conceitos e princípios políticos abstratos nos países pós-comunistase, pelo contrário, a primazia dada a sua aplicação concreta na América doNorte, Austrália e parte da Europa Ocidental. Os países não mencionadosacima se desempenharam de maneira equivalente nas duas subescalas.

Em quase todos os países participantes, os estudantes queafirmaram ter mais livros em casa demonstraram maiores conhecimentoscívicos. A comparação entre os distintos graus de disponibilidade dessesrecursos culturais pode também servir para interpretar algumas diferençasentre os países. Os estudantes de quatro dos oito países que obtiveramresultados abaixo da média internacional na prova de conhecimentos

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afirmaram possuir poucos livros em suas casas (para uma análise maisdetalhada, vide Torney-Purta e outros, 2001, capítulo 3).

O alcance da compreensão dos princípios democráticos dosadolescentes de 14 anos também fica demonstrado pela medição dos“conceitos de democracia” do estudo. As respostas dos estudantes aestas tabelas de conversão (que interrogavam sobre o que era bom oumau para a democracia, mas não designavam respostas corretas)corroboraram os resultados das provas citados acima. Em todos estesvinte e oito países existe consenso sobre o fato de que a democracia seconsolida quando os cidadãos podem escolher livremente seus dirigentes,quando existem muitas organizações para quem deseja aderir a elas equando todas as pessoas têm direito de expressar suas opiniões.Inversamente, estes jovens crêem que a democracia se debilita quandoos ricos têm uma influência particular sobre o governo, quando ospolíticos exercem pressão sobre a justiça, quando uma única empresapossui todos os jornais e quando se proíbe o povo de expressar idéiasque critiquem o governo.

Apesar de muitos estudantes terem uma compreensão cabal dosfundamentos básicos da democracia, em cada um dos países há gruposque não mostram esse nível de captação. O nível relativamente baixoda capacidade de compreensão de elementos de comunicação cívica(por exemplo, cédulas como as utilizadas durante as eleições) é altamentepreocupante em alguns países.

2 . A N Á L I S E S E C O N C L U S Õ E S S O B R E O C O M P R O M I S S OC Í V I C O

O Estudo da IEA sobre a Educação Cívica dava ênfase a váriosaspectos do compromisso cívico. Para medir a participação e oenvolvimento, o instrumento da pesquisa incluía numerosas perguntassem respostas corretas e incorretas. Entre estas perguntas encontravam-se algumas que sondavam a opinião dos jovens sobre a importânciaque os adultos davam a distintos aspectos da vida cívica, sobre asatividades comunitárias das quais já participavam, junto com aquelasdas quais se propunham a participar quando fossem adultos, e sobre o

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grau de confiança que tinham no valor da participação em gruposescolares organizados.

QUADRO 2: Médias internacionais sobre pontos que avaliavam oconceito de bom cidadão adulto

Notas: As tabelas de conversão iam de 1 (não importante) a 4(muito importante). Sobre estes oito pontos não havia consensotransnacional – definido como a diferença de um ponto ou menos naescala, entre a média nacional mais baixa e a média mais alta – nemalto nem moderado.

Fonte dos dados: Estudo da IEA sobre a Educação Cívica, mostrasde adolescentes de quatorze anos submetidos a provas em 1999. VideTorney-Purta e outros, 2001.

O Quadro 2 mostra os pontos que avaliavam o que os adolescentesde quatorze anos dos distintos países crêem que seja importante que osadultos façam para ser bons cidadãos. Estes jovens consideravam queobedecer à lei é uma responsabilidade muito importante do civismoadulto e que votar também é importante. Outros comportamentosque tradicionalmente são associados à consciência cívica dos adultos,como a participação em discussões políticas ou a adesão a um partidopolítico, são considerados por estes jovens como relativamente sem

Um adulto que é bom Importância Um adulto que é bom Importânciacidadão cidadão

Obedece à lei 3,65 Vota em todas as eleições 3,12

Participa de atividades que 3,24 Acompanha a realidade 2,85promovam os direitos política pelos jornais,humanos rádio ou televisão

Participa de atividades de Participa em discussões 2,37proteção ao meio ambiente 3,15 políticas

Participa de atividades Adere a um partido político 2,11em prol da comunidade 3,13

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importância. Por outro lado, em todos os países os jovens crêem que asresponsabilidades dos cidadãos adultos compreendem fazer parte deatividades que promovam os direitos humanos, protejam o meioambiente e beneficiem a comunidade. Em alguns países também seconsidera importante acompanhar os acontecimentos políticos nosmeios de comunicação (para mais detalhes, vide Torney-Purta e outros,2001, capítulo 4). Em suma, as responsabilidades do civismoconvencional são percebidas por estes estudantes comoconsideravelmente menos importantes do que o que por vezes échamado de “atividades relacionadas com movimentos sociais”.

Os estudantes foram interrogados também sobre o tipo departicipação política que esperavam assumir quando fossem adultos.Apenas cerca de 20% da amostra (de todos os países em seuconjunto) afirmaram que se propunham a participar das atividadeshabitualmente associadas com o compromisso político convencionaldos adultos, por exemplo, aderir a um partido político, escrevernos jornais sobre problemas de interesse político ou social oucandidatar-se a cargos locais ou municipais. Os 80% restantesafirmaram, no entanto, que provável ou certamente votariam. Estesestudantes disseram também que provavelmente coletariamdinheiro para uma causa social ou de caridade (a média internacionalfoi de 59%) e que provavelmente participariam de passeatas deprotesto não violentas (a média internacional foi de 44%). Pelocontrário, a participação em atividades de protesto que seriam ilegaisna maioria dos países, como bloquear a circulação ou ocuparedifícios, foram consideradas eventualmente possíveis apenas para15% dos estudantes. Com exceção de votar, os estudantes semostraram bastante cépticos com respeito às formas tradicionaisde compromisso político. Por outro lado, muitos estão abertos aoutros tipos de envolvimento na vida cívica.

Para examinar as diferenças transnacionais, foram elaboradastrês tabelas separadas relativas ao compromisso cívico: uma que davaênfase às crenças sobre a importância das atividades cívicasconvencionais, outra que enfatizava as crenças sobre a importânciadas atividades cívicas relacionadas com movimentos sociais e uma

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terceira que indagava sobre a intenção de participar em atividadescívicas convencionais quando fossem adultos.

Quando as médias nacionais foram comparadas, os estudantesdos seguintes países apresentaram altos níveis que compromisso cívico(acima da média internacional em duas das três tabelas enumeradasno parágrafo anterior e pelo menos no nível médio na terceira): Chile,Colômbia, Chipre, Grécia, Polônia, Portugal, Romênia, e EstadosUnidos. Os estudantes dos seguintes países mostraram baixos níveis decompromisso cívico (abaixo da média internacional nas três tabelas):Austrália, Bélgica (língua francesa), República Tcheca, Dinamarca,Reino Unido (Inglaterra), Finlândia, Suécia e Suíça. Os demais paísesapresentaram resultados mais variados.

Estes resultados sugerem que o envolvimento dos jovens ematividades de tipo cívico constitui um processo complexo que se produzdentro de contextos políticos diferentes. Entre os países onde osestudantes se mostraram relativamente entusiasmados com respeitoà participação cívica e manifestaram estar comprometidos, haviaquatro que apresentaram baixos resultados em conhecimentos cívicos(Chile, Colômbia, Portugal e Romênia) e quatro que obtiveram altosresultados em conhecimentos (Chipre, Grécia, Polônia e EstadosUnidos). Entre os países onde os estudantes apareceram relativamentedesinteressados na atividade cívica encontravam-se países com altosresultados cognitivos (República Tcheca e Finlândia), assim comotambém outros resultados mais moderados nesse mesmo tipo de prova(Austrália, Bélgica (língua francesa), Dinamarca, Reino Unido(Inglaterra), Suécia e Suíça). Quando são examinadas as diferençasentre os países, é possível constatar que os níveis elevados deconhecimentos cívicos não estão necessariamente acompanhados pelomesmo nível de compromisso.

Além de examinar o potencial compromisso em atividades cívicasorientadas para o âmbito nacional ou municipal, o instrumento daIEA incluiu uma medida intitulada “Confiança na participação dentroda escola”, para indagar sobre as experiências democráticas no âmbitoescolar. A pesquisa prévia incluiu com freqüência medições da eficáciapolítica, nas quais os entrevistados respondiam sobre o poder dos

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cidadãos para influenciar sobre os governos locais ou nacionais. Oestudo da IEA examinou a experiência cotidiana dos jovens em suasescolas e não só suas orientações com respeito às autoridadesgovernamentais mais distantes. Esta medição foi elaborada com o fimde avaliar o sentido da eficácia escolar, até que ponto os estudantespensam que reunir-se com outros estudantes para tentar melhorar suaescola pode eventualmente ter resultados positivos.

Entre essas comparações transnacionais, as mais interessantesforam as que se referiam às medições da “Confiança na participaçãodentro da escola”. No Chile, em Chipre, na Grécia, na Polônia, emPortugal e na Romênia, os estudantes mostraram altos níveis decompromisso cívico na área política da atividade adulta (vide os paísesde altos e baixos índices de compromisso cívico enumeradospreviamente nesta seção) e também altos níveis de confiança nocompromisso dentro da escola. Nestes países, a experiência com ademocracia na escola e o compromisso cívico na sociedade como umtodo são razoavelmente congruentes. Em contraste, na Dinamarca,na Finlândia e na Suécia, apesar de haver altos níveis de confiança naparticipação dentro da escola, os níveis de compromisso no campo dapolítica local ou nacional eram relativamente baixos. Nestes três paísesnórdicos, os estudantes têm experiências positivas de eficácia políticadentro da escola, mas isso não parece transportar-se ao compromissocívico orientado à conduta política adulta.

Em suma, em nível transnacional existe uma considerávelvariabilidade no compromisso cívico dos estudantes. A maioria dosjovens não se sente atraída pelo tipo de atividades comuns em muitasdemocracias entre os adultos politicamente comprometidos. Nesteponto existe também um complexo panorama de diferençastransnacionais. Entre os países onde os estudantes expressam níveisrelativamente altos de crença na importância das atividades cívicasconvencionais ou relacionadas com movimentos sociais, incluem-sealguns que obtêm bons resultados na prova de conhecimentos e outroscujo rendimento é relativamente pobre. Além disso, os países em queos estudantes afirmam ter experiências positivas de participação naescola nem sempre correspondem àqueles em que os jovens crêem na

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importância das atividades políticas extra-escolares, sejam convencionaisou relacionadas com os movimentos sociais.

3 . A N Á L I S E S E C O N C L U S Õ E S A R E S P E I T O D A SA T I T U D E S C Í V I C A S

O instrumento da IEA incluía uma variedade de medições dasatitudes cívicas e políticas. Porque se supõe que a legitimidade dosgovernos democráticos depende da confiança política dos cidadãos eporque existia uma pesquisa transnacional prévia neste campo(Inglehart, 1997; McAllister, 1999), foi incluída uma avaliação daconfiança nas instituições governamentais. Em quase todos os países,os tribunais e a polícia receberam a maior confiança destes adolescentesde quatorze anos, seguidos pelos governos locais e nacionais. Algunspaíses desviaram deste modelo e mostraram governos locais e nacionaisque gozavam de maior confiança que as instituições do sistema judicial.No entanto, em todos os países os partidos políticos foram os quereceberam menor confiança.

Os adolescentes de quatorze anos parecem já ser membros dasculturas políticas de seus países e expressar altos níveis de confiança quecorrespondem amplamente aos dos adultos. O nível mais alto de confiançanas instituições governamentais foi encontrado entre os adolescentes dequatorze anos da Dinamarca, Noruega e Suíça, e o mais baixo, na Bulgária,na Federação Russa e na Eslovênia. Geralmente, os países com uma históriademocrática curta (incluídos os países pós-comunistas) mostraram níveismais baixos de confiança nas instituições governamentais (para maisdetalhes, vide Torney-Purta e outros, 2001, capítulo 5; para dados similaressobre amostras de adultos, vide McAllister, 1999).

Um dos propósitos do estudo era investigar as atitudes comrespeito à coesão social e à diversidade. Isto se mostrou difícil, por causadas diferentes situações e das diversas características dos grupos sujeitosà discriminação nas distintas regiões. Em alguns dos países participantes,a discriminação é um problema de racismo ou de intolerância religiosa.Em outros, trata-se de um problema de discriminação às minorias

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nacionais, aos imigrantes ou a grupos que falam uma língua maternadiferente da falada pela maioria da população. Entretanto, foi possívelelaborar uma tabela relativa às atitudes com relação aos direitos dosimigrantes. Em todos os países, os jovens sustentavam os direitos dosimigrantes, sendo que o maior nível de apoio era à oportunidadeeducacional e o menor era ao direito de manter sua própria língua.

As mulheres constituem outro grupo sujeito à discriminação navida política em muitas sociedades. No instrumento da IEA foi incluídauma escala de apoio aos direitos políticos e trabalhistas da mulher; osestudantes sustentavam amplamente estes direitos e estavam de acordocom pontos como “as mulheres deveriam ocupar cargos públicos eparticipar do governo tanto quanto os homens” e em desacordo comoutros como “os homens estão melhor qualificados que as mulherespara serem líderes políticos” e “quando o trabalho torna-se escasso, oshomens têm mais direito a trabalhar do que as mulheres”.

Os estudantes da Austrália, da Dinamarca, do Reino Unido(Inglaterra) e da Noruega obtiveram os melhores resultados no quediz respeito à sustentação dos direitos da mulher, com marcas tambémacima da média em Chipre, Finlândia, Alemanha, Suécia, Suíça eEstados Unidos. Os estudantes da Bulgária, Letônia, Romênia eFederação Russa obtiveram os resultados mais baixos no ponto dosdireitos da mulher, com Chile, Estônia, Hong Kong (China), Hungria,Lituânia e Eslováquia também abaixo da média internacional. Emquase todos os países em que os estudantes obtiveram marcas abaixoda média internacional nos direitos da mulher, as taxas de desempregoadulto eram superiores a 10% da força de trabalho. Os baixos índicesdesses países podem estar relacionados com os pontos da tabela relativosà competição por empregos.

A dimensão política desta tabela também é importante. Estesdados oferecem a oportunidade de comparar países de regiões diversase com diferentes graus de representação feminina nas legislaturasnacionais. Na Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Noruega e Suécia,onde as mulheres ocupam mais de 30% das bancadas parlamentares, asustentação dos jovens aos direitos das mulheres é alta. A maioria dospaíses em que os resultados dos estudantes estão significativamente

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abaixo da média internacional no que diz respeito à sustentação dosdireitos da mulher possui relativamente poucas mulheres em suaslegislaturas nacionais: de 6% na Federação Russa e Romênia a 17%nos três Estados Bálticos. Pode ser que, quando vêem as mulheres assumirposições políticas, os jovens as vejam também como modelos edesenvolvam atitudes mais positivas com relação aos direitos da mulher.Outra possibilidade é que os eleitores que desenvolvem uma atitude desustentação aos direitos da mulher durante a adolescência sejam maispropensos a votar em mulheres candidatas quando chegam à idade adulta.Uma explicação alternativa seria a combinação destes processos comoutros fatores, como um movimento feminino bem organizado e visível(para mais detalhes, vide Torney-Purta e outros, 2001, capítulos 1 e 5).

Existem diferenças substanciais de gênero na sustentação dosdireitos dos imigrantes e diferenças muito substanciais de gênero nasustentação dos direitos políticos e econômicos da mulher. O apoioaos direitos dos imigrantes e das mulheres é maior no caso das mulheres(dado corroborado por grande parte da pesquisa anterior).

4 . I N D I C A D O R E S D E C O N H E C I M E N T O EC O M P R O M I S S O C Í V I C O S

As diferenças entre países, como as apresentadas nas seçõesanteriores, são de grande interesse para compreender os contextos e osprocessos da educação cívica. Entretanto, muitas questões de relevânciapara os planificadores, educadores e pesquisadores ficariam sem respostase não fossem explorados os correlatos entre os conhecimentos cívicos eo compromisso dos estudantes. Com a finalidade de abordar algumasdestas questões e de sugerir orientações para futuras análises, elaboraram-se modelos simples para detectar os conhecimentos cívicos e asprobabilidades de voto expressas. Como primeiro passo, foi desenvolvidoum modelo por regressão de acesso para uma amostra composta naqual os vinte e oito países eram ponderados de maneira equivalente;logo foram produzidas regressões separadas utilizando a amostra

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plenamente ponderada para cada país. O modelo por regressão para“os conhecimentos cívicos” está resumido no quadro 3 (para umainformação mais completa, incluindo uma análise paralela dosindicadores de probabilidade de voto, vide Torney-Purta, 2001, capítulo8).

QUADRO 3. Indicadores dos resultados de conhecimentos cívicos

Os indicadores mais importantes dos resultados sobreconhecimentos cívicos foram as aspirações à educação superior e osrecursos de leitura disponíveis no lar, ambos relacionados positivamenteao conhecimento. Os indicadores de conhecimentos cívicos são bastantesimilares aos encontrados em outras áreas temáticas examinadas pelaIEA. Os estudantes de contextos que alimentam aspirações à educaçãosuperior e oferecem recursos de leitura possuem mais conhecimentoscívicos e capacitações. Por outro lado, os jovens que com freqüênciapassam as noites fora de casa acompanhados por seus amigos têmconhecimentos cívicos e capacitações inferiores. Isto pode indicar queum grupo não dedica muito tempo ao seu trabalho escolar ou temtendência a assumir os valores de seus amigos mais do que os de seuspais ou professores.

Em pouco menos da metade dos países, as mulheres obtiveram

Expectativa de educação ulterior cifrada Freqüência com que assistem ao noticiárioem anos (indicador + em vinte e oito países) pela televisão (indicador + em dezesseis países)

Recursos de leitura no lar (indicador + em Gênero feminino (indicador – em onze países)vinte e sete países)

Passa as noites com os amigos fora de casa Participação em conselhos de estudantes(indicador – em vinte e quatro países) (indicador + em dez países)

Clima propício para discussões em classe(indicador + em vinte e dois países)

Nota: As correlações de múltiplos quadrados iam de 0,10 na Colômbiaa 0,36 na República Tcheca, com uma média de 0,22.

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resultados inferiores aos homens na área de conhecimentos cívicos(quando estes outros fatores se mantinham constantes). A magnitudedestas diferenças de gênero tendem a ser relativamente pequenas emcomparação com os estudos realizados no passado.

A freqüência com que assistem ao noticiário pela televisãoconstitui um indicador de conhecimentos cívicos superiores na metadedo países, aproximadamente. Com esta variável não se pode descartara possibilidade de que os estudantes que estão mais informados sobretemas cívicos tenham mais interesse em acompanhar a atualidade pelatelevisão, e não o contrário.

Ainda quando os fatores do lar, do grupo de amigos e dos meiosde comunicação se mantêm constantes, há dois aspectos da escola quecontribuem de maneira substancial ao conhecimento cívico. O primeiroduplica uma relação encontrada no Estudo da IEA sobre a EducaçãoCívica de 1971 e em outros estudos reexaminados por Torney-Purta,Hahn e Amadeo (2001). Na pesquisa da IEA de 1999, a intensidadecom que os estudantes experimentavam em sala de aula um climapropício à discussão aberta foi positivamente relacionada com oconhecimento cívico em vinte e dois dos vinte e oito países. Na tabela“clima na sala de aula”, perguntava-se aos estudantes, por exemplo,com que freqüência eram incentivados a pensar por conta própriasobre distintos temas, em que medida os docentes respeitavam asopiniões dos alunos e os incentivavam a expressá-las durante asdiscussões em classe e em que medida os professores incentivavam adiscussão de temas sobre os quais as pessoas têm opiniões diferentes eapresentavam diversos aspectos destes problemas. Aproximadamente40% dos estudantes disseram ser incentivados com freqüência a pensarpor conta própria e afirmaram que suas opiniões eram respeitadas.Somente entre 15% e 25% disseram ser incentivados com freqüência adiscutir temas controversos ou ter ouvido distintas versões de umproblema. Os estudantes que haviam tido estas experiências em classeobtiveram melhores resultados em conhecimentos, inclusive quandoeram consideradas as diferenças nas aspirações educacionais e adisponibilidade de livros em suas casas.

A outra experiência escolar que se relacionou positivamente

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com o conhecimento foi a participação em um conselho ou grêmioestudantil (uma influência positiva sobre o conhecimento cívicoem um terço dos países, aproximadamente). Em alguns países, noentanto, essas organizações escolares não parecem estar ao alcancede muitos estudantes (Torney-Purta e outros, 2001, capítulo 7).Os estudos de caso realizados como parte da primeira fase doEstudo da IEA sobre a Educação Cívica indicaram também queem alguns países existe uma considerável ambivalência sobre opoder real que estas organizações deveriam ter na escola (Torney-Purta, Schwille e Amadeo, 1999).

Em suma, existem dois fatores escolares – ambos indicativosde uma atmosfera democrática – que parecem explicar o sucesso daeducação cívica dos jovens de quatorze anos: um clima de abertura nasala de aula, em que incentiva-se a discussão de temas relacionadoscom o exercício da cidadania, e a participação em um conselho ougrêmio escolar. Em certos países, no entanto, a incitação dos jovens aexpressar suas opiniões parece ser muito limitada e, por outro lado, aoportunidade de participar em grêmios escolares é rara em algunslugares. Estes aspectos podem constituir a matéria para posterioresexplorações de educadores e planificadores interessados na promoçãodos conhecimentos cívicos dos estudantes.

5 . C O N C L U S Õ E S G E R A I S

Este estudo traça uma imagem relativamente positiva doadolescente médio de quatorze anos de idade em diversos países, descritocomo alguém que:• possui consideráveis conhecimentos sobre os princípios

democráticos fundamentais e uma capacidade moderada paraanalisar a informação de relevância cívica;

• adere ao “texto básico da democracia”;se propõe a votar;

• crê que outras atividades tradicionalmente associadas com oexercício adulto da cidadania são menos importantes do que a

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participação em grupos comunitários ou em movimentos deproteção ao meio ambiente; e

• já faz parte de uma cultura política compartilhada com osadultos de seu país.

Existem substanciais diferenças de conhecimentos cívicos e decapacitação para interpretar a informação associadas ao contextofamiliar. Estas diferenças são mais modestas com respeito àsprobabilidades de voto e bastante pequenas quando se trata das atitudes.Observam-se algumas diferenças relacionadas ao gênero no que dizrespeito aos conhecimentos cívicos (com as mulheres menosinformadas do que os homens em alguns países), diferenças maissubstanciais nas atitudes com respeito aos imigrantes (com as mulheresmais positivas do que os homens em muitos países) e diferenças muitosubstanciais nas atitudes com relação aos direitos da mulher (com asmulheres muito mais positivas do que os homens em todos os paísesparticipantes).

Os grupos de países em que poderiam esperar obter resultadossimilares em conhecimentos cívicos e compromisso (por exemplo, ospaíses pós-comunistas) na realidade mostram pautas muito diversas.Em alguns destes países, os adolescentes de quatorze anos mostramaltas médias tanto em conhecimentos como em compromisso,enquanto que os de outros países deste grupo obtêm resultados baixosem ambos os campos. Ainda entre os países pós-comunistas, há casosde alguns cujos estudantes mostram altos resultados em conhecimentose baixos em compromisso (ou baixos em conhecimentos e altos emcompromisso). A mesma diversidade é encontrada entre as democraciasde longa data participantes.

O estudo põe em evidência que as escolas contribuem paramelhorar os conhecimentos cívicos dos estudantes quando lhes oferecemoportunidades de discussão aberta em classe. A participação emorganizações como os grêmios escolares ou conselhos de classe tambémmostra surtir um efeito positivo em alguns países. O desenvolvimentodesses aspectos da vida escolar acarreta, entretanto, uma série de desafios.Como pode-se melhorar a capacitação docente para estabelecer umclima aberto e respeitoso em sala de aula, de modo que, ao analisar

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temas relacionados com a vida cívica, mantenha-se a atenção sobreos conteúdos e as atitudes? Como pode-se vincular as atividades emgrupos comunitários e ecológicos e em outras organizações queparecem interessar aos jovens com o compromisso políticoconvencional? Como pode-se converter a vontade de votar e decomprometer-se em certos aspectos da vida cívica expressa pelosadolescentes de quatorze anos em voto real à idade de dezoito anos?Como pode-se diminuir o vão que existe entre os estudantes de laresmais confortáveis, que podem esperar fazer estudos superiores, e osde origem modesta?

A análise deste fecundo conjunto de dados foi apenas iniciadacom a publicação pela IEA de Citizenship and education in twenty-eight countries: civic knowledge and engagement at age of fourteen(Torney-Purta e outros, 2001). Muitos aspectos serão discutidos empublicações de outros membros do Comitê Diretivo Internacional(incluídos os resultados de um questionário dirigido a docentes quenão foi abordado aqui). Os países participantes publicarão os relatóriosnacionais. O caráter da educação cívica em 1999, refletido pelas respostasdestes noventa mil jovens, será apresentado à comunidade educacionalinternacional para uma consideração ainda mais ampla quando, em2002, forem divulgados os dados para sua análise.

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EDUCAÇÃO PARA TODOSPARA APRENDER A VIVER JUNTOS:

UM DESAFIO PRIORITÁRIO NO SÉCULO XXICecilia Braslavsky1

A presente publicação reúne diversos artigos apresentados em doisnúmeros da revista Perspectivas da UNESCO destinados ao tema daEducação para Viver Juntos e associados à realização da 46ª ConferênciaInternacional de Educação que aconteceu em Genebra, organizada peloEscritório Internacional de Educação da UNESCO (EIE), mais conhecidopor suas siglas francesas BIE (Bureau International d’Education), emsetembro de 2001. Trata-se dos números 119 e 121, publicados,respectivamente, em setembro de 2001 e março de 2002.

Essa conferência acabou no dia 9 de setembro, apenas alguns diasantes dos ataques de 11 de setembro. A escolha do tema por parte daConferência Geral da UNESCO de 1998 tinha colocado em evidênciaa decisão da organização de refletir sobre alguns dos paradoxos doséculo XX e de convocar os ministros, acadêmicos, representantes domagistério e de organizações internacionais para identificar osproblemas existentes por trás desses paradoxos e as soluções que estãosendo elaboradas no mundo inteiro. Os debates que aconteceramdurante a conferência e os materiais que foram produzidos para ela,assim como suas conclusões, mostram o acerto da decisão de 1998. Oseventos subseqüentes ratificam o acordo e fortalecem a percepção daurgência sem se abordar estes temas.

1 Cecília Braslavsky é diretora do Escritório Internacional de Educação da UNESCO, com sede em Genebra. http://www.ibe.unesco.org.

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A publicação que apresentamos foi produzida conjuntamenteentre o BIE e o Escritório da UNESCO no Brasil para o II TelecongressoInternacional da Educação de Jovens e Adultos de agosto de 2002, epropõe-se a transmitir uma seleção dos insumos para a 46a ConferênciaInternacional de Educação e das propostas nela apresentadas. Comesta finalidade começamos constatando certos elementos que marcarampermanentemente o diálogo e, em continuação, apresentamossinteticamente o conteúdo dos artigos selecionados para esta produção.

O Século XX foi um período de avanços significativos naescolarização universal. No entanto, estes avanços não puderamimpedir mais de 180 milhões de mortes de seres humanos provocadasintencionalmente por outros seres humanos, nem conseguiu solucionaros conflitos que têm afligido, durante anos, muitos países, e tampoucoconseguiu deter a expansão do HIV/Aids. O alvorecer do Século XXItambém nos mostrou outras caras da morte: dirigentes políticos esociais, cientistas e tecnólogos com os mais altos níveis educativosimagináveis estiveram envolvidos em decisões e ações que contribuírampara o desencadeamento de matanças massivas.

Diante desses atos surgem numerosas perguntas: como melhorar oesforço de escolarização iniciado há séculos sob as asas do Iluminismo?Que responsabilidade tem a educação nas crises, conflitos intergeracionaise interétnicos, perseguições e discriminações religiosas e de outra natureza?Como pode a educação contribuir para o distanciamento da morte epara dar sentido à vida de todos? Que elementos ela pode oferecer paraque se consiga viver juntos e em paz?

A 46a Conferência Internacional de Educação da UNESCO (CIE,2001) constituiu o evento internacional mais importante que aconteceunos últimos anos para o intercâmbio de idéias e o debate sobre estascontradições. Sob o lema de considerar, ao mesmo tempo, os problemase as soluções da educação para viver juntos, discutiu-se como desenvolveruma cultura mundial para a paz, criada por governos e cidadãos quedesejem e saibam viver juntos.

As suposições subjacentes à escolha dos temas abordados e damodalidade de trabalho da CIE foram as de que a educação fornecidano século XX não é pertinente para o propósito de aprender a viver

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juntos no Século XXI; que os processos de aprofundamento dasinterdependências econômicas, culturais e sociais atuais devem serencarados por meio de novos equilíbrios entre educação local, nacionale para a compreensão internacional; e, finalmente, que para poderviver juntos é imprescindível que todas as pessoas de todas as culturastenham uma educação de base, que lhes permita participar na vidapública, nos conhecimentos e – conseqüentemente – na produção e naredistribuição dos benefícios da riqueza mundial.

As conclusões da 46a CIE reiteram aspectos conhecidos. Porexemplo, que “o direito das crianças ao livre acesso às escolas está longede ser respeitado no mundo...”. Mas, também, aparecem novas facetasdesses aspectos. Assim, pela primeira vez, uma ConferênciaInternacional de Ministros da Educação propõe, com unanimidade eaclamação, a adaptação dos currículos (planos e programas de estudos,métodos de trabalho nas salas de aula e nas escolas) e a atualização dosconteúdos, com a perspectiva da necessidade de coesão social e daresolução pacífica dos conflitos e das tensões. Isto, com a finalidade deque reflitam, por exemplo, “as mudanças econômicas e sociais queaconteceram, especialmente, por causa da globalização, da migração eda diversidade cultural”, ou “a dimensão ética dos avanços científicose tecnológicos”. Também foram propostos estímulos para “criar naescola uma atmosfera de tolerância e de respeito que propicie odesenvolvimento de uma cultura democrática” e para “dotar a escolacom uma maneira de funcionamento que estimule a participação dosalunos na tomada de decisões”1.

As questões mais importantes continuam sendo, então: Como osjovens, os primeiros a serem afetados pela qualidade do sistemaeducativo, podem desenvolver esta capacidade de “viver juntos” emsuas vidas diárias? Como construir um mundo de paz com os jovensde hoje e de amanhã, um mundo que lhes corresponda? No caso doBrasil, estas perguntas e as reflexões em torno delas são de uma

1 Os produtos e processos dessa 46a CIE podem ser encontrados em francês e em espanhol em:http://www.ibe.unesco.org/International/ICE/46english/46menue.htm.

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importância capital. De fato, apesar dos recentes avançosempreendidos pela instituições públicas e pela sociedade civil, osproblemas de disparidade social continuam vigentes. Para citar umexemplo, este país continua tendo um dos índices de desigualdadeentre ricos e pobres mais elevados do mundo2. Dessa forma, as tensõese violência internas são agravadas por um descontentamentocrescente das pessoas menos favorecidas, entre as quais se encontrauma grande proporção de jovens3.

O presente livro consta de uma série de artigos (reflexões filosóficas,resultados de pesquisa, discussões e experiências inovadoras) que têmpor objetivo estimular o debate e assegurar que o século XXI seja umséculo de educação ao longo da toda a vida, eqüitativa e de qualidade,que melhore nossa capacidade para viver juntos. Cada um desses artigosestá, ao seu modo, relacionado com a preocupação comumcompartilhada por especialistas em educação do mundo inteiro eapresentada em linhas gerais no artigo de John Daniel, Diretor-GeralAdjunto da UNESCO para a educação.

Para começar, Uri Peter Trier, eminente especialista suíço, optoupor uma visão prospectiva para difundir suas hipóteses a respeito daposição que a educação ocupará na nova sociedade e a respeito das políticaseducativas que serão necessárias. Propõe que a condição prévia para quecada indivíduo possa determinar seu próprio futuro consiste em assegurarque sejam melhoradas suas condições de vida e ressalta que, na realidade,“as sociedades fazem com que a educação progrida mais do que a educaçãofaz com que as sociedades progridam”.

Também numa perspectiva social, Antanas Mockus (Prefeito deBogotá, Colômbia) pergunta-se: O que é a convivência? É possívelalcançá-la? Que ações devem ser empreendidas para consegui-la? Oautor apresenta-nos uma perspectiva sobre este tema a partir deaspectos teóricos, práticos e de pesquisa. Propõe a possibilidade de

2 O coeficiente de desigualdade total é igual a 1.3 Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas,UNESCO, 2002.

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encontrar os fundamentos da convivência na conquista de umaharmonia em torno de certas “condições mínimas necessárias”, apartir dos traços legais, morais e culturais de cada cidadão. Suaproposta gira em torno da idéia do “pluralismo moral” e, ao longode seu artigo, nos mostra como foi posta em prática em sua gestãocomo prefeito da capital da Colômbia.

Por sua parte, Aarón Benavot (Israel) analisa a relação entreos conteúdos dos currículos e os resultados sociais desejados epergunta-se se é válido supor que esta seja uma relação direta. Porexemplo, podemos esperar que os programas escolares facilitem oentendimento mútuo e a coexistência entre comunidades, países ecivilizações cultural e religiosamente diferentes? Neste sentido,também enfatiza a necessidade de abordar pesquisas que mostremos caminhos para os planos educativos, de maneira que estesalcancem resultados importantes que possam transcender o níveldo puramente discursivo.

Em seguida, Judith Torney-Purta, professora da UniversidadeMaryland e presidente do Comitê Internacional de Organização doEstudo, apresenta os resultados de um abrangente levantamento,Estudo de Educação Cívica, realizado pela Associação Internacionalpara a Avaliação de Resultados Escolares durante os anos noventa.Desta maneira, traça sua reflexão em torno das seguintes questões: Sãoos adultos os únicos que se interessam pela “democracia”, pelos “direitose responsabilidades cívicos” e outras “grandes palavras” deste tipo? Quala opinião dos jovens sobre tudo isso? Como vêem seu próprio papelem relação à preservação da democracia nas estruturas políticas e nasociedade civil?

Finalmente, Alejandro Tiana (Espanha) aborda a questão de seos jovens estão preparados para viver juntos e se, realmente, o desejam.Os jovens estão interessados em ser cidadãos no sentido pleno e emparticipar na vida política? Por outra parte, esses jovens adquiriram osconhecimentos suficientes que lhes permitam exercer plenamente suacidadania? São capazes de dialogar sobre isso? Podem cooperar comoutras pessoas? O autor analisa a atitude de jovens de diferentes paísesdiante destas questões.

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Todos estes artigos procuram aumentar nossa capacidade paraesclarecer o conceito de aprender a viver juntos como um dos eixosprincipais do novo paradigma de uma educação de qualidade para oséculo XXI. Também pretendem estimular o diálogo e a troca deexperiências de forma ampla, com o objetivo de contribuir com otrabalho em redes, apoiar ações mais eficazes em prol da educaçãopara a paz e da coesão social vinculadas à redução da pobreza e àcompreensão intercultural. No contexto particular do Brasil, suacompilação também pretende apoiar o desenvolvimento e a expansãodos avanços educativos realizados até o momento. Sua circulaçãodurante o Segundo Telecongresso Internacional da Educação de Jovense Adultos, de agosto de 2002, permitirá o enriquecimento das idéias arespeito destes temas. Esse enriquecimento e um maior conhecimentodas práticas em curso em um país tão vasto e dinâmico como o Brasil,com certeza contribuirão para melhorar a capacidade coletiva deavançar nesse campo.

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CONCLUSÕES E PROPOSTAS DE AÇÃODA 46A SESSÃO DA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL

EM EDUCAÇÃO (CIE)∗∗∗∗∗

PREÂMBULO

1. O Bureau Internacional de Educação, no exercício de seupapel de centro da UNESCO, especializado em conteúdose métodos da educação, organizou a 46 a sessão daConferência Internacional de Educação, em Genebra, de5 a 8 de setembro de 2001.

2. Mais de 600 pessoas participaram das discussões, das quaisoitenta eram ministros ou vice-ministros da educação, vindosde 127 Estados-Membros da UNESCO, junto com noverepresentantes de organizações intergovernamentais, treze,não-governamentais e três fundações.

3. O objetivo de intensificar e fortalecer o diálogo, ao nível daspolíticas educacionais, sobre os problemas e. perspectivas desoluções visando a melhorar a qualidade da educação paraaprender a viver junto foi largamente alcançado. Estasconclusões e as propostas de ações resultantes apresentam ascaracterísticas-chaves dos debates e o trabalho preparatório(Netforum, mensagens ministeriais, relatórios nacionais, boas

* 46a Sessão da Conferência Internacional de Educação, Genebra, 5-8 de setembro de 2001.

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práticas, etc.). A coleção completa será conhecida por meiodo Relatório Final, dos relatórios dos seminários e dos outrosdocumentos a serem publicados depois da Conferência.

4. Estas conclusões, de 8 de setembro de 2001, resultaram dos debatesprincipais, das sessões plenárias e dos seis seminários queaconteceram durante a Conferência. Elas se destinam agovernantes, a organizações governamentais e não-governamentais, professores e organizações dos profissionais deensino, à mídia e todos os membros da sociedade civil cujosesforços melhoram a qualidade da educação, encorajam odiálogo e desenvolvem a capacidade para viver juntos.

1 . O S D E S A F I O S

5. Dado a enorme complexidade dos problemas que as sociedadestêm de enfrentar, particularmente a globalização, asinsuportáveis desigualdades entre e dentre os países, aprendera viver juntos, um conceito criado pela Comissão Internacionalda Educação para o Século Vinte e Um, se tornou umanecessidade em todas as regiões do mundo.

6. Um dos principais desafios que os sistemas de ensino enfrentamé garantir e respeitar o direito de educação para todos. Porém,o direito de crianças para ter livre-acesso à escola está longe deser respeitado em todos os lugares no mundo e, particularmente,nos países que experimentam situações de guerra, ocupação,violência e intolerância.

7. O apelo para a educação superar esses desafios que associedades enfrentam não é um fenômeno novo. Mesmo

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assim, hoje, as expectativas tornaram-se muito maisurgentes, dando a impressão de que a educação, por si só,pode superar os problemas que existem nos países e emnível internacional.

8. Ambas, a educação formal e a não formal, são ferramentasessenciais para lançar e promover processos sustentáveis deconstrução da paz, da democracia e dos direitos humanos,mas elas sozinhas não podem prover soluções para acomplexidade, as tensões e até mesmo as contradições domundo atual.

9. No entanto, é essencial, como foi enfatizado na Declaração deJomtien1 e no Marco de Ação de Dakar2 , que esforços, emâmbitos nacional e internacional, para o desenvolvimento daeducação sejam complementados por estratégias globais paraeliminar a pobreza e promover a participação na vida política,social e cultural.

10. Alcançar o objetivo de educação para todos vai além do esforçode escolarização universal. Em cada país, a procura da coesãosocial, a luta contra a desigualdade, o respeito pela diversidadecultural e o acesso à sociedade de conhecimento, que pode serfacilitado pelas tecnologias de informação e comunicação, seráalcançado por intermédio de políticas que enfoquem amelhoria da qualidade da educação.

1 Nota do Tradutor : Trata-se da Declaração Mundial de Educação Para Todos (ConferênciaMundial sobre Educação para Todos, Jomtien, Tailândia – 5 a 9 de março de 1990). Para conhecer oPlano de Ação para Satisfazer as Necessidades Básicas de Aprendizagem, proposto a partir dessaConferência, consultar o endereço: http://www.unicef.org/brazil/jomtien.htm2 Nota do tradutor : Trata-se do documento: “O Marco de Ação de Dakar. Educação Para Todos:Atingindo nossos Compromissos Coletivos” – Texto adotado pela Cúpula Mundial de Educação– Dakar, Senegal – 26 a 28 de abril de 2000. Para conhecer o texto consultar o endereço: http://www.unesco.org.br/publica/Doc_Internacionais/marcoDakar.asp

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11. Estas políticas devem superar os obstáculos impostos pelasdesigualdades de acesso e riscos de exclusão nos campos dosidiomas, da ciência e da tecnologia.

- Em relação aos idiomas, é possível notarque inúmeros países são multilíngües,embora um único idioma apareça como oidioma oficial de comunicação.

- Com relação à ciência e à tecnologia,particularmente aquelas da informação ecomunicação, o fosso está se tornando cadavez mais largo devido à desigualdade doacesso para os avanços mais recentes.

2 . P O L Í T I C A S E D U C A C I O N A I S E P R Á T I C A S

12. Em todo o mundo, há uma forte vontade política, por partede numerosos governos e professores, para adaptar onteúdoseducacionais, estruturas e métodos para responder aos desafiosacima mencionados.

13. As experiências das políticas e práticas educacionais indicamque é necessário considerar as reformas mais como processosdo que como produtos. Estes podem surgir tanto como decisõesgovernamentais como de iniciativas de outros patrocinadores.O modo pelo qual eles são implementados, envolvendo amobilização de todos os atores, é tão importante quanto o seuconteúdo.

14. Na comunidade internacional já existem acordos básicosrelativos a linhas de ação voltadas para promover a habilidadee a vontade para viver junto. Aqueles responsáveis pelas políticas

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de educação, no nível nacional, expressaram claramente suaboa vontade para buscar a implementação desses acordos.

15. A avaliação dos resultados dos processos de reforma e,particularmente, as “boas práticas” nos permite destacaralgumas condições únicas em cada contexto cultural, além deressaltar algumas características comuns.

3 . P R O P O S T A S P A R A A A Ç Ã O

16. Toda a área de ensino e de práticas educacionais voltadapara o viver junto deveria ser melhor conhecida,disseminada e explorada, buscando fortalecer as capacidadesinerentes a cada país.

17. Treinamento para a política do diálogo é essencial para sealcançar o objetivo principal que é o de melhorar a qualidadeda educação para todos.

18. Processos de reforma devem ser continuados ou deveriam serempreendidos nos seguintes domínios:

Conteúdos :

• Adaptando currículos e atualizando conteúdos quepossam refletir:

o conjunto de mudanças econômicas esociais em movimento, em particular pelaglobalização, migração e diversidadecultural;a dimensão ética de progresso científico etecnológico;

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a crescente importância da comunicação,expressão e da capacidade para escutar edialogar, primeiro na língua materna,depois no idioma oficial do país, comotambém em um ou mais idiomasestrangeiros;a contribuição positiva que pode resultarda integração de tecnologias no processode aprendizagem.

• Desenvolver abordagens e competências disciplinares einterdisciplinares.

• Apoiar e estimular inovações.• Buscando, no desenvolvimento de currículos, assegurar, ao

mesmo tempo, a relevância nos níveis locais, nacionais einternacionais.

Métodos:

• Promovendo métodos de aprendizagem ativa e trabalhosde equipe.

• Encorajando o desenvolvimento integral e equilibrandodo indivíduo para a cidadania ativa, aberto para o mundo.

Professores:

• Facilitando o envolvimento genuíno dos professores nosprocessos de tomada de decisão da escola, por meio detreinamento e outros meios.

• Melhorando a educação dos professores de forma que eles possamdesenvolver melhor, entre os alunos, comportamentos e valoresde solidariedade e tolerância, e os prepare para prevenir e solucionarconflitos de forma pacifica e respeitar a diversidade cultural.

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• Mudando a relação entre o professor e o aluno para responderà evolução da sociedade.

• Melhorando o uso das tecnologias da informação e dacomunicação no treinamento do professor e nas práticas desala de aula.

Cotidiano das Instituições educacionais:

• Criando, no interior das escolas, um clima de tolerância erespeito encorajando o desenvolvimento de uma cultura dedemocracia.

• Promovendo uma forma de funcionamento da escola demodo a encorajar a participação dos alunos na tomada dedecisão.

• Promovendo uma definição compartilhada de projetos eatividades de aprendizagem.

Pesquisa educacional:

• Estimulando a pesquisa que clarifique o conceito de aprendera viver junto e as suas implicações para políticas e práticas.

• Promovendo a pesquisa no desenvolvimento de conteúdos emétodos de ensino relativos ao aprender a viver junto.

• Estimular estudos comparativos em contextos sub-regional,regional e transregional.

19. Parcerias:

• Considerando que a educação não é só uma respostaexclusiva ao aprender a viver junto, sua melhoria não

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requer só a contribuição da escola, mas também a detodos os atores interessados. Isso, no entanto, implica aintrodução e o fortalecimento de parcerias genuínas detoda a sociedade: professores, comunidades, famílias, osetor econômico, as mídias, as ONGs e as autoridadesintelectuais e espirituais.

• Parcerias são também requeridas para ampliar o acessoao uso efet ivo das novas tecnologias da informação e dacomunicação.

20. Aprender a viver junto requer políticas para odesenvolvimento da aprendizagem ao longo da vida,começando na educação infantil e dando atenção particularao período da adolescência (12-18 anos).

4 . C O O P E R A Ç Ã O I N T E R N A C I O N A L

21. O desenvolvimento de atividades de cooperaçãointernacional para melhorar a qualidade de educação paraaprender a viver junto para todos deveria estar baseado emseis princípios principais:

• Fortalecimento da função do Bureau Internacionalde Educação – IBE/UNESCO, de um observatóriode tendências, como também o seu papel nodesenvolvimento de bancos de dados facilmenteacessíveis e sistemas de informação.

• Coleta dos resultados da pesquisa educacional nodesenvolvimento de conteúdos, empreendendoestudos comparativos em níveis sub-regionais eregionais, e disseminando-os mundialmente.

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• Criação de redes de cooperação nos níveisinternacional, regional e sub-regional, facilitando atroca de experiência e promovendo projetos emcomum para fortalecer capacidades endógenas.

• Treinamento para tomadores de decisão naeducação, na política do diálogo para encorajar adefinição de objetivos comuns, a busca de consensose a mobilização de parcerias.

• Vivenc iamento de novas modal idades deassistência técnica fornecida por agências bi oumultilaterais de cooperação, a fim de enfatizar nãosó a colaboração Norte−Sul, mas também acolaboração Sul−Sul.

• Fortalecimento das parcerias entre a UNESCO eoutras importantes organizações ntergovernamentais.

5 . O PA P E L D A U N E S C O E D E S E U S I N S T I T U T O SE S P E C I A L I Z A D O S

22. As conclusões da 46a sessão da Conferência Internacional daEducação são comunicadas à Conferência Geral daOrganização, para que sejam levadas em conta no processo dereflexão e reforcem, a pequeno, médio e longo termos, oprograma de ação da UNESCO, o Bureau Internacional deEducação e outros institutos especializados, visando a melhorara qualidade da educação.

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