apostilas epigráficas – 7

14
155 Revista Portuguesa de Arqueologia volume 21 | 2018 | pp. 155168 Apostilas epigráficas – 7 Abstract Resumo * Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património. Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. jde@fl.uc.pt José d’Encarnação* Assinala-se a razão de outros suportes poderem ser incluídos no âmbito dos estudos epigráficos, porque, para além do seu carácter de durabilidade, constituem, na actualidade, ímpar retrato das mentalidades dominantes. Além dos grafitos, que já eram objeto da Epigrafia, citam-se os escritos dos pára-choques dos camiões brasileiros e as tatuagens. Revisitam-se — porque esse tem sido o objetivo desta série de apostilas — três importantes monumentos epigráficos de Bobadela (Oliveira do Hospital), porque, tendo em conta inexacti- dões recentemente publicadas, importa fazer o ponto da situação acerca do seu contributo para a história romana local. It should be pointed out that other supports than the classical ones may be included in epigraphic studies, because, in addition to their durability, they constitute, at present, a unique portrait of general mentalities. In addition to the graffiti, which were already the subject of epigraphy, the writings of the bumpers of Brazilian trucks and tattoos are cited. This is why three important epigraphic monuments of Bobadela (Oliveira do Hospital) are reviewed — as this has been the aim of this series of notes — because, given recent inaccuracies, it is important to assess their contribution to local Roman history.

Upload: others

Post on 10-Dec-2021

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

155 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Abstract

Resumo

Centro de Estudos de Arqueologia Artes e Ciecircncias do PatrimoacutenioFaculdade de Letras da Universidade de Coimbrajdeflucpt

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Assinala-se a razatildeo de outros suportes poderem ser incluiacutedos no acircmbito dos estudos epigraacuteficos porque para aleacutem do seu caraacutecter de durabilidade constituem na actualidade iacutempar retrato das mentalidades dominantes Aleacutem dos grafitos que jaacute eram objeto da Epigrafia citam-se os escritos dos paacutera-choques dos camiotildees brasileiros e as tatuagensRevisitam-se mdash porque esse tem sido o objetivo desta seacuterie de apostilas mdash trecircs importantes monumentos epigraacuteficos de Bobadela (Oliveira do Hospital) porque tendo em conta inexacti-dotildees recentemente publicadas importa fazer o ponto da situaccedilatildeo acerca do seu contributo para a histoacuteria romana local

It should be pointed out that other supports than the classical ones may be included in epigraphic studies because in addition to their durability they constitute at present a unique portrait of general mentalities In addition to the graffiti which were already the subject of epigraphy the writings of the bumpers of Brazilian trucks and tattoos are citedThis is why three important epigraphic monuments of Bobadela (Oliveira do Hospital) are reviewed mdash as this has been the aim of this series of notes mdash because given recent inaccuracies it is important to assess their contribution to local Roman history

156

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

1 Epigrafia o alargamento do objeto do seu estudo

Eacute para mim eloquente o desabafo do profeta Job diante de Baldad (Job 19 23ndash24) de que um dia me dei conta ao ouvir o ofiacutecio catoacutelico da encomendaccedilatildeo das almas e que citei pela primeira vez em contexto epigraacutefico (Encarnaccedilatildeo 1997 p 39)

Oh quem me dera que se escrevessem as minhas palavras E se consignassem num livro gravadas por estilete de ferro numa lacircmina de chumbo Ou se esculpissem em pedra para sempre

Fixei-me em duas palavras chumbo e pedra e numa expressatildeo ldquopara semprerdquoPareceraacute inoportuno agrave primeira vista que se insista na noccedilatildeo de Epigrafia pois se parte do princiacutepio que ela se encontra cabalmente explicitada desde os tempos de Cagnat (1914) e confirmada pelo grande mestre Raymond Bloch (1964 p 5) que partindo do significado etimoloacutegico do vocaacutebulo mdash rsquoεπί + γράφειν ldquoescrever sobrerdquo mdash apontou como objeto desta ciecircncia ldquoce qui est eacutecrit sur une matiegravere durable pierre terre-cuite meacutetal verre os stuc mosaiumlque lrsquoeacutepigraphie est la science qui srsquoen occuperdquoA palavra-chave parecia pois ser ldquodura-dourordquo o que vinha perfeitamente ao encontro do que desejava Job ldquopara semprerdquoNatildeo eacute todavia apenas o texto o que se neces-sita de decifrar em Epigrafia Giancarlo Susini (1966 1982) sublinhou-o desde logo o epi-grafista precisa de pensar em tudo o que envolveu aquele escrito a pedreira donde a pedra veio os tratos que levou na oficina onde intervieram o canteiro o paginador (ordinator) o encomendantehellip Houve claro uma troca de impressotildees sobre o que se que-ria gravar e nessa conversa cada qual agiu de acordo com a sua mentalidade cultura e saber teacutecnico Depois essa conversa situou-se num tempo numa sociedade mdash e por conse-guinte dela eacute evidente reflexo Por isso ins-pirado no saudoso Mestre eu gosto de afir-mar que ldquoa Epigrafia estuda o modo como em determinado momento o Homem selecionou ideias para as transmitir aos vindourosrdquoNa definiccedilatildeo eacute ldquovindourordquo a palavra que subli-nha a tal perenidade que constitui o cerne de

uma epiacutegrafe pois parafraseando as pala-vras do Evangelho ldquonatildeo se acende uma can-deia para a colocar debaixo do alqueire mas para a colocar no pangaio a fim de que a todos iluminerdquo (Mateus 5 15) Daiacute que o suporte assuma papel importante sim mas natildeo eacute o mais importante para o epigrafista que pretende acima de tudo ver na epiacutegrafe o reflexo de uma mentalidade e de uma eacutepoca

11 Os grafitos

Em recente publicaccedilatildeo no Ficheiro Epigraacutefico (inscriccedilatildeo nordm 609) aproveitou-se o facto de se estudar um grafito deveras curioso para fazer a retrospectiva do interesse que os grafitos afinal haviam alcanccedilado no acircmbito dos estudos epigraacuteficos Tive oportu-nidade de em post-scriptum recordar o que se fizera em Coniacutembriga e na monografia sobre o castelo da Lousa e o facto deve-ras curioso de Robert Sablayrolles (1996) ter minuciosamente percorrido com o olhar a diferentes horas do dia as paredes das casernas dos vigiles de Oacutestia para desco-brir nomes dos componentes das guarniccedilotildees que por ali haviam passado e que natildeo cons-tavam nas listas oficiais Gente anoacutenimaE cedo nos apercebemos de que como na atualidade ao grafito estaacute agarrada a espontaneidade um certo secretismo uma rebeldia contra o status quo porque se faz rapidamente quase agraves escondidas e se envolve em mui oportuno anonimato (Encar-naccedilatildeo 2009)

12 A ldquofilosofia de para-choquerdquo

Quando estive pela primeira vez no Brasil calhou deslocar-me de autocarro de Vitoacute-ria da Conquista a Salvador da Baiacutea E qual natildeo foi o meu espanto quando verifiquei que as dezenas de camionistas que por noacutes pas-savam haviam mandado gravar no para--choques traseiro uma frase original fruto da sua imaginaccedilatildeo do seu modo de enca-rar a vida da sua filosofia de vida Frases a maior parte das vezes plenas de espiacuterito como que a procurar quebrar a monotonia de quem conduz um camiatildeo solitaacuterio cen-tenas e centenas de quiloacutemetros por uma

157 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

rodovia inoacutespita Lembro-me que apontei algumas no meu diaacuterio a 21 de outubro de 1989ldquoSe tu eacutes filho de Deus aqui vai o teu irmatildeordquoldquoSaudade natildeo tem idaderdquoldquoO Senhor eacute meu pastor nada me faltaraacuterdquoldquoCom um beijo teu mamatildee teu filho viaja felizrdquoldquoA tua inveja eacute a minha felicidaderdquoldquoAs mulheres perdidas satildeo as mais procuradasrdquoldquoMulher bonita e dinheiro soacute pintam na matildeo dos outrosrdquoldquoSe me vires agarrado a mulher feia aparta que eacute brigardquoldquoAnjo solitaacuterio mdash adopte-ordquoldquoCom Deus hei-de vencerrdquoldquoMoro no mundo e passeio em casardquo

E pergunto esta ldquofilosofia dos para-choquesrdquo como lhe chamou Mauro de Almeida (1963) natildeo teraacute de ser tambeacutem objeto da Epigrafia

Que frases mais eloquentes do que estas nos potildeem a nu o pensamento a ironia a alegria de viver o sentir de um camionista mdash sendo certo que afinal caminhantes somos todos noacutes A espiritualidade o humorhellip um retrato vivo a que o Epigrafista natildeo pode ficar alheio

13 As tatuagens

Que nos recordemos vem entre noacutes do tempo da Guerra no Ultramar o haacutebito ainda bem tiacutemido entatildeo de se fazer uma tatuagem Geralmente um topoacutenimo e uma data o nome da pessoa amada a identifi-caccedilatildeo da companhia a que se pertenciahellip Neste veratildeo de 2017 tatuagens foi o que mais se viu em corpos de homens e de mulhe-res nas mais diferentes partes do corpo acessiacuteveis ao olhar por estarmos em eacutepoca balnear Cada dia me espantava mais com o que via e que me seja perdoada a ousa-dia de afirmar que tambeacutem a tatuagem pelo seu significado pelo seu simbolismo mdash quer esteacutetico quer linguiacutestico mdash deveraacute cons-tituir doravante objeto da Epigrafia e natildeo me admiraria se algueacutem quisesse pegar em determinado universo de pessoas e procu-rasse descobrir se havia (que as haacute) linhas mestras na mensagem que se pretende trans-mitir E caacute estaacute de novo a ideia de perma-necircncia de durabilidade crecirc-se que a tatua-gem vai ficar para sempre ou que mui difi-cilmente poderaacute ser apagadaRecordo que uma neta de 20 anos que adora os avoacutes lhes pediu uma frase com a sua assi-natura uma frase simples que retratasse o que eles pensavam dela da sua vida da sua forma de encarar a existecircncia Escreve-ram ldquoFlor regada flor formosardquo mdash e assina-ram Natildeo tinham eles a menor ideia por que razatildeo a neta lhes pedira uma frase curta que pudesse consubstanciar o que dela pen-savam E era isso o saacutebio aproveitamento que fizera da educaccedilatildeo que lhe havia sido dada resultara bem mdash e estavam contentesE nem ldquopor encomendardquo vem a talhe de foice a capa (Figs 1 e 2) do nordm 49 (julho de 2017) da revista Rua Larga da Universidade de Coimbra nuacutemero comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS mostra a parte superior das costas junto ao pescoccedilo de um jovem estudante que fez esse programa e

Fig 2 ndash Pormenor da fig 1

Fig 1 ndash Capa do nordm 49 (julho de 2017) da revista Rua Larga da Universidade de Coimbra comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS

158

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

que pediu para aiacute lhe tatuarem a seguinte frase ldquollevo el mundo en miacute almardquo bonita siacutentese afinal do que o Programa ERASMUS significou (e significa) para milhares e milha-res de estudantesSirvam pois estes exemplos para mostrar quanto mdash atraveacutes da anaacutelise linguiacutestica e da interpretaccedilatildeo psicoloacutegica mdash a Epigrafia pode levar a alcanccedilarmos todo um mundo de vivecircncias proacuteprio de determinada eacutepoca Objetar-se-aacute natildeo se estaacute a fazer Histoacuteria Haacute e natildeo haacute razatildeo nessa atitude porque a velocidade com que hoje os factos aconte-cem determina que o ritmo lsquohistoacutericorsquo seja cada vez mais raacutepido tambeacutem e a Histoacuteria propriamente dita na sua conceccedilatildeo tradicio-nal veja o seu campo invadido por outras ciecircncias sociais e humanas que mui plena-mente a completam

2 A flamiacutenia Iulia Modesta de Bobadela (Oli-veira do Hospital)

Ao debruccedilar-me de novo sobre os testemu-nhos epigraacuteficos que supostamente (a meu ver) documentam a existecircncia da flamiacutenia eborense Laberia Galla (2016) apercebi--me de que havia de novo atualmente em curso diversos projetos de investigaccedilatildeo natildeo apenas sobre as mulheres romanas em geral mas de modo especiacutefico sobre aquelas que deixaram rasto na Histoacuteria mormente nas fontes epigraacuteficasAssim Milagros Navarro Caballero acaba de publicar Perfectissima Femina (datado de 29 de junho de 2017) revisatildeo e atualizaccedilatildeo de um trabalho de pesquisa elaborado em 2012 Dois volumes excelentemente apre-sentados sendo o II o corpus comentado de 614 epiacutegrafes onde se mencionam ldquofemmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romainerdquo estando o I dividido em trecircs capiacutetulos identificados com tiacutetulos deveras sugestivos do conteuacutedo aiacute tratado ldquoI Le texte et lrsquoimage signes publics de lrsquoappartenance des femmes agrave lrsquoeacuteliterdquo ldquoII La preacutesence des dames dans les citeacutes hispa-niques une question de prestigerdquo e ldquoIII La femme et la famille le priveacute en publicrdquoO intuito desta seacuterie ldquoApostilas epigraacuteficasrdquo eacute o de comentar interpretaccedilotildees eou leituras de inscriccedilotildees que mercecirc de circunstacircncias vaacuterias poderatildeo natildeo ter obtido consenso e

haacute pois motivo para sobre elas de novo nos debruccedilarmos a fim de tomarmos consciecircn-cia dos problemas em presenccedila Exempli-fico com o caso mdash e prometo natildeo me alon-gar sobre um assunto que da minha parte considero encerrado mdash da flamiacutenia Labeacute-ria Gala que Huumlbner eu proacuteprio e outros investigadores consideraram uma criaccedilatildeo de Andreacute de Resende (Encarnaccedilatildeo 2016) Milagros Navarro afirma por exemplo que uma das epiacutegrafes referentes a esta flamiacutenia (CIL II 114) estaacute perdida e foi ldquoconsideacutereacutee comme un faux jusqursquoagrave sa reacutehabilitation par J Encarnaccedilatildeordquo (Navarro 2017 p 554) Ora vatildeo precisamente em sentido contraacuterio os argumentos que tenho apresentado mor-mente os de 2016 quando recorro agrave compa-raccedilatildeo com os romancistas de todos os tem-pos que para reforccedilarem a credibilidade do conteuacutedo dos seus romances o fazem basear em documentaccedilatildeo ateacute esse momento oculta e que eles por um feliz acaso () des-cobriramhellip Argumento que utilizei tambeacutem aleacutem de outros para considerar forjada a epiacutegrafe de Leiria (CIL II 339) cuja autenti-cidade nunca fora posta em causaNo vol 55 (2016) da revista Conimbriga anunciaram Manuel Salinas de Friacuteas e Juana Rodriacuteguez Corteacutes que estaacute em curso ldquoum projecto de investigaccedilatildeo empreendido pelo Grupo de Investigacioacuten Reconocido (GIR) Hesperia da Universidade de Salamancardquo O projeto tem por objetivo elaborar a Pro-sopografia da Lusitacircnia Romana ou seja ldquodos personagens notaacuteveisrdquo dessa proviacutencia (p 225) E o que nos apresentam eacute justa-mente o primeiro esboccedilo do corpus das fla-minicae et feminae notabiles LusitaniaeNatildeo comento mdash porque natildeo me compete fazecirc-lo mdash o facto de estarem vaacuterios gru-pos de investigadores cada um por seu lado a pesquisarem os mesmos temas (haacute que lsquoinventarrsquo temas pois a isso obrigam as entidades oficiais que presidem e financiam a investigaccedilatildeohellip) Vou aproveitar poreacutem para dissecar um dos testemunhos apresen-tados por estes dois investigadores salmanti-nos meus grandes amigos de longa data e jaacute que ora se publicou a obra de Milagros Navarro Caballero fazer o cotejo dos resul-tados apresentadosEscolhi a flamiacutenia Iulia Modesta de que na p 227 da Conimbriga satildeo referidas as duas

159 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

inscriccedilotildees que tradicionalmente lhe satildeo atri-buiacutedas dadas como procedentes de Boba-dela concelho de Oliveira do Hospital CIL II 396 e 397 com os seguintes textos

A) Pietati sacrum Iulia Modesta ex patrimo-nio suo in honorem gentis Sex(ti) Aponi Sca-evi Flacci mariti sui flaminis Provinc(iae) Lusi-t(aniae) et in honorem gentis Iuliorum parentum suorum

B) [hellip] has portas et porticus refecit et donavit splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica Provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

21 CIL II 396

Sobre a primeira o comentaacuterio dos autores eacute o seguinte

Coimbra Museu Machado de Castro Pedestal de estatua dedicada a Pie-tas La estatua debiacutea ser un monumento lo suficientemente importante como para constituir un objeto de emulacioacuten con el sacerdocio provincial desempentildeado por el coacutenyuge y de exaltacioacuten a la vez de la propia gens de la dedicante

Houve decerto confusatildeo na interpretaccedilatildeo dos dados no que se refere ao paradeiro da epiacutegrafe Na verdade a informaccedilatildeo de Frei Vicente Salgado daacute-a como existente ldquona porta do palaacutecio do bispo de Coimbrardquo e isso teraacute levado Manuel Salinas e Juana Rodriacuteguez a identificar esse palaacutecio com o atual Museu Machado de Castro que foi de facto paccedilo episcopal contudo havia antes uma outra palavra Coja que eacute o nome da localidade onde o bispo de Coimbra tambeacutem possuiacutea um palaacutecio O certo eacute que se perdeu por completo o rasto da epiacutegrafe e o que estaacute de facto no Museu Machado de Castro eacute apenas um pequeno fragmento colocando-se muito seria-mente a hipoacutetese de outros terem sido reutiliza-dos nalguma construccedilatildeo pois que esse palaacutecio ldquohoje natildeo existe Ruiacutenas e poucas A pedra foi aproveitada Da inscriccedilatildeo ningueacutem daacute conta Apenas vagamente os autores do Inventaacuterio Artiacutestico de Portugal IV p 13 dizem na parte correspondente agrave freguesia no concelho de Arganil ldquoparece que se encontra empregada

como material de construccedilatildeo duma casardquo (Ana-cleto 1981 p 64)Fica pois o apelo agraves entidades de Coja quando se proceder agrave reparaccedilatildeo de alguma das casas importa haver toda a atenccedilatildeo natildeo vaacute acontecer o imprevisto que seria bem agra-daacutevel a redescoberta de mais algum frag-mento da epiacutegrafe Natildeo haacute pois motivo para duvidar da sua autenticidade ainda que natildeo sejam comuns tantas palavras por extenso A provar que existiu estaacute esse fragmento que Maia do Amaral logrou com raro meacuterito iden-tificar no Museu Nacional Machado de Castro apresentando no seu artigo fotografia e ima-gem a propor a integraccedilatildeo do fragmento no todo da epiacutegrafe (Amaral 1982 figs 8 e 9)Eacute portanto a proacutepria flamiacutenia que homenageia a divindade ex patrimonio suo ldquoa expensas suasrdquo expressatildeo que vamos encontrar outras vezes na epigrafia da regiatildeo (recordem-se as epiacutegrafes de C Cantius Modestinus) mas a razatildeo da homenagem natildeo deixa de ser deve-ras significativa in honorem da gens do marido flacircmine da proviacutencia da Lusitacircnia que eacute a dos Aponii e in honorem da sua proacutepria gens que eacute a dos Iulii uma ldquoatitude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo comentou Luiacutes Fernandes (1998ndash1999 p 165) que faz tambeacutem uma relacionaccedilatildeo inclusive por via da utilizaccedilatildeo da expressatildeo ex patrimonio suo aos Iulii da civi-tas Igaeditanorum (Fernandes 1998ndash1999 p 166) ateacute porque Modestinus esteve clara-mente ligado ao escol dos dois aglomerados populacionaisDe realccedilar por conseguinte dois aspetos pri-meiro o uso do vocaacutebulo gens no seu sentido proacuteprio de nuacutecleo familiar com o mesmo nome o gentiliacutecio que se me afigura caso uacutenico na epigrafia peninsular uma vez que essa pala-vra quando aparece identifica natildeo um aglo-merado familiar mas o que Mariacutea Lourdes Albertos designou de ldquoorganizaciones suprafa-miliaresrdquo (1975) Aliaacutes compulsando esse seu trabalho seriam no seu tempo apenas trecircs se bem vi os testemunhos do uso de gens com essa significaccedilatildeo ndash gentis Pinton(um) numa epiacutegrafe perdida de Coniacutembriga (CIL II 365 FC II inscriccedilatildeo nordm 15) de que a proacutepria Lourdes Albertos escreve ldquoTexto inseguro sin posibilidad de comproba-cioacuten por peacuterdida de la inscripcioacutenrdquo (Albertos 1975 p 19)

160

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

ndash ex gente Cantabrorum (CIL II 4233) e ex gente Vaccaeorum (CIL II 6093) ambas de Tarra-gona onde portanto se natildeo assume a aceccedilatildeo de tipo familiar restritoRobert Eacutetienne natildeo ousou propor nenhuma dataccedilatildeo para esta epiacutegrafe Sex Aponius Scaevus Flaccus eacute em seu entender um dos dois sacerdotes que ldquoeacutechappent agrave toute data-tionrdquo (1974 p 126) Vasco Mantas (1988 p 245) apontando as jaacute referidas eventuais relaccedilotildees entre esta Iulia Modesta e os familia-res de C Cantius Modestinus parece atribuir agrave referida inscriccedilatildeo uma dataccedilatildeo flaacutevia pois considera Modestinus ldquocomo um dos mais des-tacados elementos da sociedade luso-romana do uacuteltimo quartel do seacuteculo Irdquo (Mantas 1988 p 245) Da minha parte apesar da existecircncia de dois cognomina na identificaccedilatildeo de Aponius que poderia apontar para uma eacutepoca mais avanccedilada natildeo vejo inconveniente em que o texto possa ter sido escrito na primeira metade do seacuteculo I justamente pela utilizaccedilatildeo da pala-vra gens nesse seu sentido original ldquoclaacutessicordquoReforccedilaria por outro lado o que Luiacutes Fernan-des escreveu vejo aqui natildeo apenas essa ldquoati-tude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo mas a vontade clara da flamiacutenia mdash mulher mdash de perpetuar a memoacuteria da sua famiacutelia e natildeo apenas a do marido O pretexto natildeo poderia ter sido melhor a Pietas eacute a divindade que por excelecircncia protege as famiacutelias que lhe prestam culto mdash piissimus constitui recorde-se um dos qualificativos laudatoacuterios mais correntes nas epiacutegrafes funeraacuterias mdash e aqui foca-se clara-mente a uniatildeo das duas famiacutelias nesse ato que eacute individual e benemeacuterito (ex patrimonio suo) mas que deteacutem relevante ecircnfase poliacutetico-social A iniciativa partiu todavia sublinhe-se de uma mulher E se como Milagros Navarro (2017 p 545) sugere a epiacutegrafe tivesse sido ldquograveacutee sur le deacute du pieacutedestal qui portait un signum de la Pietasrdquo maior relevacircncia teria tido porque o seu lugar proacuteprio seria o foacuterum da civitas agrave vista de toda a genteDir-se-aacute por conseguinte a terminar que se manteacutem em aberto a discussatildeo acerca da tipo-logia do monumento Escreve Maia do Amaral (1982 p 125)

Funeraacuteria votiva ou honoriacutefica mdash qual-quer destas classificaccedilotildees tem os seus defensores mdash trata-se sem duacutevida de

um magniacutefico e imponente monumento Segundo a nossa reconstituiccedilatildeo provisoacute-ria natildeo poderia ter menos de 320 m de largura Talvez fosse moldurada uma vez que temos a opiniatildeo de um erudito via-jante que podendo admiraacute-la em 1782 achou que ldquobem podia ser achada em algum tuacutemulo sepulchral da famiacutelia dos Juacutelios que habitaratildeo em Portugalrdquo com o que talvez natildeo tivesse andado longe da verdade a hipoacutetese de ser funeraacute-ria ou ldquosemi-funeraacuteriardquo na terminologia conciliadora de J Leite de Vasconcelos longe de lhe ldquodiminuir (hellip) o alcance cul-turalrdquo eacute a nosso ver a mais verosiacutemil e enriquecedora

E sugere de seguida (Amaral 1982 p 126) que poderia figurar no frontispiacutecio de um mausoleacuteuJorge de Alarcatildeo afirmando que para estar no foacuterum seria mais viaacutevel que a dedicatoacuteria tivesse sido feita agrave Pietas Augusta ateacute porque a dedi-cante eacute uma flamiacutenia prefere sugerir como suporte uma ediacutecula quiccedilaacute encimada por uma estaacutetua da Pietas que ldquopoderia ter sido erguida numa aacuterea cemiterialrdquo (Alarcatildeo 2002ndash2003 p 164)Da minha parte ao percorrer os cemiteacuterios actuais e ao verificar como muitos dos jazigos se apresentam com esse estatuto monumental e ao lembrar-me do panorama mdash tambeacutem ele monu-mental mdash da necroacutepole romana de Oacutestia natildeo vejo inconveniente em aceitar uma proposta ou outra porque o importante era na verdade que estivesse em lugar puacuteblico com o devido relevo correspondente agrave importacircncia ciacutevica social poliacute-tica e econoacutemica que ambas as famiacutelias mdash os Aponii e os Iulii mdash incontestavelmente detiveram

22 CIL II 397

Analise-se agora o que Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriacuteguez Corteacutes escrevem como comentaacuterio agrave segunda epiacutegrafe

El epiacutegrafe ha desaparecido por lo que la reconstruccioacuten del texto es hipoteacutetica Andreu 2004 pp 87 88 244 nordm 75 supone que se tratariacutea de una restaura-cioacuten de las puertas del foro Es posible que esta inscripcioacuten sea posterior en el tiempo a la primera ya que en aquella no se menciona el flaminado provincial

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

156

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

1 Epigrafia o alargamento do objeto do seu estudo

Eacute para mim eloquente o desabafo do profeta Job diante de Baldad (Job 19 23ndash24) de que um dia me dei conta ao ouvir o ofiacutecio catoacutelico da encomendaccedilatildeo das almas e que citei pela primeira vez em contexto epigraacutefico (Encarnaccedilatildeo 1997 p 39)

Oh quem me dera que se escrevessem as minhas palavras E se consignassem num livro gravadas por estilete de ferro numa lacircmina de chumbo Ou se esculpissem em pedra para sempre

Fixei-me em duas palavras chumbo e pedra e numa expressatildeo ldquopara semprerdquoPareceraacute inoportuno agrave primeira vista que se insista na noccedilatildeo de Epigrafia pois se parte do princiacutepio que ela se encontra cabalmente explicitada desde os tempos de Cagnat (1914) e confirmada pelo grande mestre Raymond Bloch (1964 p 5) que partindo do significado etimoloacutegico do vocaacutebulo mdash rsquoεπί + γράφειν ldquoescrever sobrerdquo mdash apontou como objeto desta ciecircncia ldquoce qui est eacutecrit sur une matiegravere durable pierre terre-cuite meacutetal verre os stuc mosaiumlque lrsquoeacutepigraphie est la science qui srsquoen occuperdquoA palavra-chave parecia pois ser ldquodura-dourordquo o que vinha perfeitamente ao encontro do que desejava Job ldquopara semprerdquoNatildeo eacute todavia apenas o texto o que se neces-sita de decifrar em Epigrafia Giancarlo Susini (1966 1982) sublinhou-o desde logo o epi-grafista precisa de pensar em tudo o que envolveu aquele escrito a pedreira donde a pedra veio os tratos que levou na oficina onde intervieram o canteiro o paginador (ordinator) o encomendantehellip Houve claro uma troca de impressotildees sobre o que se que-ria gravar e nessa conversa cada qual agiu de acordo com a sua mentalidade cultura e saber teacutecnico Depois essa conversa situou-se num tempo numa sociedade mdash e por conse-guinte dela eacute evidente reflexo Por isso ins-pirado no saudoso Mestre eu gosto de afir-mar que ldquoa Epigrafia estuda o modo como em determinado momento o Homem selecionou ideias para as transmitir aos vindourosrdquoNa definiccedilatildeo eacute ldquovindourordquo a palavra que subli-nha a tal perenidade que constitui o cerne de

uma epiacutegrafe pois parafraseando as pala-vras do Evangelho ldquonatildeo se acende uma can-deia para a colocar debaixo do alqueire mas para a colocar no pangaio a fim de que a todos iluminerdquo (Mateus 5 15) Daiacute que o suporte assuma papel importante sim mas natildeo eacute o mais importante para o epigrafista que pretende acima de tudo ver na epiacutegrafe o reflexo de uma mentalidade e de uma eacutepoca

11 Os grafitos

Em recente publicaccedilatildeo no Ficheiro Epigraacutefico (inscriccedilatildeo nordm 609) aproveitou-se o facto de se estudar um grafito deveras curioso para fazer a retrospectiva do interesse que os grafitos afinal haviam alcanccedilado no acircmbito dos estudos epigraacuteficos Tive oportu-nidade de em post-scriptum recordar o que se fizera em Coniacutembriga e na monografia sobre o castelo da Lousa e o facto deve-ras curioso de Robert Sablayrolles (1996) ter minuciosamente percorrido com o olhar a diferentes horas do dia as paredes das casernas dos vigiles de Oacutestia para desco-brir nomes dos componentes das guarniccedilotildees que por ali haviam passado e que natildeo cons-tavam nas listas oficiais Gente anoacutenimaE cedo nos apercebemos de que como na atualidade ao grafito estaacute agarrada a espontaneidade um certo secretismo uma rebeldia contra o status quo porque se faz rapidamente quase agraves escondidas e se envolve em mui oportuno anonimato (Encar-naccedilatildeo 2009)

12 A ldquofilosofia de para-choquerdquo

Quando estive pela primeira vez no Brasil calhou deslocar-me de autocarro de Vitoacute-ria da Conquista a Salvador da Baiacutea E qual natildeo foi o meu espanto quando verifiquei que as dezenas de camionistas que por noacutes pas-savam haviam mandado gravar no para--choques traseiro uma frase original fruto da sua imaginaccedilatildeo do seu modo de enca-rar a vida da sua filosofia de vida Frases a maior parte das vezes plenas de espiacuterito como que a procurar quebrar a monotonia de quem conduz um camiatildeo solitaacuterio cen-tenas e centenas de quiloacutemetros por uma

157 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

rodovia inoacutespita Lembro-me que apontei algumas no meu diaacuterio a 21 de outubro de 1989ldquoSe tu eacutes filho de Deus aqui vai o teu irmatildeordquoldquoSaudade natildeo tem idaderdquoldquoO Senhor eacute meu pastor nada me faltaraacuterdquoldquoCom um beijo teu mamatildee teu filho viaja felizrdquoldquoA tua inveja eacute a minha felicidaderdquoldquoAs mulheres perdidas satildeo as mais procuradasrdquoldquoMulher bonita e dinheiro soacute pintam na matildeo dos outrosrdquoldquoSe me vires agarrado a mulher feia aparta que eacute brigardquoldquoAnjo solitaacuterio mdash adopte-ordquoldquoCom Deus hei-de vencerrdquoldquoMoro no mundo e passeio em casardquo

E pergunto esta ldquofilosofia dos para-choquesrdquo como lhe chamou Mauro de Almeida (1963) natildeo teraacute de ser tambeacutem objeto da Epigrafia

Que frases mais eloquentes do que estas nos potildeem a nu o pensamento a ironia a alegria de viver o sentir de um camionista mdash sendo certo que afinal caminhantes somos todos noacutes A espiritualidade o humorhellip um retrato vivo a que o Epigrafista natildeo pode ficar alheio

13 As tatuagens

Que nos recordemos vem entre noacutes do tempo da Guerra no Ultramar o haacutebito ainda bem tiacutemido entatildeo de se fazer uma tatuagem Geralmente um topoacutenimo e uma data o nome da pessoa amada a identifi-caccedilatildeo da companhia a que se pertenciahellip Neste veratildeo de 2017 tatuagens foi o que mais se viu em corpos de homens e de mulhe-res nas mais diferentes partes do corpo acessiacuteveis ao olhar por estarmos em eacutepoca balnear Cada dia me espantava mais com o que via e que me seja perdoada a ousa-dia de afirmar que tambeacutem a tatuagem pelo seu significado pelo seu simbolismo mdash quer esteacutetico quer linguiacutestico mdash deveraacute cons-tituir doravante objeto da Epigrafia e natildeo me admiraria se algueacutem quisesse pegar em determinado universo de pessoas e procu-rasse descobrir se havia (que as haacute) linhas mestras na mensagem que se pretende trans-mitir E caacute estaacute de novo a ideia de perma-necircncia de durabilidade crecirc-se que a tatua-gem vai ficar para sempre ou que mui difi-cilmente poderaacute ser apagadaRecordo que uma neta de 20 anos que adora os avoacutes lhes pediu uma frase com a sua assi-natura uma frase simples que retratasse o que eles pensavam dela da sua vida da sua forma de encarar a existecircncia Escreve-ram ldquoFlor regada flor formosardquo mdash e assina-ram Natildeo tinham eles a menor ideia por que razatildeo a neta lhes pedira uma frase curta que pudesse consubstanciar o que dela pen-savam E era isso o saacutebio aproveitamento que fizera da educaccedilatildeo que lhe havia sido dada resultara bem mdash e estavam contentesE nem ldquopor encomendardquo vem a talhe de foice a capa (Figs 1 e 2) do nordm 49 (julho de 2017) da revista Rua Larga da Universidade de Coimbra nuacutemero comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS mostra a parte superior das costas junto ao pescoccedilo de um jovem estudante que fez esse programa e

Fig 2 ndash Pormenor da fig 1

Fig 1 ndash Capa do nordm 49 (julho de 2017) da revista Rua Larga da Universidade de Coimbra comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS

158

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

que pediu para aiacute lhe tatuarem a seguinte frase ldquollevo el mundo en miacute almardquo bonita siacutentese afinal do que o Programa ERASMUS significou (e significa) para milhares e milha-res de estudantesSirvam pois estes exemplos para mostrar quanto mdash atraveacutes da anaacutelise linguiacutestica e da interpretaccedilatildeo psicoloacutegica mdash a Epigrafia pode levar a alcanccedilarmos todo um mundo de vivecircncias proacuteprio de determinada eacutepoca Objetar-se-aacute natildeo se estaacute a fazer Histoacuteria Haacute e natildeo haacute razatildeo nessa atitude porque a velocidade com que hoje os factos aconte-cem determina que o ritmo lsquohistoacutericorsquo seja cada vez mais raacutepido tambeacutem e a Histoacuteria propriamente dita na sua conceccedilatildeo tradicio-nal veja o seu campo invadido por outras ciecircncias sociais e humanas que mui plena-mente a completam

2 A flamiacutenia Iulia Modesta de Bobadela (Oli-veira do Hospital)

Ao debruccedilar-me de novo sobre os testemu-nhos epigraacuteficos que supostamente (a meu ver) documentam a existecircncia da flamiacutenia eborense Laberia Galla (2016) apercebi--me de que havia de novo atualmente em curso diversos projetos de investigaccedilatildeo natildeo apenas sobre as mulheres romanas em geral mas de modo especiacutefico sobre aquelas que deixaram rasto na Histoacuteria mormente nas fontes epigraacuteficasAssim Milagros Navarro Caballero acaba de publicar Perfectissima Femina (datado de 29 de junho de 2017) revisatildeo e atualizaccedilatildeo de um trabalho de pesquisa elaborado em 2012 Dois volumes excelentemente apre-sentados sendo o II o corpus comentado de 614 epiacutegrafes onde se mencionam ldquofemmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romainerdquo estando o I dividido em trecircs capiacutetulos identificados com tiacutetulos deveras sugestivos do conteuacutedo aiacute tratado ldquoI Le texte et lrsquoimage signes publics de lrsquoappartenance des femmes agrave lrsquoeacuteliterdquo ldquoII La preacutesence des dames dans les citeacutes hispa-niques une question de prestigerdquo e ldquoIII La femme et la famille le priveacute en publicrdquoO intuito desta seacuterie ldquoApostilas epigraacuteficasrdquo eacute o de comentar interpretaccedilotildees eou leituras de inscriccedilotildees que mercecirc de circunstacircncias vaacuterias poderatildeo natildeo ter obtido consenso e

haacute pois motivo para sobre elas de novo nos debruccedilarmos a fim de tomarmos consciecircn-cia dos problemas em presenccedila Exempli-fico com o caso mdash e prometo natildeo me alon-gar sobre um assunto que da minha parte considero encerrado mdash da flamiacutenia Labeacute-ria Gala que Huumlbner eu proacuteprio e outros investigadores consideraram uma criaccedilatildeo de Andreacute de Resende (Encarnaccedilatildeo 2016) Milagros Navarro afirma por exemplo que uma das epiacutegrafes referentes a esta flamiacutenia (CIL II 114) estaacute perdida e foi ldquoconsideacutereacutee comme un faux jusqursquoagrave sa reacutehabilitation par J Encarnaccedilatildeordquo (Navarro 2017 p 554) Ora vatildeo precisamente em sentido contraacuterio os argumentos que tenho apresentado mor-mente os de 2016 quando recorro agrave compa-raccedilatildeo com os romancistas de todos os tem-pos que para reforccedilarem a credibilidade do conteuacutedo dos seus romances o fazem basear em documentaccedilatildeo ateacute esse momento oculta e que eles por um feliz acaso () des-cobriramhellip Argumento que utilizei tambeacutem aleacutem de outros para considerar forjada a epiacutegrafe de Leiria (CIL II 339) cuja autenti-cidade nunca fora posta em causaNo vol 55 (2016) da revista Conimbriga anunciaram Manuel Salinas de Friacuteas e Juana Rodriacuteguez Corteacutes que estaacute em curso ldquoum projecto de investigaccedilatildeo empreendido pelo Grupo de Investigacioacuten Reconocido (GIR) Hesperia da Universidade de Salamancardquo O projeto tem por objetivo elaborar a Pro-sopografia da Lusitacircnia Romana ou seja ldquodos personagens notaacuteveisrdquo dessa proviacutencia (p 225) E o que nos apresentam eacute justa-mente o primeiro esboccedilo do corpus das fla-minicae et feminae notabiles LusitaniaeNatildeo comento mdash porque natildeo me compete fazecirc-lo mdash o facto de estarem vaacuterios gru-pos de investigadores cada um por seu lado a pesquisarem os mesmos temas (haacute que lsquoinventarrsquo temas pois a isso obrigam as entidades oficiais que presidem e financiam a investigaccedilatildeohellip) Vou aproveitar poreacutem para dissecar um dos testemunhos apresen-tados por estes dois investigadores salmanti-nos meus grandes amigos de longa data e jaacute que ora se publicou a obra de Milagros Navarro Caballero fazer o cotejo dos resul-tados apresentadosEscolhi a flamiacutenia Iulia Modesta de que na p 227 da Conimbriga satildeo referidas as duas

159 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

inscriccedilotildees que tradicionalmente lhe satildeo atri-buiacutedas dadas como procedentes de Boba-dela concelho de Oliveira do Hospital CIL II 396 e 397 com os seguintes textos

A) Pietati sacrum Iulia Modesta ex patrimo-nio suo in honorem gentis Sex(ti) Aponi Sca-evi Flacci mariti sui flaminis Provinc(iae) Lusi-t(aniae) et in honorem gentis Iuliorum parentum suorum

B) [hellip] has portas et porticus refecit et donavit splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica Provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

21 CIL II 396

Sobre a primeira o comentaacuterio dos autores eacute o seguinte

Coimbra Museu Machado de Castro Pedestal de estatua dedicada a Pie-tas La estatua debiacutea ser un monumento lo suficientemente importante como para constituir un objeto de emulacioacuten con el sacerdocio provincial desempentildeado por el coacutenyuge y de exaltacioacuten a la vez de la propia gens de la dedicante

Houve decerto confusatildeo na interpretaccedilatildeo dos dados no que se refere ao paradeiro da epiacutegrafe Na verdade a informaccedilatildeo de Frei Vicente Salgado daacute-a como existente ldquona porta do palaacutecio do bispo de Coimbrardquo e isso teraacute levado Manuel Salinas e Juana Rodriacuteguez a identificar esse palaacutecio com o atual Museu Machado de Castro que foi de facto paccedilo episcopal contudo havia antes uma outra palavra Coja que eacute o nome da localidade onde o bispo de Coimbra tambeacutem possuiacutea um palaacutecio O certo eacute que se perdeu por completo o rasto da epiacutegrafe e o que estaacute de facto no Museu Machado de Castro eacute apenas um pequeno fragmento colocando-se muito seria-mente a hipoacutetese de outros terem sido reutiliza-dos nalguma construccedilatildeo pois que esse palaacutecio ldquohoje natildeo existe Ruiacutenas e poucas A pedra foi aproveitada Da inscriccedilatildeo ningueacutem daacute conta Apenas vagamente os autores do Inventaacuterio Artiacutestico de Portugal IV p 13 dizem na parte correspondente agrave freguesia no concelho de Arganil ldquoparece que se encontra empregada

como material de construccedilatildeo duma casardquo (Ana-cleto 1981 p 64)Fica pois o apelo agraves entidades de Coja quando se proceder agrave reparaccedilatildeo de alguma das casas importa haver toda a atenccedilatildeo natildeo vaacute acontecer o imprevisto que seria bem agra-daacutevel a redescoberta de mais algum frag-mento da epiacutegrafe Natildeo haacute pois motivo para duvidar da sua autenticidade ainda que natildeo sejam comuns tantas palavras por extenso A provar que existiu estaacute esse fragmento que Maia do Amaral logrou com raro meacuterito iden-tificar no Museu Nacional Machado de Castro apresentando no seu artigo fotografia e ima-gem a propor a integraccedilatildeo do fragmento no todo da epiacutegrafe (Amaral 1982 figs 8 e 9)Eacute portanto a proacutepria flamiacutenia que homenageia a divindade ex patrimonio suo ldquoa expensas suasrdquo expressatildeo que vamos encontrar outras vezes na epigrafia da regiatildeo (recordem-se as epiacutegrafes de C Cantius Modestinus) mas a razatildeo da homenagem natildeo deixa de ser deve-ras significativa in honorem da gens do marido flacircmine da proviacutencia da Lusitacircnia que eacute a dos Aponii e in honorem da sua proacutepria gens que eacute a dos Iulii uma ldquoatitude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo comentou Luiacutes Fernandes (1998ndash1999 p 165) que faz tambeacutem uma relacionaccedilatildeo inclusive por via da utilizaccedilatildeo da expressatildeo ex patrimonio suo aos Iulii da civi-tas Igaeditanorum (Fernandes 1998ndash1999 p 166) ateacute porque Modestinus esteve clara-mente ligado ao escol dos dois aglomerados populacionaisDe realccedilar por conseguinte dois aspetos pri-meiro o uso do vocaacutebulo gens no seu sentido proacuteprio de nuacutecleo familiar com o mesmo nome o gentiliacutecio que se me afigura caso uacutenico na epigrafia peninsular uma vez que essa pala-vra quando aparece identifica natildeo um aglo-merado familiar mas o que Mariacutea Lourdes Albertos designou de ldquoorganizaciones suprafa-miliaresrdquo (1975) Aliaacutes compulsando esse seu trabalho seriam no seu tempo apenas trecircs se bem vi os testemunhos do uso de gens com essa significaccedilatildeo ndash gentis Pinton(um) numa epiacutegrafe perdida de Coniacutembriga (CIL II 365 FC II inscriccedilatildeo nordm 15) de que a proacutepria Lourdes Albertos escreve ldquoTexto inseguro sin posibilidad de comproba-cioacuten por peacuterdida de la inscripcioacutenrdquo (Albertos 1975 p 19)

160

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

ndash ex gente Cantabrorum (CIL II 4233) e ex gente Vaccaeorum (CIL II 6093) ambas de Tarra-gona onde portanto se natildeo assume a aceccedilatildeo de tipo familiar restritoRobert Eacutetienne natildeo ousou propor nenhuma dataccedilatildeo para esta epiacutegrafe Sex Aponius Scaevus Flaccus eacute em seu entender um dos dois sacerdotes que ldquoeacutechappent agrave toute data-tionrdquo (1974 p 126) Vasco Mantas (1988 p 245) apontando as jaacute referidas eventuais relaccedilotildees entre esta Iulia Modesta e os familia-res de C Cantius Modestinus parece atribuir agrave referida inscriccedilatildeo uma dataccedilatildeo flaacutevia pois considera Modestinus ldquocomo um dos mais des-tacados elementos da sociedade luso-romana do uacuteltimo quartel do seacuteculo Irdquo (Mantas 1988 p 245) Da minha parte apesar da existecircncia de dois cognomina na identificaccedilatildeo de Aponius que poderia apontar para uma eacutepoca mais avanccedilada natildeo vejo inconveniente em que o texto possa ter sido escrito na primeira metade do seacuteculo I justamente pela utilizaccedilatildeo da pala-vra gens nesse seu sentido original ldquoclaacutessicordquoReforccedilaria por outro lado o que Luiacutes Fernan-des escreveu vejo aqui natildeo apenas essa ldquoati-tude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo mas a vontade clara da flamiacutenia mdash mulher mdash de perpetuar a memoacuteria da sua famiacutelia e natildeo apenas a do marido O pretexto natildeo poderia ter sido melhor a Pietas eacute a divindade que por excelecircncia protege as famiacutelias que lhe prestam culto mdash piissimus constitui recorde-se um dos qualificativos laudatoacuterios mais correntes nas epiacutegrafes funeraacuterias mdash e aqui foca-se clara-mente a uniatildeo das duas famiacutelias nesse ato que eacute individual e benemeacuterito (ex patrimonio suo) mas que deteacutem relevante ecircnfase poliacutetico-social A iniciativa partiu todavia sublinhe-se de uma mulher E se como Milagros Navarro (2017 p 545) sugere a epiacutegrafe tivesse sido ldquograveacutee sur le deacute du pieacutedestal qui portait un signum de la Pietasrdquo maior relevacircncia teria tido porque o seu lugar proacuteprio seria o foacuterum da civitas agrave vista de toda a genteDir-se-aacute por conseguinte a terminar que se manteacutem em aberto a discussatildeo acerca da tipo-logia do monumento Escreve Maia do Amaral (1982 p 125)

Funeraacuteria votiva ou honoriacutefica mdash qual-quer destas classificaccedilotildees tem os seus defensores mdash trata-se sem duacutevida de

um magniacutefico e imponente monumento Segundo a nossa reconstituiccedilatildeo provisoacute-ria natildeo poderia ter menos de 320 m de largura Talvez fosse moldurada uma vez que temos a opiniatildeo de um erudito via-jante que podendo admiraacute-la em 1782 achou que ldquobem podia ser achada em algum tuacutemulo sepulchral da famiacutelia dos Juacutelios que habitaratildeo em Portugalrdquo com o que talvez natildeo tivesse andado longe da verdade a hipoacutetese de ser funeraacute-ria ou ldquosemi-funeraacuteriardquo na terminologia conciliadora de J Leite de Vasconcelos longe de lhe ldquodiminuir (hellip) o alcance cul-turalrdquo eacute a nosso ver a mais verosiacutemil e enriquecedora

E sugere de seguida (Amaral 1982 p 126) que poderia figurar no frontispiacutecio de um mausoleacuteuJorge de Alarcatildeo afirmando que para estar no foacuterum seria mais viaacutevel que a dedicatoacuteria tivesse sido feita agrave Pietas Augusta ateacute porque a dedi-cante eacute uma flamiacutenia prefere sugerir como suporte uma ediacutecula quiccedilaacute encimada por uma estaacutetua da Pietas que ldquopoderia ter sido erguida numa aacuterea cemiterialrdquo (Alarcatildeo 2002ndash2003 p 164)Da minha parte ao percorrer os cemiteacuterios actuais e ao verificar como muitos dos jazigos se apresentam com esse estatuto monumental e ao lembrar-me do panorama mdash tambeacutem ele monu-mental mdash da necroacutepole romana de Oacutestia natildeo vejo inconveniente em aceitar uma proposta ou outra porque o importante era na verdade que estivesse em lugar puacuteblico com o devido relevo correspondente agrave importacircncia ciacutevica social poliacute-tica e econoacutemica que ambas as famiacutelias mdash os Aponii e os Iulii mdash incontestavelmente detiveram

22 CIL II 397

Analise-se agora o que Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriacuteguez Corteacutes escrevem como comentaacuterio agrave segunda epiacutegrafe

El epiacutegrafe ha desaparecido por lo que la reconstruccioacuten del texto es hipoteacutetica Andreu 2004 pp 87 88 244 nordm 75 supone que se tratariacutea de una restaura-cioacuten de las puertas del foro Es posible que esta inscripcioacuten sea posterior en el tiempo a la primera ya que en aquella no se menciona el flaminado provincial

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

157 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

rodovia inoacutespita Lembro-me que apontei algumas no meu diaacuterio a 21 de outubro de 1989ldquoSe tu eacutes filho de Deus aqui vai o teu irmatildeordquoldquoSaudade natildeo tem idaderdquoldquoO Senhor eacute meu pastor nada me faltaraacuterdquoldquoCom um beijo teu mamatildee teu filho viaja felizrdquoldquoA tua inveja eacute a minha felicidaderdquoldquoAs mulheres perdidas satildeo as mais procuradasrdquoldquoMulher bonita e dinheiro soacute pintam na matildeo dos outrosrdquoldquoSe me vires agarrado a mulher feia aparta que eacute brigardquoldquoAnjo solitaacuterio mdash adopte-ordquoldquoCom Deus hei-de vencerrdquoldquoMoro no mundo e passeio em casardquo

E pergunto esta ldquofilosofia dos para-choquesrdquo como lhe chamou Mauro de Almeida (1963) natildeo teraacute de ser tambeacutem objeto da Epigrafia

Que frases mais eloquentes do que estas nos potildeem a nu o pensamento a ironia a alegria de viver o sentir de um camionista mdash sendo certo que afinal caminhantes somos todos noacutes A espiritualidade o humorhellip um retrato vivo a que o Epigrafista natildeo pode ficar alheio

13 As tatuagens

Que nos recordemos vem entre noacutes do tempo da Guerra no Ultramar o haacutebito ainda bem tiacutemido entatildeo de se fazer uma tatuagem Geralmente um topoacutenimo e uma data o nome da pessoa amada a identifi-caccedilatildeo da companhia a que se pertenciahellip Neste veratildeo de 2017 tatuagens foi o que mais se viu em corpos de homens e de mulhe-res nas mais diferentes partes do corpo acessiacuteveis ao olhar por estarmos em eacutepoca balnear Cada dia me espantava mais com o que via e que me seja perdoada a ousa-dia de afirmar que tambeacutem a tatuagem pelo seu significado pelo seu simbolismo mdash quer esteacutetico quer linguiacutestico mdash deveraacute cons-tituir doravante objeto da Epigrafia e natildeo me admiraria se algueacutem quisesse pegar em determinado universo de pessoas e procu-rasse descobrir se havia (que as haacute) linhas mestras na mensagem que se pretende trans-mitir E caacute estaacute de novo a ideia de perma-necircncia de durabilidade crecirc-se que a tatua-gem vai ficar para sempre ou que mui difi-cilmente poderaacute ser apagadaRecordo que uma neta de 20 anos que adora os avoacutes lhes pediu uma frase com a sua assi-natura uma frase simples que retratasse o que eles pensavam dela da sua vida da sua forma de encarar a existecircncia Escreve-ram ldquoFlor regada flor formosardquo mdash e assina-ram Natildeo tinham eles a menor ideia por que razatildeo a neta lhes pedira uma frase curta que pudesse consubstanciar o que dela pen-savam E era isso o saacutebio aproveitamento que fizera da educaccedilatildeo que lhe havia sido dada resultara bem mdash e estavam contentesE nem ldquopor encomendardquo vem a talhe de foice a capa (Figs 1 e 2) do nordm 49 (julho de 2017) da revista Rua Larga da Universidade de Coimbra nuacutemero comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS mostra a parte superior das costas junto ao pescoccedilo de um jovem estudante que fez esse programa e

Fig 2 ndash Pormenor da fig 1

Fig 1 ndash Capa do nordm 49 (julho de 2017) da revista Rua Larga da Universidade de Coimbra comemorativo dos 30 anos do Programa ERASMUS

158

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

que pediu para aiacute lhe tatuarem a seguinte frase ldquollevo el mundo en miacute almardquo bonita siacutentese afinal do que o Programa ERASMUS significou (e significa) para milhares e milha-res de estudantesSirvam pois estes exemplos para mostrar quanto mdash atraveacutes da anaacutelise linguiacutestica e da interpretaccedilatildeo psicoloacutegica mdash a Epigrafia pode levar a alcanccedilarmos todo um mundo de vivecircncias proacuteprio de determinada eacutepoca Objetar-se-aacute natildeo se estaacute a fazer Histoacuteria Haacute e natildeo haacute razatildeo nessa atitude porque a velocidade com que hoje os factos aconte-cem determina que o ritmo lsquohistoacutericorsquo seja cada vez mais raacutepido tambeacutem e a Histoacuteria propriamente dita na sua conceccedilatildeo tradicio-nal veja o seu campo invadido por outras ciecircncias sociais e humanas que mui plena-mente a completam

2 A flamiacutenia Iulia Modesta de Bobadela (Oli-veira do Hospital)

Ao debruccedilar-me de novo sobre os testemu-nhos epigraacuteficos que supostamente (a meu ver) documentam a existecircncia da flamiacutenia eborense Laberia Galla (2016) apercebi--me de que havia de novo atualmente em curso diversos projetos de investigaccedilatildeo natildeo apenas sobre as mulheres romanas em geral mas de modo especiacutefico sobre aquelas que deixaram rasto na Histoacuteria mormente nas fontes epigraacuteficasAssim Milagros Navarro Caballero acaba de publicar Perfectissima Femina (datado de 29 de junho de 2017) revisatildeo e atualizaccedilatildeo de um trabalho de pesquisa elaborado em 2012 Dois volumes excelentemente apre-sentados sendo o II o corpus comentado de 614 epiacutegrafes onde se mencionam ldquofemmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romainerdquo estando o I dividido em trecircs capiacutetulos identificados com tiacutetulos deveras sugestivos do conteuacutedo aiacute tratado ldquoI Le texte et lrsquoimage signes publics de lrsquoappartenance des femmes agrave lrsquoeacuteliterdquo ldquoII La preacutesence des dames dans les citeacutes hispa-niques une question de prestigerdquo e ldquoIII La femme et la famille le priveacute en publicrdquoO intuito desta seacuterie ldquoApostilas epigraacuteficasrdquo eacute o de comentar interpretaccedilotildees eou leituras de inscriccedilotildees que mercecirc de circunstacircncias vaacuterias poderatildeo natildeo ter obtido consenso e

haacute pois motivo para sobre elas de novo nos debruccedilarmos a fim de tomarmos consciecircn-cia dos problemas em presenccedila Exempli-fico com o caso mdash e prometo natildeo me alon-gar sobre um assunto que da minha parte considero encerrado mdash da flamiacutenia Labeacute-ria Gala que Huumlbner eu proacuteprio e outros investigadores consideraram uma criaccedilatildeo de Andreacute de Resende (Encarnaccedilatildeo 2016) Milagros Navarro afirma por exemplo que uma das epiacutegrafes referentes a esta flamiacutenia (CIL II 114) estaacute perdida e foi ldquoconsideacutereacutee comme un faux jusqursquoagrave sa reacutehabilitation par J Encarnaccedilatildeordquo (Navarro 2017 p 554) Ora vatildeo precisamente em sentido contraacuterio os argumentos que tenho apresentado mor-mente os de 2016 quando recorro agrave compa-raccedilatildeo com os romancistas de todos os tem-pos que para reforccedilarem a credibilidade do conteuacutedo dos seus romances o fazem basear em documentaccedilatildeo ateacute esse momento oculta e que eles por um feliz acaso () des-cobriramhellip Argumento que utilizei tambeacutem aleacutem de outros para considerar forjada a epiacutegrafe de Leiria (CIL II 339) cuja autenti-cidade nunca fora posta em causaNo vol 55 (2016) da revista Conimbriga anunciaram Manuel Salinas de Friacuteas e Juana Rodriacuteguez Corteacutes que estaacute em curso ldquoum projecto de investigaccedilatildeo empreendido pelo Grupo de Investigacioacuten Reconocido (GIR) Hesperia da Universidade de Salamancardquo O projeto tem por objetivo elaborar a Pro-sopografia da Lusitacircnia Romana ou seja ldquodos personagens notaacuteveisrdquo dessa proviacutencia (p 225) E o que nos apresentam eacute justa-mente o primeiro esboccedilo do corpus das fla-minicae et feminae notabiles LusitaniaeNatildeo comento mdash porque natildeo me compete fazecirc-lo mdash o facto de estarem vaacuterios gru-pos de investigadores cada um por seu lado a pesquisarem os mesmos temas (haacute que lsquoinventarrsquo temas pois a isso obrigam as entidades oficiais que presidem e financiam a investigaccedilatildeohellip) Vou aproveitar poreacutem para dissecar um dos testemunhos apresen-tados por estes dois investigadores salmanti-nos meus grandes amigos de longa data e jaacute que ora se publicou a obra de Milagros Navarro Caballero fazer o cotejo dos resul-tados apresentadosEscolhi a flamiacutenia Iulia Modesta de que na p 227 da Conimbriga satildeo referidas as duas

159 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

inscriccedilotildees que tradicionalmente lhe satildeo atri-buiacutedas dadas como procedentes de Boba-dela concelho de Oliveira do Hospital CIL II 396 e 397 com os seguintes textos

A) Pietati sacrum Iulia Modesta ex patrimo-nio suo in honorem gentis Sex(ti) Aponi Sca-evi Flacci mariti sui flaminis Provinc(iae) Lusi-t(aniae) et in honorem gentis Iuliorum parentum suorum

B) [hellip] has portas et porticus refecit et donavit splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica Provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

21 CIL II 396

Sobre a primeira o comentaacuterio dos autores eacute o seguinte

Coimbra Museu Machado de Castro Pedestal de estatua dedicada a Pie-tas La estatua debiacutea ser un monumento lo suficientemente importante como para constituir un objeto de emulacioacuten con el sacerdocio provincial desempentildeado por el coacutenyuge y de exaltacioacuten a la vez de la propia gens de la dedicante

Houve decerto confusatildeo na interpretaccedilatildeo dos dados no que se refere ao paradeiro da epiacutegrafe Na verdade a informaccedilatildeo de Frei Vicente Salgado daacute-a como existente ldquona porta do palaacutecio do bispo de Coimbrardquo e isso teraacute levado Manuel Salinas e Juana Rodriacuteguez a identificar esse palaacutecio com o atual Museu Machado de Castro que foi de facto paccedilo episcopal contudo havia antes uma outra palavra Coja que eacute o nome da localidade onde o bispo de Coimbra tambeacutem possuiacutea um palaacutecio O certo eacute que se perdeu por completo o rasto da epiacutegrafe e o que estaacute de facto no Museu Machado de Castro eacute apenas um pequeno fragmento colocando-se muito seria-mente a hipoacutetese de outros terem sido reutiliza-dos nalguma construccedilatildeo pois que esse palaacutecio ldquohoje natildeo existe Ruiacutenas e poucas A pedra foi aproveitada Da inscriccedilatildeo ningueacutem daacute conta Apenas vagamente os autores do Inventaacuterio Artiacutestico de Portugal IV p 13 dizem na parte correspondente agrave freguesia no concelho de Arganil ldquoparece que se encontra empregada

como material de construccedilatildeo duma casardquo (Ana-cleto 1981 p 64)Fica pois o apelo agraves entidades de Coja quando se proceder agrave reparaccedilatildeo de alguma das casas importa haver toda a atenccedilatildeo natildeo vaacute acontecer o imprevisto que seria bem agra-daacutevel a redescoberta de mais algum frag-mento da epiacutegrafe Natildeo haacute pois motivo para duvidar da sua autenticidade ainda que natildeo sejam comuns tantas palavras por extenso A provar que existiu estaacute esse fragmento que Maia do Amaral logrou com raro meacuterito iden-tificar no Museu Nacional Machado de Castro apresentando no seu artigo fotografia e ima-gem a propor a integraccedilatildeo do fragmento no todo da epiacutegrafe (Amaral 1982 figs 8 e 9)Eacute portanto a proacutepria flamiacutenia que homenageia a divindade ex patrimonio suo ldquoa expensas suasrdquo expressatildeo que vamos encontrar outras vezes na epigrafia da regiatildeo (recordem-se as epiacutegrafes de C Cantius Modestinus) mas a razatildeo da homenagem natildeo deixa de ser deve-ras significativa in honorem da gens do marido flacircmine da proviacutencia da Lusitacircnia que eacute a dos Aponii e in honorem da sua proacutepria gens que eacute a dos Iulii uma ldquoatitude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo comentou Luiacutes Fernandes (1998ndash1999 p 165) que faz tambeacutem uma relacionaccedilatildeo inclusive por via da utilizaccedilatildeo da expressatildeo ex patrimonio suo aos Iulii da civi-tas Igaeditanorum (Fernandes 1998ndash1999 p 166) ateacute porque Modestinus esteve clara-mente ligado ao escol dos dois aglomerados populacionaisDe realccedilar por conseguinte dois aspetos pri-meiro o uso do vocaacutebulo gens no seu sentido proacuteprio de nuacutecleo familiar com o mesmo nome o gentiliacutecio que se me afigura caso uacutenico na epigrafia peninsular uma vez que essa pala-vra quando aparece identifica natildeo um aglo-merado familiar mas o que Mariacutea Lourdes Albertos designou de ldquoorganizaciones suprafa-miliaresrdquo (1975) Aliaacutes compulsando esse seu trabalho seriam no seu tempo apenas trecircs se bem vi os testemunhos do uso de gens com essa significaccedilatildeo ndash gentis Pinton(um) numa epiacutegrafe perdida de Coniacutembriga (CIL II 365 FC II inscriccedilatildeo nordm 15) de que a proacutepria Lourdes Albertos escreve ldquoTexto inseguro sin posibilidad de comproba-cioacuten por peacuterdida de la inscripcioacutenrdquo (Albertos 1975 p 19)

160

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

ndash ex gente Cantabrorum (CIL II 4233) e ex gente Vaccaeorum (CIL II 6093) ambas de Tarra-gona onde portanto se natildeo assume a aceccedilatildeo de tipo familiar restritoRobert Eacutetienne natildeo ousou propor nenhuma dataccedilatildeo para esta epiacutegrafe Sex Aponius Scaevus Flaccus eacute em seu entender um dos dois sacerdotes que ldquoeacutechappent agrave toute data-tionrdquo (1974 p 126) Vasco Mantas (1988 p 245) apontando as jaacute referidas eventuais relaccedilotildees entre esta Iulia Modesta e os familia-res de C Cantius Modestinus parece atribuir agrave referida inscriccedilatildeo uma dataccedilatildeo flaacutevia pois considera Modestinus ldquocomo um dos mais des-tacados elementos da sociedade luso-romana do uacuteltimo quartel do seacuteculo Irdquo (Mantas 1988 p 245) Da minha parte apesar da existecircncia de dois cognomina na identificaccedilatildeo de Aponius que poderia apontar para uma eacutepoca mais avanccedilada natildeo vejo inconveniente em que o texto possa ter sido escrito na primeira metade do seacuteculo I justamente pela utilizaccedilatildeo da pala-vra gens nesse seu sentido original ldquoclaacutessicordquoReforccedilaria por outro lado o que Luiacutes Fernan-des escreveu vejo aqui natildeo apenas essa ldquoati-tude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo mas a vontade clara da flamiacutenia mdash mulher mdash de perpetuar a memoacuteria da sua famiacutelia e natildeo apenas a do marido O pretexto natildeo poderia ter sido melhor a Pietas eacute a divindade que por excelecircncia protege as famiacutelias que lhe prestam culto mdash piissimus constitui recorde-se um dos qualificativos laudatoacuterios mais correntes nas epiacutegrafes funeraacuterias mdash e aqui foca-se clara-mente a uniatildeo das duas famiacutelias nesse ato que eacute individual e benemeacuterito (ex patrimonio suo) mas que deteacutem relevante ecircnfase poliacutetico-social A iniciativa partiu todavia sublinhe-se de uma mulher E se como Milagros Navarro (2017 p 545) sugere a epiacutegrafe tivesse sido ldquograveacutee sur le deacute du pieacutedestal qui portait un signum de la Pietasrdquo maior relevacircncia teria tido porque o seu lugar proacuteprio seria o foacuterum da civitas agrave vista de toda a genteDir-se-aacute por conseguinte a terminar que se manteacutem em aberto a discussatildeo acerca da tipo-logia do monumento Escreve Maia do Amaral (1982 p 125)

Funeraacuteria votiva ou honoriacutefica mdash qual-quer destas classificaccedilotildees tem os seus defensores mdash trata-se sem duacutevida de

um magniacutefico e imponente monumento Segundo a nossa reconstituiccedilatildeo provisoacute-ria natildeo poderia ter menos de 320 m de largura Talvez fosse moldurada uma vez que temos a opiniatildeo de um erudito via-jante que podendo admiraacute-la em 1782 achou que ldquobem podia ser achada em algum tuacutemulo sepulchral da famiacutelia dos Juacutelios que habitaratildeo em Portugalrdquo com o que talvez natildeo tivesse andado longe da verdade a hipoacutetese de ser funeraacute-ria ou ldquosemi-funeraacuteriardquo na terminologia conciliadora de J Leite de Vasconcelos longe de lhe ldquodiminuir (hellip) o alcance cul-turalrdquo eacute a nosso ver a mais verosiacutemil e enriquecedora

E sugere de seguida (Amaral 1982 p 126) que poderia figurar no frontispiacutecio de um mausoleacuteuJorge de Alarcatildeo afirmando que para estar no foacuterum seria mais viaacutevel que a dedicatoacuteria tivesse sido feita agrave Pietas Augusta ateacute porque a dedi-cante eacute uma flamiacutenia prefere sugerir como suporte uma ediacutecula quiccedilaacute encimada por uma estaacutetua da Pietas que ldquopoderia ter sido erguida numa aacuterea cemiterialrdquo (Alarcatildeo 2002ndash2003 p 164)Da minha parte ao percorrer os cemiteacuterios actuais e ao verificar como muitos dos jazigos se apresentam com esse estatuto monumental e ao lembrar-me do panorama mdash tambeacutem ele monu-mental mdash da necroacutepole romana de Oacutestia natildeo vejo inconveniente em aceitar uma proposta ou outra porque o importante era na verdade que estivesse em lugar puacuteblico com o devido relevo correspondente agrave importacircncia ciacutevica social poliacute-tica e econoacutemica que ambas as famiacutelias mdash os Aponii e os Iulii mdash incontestavelmente detiveram

22 CIL II 397

Analise-se agora o que Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriacuteguez Corteacutes escrevem como comentaacuterio agrave segunda epiacutegrafe

El epiacutegrafe ha desaparecido por lo que la reconstruccioacuten del texto es hipoteacutetica Andreu 2004 pp 87 88 244 nordm 75 supone que se tratariacutea de una restaura-cioacuten de las puertas del foro Es posible que esta inscripcioacuten sea posterior en el tiempo a la primera ya que en aquella no se menciona el flaminado provincial

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

158

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

que pediu para aiacute lhe tatuarem a seguinte frase ldquollevo el mundo en miacute almardquo bonita siacutentese afinal do que o Programa ERASMUS significou (e significa) para milhares e milha-res de estudantesSirvam pois estes exemplos para mostrar quanto mdash atraveacutes da anaacutelise linguiacutestica e da interpretaccedilatildeo psicoloacutegica mdash a Epigrafia pode levar a alcanccedilarmos todo um mundo de vivecircncias proacuteprio de determinada eacutepoca Objetar-se-aacute natildeo se estaacute a fazer Histoacuteria Haacute e natildeo haacute razatildeo nessa atitude porque a velocidade com que hoje os factos aconte-cem determina que o ritmo lsquohistoacutericorsquo seja cada vez mais raacutepido tambeacutem e a Histoacuteria propriamente dita na sua conceccedilatildeo tradicio-nal veja o seu campo invadido por outras ciecircncias sociais e humanas que mui plena-mente a completam

2 A flamiacutenia Iulia Modesta de Bobadela (Oli-veira do Hospital)

Ao debruccedilar-me de novo sobre os testemu-nhos epigraacuteficos que supostamente (a meu ver) documentam a existecircncia da flamiacutenia eborense Laberia Galla (2016) apercebi--me de que havia de novo atualmente em curso diversos projetos de investigaccedilatildeo natildeo apenas sobre as mulheres romanas em geral mas de modo especiacutefico sobre aquelas que deixaram rasto na Histoacuteria mormente nas fontes epigraacuteficasAssim Milagros Navarro Caballero acaba de publicar Perfectissima Femina (datado de 29 de junho de 2017) revisatildeo e atualizaccedilatildeo de um trabalho de pesquisa elaborado em 2012 Dois volumes excelentemente apre-sentados sendo o II o corpus comentado de 614 epiacutegrafes onde se mencionam ldquofemmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romainerdquo estando o I dividido em trecircs capiacutetulos identificados com tiacutetulos deveras sugestivos do conteuacutedo aiacute tratado ldquoI Le texte et lrsquoimage signes publics de lrsquoappartenance des femmes agrave lrsquoeacuteliterdquo ldquoII La preacutesence des dames dans les citeacutes hispa-niques une question de prestigerdquo e ldquoIII La femme et la famille le priveacute en publicrdquoO intuito desta seacuterie ldquoApostilas epigraacuteficasrdquo eacute o de comentar interpretaccedilotildees eou leituras de inscriccedilotildees que mercecirc de circunstacircncias vaacuterias poderatildeo natildeo ter obtido consenso e

haacute pois motivo para sobre elas de novo nos debruccedilarmos a fim de tomarmos consciecircn-cia dos problemas em presenccedila Exempli-fico com o caso mdash e prometo natildeo me alon-gar sobre um assunto que da minha parte considero encerrado mdash da flamiacutenia Labeacute-ria Gala que Huumlbner eu proacuteprio e outros investigadores consideraram uma criaccedilatildeo de Andreacute de Resende (Encarnaccedilatildeo 2016) Milagros Navarro afirma por exemplo que uma das epiacutegrafes referentes a esta flamiacutenia (CIL II 114) estaacute perdida e foi ldquoconsideacutereacutee comme un faux jusqursquoagrave sa reacutehabilitation par J Encarnaccedilatildeordquo (Navarro 2017 p 554) Ora vatildeo precisamente em sentido contraacuterio os argumentos que tenho apresentado mor-mente os de 2016 quando recorro agrave compa-raccedilatildeo com os romancistas de todos os tem-pos que para reforccedilarem a credibilidade do conteuacutedo dos seus romances o fazem basear em documentaccedilatildeo ateacute esse momento oculta e que eles por um feliz acaso () des-cobriramhellip Argumento que utilizei tambeacutem aleacutem de outros para considerar forjada a epiacutegrafe de Leiria (CIL II 339) cuja autenti-cidade nunca fora posta em causaNo vol 55 (2016) da revista Conimbriga anunciaram Manuel Salinas de Friacuteas e Juana Rodriacuteguez Corteacutes que estaacute em curso ldquoum projecto de investigaccedilatildeo empreendido pelo Grupo de Investigacioacuten Reconocido (GIR) Hesperia da Universidade de Salamancardquo O projeto tem por objetivo elaborar a Pro-sopografia da Lusitacircnia Romana ou seja ldquodos personagens notaacuteveisrdquo dessa proviacutencia (p 225) E o que nos apresentam eacute justa-mente o primeiro esboccedilo do corpus das fla-minicae et feminae notabiles LusitaniaeNatildeo comento mdash porque natildeo me compete fazecirc-lo mdash o facto de estarem vaacuterios gru-pos de investigadores cada um por seu lado a pesquisarem os mesmos temas (haacute que lsquoinventarrsquo temas pois a isso obrigam as entidades oficiais que presidem e financiam a investigaccedilatildeohellip) Vou aproveitar poreacutem para dissecar um dos testemunhos apresen-tados por estes dois investigadores salmanti-nos meus grandes amigos de longa data e jaacute que ora se publicou a obra de Milagros Navarro Caballero fazer o cotejo dos resul-tados apresentadosEscolhi a flamiacutenia Iulia Modesta de que na p 227 da Conimbriga satildeo referidas as duas

159 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

inscriccedilotildees que tradicionalmente lhe satildeo atri-buiacutedas dadas como procedentes de Boba-dela concelho de Oliveira do Hospital CIL II 396 e 397 com os seguintes textos

A) Pietati sacrum Iulia Modesta ex patrimo-nio suo in honorem gentis Sex(ti) Aponi Sca-evi Flacci mariti sui flaminis Provinc(iae) Lusi-t(aniae) et in honorem gentis Iuliorum parentum suorum

B) [hellip] has portas et porticus refecit et donavit splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica Provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

21 CIL II 396

Sobre a primeira o comentaacuterio dos autores eacute o seguinte

Coimbra Museu Machado de Castro Pedestal de estatua dedicada a Pie-tas La estatua debiacutea ser un monumento lo suficientemente importante como para constituir un objeto de emulacioacuten con el sacerdocio provincial desempentildeado por el coacutenyuge y de exaltacioacuten a la vez de la propia gens de la dedicante

Houve decerto confusatildeo na interpretaccedilatildeo dos dados no que se refere ao paradeiro da epiacutegrafe Na verdade a informaccedilatildeo de Frei Vicente Salgado daacute-a como existente ldquona porta do palaacutecio do bispo de Coimbrardquo e isso teraacute levado Manuel Salinas e Juana Rodriacuteguez a identificar esse palaacutecio com o atual Museu Machado de Castro que foi de facto paccedilo episcopal contudo havia antes uma outra palavra Coja que eacute o nome da localidade onde o bispo de Coimbra tambeacutem possuiacutea um palaacutecio O certo eacute que se perdeu por completo o rasto da epiacutegrafe e o que estaacute de facto no Museu Machado de Castro eacute apenas um pequeno fragmento colocando-se muito seria-mente a hipoacutetese de outros terem sido reutiliza-dos nalguma construccedilatildeo pois que esse palaacutecio ldquohoje natildeo existe Ruiacutenas e poucas A pedra foi aproveitada Da inscriccedilatildeo ningueacutem daacute conta Apenas vagamente os autores do Inventaacuterio Artiacutestico de Portugal IV p 13 dizem na parte correspondente agrave freguesia no concelho de Arganil ldquoparece que se encontra empregada

como material de construccedilatildeo duma casardquo (Ana-cleto 1981 p 64)Fica pois o apelo agraves entidades de Coja quando se proceder agrave reparaccedilatildeo de alguma das casas importa haver toda a atenccedilatildeo natildeo vaacute acontecer o imprevisto que seria bem agra-daacutevel a redescoberta de mais algum frag-mento da epiacutegrafe Natildeo haacute pois motivo para duvidar da sua autenticidade ainda que natildeo sejam comuns tantas palavras por extenso A provar que existiu estaacute esse fragmento que Maia do Amaral logrou com raro meacuterito iden-tificar no Museu Nacional Machado de Castro apresentando no seu artigo fotografia e ima-gem a propor a integraccedilatildeo do fragmento no todo da epiacutegrafe (Amaral 1982 figs 8 e 9)Eacute portanto a proacutepria flamiacutenia que homenageia a divindade ex patrimonio suo ldquoa expensas suasrdquo expressatildeo que vamos encontrar outras vezes na epigrafia da regiatildeo (recordem-se as epiacutegrafes de C Cantius Modestinus) mas a razatildeo da homenagem natildeo deixa de ser deve-ras significativa in honorem da gens do marido flacircmine da proviacutencia da Lusitacircnia que eacute a dos Aponii e in honorem da sua proacutepria gens que eacute a dos Iulii uma ldquoatitude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo comentou Luiacutes Fernandes (1998ndash1999 p 165) que faz tambeacutem uma relacionaccedilatildeo inclusive por via da utilizaccedilatildeo da expressatildeo ex patrimonio suo aos Iulii da civi-tas Igaeditanorum (Fernandes 1998ndash1999 p 166) ateacute porque Modestinus esteve clara-mente ligado ao escol dos dois aglomerados populacionaisDe realccedilar por conseguinte dois aspetos pri-meiro o uso do vocaacutebulo gens no seu sentido proacuteprio de nuacutecleo familiar com o mesmo nome o gentiliacutecio que se me afigura caso uacutenico na epigrafia peninsular uma vez que essa pala-vra quando aparece identifica natildeo um aglo-merado familiar mas o que Mariacutea Lourdes Albertos designou de ldquoorganizaciones suprafa-miliaresrdquo (1975) Aliaacutes compulsando esse seu trabalho seriam no seu tempo apenas trecircs se bem vi os testemunhos do uso de gens com essa significaccedilatildeo ndash gentis Pinton(um) numa epiacutegrafe perdida de Coniacutembriga (CIL II 365 FC II inscriccedilatildeo nordm 15) de que a proacutepria Lourdes Albertos escreve ldquoTexto inseguro sin posibilidad de comproba-cioacuten por peacuterdida de la inscripcioacutenrdquo (Albertos 1975 p 19)

160

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

ndash ex gente Cantabrorum (CIL II 4233) e ex gente Vaccaeorum (CIL II 6093) ambas de Tarra-gona onde portanto se natildeo assume a aceccedilatildeo de tipo familiar restritoRobert Eacutetienne natildeo ousou propor nenhuma dataccedilatildeo para esta epiacutegrafe Sex Aponius Scaevus Flaccus eacute em seu entender um dos dois sacerdotes que ldquoeacutechappent agrave toute data-tionrdquo (1974 p 126) Vasco Mantas (1988 p 245) apontando as jaacute referidas eventuais relaccedilotildees entre esta Iulia Modesta e os familia-res de C Cantius Modestinus parece atribuir agrave referida inscriccedilatildeo uma dataccedilatildeo flaacutevia pois considera Modestinus ldquocomo um dos mais des-tacados elementos da sociedade luso-romana do uacuteltimo quartel do seacuteculo Irdquo (Mantas 1988 p 245) Da minha parte apesar da existecircncia de dois cognomina na identificaccedilatildeo de Aponius que poderia apontar para uma eacutepoca mais avanccedilada natildeo vejo inconveniente em que o texto possa ter sido escrito na primeira metade do seacuteculo I justamente pela utilizaccedilatildeo da pala-vra gens nesse seu sentido original ldquoclaacutessicordquoReforccedilaria por outro lado o que Luiacutes Fernan-des escreveu vejo aqui natildeo apenas essa ldquoati-tude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo mas a vontade clara da flamiacutenia mdash mulher mdash de perpetuar a memoacuteria da sua famiacutelia e natildeo apenas a do marido O pretexto natildeo poderia ter sido melhor a Pietas eacute a divindade que por excelecircncia protege as famiacutelias que lhe prestam culto mdash piissimus constitui recorde-se um dos qualificativos laudatoacuterios mais correntes nas epiacutegrafes funeraacuterias mdash e aqui foca-se clara-mente a uniatildeo das duas famiacutelias nesse ato que eacute individual e benemeacuterito (ex patrimonio suo) mas que deteacutem relevante ecircnfase poliacutetico-social A iniciativa partiu todavia sublinhe-se de uma mulher E se como Milagros Navarro (2017 p 545) sugere a epiacutegrafe tivesse sido ldquograveacutee sur le deacute du pieacutedestal qui portait un signum de la Pietasrdquo maior relevacircncia teria tido porque o seu lugar proacuteprio seria o foacuterum da civitas agrave vista de toda a genteDir-se-aacute por conseguinte a terminar que se manteacutem em aberto a discussatildeo acerca da tipo-logia do monumento Escreve Maia do Amaral (1982 p 125)

Funeraacuteria votiva ou honoriacutefica mdash qual-quer destas classificaccedilotildees tem os seus defensores mdash trata-se sem duacutevida de

um magniacutefico e imponente monumento Segundo a nossa reconstituiccedilatildeo provisoacute-ria natildeo poderia ter menos de 320 m de largura Talvez fosse moldurada uma vez que temos a opiniatildeo de um erudito via-jante que podendo admiraacute-la em 1782 achou que ldquobem podia ser achada em algum tuacutemulo sepulchral da famiacutelia dos Juacutelios que habitaratildeo em Portugalrdquo com o que talvez natildeo tivesse andado longe da verdade a hipoacutetese de ser funeraacute-ria ou ldquosemi-funeraacuteriardquo na terminologia conciliadora de J Leite de Vasconcelos longe de lhe ldquodiminuir (hellip) o alcance cul-turalrdquo eacute a nosso ver a mais verosiacutemil e enriquecedora

E sugere de seguida (Amaral 1982 p 126) que poderia figurar no frontispiacutecio de um mausoleacuteuJorge de Alarcatildeo afirmando que para estar no foacuterum seria mais viaacutevel que a dedicatoacuteria tivesse sido feita agrave Pietas Augusta ateacute porque a dedi-cante eacute uma flamiacutenia prefere sugerir como suporte uma ediacutecula quiccedilaacute encimada por uma estaacutetua da Pietas que ldquopoderia ter sido erguida numa aacuterea cemiterialrdquo (Alarcatildeo 2002ndash2003 p 164)Da minha parte ao percorrer os cemiteacuterios actuais e ao verificar como muitos dos jazigos se apresentam com esse estatuto monumental e ao lembrar-me do panorama mdash tambeacutem ele monu-mental mdash da necroacutepole romana de Oacutestia natildeo vejo inconveniente em aceitar uma proposta ou outra porque o importante era na verdade que estivesse em lugar puacuteblico com o devido relevo correspondente agrave importacircncia ciacutevica social poliacute-tica e econoacutemica que ambas as famiacutelias mdash os Aponii e os Iulii mdash incontestavelmente detiveram

22 CIL II 397

Analise-se agora o que Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriacuteguez Corteacutes escrevem como comentaacuterio agrave segunda epiacutegrafe

El epiacutegrafe ha desaparecido por lo que la reconstruccioacuten del texto es hipoteacutetica Andreu 2004 pp 87 88 244 nordm 75 supone que se tratariacutea de una restaura-cioacuten de las puertas del foro Es posible que esta inscripcioacuten sea posterior en el tiempo a la primera ya que en aquella no se menciona el flaminado provincial

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

159 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

inscriccedilotildees que tradicionalmente lhe satildeo atri-buiacutedas dadas como procedentes de Boba-dela concelho de Oliveira do Hospital CIL II 396 e 397 com os seguintes textos

A) Pietati sacrum Iulia Modesta ex patrimo-nio suo in honorem gentis Sex(ti) Aponi Sca-evi Flacci mariti sui flaminis Provinc(iae) Lusi-t(aniae) et in honorem gentis Iuliorum parentum suorum

B) [hellip] has portas et porticus refecit et donavit splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica Provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

21 CIL II 396

Sobre a primeira o comentaacuterio dos autores eacute o seguinte

Coimbra Museu Machado de Castro Pedestal de estatua dedicada a Pie-tas La estatua debiacutea ser un monumento lo suficientemente importante como para constituir un objeto de emulacioacuten con el sacerdocio provincial desempentildeado por el coacutenyuge y de exaltacioacuten a la vez de la propia gens de la dedicante

Houve decerto confusatildeo na interpretaccedilatildeo dos dados no que se refere ao paradeiro da epiacutegrafe Na verdade a informaccedilatildeo de Frei Vicente Salgado daacute-a como existente ldquona porta do palaacutecio do bispo de Coimbrardquo e isso teraacute levado Manuel Salinas e Juana Rodriacuteguez a identificar esse palaacutecio com o atual Museu Machado de Castro que foi de facto paccedilo episcopal contudo havia antes uma outra palavra Coja que eacute o nome da localidade onde o bispo de Coimbra tambeacutem possuiacutea um palaacutecio O certo eacute que se perdeu por completo o rasto da epiacutegrafe e o que estaacute de facto no Museu Machado de Castro eacute apenas um pequeno fragmento colocando-se muito seria-mente a hipoacutetese de outros terem sido reutiliza-dos nalguma construccedilatildeo pois que esse palaacutecio ldquohoje natildeo existe Ruiacutenas e poucas A pedra foi aproveitada Da inscriccedilatildeo ningueacutem daacute conta Apenas vagamente os autores do Inventaacuterio Artiacutestico de Portugal IV p 13 dizem na parte correspondente agrave freguesia no concelho de Arganil ldquoparece que se encontra empregada

como material de construccedilatildeo duma casardquo (Ana-cleto 1981 p 64)Fica pois o apelo agraves entidades de Coja quando se proceder agrave reparaccedilatildeo de alguma das casas importa haver toda a atenccedilatildeo natildeo vaacute acontecer o imprevisto que seria bem agra-daacutevel a redescoberta de mais algum frag-mento da epiacutegrafe Natildeo haacute pois motivo para duvidar da sua autenticidade ainda que natildeo sejam comuns tantas palavras por extenso A provar que existiu estaacute esse fragmento que Maia do Amaral logrou com raro meacuterito iden-tificar no Museu Nacional Machado de Castro apresentando no seu artigo fotografia e ima-gem a propor a integraccedilatildeo do fragmento no todo da epiacutegrafe (Amaral 1982 figs 8 e 9)Eacute portanto a proacutepria flamiacutenia que homenageia a divindade ex patrimonio suo ldquoa expensas suasrdquo expressatildeo que vamos encontrar outras vezes na epigrafia da regiatildeo (recordem-se as epiacutegrafes de C Cantius Modestinus) mas a razatildeo da homenagem natildeo deixa de ser deve-ras significativa in honorem da gens do marido flacircmine da proviacutencia da Lusitacircnia que eacute a dos Aponii e in honorem da sua proacutepria gens que eacute a dos Iulii uma ldquoatitude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo comentou Luiacutes Fernandes (1998ndash1999 p 165) que faz tambeacutem uma relacionaccedilatildeo inclusive por via da utilizaccedilatildeo da expressatildeo ex patrimonio suo aos Iulii da civi-tas Igaeditanorum (Fernandes 1998ndash1999 p 166) ateacute porque Modestinus esteve clara-mente ligado ao escol dos dois aglomerados populacionaisDe realccedilar por conseguinte dois aspetos pri-meiro o uso do vocaacutebulo gens no seu sentido proacuteprio de nuacutecleo familiar com o mesmo nome o gentiliacutecio que se me afigura caso uacutenico na epigrafia peninsular uma vez que essa pala-vra quando aparece identifica natildeo um aglo-merado familiar mas o que Mariacutea Lourdes Albertos designou de ldquoorganizaciones suprafa-miliaresrdquo (1975) Aliaacutes compulsando esse seu trabalho seriam no seu tempo apenas trecircs se bem vi os testemunhos do uso de gens com essa significaccedilatildeo ndash gentis Pinton(um) numa epiacutegrafe perdida de Coniacutembriga (CIL II 365 FC II inscriccedilatildeo nordm 15) de que a proacutepria Lourdes Albertos escreve ldquoTexto inseguro sin posibilidad de comproba-cioacuten por peacuterdida de la inscripcioacutenrdquo (Albertos 1975 p 19)

160

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

ndash ex gente Cantabrorum (CIL II 4233) e ex gente Vaccaeorum (CIL II 6093) ambas de Tarra-gona onde portanto se natildeo assume a aceccedilatildeo de tipo familiar restritoRobert Eacutetienne natildeo ousou propor nenhuma dataccedilatildeo para esta epiacutegrafe Sex Aponius Scaevus Flaccus eacute em seu entender um dos dois sacerdotes que ldquoeacutechappent agrave toute data-tionrdquo (1974 p 126) Vasco Mantas (1988 p 245) apontando as jaacute referidas eventuais relaccedilotildees entre esta Iulia Modesta e os familia-res de C Cantius Modestinus parece atribuir agrave referida inscriccedilatildeo uma dataccedilatildeo flaacutevia pois considera Modestinus ldquocomo um dos mais des-tacados elementos da sociedade luso-romana do uacuteltimo quartel do seacuteculo Irdquo (Mantas 1988 p 245) Da minha parte apesar da existecircncia de dois cognomina na identificaccedilatildeo de Aponius que poderia apontar para uma eacutepoca mais avanccedilada natildeo vejo inconveniente em que o texto possa ter sido escrito na primeira metade do seacuteculo I justamente pela utilizaccedilatildeo da pala-vra gens nesse seu sentido original ldquoclaacutessicordquoReforccedilaria por outro lado o que Luiacutes Fernan-des escreveu vejo aqui natildeo apenas essa ldquoati-tude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo mas a vontade clara da flamiacutenia mdash mulher mdash de perpetuar a memoacuteria da sua famiacutelia e natildeo apenas a do marido O pretexto natildeo poderia ter sido melhor a Pietas eacute a divindade que por excelecircncia protege as famiacutelias que lhe prestam culto mdash piissimus constitui recorde-se um dos qualificativos laudatoacuterios mais correntes nas epiacutegrafes funeraacuterias mdash e aqui foca-se clara-mente a uniatildeo das duas famiacutelias nesse ato que eacute individual e benemeacuterito (ex patrimonio suo) mas que deteacutem relevante ecircnfase poliacutetico-social A iniciativa partiu todavia sublinhe-se de uma mulher E se como Milagros Navarro (2017 p 545) sugere a epiacutegrafe tivesse sido ldquograveacutee sur le deacute du pieacutedestal qui portait un signum de la Pietasrdquo maior relevacircncia teria tido porque o seu lugar proacuteprio seria o foacuterum da civitas agrave vista de toda a genteDir-se-aacute por conseguinte a terminar que se manteacutem em aberto a discussatildeo acerca da tipo-logia do monumento Escreve Maia do Amaral (1982 p 125)

Funeraacuteria votiva ou honoriacutefica mdash qual-quer destas classificaccedilotildees tem os seus defensores mdash trata-se sem duacutevida de

um magniacutefico e imponente monumento Segundo a nossa reconstituiccedilatildeo provisoacute-ria natildeo poderia ter menos de 320 m de largura Talvez fosse moldurada uma vez que temos a opiniatildeo de um erudito via-jante que podendo admiraacute-la em 1782 achou que ldquobem podia ser achada em algum tuacutemulo sepulchral da famiacutelia dos Juacutelios que habitaratildeo em Portugalrdquo com o que talvez natildeo tivesse andado longe da verdade a hipoacutetese de ser funeraacute-ria ou ldquosemi-funeraacuteriardquo na terminologia conciliadora de J Leite de Vasconcelos longe de lhe ldquodiminuir (hellip) o alcance cul-turalrdquo eacute a nosso ver a mais verosiacutemil e enriquecedora

E sugere de seguida (Amaral 1982 p 126) que poderia figurar no frontispiacutecio de um mausoleacuteuJorge de Alarcatildeo afirmando que para estar no foacuterum seria mais viaacutevel que a dedicatoacuteria tivesse sido feita agrave Pietas Augusta ateacute porque a dedi-cante eacute uma flamiacutenia prefere sugerir como suporte uma ediacutecula quiccedilaacute encimada por uma estaacutetua da Pietas que ldquopoderia ter sido erguida numa aacuterea cemiterialrdquo (Alarcatildeo 2002ndash2003 p 164)Da minha parte ao percorrer os cemiteacuterios actuais e ao verificar como muitos dos jazigos se apresentam com esse estatuto monumental e ao lembrar-me do panorama mdash tambeacutem ele monu-mental mdash da necroacutepole romana de Oacutestia natildeo vejo inconveniente em aceitar uma proposta ou outra porque o importante era na verdade que estivesse em lugar puacuteblico com o devido relevo correspondente agrave importacircncia ciacutevica social poliacute-tica e econoacutemica que ambas as famiacutelias mdash os Aponii e os Iulii mdash incontestavelmente detiveram

22 CIL II 397

Analise-se agora o que Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriacuteguez Corteacutes escrevem como comentaacuterio agrave segunda epiacutegrafe

El epiacutegrafe ha desaparecido por lo que la reconstruccioacuten del texto es hipoteacutetica Andreu 2004 pp 87 88 244 nordm 75 supone que se tratariacutea de una restaura-cioacuten de las puertas del foro Es posible que esta inscripcioacuten sea posterior en el tiempo a la primera ya que en aquella no se menciona el flaminado provincial

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

160

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

ndash ex gente Cantabrorum (CIL II 4233) e ex gente Vaccaeorum (CIL II 6093) ambas de Tarra-gona onde portanto se natildeo assume a aceccedilatildeo de tipo familiar restritoRobert Eacutetienne natildeo ousou propor nenhuma dataccedilatildeo para esta epiacutegrafe Sex Aponius Scaevus Flaccus eacute em seu entender um dos dois sacerdotes que ldquoeacutechappent agrave toute data-tionrdquo (1974 p 126) Vasco Mantas (1988 p 245) apontando as jaacute referidas eventuais relaccedilotildees entre esta Iulia Modesta e os familia-res de C Cantius Modestinus parece atribuir agrave referida inscriccedilatildeo uma dataccedilatildeo flaacutevia pois considera Modestinus ldquocomo um dos mais des-tacados elementos da sociedade luso-romana do uacuteltimo quartel do seacuteculo Irdquo (Mantas 1988 p 245) Da minha parte apesar da existecircncia de dois cognomina na identificaccedilatildeo de Aponius que poderia apontar para uma eacutepoca mais avanccedilada natildeo vejo inconveniente em que o texto possa ter sido escrito na primeira metade do seacuteculo I justamente pela utilizaccedilatildeo da pala-vra gens nesse seu sentido original ldquoclaacutessicordquoReforccedilaria por outro lado o que Luiacutes Fernan-des escreveu vejo aqui natildeo apenas essa ldquoati-tude concordante com a importacircncia do ciacuterculo familiar no acesso agraves estruturas do poderrdquo mas a vontade clara da flamiacutenia mdash mulher mdash de perpetuar a memoacuteria da sua famiacutelia e natildeo apenas a do marido O pretexto natildeo poderia ter sido melhor a Pietas eacute a divindade que por excelecircncia protege as famiacutelias que lhe prestam culto mdash piissimus constitui recorde-se um dos qualificativos laudatoacuterios mais correntes nas epiacutegrafes funeraacuterias mdash e aqui foca-se clara-mente a uniatildeo das duas famiacutelias nesse ato que eacute individual e benemeacuterito (ex patrimonio suo) mas que deteacutem relevante ecircnfase poliacutetico-social A iniciativa partiu todavia sublinhe-se de uma mulher E se como Milagros Navarro (2017 p 545) sugere a epiacutegrafe tivesse sido ldquograveacutee sur le deacute du pieacutedestal qui portait un signum de la Pietasrdquo maior relevacircncia teria tido porque o seu lugar proacuteprio seria o foacuterum da civitas agrave vista de toda a genteDir-se-aacute por conseguinte a terminar que se manteacutem em aberto a discussatildeo acerca da tipo-logia do monumento Escreve Maia do Amaral (1982 p 125)

Funeraacuteria votiva ou honoriacutefica mdash qual-quer destas classificaccedilotildees tem os seus defensores mdash trata-se sem duacutevida de

um magniacutefico e imponente monumento Segundo a nossa reconstituiccedilatildeo provisoacute-ria natildeo poderia ter menos de 320 m de largura Talvez fosse moldurada uma vez que temos a opiniatildeo de um erudito via-jante que podendo admiraacute-la em 1782 achou que ldquobem podia ser achada em algum tuacutemulo sepulchral da famiacutelia dos Juacutelios que habitaratildeo em Portugalrdquo com o que talvez natildeo tivesse andado longe da verdade a hipoacutetese de ser funeraacute-ria ou ldquosemi-funeraacuteriardquo na terminologia conciliadora de J Leite de Vasconcelos longe de lhe ldquodiminuir (hellip) o alcance cul-turalrdquo eacute a nosso ver a mais verosiacutemil e enriquecedora

E sugere de seguida (Amaral 1982 p 126) que poderia figurar no frontispiacutecio de um mausoleacuteuJorge de Alarcatildeo afirmando que para estar no foacuterum seria mais viaacutevel que a dedicatoacuteria tivesse sido feita agrave Pietas Augusta ateacute porque a dedi-cante eacute uma flamiacutenia prefere sugerir como suporte uma ediacutecula quiccedilaacute encimada por uma estaacutetua da Pietas que ldquopoderia ter sido erguida numa aacuterea cemiterialrdquo (Alarcatildeo 2002ndash2003 p 164)Da minha parte ao percorrer os cemiteacuterios actuais e ao verificar como muitos dos jazigos se apresentam com esse estatuto monumental e ao lembrar-me do panorama mdash tambeacutem ele monu-mental mdash da necroacutepole romana de Oacutestia natildeo vejo inconveniente em aceitar uma proposta ou outra porque o importante era na verdade que estivesse em lugar puacuteblico com o devido relevo correspondente agrave importacircncia ciacutevica social poliacute-tica e econoacutemica que ambas as famiacutelias mdash os Aponii e os Iulii mdash incontestavelmente detiveram

22 CIL II 397

Analise-se agora o que Manuel Salinas de Frias e Juana Rodriacuteguez Corteacutes escrevem como comentaacuterio agrave segunda epiacutegrafe

El epiacutegrafe ha desaparecido por lo que la reconstruccioacuten del texto es hipoteacutetica Andreu 2004 pp 87 88 244 nordm 75 supone que se tratariacutea de una restaura-cioacuten de las puertas del foro Es posible que esta inscripcioacuten sea posterior en el tiempo a la primera ya que en aquella no se menciona el flaminado provincial

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

161 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

De acordo com a bibliografia citada a versatildeo que se apresenta foi colhida em HEp 13 2003ndash2004 976 cujos editores a transcreve-ram do que o Prof Jorge de Alarcatildeo escre-vera (2002ndash2003 pp 156ndash158) e que Javier Andreu aproveitou Importa pois dar o seu a seu dono e explicar o que de facto se passou1ordm) Tal como a epiacutegrafe anterior esta poderaacute ter sido encontrada como intuiu Regina Ana-cleto (1981 p 22) aquando da substituiccedilatildeo da matriz velha pela nova matriz e enquanto a primeira epiacutegrafe foi levada para o palaacutecio episcopal de Coja e soacute depois de o palaacutecio ter entrado em ruiacutena foi reutilizada e estaraacute na parede de uma casa qualquer (eventual-mente de Coja como atraacutes se aventou) esta foi logo reaproveitada natildeo sem primeiro se ter guardado dela uma memoacuteria escrevendo o que se conseguia ler bem ou o que melhor se ajustava ao espaccedilo disponiacutevel na sobreverga da porta principal da actual igreja matriz (Fig 3) de que temos aliaacutes uma coacutepia fiel em gesso nas instalaccedilotildees do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras da Universidade de Coim-bra Foi essa coacutepia do frontispiacutecio da matriz que Huumlbner viu e que durante muito tempo se referiu com os singelos dados que apresentavaAproveite-se o ensejo para repetir o que outras vezes jaacute assinalei (Encarnaccedilatildeo 2014 p 414) a propoacutesito da diferenccedila entre a coacutepia de inscriccedilotildees autecircnticas e a invenccedilatildeo de inscri-ccedilotildees enquanto no Renascimento se inventa-ram inscriccedilotildees para as aduzir como prova da antiguidade e nobreza de um siacutetio ou de uma cidade no seacuteculo XVIII copiavam-se os origi-nais que depois eram reaproveitados nas cons-truccedilotildees Foi o que aconteceu aqui e ningueacutem

quis enganar ningueacutem pois que claramente se escreveu ao lado do que se lograra ler (com-preensiacuteveis portanto os erros PLAMINIA por FLAMINIA JULIA por IVLIA MODISTA em vez de MODESTAhellip e as pintinhas nos iis) ldquoESTE LETRordm SE ACHOU NA IGRordf VELHA 1746rdquo2ordm) Por conseguinte repita-se durante longos anos apenas se pocircde garantir o seguintea) Houvera uma flamiacutenia de seu nome Iulia Modesta cuja existecircncia outra inscriccedilatildeo confirmavab) Atendendo a que era clara a expressatildeo splendidissimae civitati em dativo o loacutegico era pensar que a essa civitas mdash de nome desconhecido mas certamente de estatuto relevante pois se lhe daacute o epiacuteteto de splendidissima um epiacuteteto de excelecircncia de que aplicado a uma civitas se encontra um total de 18 testemunhos na base de dados de Clauss (httpwwwmanfredclaussdegb) mdash a flamiacutenia tivesse feito alguma benesseAssim Jorge de Alarcatildeo (1988 pp 46ndash47) depois de afirmar que aiacute se deveria ter loca-lizado ldquoseguramente uma capital de civitasrdquo e que ldquoa sua fundaccedilatildeo data muito provavel-mente da eacutepoca de Augustordquo acrescentou ldquoAteacute agora poreacutem natildeo se achou laacutepide que possa esclarecer o nome da cidaderdquo Na sequecircncia dos trabalhos arqueoloacutegicos entretanto aiacute rea-lizados (Frade Caetano amp Madeira 1995) levaacute-lo-aacute a escrever dois anos depois (Alarcatildeo 1990 p 369)

Os achados epigraacuteficos e arqueoloacutegicos de Bobadela demonstram a existecircncia de um foacuterum um anfiteatro um templo do culto imperial e outros menores consa-grados ao Geacutenio do Municiacutepio e agrave deusa Vitoacuteria Satildeo provas mais do que suficien-tes da capitalidade de um aglomerado cujo nome latino ainda se natildeo conseguiu descobrir

Em AE 2003 864 daacute-se a siacutentese deste escrito de Jorge de Alarcatildeo natildeo apresentando poreacutem nenhuma leitura de CIL II 397 assim apenas se salienta a afirmaccedilatildeo de que a epiacutegrafe CIL II 401 uma dedicatoacuteria ao Geacutenio do Municiacutepio prova o estatuto municipal desta civitas cujo nome poderaacute ter sido Elbocoris ou VelladisCompreende-se mdash permita-se-me que acres-cente mdash esta ideia do templo ao culto imperialEm meu entender em seu lugar fora construiacuteda

Fig 3 e 4 ndash Coacutepia datada de 1746 de parte da epiacutegrafe CIL II 397 inscrita na frontaria da igreja matriz de Bobadela

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

162

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

a ldquoigreja velhardquo e nela portanto se encontra-vam as referecircncias aos dois sacerdotes do culto imperial (Iulia Modesta e seu marido Sextus Aponius Scaevus Flaccus) sendo a importacircncia do siacutetio corroborada (creio que este aspeto natildeo teraacute ainda sido devidamente relevado) pelo facto de Flaccus ter sido eleito flacircmine provin-cial uma honra fora do comum inclusive por-que implicava segundo era de regra a resi-decircncia na capital provincial Emerita durante o ano do mandato e concomitantemente o dis-pecircndio de significativas quantias em atos de puacuteblica benemerecircncia (vide a propoacutesito deste flacircmine Gonzaacutelez 2015 p 7)Aliaacutes tambeacutem parece ter passado desperce-bida a informaccedilatildeo do Padre Tomaacutes da Encar-naccedilatildeo (1759 p 58) segundo a qual a epiacute-grafe agrave Pietas teria sido mandada levar de um muito antigo edifiacutecio de Bobadela pelo bispo de Coimbra D Jorge de Almeida ldquoex anti-quisssimo aedificio oppidi de Bobadela aspor-tari fecitrdquo (fig 6-B do artigo de Maia do Ama-ral) Ora natildeo eacute criacutevel que um sacerdote chame ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo a uma igreja por-tanto haacute que pensar que a expressatildeo ldquoigreja velhardquo referente agrave segunda inscriccedilatildeo natildeo impli-que necessariamente a identificaccedilatildeo com esse ldquoantiquiacutessimo edifiacuteciordquo ainda que tal possa natildeo invalidar a hipoacutetese atraacutes consignada de que a ldquoigreja velhardquo se haja construiacutedo natildeo exac-tamente sobre as ruiacutenas do ldquoantiquiacutessimo edifiacute-ciordquo mas muito proacuteximo dele3ordm) Perguntar-se-aacute pois como eacute que de um momento para o outro se aduziu a hipoacutetese de se conhecerem quais as obras mdash ou a obra mdash que partira da iniciativa da flamiacuteniaManuel Salinas e Juana Rodriacuteguez mdash que no texto de 2000 (p 252) haviam seguido a versatildeo ldquotradicionalrdquo com base em CIL II 397 e ILER 6080 mdash atribuem agora a Javier Andreu como jaacute dissemos a suposiccedilatildeo de ldquoque se tratariacutea de una restauracioacuten de las puertas del forordquo e em HEp 13 976 daacute-se conta do artigo publicado em 2002ndash2003 pelo Prof Jorge Alarcatildeo onde essa referecircn-cia jaacute vem Aproveite-se para afirmar que esse artigo constitui a mais completa reflexatildeo sobre o que se conhece acerca desta civitas natildeo fora ter havido as citadas imprecisotildees por parte do artigo publicado na Conimbriga de 2016 e quase se natildeo justificaria dedicar-lhe eu agora uma apostila Reconheccedila-se poreacutem que as epiacutegrafes mdash como o proacuteprio Doutor

Jorge Alarcatildeo salientou mdash podem ser alvo de interpretaccedilotildees e sobretudo de reconstitui-ccedilotildees diversas pelo que tomei a liberdade de voltar ao assunto natildeo na intenccedilatildeo repito de trazer novidades mas de repor o estado da investigaccedilatildeo aduzindo aqui e aleacutem uma que outra hipoacutetese de interpretaccedilatildeo E aqui estaacute uma das correccedilotildees a fazer eacute que a referida ldquosuposiccedilatildeordquo (que como veremos natildeo eacute mera suposiccedilatildeo) deve-se natildeo a Javier Andreu mas agrave grande perspicaacutecia de Maia do Amaral em artigo publicado na revista Conimbriga de 1982 e que praticamente passou desper-cebido pois aleacutem naturalmente de Jorge de Alarcatildeo diretor da revista soacute Joseacute Manuel Garcia aludira antes a essa restituiccedilatildeoldquoEacute uma hipoacutetese arrojada mas que pensamos ser plausiacutevel tendo em conta os argumentos que utilizardquo (RAP 548)Urge pois quais foram esses argumentos O poeta Braacutes Garcia Mascarenhas cuja famiacute-lia tinha fortes raiacutezes em Bobadela escreveu em 1699 um poema heroico Viriato Traacutegico Ao referir-se a esta povoaccedilatildeo escreve a dado passo na oitava 89 do canto IV

E uma principal Julia ModestaAs portas agrave sua custa reedificaPermanece um letreiro antigo drsquoestaQue muito claramente o testifica

Natildeo pareceu a Maia do Amaral e a mim proacute-prio que tal testemunho natildeo devesse ser tido como fidedigno e embora vertido num texto poeacutetico merecia toda a atenccedilatildeo Isto eacute tivera Braacutes Garcia Mascarenhas conhecimento do texto mais completo e por conseguinte a obra a que a epiacutegrafe aludia podia muito bem ser o restauro das portas do foacuterum da cidade romana Daiacute que tenha proposto um texto mais completo (Amaral 1982 p 114)

SPLENDIDISSIMAE CIVITATI IVLIA MODESTAFLAMINICA EX PATRIMONIO SVO PORTAS REFECIT

Um outro manuscrito que a seu tempo consultara (Amaral 1982 fig 4) apresentava nexo no final do vocaacutebulo splendidissimae ndash e daiacute a sua versatildeoUma das portas da cidade ainda hoje se man-teacutem de peacute (Amaral 1982 fig 5) e constitui com o anfiteatro um dos motivos de orgulho do passado romano da civitas

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

163 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

Note-se finalmente que houve distracccedilatildeo por parte de Milagros Navarro porque ao apresen-tar a versatildeo de Maia do Amaral (autor que natildeo conhece) observa (p 545 n 90) que se trata da ldquoqursquoa proposeacutee Anacleto agrave lrsquoaide de diffeacuterents manuscritsrdquoJorge de Alarcatildeo tendo em conta que o dativo civitati exigiria mdash e tem razatildeo como se viu mdash pelo menos uma primeira linha e sobretudo uma forma verbal correspondente optou por recons-tituir tambeacutem a palavra donavit (p 157) A sua proposta que HEp 2003ndash2004 976 reproduziu (e daiacute passou para a base de dados de Clauss ndash httpwwwmanfredclaussdegb ndash sob o nordm EDCS-05500407) eacute a seguinte

Has portas et porticus refecit et donavit splendidis-simae civitati Iulia Modesta flaminica provinc(iae) Lusit(aniae) ex patrimonio suo

Natildeo deixa de ser na verdade uma proposta ali-ciante que nos agradaria bastante se se pudesse comprovar As duacutevidas principais subsistem a meu ver na adjunccedilatildeo do adjectivo determinativo has no acrescentar de porticus e donavit e na atri-buiccedilatildeo a Iulia Modesta da categoria de flamiacutenia provincial a) Direi que explicitar que fez estas portas natildeo se me afigura necessaacuterio porque certamente se mandou refazer portas seriam aquelas em cujo contexto a epiacutegrafe estava e natildeo a da cidade vizinha ou outrasPermita-se-me um parecircntese ainda que num con-texto completamente diverso agrave porta dos Paccedilos do Concelho de Cascais estaacute uma placa que diz ldquoMuniciacutepio de Cascaisrdquo jaacute por vaacuterias vezes o cri-tiquei por dois motivos ali natildeo eacute o ldquomuniciacutepiordquo e por outro lado haveriam de ser os Paccedilos do Con-celho dehellip Sintra A liacutengua francesa eacute que impotildee habitualmente o uso do pronome possessivo um costume que por inusitado os estrangeiros nem sempre compreendemFecho o parecircntesis e volto ao determinativo que surge mais correntemente em expressotildees como hoc templum partindo noacutes do princiacutepio de que outros haveraacute nas proximidades e o benemeacuterito que o mandou fazer quis vincar bem a sua relaccedilatildeo com a obra feita Em Gasriya na Numiacutedia atesta-se a epiacutegrafe H(a)ec porta domi[n]i ius[t]i intrabunt (CIL VIII 18 552) que pode confirmar o que se afirmou os justos entraratildeo por esta porta e natildeo por outra Naturalmente o Professor Jorge de Alarcatildeo quis salvaguardar a hipoacutetese de outras

portas terem existido em Bobadela concreta-mente as das muralhas referindo-se a epiacutegrafe apenas agraves do foacuterum (p 156) pois natildeo lhe parece ter havido motivo para restauro de eventuais por-tas da muralha mesmo supondo que datassem do tempo de Augusto e para esta epiacutegrafe se propo-nha jaacute uma dataccedilatildeo flaacutevia creio poreacutem que do ponto de vista epigraacutefico quando se fala de por-tas na epiacutegrafe de uma cidade satildeo mesmo as por-tas da cidade e natildeo se careceraacute de o sublinharb) E a que propoacutesito vem a adjunccedilatildeo de porticusEacute faliacutevel a justificaccedilatildeo com o igual nuacutemero de letras que cada linha deveria em princiacutepio ter pois desconhecemos o criteacuterio que o ordinator seguiu (paginaccedilatildeo com alinhamento agrave esquerda e agrave direita ou segundo um eixo de simetria) e tam-beacutem natildeo sabemos se a coacutepia que temos obedeceu ao que entatildeo se via (o que diga-se costuma ser regra nas coacutepias do seacuteculo XVIII)Jorge de Alarcatildeo interroga-se acerca da funccedilatildeo do arco ainda hoje subsistente em Bobadela e relaciona-o se bem interpreto com uma alusatildeo de Henriques Secco a vaacuterios arcos no meio da praccedila o que poderia implicar a existecircncia de poacuterticos no foacuterum (p 157) Sim Juacutelia Modesta tambeacutem pode-ria ter mandado refazer os poacuterticoshellipc) Quanto agrave necessidade da foacutermula verbal dona-vit como tambeacutem afirma Jorge de Alarcatildeo natildeo eacute uma necessidade absoluta facilmente se com-preenderia que a flamiacutenia teria mandado refazer as portas splendidissimae civitati ldquopara a esplen-didiacutessima cidaderdquod) Nada parece justificar que Iulia Modesta tenha sido obrigatoriamente flaminica provincialis Se como opinou Robert Eacutetienne (1974 171) uma ldquoflaminique nrsquoest pas forceacutement femme de fla-minerdquo neste caso mdash e com mais forte razatildeo por-que ser flamiacutenia provincial implica uma eleiccedilatildeo mdash o facto de Iulia Modesta ter casado com um flacircmine provincial natildeo determina ipso facto que ela tenha sido elevada agrave categoria de flamiacutenia provincial J A Delgado Delgado afirma perento-riamente ldquoLa mujer de Sex Aponius Scaevus Flac-cus fue flamiacutenica local y no provincialrdquo (Delgado 1999 p 445) Sabine Lefegravebvre (2001 p 232) ao elaborar o quadro dos flamines e flaminicae da Lusitacircnia interroga-se em relaccedilatildeo a Iulia Modesta sobre se o seu cargo eacute municipal ou provincial ldquofl mun uel fl prourdquoEnfim trata-se como se vecirc de um documento que na singeleza das linhas que um dia um pedreiro lavrou mui provavelmente a mandado do ilus-trado bispo de Coimbra que superintendeu nos

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

164

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

trabalhos de construccedilatildeo da nova matriz nos sus-cita enorme curiosidade e reflexatildeo Atendendo no entanto agraves objecccedilotildees que a versatildeo proposta pelo Professor Jorge de Alarcatildeo parece poder levan-tar eu peccedilo licenccedila para manter a versatildeo que A E Maia do Amaral propocircs

Splendidissimae civitati Iulia Modesta flaminica ex patrimonio suo portas refecit

3 Uma dedicatoacuteria a Marte

O nordm 5 (p 55-62) da obra jaacute referida Bobadela Epigraacutefica eacute um bloco de granito da regiatildeo de cor acinzentada partido nos topos decerto para mais facilmente ser encaixado na constru-ccedilatildeo de um preacutedio ldquosito em plena povoaccedilatildeo da Bobadelardquo ldquona rua paralela agrave parede lateral da igreja do lado do nascenterdquo identificado por ocasiatildeo da demoliccedilatildeo do referido preacutedio Conta Regina Anacleto que foi adquirido por cinco escudos por Alberto Rodrigues Martins ldquoque por sua vez o ofereceu ao Doutor Cas-tro Nunesrdquo a fim de dar entrada no Museu de Arganil em cujo inventaacuterio consta com o nordm 26 datado de setembro de 1952 Aiacute permaneceA Dra Margarida Froacuteis da Biblioteca de Arga-nil deu-me as seguintes medidas do bloco 44 x 445664 x 35 Natildeo haacute qualquer mol-dura ou friso o que levou a autora a sugerir tratar-se ldquoao que parece do fragmento de uma inscriccedilatildeo honoriacutefica de tipo monumentalrdquo (p 57) Os caracteres assumem a forma de capital qua-drada medem em meacutedia 7 cm e os espaccedilos interlineares 2 cm sendo o uacuteltimo de 9 Recorde--se a tiacutetulo de comparaccedilatildeo que os caracteres do fragmento de CIL II 396 identificado por Maia do Amaral medem 8 cm de altura e que tambeacutem aiacute estaremos perante uma epiacutegrafe de bom porte Creio poder apresentar a seguinte leitura com base nas fotografias de que disponho

[hellip] [hellip] AVG(usti) L(iberto) LAV[][]I PARENT[ES] [EX PA]TRIMONIO [SVO] [] [POS]VERVNT

A [hellip] Lau[hellip] liberto de Augusto os pais colo-caram a expensas suas

Faltaratildeo no miacutenimo duas linhas no iniacutecio ou ateacute talvez trecircs caso se coloque a hipoacutetese de

tambeacutem aqui haver a invocaccedilatildeo a uma divin-dade como na primeira inscriccedilatildeo que se referiu neste ensaio Parto do princiacutepio exclusivamente com base na posiccedilatildeo da uacuteltima palavra que pode-remos estar perante uma paginaccedilatildeo segundo um eixo de simetria a passar sensivelmente a meio do E de POSVERVNT A ser assim a reconstituiccedilatildeo de EX PATRIMONIO SVO na penuacuteltima linha enqua-drar-se-ia nessa simetria e poderiacuteamos ter antes da palavra PARENTES na atual l 2 espaccedilo para umas sete letras na medida em que a epiacutegrafe foi gravada com primor as letras espaccediladas num modelo que segue de perto as caracteriacutesticas das letras monumentais quadradas Aliaacutes tudo sugere alguma imponecircncia e solenidadePor conseguinte nessas duas ou trecircs primeiras linhas estaria natildeo a invocaccedilatildeo aos deuses Manes uma vez que mdash pela paleografia e pelo que resta do texto mdash estamos perante epiacutegrafe da 1ordf metade do seacuteculo I mas sim a menccedilatildeo dessou-tro eventual teoacutenimo e o iniacutecio da identificaccedilatildeo do defunto o praenomen e o nomenNatildeo suscita duacutevida a leitura AVG apesar de apenas se ver a perna da direita do A segue--se um punctus distinguens ainda que natildeo muito perceptiacutevel Depois leu-se E porque de facto essa eacute a primeira impressatildeo e se conhece o radi-cal etimologicamente preacute-romano Elau que estaacute na base do antropoacutenimo Elavius (Vallejo 2005 p 316) Acontece poreacutem que natildeo se trata de um E mas de L seguido de ponto o que con-figura a sigla de L(ibertus) Por conseguinte haacute que procurar o cognomen desse liberto e o ideal seria que fosse suficientemente amplo e etimolo-gicamente grego (como o satildeo os cognomina de

Fig 5 ndash A inscriccedilatildeo de um possiacutevel liberto

imperial

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

165 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

libertos) para podermos ver no I a sua termina-ccedilatildeo em dativoEsse portanto o desafio que ora se nos potildeeE soacute podemos entrar no domiacutenio das meras conjecturas ainda que haja a ter em conta que se a paginaccedilatildeo segundo eixo de sime-tria se mantiver nessa actual l 2 haacute que apontar para a existecircncia de pelo menos umas sete ou oito letras entre LAV e I par-tindo do pressuposto que haveraacute somente uma palavra A pesquisa que fiz leva a ter-mos estranhos agrave Peniacutensula (o que agrave partida natildeo seria de admirar) mas sobretudo a ter-mos natildeo muito vulgares embora se situem acrescente-se fundamentalmente em dois campos o da mitologia e o da toponiacutemia Exemplifico algumas das hipoacuteteses Laudi-censi de Laodiceia na Friacutegia Lauronensi de Lauro topoacutenimo da Hispania Citerior refe-rido por Pliacutenio mdash Nat Hist 14 71 Laume-donti dativo de Laumedons -tis miacutetico rei de Troacuteia Lauriotidi de Laurion um topoacutenimo da AacuteticahellipAntes de referir as interpretaccedilotildees aduzidas pelos investigadores que me precederam no estudo desta epiacutegrafe permita-se-me que sublinhe dois aspectos o texto enquadra-se perfeitamente no lsquoespiacuteritorsquo que dimana das inscriccedilotildees atraacutes analisadas quer na tipologia (pelo que nos eacute dado perceber) quer no for-mulaacuterio quer mdash se se aceitar a minha interpre-taccedilatildeo mdash neste quadro de ligaccedilatildeo ao poder central Ser liberto de Augusto eacute uma condi-ccedilatildeo deveras excecional geralmente ligada ao exerciacutecio de funccedilotildees administrativas o que condiz bem com o caraacutecter excecional da epi-grafia de BobadelaA interpretaccedilatildeo dada pela Doutora Regina Anacleto foi a seguinte

[ROM(ae) ET] AVG(usto) ELAV[ius] [ET SVI PARENTE[S] [EX PA]TRIMONIO [POS]VERVNT

Que traduziu

ldquoElaacutevio e os seus progenitores ergueram agrave sua custa (este monumento) em homenagem a Roma e Augustordquo

Joseacute Manuel Garcia (RAP 558) optou por uma dedicatoacuteria claramente votiva que viria a ser reproduzida em HEp 4 1994 sob o nordm 1054 (= HEpOL nordm 15 882 que potildee sob

interrogaccedilatildeo a possibilidade de ser mesmo uma dedicatoacuteria ao deus Marte)

[Marti] Aug(usto) Elav[ius et s]ui parente[s ex pa]trimonio [pos]uerunt

Poder-se-ia traduzir assim

A Marte Augusto Elaacutevio () e os seus pais colocaram a expensas suas

No artigo atraacutes referido que dedicou agrave Bobadela o Professor Jorge de Alar-catildeo tambeacutem se debruccedilou sobre esta epiacute-grafe (pp 166-167) e como em S Romatildeo (Seia) isto eacute natildeo muito longe de Bobadela se registara um Caesaraugustanus (HEp 4 1994 1068) optou por uma interpretaccedilatildeo bem diversa das anteriores e que diga-se desde jaacute natildeo se me afigura corresponder ao que se lecirc na pedra onde na verdade a leitura PARENTES em meu entender natildeo padece duacutevida Eacute a seguinte a sua proposta que viria a ser reproduzida em HEp 41994 nordm 1054 = HEp 13 200304 nordm 977 e na base de dados de Clauss (EDCS-21700654) onde aliaacutes por lapso Bobadela eacute colocada natildeo na Lusitacircnia mas na Hispania Citerior no territoacuterio de Aquae Flaviae (Chaves)E a interpretaccedilatildeo de Jorge de Alarcatildeo eacute a que se segue

[hellip] [Caesar]aug(ustano) Elav[io ann(orum) - - - ] [fili]i parenti[bus suis] [ex pa]trimo-nio [faciendum] [cura]verunt

Traduzindo

[] Cesaraugustano Elaacutevio (] [hellip] de [hellip] anos os filhos trataram de fazer aos seus pais

Tambeacutem neste caso as distracccedilotildees natildeo falta-ram e haacute que corrigi-las Assim1 ndash No comentaacuterio de HEp 13 afirma-se que nesta inscriccedilatildeo funeraacuteria apareceria o nome dos defuntos ldquoasiacute como el nombre de los hijosrdquo Trata-se seguramente de uma distra-ccedilatildeo pois tal natildeo poderia ter sido afirmado mdash e natildeo foi mdash por Jorge de Alarcatildeo2 ndash Em EDCS-21700654 aleacutem do lapso da localizaccedilatildeo de Bobadela provocado por grande distraccedilatildeo porque noutros locais da

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

166

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

base de dados Bobadela estaacute bem locali-zada na Lusitacircnia a transcriccedilatildeo natildeo segue exatamente o que J de Alarcatildeo propocircs

Caesar]aug(ustano) Elav[io() 3] [fili]i parent[bus suis] [ex pa]trimonio [faciendum] [cura]verunt

Voltando agrave proposta de Jorge de Alarcatildeo a possibilidade de virem mencionadas as ida-des dos defuntos mdash caso esta interpretaccedilatildeo fosse aceitaacutevel mdash tambeacutem se me afigura que natildeo se enquadraria no contexto loacutegico da epiacutegrafe

4 Conclusatildeo

Natildeo constituiu minha intenccedilatildeo como atraacutes assi-nalei abordar um tema que o Professor Jorge de Alarcatildeo exaustivamente analisaraO meu objetivo foi mui simplesmente corrigir os lapsos que detetara nos trabalhos recen-tiacutessimos de trecircs grandes amigos o de Manuel Salinas de Friacuteas e sua esposa Juana Rodriacuteguez Corteacutes elaborado no acircmbito de um projeto de investigaccedilatildeo e a meu ver importava que desde jaacute se procedessem agraves devidas correccedilotildees e a

beliacutessima obra de Milagros Navarro Caballero ldquoversion revue et mise agrave jour du meacutemoire ineacute-dit de mon habilitation agrave diriger des recher-ches soutenue agrave lrsquoUniversiteacute Bordeaux Mon-taigne le 22 juin 2012rdquo como declara (p 9) Senti que era esse o meu dever mdash de epigra-fista e de Amigo Sucedeu poreacutem que para levar a cabo essa tarefa eu tinha que dissecar tambeacutem o que J de Alarcatildeo escreveraPeccedilo pois desculpa por desta forma quase ter metido a foice em seara alheia Confesso que por vaacuterias vezes no decorrer da escrita me natildeo senti confortavelmente por em consciecircncia ter de ir contra abalizadas opiniotildees formuladas Entendo poreacutem ser essa a tarefa do investigador auscul-tar o que os demais opinaram mdash independente-mente de serem ou natildeo amigos do peito mdash e refletir com esses dados e outros que entretanto surgiram Eacute esse a meu ver o caminho mdash nem sempre agradaacutevel de calcorrear mdash por onde a verdadeira Ciecircncia deve seguir a hipoacutetese pode levar a uma tese e essa tese haacute-de determinar outra hipoacutetese e assim sucessivamente Hipoacuteteses se lanccedilaram aqui como sementes que poderatildeo mdash ou natildeo mdash vir a dar uacuteberes frutos O impor-tante eacute que a sementeira se fez

Cascais setembro de 2017

Bibliografia citada

AE = LrsquoAnneacutee Eacutepigraphique ParisALARCAtildeO Jorge de (1988) ndash O domiacutenio romano em Portugal Mem Martins Europa-AmeacutericaALARCAtildeO Jorge de ed (1990) ndash Nova Histoacuteria de Portugal Volume I Portugal das Origens agrave Roma-nizaccedilatildeo Lisboa Editorial PresenccedilaALARCAtildeO Jorge de (2002ndash2003) ndash A splendidissima ciuitas de Bobadela (Lusitacircnia) Anas 15ndash16 pp 155ndash180ALBERTOS FIRMAT Mariacutea Lourdes (1975) ndash Organizaciones suprafamiliares en la Hispania antigua Valladolid Universidad ALMEIDA Mauro de (1963) ndash Filosofia dos Paacutera-choques Recife Instituto Joaquim Nabuco de Pes-quisas Sociais AMARAL Antoacutenio Eugeacutenio Maia do (1982) ndash Sobre trecircs inscriccedilotildees perdidas da Bobadela (Oliveira do Hospital) Conimbriga 21 pp 101ndash126ANACLETO Regina (1981) ndash Bobadela epigraacutefica CoimbraANDREU PINTADO Javier (2004) ndash Munificencia puacuteblica en la Provincia Lusitania (siglos IndashIV d C) Zaragoza Institucioacuten Fernando el CatoacutelicoBLOCH Raymond (1964) ndash Lrsquoeacutepigraphie latine Paris Presses Universitaires de FranceCAGNAT Reneacute (19144) ndash Cours drsquoeacutepigraphie latine 4e eacutedition Paris A FontemoingCIL II = HUumlBNER Emil (1869) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Inscriptiones Hispaniae Latinae Berlin Georg Reimer

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

167 Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

Apostilas epigraacuteficas ndash 7

CIL II Suppl = HUumlBNER Emil (1892) ndash Corpus Inscriptionum Latinarum II Hispaniae Latinae Inscriptionum Supplementum Berlin Georg ReimerDELGADO DELGADO Joseacute Antonio (1999) ndash Flamines prouinciae Lusitaniae Gerioacuten 17 pp 433ndash461ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1997) ndash Epigrafia e histoacuteria de Roma Maacutethesis 6 pp 33ndash39ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (1998) ndash Estudos sobre epigrafia Coimbra Minerva pp 57ndash63ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2009) ndash A epigrafia do momento grafitoshellip a comunicaccedilatildeo sedutora In ANGELI BERTINELLI Maria Gabriella DONATI Angela eds ndash Opinione pubblica e forme di comunicazione a Roma il linguaggio dellrsquoepigrafia Faenza Fratelli Lega Editori pp 15ndash28 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031611470ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2014) ndash A inscriccedilatildeo e o seu duplo O caso da flamiacutenica Laberia Galla In DONATI Angela ed ndash Lrsquoiscrizione e il suo doppio Faenza Fratelli Lega Editori pp 411ndash428 Aces-siacutevel em httphdlhandlenet1031627644ENCARNACcedilAtildeO Joseacute drsquo (2016) ndash A misteriosa histoacuteria duma misteriosa mulher Cadernos de Estudos Leirienses 11 pp 25ndash40 Acessiacutevel em httphdlhandlenet1031634201ENCARNACcedilAtildeO Frei Tomaacutes da (1759) ndash Historia Ecclesiae Lusitanae per singula saecula ab Evangelio promulgato I Coimbra Academia PontifiacuteciaEacuteTIENNE Robert (1958) ndash Le culte imperial dans la Peacuteninsule Ibeacuterique drsquoAuguste agrave Diocleacutetien Paris De Boccard (reimp 1974) FC II = EacuteTIENNE Robert FABRE Georges LEacuteVEcircQUE Pierre LEacuteVEcircQUE Monique (1976) ndash Fouilles de Conimbriga II eacutepigraphie et sculpture Paris De BoccardFE 609 = ANDREU PINTADO Javier DELAGE GONZAacuteLEZ Inmaculada (2017) ndash Un singular grafito sobre sigillata hispaacutenica hallado en Los Bantildeales de Uncastillo (Zaragoza) (Conventus Caesaraugusta-nus) Ficheiro Epigraacutefico 152 nordm 609FERNANDES Luiacutes (1998ndash1999) ndash A presenccedila da mulher na epigrafia do conventus Scallabitanus Por-tugalia Nova seacuterie 19ndash20 pp 129ndash228FRADE Helena CAETANO Joseacute Carlos MADEIRA Joseacute Luiacutes (1995) ndash Notas para o estudo do urba-nismo da cidade romana de Bobadela Trabalhos de Antropologia e Etnologia 354 pp 221ndash242GONZAacuteLEZ HERRERO Marta (2015) ndash La implantacioacuten del culto imperial de la Provincia en Hispania Oxford ArchaeopressHEp = Hispania EpigraphicaHEpOL = Hispania Epigraphica On Line Acessiacutevel em httpeda-beaes ILER = VIVES GATELL Joseacute (1971ndash1972) ndash Inscripciones latinas de la Espantildea romana antologiacutea de 6800 textos Barcelona UniversidadLEFEBVRE Sabine (2001) ndash Q (Lucceius Albinus) flamen prouinciae Lusitaniae Lrsquoorigine sociale des flamines provinciaux de Lusitanie In NAVARRO CABALLERO Milagros DEMOUGIN Seacutegolegravene eds ndash Elites hispaniques Bordeaux Ausonius pp 217ndash239 MANTAS Vasco Gil (1993) ndash Evergetismo e culto oficial o construtor de templos C Cantius Modesti-nus In GOacuteMEZ PALLAREgraveS Joan MAYER Marc eds ndash Religio Deorum actas del Coloquio Internacio-nal de Epigrafiacutea ldquoCulto y sociedad en Occidenterdquo (Tarragona 1988) Sabadell Ausa pp 227ndash250NAVARRO CABALLERO Milagros (2017) ndash Perfectisssima femina femmes de lrsquoeacutelite dans lrsquoHispanie romaine Bordeaux AusoniusRAP = GARCIA Joseacute Manuel (1991) ndash Religiotildees antigas de Portugal aditamentos e observaccedilotildees agraves ldquoReligiotildees da Lusitacircniardquo de J Leite de Vasconcelos Fontes epigraacuteficas Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da MoedaRODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana SALINAS DE FRIacuteAS Manuel (2000) ndash Las eacutelites femeninas en la provin-cia romana de Lusitania Studia Historica Historia Antigua 18 pp 243ndash255SABLAYROLLES Robert (1996) ndash Libertinus miles les cohortes de vigiles Roma Eacutecole Franccedilaise de RomeSALINAS DE FRIacuteAS Manuel RODRIacuteGUEZ CORTEacuteS Juana (2016) ndash Prosopografiacutea de Lusitania romana flaminicae et feminae notabiles Lusitaniae Conimbriga 55 pp 221ndash250SUSINI Giancarlo (1966) ndash Il lapicida romano introduzione allrsquoepigrafia latina Bologna Arti grafi-che TamariSUSINI Giancarlo (1997) ndash Epigraphica dilapidata Faenza Fratelli Lega Editori pp 7ndash69

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco

168

Joseacute drsquoEncarnaccedilatildeo

Revista Portuguesa de Arqueologia ndash volume 21 | 2018 | pp 155ndash168

SUSINI Giancarlo (1982) ndash Epigrafia romana Roma JouvenceVALLEJO RUIZ Joseacute Mariacutea (2005) ndash Antroponimia indiacutegena de la Lusitania romana Vitoria-Gasteiz Universidad del Paiacutes Vasco