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Saúde AmbientalTRANSCRIPT
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CURSO DE ESPECIALIZAO EM
VIGILNCIA EM SADE AMBIENTAL
Disciplina II Sade e Ambiente
Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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Disciplina II Sade e Ambiente
Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
Nelson Gouveia
Herling Alonzo
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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Objetivos da unidade
Esta unidade se prope a demonstrar o reconhecimento da influncia do meio
ambiente no processo sade-doena e identificar os problemas de contaminao
ambiental e seus possveis impactos na sade e na qualidade de vida.
Sumrio
1. Introduo ........................................................................................................... 4 2. Processo sade-doena relacionado poluio do ar. .................................. 8
2.1. Foras motrizes e presses ......................................................................... 12 2.2. Os principais contaminantes atmosfricos ................................................ 13 2.3. Os Impactos na sade .................................................................................. 16
3. Processo sade-doena relacionado contaminao do solo .................... 21 3.1. Foras motrizes e presses ......................................................................... 22 3.2. Contaminao qumica do solo e impactos sobre a sade ....................... 24
4. Processo sade-doena relacionado contaminao da gua ................... 29 4.1. Qualidade da gua ........................................................................................ 34
5. Concluso ......................................................................................................... 41 6. Resumo da unidade .......................................................................................... 43 7. Bibliogrfia ........................................................................................................ 45
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1. Introduo
Embora o reconhecimento da influncia do meio ambiente na sade da
populao possa ser identificado desde os primrdios da cincia mdica, ao longo
da histria a importncia atribuda exposio aos fatores ambientais na gnese
das doenas variou muito, sendo em alguns perodos enfatizada, enquanto que em
outros, sua participao foi praticamente negada.
Por exemplo, durante os sculos XVI e XVII entendia-se que as condies
ambientais exerciam algum tipo de influncia na sade. Nesse perodo predominava
a Teoria dos Miasmas1, que concebia a transmisso das doenas pelo ar e pelos odores ftidos provenientes de matria orgnica em putrefao nos solos e guas
contaminadas. Naquela poca, praticamente inexistiam servios de saneamento
bsico, ou seja, no havia sistemas de coleta de esgotos e os dejetos eram
despejados diretamente na rua. Por conta dessa situao sanitria e da alta
densidade populacional que j se observava em algumas cidades, eram frequentes
as grandes epidemias que dizimavam populaes, como a da peste e da clera
(GOUVEIA, 1999).
Posteriormente, a crescente urbanizao da Europa acompanhada pela
Revoluo Industrial (iniciada em meados do sculo XVIII, expandiu-se pelo mundo
a partir do sculo XIX), que consolidou o sistema de produo fabril e mecanizado,
levaram a mudanas econmicas, polticas e culturais que culminaram com o
declnio da sociedade feudal e o estabelecimento do modo de produo capitalista.
O xodo rural, o crescimento desordenado das cidades e as pssimas condies de
trabalho do proletariado, classe que se formava, constituram as bases da
Revoluo Francesa (entre 1789 e 1799) que impulsionou movimentos que
atribuam s condies de vida e trabalho das populaes papel importante no
1 Teoria dos Miasmas: teoria que considerava que a doena era causada por certos odores venenosos, gases ou resduos nocivos (do grego miasma, mancha) que se originavam na atmosfera ou a partir do solo. Essas substncias seriam posteriormente arrastadas pelo vento at a um possvel indivduo, que acabaria por adoecer.
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aparecimento de doenas, sendo que o meio ambiente passa, ento, a adquirir um
carter mais amplo, incluindo tambm o aspecto social (BARATA, 1990).
Alguns anos mais tarde, porm, o advento da Era Microbiana ou
Bacteriolgica na metade do sculo XIX, a partir da identificao da cadeia de
transmisso da clera por John Snow e o posterior isolamento e identificao dos
agentes infecciosos causadores desta e de outras enfermidades por Pasteur e Koch,
colocaria definitivamente em segundo plano a teoria miasmtica da doena, e com
ela, a importncia do meio ambiente fsico assim como o social. Vence, neste
momento, a nfase na concepo biolgica da doena. A relevncia dos fatores
sociais e o papel desempenhado pelo meio ambiente na gnese e na evoluo dos
problemas de sade ficam secundarizados e relegados a outras cincias (GOUVEIA,
1999). Nesta perspectiva, a noo de meio ambiente, quando presente no
entendimento do processo sade-doena, passou a ter um carter eminentemente
mecanicista, sendo simplesmente o local de interao entre os agentes da doena e
o hospedeiro humano susceptvel. Embora includo no modelo sugerido, o meio
ambiente era apenas apontado como o fiel da balana entre o agente e o hospedeiro
(LEAVELL E CLARK, 1965), ou seja, o meio era considerado apenas como o local
onde aconteciam essas interaes que ora resultavam na manifestao patolgica
do agente, ora na resistncia do hospedeiro doena.
Saiba mais: Leitura complementar sobre a concepo biolgica da doena,
disponvel na Biblioteca Virtual do AVA.
A partir da segunda metade do sculo 20, logo aps a Segunda Guerra
Mundial, com o declnio da morbimortalidade por doenas infectocontagiosas, as
doenas crnicas degenerativas passam a ganhar destaque, e com elas um modelo
de investigao mais reducionista que privilegia fatores de risco individuais,
conferindo pouca ou nenhuma importncia ao ambiente do qual esses fatores se
originaram (SUSSER, 1996). Porm, gradativamente a exposio ambiental a
agentes fsicos e qumicos cresce em importncia, uma vez que a urbanizao
desordenada, a industrializao e os avanos tecnolgicos fizeram aumentar
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exponencialmente a quantidade e a variedade de contaminantes qumicos
eliminados no meio ambiente.
Essa urbanizao acelerada, principalmente nos pases menos
desenvolvidos, ultrapassou a capacidade financeira e administrativa dos governos
em prover infraestrutura e servios essenciais como gua, saneamento, coleta e
destinao adequada de lixo, servios de sade, alm de empregos e moradia, e
assegurar segurana e controle do meio ambiente para toda a populao. Assim,
populaes inteiras, em geral as mais pobres que residem na periferia dos grandes
centros urbanos e em outras reas menos privilegiadas das cidades, passaram a
viver em condies inadequadas de moradia, sem acesso a servios bsicos, e
ainda expostas a diversos contaminantes ambientais tpicos do desenvolvimento,
como a poluio por produtos qumicos e a poluio atmosfrica. Estes so
conhecidos como os que enfrentam o pior dos dois mundos: os problemas
ambientais associados ao desenvolvimento econmico e os ainda no resolvidos
problemas sanitrios tpicos do subdesenvolvimento (HARPHAM et. al., 1998).
Paralelamente, as reas rurais dos pases menos desenvolvidos
experimentaram tambm um aumento da degradao ambiental, decorrente do
avano das fronteiras agrcolas e da disseminao de prticas baseadas no uso
intensivo de insumos industriais como agrotxicos e fertilizantes. Pode-se deduzir
que a Revoluo Verde, baseada na modernizao agrcola e idealizada para
aumentar a produo de alimentos em todo o mundo durante as dcadas de 1960 e
1970, contribuiu tambm para aumentar a contaminao ambiental por substncias
qumicas (Albergoni e Pelaez, 2007).
Desta maneira, enquanto de um lado as concepes dominantes do processo
sade-doena se distanciavam cada vez mais do conceito de meio ambiente, a
degradao crescente deste meio, principalmente nas reas urbanas, fez multiplicar
os movimentos de carter ambientalista, que passaram a ter um escopo mais
abrangente, mas quase nunca tendo a sade como prioridade. Apenas mais
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recentemente, com o agravamento da degradao ambiental e a observao de
suas consequncias diretas na sade, que essas duas reas voltaram a convergir.
Pouco a pouco a exposio a fatores ambientais passa a ocupar lugar de
destaque na Sade Pblica e a ser considerada na epidemiologia de muitas
doenas. Nos pases mais ricos, j a partir da dcada de 1960, as questes
ambientais deixam de ser de interesse apenas das cincias naturais como a
ecologia, e passam gradativamente a integrar o rol de preocupaes cotidianas da
populao (OZONOFF, 1995). Um marco histrico desse perodo a 1 Conferncia
das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo, por
ter sido o primeiro grande debate mundial sobre temas ambientais. Nota-se
atualmente que governos e cidados se preocupam cada vez mais com possveis
efeitos adversos sade causados por exposies ambientais das mais diversas
naturezas.
Nesse contexto, o ambiente deve ser entendido como um espao geogrfico,
territrio ou lugar de distintas escalas, dinamizado pelos movimentos geofsicos,
biolgicos, econmicos, sociais, culturais e polticos que interagem em um processo
histrico evolutivo. Os processos produtivos e os padres de consumo tpicos da
lgica capitalista so os geradores de presso sobre esse ambiente, e podem ser
tidos como fruto ou como produtores de desigualdades e de iniquidades na
distribuio dos riscos. Os problemas ambientais decorrentes da urbanizao
predatria sobre o ecossistema revelam tambm a fragilidade das polticas de sade
que contemplam a relao com o ambiente.
Assim, de grande importncia que o profissional da sade e reas afins
tenha conhecimento das relaes entre sade e meio ambiente, buscando
investigar, sempre que pertinente, a presena de exposio a fatores ambientais na
populao. O no reconhecimento da influncia do meio ambiente no processo
sade-doena prejudicial sade de indivduos e coletividades, pois no identifica
a condio sanitria em que os mesmos vivem, o que pode retardar, ou mesmo impossibilitar as aes de promoo, preveno, vigilncia, ou mesmo o tratamento
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apropriado j que, em muitas situaes, a resposta mais adequada situao
relatada seria interromper a exposio. Assim, h prejuzo tambm para a sade
pblica, uma vez que negligenciar a influncia do meio ambiente retarda a ao de
mitigao ou remediao da condio inadequada do meio, com a consequente
persistncia da situao de risco.
A Organizao Mundial da Sade (OMS) define o campo da Sade
Ambiental como aquele que compreende os aspectos da sade humana, incluindo a
qualidade de vida, que so determinados pelos fatores ambientais fsicos, qumicos,
biolgicos, sociais e psicossociais. Tambm se refere teoria e prtica de
avaliao, correo, ao controle e preveno dos fatores ambientais que podem
afetar de forma adversa a sade da presente e futuras geraes (OMS, 1993).
Estima-se que 30% dos danos sade esto relacionados aos fatores ambientais
decorrentes de inadequao do saneamento bsico (gua, lixo, esgoto), poluio
atmosfrica, exposio a substncias qumicas e fsicas, desastres naturais, fatores
biolgicos (vetores, hospedeiros e reservatrios) entre outros (Prss-stn e
Corvaln, 2006).
Dessa forma, a OMS mantm em sua agenda permanente o desenvolvimento
de aes para a compreenso e melhoria das condies de sade ambiental no
planeta. No Brasil, o Ministrio da Sade vem propondo e desenvolvendo polticas e
aes relativas identificao, avaliao e gesto dos riscos ambientais
relacionados a ar, gua e solo, e que interferem na sade da populao (BRASIL,
2002).
2. Processo sade-doena relacionado poluio do ar
Um dos principais marcos da histria da humanidade foi o domnio da
produo do fogo. Foi tambm naquele exato momento que o homem comeou a
poluir o ar. Desde ento, mesmo durante o perodo pr-industrial, atividades como
cozinhar e gerar aquecimento davam origem poluio atmosfrica. No entanto, at
o sculo XIX essa poluio no era um problema generalizado porque a atmosfera
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era capaz de dilu-la facilmente no havendo acmulos em reas densamente
povoadas. Foi o advento da Revoluo Industrial no mundo ocidental que fez
aumentar rapidamente a quantidade de contaminantes qumicos lanados na
atmosfera, e com isso o progressivo esgotamento da capacidade ecossistmica de
assimilar essa poluio.
A industrializao em conjunto com o processo de urbanizao trouxe o
desejado progresso, porm, custa de elevado consumo de energia para abastecer
a maquinaria industrial, os sistemas de transportes e os produtos eletrnicos
domsticos. Ao mesmo tempo em que se elevou a qualidade de vida da populao,
inclusive com aumento na expectativa de vida, houve a introduo concomitante de
novos riscos sade. As atividades humanas resultaram na produo e liberao de
uma variedade de contaminantes do ar e, assim, tornaram-se as principais causas
das mudanas ambientais que hoje atingem propores globais.
A poluio atmosfrica tem se tornado um importante problema de sade
pblica em praticamente todo o mundo. Existem inmeras evidncias cientficas
indicando que a exposio poluio atmosfrica pode afetar a sade em graus
variados que vo desde leves alteraes bioqumicas e fisiolgicas, at o
adoecimento e a morte.
A preocupao com relao poluio do ar no um fato recente. Os
efeitos nocivos desta vm sendo mais claramente vivenciados desde a primeira
metade do sculo passado, durante episdios com concentraes extremamente
elevada de poluentes, que levaram a um aumento expressivo na mortalidade e na
morbidade, como os observados no Vale Meuse na Blgica em 1930, em Donora na
Pensilvania em 1948, e em Londres, Inglaterra, no inverno de 1952 e 1953
(GOUVEIA E MAISONET, 2006).
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Saiba Mais
Em dezembro de 1930, no Vale do Rio Meuse, uma regio da Blgica, onde havia
uma grande concentrao de indstrias que utilizavam fornos de carvo e
gasognio, em um perodo de cinco dias sob condies climticas desfavorveis
para a disperso dos poluentes atmosfricos, uma espessa nvoa cobriu essa zona
industrial e a populao foi acometida por sintomas como tosse, dores no peito,
dificuldade de respirar, irritao na mucosa nasal e nos olhos. O aumento de
enfermidades e mortes por doenas respiratrias se situaram num patamar dez
vezes maior em relao ao dos anos anteriores.
Em outubro de 1948, em Donora, uma cidade da Pensilvnia, EUA, uma pequena
cidade com grande nmero de siderrgicas e fbricas de produtos qumicos, uma
inverso trmica conjugada com a ausncia de ventos, propiciou sobre a cidade a
formao de uma nvoa escura com alta concentrao de poluentes. Nesse perodo
foram registradas 20 mortes e quase seis mil internaes entre os 14 mil habitantes
da cidade.
No famoso episdio ocorrido em Londres, as concentraes de dixido de
enxofre (SO2) e de fumaa aumentaram a nveis muito acima de 500 g/m3. Foi observado um excesso de mortalidade principalmente devido a doenas
respiratrias e cardiovasculares, de cerca de 3.000 bitos acima do que seria
esperado (MINISTRY OF HEALTH, 1954). No mesmo perodo foi possvel detectar
tambm um aumento expressivo no nmero de internaes hospitalares. Estudos
realizados sobre este importante episdio mostram que a maior parte dos indivduos
afetados era dos grupos etrios acima de 45 e abaixo de 5 anos de idade e,
especialmente, para as doenas respiratrias e cardiovasculares (ABERCROMBIE,
1953).
Estes e outros episdios menos famosos de grande contaminao
atmosfrica foram suficientes para que fossem institudas medidas visando a
controlar os nveis ambientais de poluio do ar em diversos centros urbanos,
principalmente em pases da Amrica do Norte e Europa. Assim, foram criados e
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adotados padres de qualidade do ar para proteger a populao dos poluentes mais
comuns e prejudiciais sade, especialmente aqueles derivados da queima de
combustveis fsseis como o petrleo e o carvo. Dessa forma, episdios de
poluio de propores semelhantes a estes que ocorreram no sculo passado j
no acontecem com frequncia e, por um longo perodo, no se observaram novos
registros sobre os efeitos da poluio do ar na sade. Entretanto, o aumento das
tecnologias de avaliao dos poluentes atmosfricos e o desenvolvimento de
tcnicas estatsticas mais sofisticadas tm permitido detectar a ocorrncia de efeitos
sobre a sade associados a nveis de contaminao atmosfrica bem mais baixos
do que aqueles anteriormente considerados seguros.
Assim, apesar dos avanos obtidos em direo a um ambiente com ar mais
limpo, os nveis de poluio atmosfrica experimentados pela maior parte da
populao continuam a se mostrar danosos sade. A exposio humana e
ambiental poluio do ar um grande desafio e uma questo de interesse global
para a sade pblica. Estimativas da Organizao Mundial de Sade indicam que
mais de dois milhes de mortes prematuras a cada ano so atribudas aos efeitos da
poluio atmosfrica urbana e da intradomiciliar (causada principalmente pela
queima de combustveis slidos para aquecimento e preparao de alimentos)
(WHO 2002; WHO 2006). Mais da metade dessa carga de doena acontece nos pases em desenvolvimento (WHO, 2006).
Em muitos dos grandes centros urbanos do pas as concentraes de
poluentes ainda so altas (Marclio e Gouveia, 2007). No entanto, os nveis de
poluentes esto diminuindo, geralmente devido a maior controle sobre as fontes de
emisso, mudanas nos padres de utilizao de combustveis e o encerramento de
Carga de doena: conceito epidemiolgico de mensurao da morbidade na populao. Seu objetivo descrever de modo mais preciso o impacto que determinada
doena ou transtorno provoca na vida das pessoas, quando as acomete.
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instalaes industriais obsoletas, no obstante o aumento constante da frota de
veculos (Cetesb, 2012).
2.1. Foras motrizes e presses
A composio da atmosfera afetada por praticamente todas as atividades
humanas. O aumento populacional, o desenvolvimento econmico e o aumento na
demanda por energia e por transportes, so as principais foras motrizes das emisses de substncias para a atmosfera.
Alm do crescimento, a populao vem se urbanizando cada vez mais,
urbanizao esta que vem ocorrendo de maneira muito rpida e desorganizada.
Atualmente mais da metade da populao mundial vive em reas urbanas. No
Brasil, 84% da populao vivem em reas urbanas e 55% em cidades com mais de
100 mil habitantes (IBGE, 2011). E se por um lado tem havido um controle
razoavelmente eficiente das agncias ambientais, como a CETESB em So Paulo
(CETESB, 2012), sobre as emisses de poluentes atmosfricos de origem industrial,
por outro tem havido um aumento acentuado na frota de veculos que passaram a
ser a principal fonte de poluio atmosfrica nas reas urbanas. Alm disso, no
cenrio brasileiro atual de crescimento e desenvolvimento, tem sido muito comum a
utilizao das queimadas em reas florestais ou plantadas (por exemplo, com cana
de acar), gerando grande quantidade de poluio que atinge no apenas as reas
rurais, mas tambm as cidades.
Foras motrizes conceito: Fora que move, que produz movimento, mas em sentido figurado significa aquele ou aquilo o que faz as coisas
acontecerem. Este conceito ser aprofundado na Unidade 1 da Disciplina 4.
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Assim, a queima de biomassa (ex.: bagao ou palha de cana, carvo vegetal
etc.) e de combustveis fsseis (carvo mineral e derivados do petrleo) para
gerao de energia em veculos automotores, em processos industriais, para
aquecimento domstico, nas queimadas agrcolas e no descarte de resduos slidos
por incinerao so geralmente as principais fontes de emisses de poluio do ar
para a atmosfera.
2.2. Os principais contaminantes atmosfricos
Os poluentes atmosfricos existem sob a forma de gases e partculas. So
denominados contaminantes primrios o monxido de carbono (CO), o dixido de
enxofre (SO2), os xidos de nitrognio (NO e NO2, coletivamente denominados NOx)
e os hidrocarbonetos. Na atmosfera estes contaminantes se dispersam e sofrem
transformaes fotoqumicas, produzindo outros contaminantes, denominados de
secundrios como o cido sulfrico (H2SO4), o cido ntrico (HNO3), diversos nitratos
e o oznio (O3).
As partculas (poeiras) so classificadas de acordo com seu tamanho em
Partculas Totais em Suspenso (PTS), de dimetro at 100 m, o material particulado inalvel ou MP10 com dimetro 10m, e as partculas finas (PM2,5) de dimetro
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a) Monxido de Carbono (CO): o CO um gs txico, sem odor, sem cor e fruto da combusto de diversos processos industriais, do escapamento de veculos
automotores e do fumo do cigarro. A intoxicao aguda pode ser fatal. A sua
toxicidade se deve em parte a sua propriedade relacionada afinidade pela heme
da hemoglobina e da mioglobina. O CO quando absorvido pelo sangue forma a
carboxihemoglobina, o qual produz uma diminuio da oxihemoglobina e uma
reduo do transporte de oxignio at os tecidos. O CO possui uma afinidade 300
vezes maior com a hemoglobina do que o oxignio, o que favorece a hipoxemia
(baixa concentrao de oxignio no sangue) em pessoas expostas.
b) xidos de Nitrognio (NO e NO2): no grupo genrico dos xidos de nitrognio (NOx) se inclui o dixido de nitrognio (NO2), monxido de nitrognio
(NO), cido ntrico (HNO3) e nitratos. So formados por reaes de oxidao do
Nitrognio (N) atmosfrico durante a combusto. As principais fontes antropognicas
vo desde combusto de automveis, processos industriais, usinas trmicas,
incinerao, at a oxidao de fertilizantes a base de nitrognio. Como fontes
naturais merecem destaque certas bactrias que liberam grande quantidade de
xido ntrico (NO), e que ento transformado no real poluente dixido de nitrognio
(NO2). A principal fonte de produo de NO e NO2 a emisso de veculos
automotores.
Uma vez na atmosfera, o NO2 leva formao de compostos orgnicos txicos
irritantes e genotxicos como o cido ntrico, nitratos, O3 e outros. Pelo carter
lipoflico do NO2, quando inalado ele atinge pores perifricas dos pulmes. Seus
efeitos vo desde irritao das vias areas at enfisema pulmonar.
c) Dixido de Enxofre (SO2): o SO2 um gs amarelado, com odor caracterstico de enxofre e muito irritante quando em contato com superfcies
midas, pois se transforma em cido sulfrico. O SO2 um contaminante produzido
por queima de combustveis fsseis, como carvo e petrleo, escapamento de
veculos automotores e subproduto de processos industriais. Logo, as principais
fontes antropognicas so automveis, usinas termoeltricas, fundies e produo
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de papel. J as fontes naturais incluem as erupes vulcnicas e oxidaes de
gases de enxofre consequentes da decomposio de plantas.
A intoxicao pelo SO2 pode causar irritao da mucosa respiratria desde
nasofaringe, orofaringe at alvolos, levando a inflamao, hemorragia e necrose
(morte de tecidos). A resposta fisiolgica primria a inalao do SO2 uma
broncoconstrico (contrao da parede dos brnquios pulmonares com diminuio
de seu calibre) reflexa e reversvel. Pode tambm causar hemorragias e necrose
pulmonar. Quando em atividade fsica, um indivduo aumenta a penetrao desses
toxicantes, pois aumenta a ventilao alveolar, assim esses xenobiticos podem
alcanar pores distais do pulmo (Casarett & Doulls, 2001; Oga, 2008).
d) Material Particulado (MP): o ar atmosfrico contm partculas em
suspenso que variam de 0.1 a 10 m de dimetro. Partculas maiores que 10 m so efetivamente filtradas pelo nariz e nasofaringe, onde essas grandes partculas
ficam depositadas e que podem ser vistas em expectoraes e/ou saliva. Partculas
menores que 10 m de dimetro (MP10), ficam retidas nas vias areas superiores e podem ser depositadas na rvore traqueobrnquica. As partculas menores que 2,5
m de dimetro (MP2,5) depositam-se no brnquio terminal, e, nos alvolos. Concentraes de MP2,5 representam, em geral, em torno de 45 a 65% da
concentrao de MP10. A indstria e o transporte so as principais fontes poluidoras
de material particulado (MP).
e) Oznio (O3): o oznio (O3) se forma na atmosfera a partir da reao do oxignio molecular (O2) com o oxignio atmico (O-). O NO2, a partir de uma reao
fotoqumica, produz o oxignio atmico. Portanto, a combinao com o O2 produz
O3. A formao de O3 tpica de reas urbanas. um poluente que apresenta
concentrao maior em ambientes externos do que nos ambientes internos e em
altas concentraes pode trazer prejuzo irreversvel ao trato respiratrio e aos
pulmes. A baixa solubilidade do oznio facilita sua chegada aos alvolos
produzindo mudanas irreversveis na estrutura do pulmo, resultando em doenas
crnicas como enfisema e bronquite. Este poluente afeta a populao por meio de
irritao ocular e do sistema respiratrio, o que leva a perda da funo pulmonar
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tornando-o mais suscetvel a infeces e agravando doenas preexistentes como a
asma. Alm disso, o oznio causa prejuzos ao sistema imunolgico, reduo da
camada de gordura, aumento de infeces e envelhecimento precoce da pele devido
sua degenerao elstica.
As fontes de emisso dos precursores do O3 so os veculos automotores e
as fontes industriais. Os nveis de O3 iniciam sua elevao no perodo da manh e
tem seu pico durante tarde, decaindo a partir do incio da noite.
Diversas cidades brasileiras contam com redes de monitoramento da
qualidade do ar, geralmente de responsabilidade dos rgos ambientais ou algumas
vezes do setor privado (grandes siderrgicas, por exemplo). As informaes geradas
por essas redes de monitores devem estar disponveis para a populao e devem
ser utilizadas pelos servios de sade para caracterizar a qualidade do ar de
determinada regio e fazer seu acompanhamento.
2.3. Os impactos na sade
A exposio aos poluentes atmosfricos est associada a diversas doenas.
Uma vez que o aparelho respiratrio diretamente afetado pela inalao do ar
poludo, as doenas respiratrias so as mais relacionadas exposio poluio
atmosfrica, no entanto, doenas cardiovasculares, restrio do crescimento
intrauterino, distrbios da fertilidade, prematuridade, malformaes congnitas e
mesmo o cncer tm sido relatados como associados aos nveis elevados de
poluentes atmosfricos urbanos (GOUVEIA E MAISONET, 2005; 2006).
Diversos estudos realizados em cidades brasileiras tm encontrado
associaes entre os nveis urbanos de poluio do ar e diferentes aspectos de
sade (GOUVEIA E MAISONET, 2005). O Quadro 1 apresenta uma relao dos
principais desfechos de sade identificados como associados exposio poluio
atmosfrica em estudos brasileiros.
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Quadro 1 Principais desfechos de sade relacionados poluio do ar
Mortalidade geral Mortalidade em idosos Mortalidade infantil ou em menores
de 5 anos
Mortalidade neonatal Mortalidade intrauterina Mortalidade por doenas
respiratrias ou cardiovasculares
Hospitalizaes por doenas respiratrias ou cardiovasculares
Hospitalizaes em crianas causas respiratrias
Comparecimento a servios de emergncia por estas mesmas causas
Baixo peso ao nascer Aumentos em sintomas respiratrios
em crianas
Alterao na funo pulmonar Aumento nos episdios de doena
respiratria aumento na prevalncia de doenas respiratrias
Fonte: Gouveia e Maisonet, 2005
Os efeitos adversos da poluio do ar no sistema respiratrio so variados
indo desde sintomas sutis e inespecficos como dor de garganta e aumento da tosse
e chiado, ao aumento das taxas de ataques de asma, reduo da capacidade
pulmonar, aumento nas consultas mdicas e nas admisses hospitalares, at
finalmente a morte (ATS, 2000). Essas ltimas, no somente por causas
respiratrias totais, mas tambm por causas especficas, como a pneumonia em
crianas ou doena pulmonar obstrutiva crnica (DPOC) em idosos.
Alm disso, atendimentos de emergncia e visitas ambulatoriais por doenas
respiratrias totais ou mais especificamente para infeces respiratrias e asma em
crianas e DPOC em adultos tambm tm sido relatados (Farhat 2005; Tenias et al,
2002). Na verdade, ainda pouco claro se a poluio do ar contribui para o
desenvolvimento de asma, mas as evidncias indicam que a poluio pode atuar
como um gatilho, iniciando episdios de ataque de asma (Boutin-Forzano, 2005).
A magnitude dos efeitos encontrados tem variado bastante. Por exemplo,
encontraram-se aumentos da ordem de 1% a 6% na mortalidade geral relacionada a
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um incremento de 10g/m3 nos nveis de MP10, em estudos realizados em pases da
Amrica Latina (Gouveia e Maisonet, 2005). Valores semelhantes tm sido
reportados em estudos conduzidos nos EUA e Europa, e esta variabilidade no
tamanho do efeito , em parte, decorrente da utilizao de tcnicas de anlise
diferentes nos vrios estudos.
No Brasil, estima-se que cerca de 5% do total de bitos por causas
respiratrias entre idosos e crianas podem ser atribudos ao nvel mdio de
poluio atmosfrica das cidades brasileiras (Marclio e Gouveia, 2007).
importante destacar que a frequncia de ocorrncia de efeitos na sade
inversamente proporcional a sua gravidade (Figura 1). Ou seja, a proporo da
populao afetada de maneira mais leve, muitas vezes subclnica, muito maior que
aquela que desenvolve efeitos mais graves levando, por exemplo, a internao
hospitalar ou morte e, portanto, quase no aparecendo nas estatsticas de sade.
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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Figura 1: Pirmide com efeitos da poluio do ar na sade
mortalidade precoce
hospitalizaes
visitas ao Pronto Socorro
visitas ao mdico/ambulatrio
restrio de atividades
reduo da performance
uso de medicamentos
exacerbao de sintomas
alteraes fisiolgicas no sistema cardiovascular
prejuzos na funo pulmonar
efeitos subclnicos
proporo da populao afetada
Fonte: Adaptado de Gouveia e Maisonet, 2006
Os subgrupos populacionais de maior suscetibilidade (disposio especial
para sofrer influncias e contrair enfermidades) aos efeitos da poluio do ar incluem
crianas e idosos, alm daqueles com doenas cardacas e respiratrias pr-
existentes. Alguns estudos indicam que portadores de doenas crnicas como o
diabetes tambm so mais suscetveis aos efeitos adversos da poluio do ar
(Gouveia e Maisonet, 2006).
Indivduos com doena respiratria ou cardiovascular crnica devem ser
alertados para os efeitos adversos da exposio a poluio do ar. importante
informar que a atividade fsica em ambientes externos durante perodos em que o ar
se encontra mais poludo (perodos de inverno em que as inverses trmicas so
gravidade do efeito
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
20
mais frequentes, em dias de baixa umidade ou no horrio de pico da radiao solar,
quando os nveis de oznio atingem suas maiores concentraes) aumenta o risco
de efeitos adversos.
preciso, ainda, levar em considerao possveis fontes de contaminao do
ar dentro dos domiclios. A utilizao de fornos a lenha e lareiras pode levar a nveis
extremamente altos de material particulado no ambiente intradomiciliar. Os produtos
utilizados para a limpeza e higiene dentro dos domiclios (domissanitarios) incluindo
os produtos a base de solventes, os inseticidas e as tintas utilizadas nas paredes
so fontes de compostos orgnicos volteis (VOC) que tambm podem exacerbar
doenas respiratrias pr-existentes. Uma boa ventilao no domiclio, o cuidado ou
mesmo a no utilizao de inseticidas domsticos, a utilizao de combustveis mais
limpos como o gs liquefeito de petrleo (GLP) e a utilizao de foges a lenha com
ventilao adequada podem diminuir esse tipo de poluio.
A realizao de estudos que identificam os efeitos da poluio atmosfrica na
sade tem sido possvel porque existem hoje no Brasil numerosos sistemas de
informao desenvolvidos e mantidos pelo poder pblico, para finalidades diversas.
Esses sistemas incluem informaes variadas em sade como mortalidade,
hospitalizaes, informaes sobre nascimentos etc. Embora ainda persistam
grandes diferenas entre os diversos sistemas de informao, j possvel hoje
compatibiliz-los a partir de bases territoriais e grupos populacionais especficos. Os
principais sistemas de informao de importncia para a Vigilncia em Sade
Ambiental no pas, bem como suas potencialidades e limitaes sero apresentados
na Disciplina 4 deste curso.
De todo modo, a evidncia trazida por estes estudos, de efeitos adversos
sade ocasionados pelos atuais nveis de poluio atmosfrica, tem subsidiado o
setor sade no Brasil no desenvolvimento de aes de vigilncia da poluio do ar.
Isto vem se dando, por exemplo, por meio da criao de indicadores que
dimensionam o impacto da poluio do ar na sade. Estes indicadores vm sendo
utilizados tanto para sensibilizar gestores e a prpria populao dos malefcios
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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causados pela exposio aos altos nveis de contaminao do ar, quanto para
permitir quantificar provveis benefcios das aes de controle da poluio e a
comparao com os custos para sua implementao.
Desse modo, tem sido possvel compreender melhor e quantificar os
potenciais danos sade relacionados contaminao do ar e essas informaes
tm contribudo na construo de um sistema de vigilncia desses efeitos. Como
exemplo, podemos citar o programa de Vigilncia em Sade de Populaes
Expostas Poluio do Ar VIGIAR, do Ministrio da Sade, j visto na Disciplina 1
Unidade 3 Vigilncia em Sade Ambiental no SUS. Mais informaes sobre a
Vigilncia de poluentes atmosfricos sero discutidas na Unidade Informao no
Subsistema Nacional de VSA Disciplina 4.
3. Processo sade-doena relacionado contaminao do solo
Em 1987 a Comisso Mundial sobre Ambiente e Desenvolvimento (Comisso
Brundtland) alertou no seu relatrio final, Nosso Futuro Comum: Se as
necessidades humanas tem que ser supridas, os recursos naturais do planeta tem
que ser conservados e aprimorados. O uso da terra para agricultura e silvicultura
tem que ser baseado em avaliaes cientficas da capacidade da terra e a depleo
anual do solo (UN, 1987). Embora experincias locais tenham acontecido, as
diretrizes e os princpios estabelecidos na Conferncia das Naes Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, devem ser convertidos em
ferramentas e polticas globais efetivas (DENT et. al., 2007).
Nos ltimos 20 anos, o aumento da populao, o crescimento econmico e a
emergncia de mercados globais levaram a mudanas sem precedentes no uso do
solo e, se mantidas essas tendncias, aumentaro a explorao dos recursos ao
longo dos prximos 50 anos. As mudanas mais dinmicas tm sido na cobertura
florestal, composio, expanso e intensificao das reas de cultura e o
crescimento das reas urbanas. O uso no sustentado do solo leva a degradao
por contaminao e poluio, eroso e depleo dos nutrientes do solo. Em algumas
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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reas, o excesso de nutrientes causam eutrofizaoe pode haver escassez de gua
e salinizao. Em decorrncia da degradao do solo acontecem distrbios de ciclos
biolgicos dos quais depende a vida, bem como impactos sociais e interferncias no
desenvolvimento econmico (DENT et.al., 2007).
3.1. Foras motrizes e presses
Entre os fatores desencadeantes das mudanas no uso do solo esto o
grande aumento e a densidade populacional, o aumento na produtividade, os
elevados padres de consumo e as mudanas tecnolgicas, polticas e climticas.
As decises pessoais sobre o uso do solo so motivadas pela memria coletiva e
histria individual, valores, crenas e percepes. Os fatores desencadeantes e
presses podem ser de dois tipos: lentos (ex.: crescimento natural da populao, corrupo e m distribuio da terra) que resultam em impactos em dcadas; e
rpidos (ex.: migrao, guerras, desvalorizao, epidemias/doenas) cujos impactos so observados em um ano.
Os fatores desencadeantes das mudanas do uso do solo se modificam ao
longo do tempo. Por exemplo, nos sculos XIX e XX a Amaznia foi explorada para
atender ao mercado mundial de borracha; na segunda metade do sculo XX foi
voltada para economia nacional com o desmatamento de grandes reas para a
pecuria; atualmente atende ao mercado nacional e internacional resultando em
intensificao do uso do solo e contnua converso da floresta, principalmente em
fazendas, incluindo pastos e monoculturas, e reas de minerao (DENT et. al.,
2007; ARAUJO, 2008).
As mudanas no uso do solo esto influenciadas pelas necessidades locais,
demandas urbanas no entorno e necessidades econmicas regionais e globais. Em
nvel global, sries histricas de dados confiveis so escassas, mas as informaes
disponveis mostram que as maiores alteraes nos ltimos 20 anos ocorreram nas
florestas, principalmente pela converso em reas de cultura, pastos e extrao de
madeira e tambm replantio de novas florestas. Desde 1987, as maiores converses
ocorreram na bacia amaznica, sudeste asitico e no centro e sul da frica. As
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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reas de floresta aumentaram na Eursia Boreal e partes da sia, Amrica do Norte,
Amrica Latina e Caribe, principalmente por replantio de novas florestas (FAO,
2006). A degradao das florestas por causas naturais e humanas generalizada
(DENT et. al., 2007).
A intensidade do uso do solo aumentou dramaticamente desde 1987,
resultando em maior produo por hectare. A produtividade dos cereais teve um
incremento de 17% na Amrica do Norte, 25% na sia, 37% no oeste asitico e 40%
na Amrica Latina e Caribe. Unicamente na frica permaneceu estvel. No entanto,
a produo mundial de cereais per capita alcanou o mximo nos anos 80, mas
desde ento vem diminuindo apesar do aumento da mdia das safras.
No Brasil, segundo as Projees do Agronegcio de 2010/11 a 2020/21 do
Ministrio da Agricultura Pecuria e Abastecimento os produtos que indicam maior
potencial de crescimento da produo e das exportaes nos prximos anos
devero ser o algodo, soja, carne bovina, carne de frango, acar, papel e
celulose. Em relao produo atual, o aumento ser: algodo em pluma, 47,8%,
soja gro, 25,9%, carne de frango, 30%, cana de acar, 24,6%, papel, 24,7% e
celulose, 34%. Nesse perodo, em volume, a produo de gros (soja, milho, trigo,
arroz e feijo) dever passar de 142,9 para 175,8 milhes de toneladas, acrscimo
de 33,0 milhes de toneladas; a produo de carnes (bovina, suna e aves) dever
aumentar em 6,5 milhes de toneladas, um acrscimo de 26,5% em relao
produo de carnes de 2010/2011 (BRASIL, 2011).
As cidades esto se expandindo rapidamente e mesmo s ocupando uma
pequena porcentagem da superfcie terrestre elas demandam alimentos, gua,
matrias-primas e locais para destinao de resduos (DENT et. al., 2007). No Brasil,
a urbanizao passou de 31%, em 1940, para 81,2%, em 2000, e segundo o censo
de 2010, atualmente 84,4% da populao brasileira (190.755.799) vive nas cidades.
A regio Sudeste continua sendo a mais urbanizada, com 92,9%, seguida pelas
regies Centro-Oeste (88,8%) e Sul (84,9%), enquanto as regies Norte (73,5%) e
Nordeste (73,1%) tm mais de 1/4 dos seus habitantes vivendo em reas rurais. Rio
de Janeiro (96,7%), Distrito Federal (96,6%) e So Paulo (95,9%) so as unidades
da federao com maiores graus de urbanizao. Os estados que possuem os
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menores percentuais de populao vivendo em reas urbanas esto concentrados
nas regies Norte e Nordeste, sendo que Maranho (63,1%), Piau (65,8%) e Par
(68,5%) apresentam os ndices abaixo de 70% (IBGE, 2011).
3.2. Contaminao qumica do solo e impactos sobre a sade
As mudanas no uso do solo resultaram tanto em efeitos negativos como
positivos no bem-estar humano, e na proviso de servios. O grande aumento na
produo de bens agrcolas e florestais trouxe maiores riquezas e melhores
condies de vida para bilhes de pessoas, porm, custa da degradao do solo
(contaminao, eroso, esgotamento dos nutrientes e salinizao), desertificao,
perda da biodiversidade e desregulao de ciclos biofsicos, tais como o ciclo da
gua e dos nutrientes (DENT et.al., 2007). Estas mudanas no uso do solo tm
impactos negativos na sade da populao e devem ser objeto das aes de
Vigilncia em Sade Ambiental. Nesta unidade sero tratados os impactos
relacionados contaminao qumica.
Os produtos qumicos so usados em todos os aspectos da vida, isto inclui os
processos industriais, energia, transporte, agricultura, medicamentos, limpeza e
refrigerao. A maioria dos produtos consumidos derivada da produo qumica,
desde higiene pessoal e produtos eletrnicos at detergentes e consumveis
artesanais. No dia a dia estamos em contato com plsticos e outros materiais
sintticos, fibras txteis e materiais de construo (OECD, 2011). A Organizao de
Cooperao para o Desenvolvimento Econmico (OECD) estimou que para 2020
cerca de um tero da produo qumica mundial ocorrer em pases no membros
da OECD e a produo ser 85% maior que em 1995. Esta mudana da produo
para os pases mais pobres aumentar os riscos para sade e o ambiente (OECD
2001).
A produo e o uso de produtos qumicos nem sempre so acompanhados
das medidas de segurana adequadas. Existe contaminao ambiental decorrente
das emisses, resduos e degradao dos produtos qumicos industriais, indstria
farmacutica e outras commodities, produo e uso de agrotxicos. Tambm esto
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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aumentando as evidencias cientficas sobre a persistncia destas substncias
qumicas nos ecossistemas e seus efeitos deletrios na sade humana e animal
(DENT et. al., 2007).
O solo alvo de um amplo leque de fontes de contaminantes e resduos
qumicos, tais como resduos slidos urbanos, processos industriais, agricultura e
minerao. Os contaminantes qumicos txicos podem ser gerados a partir de fontes
pontuais como os estoques de resduos perigosos, fontes de gerao de energia,
incinerao e processos industriais curtumes, usinas de papel. Tambm so
emitidos de fontes difusas como as emisses veiculares, aplicao agrcola de
agrotxicos e fertilizantes, bem como os esgotos contendo resduos de processos
qumicos, produtos de consumo e da indstria (DENT et al., 2007).
Existe um legado de reas industriais e urbanas contaminadas nos
tradicionais polos industriais, principalmente nos Estados Unidos, Europa e na
extinta Unio Sovitica. Na Europa, estima-se que existam mais de dois milhes de
reas contaminadas com metais pesados, cianeto, leo mineral e hidrocarbonetos
policclicos aromticos. Desse total, em torno de 100 mil necessitam remediao
(EEA, 2005).
As reas (potencialmente) contaminadas por resduos so uma consequncia
do processo produtivo que interfere nas condies ambientais locais e na qualidade
de vida das populaes. Constituem um problema complexo com inmeros aspectos
a serem considerados, tais como: (i) um amplo leque de atores sociais; (ii) incertezas
relacionadas, por exemplo, definio do grau, extenso de contaminao e efeitos
dos qumicos sobre o meio ambiente e a sade das populaes atingidas; (iii) a
definio de quais seriam as medidas pertinentes que deveriam ser tomadas e qual
a conduo adequada na busca de solues para os problemas (FERNANDES,
2008).
No Brasil, em 2004, o Ministrio da Sade em conjunto com os estados e
municpios iniciou o registro das reas contaminadas. Este registro vem sendo feito
continuamente, com atualizao dos dados e divulgao das informaes. O
Sistema de Informao de Vigilncia em Sade de Populaes Expostas a Solo
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Contaminado (SISSOLO) armazena as informaes das fichas de campo e est
implantado em todos os estados brasileiros. No perodo de 2004 a 2012 foram
cadastradas 8.123 reas, com estimativa de 17.590.000 pessoas potencialmente
expostas. As tabelas X e XX mostram a distribuio das reas por regio e a origem
da contaminao (SISSOLO, 2012).
Tabela 1. Distribuio das reas contaminadas com populaes (potencialmente) expostas segundo regio, Brasil, 2004-12.
Regio Frequncia %
Nordeste 3.057 37,6
Sudeste 1.738 21,4
Sul 1.210 15,0
Centro-Oeste 1.075 13,2
Norte 1.043 12,8
Total 8.123 100
Fonte: MS/SVS/SISSOLO, 2012.
Tabela 2. Distribuio das reas contaminadas com populaes (potencialmente) expostas segundo fonte da contaminao, Brasil, 2004-12.
Fonte Frequncia %
- Unidades de Postos de
Abastecimento e Servios 3.026 37,3- Disposio Final de Resduos
Urbanos 1.925 23,7- reas Industriais 1.097 13,5- Contaminao Natural 742 9,1- reas Desativadas 505 6,2- Depsitos de Agrotxicos 329 4,1- reas Agrcolas 262 3,2- reas de Disposio de
Resduos Industriais 153 1,9- reas de Minerao 52 0,6- reas Contaminadas por
Acidentes com Produtos
Perigosos 32 0,4Total 8.123 100 Fonte: MS/SVS/SISSOLO, 2012
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Nos ltimos 25 anos aumentaram as evidncias em relao s graves
consequncias dos resduos e produtos qumicos no ambiente e bem-estar humano
(WHO, 2003). Os riscos sade associados ao solo contaminado ocorrem pela
exposio ocupacional, quando o trabalhador realiza suas atividades na rea
contaminada; exposio da populao geral, quando h propagao da
contaminao para o entorno; e reutilizao da rea contaminada para nova
finalidade, quando o novo usurio no tem conhecimento dessa contaminao
(BESEN, 2010).
Os agravos (agudos, subcrnicos e crnicos) decorrentes da exposio
humana a contaminantes qumicos nas reas contaminadas, as doenas crnico
degenerativas e o cncer, que se manifestam aps longo tempo de exposio,
evidenciam o novo perfil de morbidade nos grupos de populao exposta (BUENO,
2008; CMARA, 2002). No caso de populaes vulnerabilizadas por precrias
condies econmicas e sociais, a contaminao implica em um agravamento das
suas condies de sade, conduzindo a um quadro de diferenas epidemiolgicas e
de consumo de servios entre a populao (BUENO, 2008; FAHEL, 2007).
A relao entre a exposio aos contaminantes qumicos e seus possveis
agravos (cncer e no cncer - subclnicos e clnicos) na populao um desafio
para os profissionais de sade das diversas reas, principalmente toxicologia clnica,
epidemiologia etc., pela multicausalidade. Em geral, os efeitos no so agudos e na
maioria das vezes os efeitos crnicos so inespecficos e de difcil deteco,
especialmente, quando no existe uma linha de cuidado na rotina dos servios de
sade para o acompanhamento sade dos expostos.
A Organizao Mundial da Sade (OMS) estima que, a cada ano, ocorram
355 mil bitos no mundo por intoxicao no intencional (WHO, 2003). Nos pases
em desenvolvimento onde ocorrem dois teros dos bitos as intoxicaes esto
fortemente associadas com a exposio excessiva e uso inadequado dos produtos
qumicos (WORLD BANK, 2002). Alm disso, tambm a OMS estima que a cada
ano, trs milhes de pessoas tm intoxicao grave por agrotxicos no mundo,
sendo 20 mil bitos no intencionais (WHO, 1992).
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No Brasil, os dados das intoxicaes tambm mostram o problema. O
Sistema de Informaes Txico-Farmacolgicas (Sinitox) em 2009 registrou 101.086
casos de intoxicaes, dessas 409 resultaram em bito. Dados do Sistema de
Informao de Agravos de Notificao (SINAN) mostram que as intoxicaes agudas
por agrotxicos ocupam o segundo lugar, s superados pelos medicamentos, e com
tendncia de aumento, sendo que em 2007 foram registrados 2.071 casos e 3.466
em 2011, um aumento de 67,3% (Malaspina et al., 2011). Em relao aos bitos,
nos dados do Sistema de Informao de Mortalidade de 2000 a 2008, foram
encontrados 1.669 bitos por intoxicao por agrotxico (Santana et al., 2012).
Em relao aos tipos de contaminantes, na anlise de 1.435 reas
cadastradas no Sissolo, entre 2004 e 2008, foram descritos 4.058 diferentes
contaminantes potenciais ou confirmados (elementos, substncias, compostos e/ou
misturas qumicas). De acordo com a Tabela 3, possvel verificar que os grupos de
contaminantes qumicos mais frequentes foram os hidrocarbonetos com 38,4%
(1.557) das ocorrncias, seguidos dos resduos com 29,5% (1.185), os agrotxicos
com 16,8% (675) e os metais com 9,3% (236) (BUENO, 2008).
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Tabela 3 Distribuio das reas contaminadas com populaes (potencialmente) expostas segundo grupos de contaminantes, Brasil, 2004 08.
Grupo de contaminantes Frequncia % Grupo % Total HIDROCARBONETOS
Aromticos Sem especificao
Subtotal
340
1.217 1.557
25,8 74,2 100
8,4
30,0 38,4
RESDUOS Servios de sade Urbanos Orgnicos Industriais Inorgnicos Petrleo Radioativos Sem especificao
Subtotal
282 281 227 129 116 45 5
100 1.185
23,8 23,7 19,2 10,9 9,8 3,8 0,4 8,4 100
7,0 6,9 5,6 3,3 2,9 1,2 0,1 2,5
29,5 AGROTXICOS
Organofosforados Piretroides Organoclorados Fungicidas Sem especificao
Subtotal
253 186 93 38
105 675
37,5 27,5 13,8 5,6
15,6 100
6,3 4,6 2,3 0,9 2,7
16,8 METAIS
Pesados No Pesados
Subtotal
225 152 377
59,7 40,3 100
5,6 3,7 9,3
OUTROS 236 100 6,0 Total 4058 100 Fonte: BUENO, 2008.
Saiba mais: Na biblioteca do AVA voc encontrar a leitura complementar
Contaminantes Ambientais, que traz alguns dos principais poluentes ambientais e
sua relao com a sade humana.
4. Processo sade-doena relacionado contaminao da gua
Assim como para a contaminao do solo, o relatrio Nosso Futuro Comum
tambm alertou para a contaminao e o uso exaustivo dos reservatrios hdricos do
planeta em vrias partes do mundo (UN, 1987).
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A energia solar absorvida pela superfcie da terra, principalmente pelos
oceanos, determina a circulao da gua do planeta. A maior transferncia de gua
entre o oceano e a atmosfera ocorre por evaporao e precipitao. Portanto, os
oceanos so a fonte principal das precipitaes (chuvas e neve), mas a gua para
consumo humano na grande maioria obtida das precipitaes no solo e uma
pequena quantidade, embora crescente, por dessalinizao (ARTHURTON et al.,
2007).
A figura 2 mostra as propores dos tipos de gua que existem no planeta.
Entretanto, a gua disponvel para utilizao vem dos 11% da gua doce superficial
e da gua subterrnea que pode ser aproveitada para irrigao, uso urbano e
industrial, e para reservatrios de gua potvel (DENT et. al., 2007).
Figura 2. Distribuio por tipos de gua disponvel no planeta.
Fonte: Modificado de ARTHURTON et al., 2007.
97,5
2,50
102030405060708090100
Oceanos guaDoce
%guaTotal68,5
30,1
0,8 0,4
%guaDoce
67,4
12,2 9,5 8,51,6 0,8
%guasuperficialeatmosfrica
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SAIBA MAIS
guas subterrneas: guas que ocorrem natural ou artificialmente no subsolo (Resoluo Conama n 396 de 2008). Preenchem os poros ou vazios
intergranulares das rochas sedimentares, ou as fraturas, falhas e fissuras das
rochas compactas, e que sendo submetida a duas foras (de adeso e de
gravidade) desempenham um papel essencial na manuteno da umidade do
solo, do fluxo dos rios, lagos e brejos.
guas Superficiais: parcela de gua armazenada ou fluindo sobre a superfcie, que est continuamente interagindo com a atmosfera e com o solo;
so as guas que escoam ou acumulam na superfcie do solo, como os rios,
riachos, lagos, lagoas, pntanos.
guas doces: guas com salinidade igual ou inferior a 0,5 (Resoluo Conama N 357, 2005).
guas salobras: guas com salinidade superior a 0,5 e inferior a 30 (Resoluo Conama N 357, 2005).
guas salinas: guas com salinidade igual ou superior a 30 (Resoluo Conama N 357, 2005).
guas Residuais: so guas cuja composio resulta de diversas atividades ou ocorrncias ligadas vida do homem e das comunidades humanas, as
quais podem ter origem na necessidade de transportar resduos domsticos,
comerciais, industriais, agrcolas ou agropecurias, para longe dos locais de
produo; na utilizao da gua para fins higinicos, recreativos e outros; ou seja guas que foram utilizadas em atividades domsticas, industriais ou
agrcolas e que contm uma grande variedade de resduos.
Segundo o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC, 2007) o
aquecimento climtico evidente e est aquecendo e acidificando os oceanos. O
aumento da temperatura dos oceanos e do nvel do mar diminui a quantidade de
gua superficial e para consumo humano disponvel e aumenta a contaminao
vinda do solo pela acidificao que aumenta a solubilidade de agentes txicos (ex.:
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alumnio e mangans) e diminui a populao de micro-organismos envolvidos na
decomposio da matria orgnica.
Diminui tambm a gua disponvel para irrigao e aumenta a salinizao,
portanto, aumenta a demanda por gua subterrnea. Alm disso, sobem os custos
da gua e diminui a vida til dos poos.
O aquecimento global influencia, tambm, a temperatura da superfcie
terrestre, interfere na frequncia, na quantidade e na intensidade das precipitaes,
incluindo tempestades e secas. No solo, estas mudanas afetam a disponibilidade e
qualidade de gua doce, escoamento de gua superficial e recarga dos aquferos
subterrneos, e disseminao dos vetores de doenas de veiculao hdrica.
(Arthurton et al., 2007). As doenas gastrintestinais e a malria so problema de
sade pblica em muitos pases em desenvolvimento e preocupa a possibilidade
que piora decorrente das mudanas climticas. O aquecimento continuo poder
causar alteraes geogrficas (latitude e altitude) e sazonalidade de algumas
doenas infecciosas, incluindo malria e dengue e de veiculao hdrica e alimentar,
cuja maior frequncia ocorre em perodos mais quentes (Kuylenstierna et al., 2007).
A gua subterrnea, alm de ser um bem econmico, considerada
mundialmente uma fonte imprescindvel de abastecimento para consumo humano,
para as populaes que no tm acesso rede pblica de abastecimento ou para
aqueles que, tendo acesso a uma rede de abastecimento, tm o fornecimento com
frequncia irregular (Freitas, et. al., 2001). Praticamente todos os pases do mundo
fazem uso da gua subterrnea, que abastece cerca de 1,5 bilho de pessoas
(FLORES, 2000). No Brasil, o abastecimento vem tanto de guas superficiais como
subterrneas. Do total de municpios 47% so abastecidos exclusivamente por
guas superficiais, 39% por guas subterrneas e 14% pelos dois tipos de
mananciais (ANA, 2010).
Nos ltimos 25 anos foi observada uma tendncia mundial de aumento do uso
dgua para atender demanda do crescimento da populao e melhorar suas
condies de vida. As demandas se concentram em cinco setores: alimentos e
agricultura, energia, indstria, assentamentos humanos, e ecossistemas (UNESCO,
2012). estimado que at 2025 o consumo de gua aumente em 50% nos pases
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em desenvolvimento e 18% nos pases desenvolvidos (UNESCO, 2012). Uma vez
que todas as atividades industriais e de manufatura precisam de gua, esta situao
comprometer o desenvolvimento socioeconmico e aumentar a demanda nos
ecossistemas de gua doce (Arthurton et al., 2007).
A alterao dos sistemas hdricos, especialmente pelo represamento, um
fenmeno global de propores alarmantes. Dos 227 maiores rios do mundo, 60%
esto moderada ou fortemente fragmentados por barragens, desvios e canais. As
grandes mudanas nos sistemas de drenagem resultaro da transferncia artificial
de gua entre bacias hidrogrficas em andamento na Amrica do Sul (construo de
hidreltricas e transposio de rios), sul da frica, China e ndia. A reduo na
descarga de gua doce e os picos sazonais decorrentes do represamento e
captao esto diminuindo jusante a produtividade agrcola e pesqueira, e
causando salinizao dos esturios. Nas ltimas duas dcadas a construo de
reservatrios, principalmente na frica, por exemplo, tem exacerbado as doenas de
veiculao hdrica, incluindo malria, febre amarela, filariose e esquistossomose na
bacia do Rio Senegal (ARTHURTON et. al., 2007).
A reduo grave das guas subterrneas, muitas vezes associada ao setor de
combustveis - principalmente postos de combustveis -, acontece em aquferos e
bacias em todas as regies. A excessiva retirada de gua subterrnea e a
decorrente diminuio dos nveis de gua e descarga podem trazer srios impactos
para os humanos e os ecossistemas que devem ser levados em conta no lugar dos
ganhos econmicos. A crescente concorrncia pelas guas subterrneas pode
agravar as desigualdades sociais de forma que perfuraes mais profundas e com
maior capacidade diminuem os nveis de gua regionais, aumentam os custos e
limitam o acesso a gua das pessoas que tm poos rasos (Arthurton et al., 2007).
Estima-se que em 2025 cerca de 1.8 bilho de pessoas vivero em pases ou
regies com escassez absoluta de gua, e dois teros da populao mundial em
condies de racionamento dgua no limite para suprir as demandas de gua
para agricultura, indstria, uso domstico, gerao de energia e ambiente (FAO,
2007).
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4.1. Qualidade da gua
O mundo est enfrentando uma crise global da qualidade da gua. O
aumento contnuo da populao e da urbanizao, a rpida industrializao, a
expanso e intensificao da produo de alimentos demandam recursos hdricos e
aumentam a emisso de guas contaminadas nos pases e alm das fronteiras. Isto
representa uma ameaa global sade e ao bem-estar humano, exigindo medidas
imediatas e de longo prazo para diminuir a pobreza garantindo a integridade e
sustentabilidade de um de nossos ecossistemas mais produtivos (CORCORAN et
al., 2010).
As alteraes na qualidade da gua resultam principalmente das atividades
humanas no solo que geram contaminantes e interferem na disponibilidade de gua.
As evidncias mostram que a mudana climtica global altera o padro das
precipitaes que afetam as atividades humanas no solo e facilita o escoamento de
gua com resduos. Isto sugere que o aquecimento global pode causar e/ou
contribuir com a degradao da qualidade dgua. A gua de melhor qualidade
encontrada montante e alm-mar, enquanto que a mais degradada se encontra
jusante e nas reas costeiras e estuarinas. Da mesma forma que os oceanos
absorvem grandes quantidade de gases atmosfricos regulando o clima do planeta,
o grande volume dos oceanos tambm funciona como estabilizador porque favorece
a degradao de grande nmero dos contaminantes da gua (ARTHURTON et. al.,
2007).
As atividades humanas nas bacias hidrogrficas aumentam a poluio
proveniente de fontes pontuais ou fixas (efluentes domsticos, efluentes industriais,
resduos slidos domsticos, resduos slidos industriais, entre outras) e difusas
(ausncias de esgotamento sanitrio - lanamentos diretos em drenagens ou solo,
fossas negras, fossas secas e spticas - e atividades agrcolas) impactando os
ecossistemas aquticos terrestres e litorneos (ARTHURTON et. al., 2007).
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Em muitos pases, inclusive o Brasil, a principal fonte de contaminao da
gua vem do escoamento das reas agrcolas contendo fertilizantes e agrotxicos
(ARTHURTON et al., 2007; FERNANDES e SARCINELLI, 2009; MARCHESAN, et.
al.; 2009; RHEINHEIMER, et. al., 2010). A forma atual de produo de alimentos usa
70-90% da gua doce disponvel e muita desta gua retorna aos corpos de gua
contendo nutrientes e contaminantes qumicos (CORCORAN et. al., 2010). Alm
disso, os efluentes domsticos e industriais esto entre as fontes principais que, sem
tratamento adequado, so despejados diretamente nos corpos dgua. Em geral,
todas as atividades industriais geram poluentes aquticos, da mesma forma que a
silvicultura no sustentvel (desmatamento, incndios florestais e eroso), a
minerao (pelos minrios e a lixvia), a disposio de resduos (aterros, lixes,
lixvia, descarte terrestre e martimo de lixo), aquicultura, maricultura e carcinicultura
(micrbios, eutrofizao e antibiticos), e produo e utilizao de hidrocarbonetos
(explorao de petrleo) (ARTHURTON et. al., 2007).
No Brasil, as bacias hidrogrficas so afetadas pela ao antrpica em reas
rurais por meio de aes como: cultivo em reas inapropriadas ou de preservao,
uso de agrotxicos, substituio da mata nativa por espcie extica, adubao
fosfatada e ausncia de tratamento de dejetos que alteram os parmetros de
potabilidade das guas, conferindo atividade agrcola um grande potencial poluidor
(RHEINHEIMER et. al., 2010).
A degradao dos recursos naturais e a contaminao da gua por
fertilizantes e outros qumicos vm crescendo e trazendo graves consequncias
para o ambiente e para a sade humana. O crescimento da atividade agropecuria,
que implica em desmatamento e pastagens seguidos de colheita deixando o solo
sem a cobertura superficial, que favorece o escoamento superficial e resulta no
acmulo de sedimentos afetando a qualidade das guas superficiais no apenas no
local de origem da contaminao, mas tambm em outros pontos de interferncia
dos recursos hdricos. O risco de contaminao particularmente importante em
exploraes agropecurias jusante das bacias hidrogrficas, pois as
concentraes de fsforo e nitrognio geralmente excedem nveis detectados em
reas no agrcolas, sendo a eutrofizao um dos maiores problemas na qualidade
da gua. De acordo com PIONKE et. al.; (2000), apud MARCHESAN et. al. (2009),
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aproximadamente 33% das reas agrcolas so responsveis por 58% do fsforo
que chega aos mananciais hdricos. Em gua doce, reaes do N-nitrato podem
causar depleo de oxignio, afetando os organismos aquticos aerbicos. A N-
amnia altamente txica e, mesmo em concentraes baixas, pode afetar a
sobrevivncia de peixes (SUNDARAY et. al., 2005; MARCHESAN, et. al., 2009).
Tambm, entre as principais fontes de contaminao das guas subterrneas
podem-se citar os vazamentos em dutos e tanques de armazenamento subterrneo
de combustvel, atividades de minerao e uso de agrotxicos. Outras importantes
fontes de contaminao so os esgotos domsticos e industriais que, nas cidades e
nas regies agrcolas, so lanados no solo em grande quantidade, poluindo rios,
lagos e lenol fretico. Entre os principais contaminantes das guas subterrneas
encontramos os compostos aromticos (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos
(orto, meta e para), so denominados de BTEX), os hidrocarbonetos oxigenados, os
ons metlicos (alumnio, ferro e mangans), os micro-organismos e os compostos
nitrogenados (ALABURDA e NISHIHARA, 1998; SILVA, et. al.; 2002). Alm disso, os
constituintes qumicos das guas subterrneas podem ser influenciados por fatores
que modificam as caractersticas qualitativas e quantitativas dos mananciais
subterrneos, entre os quais esto: a deposio atmosfrica, processos qumicos de
dissoluo e/ou hidrlise no aqufero e mistura com esgoto e/ou guas salinas por
intruso - introduo de gua salgada no aqufero - (FREITAS, et. al., 2001).
A sade humana a questo mais importante relacionada com a qualidade
da gua. Os poluentes de interesse incluem a contaminao microbiana e a carga
excessiva de nutrientes oriundos de fontes pontuais e/ou difusas. As fontes pontuais
so aquelas em que os poluentes so lanados em pontos especficos dos corpos
dgua e de forma individualizada, as emisses ocorrem de forma controlada,
podendo-se identificar um padro mdio de lanamento. Geralmente a quantidade e
a composio dos lanamentos no sofrem grandes variaes ao longo do tempo
(Pereira, 2004). Exemplos de fontes pontuais de poluio so as indstrias e
estaes de tratamento de esgotos. Os poluentes das fontes pontuais incluem os
micrbios patgenos, nutrientes, materiais que consomem oxignio (matria
orgnica), metais pesados e poluentes orgnicos persistentes (ARTHURTON et. al.,
2007).
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A poluio difusa ocorre quando os poluentes atingem os corpos dgua de
modo aleatrio, no havendo possibilidade de estabelecer qualquer padro de
lanamento, quantidade, frequncia ou composio (Pereira, 2004). Exemplos de
poluio difusa so os lanamentos das drenagens urbanas, escoamento de gua
de chuva sobre campos agrcolas e acidentes com produtos qumicos ou
combustveis. Entre os poluentes das fontes difusas esto os sedimentos em
suspenso, nutrientes, agrotxicos e materiais que consomem oxignio. As fontes
mistas so aquelas que englobam caractersticas de cada uma das fontes
anteriormente descritas (ARTHURTON et. al., 2007).
A gua contaminada decorrente do manejo inadequado dos efluentes lquidos
representa um dos maiores desafios para a sade resultando na restrio do
desenvolvimento e aumentando a pobreza pelos custos da ateno sade e perda
da produtividade laboral. No mundo, cerca de 900 milhes de pessoas no tm
acesso gua potvel e 2,6 bilhes no tm acesso a saneamento (CORCORAN et.
al., 2010).
A contaminao microbiolgica por instalaes sanitrias inadequadas,
disposio imprpria de efluentes lquidos e resduos de animais est entre as
principais causas de morbimortalidade da populao. Alm disso, os resduos sem
tratamento impactam tambm os ecossistemas e sua biodiversidade. Em alguns
pases em desenvolvimento apenas 10% do esgoto domstico so coletados para
tratamento e reciclagem e cerca de 10% das estaes de tratamento funcionam
adequadamente. O nmero de pessoas sem ou cobertas por sistemas de tratamento
de esgoto domstico ineficiente deve aumentar se no forem feitos investimentos
relevantes para o gerenciamento do esgoto domstico (WHO & UNICEF, 2012).
Em torno de 1,8 milho de crianas menores de 5 anos morrem a cada ano
por doenas relacionadas gua, representando 17% dos bitos nessa faixa etria.
Tambm, 2,2 milhes de pessoas morrem por ano de doena diarreica; sendo que
88% dos casos de diarreia so causados pela higiene insuficiente e gua de m
qualidade (CORCORAN et. al., 2010). A prevalncia de hepatite A (1,5 milho),
parasitose (133 milhes) e esquistossomose (200 milhes) est relacionada com
saneamento inadequado. Areias e guas costeiras contaminadas por guas
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residuais contendo micro-organismos infecciosos de origem fecal resultam, a cada
ano, em mais de 120 milhes de problemas gastrintestinais e 50 milhes de doenas
respiratrias por nadar, tomar banho e consumir frutos do mar cultivados ou colhidos
nessas reas. Estima-se que ocorram 3-5 milhes de casos e entre 100 a 120 mil
bitos pela clera a cada ano (a OMS estima que apenas 5% a 10% so
registrados) (SHUVAL, 2003; UNESCO, 2012). A previso de que o aquecimento
global provoque mudanas nos habitats, logo, favorecendo a disseminao dos
vetores das doenas de veiculao hdrica, significa risco para sade humana,
portanto uma questo que exige ateno.
O problema de qualidade da gua mais disseminado a alta concentrao de
nutrientes (fsforo e nitrognio) que causa eutrofizao e compromete seu consumo.
O fsforo e nitrognio nas guas superficiais e subterrneas vm do escoamento de
reas agrcolas, esgoto domstico, efluentes industriais, e da atmosfera (queima de
combustveis fsseis, queimadas e poeiras). Afeta os sistemas aquticos
continentais e a jusante (incluindo esturios) em todo o mundo. O aumento estimado
pelo uso de fertilizantes na produo de alimentos e resduos lquidos nas prximas
trs dcadas sugere que haver um aumento global de 10% a 20% de nitrognio
nos rios desaguando nos ecossistemas costeiros, mantendo a tendncia de
aumento de 29% observada entre 1970 a 1995 (ARTHURTON et. al., 2007).
A poluio por nutrientes originada das estaes de tratamento de resduos,
agricultura e fontes difusas urbanas persiste como problema global e com vrios
impactos na sade humana. Nos ltimos 20 anos, a florao de algas danosas
sade, em parte devida a sobrecarga de nutrientes, tem aumentado nos sistemas de
gua doce e costeiros (ARTHURTON et. al., 2007). As toxinas das algas so
concentradas por bivalves filtradores, peixes e outros organismos marinhos e podem
causar envenenamento (paralisia) nos peixes e mariscos. Nos humanos as toxinas
das cianobactrias (cianotoxinas) causam intoxicao aguda, irritao cutnea e
gastrintestinal, efeitos neurotxicos, hepatotxicos e imunotxicos (KUJBIDA, et. al.,
2008). O aquecimento global pode estar agravando este problema, tendo em vista a
vantagem competitiva das cianobactrias sobre as algas verdes nas altas
temperaturas (ARTHURTON et. al., 2007).
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A matria orgnica proveniente da florao de algas e descargas diretas das
plantas de tratamento de esgoto e indstrias de processamento de alimentos nos
corpos de gua decomposta por micro-organismos que consomem oxignio. Esta
poluio medida como demanda biolgica de oxignio (DBO). Altos nveis de DBO
esgotam o oxignio que compromete a sobrevivncia dos peixes e outras espcies
aquticas (ARTHURTON et. al., 2007).
Entre os principais contaminantes das guas subterrneas encontramos os
compostos aromticos ou BTEX, presentes na gasolina, so depressores do sistema
nervoso central, apresentando toxicidade crnica, mesmo em pequenas
concentraes. O benzeno reconhecidamente o mais txico de todos os BTEX,
trata-se de uma substncia comprovadamente carcinognica (podendo causar
leucemia, ou seja, cncer nas clulas do sangue), mesmo em baixas concentraes
durante perodos no muito longos de tempo. Uma exposio aguda (altas
concentraes em curtos perodos) por inalao ou ingesto pode causar desde
euforia at convulses, coma e morte (ATSDR, 2007b).
Em contato com a gua, os compostos BTEX se dissolvero parcialmente,
sendo os primeiros contaminantes a atingir o lenol fretico. Para a biodegradao
dos hidrocarbonetos essencial uma reao redox, em que o hidrocarboneto
oxidado (doador de eltron) e um aceptor de eltron reduzido. Existem diferentes
compostos que podem agir como aceptores de eltron, entre eles o oxignio (O2), o
nitrato (NO3-), os xidos de Fe(III), o sulfato (SO4=), entre outros. O oxignio o
aceptor preferencial, pois os micro-organismos ganham mais energia nas reaes
aerbicas. Dentre os aceptores de eltron das reaes anaerbicas, o nitrato um
dos ons mais encontrados em guas naturais, ocorrendo geralmente em baixos
teores nas guas superficiais, mas podendo atingir altas concentraes em guas
subterrneas (BORDEN et al., 1995).
O nitrato, cada vez mais encontrado em gua subterrnea, outro composto
importante para a sade humana. Este on geralmente ocorre em baixos teores nas
guas superficiais, mas pode atingir altas concentraes em guas profundas. A
ingesto de nitrato por meio das guas de abastecimento est associada a dois
efeitos adversos sade: a induo metemoglobinemia, especialmente em
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crianas, e a formao potencial de nitrosaminas e nitrosamidas carcinognicas
(BOUCHARD et. al., 1992, apud FREITAS, 2001; SMITH, 1996). O desenvolvimento
da metemoglobinemia causada pelo nitrato presente nas guas potveis depende da
sua converso bacteriana a nitrito durante a digesto que ocorre no trato
gastrintestinal. As crianas, principalmente as menores de trs meses de idade, so
bastante suscetveis ao desenvolvimento dessa doena por causa das condies
mais alcalinas do seu sistema gastrintestinal, fato tambm observado em pessoas
adultas que apresentam gastrenterites, anemia, pores do estmago
cirurgicamente removidas e mulheres grvidas (BOUCHARD et. al., 992, apud
FREITAS, 2001; LEPERA, 2008).
Os poluentes orgnicos persistentes (POPs) so compostos qumicos
sintticos que tem amplo leque de impactos nos humanos e no ambiente. Entre
esses compostos temos alguns agrotxicos, que podem contaminar a gua de
consumo a partir de seu manuseio na agricultura (j abordados na leitura
complementar Contaminantes Qumicos). Existe preocupao tambm, com os
produtos de higiene pessoal e medicamentos, principalmente resduos de hormnios
(plula), analgsicos e antibiticos. Embora alguns sejam desreguladores
endcrinos, existe pouca informao sobre os efeitos em longo prazo na sade
humana e nos ecossistemas (ARTHURTON et. al., 2007).
Alguns metais pesados na gua e em sedimentos se acumulam nos tecidos
humanos e outros organismos (alguns j abordados no tpico sobre solo). O
arsnico, mercrio e chumbo consumidos por seres humanos na gua, peixes, e
alimentos vegetais esto associados a um aumento de doenas crnicas. Embora
ocorrendo em algumas cidades do interior, como o Alto Amazonas, a poluio por
petrleo continua a ser, principalmente, um problema no mar, com grandes impactos
sobre as aves e outras espcies marinhas, e na paisagem. Da carga total de
petrleo derramado nos oceanos: 3% so acidentes em plataformas e 13% durante
o transporte (ARTHURTON et. al., 2007).
Em suma, gua de m qualidade aumenta a ocorrncia de doenas de
veiculao hdrica, a contaminao de peixes e mariscos, contaminao dgua com
nitratos, doenas neurolgicas e gastrintestinais decorrente das cianotoxinas,
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contaminao da produo pecuria, infeces e agravos agudos e crnicos. A
estes impactos esto associados a diminuio da produo pecuria, alimentos para
humanos, o valor comercial do pescado e pesca.
No Brasil, a qualidade da gua para consumo humano regulamentada pela
Portaria No 2.914 de 11 dezembro de 2011 do Ministrio da Sade, que estabelece
que toda gua destinada ao consumo humano, distribuda coletivamente por meio
de sistema ou soluo alternativa coletiva, soluo alternativa individual de
abastecimento de gua - independentemente da forma de acesso da populao -,
deve ser objeto de controle e vigilncia da qualidade da gua. Para tanto, dispe
sobre os procedimentos necessrios e seu padro de potabilidade. A gua potvel
deve estar em conformidade com seguintes padres: microbiolgico, substncias
qumicas (inorgnicos, orgnicos, agrotxicos, desinfetantes e produtos secundrios
da desinfeco), cianotoxinas, radioatividade e organoltico.
5. CONCLUSO
O desenvolvimento econmico e a urbanizao tiveram importncia crucial na
elevao do padro de vida da populao colaborando, por exemplo, para um
aumento marcante na expectativa de vida. Porm, atualmente este quadro vem se
revertendo com a deteriorao do meio ambiente urbano, o aumento da pobreza, a
introduo de novas ameaas sade e o ressurgimento (ou recrudescimento) de
males antigos considerados sob controle (Barreto, 1998; Waldman et al., 1995).
Desse modo, a sociedade em geral, sobretudo as populaes mais carentes,
vem enfrentando o convvio dirio com as aflies tpicas de pases desenvolvidos:
problemas psicossociais (drogas, crime, doena mental, alcoolismo etc.), alta
incidncia de doenas crnico degenerativas, alm dos problemas decorrentes da
saturao do meio ambiente para absorver o impacto de transformaes
tecnolgicas, como o aumento da poluio qumica, fsica e biolgica da gua, ar e
solo, decorrente da industrializao, transporte e produo de energia. Mas ao
mesmo tempo ainda no conseguiu se livrar por completo de inmeros males
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Disciplina II Sade e Ambiente Unidade 4 Sade humana e processos de contaminao ambiental
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caractersticos de pases pobres como as doenas infectocontagiosas e aquelas
decorrentes da proviso insuficiente de servios.
A poluio, ao mesmo tempo sinnimo de desenvolvimento industrial e
poderio econmico, hoje est cada vez mais associada com a pobreza e o
subdesenvolvimento. Enquanto os benefcios das inovaes tecnolgicas ficam
delimitados a uma parcela da populao que a eles tm acesso, a maior parte dos
efeitos negativos gerados por esta inovao dividida por todos, sendo que muitas
vezes a parcela maior desses efeitos negativos termina ficando com os mais pobres,
ou politicamente mais fracos.
No Brasil, o resultado desse modelo de desenvolvimento so as crescentes
disparidades intra-regionais e intra-urbanas, com desigualdades cada vez maiores
entre pobres e ricos na relao com o meio ambiente menos poludo e no acesso a
esse mesmo meio.
importante frisar que a condio socioeconmica que determina na
maioria das vezes a qualidade e a quantidade da exposio ambiental, uma vez que
grande parte da populao vivencia ou experimenta o meio ambiente na condio da
pobreza. Ou seja, fatores econmicos e sociais so importantes determinantes da
sade devido a sua influncia direta no meio ambiente.
As inter-relaes, a complexidade e o aspecto multicausal dos problemas de
sade relacionados poluio ambiental requerem estratgias inovadoras, tanto
para identificao quanto para a reduo da exposio a fatores de risco tpicos do
meio ambiente urbano. Assim, a combinao de riscos socioeconmicos e
ambientais elevados experimentados por esses grupos pressupem abordagens que
tenham nfase na equidade.
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6. Resumo
Sade e meio ambiente sempre estiveram intimamente relacionados, embora a
influncia do meio ambiente no processo sade-doena no tenha sido valorizada
em muitos momentos da histria. O crescimento populacional, a industrializao, os
avanos tecnolgicos, em conjunto com o processo de urbanizao, por um lado
agravaram os tradicionais riscos ambientais, mais relacionados pobreza, como a
insuficincia dos servios bsicos de saneamento, coleta e destinao adequada do
lixo, e por outro introduziram novos riscos sade, aqueles resultantes da produo
e eliminao de uma variedade de poluentes no meio ambiente que contaminam o
ar, o solo e as guas. Assim, observa-se que os atuais nveis de poluio
atmosfrica das cidades brasileiras causam impactos variados sade da
populao.
A queima de biomassa e de combustveis fsseis para gerao de energia, em
veculos automotores, em processos industriais, para aquecimento domstico, nas
queimadas agrcolas e no descarte de resduos slidos por incinerao so
geralmente as principais fontes de emisses de poluio do ar para a atmosfera. Os
efeitos adversos incluem problemas respiratrio e cardiovasculares, variando desde
sintomas sutis e inespecficos, ao aumento nas consultas mdicas e nas admisses
hospitalares, at finalmente a morte. O aumento da populao, o crescimento
econmico, a demanda por maior produtividade, e os elevados padres de consumo
vem levando a mudanas no uso do solo, com consequente degradao por
contaminao e poluio, eroso e depleo de seus nutrientes. Os riscos sade
associados ao solo contaminado ocorrem pela exposio ocupacional, quando o
trabalhador realiza suas atividades na rea contaminada; exposio da populao
geral, quando h propagao da contaminao para o entorno; e reutilizao da
rea contaminada para nova finalidade, quando o novo usurio no tem
conhecimento dessa contaminao. As principais fontes de contaminao das guas
subterrneas incluem as atividades de minerao e o escoamento das reas
agrcolas contendo fertilizantes e agrotxicos nas reas rurais, os esgotos
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domsticos e industriais e os vazamentos em dutos e tanques de armazenamento
subterrneo de combustvel nas reas urbanas.
Estima-se que em torno de 1,8 milho de crianas menores de cinco anos morre
a cada ano por doenas relacionadas gua. Portanto, de grande importncia que
o profissional da sade tenha conhecimento das relaes entre sade e meio
ambiente, buscando investigar, sempre que pertinente, a presena de exposio a
fatores ambientais na populao. A Sade Ambiental compreende os aspectos da
sade humana, incluindo a qualidade de vida, que so determinados pelos fatores
ambientais fsicos, qumicos, biolgicos, sociais e psicossociaisque podem afetar de forma adversa a sade da presente e futuras geraes. Ela engloba a avaliao,
correo, controle e preveno desses fatores. No Brasil, o Ministrio da Sade vem
propondo e desenvolvendo polticas e aes relativas identificao, avaliao e
gesto dos riscos ambientais relacionados ao ar, gua e solo, com o
desenvolvimento de aes para a compreenso e melhoria das condies de sade
ambiental.
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7. BIBLIOGRAFIA Abercrombie GF. December fog in London and the Emergency Bed Service. Lancet
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Acesso em: 06/07/2012
Agncia Nacional de guas (ANA),