apostila literatura - leituras obrigatórias

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UMA SENHORA – MACHADO DE ASSIS No conto Uma Senhora, o autor, Machado de Assis, conta as dificuldades de uma jovem mulher, dona Camila, de aceitar a velhice, mostrando as artimanhas que faz, de maneira inconsciente, para evitar que a filha case, vendo só defeitos nos pretendentes. Até que, por fim, sem outro remédio, verga-se às imposições da vida, assumindo-se como avó enlevada. Vale notar que D. Camila procurou atrasar ao máximo o amadurecimento da filha, tratando-a como criança e vestindo-a como menina até o momento em que não lhe foi mais possível. No conto Uma Senhora, Machado de Assis espicaça os românticos e seus clichês quando descreve dona Camila: (...) os braços, que eu não digo que eram os da Vênus de Milo, para evitar uma vulgaridade. Machado de Assis, neste conto põe de manifesto os tormentos de envelhecer para a alma de uma mulher vaidosa, D. Camila. A protagonista, D. Camila, é casada e tem uma filha chamada Ernestina, esta apesar de já crescida tem a infância prolongada devido à vaidade de sua mãe que tinha verdadeiro pavor de envelhecer. Como não se pode deter o tempo, o que sucede é o curso natural da vida, onde Ernestina começa a arrumar pretendentes e a mãe muito "zelosa" põe defeito, em muitos, com a desculpa de querer um casamento como o dela. Certo dia D. Camila descobre o primeiro fio de cabelo branco e muito frustrada o arranca; assim outros fios brancos surgem sendo que o terceiro coincide com mais um pretendente da filha. Depois de muito relutar acaba aceitando o genro, embora a contra gosto. Ernestina então casa-se, e com isso vem o primeiro neto pouco tempo depois; mãe antes preocupada com a filha, agora se ocupa do bebê. Já na condição de avó começa a fazer passeios, acompanhada de uma preta, onde leva o pequeno e demonstra excessivos cuidados deixando transparecer que seria a mãe e não a avó do mesmo. O conto Uma senhora foi publicado no livro Histórias sem Data em 1884, é narrado em 3ª pessoa, com um narrador onisciente, e tem o tempo cronológico representado através da existência humana considerada no curso dos anos. Já em relação ao espaço este aparece de forma sutil, e embora o contista não lhe de muita importância pôde se perceber que a personagem vive em contexto social onde participava de festas e também as dava. O ambiente doméstico, embora tradicional é regado por paixão, inveja e temores. O titulo é um problema lingüístico na narrativa, pois traz uma possível indagação de qual "senhora" o narrador estaria falando, já que, este substantivo sugere uma mulher de idade mais avançada e madura; e embora a mãe tivesse mais idade, a filha, todavia, é quem tinha trejeitos para tal. Machado, com muita delicadeza, deixa a dúvida no ar.

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UMA SENHORA – MACHADO DE ASSIS

No conto Uma Senhora, o autor, Machado de Assis, conta as dificuldades de uma jovem mulher, dona Camila, de aceitar a velhice, mostrando as artimanhas que faz, de maneira inconsciente, para evitar que a filha case, vendo só defeitos nos pretendentes. Até que, por fim, sem outro remédio, verga-se às imposições da vida, assumindo-se como avó enlevada.

Vale notar que D. Camila procurou atrasar ao máximo o amadurecimento da filha, tratando-a como criança e vestindo-a como menina até o momento em que não lhe foi mais possível.

No conto Uma Senhora, Machado de Assis espicaça os românticos e seus clichês quando descreve dona Camila: (...) os braços, que eu não digo que eram os da Vênus de Milo, para evitar uma vulgaridade.

Machado de Assis, neste conto põe de manifesto os tormentos de envelhecer para a alma de uma mulher vaidosa, D. Camila.

A protagonista, D. Camila, é casada e tem uma filha chamada Ernestina, esta apesar de já crescida tem a infância prolongada devido à vaidade de sua mãe que tinha verdadeiro pavor de envelhecer. Como não se pode deter o tempo, o que sucede é o curso natural da vida, onde Ernestina começa a arrumar pretendentes e a mãe muito "zelosa" põe defeito, em muitos, com a desculpa de querer um casamento como o dela. Certo dia D. Camila descobre o primeiro fio de cabelo branco e muito frustrada o arranca; assim outros fios brancos surgem sendo que o terceiro coincide com mais um pretendente da filha.

Depois de muito relutar acaba aceitando o genro, embora a contra gosto. Ernestina então casa-se, e com isso vem o primeiro neto pouco tempo depois; mãe antes preocupada com a filha, agora se ocupa do bebê. Já na condição de avó começa a fazer passeios, acompanhada de uma preta, onde leva o pequeno e demonstra excessivos cuidados deixando transparecer que seria a mãe e não a avó do mesmo.

O conto Uma senhora foi publicado no livro Histórias sem Data em 1884, é narrado em 3ª pessoa, com um narrador onisciente, e tem o tempo cronológico representado através da existência humana considerada no curso dos anos. Já em relação ao espaço este aparece de forma sutil, e embora o contista não lhe de muita importância pôde se perceber que a personagem vive em contexto social onde participava de festas e também as dava. O ambiente doméstico, embora tradicional é regado por paixão, inveja e temores.

O titulo é um problema lingüístico na narrativa, pois traz uma possível indagação de qual "senhora" o narrador estaria falando, já que, este substantivo sugere uma mulher de idade mais avançada e madura; e embora a mãe tivesse mais idade, a filha, todavia, é quem tinha trejeitos para tal. Machado, com muita delicadeza, deixa a dúvida no ar.

A análise dos nomes também é de suam importância, já que, de algum modo representa as personagens, vejamos em Camila temos : " ...associa a uma jovem e linda [...] indica uma pessoa que é competente porque executa suas tarefas com amor..." Poderíamos aqui questionar o nome da personagem, pois sabíamos que ela era linda e amava sua família, mas ao vermos o nome da filha Ernestina, que seria a antagonista, temos : " aquele que combate". Através dessa comparação pode-se perceber que os nomes poderiam estar trocados, pois a "combatente" seria D. Camila, que além de lutar contra o tempo, também existe o embate com a juventude da filha, e mesmo a jovem com toda frescor e beleza dos anos, ainda assim, a beleza da mãe a superava.

A narrativa que apresenta D. Camila aos 29 anos e a filha Ernestina aos 15, trata das questões do tempo em vários parágrafos, como no terceiro onde encontramos: "... trepando no alazão do tempo, foi alogar-se na casa dos trintas...”. Sempre parecendo mais nova dos 30 aos 40 anos, D Camila vê-se desesperada aos 42, diante do cabelo branco que torna-se um vilão na narrativa, já que afirma as mudanças físicas decorrida com o tempo; por isso, a beleza e juventude da filha faz surgir, nessa mãe, o sentimento de inveja, agora de forma assumida.

Machado com toda sua sutileza e ironia critica alguns aspectos referentes ao universo feminino que vive da opinião de outrem; além do amor materno em via contrária dos interesses pessoais da mulher. O desejo não admitido, de não envelhecer, que por

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meios astuciosos, levam a personagem a efetuar comportamentos no sentido de sua satisfação caracteriza o tempo psicológico. A vaidade torna-se uma paixão escondida ou ainda inconsciente.

Algumas características, muito peculiares, da obra de Machado de Assis podem ser verificadas no conto como a questão da perfeição, onde temos a busca, incansável, de D. Camila por beleza, de maneira que está passa a representá-la; tem-se ainda a transformação do homem no objeto do homem, pelo fato da mãe manipular e usar a filha visando seus interesses; e finalmente o bem x mal onde poderá comentar as teorias de Platão, onde a idéia do belo sempre foi inseparável da idéia do bem, o que confere um caráter positivo ao conceito de beleza. Daí a comparação feita a D. Camila a Vênus de Milo, pois a estátua procura traduzir esse conceito e trazer a noção de imortalidade, também à ambição de nossa protagonista. Já o mal aqui seria o implacável tempo ligado à idéia do envelhecimento, que para D. Camila era a perturbação.

A vaidade transcende o tempoAs madonas do renascimento, ou a própria Vênus de Milo citada no conto que tem

os braços comparados aos da protagonista, é um exemplo de beleza feminina. A Vênus representa a deusa do amor e da beleza física, Afrodite, é uma escultura em mármore curiosamente teve os braços perdidos, e nunca encontrados, hoje podemos encontrá-la no Museu do Louvre na França, sem os braços. Na mitologia temos várias representantes da juventude e da beleza feminina

A própria deusa Hebe citada no conto também tem muito em comum com D. Camila. A Deusa Hebe filha de Hera e Zeus representa a juventude, deusa das noivas jovens que foi oferecida pela sua mãe a Hércules em casamento depois de este ter conseguido ultrapassar todos os obstáculos que Hera pusera no caminho para ele crescer. Assim como a Hebe, D. Camila cuidava de sua filha zelosamente. D Camila tenta manipular as pessoas em função de sua idade. No ponto de impedir sua própria filha de seguir o seu caminho.

Elementos narrativos no Conto Uma Senhora de machado de AssisPersonagens: -- Principal: Dona Camila

-- Secundários: - Ernestina (a filha)- O marido de Camila- Ribeiro (primeiro pretendente da filha)- Segundo e o terceiro pretendente- o neto- Uma escrava

Tempo: CronológicoEnredo: LinearFoco narrativo: 3ª pessoaNarrador: Onisciente e OnipresenteEspaço: -- Físico: Rio de Janeiro

-- Social: Valores temporais, afetivos, morais, familiares e sociais.Tipificação: -- Conto de investigação psicológicaTemática: -- O tempo não para!

-- O envelhecer de uma mulher.

DONA PAULA – MACHADO DE ASSIS

O conto D. Paula, de Machado de Assis, escrito em 1884, foi publicado na obra Várias Histórias e percebe-se neste relato um tema que já fora desenvolvido em O Enfermeiro e outros contos: a desconexão entre o externo e o interno, pois se dizia e pregava o moralismo, no seu íntimo desejava, ou pelo menos se deliciava com algo imoral.

Em D. Paula, Machado descreve o ambiente propício às abordagens amorosas “... o corredor, os pares que saíam as luzes, a multidão, o rumor das vozes...”

Na obra em análise, o narrador faz uma focalização externa de Venancinha, com a intenção de mostrar ao leitor que algo estava acontecendo: “a sobrinha enxugava os olhos cansados de chorar”, mas não revela o porquê de tantas lágrimas da moça, fazendo assim

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uma paralipse que representa um recurso retórico em que a narrativa não salta, como na elipse, por cima de um momento, passa ao lado de um lado.

Dessa forma a paralipse causa um breve enigma, pois não revela o motivo de tantas lágrimas derramadas pela sobrinha quando D. Paula a encontra. Nesse instante o enunciador volta-se para o leitor instigando-o a desvendar o que realmente teria acontecido, “quando Venancinha atirou-lhe aos braços, as lágrimas vieram-lhe de novo”. Mas em seguida, o leitor recebe a informação de que quando a senhora envolveu a moça em um jogo de gestos carinhosos e de palavras doces e confortáveis, Venancinha confiou à tia tudo o que havia acontecido. Trata-se de uma briga que a moça teve com o marido porque este achava que ela cometera adultério.

Esta crença do marido é revelada sumariamente:Desde muito que o marido embirrava com um sujeito; mas na véspera à noite, em

casa do C..., vendo-a dançar com ele duas vezes e conversar alguns minutos, concluiu que eram namorados.

O sumário aumenta a velocidade discursiva, distanciando o leitor dos fatos, pois não se sabe até então se era “birra” do marido ou algo semelhante.

D. Paula, agora envolvida na situação em que o casal encontrava-se, decide ajudá-los. A princípio ela vai ao escritório de Conrado para conversar e ver se há possibilidades, entre o casal, de reconstituir a paz conjugal. Quando a senhora está de partida, a sobrinha acrescenta-lhe que: “apesar de tudo” adorava-o, gerando aí uma ambiguidade, permitindo ao leitor pensar que ela realmente traiu o marido ou estava dissimulando para se mostrar arrependida de tal situação, diante da tia. Neste momento, o narrador instiga o enunciatário a refletir se realmente houve ou não adultério, criando assim uma postura depreciativa sobre a moça em relação ao seu caráter. Esta passagem pode ser identificada quando a jovem jura que “apesar de tudo, adorava o Conrado”.

Na verdade o que se nota é que o discurso toma um rumo, quando na verdade seu foco é outro. Ou seja, o sujeito da enunciação também é um dissimulador, pois focaliza o adultério de Venancinha sendo que a trama está em volta da figura de D. Paula. Porém, isso está latente na narrativa.

D. Paula segue o seu destino a caminho do escritório do rapaz, para que possa tentar promover a paz entre a moça e Conrado, “não digo desconfiada, mas curiosa”, esta focalização interna não é tão reveladora assim, pois a tia, a partir de então, passa a possuir dúvidas a respeito da traição da sobrinha e fica instigada em saber se houve, ou não o adultério.

Quando a senhora chegou ao escritório não precisou explicar o motivo de sua visita, porque o sobrinho adivinhara tudo e em seguida “confessou que fora excessivo em algumas cousas”. Por intermédio do narrador o leitor descobre que Conrado tinha certeza de que sua mulher o traía devido a pessoa de quem se tratava. Sendo assim, pode-se observar que o moço tinha certo conhecimento do caso, para afirmar com tanta firmeza sobre a situação. Ou ainda, pode ser que ele conhecesse o caráter do sujeito; levando em consideração também a leviandade de sua esposa, e chegou a esta conclusão de que eram namorados.

Após uns minutos de conversa, a senhora propõe ao moço que a jovem passasse alguns dias com ela, em sua casa, para a recuperação de caráter. E ainda deu-lhe conselhos de brandura e prudência e também o alertou de que esse homem não merecia todo esse cuidado que estavam tomando.

Percebe-se então que nesta circunstância a senhora não tinha o conhecimento de quem se tratava, pois até neste ponto o enunciador não estava completamente voltado para D. Paula, e sim para Venancinha. Ou seja, o narrador prende a atenção do enunciatário que está concentrado na situação em que a moça se encontra, mas isso é até o momento em que a tia descobre de quem se tratava, pois, a partir daí o sujeito da enunciação volta-se para a senhora.

Na continuidade da narrativa o narrador conta que na hora da despedida, de D. Paula com Conrado, o nome do rapaz envolvido na separação temporária entre o casal, é pronunciado e de imediato “D. Paula empalideceu”. Diante desta reação mostrada através de uma focalização externa o leitor prossegue com um mistério em mãos. Afinal por que D.

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Paula ficou pálida? Que valor tem o nome do rapaz na vida dela? Neste momento do enunciado começa o enigma em torno da personagem.

Para reafirmar o grande significado que este nome representa para a senhora, o sujeito da enunciação associa o modo pelo qual ela retira-se do local, usando uma focalização externa: “com a mão trêmula e um pouco de alvoroço na fisionomia”. Em relação a este tipo focalização, pode-se dizer que ela é geradora de significados para o leitor, pois a personagem age na frente do enunciatário sem que ele tenha o conhecimento dos seus sentimentos ou pensamentos.

Na sequência do conto o narrador utiliza outra paralipse, mas desta vez omitindo os sentimentos da tia quanto ao Vasco Maria Portela, sendo este o nome revelado na despedida. Com isso gera outro enigma na diegese, só que agora em relação à senhora.

Então D. Paula após o choque que tomara, foi encontrar-se com a sobrinha para notificar-lhe a sentença final, a moça por sua vez aceitara tudo. Após este fato o narrador utiliza a elipse para omitir o que acontece nos dois dias que antecede a ida de Venancinha para a casa da tia. Finalmente a jovem segue para a casa da senhora, que com ajuda desta, tem a intenção de modificar-se e reconciliar-se com o marido.

Quando a tia e a sobrinha estão a caminho da casa, o enunciador usa outra estratégia para que o leitor possa imaginar o que teria acontecido nos dias anteriores.

Através do discurso modalizante da ordem do crer na expressão “pode ser também que algumas saudades”, o narrador sabe o que realmente se passa na cabeça da moça, mas não afirma e ainda não identifica de quem são estas possíveis saudades sentidas, se pelo marido ou pelo amante.

Na proporção em que o nome do Vasco foi revelado, D. Paula não teve sossego em seus pensamentos, pois a partir daí começou a escutar espécies de ecos, que a conduziam a seu passado, às suas aventuras do tempo de moça. Entende-se nesse momento, que a senhora também foi leviana, assim como a sobrinha é no presente; e que agora a tia é: “uma pessoa austera e pia, cheia de prestígio e consideração”. Com isso D. Paula deparava-se com as lembranças do passado identificando-se com Venancinha na situação em que está vivendo.

Na seqüência dos fatos o narrador revela ao leitor o que de fato aconteceu com D. Paula e Vasco Maria Portela, que consiste em uma aventura com sucessões de horas doces e amargas, de delícias, de lágrimas, de cóleras, de arroubos, e que foram momentos vividos intensamente. Com a intenção de anunciar que foi apenas uma aventura, o sujeito da enunciação nos fornece, em seguida, a informação do fim do relacionamento entre a tia e Vasco, e revela também que a senhora mantinha este caso “à sombra do casamento, durante alguns anos”. Aqui no tempo da enunciação o narrador sugere que no passado, no tempo da diegese, a personagem, D. Paula, não era uma figura prestigiada devido à postura que apresentava, mas que no tempo presente constitui-se de um caráter sério, digno de considerações.

Desta forma o enunciador caracteriza duas personalidades distintas referentes à senhora, sendo uma de quando era jovem e apresentava atos de leviandade; e a outra, a de agora que adquiriu experiências da vida e compõe-se de uma postura séria. Considerando este aspecto podemos chegar a conclusão de que a tia na sua juventude, mantinha uma postura não recomendável em que descaracterizava os “bons costumes” da época e consequentemente, colocava em risco sua reputação. Por outro lado nota-se o oposto, porque D. Paula atribuiu outro caráter, em relação ao que tinha, fazendo assim com que o leitor tenha uma visão apreciativa sobre ela, no presente, com isso o enunciatário passa a depositar mais confiança na senhora em relação a recuperação de caráter de Venancinha.

Na proporção em que a sobrinha relatava os fatos para a tia, esta voltava, em seus pensamentos, para o tempo passado relembrando, ou até mesmo revivendo, as suas aventuras. Diante deste processo pode-se afirmar que a moça é quem levou a senhora a recuar-se para as emoções ocorridas.

Durante uma conversa com a sobrinha, a tia percebe a dissimulação da jovem quando lhe responde uma pergunta que diz respeito às saudades da Tijuca, e a moça para dar mais intensidade à resposta faz gestos que D. Paula acompanhou, observando cada

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detalhe com seus olhos sagazes. Os mesmos que se mostram na conversa com Conrado, reafirmando, portanto, que ela está sempre atenta ao que acontece ao seu redor.

Diante da dissimulação de Venancinha, a senhora chega a concluir que: ”eles amam-se”. Esta descoberta fez com que avivasse ainda mais suas lembranças. Apesar de lutar contra esses pensamentos, nada adiantou, pois o passado voltara de manso ou de assalto. Desta maneira o narrador faz uma analepse sumarizada, registrando alguns momentos vividos pela tia:

D. Paula tornou aos seus bailes de outro tempo, às suas eternas valsas que faziam pasmar a toda a gente, às mazurcas, que ela metia à cara da sobrinha como sendo a mais graciosa cousa do mundo, e aos teatros, e às cartas, e vagamente, aos beijos.

Desde que a tia retornou ao tempo passado não pôde mais concentrar-se totalmente em sua missão para atingir seu objetivo, isso porque ficava dividida entre o presente e o passado. Contudo:

D. Paula mostrava à sobrinha a superioridade do marido, as suas virtudes e assim também as paixões, que podiam dar um mau desfecho ao casamento, pior que trágico, o repúdio.

Na continuidade do discurso o narrador utiliza uma elipse que é caracterizada como “um segmento nulo de narrativa que corresponde a uma qualquer duração da história.”. “Nove dias depois”, Conrado fez a sua primeira visita à sua esposa e à tia. Durante essa visita ele manteve a mesma conduta de quando chegou até a sua saída; caracterizando-se em uma postura fria. Esse procedimento do marido resume-se em uma dissimulação para atingir os sentimentos de Venancinha, e assim aconteceu, pois ela ficou sem reação ao vê-lo daquele jeito, que até temeu a perda do marido e a partir daí tornou o seu principal motivo de sua transformação, ou seja, quando viu o marido naquele estado, decidiu lutar pelo seu casamento.

Após dois dias do ocorrido, a jovem e a senhora vão para um passeio, como de costume, e viram em suas direções, um cavaleiro, em que Venancinha após fixar seus olhos nele, escondeu-se atrás de um muro enquanto D. Paula manteve-se em seu lugar observando-o. Com a reação da mocinha a tia pôde perceber de quem se tratava e que este relacionamento chegou a um grau perigoso, porque a reputação de sua sobrinha estava em risco.

Na mesma noite em que a jovem avistou o rapaz, a senhora com toda a sua experiência manipulou a sobrinha para lhe contar tudo o que aconteceu. O sujeito da enunciação faz neste instante um sumário caracterizando a história da moça, acelerando o tempo do discurso.

O sumário em questão mostra ao leitor o quanto a jovem se encantou com o sujeito, a ponto de comentar dele para o marido que ao escutar “franziu o sobrolho” e que “foi este gesto que lhe deu uma idéia que até então não tinha”. Ou seja, a mulher falou com tanta graça sobre o rapaz, que despertou em Conrado uma certa desconfiança que antes não tinha.

Ainda na residência da tia, Venancinha continuava a revelar à D. Paula os fatos e a senhora escutava-os prestando atenção em cada detalhe pronunciado, fazendo assim com que voltasse a seu espírito jovem, criando, no entanto, mais confiança à moça. Nestas circunstâncias a sobrinha “achou ali uma confidente e amiga”. Na verdade o não julgamento pela tia era mais um ato egoísta do que humano, pois ela encontrou naquele momento em seu passado, mesmo que por alguns instantes. Para melhor exemplificar esta passagem o narrador compara à senhora “a um general inválido, que forceja por achar um pouco do antigo ardor na audiência de outras campanhas”. É como se a senhora tentasse perdoar ela mesma.

Ao longo da confissão Venancinha contou à tia que gostou do rapaz, mas agora estava arrependida e assim foi contando-lhe mais coisas. Na medida em que a sobrinha revelava os acontecimentos, D. Paula deliciava-se com as confissões retornando ao seu passado, e no final do discurso da jovem a senhora conclui que esta situação não passava de um prólogo (começo), interessante e violento. Enfim, a tia consegue colocar na cabeça da sobrinha a idéia do erro que quase cometera. Mas para a senhora esta história ainda se passava em sua mente fazendo-a viajar no tempo, isso pode ser notado quando ela “gastou vinte minutos, ou pouco menos, em beber uma xícara de chá e roer um biscoito”.

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Em seguida o narrador faz uma alegoria que se refere exatamente ao que se passou com D. Paula: “esta é a particularidade das folhas, as gerações que passam contam às que chegam as cousas que viram”, que neste caso a senhora viveu a mesma situação em que a sobrinha vive atualmente. Porém D. Paula prefere dissimular ao invés de revelar à sobrinha que passou por experiência similar.

Voltando ao início do conto nota-se uma frase interessante: “Não era possível chegar mais a ponto”, que se repete no decorrer da história. No entanto com esta expressão pode-se observar que Venancinha e D. Paula encontram-se em um ponto em comum. Ou seja, ambas as personagens têm uma história semelhante, a diferença é apenas temporal, uma aconteceu no passado e a outra ocorre no presente.

Partindo da análise do conto referido, verifica-se que o adultério cometido pela personagem que protagoniza o conto foi mais extenso do que da moça, pois este foi apenas um começo e com a ajuda da senhora não foi prolongado.

Contudo, nota-se que apesar de D. Paula ter solucionado o caso de Venancinha, fica para ela a incômoda, inquietante e impossível de ser “resolvida” lembrança do passado.

Tendo em vista nosso interesse em compreender a construção ambígua da personagem D. Paula, percebemos no conto analisado que a perspectiva que prevalece para gerar efeito ambivalente ao comportamento da personagem, que nomeia o conto, é a focalização externa, permitindo assim a visualização do aspecto físico em que se encontra a personagem analisada, o que consequentemente, contribuiu para o estudo do seu comportamento.

Neste texto também foram usados os recursos anisocrônicos, como os sumários e as elipses, com a finalidade de economizar tempo e espaço, simplificando os fatos da diegese. A presença das anacronias e modalidades básicas acrescentam-se também no decorrer do conto em quantidade mínima.

Em relação aos estudos realizados em D. Paula, podemos encontrar uma chave de interpretação para o clássico Dom Casmurro e uma preocupação central da obra de Machado de Assis. Ora, se inicialmente (como em Dom Casmurro) pensamos ser a questão central do conto um dado de enredo (o adultério), logo percebemos o interesse real do escritor que se caracteriza-se em deslocar a atenção do leitor para o efeito que este dado provoca na vida interior da personagem. Ou seja, Machado de Assis direciona o conto, e paralelamente ao que acontece, há sempre o que parece estar acontecendo.

Elementos narrativos no conto Dona Paula de Machado de AssisPersonagens: -- Principais: Dona Paula

-- Secundários: -- Venancinha-- Conrado-- Vasco Maria Portela-- O filho de Vasco Maria Portela-- As escravas

Tempo: -- CronológicoEnredo: - LinearFoco Narrativo: -- 3ª pessoaNarrador: Onisciente e OnipresenteEspaço: -- Físico: Rio de Janeiro (Tijuca)

-- Social: Valores conjugais, afetivos, morais, memorialistas, passionais e sociais.

Tipificação: -- As lembranças de D. Paula-- A possibilidade de adultério

CARACTERÍSITCAS REALISTAS NOS TRÊS CONTOS DE MACHADO DE ASSIS AÇÕES SECUNDÁRIAS – IMPORTÂNCIA NOS PERSONAGENS BUSCA PELO MUNDO INTERIOR DOS PERSONAGENS PARA

DESVENDAR-LHES OS TRAUMAS DA EXISTÊNCIA VISÃO PSICOLÓGICA DA VIDA DRAMA DE ORIGEM MORAL E SOCIAL ANTI-IDEALIZAÇÃO DOS PERSONAGENS

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CRÍTICA AOS PADRÕES DE VIDA BURGUESA FINAL REALISTA