apostila de raciocínio clínico para o estudante de medicina - fernando zanette

Upload: fernando-netto-zanette

Post on 06-Jul-2018

236 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    1/131

    4ª EDIÇÃO

    RACIOCÍNIO CLÍNICO APLICADO PARA

    O ESTUDANTE DE MEDICINA 

    POTTER - MAGIKARP

    Tradução:

    Barney Stinson

    Joey Tribbiani

    Fernando N. Zanette

    Revisão técnica dessa edição:

    Lyra Belacqua

    Carter Kane

    Hermione Granger

    Red, The Master Pokémon

    Médico generalista formado pela Universidade de Kanto (KU). Residência Médica no Hospital da

    Cidade de Kanto (KCH) como Pokemongista. Médico do Serviço de Pokemonologia do KCH. Douto-

    rando em Epidemiologia Pokêmica pela Universidade de Kanto.

    RDDC Editora Ltda

    2015

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    2/131

    Índice

    4ª EDIÇÃO 1 

    ÍNDICE 2 

    SÍNDROME DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA 7 

      Classificação  7 

      Insuficiência ventricular esquerda  8 

      Insuficiência ventricular direita  10 

     

    Insuficiência cardíaca biventricular  11 

      Insuficiência cardíaca com diminuição da fração de ejeção ventricular   11 

      Insuficiência cardíaca com fração de ejeção ventricular preservada   12 

      Fisiopatologia  12 

      Causas  13 

      Diagnóstico  19 

      Critérios de Framingham  20 

      Classificação do paciente  21 

      Exames complementares  21 

      Diagnóstico diferencial  23 

    SÍNDROME CORONARIANA AGUDA (SCA) 25 

    Angina pectoris  25 

       Angina estável  26 

       Angina instável  27 

      Classificação  28 

      Fisiopatologia  29 

       Apresentação clínica  29 

      Diagnóstico  30 

      Diagnóstico diferencial  32 

      Tromboembolismo pulmonar  34 

      Pneumotórax  35 

      Tamponamento cardíaco  36 

      Mediastinite  36 

    SÍNDROME ANÊMICA 39 

    Eritropoiese  39 

      Sintomatologia  42 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    3/131

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    4/131

     

    4

    Distúrbios de pleura  75 

      Derrame pleural  75 

      Etiologia  75 

      Classificação  76 

      Sintomatologia  77   Diagnóstico clínico  78 

      Diagnóstico laboratorial  78 

      Pneumotórax  79 

      Classificação  79 

      Sintomatologia  80 

      Diagnóstico clínico  80 

      Diagnóstico laboratorial  80 

    Atelectasia  81 

      Etiologia  81 

      Classificação  81 

      Diagnóstico clínico  83 

      Diagnóstico laboratorial  83 

     ABDÔMEN AGUDO 84 

      Fisiopatologia da dor abdominal  85 

       Anamnese e exame físico  86 

      Etiologia  87 

    Abdômen agudo inflamatório  87 

       Apendicite aguda  88 

      Colecistite aguda  89 

      Pancreatite aguda  91 

      Diverticulite aguda  93 

      Doença inflamatória pélvica  94 

    Abdômen agudo perfurativo  96 

      Etiologia  97   Quadro clínico  97 

      Diagnóstico por imagem  98 

    Abdômen agudo vascular  98 

      Isquemia aguda  98 

      Etiologia  99 

      Quadro clínico  99 

    Abdômen agudo obstrutivo  100 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    5/131

     

    5

      Etiologia  100 

      Quadro clínico  101 

    Abdômen agudo hemorrágico  102 

      Etiologia  102 

      Quadro clínico  103 

    Outras causas de dor abdominal  104 

     ARTRITE 105 

      Formas de apresentação  105 

    Monoartrite  106 

    Oligoartrite e poliartrite  107 

      Exames complementares importantes  108 

    Espondilite anquilosante  108 

      Etiologia  108 

      Quadro clínico  109 

      Diagnóstico  110 

    Febre reumática  110 

      Epidemiologia  110   Quadro clínico  111 

      Diagnóstico  112 

    Artrite séptica  113 

       Artrite séptica não-gonocócica  113 

       Artrite séptica gonocócica  114 

    Gota  116 

      Epidemiologia  116 

      Fisiopatologia  116 

      Quadro clínico  117 

      Diagnóstico  118 

    Lúpus eritematoso sistêmico  119 

      Epidemiologia  119 

      Fisiopatologia  119 

      Quadro clínico  120 

      LES induzido por drogas  124 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    6/131

     

    6

      Diagnóstico  124 

    Osteoartrite  125 

      Fisiopatologia  125 

      Quadro clínico  126 

      Diagnóstico  127 

    Artrite reumatoide  128 

      Epidemiologia  128 

      Quadro clínico  128 

      Diagnóstico  130 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    7/131

     

    7

    Raciocínio Clínico 4ª Fase –  Fernando Netto Zanette –  Med. UFSC 13.2

    Síndrome de insuficiência cardíacaA insuf iciência cardíaca  se enquadra como uma síndrome clínica complexa  caracterizada por anormalida-

    des na função cardíaca e na regulação neuro-humoral, incapacitando o coração de bombear o sangue a um volumeadequado para as trocas metabólicas teciduais ou fazê-lo apenas por meio de elevadas pressões de enchimento. Asíndrome clínica usualmente se apresenta acompanhada de intolerânci a aos esforços , retenção hídr ica  e dimi- nuição da expectati va de vida.  

    Com o surgimento e desenvolvimento da insufici-ência, diversas respostas neuro-humorais compensató-rias se desenvolvem  –  como a ativação do sistema

    re- nina-angiotensina-aldosterona   e o aumento da ativi - dade simpáti ca  -, o que, nos estágios iniciais da doença,tendem a atenuar as modificações volêmicas da sín-drome. À medida que a doença se desenvolve, no en-tanto, ocorre um aumento gradativo da insuficiência,com manifestações clínicas características de acordocom a disfunção cardíaca, incluindo dispneia aos esfor- ços, fadiga, letargia, hipotensão, dores musculares aosesforços, cianose de extremidades e edema per iférico .Sintomas às vezes que se dá pouca atenção, mas com im- portante caráter diagnóstico, são a perda do apeti te , amá

    digestão  e o emagrecimento progressivo.

    Classificação

    A insuficiência cardíaca (IC) pode ser classificada, basicamente, de acordo com a forma de aparecimento dadoença (aguda ou crônica ), com o setor cardíaco acometido(direito, esquerdo ou ambos ) e com a f ração de ejeção ventr i- cular (dimi nuída ou preservada ).

    Insuficiência cardíaca aguda

    Define-se a insuficiência cardíaca aguda como aquela comsintomatologia de início súbi to ( como horas ou dias), perante umfator causador de grande gravidade –  como um inf arto agudodo miocárdio (I AM )  que lese uma área muito extensa do coraçãoou uma arr itmia grave  -, o que impede a ação dos mecanismoscompensatórios do organismo. A IC aguda pode, ainda, ser novaou devido à piora de uma IC pré-exi stente (insuf iciência cardí- aca crônica descompensada ou crônica agudizada ). Temoscomo exemplo de sintomas de descompensação cardíaca o edemade pulmão agudo (ocupação dos alvéolos por líquido) –  levandoà dispneia com tosse produtiva  - e o débi to cardíaco reduzido , o qual pode preceder o choque cardiogêni co . 

    Desenho representando os achados cardíacos básicos nas insuficiências cardíacas di-

    astólica e sistólica, onde temos, respectivamente, um miocárdio pouco flexível na di-

    ástole e um miocárdio fracamente contrátil na sístole 

    Ilustração de um infarto agudo de miocárdio de grande extensão, compro-

    metendo a bomba cardíaca de forma a desencadear uma insuficiência

    cardíaca aguda

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    8/131

     

    8

    Em relação à insuficiência ventricular direita, por exemplo, podemos ter como cenário o desprendimento deum trombo na veia ileofemoral  que trafegue até o pulmão. Neste, o coágulo pode levar a uma obstr ução de umaartéria pulmonar mui to calibrosa , desencadeando uma I C direita devido a um tromboembolismo pulmonar .

    Dentre as diversas causas de uma insuficiência cardíaca aguda, podemos destacar miocardites severas, in- fecções sistêmicas graves, reações alérgicas (choque anaf i lático) e u ti lização de determinados medicamentos. 

    A insuf iciênci a cardíaca aguda  exige atendimento médico imediato  em decorrência do risco demorte iminente do paciente.

    Insuficiência cardíaca crônica

    A insuf iciênci a cardíaca crôni ca , por sua vez, destaca-se como aquela onde a doença subjacente –  comohi pertensão arterial sistêmica ou um I AM  que afete apenas uma pequena porção cardíaca –  evolui lentamente , permitindo ao organismo o desenvolvimento dos mecanis- mos neuro-humorais compensatórios . A sintomatologia,que varia de um grau mínimo –  principalmente na insufici- 

     ência compensada –  a um grau intenso, apresenta um tempolongo de manifestação, normalmente de meses ou anos . Àmedida que a insuf iciência se avança , os quadros própriosde cada setor cardíaco acometido  –  como edema de mem- bros inf erior es na insufi ciência direita  ou dispneia aos es- forços na esquerda   –  tornam-se f requentes e se intensif i- cam .

    Explicado a maneira como a doença se instala, aborde-mos a classificação referente ao setor cardíaco acometido. 

    Insuficiência ventricular esquerda

     Na insuf iciência ventr icular esquerda , o tipo mais comum , o problema reside em uma falha do ventrículoesquerdo , o que o torna incapaz de bombear todo o seu conteúdo para a rede arterial periférica pela aorta . Issoresulta não somente em uma hi poperfusão impor tante dos tecidos do corpo , mas também em uma elevação dapressão atr ial esquerda , que promove uma estase sanguínea com concomitante CONGESTÃO E HIPERTENSÃOPULMONAR .

    Esquematização de um ventrículo esquerdo hipertrofiado após o desenvolvi-

    mento dos diversos mecanismos compensatórios ao longo da insuficiência ven-

    tricular esquerda crônica

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    9/131

     

    9

    Essa congestão se manifesta como um EDEMA PULMONAR ( acúmulo delíquido anormal no órgão), o que desencadeia o mecanismo de TOSSE, a qual pode ser SECA ou PRODUTIVA. A congestão provoca, juntamente a isso, oquadro característico de DISPNEIA, cuja intensidade depende da forma deaparecimento e da evolução da doença. Caso a insuficiência tenha carátercrônico , mas pouco grave, surge uma DISPNEIA AOS ESFORÇOS, que tende aevoluir dos grandes para os médios e pequenos esforços , chegando, em umcaso agravado da síndrome, em desconforto e dispneia ao repouso . Nos es-tágios iniciais, a dispneia tende a desaparecer logo após o cessar da atividadefísica em questão. Além da dispneia, temos com frequência o sinal de TA-QUICARDIA (  por um mecanismo de compensação da falência do órgão) e a presença de uma TERCEIRA BULHA (B3), esta nos casos de INSUFICIÊNCIASISTÓLICA. 

    Em relação ao edema pulmonar , quando ocorre um ACÚMULO DE LÍ-QUIDO APENAS NO INTERSTÍCIO PULMONAR , temos a manifestação de TOSSESECA, ao passo que, com o PREENCHIMENTO ALVEOLAR , manifesta-se aTOSSE PRODUTIVA com EXPECTORAÇÃO ESPUMOSA (devido à presença de ar)

    e, às vezes, RÓSEA, pela passagem de hemácias.À medida que a insuficiência progride, a piora do edema pulmonar pode

     provocar a ORTOPNEIA,  uma dispneia em decúbito dorsal que melhoraquando o paciente se levanta. Isso tem como causa base o aumento do re- torno venoso ao coração - proveniente, sobretudo, dos membros inferiores- na posição deitada, que se acumula na região torácica. Como o ventrículo esquerdo se apresenta incapaz de bombear esse sangue extra, surge uma sobrecarga da ci rcul ação pulmonar e se manifesta a ortopneia . Os paci-entes acometidos, para evitar ou atenuar a situação, tendem a dormir com mais almofadas ou com a cabeceira dacama elevada. Com o agravamento do quadro de insuficiência e, logo, da congestão pulmonar, a inclinação ou onúmero de travesseiros aumenta, alcançado patamares em que o paciente precisa se manter sentado à cama a fimde evitar a dispneia.

    O edema pode ainda evoluir, eventualmente, para um DERRAME PLEURAL  –  achado mais frequente nas insu- f iciências biventr iculares. O acúmulo gradativo de líquidos, nesse caso, também se responsabiliza em parte pelaDISPNEIA PAROXÍSTICA NOTURNA  –  o indivíduo, uma a duas horas após se deitar, acorda por causa de uma dispneiade tamanha gravidade que simula a sensação de sufocação -, comum em casos bastante avançados de IC de ven-trículo esquerdo. Nos casos de descompensação intensa da insuf iciência , pode se manifestar, ainda, o padrãorespiratório de Cheyne-Stokes ,

    Juntamente a isso, outros sintomas costumam se manifestar devido à diminuição progressiva do débito car-díaco e da perfusão tecidual –  principalmente para músculos, pele e cérebro -, como FADIGA, NÁUSEAS e DESORI-ENTAÇÃO. Os danos ao sistema nervoso central  podem evoluir para quadros de depressão, confusão mental e,quando muito grave, até mesmo coma . 

     Nos casos de instalação aguda da insuficiência cardíaca, o EDEMA PULMONAR AGUDO se salienta como umquadro bastante importante, manifestando-se por meio de DISPNEIA INTENSA, TOSSE PRODUTIVA COM EXPECTO-RAÇÃO RÓSEA E ESPUMOSA, SUDORESE e um GRANDE ESTADO DE ANSIEDADE. Trata-se de uma situação grave  querequer intervenção médica imediata.

    De um modo geral, os sintomas da IC esquerda podem ser muito sutis e, na maioria das vezes,encontram-se relacionados à congestão e ao edema pulmonar . 

    Principais desdobramentos decorrentes de uma insufi-

    ciência ventricular esquerda, salientando sua sintoma-

    tologia mais recorrente 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    10/131

     

    10

    Insuficiência ventricular direita

     Na insuf iciência ventr icular direi ta , a disfunção se encontra no ventrículo di reito , o qual não consegue bombear corretamente seu conteúdo para a circulação pulmonar . Como resultado, há um acúmulo sanguíneo no

    átrio direito, o que se transmite para toda a rede venosa sistêmica por meio das veias cavas na forma de congestãovenosa. Essa estase provoca, principalmente nos membros infer ior es –  onde o retorno venoso tende a ser natu-ralmente mais lento -, o extravasamento de líquido do interi or dos vasos na forma de transudato  para o tecidoadjacente, o que dá origem aos EDEMAS PERIFÉRICOS. O paciente acamado ou que tende a permanecer muitotempo deitado, por outro lado, apresenta um acúmulo de líquido na região coccígea, tornando-a edemaciada.

    Além disso, como há uma r edução na chegada de sangue àrede arter ial , ocorre a diminuição na per fusãorenal  com consequente queda na produção de ur ina , levando ao achado clínico da OLIGÚRIA. Isso provoca,ainda, a atuação do sistema renina-angiotensina-aldosterona  em uma tentativa de normalizar a volemia , o que,todavia, apenas agrava o sur gimento dos edemas pela r etenção de líquido corporal . 

    À medida que a insuficiência evolui e o coração perde ainda mais sua capacidade de bombeamento, por outrolado, a congestão piora e começa a afetar a circulação venosa de forma mais intensa. Um achado bastante comum,

    nesses casos, mostra-se o surgimento da CONGESTÃO VENOSA PORTAL E HEPÁTICA, podendo se manifestar comuma HEPATOESPLENOMEGALIA (com fígado doloroso na maioria das vezes ) e evoluir para o acúmulo de líquidona cavidade per itoneal , caracterizando a ASCITE. Outro achado bastante importante para a determinação da ICdireita, indicando a congestão venosa, é o AUMENTO DA PRESSÃO VENOSA JUGULAR (ingurgitamento jugular) pelaestase nas veias cavas. Essa distensão venosa jugul ar  pode ser melhor observada quando a cabeceira do pacientese eleva em 25º.

    Os órgãos mais frequentemente afetados na insuficiência cardíaca direita incluem os rins e o cérebro . Acongestão dos rins  se demonstra mais pronunciada na I C direita doque na esquerda, provocando, como supracitado, uma grande reten- ção de f luido , edema periférico  e AZOTEMIA PRÉ-RENAL (condiçãoonde temos uma concentração anormal de compostos nitrogenados,

    como ureia e creatinina, no sangue) bastante pronunciada. O edema periférico costuma estar melhor presente no período vespertino e seacompanham por noctúria (inversão do ritmo miccional, urinandomais de noite do que de dia).

    Em relação ao sistema nervoso central , a sua congestão venosae a resultante hipóxia tecidual podem produzir déficits da funçãomental que se apresentam essencialmente idênticos aos que ocorremna insuficiência cardíaca esquerda.

    Sintomas como anorexia, dor abdominal  –  como um indicativoda congestão hepática   -, náuseas   e vômitos costumam ocorrer emambas as insuficiências cardíacas em estágio avançado, embora seja

    muito mais frequente na direita .

    De maneira simplificada, os achados clínicos na insu-ficiência cardíaca direita, dessa forma, apresentam-se relacionadoscom a congestão venosa sistêmica (e portal) , não apresentando,quando isolada, a edemaciação pulmonar como no caso da I C es-querda.

    Devemos salientar que a INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DIREITAPURA, embora exista, é pouco frequente e, usualmente, manifesta-seem pacientes com alguma desordem que acometa os pulmões, comouma bronqui te crônica , um enf isema pulmonar  ou outras doenças

    Principais desdobramentos decorrentes de uma insuficiência ven-

    tricular direita, salientando sua sintomatologia mais recorrente 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    11/131

     

    11

    pulmonares obstruti vas crôni cas . Essas afecções, por levarem a um aumento da pressão pul- monar , podem lesar o ventrículo direito e predispor a sua falência. Os casos onde temos ainsuf iciência pulmonar di reita decorrente de uma doença pulmonar pr imária  recebem a de-nominação de COR PULMONALE.

    Malgrado o cor pulmonale comumente se encontrar relacionado a distúrbios parênqui- 

    mais do pu lmão , ele pode surgir, também, de modo secundário a desordens  que afetam a vas- cular ização pulmonar  (como hi pertensão pulmonar primária  e tromboembolismo pulmonarrecorrente ) ou que simplesmente produzam hipóxia  (como a apneia crôni ca do sono ) com suaassociada vasoconstr ição pulmonar .

    A característi ca comum de quaisquer dessas desordens se mostra a hi pertensão pulmo- nar , que acaba por hipertrofiar e dilatar o lado di reito do coração . Em casos extremos, odesvio para esquerda do septo ventricular pode provocar a disfunção do ventrículo esquerdo.

    Juntamente a isso, a insuf iciência cardíaca dir eita   tende a ser provocada pela própriainsuf iciênci a cardíaca esquerda  à medida que esta se desenvolve, já que a hi pertensão pul- monar decorrente da insuficiência esquerda inevitavelmente acarreta uma carga extra do ladodi reito do cor ação. 

    Insuficiência cardíaca biventricular

    A insuf iciência cardíaca biventr icular   –  conhecida também como insuf iciênci a cardíaca global  –  caracte-riza-se pelo acometimento concomitante de ambos os setores cardíacos (esquerdo e direito). Esse tipo de insufi-ciência - que, como explicado, costuma se manifestar primeiro no ventrículo esquerdo e depois acometer tambémo direito –  possui maior frequência dos casos de derrame pleural , já que, com o acometimento biventricular docoração ocorre uma queda acentuada na reabsorção linfática pulmonar. Isso permite que o edema pulmonar ex-travase para o espaço pleural, preenchendo-o.

    Por fim, outro critério bastante importante para classificar a IC se mostra em relação às alterações na f raçãode ejeção ventr icular .

    Insuficiência cardíaca com diminuição da fração de ejeção ventricular

    Esse tipo de insuficiência cardíaca, conhecida comumente como INSUFICIÊNCIA SISTÓLICA, enquadra o grupoonde a FRAÇÃO DE EJEÇÃO VENTRICULAR (FEV) encontra-se a uma taxa INFERIOR A 40% com o aumento associ-ado das pressões de enchimento ventr icular. Por se qualificar como uma insuf iciência do débito car díaco (falhada bomba cardíaca), qualquer desordem que lese ou desorganize a função contrátil do ventrículo pode provocá-la.

    Cerca de 60% dos casos de insuf iciência cardíaca decorrem de uma incapacidade da contratil idade ventr i- cular (insufi ciência sistóli ca) , o que concede à insuf iciência diastólica os outros 40%.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    12/131

     

    12

    Insuficiência cardíaca com fração de ejeção ventricular preservada

    A INSUFICIÊNCIA DIASTÓLICA, como é normalmente designada essa classe, por ou-tro lado, destaca-se pela f ração de ejeção ventr icular inal terada, com valores SUPERI-

    ORES A 40-50%. Nesses casos, o débito cardíaco  está relativamente preservado no es-tado de repouso, no entanto o ventrículo  se mostra anormalmente inflexível  ou limitadona sua capacidade de relaxar no período de diástole . Como consequência, o coraçãonão consegue aumentar seu débito em resposta ao aumento da demanda metabólica dostecidos periféricos (em um exercício físico, por exemplo). Juntamente a isso, levandoem consideração que o ventrículo possui essa “rigidez” contrátil que o impede de seexpandi r adequadamente , qualquer elevação na pressão de enchimento envia parte dosangue de volta à circulação pulmonar , como já comentado, iniciando o quadro deedema pu lmonar .

    Esse tipo de insuficiência cardíaca apresenta uma incidência frequente em indiví- duos acima dos 65 anos, especialmente mulheres , sendo a hipertensão ar ter ial sistê- 

    mica uma causa bastante importante .

    Fisiopatologia

    A IC pode ser vista como um distúrbio progressivo que se ini cia quando um evento-índi ce lesa o músculocardíaco, o que resul ta em perda da f unção dos miócitos cardíacos  ou, alternativamente, dimi nuição da capa- cidade do miocárdio de gerar força , impedindo , assim, o coração de se contr ai r normalmente . Tal evento-índice pode se apresentar:

    Como uma INSTALAÇÃO SÚBITA, a exemplo do que ocorre em um in farto agudo do miocárdio

    ( IAM) . Aqui, caso a lesão seja muito extensa e comprometa uma região cardíaca demasiada, temos uma morte progressiva dos cardiomiócitos da área, afetando a capacidade normal de contração do músculo e caracterizandoa insuf iciênci a car díaca aguda. 

    Com um INÍCIO GRADUAL ou INSIDIOSO, como vemos nos casos acompanhados por sobrecarga depressão ou de volume . A hipertensão arterial sistêmica se mostra um bom exemplo de uma sobrecarga de pressãosobre o músculo cardíaco. Esses eventos lesam vagarosamente o coração, o qual sore um processo de modificaçãoestrutural compensatória para melhor responder a esse estímulo danoso. Como explicado a seguir, essas alteraçõesacabam por contribuir na ocorrência da insuficiência.

    De forma HEREDITÁRIA, a exemplo das diversas miocardi opatias congêni tas .

    Independente da natureza do evento desencadeando,todos eles terminam por, de alguma forma, promover o de- 

    clíni o na capacidade de bombeamento cardíaco . Em boa porção dos casos, os pacientes permanecem assintomáticosou minimamente sintomáticos   após o declínio inicial nasua capacidade de bombear o sangue, ou desenvolvem ossintomas apenas algum tempo após a instalação da disfun-ção. Isso se deve, provavelmente, aos mecanismos compen-satórios citados a seguir, que tendem a funcionar relativa-mente bem nos estágios iniciais da insuficiência crônica.

     Normalmente, o coração passa por modificações estru-turais crônicas à medida que a insuficiência se desenvolve.Por exemplo, a elevação do trabalho mecânico em decorrência à sobrecarga de pressão ou volume (como na

    Alterações morfológicas encontradas em quadros de insuficiência cardíaca crônica,onde há o remodelamento progressivo do coração. Da esquerda (A) para direita (B),

    temos um ventrículo com hipertrofia por sobrecarga de pressão (concêntrica); nomeio um ventrículo saudável; e na ponta um ventrículo com hipertrofia por sobre-

    carga de volume (excêntrica)

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    13/131

     

    13

    hiper tensão sistêmica ou na estenose aórti ca ), ou sinais tróficos (como os mediados pela ativação de receptoresβ-adrenérgicos) promovem uma hipert rof ia dos cardiomiócitos . Isso, a longo prazo, leva a um aumento do pesoe do tamanho do órgão , sendo que o padrão de hipertrofia reflete a natureza do estímulo.  Nos casos em quetemos um aumento de pressão , os ventrículos desenvolvem uma hi pertr ofia por sobrecarga de pressão , o quenormalmente resulta em um aumento concêntrico na espessura da parede. A hipertrofi a por sobrecarga de vo- lume , por outro lado, caracteriza-se pela di latação ventr icular , podendo a parede se apresentar maior, normal oumenor que do coração sadio.

    O aumento no número de capilares cardíacos, todavia, não acompanha o ritmo de hipertrofia dos cardiomió-citos, o que promove um supr imento de oxi gê- nio e nutr ientes, especialmente nos com sobre- car ga por pressão , inadequado ao músculo car- díaco . Agravando esse quadro, o consumo deoxigênio pelo coração hipertrofiado está elevado por causa da carga de trabalho intensa, a qual sedeve pelo aumento da tensão da parede, da fre-quência cardíaca e da contratilidade. A hipertro-fia também se apresenta frequentemente acom-

     panhada pela deposição de tecido fibroso, nãocontrátil.

    Como um resultado dessas ações, o cora- ção hipertrof iado possui especial vulnerabil i- dade àdescompensação , podendo evoluir, logo,a uma insuf iciência cardíaca  e, eventualmente,ao óbito. Além disso, cor ações di latados tam- bém apresentam di stúrbi os na condução elé- trica e estão se encontram mais susceptíveis aarritmias. Umas das consequências pode ser amorte súbita por f ibr i lação ventr icul ar .

    Causas

    Fatores que lesem o músculo cardíaco  ou promovam o seu trabalho demasiado , afetando sua musculatura, podem causar a insuficiência cardíaca tanto a curto quanto a longo prazo. Dentre as causas subjacentes nas insu-ficiências, destacamos algumas em especial, sendo que a doença arterial coronar iana, a hipertensão arterialsistêmica e o diabetes se destacam entre elas como as mais comuns. 

    Quadro ilustrativo dos mecanismos compensatórios presentes na insuficiência cardíaca. Note que aatuação conjunta dos mecanismos leva a um resultado comum: o remodelamento cardíaco

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    14/131

     

    14

    Doença arterial coronariana (DAC)

    A doença arterial coronar iana , caracterizada pela afecção das artérias coronárias com redução no fluxosanguíneo ao miocárdio, destaca-se como a principal

    causa no desenvolvimento de IC , responsabilizando-se por cerca de 60 a 75% dos casos . 

    Com o passar do tempo, as artérias coronárias podemter seu lúmen estreitado devido ao acúmulo de depósitoslipídios em suas paredes  –  no processo conhecido comoaterosclerose . O crescimento dessas placas ateroscleróti- cas  tende a reduzir de forma gradativa o fluxo sanguíneoao coração. Nos casos em que essas placas se rompem e ocoágulo resultante obstrui por completo a circulação de de-terminada artéria, há uma hipóxia tecidual na área afetadaque tende a evoluir para um quadro de angina e um infarto

    do miocárdio . Este, se extenso, promove um dano signifi-cativo com disfunção aguda ou progressiva do músculo car-díaco.

    Um achado bastante relevante na suspeita de uma IC por doença arterial coronariana é a angina pectoris ,uma dor torácica  de característica constritiva , em aperto  ou em peso , que, dependendo de suas características –  como intensidade, tempo de aparecimento e irradiação -, pode indicar o processo de in farto do miocárdio .

    Hipertensão arterial sistêmica

    O aumento da pressão sistêmica , com resultante elevação do pós-carga , exige da musculatura cardíaca uma

    contração mais intensa  para lançar o sangue aos tecidos do corpo. Essa elevação da contratilidade cardíaca, comoexplicado anteriormente, modifica as estruturas do órgão, tornando-o demasiadamente enrijecido  ou enfraque- cido  com o passar do tempo. Isso, por si só, aumenta as probabilidades de surgirem disfunções no funcionamento  do músculo que resultam na insuf iciência cardíaca .

    A hipertensão arterial sistêmica  contribui para o desenvolvimento de IC em 75% dos pacientes,incluindo a maioria daqueles com DAC. 

    Disfunções valvulares

    As válvulas cardíacas –  mitr al, tr icúspide, pulmonar e aórtica   –  responsabilizam-se por fazer o sangue fluir

    na direção correta no interior do coração. Uma insuf iciência valvular (como por moléstia reumática ) ou umaestenose valvular (como por degeneração senil com depósito de cálcio ) obriga o coração a se contrair com maiorintensidade para impedir ou compensar o fluxo sanguíneo inadequado. Da mesma maneira que na hipertensão,essa sobrecarga da musculatura leva, ao longo do tempo, ao seu enfraquecimento.

    INSUFICIÊNCIA AÓRTICA 

    Caracterizada pela incapacidade de fechamentos da valva aórtica, o que permite o refluxo de certa quanti-dade de sangue para o ventrículo esquerdo durante a diástole, a insuf iciência aórti ca se mostra uma causa bastanteimportante de insuf iciência ventr icular esquerda .

    Na doença arterial coronariana, temos um estreitamento progressivo do lúmendas coronárias por deposição de placas ateroscleróticas

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    15/131

     

    15

    Dentre os principais motivos pelo desenvolvimento da afecção, destacamos a molésti a reumática, a ateros- clerose , a endocardi te in fecciosa e a doença pr imária das valvas semilunar es . Uma malformação congênita davalva aórtica é relativamente incomum.

    A sintomatologia varia de acordo com o nível de comprometimento da valva e com o refluxo sanguíneo,sendo que quantidades mínimas de sangue raramente afetam a dinâmica ventricular e, logo, a vida do paciente.

    Além da dispneia e outros sintomas indicativos de IC esquerda, podemos ter uma angina pectori s  –   devido ao sequestro dofluxo coronariano (efeito Venturi) provocado pelo rápido re-torno sanguíneo na diástole. Podemos dividir os sinais, basica-mente, em per iféricos e cardíacos .

     Nos cardíacos, podemos ter ictus cordis deslocado parabaixo e para esquerda, bastante amplo; sopro diastóli co , aspi- rativo, em decréscimo, e audível no foco aórtico ou foco aór- ti co acessória com i rradiação o ápice;

    Os sinais periféricos, por sua vez, cuja origem provém dagrande pressão dif erencial  –  tanto por AUMENTO DA PRESSÃO

    SISTÓLICA, devido ao maior volume de sangue ejetado, como por DIMINUIÇÃO DA PRESSÃO DIASTÓLICA, decorrente da pró- pria lesão da válvula – , resultam em valores de 160/60 mmHg,150/40 mmHg e 140/zero mmHg. Isso acarreta o pulso radialamplo e célere, a pulsações visíveis das carótidas (dança ar te- rial ), a ocorrência de pulso digital e pulso capil ar e as oscilações da cabeça acompanhando os batimentos car - díacos (sinal de Musset), pulsação da base da língua (sinal de Minervini ) e duplo sopro auscul tado àcompres- são da artéria femoral (sinal de Duroziez ).

    INSUFICIÊNCIA MITRAL 

    A insuficiência mitral se define pelo fechamento i ncompleto da

    valva mitral com consequente refl uxo sanguíneo para o átr io esquerdodurante a sístole ventr icular .

    As causas mais comuns da insuficiência mitral se destacam comomoléstia reumáti ca, prolapso valvar mi tr al e inf arto agudo do miocár- dio (IAM ). As miocardiopatias e a miocardiosclerose , com dilataçãoacentuada da cavidade ventricular esquerda, também conseguem deter-minar insuficiência mitral.  

    Os achados nos casos de IAM ou endocardi te infecciosa são decongestão pulmonar com edema intersticial ou alveolar   –  manifestadacomo dispneia intensa ou, quando grave, edema pulmonar agudo   -;ventrícul o esquerdo  hipercinéti co, sem sinais de dilatação; ictus nãodeslocado e amplo; sopro sistólico de regurgitação no foco mitral comirradiação para axila ; e uma 4ªbulha or iginada pela contração vigo- rosa do átr io esquerdo .

    ESTENOSE AÓRTICA 

    A estenose aórti ca  consiste na redução do or ifício da valva aórtica  e em al terações da via de saída doventrícul o esquerdo  por causas como mal formações congênita, moléstia reumáti ca ou degeneração seni l comdeposição de cálcio , esta relativamente comum em pacientes acima dos 60 anos.

    Ilustração de insuficiência da valva aórtica com resultante retornosanguíneo ao ventrículo esquerdo

    Esquematização de uma insuficiência mitral com regurgita-mento de sangue para o átrio esquerdo

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    16/131

     

    16

    Os achados clínicos dependem majoritariamente da hipert rof ia ventr icul ar esquerda   que se desenvolvecomo o mecanismo compensatório para vencer a obstruçãoe manter um débito cardíaco adequado. Essa hipertrofialeva, como já dito, a uma hipoxemia da musculatura ventri-cular, sendo que nos casos crônicos se responsabiliza pelafalência funcional do ventrículo esquerdo.  

    Dessa forma, além dos achados de insuficiência ventri-cular esquerda, mostram-se frequentes os sintomas de insu- f iciência coronar iana –  como angina de peito -, e fenôme- nos sincopai s após esforço , os quais se explicam pela vaso- di latação periférica que “rouba” sangue da circulação cere- bral, pelo fato de o débito cardíaco se encontrar impossibi-litado de aumentar durante o esforço físico. Salienta-se im- portante ressaltar que a angina pectori s e a síncope são in-dicativos de elevada gravidade da estenose .

    Ao exame físico, detecta-se um pulso radial de pe- 

    quena ampli tude ou anacrótico (anacrônico, caro e caótico) em graus moderados e intensos de estenose ; ictuscordis in tenso e pouco deslocado para baixo e para esquerda ; f rêmi to sistól ico; sopro sistól ico de ejeção, rude,local izado no foco aórt ico com irradiação para cima, em direção àface lateral direita do pescoço. Juntamentea isso, na estenose aórti ca leve pode ser ouvido um cli que sistól ico que antecede o sopro, ao passo que na estenosegrave temos um desdobramento inverti do da 2ªbulha car díaca .

    ESTENOSE MITRAL 

    A estenose mitral consiste no estreitamento do orifício atr ioventr icular esquerdo em virtude de um espes- samento e de uma f ibrose das cúspides valvares com fusão das suas comissuras.

    Dentre as causas da afecção, a molésti a reumática se mostra a mais frequente, sendo seguida por outrasrelativamente raras, como síndr ome carcinoide, artr ite reumatoide e lúpus eri tematoso .

    A limitação do fluxo do átrio para o ventrículo gera umacúmulo de sangue no primeiro, o que aumenta a pressãodentro dele. Conforme a pressão no ventrículo aumenta  –   pelo acúmulo de sangue e contração ventricular  –  a valvamitral, que deveria ir fechando em situações fisiológicas,mantém-se aberta pela pressão atrial elevada. Dessa ma-neira, quando o ventrículo finalmente supera a pressão rei-nante no átrio, a valva ainda está aberta, gerando um sommais intenso ao ser fechada e levando à ausculta de uma B 1  hiper fonética . Isso reflete a dificuldade que o fluxo sanguí-neo encontra para passar através da valva estreita durante o

    enchimento do ventrículo esquerdo, na diástole . Conformea doença progride e surge a calcificação –  levando à imobi-lização da valva -, essa intensidade da bulha diminui, po-dendo chegar até a hipofonese . 

    Em relação ao quadro clínico, na estenose mi tral l eve  o paciente permanece assintomáti co mesmo com atividade física , tendo somente um moderado aumento da pres- são no átrio esquerdo . Há uma hi perfonese da 1ªbul ha cardíaca no foco mitral e sopro diastóli co , restrito à parte pré-sistól ica da diástole , o que corresponde ao aumento do fluxo sanguíneo pela contr ação atrial . A rigidezdos folhetos da valva propicia o aparecimento do estalido de abertura mitral.

     Na estenose mitral moderada , temos a dispneia e as palpi tações após esforços físicos, que traduzem acongestão na circulação pulmonar . Os achados auscultatórios são idênticos ao da estenose leve , com adição de

    Ilustração de um quadro de estenose aórtica, ressaltando a modificação dos fo-

    lhetos da valva

    Desenho esquemático de uma valva mitral sem anomalias e de uma valva mitral es-

    tenosada

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    17/131

     

    17

    que o sopro diastólico tem características de ruf lar , e há uma hiperf onese de 2ªbul ha cardíaca o foco pulmonar ,decorrente da hipertensão pulmonar da congestão.

    Por fim, na estenose mitral grave , encontramos uma intensif icação da dispneia –  podendo ocorrer aos mí-nios esforços -, ortopneia, dispneia paroxística noturna, tosse seca e hemoptise . À ausculta, o estalido de aberturase torna mais precoce, ao passo que o sopro diastólico fica mais duradouro. Como dito, pode haver uma hipofonese

    de B1 por calcificação da valva. Juntamente a isso, o paciente com estenose grave, em virtude do baixo débito eda vasoconstrição periférica, pode apresentar uma área de rubor malar violáceo (na região dos zigomáticos), oque se convencionou chamar de fácies mi tr al . 

    Miocardiopatias

    As lesões do músculo cardíaco  não proveni entes  de alterações ar ter iais ou circulatórias apresentam diver-sas causas, incluindo uma gama bastante grande de doenças , infecções , abuso de álcool  e efeito tóxico de drogas   –  como a cocaína  ou alguns medicamentos quimioterápicos . Essas lesões promovem, usualmente, uma disfunçãocardíaca que termina por manifestar a insuficiência.

    A pri ncipal miocardiopatia que leva à síndrome da IC é a mi- ocardiopatia isquêmica  de ventrículo esquerdo, normalmente emdecorrência de uma doença arteri al coronar iana (DAC)  que obs- trui o fl uxo sanguíneo normal ao músculo cardíaco e promove umin farto do miocárdio , normalmente manifestado na forma de an- gina pectoris .

    Os fatores genéticos podem desempenhar um papel vital emdiversos tipos de miocardiopatias, como a miocardiopatia dilatada,a miocardiopatia hipertr ófi ca, a miocardiopatia arr itmogênicaventr icul ar direita, não compactação ventr icul ar esquerda e a mi- ocardiopatia restri tiva. 

    Devemos dar especial atenção, em decorrência do país onde vi-vemos, às modificações cardíacas promovidas pela doença de Cha-gas, a cardiopati a chagásica , que tem como achado radiológico bastantecomum, nos casos avançados, a cardiomegalia . Pacientes provenientes deáreas endêmicas à doença necessitam de uma investigação clínica criteri-osa para excluir ou confirmar o diagnóstico diferencial.

    Muitos casos de miocardiopatia dilatada são secundários a problemasgenéticos específicos, particularmente aqueles que afetam o citoesqueletocelular . A maioria das formas de miocardiopatia dilatada f amiliar apre-senta herança autossômica dominante .

    A miocardiopatia dil atada também se encontra associada às distro- f ias musculares de Duchenne, de Becker e da cintura pélvica . As condi-ções que levam ao aumento do débi to cardíaco (p. ex., fístula arteriove-nosa, anemia) raramente se responsabilizam pelo desenvolvimento de ICem corações normais. Todavia, na presença de uma cardiopatia estruturalsubjacente, tais condições podem desencadear IC franca.

     Na miocardiopatia alcoóli ca , a ingesta excessiva e crônica do álcool provoca uma lesão tóxi ca bastante acentuada  sobre o miocárdio  e os va- sos coronários , o que leva, gradativamente, à di sfunção da bomba cardí- aca  e à insuf iciência . Dessa forma, o diagnóstico diferencial em pacientescom histórias de alcoolismo crônico com outras causas de miocardiopatias se mostra importante.

    Esquematização de dois tipos de miocardiopatia que costu-

    mam levar a um quadro de insuficiência cardíaca 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    18/131

     

    18

    Por fim, na cardiopatia lúpica , presente em muitos casos do lúpus eri tematoso sistêmico (uma doença au-toimune), as lesões cardíacas têm origem, majoritariamente, na deposição de imunocomplexos no pericárdio,mi ocárdio ou paredes dos vasos .

    Miocardites

    As miocardites se definem como os processos inflamatórios que acometem o músculo cardíaco, prejudicandoo bombeamento sanguíneo para os tecidos do corpo. As miocardites ocorrem em pessoas de qualquer idade e commaior frequência em homens. Diversas vezes não se encontra uma causa determinante, embora seja comum comouma compl icação de doença infecciosa de etiologia viral . Outras causas menos comuns são infecções pelo HIV,di fter ia, doença de Chagas, doença de Lyme (infecção bacteriana transmitida por carrapatos), timoma (um tumorde timo), lúpus e tireotoxicose.

    Miocardiopatias congênitas

    Modificações no coração, nas câmaras cardíacas ou nas valvas por má formações durante o desenvolvimentofetal tendem a dificultar o bombeamento correto do sangue, o que pode predispor uma insuficiência cardíaca.Temos como alguns exemplos as síndromes de Tur ner e de Down , a primeira acometendo indivíduos do sexofeminino e com achados comuns de coar ctação de aor ta  e outras cardiopati as congêni tas .

     Arritmias cardíacas

    Variações anormais e não controladas do ritmo cardíaco, compondo a arritmia em si, podem levar a uma

    taquicardiaimportante, o que desenvolve um

    trabalho extra  ao miocárdio. Com o passar dos anos, a

    musculaturado coração  pode se enfraquecer  e evoluir para uma insuf iciência . Por outro lado, uma bradicardia  pode impedir  um supr imento sanguíneo adequado  aos tecidos, também se mostrando capaz de resultar em uma insuf iciência .

    Outras doenças

    As enfermidades crôni cas   –  como o diabetes, o HIV, o hipertireoidismo, o hipotireoidismo , a hemocroma- tose (acúmulo de ferro no organismo) ou a amiloidose (acúmulo de proteína) –  e outras disfunções que aumentemo trabalho do músculo cardíaco, como uma insuficiência renal crônica, podem contribuir no desenvolvimento deuma insuficiência cardíaca.

    As anemias crôni cas, de um modo geral, também podem levar ao desenvolvimento da insuf iciência cardí- aca pelo mecanismo compensatória do corpo desencadeado pelo quadro de baixa oxi genação tecidual  da anemia.A tireotoxicose (excesso de hormônios tireoidianos, não sendo um sinônimo de hipertireoidismo) e uma fístu laarteriovenosa (comunicação anômala entre uma artéria e uma veia, impedindo o sangue de passar pela rede capi-lar ) também se destacam como causas possíveis da insuficiência.

    Um fato bastante importante reside em pacientes com apneia obstruti va do sono , uma desordem bastantecomum na qual ocorre, durante a noite, um ou mais períodos de apneia (pausa da respiração). Essa desordem pode privar o coração de um aporte correto de oxigênio e elevar seu trabalho mecânico de forma compensatória, o quetende a piorar o quadro de insuficiência cardíaca. De modo análogo, o tratamento da apneia do sono costumamelhorar o prognóstico da insuficiência.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    19/131

     

    19

    Os pacientes de IC com redução de FE e sem etiologia claramente conhecida - por volta de 20 a 30% doscasos - recebem a referência de portadores de miocardi opatia di latada não isquêmica ou idiopáti ca .

    Diagnóstico

    O diagnóstico da síndrome de insuficiência cardíaca se faz, normalmente, por meio de uma associação entrea anamnese, o exame físico e os exames complementares , estes buscando se aprofundar melhor nas causas sub- jacentes ao desenvolvimento da insuficiência.

    Como explicado ao longo dessearquivo, os diversos sinais e sintomasda síndrome de insuf iciência car dí- aca , resumidas na figura ao lado, nor-teiam o médico para a causa mais pro-vável do acometimento cardíaco.

    Abaixo, seguem-se as principais mo-dificações e achados nos exames pul-monares e cardíacos na síndrome. 

    Exame pulmonar

    Um achado bastante comum naausculta pulmonar durante a insufici-  ência cardíaca  esquerda ou a biven- tricular   são os ruídos respiratóri osadventícios   –   mais precisamente osESTERTORES CREPITANTES -, os quais resultam do acúmulo de líquido  no interstício  e nos alvéolos  pulmonares

     proveniente do espaço intravascular  devido às altas pressões atr iais esquerdas . Nos pacientes com o edemapulmonar signif icativo , esses estertores crepitantes podem ser amplamente auscultados em ambos os campospulmonares , às vezes acompanhados por sibi los expi ratórios (asma car díaca ), e tendem a ser melhor percebidosnas bases dos pulmões , simplesmente pela ação gravitacional, que acumula o líquido nessa região.

    Salienta-se importante ressaltar que, quando presentes em pacientes sem doença pulmonar concomi tante ,os estertores crepitantes  se mostram como sinais específicos de insuf iciência cardíaca . Em pacientes com insu- f iciência crônica , todavia, os estertores podem se apresentar ausentes   –  mesmo nos casos com pressões de en- chimento elevadas  -, em decorrência do aumento da drenagem li nfática do líquido alveolar .

    O derrame pleural , relativamente comum, surge devido à elevação da pressão capilar  pleural que produz oextr avasamento de transudato para a cavidade pleural . Considerando que as veias pleurais drenam não somente para as veias sistêmicas , mas também para as pulmonares , o derrame pleural se manifesta mais usualmente em

    casos de insufi ciência biventr icu lar , onde ambos os sistemas de drenagem citados se apresentam congestionados .Quando há a presença do derrame pleural, temos os achados pulmonares típicos da afecção: macicez ou subma- cicez àpercussão na base pulmonar,  redução ou abolição do murmúrio vesicular , r edução ou ausência dofrêmito toracovocal, diminu ição da expansibi l idade torácica e, em casos de derrames mais volumosos, abaula- mento do tórax .

    Apesar de o derrame ser frequentemente bilateral na insuf iciência cardíaca , nos casos em que se manifestaunilateralmente, ele é mais comum no ESPAÇO PLEURAL DIREITO.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    20/131

     

    20

    Exame cardiológico

    Em casos de cardiomegalia , o ictus cordis geralmente se encontra deslocado inferiormente para uma posiçãoabaixo do quinto espaço intercostal e/ou lateralmente para a linha hemiclavicular esquerda, passando o batimentoa ser palpável sobre dois espaços. A hipertrofia grave de ventrículo esquerdo leva a ictus sustentado.

    Um achado relativamente importante na ausculta cardíaca é a PRESENÇA DE UMA TERCEIRA BULHA (B3) EMGALOPE - galope protodiastóli co , ocorrendo no terço inicial da diástole –  no ápice do coração. A terceira bulhase encontra presente usualmente nos pacientes com sobrecarga volumétr ica que tenham taquicardia ou taqui- pneia  e normalmente implica em um comprometimento hemodinâmico , ou seja, em uma INSUFICIÊNCIA SISTÓ-LICA. Ela pode estar presente, além disso, em uma insuf iciência mitr al.

    Juntamente a isso, apesar de não ser um indicador tão específico de insuficiência cardíaca, a PRESENÇA DEUMA QUARTA BULHA (B4) EM GALOPE  –  galope telediastólico , surgindo no terço final da diástole   –  destaca-se porestar comumente presente nos pacientes com INSUFICIÊNCIA DIASTÓLICA. A quarta bulha se encontra associada aum aumento da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo , ou seja, quando a distensão ventr icul ar estádimi nuída , gerando, como um mecanismo compensatório, uma for te contr ação atr ial , a qual origina B 4 . Alémde IC diastólica, pode-se encontrar a quarta bulha em galope nos quadros de cor pulmonale, cardiopatia hiper- 

    tensiva, estenose aórtica, miocardiopatiaseisquemia miocárdica 

    .

    A detecção de pulso alternante e pulso da ampli tude baixa também costumam se associar a situação deinsuf iciência cardíaca avançada . As arritmias também se demonstram presentes de acordo com a causa da in-suficiência cardíaca.

    Um sopro sistól ico de regurgitação mi tral (RM ) diversas vezes se encontra presente em um quadro de au- mento do ventrículo esquerdo , além de que os sopros característicos de insuf iciência tr icúspide ou mitral, namaioria das vezes, mostra-se presentem nos pacientes com IC avançada .

    Os pacientes com ventrículo dir eito aumentado ou hipertrofiado podem apresentar um impulso sustentadoe prolongado na l inha paraesternal esquerda , estendendo-se durante toda a sístole .

    Em inúmeras ocasiões, ademais, os sinais vitai s apresentam grande importância. Casos de taquipneia, ta- 

    quicardia e pressões de pul sos estr eitas são, usualmente, indicativos de mau prognóstico e de doença avançada .O peso corporal costuma ser útil no monitoramento das condições compensatórias.

    A identificação de uma hipofonese de primeira bulha B 1 constitui indicativo de uma possível insuf iciênciacardíaca  devido ao fato de que, conforme a função ventricular entra em falência, a contratilidade diminui e avelocidade de fechamento das valvas é menor, gerando uma B 1  hipofonéti ca .

     Nos casos de insufi ciência ventr icular esquerda , podemos encontrar também na ausculta uma hiperfonesede segunda bulha (B 2  ) . Isso ocorre devido à hipertensão arterial pulmonar , que leva ao um aumento na inten- sidade do foco de ausculta pulmonar por pressão no interior do vaso  e gera uma maior velocidade de fechamentodas valvas, destacando a hiperfonese . Nessas condições, o foco pulmonar se apresenta mais intenso que o focoaórtico .

    Embora não se enquadre propriamente no exame cardiológico, o sinal sutil da per fusão per iférica –  colora- ção e temperatura de extremidades, enchimento capi lar   – , muitas vezes negligenciado, pode possuir caráter vitalna avaliação da adequação da perfusão e da anemia em pacientes com insuficiência avançada. A CIANOSE DEEXTREMIDADES, por exemplo, indica um quadro de má perfusão acentuada , necessitando de uma abordagem oquanto antes do paciente.

    Critérios de Framingham

    Visando a auxiliar na identificação e na melhor acurácia do diagnóstico clínico de uma insuf iciência cardí- aca , foram-se organizados os sinai s e sintomas por meio de cri térios maiores e menores (Cr itérios de Framin- gham) , demonstrados na tabela abaixo. Para o diagnóstico de IC, necessita-se, no mínimo, de um cr itério maiore dois critérios menores. 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    21/131

     

    21

    Cr itérios maiores   Cr itérios menores  

    Dispneia paroxística noturna Edema de membros inferiores

    Distensão de veias do pescoço (ingurgitamento ju-

    gular)Ortopneia e Tosse noturna

    Estertores pulmonares Dispneia de esforço

    Cardiomegalia Hepatomegalia

    Edema agudo de pulmão Derrame pleural

    Galope de terceira bulha (B3) Capacidade vital reduzida a 1/3 do normal

    Pressão venosa aumentada (>16 mmHg) Taquicardia (>120 bpm)

    Refluxo hepatojugular

    Classificação do paciente

    Uma vez realizado o diagnóstico de IC, demonstra-se necessário avaliar a classe funcional do paciente , baseada tradicionalmente nos sintomas segundo a Classificação da New York Heart Association (NYHA), que,apesar do grau de subjetividade, possui boa correlação com o prognóstico e qualidade de vida do paciente.

    Classificação da New York Heart Association (NYHA)

    Classe I  –  Ausência de sintomas (dispneia, fadiga exagerada, palpitações ou dor anginosa) durante ativida-

    des cotidianas. A limitação para esforços é semelhante à esperada para indivíduos normais. 

    Classe II  –  Sintomas desencadeados por atividades cotidianas, sem, no entanto, desconforto no repouso.

    Classe II I - Sintomas desencadeados por atividades menos intensas que as cotidianas ou aos pequenos esfor-ços. Continua sem desconforto no repouso.

    Classe IV  –  Incapacitados para realizar qualquer atividade física sem desconforto. Os sintomas surgem atémesmo durante o repouso, e tentativas de empreender qualquer atividade física resultam no aumento do des-conforto.

    Exames complementares

    Os exames complementares são utilizados, basicamente, para a detecção correta da causa subjacente quedesencadeou a insuficiência cardíaca.

    Eletrocardiograma

    O eletrocardiograma (ECG) pode oferecer informações diagnósticas acerca da causa da insuf iciência car- díaca . Mostra-se importante procurar por sinas de inf ar to agudo do miocárdio prévio   –  como em miocardiopatiaisquêmica -, aumento e hipertrofi a de cavidades , bloqueio cardíaco , arritmias , derrame peri cárdico  e amiloi- dose car díaca .

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    22/131

     

    22

    Um ECG normal torna o diagnóstico de IC improvável e exclui em cerca de 90% a presença de disfunçãosistólica. Os achados de bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e zona inati va anterior são bons indicativos de dis- função sistól ica , ao passo que o bloqueio de ramo direito (BRD) associado com hemibloqueio anteri or esquerdo(HBAE) sugerem cardiopati a chagásica caso o paciente apresente história epidemiológica positiva.

    Juntamente a isso, achados de ECG relativamente comuns em pacientes com IC incluem f ibr i lação atr ial,

    sobrecarga de átr io esquerdo (AE) e/ou de ventrículo esquerdo (VE). 

    Radiografia de tórax

    O raio X de tórax deve incluir o tamanhodo coração e as condições do parênquima pul- monar . O aumento da silhueta cardíaca aponta para uma insuf iciência ventr icular esquerda ouuma biventricular . A insuficiência cardíaca pode ocorrer na ausência de cardiomegalia, prin-cipalmente nos pacientes com IC aguda ou na-queles com IC com função sistólica normal.

    Listam-se marcadores úteis de disfunçãoventricular a cardiomegalia e os sinai s de con- gestão pulmonar (redistribuição vascular paraápices, edema intersticial e/ou alveolar, derrame pleural). 

    As anormalidades dos campos pulmonares podem variar desde um ingurgitamento suavedos vasos per i-hi lar es  até derrames pleurais bi- laterais , li nhas N de Kerl ey  e edema pulmonar fr anco , sendo que o raio X pode, ainda, identificar a presença deuma doença pulmonar que esteja causando os sintomas de IC.

    Ecocardiograma

    O ecocardiograma se mostra útil na avaliação da estrutura e da função cardíaca, além de auxiliar na identi-ficação de possíveis causas estruturais da insuficiência cardíaca. Não obstante o conceito de fração de ejeção seja bem aceito como indicador de disfunção de bomba, anormalidades estruturais –  como os graus de hipertrofia edilatação cardíacas –  relacionam-se mais intimamente com a fisiopatologia e o prognóstico. As medidas rotineirasdo tamanho, da estrutura e das funções sistólica e diastólica do coração devem fazer parte desse exame, fornecendoinformações importantes para o diagnóstico, prognóstico e conduta médica.

    Radiografia de tórax de um paciente saudável (à esquerda) e durante um quadro de IC (àdireita), destacando os lobos superiores dos pulmões. A seta azul indica os vasos pulmona-

    res, que no paciente saudável se mostram finos e pouco aparentes, ao passo que no paci-ente com IC temos um aumento da grossura dos vasos devido à congestão pulmonar. A

    seta vermelha indica, ainda, um alargamento do pedículo vascular

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    23/131

     

    23

    Diagnóstico diferencial

    Diversas outras condições le-

    vam à sintomatologia semelhante àencontrada na síndrome de insufici-ência cardíaca, cabendo ao médicoavaliar corretamente as peculiari-dades de cada caso e estabelecer odiagnóstico diferencial das afec-ções.

    Ao lado temos uma tabela queaponta os achados mais importan-tes nos pacientes acometidos cominsuficiência cardíaca e as suas eti-

    ologias mais prováveis.Abaixo, por outro lado, listam-

    se alguns exemplos típicos que po-dem ser incluídos na diferenciaçãoda insuficiência cardíaca de outrasdoenças.

    ENVELHECIMENTO /SEDENTARISMO: o envelhecimento natural do organismo, o sedentarismo e/ou aobesidade costumam levar a uma redução na tolerância aos esforços devido a quadros de dispneia e/ou fadiga ,sem, no entanto, apresentarem os critérios maiores e menores adicionais para o diagnóstico de insuficiência car-díaca.

    DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA

    /FIBROSE PULMONAR 

    nesses casos, a dispneia tende aser episódica , com ou sem  gatilhos ou fatores in iciadores ambientes   –  como ocorre em diversos casos de bron- quite asmáti ca  -, e normalmente se vê acompanhada com tosse, ruído tipo assobio ao se respirar (r espiraçãoasmática), expectoração e histórica clínica de tabagismo ou exposição industr ial .

    PNEUMONIA: os pacientes acometidos pela pneumonia tendem a apresentar febre e tosse produti vacom expectoração mucoide, purul enta ou sanguinolenta, além dos sinais de consol idação pulmonar , comof rêmito toracovocal aumentado e macicez àpercussão.

    TROMBOEMBOLISMO PULMONAR : o tromboembolismo pulmonar (TEP) manifesta-se pela dor to- rácica de início abrupto, em pontadas e venti latório-dependente, dispneia, tosse e hemopti se.

    MIOCARDIOPATIA PÓS-PARTO: os pacientes tendem a apresentar dispneia , embora outros sintomas,como tosse, ortopneia, dispneia paroxística notu rna, hemopti see desconf or to torácico, também se manifestem.

    CIRROSE: tipicamente leva ao surgimento de icterícia, fadiga, náusea, edemas periféricos, ascite,ginecomastia e hematêmese.

    SÍNDROME NEFRÓTICA: também tende a se manifestar na forma de edema peri férico, f adiga, dis- pneia e perda do apetite;

    TROMBOSE VENOSA PROFUNDA: costuma causar dor, inchaço, rubor e calor em membros inferio-res, especialmente na região da panturrilha .

    ESTASE VENOSA: o edema afeta apenas os membros inferiores, e a presença de veias vari cosas éum achado comum.

    Quadro de possíveis achados clínicos em uma insuficiência cardíaca associados com suas etiologias mais prováveis

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    24/131

     

    24

    Referências bibliográficas

    FAUCI, Anthony S., HAUSER, Stephen L., LONGO, Dan L., KASPER, Dennis L., JAMESON, J. Larry., LOSCALZO, Joseph. - HARRISON  –  Medicina I nterna deHarrison  - 2 Volumes - 18ª edição. Porto Alegre: Mc Graw Hill, 2013.

    GOLDMAN, Lee, AUSIELLO, Dennis - Cecil –  Tratado de Medicina I nterna   –  2 Volumes - 24ª edição - Editora Elsevier, Rio de Janeiro, 2010.ROBBINS & COTRAN. Patol ogia: B ases patol ógicas das doenças. 8ª Edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.

    PORTO, Celmo Celeno. Semiologi a médica . 7ª ed. –  Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.

    Montera MW, Almeida RA, Tinoco EM, Rocha RM, Moura LZ, Réa-Neto A, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I I Di retri z Brasileir a de Insufi ciência Car díacaAguda. Arq Bras Cardiol.2009;93(3 supl.3):1-65

    Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, Rodrigues D, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Atu ali zação da Dir etri z Br asil eir a deI nsuf ici ênci a Car díaca Crôni ca  - 2012. Arq Bras Cardiol 2012: 98(1 supl. 1): 1-33

    Toy, Patlan. Casos clíni cos em medici na inter na. 4ª edição, AMGH. Porto Alegre, 2014.

    I nsuf ici ênci a Car díaca . Medipédia, 2012. - http://www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=106

    SOARES, Djanira Alzira, at al. Qual i dade de vida de por tador es de insuf i ciênci a cardíaca . Acta Paul Efernm. 2008; 21(2):243-8. - http://www.sci-elo.br/pdf/ape/v21n2/a02v21n2 

    What causes heart fai lu re? National Heart, Lung and Blood Institute U.S. Department of Health & Human Services, 2014. - http://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/hf/causes

    COUTO, Antônio Alves, et al. Semi ologia Cardiovascular . 1ª Edição. Editora Atheneu, Rio de Janeiro, 2002.

    MARTINS, Cássio. Semiologia Car diovascular: Ausculta normal e Bulh as –  Fonese e Desdobramentos. Universidade Federal Fluminense. - http://www.uff.br/curso-desemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdf  

    Doenças Cardiovascul ares: I nsuf ici ênci a Car díaca . Manual Merck. - http://www.manualmerck.net/?id=43 BACAL, Fernando. Doenças crôni cas: in suf iciênci a cardíaca. Albert Einstein  –  Sociedade Beneficente Israelita Brasileira, 2012. -  http://www.einstein.br/einstein-

    saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspx 

    I nsuf ici ênci a car díaca congestiva. Medcorp. - http://www.medcorp.com.br/medcorp/upload/textos/marcadores_IC.html 

    OTTO, Catherine M., BONOW, Robert O. Valvular Heart Disease: A Companion to Braunwald’s Heart Disease . 4th ed., Saunders, 2013.

    Heart Fail ure in Women . Harvard Health Publications, Harvard Medical School, 2014. - http://www.health.harvard.edu/newsletter_article/Heart_failure_in_women 

    Estenose Mitral. Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro. - http://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/au-las/aula7_EM.pdf  

    Heart failure . Diseases and Conditions. Mayo Clinic, 2015. - http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/heart-failure/basics/causes/con-20029801 

    Heart Disease and Congestive Heart Fail ur e . Heart Disease Health Center. WebMD. - http://www.webmd.com/heart-disease/guide-heart-failure?page=3 

    LATALADO, A.L. et al. Predi tor es de Letali dade Hospit ala r em Pacientes com I nsuf ici ênci a Cardíaca Avançada. Arquivos Brasileiros de Cardiologia. Vol. 87, no 2,186-192, 2006.

    Chronic Congestive Heart Fail ure. Dif ferential Di agnosis. Epocrates, an AthenaHealth Company -  https://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+he-art+failure/Diagnosis/Differential 

    Treatment of Heart F ailur e. - http://tmedweb.tulane.edu/pharmwiki /doku.php/treatment_of_heart_fail ure  

    Chest X-Ray –  H eart Failur e. - http://www.radiologyassistant.nl/en/p4c132f36513d4/chest-x-ray-heart-failure.html

    http://www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=106http://www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=106http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a02v21n2http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a02v21n2http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a02v21n2http://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/hf/causeshttp://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/hf/causeshttp://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/hf/causeshttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdfhttp://www.manualmerck.net/?id=43http://www.manualmerck.net/?id=43http://www.manualmerck.net/?id=43http://www.einstein.br/einstein-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspxhttp://www.einstein.br/einstein-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspxhttp://www.einstein.br/einstein-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspxhttp://www.einstein.br/einstein-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspxhttp://www.medcorp.com.br/medcorp/upload/textos/marcadores_IC.htmlhttp://www.medcorp.com.br/medcorp/upload/textos/marcadores_IC.htmlhttp://www.medcorp.com.br/medcorp/upload/textos/marcadores_IC.htmlhttp://www.health.harvard.edu/newsletter_article/Heart_failure_in_womenhttp://www.health.harvard.edu/newsletter_article/Heart_failure_in_womenhttp://www.health.harvard.edu/newsletter_article/Heart_failure_in_womenhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula7_EM.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula7_EM.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula7_EM.pdfhttp://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/heart-failure/basics/causes/con-20029801http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/heart-failure/basics/causes/con-20029801http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/heart-failure/basics/causes/con-20029801http://www.webmd.com/heart-disease/guide-heart-failure?page=3http://www.webmd.com/heart-disease/guide-heart-failure?page=3http://www.webmd.com/heart-disease/guide-heart-failure?page=3https://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+heart+failure/Diagnosis/Differentialhttps://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+heart+failure/Diagnosis/Differentialhttps://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+heart+failure/Diagnosis/Differentialhttps://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+heart+failure/Diagnosis/Differentialhttp://tmedweb.tulane.edu/pharmwiki/doku.php/treatment_of_heart_failurehttp://tmedweb.tulane.edu/pharmwiki/doku.php/treatment_of_heart_failurehttp://tmedweb.tulane.edu/pharmwiki/doku.php/treatment_of_heart_failurehttp://www.radiologyassistant.nl/en/p4c132f36513d4/chest-x-ray-heart-failure.htmlhttp://www.radiologyassistant.nl/en/p4c132f36513d4/chest-x-ray-heart-failure.htmlhttp://www.radiologyassistant.nl/en/p4c132f36513d4/chest-x-ray-heart-failure.htmlhttp://tmedweb.tulane.edu/pharmwiki/doku.php/treatment_of_heart_failurehttps://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+heart+failure/Diagnosis/Differentialhttps://online.epocrates.com/u/293561/Chronic+congestive+heart+failure/Diagnosis/Differentialhttp://www.webmd.com/heart-disease/guide-heart-failure?page=3http://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/heart-failure/basics/causes/con-20029801http://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula7_EM.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula7_EM.pdfhttp://www.health.harvard.edu/newsletter_article/Heart_failure_in_womenhttp://www.medcorp.com.br/medcorp/upload/textos/marcadores_IC.htmlhttp://www.einstein.br/einstein-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspxhttp://www.einstein.br/einstein-saude/doencas/Paginas/tudo-sobre-insuficiencia-cardiaca.aspxhttp://www.manualmerck.net/?id=43http://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdfhttp://www.uff.br/cursodesemiologia/images/stories/Uploads/semio_cardiovascular/aulas/aula3_b1b2.pdfhttp://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/hf/causeshttp://www.nhlbi.nih.gov/health/health-topics/topics/hf/causeshttp://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a02v21n2http://www.scielo.br/pdf/ape/v21n2/a02v21n2http://www.medipedia.pt/home/home.php?module=artigoEnc&id=106

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    25/131

     

    25

    Raciocínio clínico 4ª Fase –  Fernando Netto Zanette –  Med. UFSC 13.2

    Síndrome coronariana aguda (SCA)A síndrome coronariana aguda (SCA)

    caracteriza-se por um espectro de manifes-tações clínicas e laboratoriais que variamdesde a ANGINA INSTÁVEL até o INFARTOAGUDO DO MIOCÁRDIO (IAM)   SEM ELEVA-ÇÃO DO SEGMENTO ST.

    A angina instável se distingue, de umaforma geral, da angina estável (clássica)  por

    ser uma dor de início recente ,  por ser umagravamento dos sintomas da angi na está- vel  nos últ imos 60 dias ou por ser o desen- volvimento de uma angina pós-infarto demiocárdio (IM ) 24 horas ou mai s após oinício do IM .

    A síndrome coronariana se mostra umachado frequente em pacientes com doençaarteri al coronariana (DAC), devido à for-mação de pl acas nas ar térias coronárias  com o consequente e gradual estreitamento  

    de seu lúmen .O achado mais comum da SCA é a an- 

    gina i nstável , uma condição clínica bastanteimportante e que precisa ser identificada omais rápido possível, pois o tempo se de-monstra crucial para o prognóstico e sobrevida do paciente.

    Antes de quaisquer outras informações, aprofundemo-nos no conceito por trás da angina , da qual falaremosmuito nesse arquivo.

    Angina pectoris

    A ANGINA PECTORIS  –  muitas vezes simplesmente referida como angina –  qualifica-se como uma síndr omeclínica composta por dor ou desconforto em qualquer das seguintes regiões: tórax, epigástrio, mandíbula, ombro,dorso ou membros superiores , sendo tipicamente desencadeada  ou agravada  com atividade física ou estresseemocional, e atenuada com o uso de nitr ogli ceri na sublingual e derivados .

    Mecanismo básico e generalizado do desenvolvimento da síndrome coronariana aguda. A obstrução deuma ou mais artérias coronárias leva à necrose do músculo cardíaco, seguida de infarto agudo do miocár-

    dio. 

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    26/131

     

    26

    Analisadas as características da angina à anamnese, necessita-se fazer inicialmente o diagnóstico diferencialda dor, o que nos permite classificar a angina em TÍPICA, ATÍPICA e DOR TORÁCICA NÃO ANGINOSA ou NÃO CAR-DÍACA. Para isso, algumas informações acerca da dor precisam ser determinadas, como qual idade, local ização,ir radiação, fatores desencadeantes, fatores de alívios e sintomas associados .

     Angina típica

    Denomina-se angina típica:

    A SENSAÇÃO DE DOR  ou DESCONFORTO RETROESTERNAL ou PRECORDIAL do tipo OPRESSIVA (empeso ou aperto ) ou em QUEIMAÇÃO, podendo se irradiar para  MEMBRO SUPERIOR ESQUERDO (em geral na faceulnar ), OMBRO ESQUERDO E/OU MANDÍBULA. Diversas vezes, a angina se irradia para ambos os membros superi- ores , para o membro superi or di reito  ou para o dorso ;

    CAUSADA OU INTENSIFICADA POR ATIVIDADE FÍSICA OU ESTRESSE;

    ALIVIADA EM REPOUSO OU COM O USO DE NITROGLICERINA SUBLINGUAL E DERIVADOS;

     Angina atípica

    Em muitos pacientes, a isquemia miocárdica  não  se manifesta como angina típica, e sim com uma dor torá- cica atípica  ou com sintomas diferentes de dor . A angina atípica se define quando há somente duas  das trêscaracterísticas citadas acima, sendo que o tipo da dor surge, muitas vezes, como DOR EM “PONTADA” ou “FIS-GADA”.

    Dor torácica não cardíaca

    Por fim, a dor torácica não car díaca  se de-fine como aquela em que há uma ou nenhuma  dascaracterísticas da angina típica. Em outras pala-vras, ela decorre de uma DOR NÃO ISQUÊMICA, ao passo que as anginas são o tipo de dor torácica is- quêmica .

    Além dessas três classificações, também se- paramos a angina em ESTÁVEL e INSTÁVEL. Essadiferenciação apresenta papel fundamental, pois aocorrência de uma angina instável sugere riscoiminente de síndrome coronar iana aguda (SCA)- como in farto agudo do miocárdio  - em curto in- tervalo de tempo .

     Angina estávelA angina estável   –  tipo mais comum  de an-

    gina  –   caracteriza-se pela sintomatologia da an- gina típica: DOR DE INTENSIDADE MODERADA(também descrita como desconforto ), PASSAGEIRA (de 2 a 10 minutos ), resultante de uma ISQUEMIADO MIOCÁRDIO COM ESTREITAMENTO CORONARI-

    ANO (sem obstrução total ). Ela surge e/ou se in- tensifica  aos esforços e estresse , e melhora  ao re- pouso  e uso de nitrogli ceri na sublingual e nitra- tos .

    Possíveis áreas de surgimento e irradiação nos casos de angina e IAM;

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    27/131

     

    27

    Esse tipo de angina apresenta um padrão regular , o qual, depois de alguns episódios, permite com que o paciente possa reconhecê-lo e prever quando ocorrerá. A angina estável, além disso, aumenta a probabilidade deataque cardíaco futuro.

    A angina estável , usualmente, decorre da formação de uma placa aterosclerótica nas coronárias ,o que l imi ta o f luxo sanguíneo ao músculo cardíaco.

     Angina instável

    A angina instável (AI ) , como dito, compõe uma emergência clínica devido ao risco considerável de infartoagudo do miocárdio . Podemos ter a angina instável em duas situações: decorrente da evolução de uma anginaestável prévia  ou sendo a primeira angina do paciente. A definição da angina instável surge com a presença de pelo menos uma das três  seguintes manifestações clínicas:

    DOR EM REPOUSO: a angina ocorre em repouso (ou aos mínimos esforços ), e tende a persistir pormais de 20 minutos (longa duração );

    ANGINA RECENTE: ela apresenta início recente (nas últimas quatro a seis semanas , podendo ser aprimeir a angina do paciente ) e possui caráter intenso;  

    ANGINA PROGRESSIVA: demonstra um padrão progressivo , com a dor se tornando nitidamente maisgrave, prolongada ou frequente a cada episódio.

    A angina instável , ao contrário da estável, costuma decorrer da ruptura de uma placa ateroscle- róti ca com consequente formação de trombo de plaquetas, fi br ina e ateroma , o que pode obstrui r por completoo lúmen de uma das ar térias que irr igam o músculo cardíaco.

     Nos casos em que o quadroclínico da angina instável se apre-senta acompanhado por

    elevaçãodos marcadores de lesão miocár- dica  –   como a troponina ou asisoenzimas cardíacas   -, diagnos-tica-se o in far to agudo do mio- cárdio sem supr adesnivelamentodo segmento ST (I AM SSST) .

    A distinção entre IAM semelevação do segmento ST e o IAMcom elevação do segmento STtem importância clínica pois a te-rapia de recanalização precoce

    melhora o prognóstico no IAMcom elevação de ST, mas não nosem elevação de ST.

    Quando a AI e o IAM se encontram presentes no mesmo paciente, eles compõem as SÍNDROMES ISQUÊMICASMIOCÁRDICAS INSTÁVEIS (SIMI) sem supradesnível do segmento ST . Juntamente a isso, o indivíduo com AI possui prognóstico variável de acordo com eventos desfavoráveis   –  como IAM, óbito, recorrência de angina enecessidade de revascularização miocárdica.

    Os pacientes com angina instável ou SIM I não apresentam melhoras na dor torácica  com admi-nistração de nitr ogli ceri na sublingual.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    28/131

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    29/131

     

    29

    Fisiopatologia

    Como demonstrado na classificação da an-gina, ela se vê comumente associada a uma re- 

    dução da oferta ou aumento da demanda mio- cárdica de oxigênio , superpostos em uma lesãoque ocasiona obstrução ar teri al coronariana –  geralmente uma placa coronar iana aterotrom- bótica   -, levando a uma progressiva ou atémesmo aguda ISQUEMIA MIOCÁRDICA.

    Identificaram-se quatr o processos fi siopa- tológicos que podem contribuir para aAI/IAMSSST, listados abaixo. De um modo ge-ral, pode haver o envolvimento de mais de umdesses processos no surgimento da doença.

    A  RUPTURA OU EROSÃO DE UMAPLACA ATEROSCLERÓTICA COM UM TROMBO

    NÃO OCLUSIVO ASSOCIADO, aparentando ser acausa mais comum;

    A OBSTRUÇÃO DINÂMICA do vaso,como um espasmo coronariano  que ocorre naangina de Prinzmetal ;

    OBSTRUÇÃO MECÂNICA PROGRESSIVA, como na aterosclerose coronari ana rapidamente progres- siva  ou reestenose após intervenção coronar iana percu tânea (I CP) ;

    A ANGINA INSTÁVEL SECUNDÁRIA POR AUMENTO DA DEMANDA E /OU REDUÇÃO DA OFERTA DE OXI-GÊNIO.

     Apresentação clínica

    A sensação da isquemia miocárdica geralmente se encontra localizada na área retroesternal , embora possaser sentida somente no epigástr io , nas costas , nos br aços  ou na mandíbula . A qualidade da angina pode serdescrita como em queimação, aperto, pressão ou peso , embora possa se manifestar, de forma bastante incomum ,como aguda, lancinante ou semelhante a uma faca . Além disso, deve-se ressaltar que a angina usualmente nãoapresenta relação com os movimentos respiratórios  nem com o decúbito do paciente . Dessa forma, o médico

     precisa estar muito atento aos sinais e sintomas, pois características atípicas não excluem, necessariamente, aexistência de uma angina instável.

    É importante entender que os sintomas de uma isquemia miocárdica , no entanto, nem sempre se apresentamna forma de uma dor anginosa , com a descrita acima. Quando isso ocorre, chamamos os achados de EQUIVALEN-TES ANGINOSOS, dos quais podemos citar: dor apenas no membro superior ou na mandíbula; sudorese, náusea,vômi to, pal idez, dispneia, hemoptise, tosse, pré-síncope e síncope . A dispneia , um marcador de mal prognósticonesses casos, decorre da congestão pulmonar  por disfunção diastólica e/ou sistólica do ventrícul o esquerdodurante a isquemia , como nos casos de insuf iciência cardíaca congestiva.

    Um dado bastante relevante é o fato de que os grupos de pacientes com maior probabilidade de apresentarema isquemia na forma de equivalentes anginosos  são mulheres, di abéticos, idosos, paci entes com i nsuficiênci a

    Ilustração básica dos mecanismos por trás dos principais tipos angina

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    30/131

     

    30

    renal crônica e pacientes  pós-transplante cardíaco . Nos indivíduos idosos  ou di abéticos , por exemplo, tais sin-tomas podem ser a úni ca indicação da pr esença de uma isquemia miocárdica. 

     No exame físico , sinais transitórios de disfunção ventr icul ar esquerda - como ESTERTORES BASAIS e TER-CEIRA E/OU QUARTA BULHAS - podem acompanhar  ou ocorrer logo após  um episódio de angina instável . Noscasosmais graves , onde paciente possui uma área extensa de isquemia miocárdica , os achados do exame poderão

    incluir sudorese , pele fri a  e pálida , taquicardia sinusal , hipotensão  e hipoperfusão periférica .Quando o SCA, todavia, manifesta-se como um IM sem supradesnivelamento de ST, os sinais e sintomas

     podem ser semelhantes aos do IM com supradesnivelamento de ST, dependendo do tamanho e da localização dalesão. O exame físico pode revelar, além disso, causas precipitantes  ou fatores contr ibuintes  para a angina ins- tável , como pneumonia  ou hi pertensão descontrolada .

    Diagnóstico

    Os pacientes com suspeita de síndrome coronariana aguda (SCA)  devem ser avaliados de maneira rápida eeficiente  em conta da gravidade emergencial do quadro. Um diagnóstico imediato e acurado permite o início, nomomento adequado, de uma terapia apropriada , medida de vital importância já que as complicações se acumulamnas fases precoces da SCA, e o tratamento apropriado reduz a taxa das possíveis complicações.

    Os pacientes com dor torácica que dura MAIS DE 20 MINUTOS, com INSTABILIDADE HEMODINÂMICA ou SÍN-COPE FRANCA/PRÉ-SÍNCOPE  precisam ser encaminhados a uma un idade de emergênci a hospitalar . Outros paci-entes com suspeita de angina instável podem ser inicialmente observados em uma unidade de emergência ou emum serviço ambulatorial onde se possa obter um ECG de 12 derivações .

    Um eletrocardiograma (ECG)  deve ser obtido o mais rápido possível  na avaliação inicial  de qualquer pa- ciente com suspeita de SCA . O rendimento diagnóstico é enormemente intensificado quando se registra um tra-çado durante o episódio de dor torácica. Um ECG normal  durante a dor torácica não excl ui a angina instável ;contudo, indica que, caso haja uma área isquêmica , ela não apresenta extensão ou gravidade suf icientes  paraproduzir alterações no exame , e tal achado representa um sinal prognóstico favorável ao paciente.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    31/131

     

    31

    O eletrocardiograma (ECG) destaca-se como o exame padrão ouro na suspeita de síndrome co- ronari ana aguda , utilizado em conjunto com a medição sérica de troponina no diagnóstico di ferencial da sín- drome .

    A avaliação inicial deve ser direcionadaa determinar se os sintomas  provêm  ou nãode uma isquemia miocárdica  e, caso sejam,o nível de risco . A probabil idade de IAM   pode ser estimada a partir do histórico,exame físico e ECG . Essas informações e aavaliação das características clínicas do paci-ente revelam se a probabilidade de os sinto-mas serem consequentes de uma isquemiamiocárdio é alta , intermediária   ou baixa .Com base nos resultados, a tri agem inicial dopaciente e seu tr atamento devem ser deter- minados. 

     No paciente comdoença coronar iana  jádiagnosticada, os sintomas típicos possuemalta probabili dade   de provirem de uma is- quemia miocárdica , especialmente nos casosem que o indivíduo confirma que os sintomasatuais são idênticos aos dos episódios anteri - ores . Por outro lado, mesmo que a dor torá-cica demonstre algumas car acterísticas típi- cas , é improvável  que se relacione com isque- mia miocárdica  no indivíduo jovem que nãoapresente fatores de risco para coronar iopatias  (tabela acima).

    O diagnóstico  da angina instável  tende ocorrer de modo mais di fíci l  que o da angina estável devido à au- sênci a de alguns padrões distintos . A típica rel ação entre angina estável  e esforço físico  ou outras atividadesestressantes constitui uma característica diagnósti ca chave dessa angina que está ausente na instável . A SÍN-DROME CORONARIANA AGUDA, como comentado, tende a ser POUCO ALIVIADA PELA NITROGLICERINA, ao passoque a ANGINA ESTÁVEL SEMPRE RESPONDE A ELA. Ademais, a angina instável costuma apresentar maior duraçãoe instabi li dade do desconf orto torácico .

    Esquematização gráfica do espectro da síndrome coronariana aguda (SCA), bemcomo os procedimentos a serem realizados para a resolução de diagnóstico correto.

    STEMI: infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST; NSTEMI:infarto agudo do miocárdio sem elevação do segmento ST; Adaptado de Hamm CW

    et al, 2011.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    32/131

     

    32

    Em caso de suspeita de SCA em paciente com menos de 50 anos de idade , salienta-se importante investigarsobre o uso de COCAÍNA, independentemente da classe social ou raça. A cocaína , como dito no início do arquivo, pode causar vasoespasmo coronariano  e trombose , além dos seus efeitos di retos sobre a f requênci a car díaca  epressão arter ial , destacando-se como causa de angina instável e IAM .

    O exame físico de pacientes com ANGINA ESTÁVEL, usualmente, apresenta-se NORMAL. Todavia, durante oepisódio anginoso , o exame pode oferecer indícios valiosos a respeito da existência ou não de uma doençaarteri al coronariana (DAC).

    Presença de B3, B4 ou galope, sopro de regurgitação mitr al , desdobramento paradoxal de B2 eestertores pulmonares bibasais  são fatores sugestivos e preditores de DAC ;

    Achados de aterosclerose em outros terr itóri os –  como pul sos de membros infer iores diminuídos, endurecimento ar teri al e aneurisma abdominal   –  aumentam a probabilidade de DAC ;

    Outros dados, como hipertensão arter ial sistêmica , xantomas   e exsudatos retinianos apontam para a presença de fatores de risco da DAC ;

    A presença de hi pofonese das bulhas cardíacas , bem como de rubor f acial , podem indicar doen- ças do pericárdio e/ou pleur a contígua ao coração ;

    A palpação da parede torácica  frequentemente revela os locais da dor  nos pacientes com síndro- mes musculoesqueléticas , embora possam, também, estar presente naqueles com angina típica ;

    Diagnóstico diferencial

    A dor anginosa se assemelha a diversos outr os tipos de dor torácica não isquêmica  encontradas nos ambu-latórios, cabendo ao médico a capacidade de diferenciar clinicamente esses casos para que possam ser adotadasas medidas de tratamento necessárias. Citaremos, inicialmente, cinco diagnósticos dif erenciais de extr ema im- portância devido ao fato de que possuem alto r isco de morte ao paciente.

  • 8/16/2019 Apostila de Raciocínio Clínico para o Estudante de Medicina - Fernando Zanette

    33/131

     

    33

    Dissecção da aorta

    A DISSECÇÃO AGUDA DE AORTA (DAA), secundária àhi p