cefaleia - fernando zanette

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Page 1: Cefaleia - Fernando Zanette

Raciocínio clínico 4ª Fase – Fernando Netto Zanette – Med. UFSC 13.2

Cefaleia A cefaleia – conhecida popularmente como dor de cabeça – constitui um problema extremamente frequente

na população em geral, sendo uma das causas mais comuns de busca de atendimento médico. O termo cefaleia

em si aplica-se a todo o processo doloroso referido no segmento cefálico, o qual pode se originar em qualquer

uma das estruturas faciais ou cranianas.

Em relação à epidemiologia, estima-se

que cerca de 90% da população mundial já

apresentou ou irá apresentar um episódio

de cefaleia ao longo da vida. Entre 5% a

10% da população procuram médicos de

forma intermitente devido a quadros de ce-

faleia. No ambulatório geral de clínica mé-

dica, a cefaleia representa o terceiro diag-

nóstico mais comum (10.3%), sendo su-

plantado apenas por infecções de vias aé-

reas e problemas digestivos. Juntamente a

isso, no ambulatório de neurologia, a cefa-

leia se enquadra como o motivo mais im-

portante de encaminhando, seguida por

epilepsia e transtornos mentais.

Os mecanismos por trás da cefaleia

apresentam as mais variadas origens, sendo

que os mais aceitos se enquadram como:

distensão, tração ou dilatação das artérias

intra e extracranianas; tração ou desloca-

mento de grandes veias intracranianas; ir-

ritação meníngea e aumento da pressão intracraniana; compressão, tração ou inflamação de nervos cranianos

ou espinais; espasmos, inflamação ou trauma da musculatura craniana.

A procura à emergência devido à cefaleia geralmente se enquadra em um desses casos: 1ª cefaleia

da vida, a pior cefaleia da vida ou cefaleia que não melhora.

Dessa maneira, a avaliação completa e sistemática das cefaleias pelo médico se mostra imprescindível para

o correto diagnóstico do paciente. De um modo geral, pode-se diagnosticar as origens das cefaleias por meio da

anamnese e do exame físico detalhados e de boa qualidade, utilizando os exames complementares de imagens

– especialmente a tomografia – apenas para confirmação do diagnóstico.

Anamnese

A anamnese em casos de cefaleia consiste, basicamente, nos mesmos princípios da maioria das queixas apon-

tadas pelos pacientes: determinar suas características e correlações com outras enfermidades. Nesse âmbito,

visando a facilitar e precisar o diagnóstico, cabe ao médico identificar:

MODO DE INSTALAÇÃO DA DOR: aguda, subaguda, crônica. As cefaleias secundárias associadas

a ruptura de aneurisma, por exemplo, apresentam instalação aguda, ao passo que as decorrentes de migrâneas

costumam ter um início gradual e lento;

Esquematização de acometimento regional dos tipos mais comuns de cefaleia

Page 2: Cefaleia - Fernando Zanette

DURAÇÃO DA DOR: minutos, horas, dias. Em casos de migrânea, por exemplo, a cefaleia costuma

durar de quatro a 72 horas;

FREQUÊNCIA DAS CRISES: diárias, semanais, mensais, anuais;

LOCALIZAÇÃO DA DOR: generalizada (holocraniana), uni/bilateral, migratória, temporal/fron-

tal/occipital. Nas cefaleias tensionais, a dor tende a se localizar bilateralmente, enquanto que as migrâneas pos-

suem um caráter predominantemente unilateral;

CARÁTER DA DOR: pulsátil, em peso, em aperto, em facadas, em choques. As cefaleias tensionais

tendem a apresentar dor de caráter constritivo, ao passo que as cefaleias das migrâneas possuem dor em forma

pulsátil.

INTENSIDADE DA DOR: relacionada ao grau de incapacitação gerado, podendo ser fraca (não inter-

fere na vida diária do paciente), moderada (interfere nas atividades sem restringi-las) e intensa (interfere nas

atividades ao ponto de impedi-las e, em alguns casos, restringir o paciente ao leito). As cefaleias de migrânea

possuem intensidade de moderada a forte, enquanto que cefaleias secundárias associadas a ruptura de aneu-

risma têm intensidade excruciante;

FATORES PRECIPITANTES OU DE AGRAVAMENTO: a exemplo do ciclo menstrual, ingestão de ali-

mentos gordurosos (como queijo) e de álcool;

FATORES DE ALÍVIO: medidas adotadas pelo paciente na tentativa de melhorar a dor, como uso de

medicamentos e repouso;

SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS ÀS CRISES DE CEFALEIA: citando, como exemplo, a presença de

náuseas e/ou vômitos, fotofobia, fonofobia, rigidez nucal, sinal neurológico focal, febre;

COMORBIDADES: existência de doenças crônicas e debilitantes, como HIV, e de medicações imu-

nossupressoras, como no tratamento de neoplasias;

ESCALA VISUAL ANALÓGICA (EVA): escala utilizada para auxiliar o paciente na classificação da dor

que está sentindo. Costuma ter uma escala que varia de 0 a 10, sendo a primeira a ausência de dor e a última uma

dor insuportável.

Exame físico

Durante o exame físico, o médico deve estar atento a:

CHECAGEM DE SINAIS VITAIS: quadros de hipotensão, por exemplo, podem indicar a presença de

uma hemorragia aguda intracraniana, como uma hemorragia subaracnóidea ou uma hemorragia subdural;

PALPAÇÃO DAS ARTÉRIAS TEMPORAIS: o espessamento dessas artérias pode indicar a presença de

arterite temporal (arterite de células gigantes), a qual tende a se manifestar com cefaleia, dor no couro cabeludo,

perda de visão, claudicação da mandíbula, além de dor e nódulos nas artérias temporais. A doença se mostra

mais comum em idosos e possui elevada importância clínica;

PALPAÇÃO SUAVE DE GLOBOS OCULARES: em busca de glaucoma, o que pode apontar para uma

síndrome de hipertensão intracraniana (HIC);

PALPAÇÃO DA MUSCULATURA FACIAL/CERVICAL;

PERCUSSÃO DOS SEIOS DA FACE: nas suspeitas de sinusopatias;

ABERTURA E FECHAMENTO DA BOCA: investigando uma disfunção da articulação temporomandi-

bular (ATM);

Page 3: Cefaleia - Fernando Zanette

EXAME NEUROLÓGICO: com especial atenção ao

exame de fundo de olho (procura por papiledema, achado co-

mum na síndrome de hipertensão intracraniana) e à pesquisa

de sinais de irritação meníngea;

Com a clínica abordada de um modo geral, podemos nos

aprofundar nas subdivisões da cefaleia.

Classificação

De acordo com o sistema de classificação desenvolvido

pela International Headache Society (IHS), podemos classificar

a cefaleia em primária e secundária a partir de sua origem.

Cefaleia primária

As cefaleias primárias se caracterizam como aquelas onde a cefaleia e suas manifestações associadas não

apresentam relação a outras causas subjacentes, constituindo o distúrbio em si. Essas cefaleias não apresentam,

logo, uma origem específica, podendo possuir natureza multifatorial e caráter hereditário. A MIGRÂNEA (também

conhecida como enxaqueca) COM OU SEM AURA se destaca como o tipo mais comum de cefaleia primária, embora

existam diversos outros, como a CEFALEIA TENSIONAL (CT), as cefalgias autonômicas do trigêmeo (CAT) - prin-

cipalmente as CEFALEIAS EM SALVA (CLUSTER HEADACHE) - e as CEFALEIAS CRÔNICAS DIÁRIAS.

A cefaleia primária usualmente resulta em considerável incapacidade e redução da qualidade de vida do

indivíduo. As cefaleias crônicas que persistem por meses ou anos sem piora com o tempo têm, normalmente,

caráter primário e podem ser recorrentes - como na enxaqueca, na cefaleia em salvas e na cefaleia do tipo

tensional episódica – ou persistentes, surgindo diária ou quase diariamente, a exemplo da enxaqueca crônica,

uma das mais encontradas nos consultórios médicos.

Migrânea

A MIGRÂNEA ou ENXAQUECA se mostra a segunda causa mais comum de cefaleia, acometendo principal-

mente o sexo feminino, cujas crises são mais frequentes, mais incapacitantes e mais duradouras quando com-

paradas ao sexo masculino. A migrânea com aura, explicada a seguir, possui uma frequência inferior à sem

aura, além desta ter caráter incapacitante muito maior.

De uma forma geral, a enxaqueca se enquadra como uma cefaleia episódica associada a determinadas ma-

nifestações, como sensibilidade à luz, ao som ou ao movimento. Os sintomas mais comuns associados a crises

graves de migrânea se listam como NÁUSEAS e VÔMITOS, podendo também apresentam PERTURBAÇÕES VISUAIS,

PARESTESIAS, VERTIGEM, ALTERAÇÕES DE

CONSCIÊNCIA, DIARREIA, SÍNCOPE, entre

outros.

A cefaleia na migrânea diversas vezes

é reconhecida por meio de seus ativadores

ou amplificadores, chamados de gatilhos.

Temos como exemplo destes as oscilações

hormonais durante a menstruação, clari-

dade, luzes brilhantes, barulhos ou outros

estímulos aferentes, fome, desidratação,

estresse excessivo, esforço físico, alimen-

tos que contenham glutamato ou aspar-

tame, drogas vasodilatadoras (como nitra-

tos), ausência ou excesso de sono, cafeína Quadro esquemático dos procedimentos para determinação abordagem da cefaleia primária ou da se-

cundária. Os fatores de alarme referidos são os Redflags, melhor explicados mais adiante

Exame de fundo de olho demonstrando, à esquerda, o nervo óptico saudável, ao que passo que, à direita, temos um nervo óptico aco-

metido pelo papiledema em um caso de glaucoma

Page 4: Cefaleia - Fernando Zanette

(café, chocolate, certos tipos de chá), alimentos gordurosos (sendo o queijo bastante comum) e álcool (como

vinho tinto) ou outros estímulos químicos.

Antes do diagnóstico definitivo de migrânea, outros possíveis déficits neurológicos precisam ser

excluídos.

Define-se migrânea episódica como sendo crises de migrânea que ocorrem em menos de 15 dias por mês,

ao passo que temos a migrânea crônica como crises que acontecem em 15 ou mais dias por mês.

Fisiopatologia da migrânea e da aura migranosa

A migrânea foi considerada uma cefaleia de origem vascular até o final do século XX, todavia, atualmente,

sabe-se que ela resulta de uma disfunção cerebral, com anormalidades vasculares secundárias a um evento

neuronal. A migrânea tem um componente genético bastante decisivo, e um grande estudo genético sugere o

envolvimento das vias glutamatérgicas na patogênese da migrânea. Mutações genéticas no cromossomo 19 foram

descritas na migrânea hemiplégica familiar (FMH1 e 2), um grupo raro de migrâneas autossômicas dominan-

tes.

Em relação à aura, mais detalhada a seguir, acredita-se que a depressão alastrante cortical (DAC), um pro-

cesso transitório que compromete a função cortical a uma velocidade de aproximadamente 3 mm/min, seja o

mecanismo subjacente da aura. É possível, também, que a DAC esteja implicada na geração da cefaleia migra-

nosa.

Classificação

A migrânea pode ser dividida em dois subtipos principais: a migrânea sem aura e a migrânea com aura.

Migrânea sem aura

A migrânea sem aura, a qual apresenta frequentemente uma estreita relação com a menstruação, apresenta-

se como uma CEFALEIA RECORRENTE manifestada em crises que DURAM DE QUATRO A 72 HORAS. Os critérios

diagnósticos para essa cefaleia se listam abaixo.

Pelo menos CINCO CRISES pre-

enchendo os critérios abaixo;

Cefaleia durando de QUATRO A

72 HORAS (sem tratamento ou com tratamento

ineficaz);

A cefaleia preenche ao menos

duas das seguintes características: LOCALIZA-

ÇÃO UNILATERAL; CARÁTER PULSÁTIL; INTEN-

SIDADE DE MODERADA A FORTE; EXACERBADA

POR OU LEVANDO O INDIVÍDUO A EVITAR ATIVI-

DADES FÍSICAS ROTINEIRAS (caminhar ou subir

escadas, por exemplo);

Durante a cefaleia, pelo menos

um dos seguintes: NÁUSEA E/OU VÔMITOS; FO-

TOFOBIA E FONOFOBIA;

NÃO ATRIBUÍDA A OUTRO TRANSTORNO;

A diferenciação entre a migrânea sem aura e a cefaleia do tipo tensional episódica infrequente

costuma ser difícil. Por esse motivo, pelo menos cinco crises são requeridas para a migrânea sem aura. Indivíduos

que preenchem os critérios para esta, mas tiveram menos do que cinco crises, enquadram-se como provável mi-

grânea sem aura.

Quadro ilustrativo dos critérios diagnósticos adotados para determinação da enxaqueca sem aura

Page 5: Cefaleia - Fernando Zanette

A cefaleia da migrânea normalmente se manifesta como FRONTOTEMPORAL. Nas crianças, a cefaleia occi-

pital – tanto uni quanto bilateral - é rara e requer cautela no diagnóstico, devido ao fato de que muitos casos se

mostram atribuíveis a lesões estruturais. Ao contrário da apresentação nos adultos, a cefaleia da migrânea cos-

tuma se manifestar bilateralmente nas crianças, sendo que o padrão unilateral tende a emergir apenas no final

da adolescência ou início da vida adulta.

Quando o paciente adormece durante a crise de migrânea e acorda sem ela, considera-se a dura-

ção da crise como sendo até o momento do despertar.

Migrânea com aura

Esse subtipo de migrânea – também

conhecido como migrânea clássica - é pri-

mariamente caracterizada pela crise de sin-

tomas neurológicos focais reversíveis que,

na maioria das vezes, precedem ou acom-

panham a cefaleia. Esses sintomas focais

costumam se desenvolver gradualmente

em 5 a 20 minutos e duram menos de 60

minutos.

Dessa maneira, a principal diferencia-

ção entre os dois subtipos de migrânea gira

em torno da presença ou ausência dos si-

nais focais, os quais usualmente se apresen-

tam como alterações visuais (escotomas

cintilantes e perda do campo visual) e sen-

sitivas (parestesias – normalmente de início

nas mãos e com migração para membros su-

periores). Menos frequentemente podemos ter também perturbações da fala, normalmente disfásicas. Caso a aura

inclua paresia, deve-se investigar a existência da migrânea hemiplégica familiar.

Por volta de 20% a 30% dos pacientes com migrânea apresentam aura e sintomas neurológicos, os quais,

como já citado, tendem a preceder a fase da cefaleia.

Cefaleia tensional (CT)

A cefaleia tensional (CT) ou cefaleia do tipo tensional (CTT) se enquadra como uma síndrome de cefaleia

crônica caracterizada por desconforto bila-

teral, constritivo, em faixa, com a ocorrên-

cia de pelo menos dez crises de duração de

30 minutos a 7 dias. A dor costuma se de-

senvolver lentamente, oscilar em intensi-

dade e pode persistir de maneira mais ou

menos contínua por muitos dias. É possí-

vel, ainda, classificar a cefaleia tensional em

episódica ou crônica (presente por mais de

15 dias/mês).

A cefaleia do tipo tensional episódica

(CTTE) mostra-se mais frequente que a crô-

nica, acometendo preferencialmente mulhe-

res e com pico na quarta década de vida.

Quadro ilustrativo dos critérios diagnósticos da cefaleia tensional (CT)

Quadro ilustrativo da caracterização de aura

Page 6: Cefaleia - Fernando Zanette

Enquanto a prevalência da CTTE diminui com a idade, a cefaleia do tipo tensional crônica (CTTC) aumenta.

Juntamente a isso, os hormônios sexuais influenciam bem menos a cefaleia tensional em comparação com as

migrâneas.

O quadro clínico da cefaleia tensional se caracteriza por uma cefaleia de intensidade leve a moderada, não

pulsátil, sendo em aperto ou pressão e, na maioria das vezes, bilateral. Os sintomas de náusea, vômito, fotofobia

ou fonofobia, presentes na migrânea, estão ausentes nesse caso. Ela costuma se apresentar como frontal, occipital

ou holocraniana, sendo que a dor pode melhorar com atividades físicas. Essa cefaleia surge, comumente, ao

final de tarde, após um dia extenuante de trabalho físico ou mental. Ela se encontra relacionada ao estresse

físico (cansaço, exagero de atividade física especialmente no calor e sol), muscular (posicionamento do pescoço

no sono ou no trabalho) ou emocional. Em diversas ocasiões, há hiperestesia e hipertonia da musculatura epi-

crânica que pode ser percebida com a palpação cuidadosa.

O principal diagnóstico diferencial da cefaleia tensional é a migrânea com ou sem aura.

Cefaleia em salvas

A cefaleia em salvas, pertencente ao grupo de cefalgias autonômicas do trigêmeo (CAT), destaca-se como

uma forma rara de cefaleia primária, afetando por volta de

0,1% da população. A dor nessa cefaleia se apresenta de forma

profunda, usualmente de localização retrorbital, na maioria

das vezes de intensidade excruciante, não flutuante e de ca-

racterística explosiva. Juntamente a isso, a periodicidade se

mostra uma peculiaridade fundamental na cefaleia em salvas.

Pelo menos uma das crises diárias de dor recorre aproximada-

mente na mesma hora todo dia, ao longo do episódio de salvas.

O paciente típico com cefaleia em salvas tem surtos diários de

uma ou duas crises de dor unilateral de duração relativamente

curta por de 8 a 10 semanas por ano; essa fase de crises nor-

malmente se vê acompanhada por um intervalo sem dor, o qual

dura pouco menos de um ano.

A cefaleia em salvas se enquadra como crônica nos casos

onde não há um período significativo de remissão continuado.

De modo geral, os pacientes sentem-se perfeitamente bem entre

os episódios de cefaleia. Em por volta de

50% dos quadros a cefaleia em salvas possui

surgimento noturno, acometendo, nesses

casos, os homens cerca de três vezes mais

frequentemente do que as mulheres. Os pa-

cientes com cefaleia em salvas tendem a se

movimentar durante as crises, movendo-se

ritmadamente, sacudindo ou friccionando a

cabeça em busca de alívio da dor. Alguns

podem até mesmo ficar agressivos durante

as crises – exatamente o contrário dos paci-

entes com migrânea, os quais preferem per-

manecer imóveis.

A cefaleia em salvas está associada a

sintomas ipsilaterais (do mesmo lado) de

ativação autonômica parassimpática crani-

ana: hiperemia conjuntival ou lacrimeja-

mento, rinorreia ou congestão nasal ou dis-

função simpática craniana, como ptose. O Quadro esquemático das principais manifestações clínicas da cefaleia em salvas, bem como seus méto-dos terapêuticos

Page 7: Cefaleia - Fernando Zanette

déficit simpático se mostra periférico e provavelmente causado por ativação parassimpática com lesão às fibras

simpáticas ascendentes que circundam a artéria carótida dilatada ao entrar na cavidade craniana. Quando presente,

há probabilidade muito maior de a fotofobia e a fonofobia serem unilaterais e ipsilaterais à dor, e não bilaterais,

como na migrânea. Esse fenômeno de fotofobia/fonofobia unilaterais é característico da CAT. A cefaleia em

salvas provavelmente se destaca como um distúrbio que envolve os neurônios marca-passo centrais na região do

hipotálamo posterior.

Cefaleia secundária

Em contrapartida às primárias, as cefaleias secundárias manifestam-se como doenças orgânicas que são

capazes de desencadear a cefaleia como um de seus sintomas, sendo, assim, causadas por distúrbios exógenos.

Dessa forma, a dor seria consequente de uma doença clínica ou neurológica.

Das diversas de doenças promotoras de cefaleia e que compõem esse subtipo, podemos citar infecções sis-

têmicas, disfunções endócrinas, intoxicações, meningites, encefalites neoplasias cerebrais, otite média e sinu-

site aguda. Os sangramentos intracranianos – como em muitos casos de síndrome hipertensiva intracraniana

– também merecem destaque nas cefaleias secundárias, principalmente por sua importante gravidade na sobrevida

do paciente.

Quadros de cefaleia secundária branda – como observada em associação a infecções do trato respiratório

superior – mostram-se bastante comuns, raramente preocupando o médico ou o paciente. A cefaleia ameaçadora

à vida, todavia, é relativamente incomum, sendo necessário ter vigilância a fim de reconhecer e tratar de maneira

apropriada os enfermos.

Salienta-se de extrema importância a distinção entre esses dois tipos de cefaleia, em decorrência do fato de

que, embora as primárias interfiram na qualidade de vida do paciente pela cronicidade, as secundárias podem

apresentar complicações graves e, até mesmo, fatais, na dependência da etiologia da doença causadora da cefaleia.

Redflags para cefaleias secundárias

Existem diversos fatores e achados que devem ser vistos pelo médico como sinais de atenção para a possibi-

lidade da existência de uma cefaleia secundária, necessitando de uma avaliação criteriosa do paciente. Dentre

esses achados, destacamos os seguintes:

CEFALEIA NOVA COM INÍCIO APÓS OS CINQUENTA ANOS DE

IDADE, podendo indicar arterite temporal, tumor cerebral, hematoma

subdural, acidente vascular cerebral (AVC);

CEFALEIA NOVA, INTENSA E DE INÍCIO SÚBITO/ABRUPTO,

com possibilidade de hemorragia subaracnoide, AVC hemorrágico ou

isquêmico;

MUDANÇA INEXPLICÁVEL NA CARACTERÍSTICA OU PA-

DRÃO DA CEFALEIA, como nos casos de transição de uma cefaleia pri-

mária para secundária por quaisquer causas;

EVOLUÇÃO PROGRESSIVA DA INTENSIDADE DA CEFALEIA, fazendo com que ela se torne mais forte ao longo dos dias, semanas ou

meses (normalmente até três meses). Pode ser um bom indicativo de tu-

mor cerebral de crescimento rápido (à medida que o tumor cresce, com-

prime as estruturas cranianas e intensifica a dor), hematoma subdural,

abscesso cerebral, meningites crônicas (fungo, tuberculose); Tomografia computadorizada de crânio, demonstrando

a presença de um extenso hematoma subdural (seta azul) comprimindo o cérebro, o qual é empurrado (seta

vermelha) contralateralmente ao coágulo de sangue

Page 8: Cefaleia - Fernando Zanette

CEFALEIA EXPLOSIVA E DE INÍCIO ABRUPTO (EM SEGUNDOS OU MINUTOS), SENDO REFERIDA PELO

PACIENTE COMO “A PIOR DOR DE CABEÇA DA VIDA”, com forte indicação de hemorragia subaracnóidea por rup-

tura de aneurisma, sangramento por má formação arteriovenosa

(MAV), hematoma intracerebral;

CEFALEIA QUE ACORDA O PACIENTE DURANTE A NOITE,

podendo indicar tumor cerebral;

CEFALEIA REFRATÁRIA AO TRATAMENTO (com drogas e

doses adequadas);

CEFALEIA RELACIONADA AO ESFORÇO FÍSICO, TOSSE OU

ATIVIDADE SEXUAL, como em casos de hemorragia subaracnóidea, le-

são expansiva de fossa posterior, doença de Paget;

CEFALEIA ASSOCIADA AO CÂNCER;

CEFALEIA ASSOCIADA A HISTÓRICA RECENTE DE

TRAUMA COM OU SEM PERDA DE CONSCIÊNCIA, apontando para hema-

toma subdural, hemorragia intracraniana, cefaleia pós-traumática;

CEFALEIA DE INÍCIO RECENTE EM PACIENTES IMU-

NOCOMPROMETIDOS, como nos casos de AIDS, neoplasia, uso de imu-

nossupressores, neurotoxoplasmose, neurosífilis (neuroblues);

CEFALEIA ASSOCIADA A RIGIDEZ DE NUCA E FEBRE,

dando atenção especial às meningites;

CEFALEIA ASSOCIADA A SINAIS NEUROLÓGICOS FOCAIS, a exemplo de papiledema, rigidez nucal e

paralisia – como nas meningites e hemorragia intracraniana;

CEFALEIA ASSOCIADA A ALTERAÇÃO DO ESTADO MENTAL OU DA CONSCIÊNCIA;

Cefaleia secundária associada à meningite

As cefaleias agudas e intensas com

rigidez nucal e febre sugerem quadros de

meningite, uma infecção aguda no inte-

rior do espaço subaracnóideo, podendo

ter etiologia bacteriana ou viral. Em re-

lação à bacteriana, ela se encontra asso-

ciada à reação inflamatória do sistema

nervoso central, que pode resultar em di-

minuição de consciência (de letargia a

coma), crises epilépticas, hipertensão

intracraniana (HIC) e acidente vascu-

lar encefálico (AVE).

Nos casos onde há qualquer de um

dos sinais de irritação meníngea – com-

pondo a SÍNDROME DE IRRITAÇÃO MENÍN-

GEA -, determinados por meio das mano-

bras de TESTE DE RIGIDEZ NUCAL, SINAL

DE BRUDZINSKI e/ou SINAL DE KERNIG, a

punção lombar com coleta de líquido

cerebrospinal (LCS) em busca da confir-

mação do diagnóstico e do agente pato-

lógico se mostra indispensável.

Os três testes básicos para a identificação da síndrome de irritação meníngea, sendo eles indispensáveis em qual-quer quadro de cefaleia com sintomatologia infecciosa, como febre.

O teste de rigidez nucal consiste, como o nome diz, em avaliar a presença de rigidez perceptível e/ou dor na nuca do paciente com o movimento passivo desta;

O sinal de Kernig consiste em promover a extensão passiva do joelho do paciente com o joelho em ângulo de 90º, sendo que a dor com o movimento indica irritação meníngea;

O sinal de Brudzinski compõe a elevação passiva da nuca do paciente, sendo que, caso este realize simultanea-mente um movimento de flexão dos membros inferiores, há o indicativo de irritação meníngea;

Tomografia computadorizada de crânio, demonstrando a pre-sença de um extenso hematoma epidural (seta azul) radiopaco e

de formato convexo ou em lente

Page 9: Cefaleia - Fernando Zanette

De maneira frequente, o movimento dos olhos tende a intensificar acentuadamente a cefaleia nes-

ses casos.

As cefaleias agudas que atingem sua máxima intensidade em minutos ou poucas horas, de forma geral,

encontram-se relacionadas a MENINGITES, ENCEFALITES, HEMORRAGIAS CEREBRAIS NÃO ARTERIAIS, SINUSITES

AGUDAS, entre outras.

A meningite bacteriana pode se apresentar como doença aguda fulminante que evolui rapidamente em

algumas horas, ou como uma infecção subaguda que piora de forma progressiva ao longo de vários dias. A

TRÍADE CLÁSSICA DA MENINGITE consiste em FEBRE, CEFALEIA e RIGIDEZ NUCAL, embora a doença possa estar

presente sem qualquer um desses componentes.

Deve-se estar atento ao diagnóstico diferencial da cefaleia secundário por meningite com a migrânea, pois

os sintomas cardinais de cefaleia latejante, fotofobia, náuseas e vômitos usualmente se encontram presentes em

ambos os casos.

Nos quadros com presença de síndrome de hipertensão intracraniana, relativamente comum à

meningite bacteriana, os sinais frequentes incluem deterioração ou redução do nível de consciência, papiledema,

pupilas dilatadas e pouco reativas, paralisia do VI nervo craniano, postura de descerebração e presença do

reflexo de Cushing (bradicardia, hipertensão arterial e respiração irregular).

Salienta-se necessário ressaltar que, em qualquer caso de cefaleia com sintomatologia infecciosa, as mano-

bras para identificação da síndrome de irritação meníngea, citadas acima, são obrigatórias.

Cefaleia secundária associada à hemorragia intracraniana

Em decorrência da imensa rigidez óssea do

crânio, aumentos significativos no volume do

conteúdo intracraniano – encéfalo, líquido cere-

brospinal (LCS) e sangue –, como nos casos de

obstrução do fluxo de LCS, edema de tecido ce-

rebral ou aumentos no volume por tumor ou he-

matoma, acabam por promover uma elevação na

pressão intracraniana (PIC). Essa hipertensão

intracraniana (HIC) diminui a perfusão cerebral

e pode gerar isquemia tecidual.

A CEFALEIA AGUDA E INTENSA COM RIGIDEZ

DE NUCA, contudo SEM FEBRE, sugere HEMORRA-

GIA SUBARACNÓIDEA (HSA). Excluindo o trauma-

tismo intracraniano, a causa mais comum da HSA

se apresenta como a RUPTURA DE UM ANEURISMA

SACULAR. Outras causas frequentes incluem san-

gramento de malformações vasculares (como de

malformação arteriovenosa ou fístula arterial-

venosa dural) e extensão para o espaço subarac-

nóideo de hemorragia intracerebral primária.

Uma hemorragia intraparenquimatosa também

pode se apresentar somente na forma de cefaleia.

Raramente, caso a hemorragia demonstre leve intensidade ou ocorrer abaixo do forme magno, a tomografia

computadorizada (TC) de crânio pode se demonstrar inalterada. Dessa maneira, a punção lombar pode ser ne-

cessária para estabelecer o diagnóstico definitivo de hemorragia subaracnóidea.

Na tomografia computadorizada de crânio, o sangue extravasado e acumulado em qualquer região

do crânio adquire uma coloração radiopaca (esbranquiçada);

Esquematização ilustrativa dos quatro tipos de hemorragias intracranianas, responsáveis, nas di-versas vezes, por elevar a pressão intracraniana e desencadear a síndrome da hipertensão intra-

craniana

Page 10: Cefaleia - Fernando Zanette

Aneurisma cerebral e hemorragia subaracnóidea

O aneurisma cerebral – de forma semelhante a qual-

quer outro aneurisma – consiste na dilatação anormal da

parede arterial, ocorrendo com maior frequência na bifur-

cação das artérias cerebrais. À medida que o aneurisma se

dilata e cresce com o passar do tempo, sua parede tende a

se tornar mais delgada (a exemplo de quando enchemos

uma bexiga), podendo romper e causar um intenso sangra-

mento chamado de HEMORRAGIA SUBARACNÓIDEA (HSA).

Embora esta não se mostre muito comum (0,1% de ameri-

canos/ano), os pacientes cujo aneurisma cerebral se rompe e

inunda o espaço subaracnoide com uma coleção sanguínea

apresentam um risco imediato de morte ou déficit neuroló-

gico severo, necessitando de uma abordagem emergencial

o mais rápido possível.

Classicamente, os pacientes que sobrevivem ao sangra-

mento por um aneurisma relatam, como já dito, como a PIOR

CEFALEIA DA VIDA. Esta pode se apresentar associada a náu-

seas, vômitos, perda de consciência, convulsão e algum dé-

ficit neurológico motor, rigidez nucal ou uma combinação

de todos. Cerca de 40% dos acometidos reportaram a exis-

tência de uma CEFALEIA SENTINELA DUAS SEMANAS ANTES DA HEMORRAGIA SUBARACNÓIDEA, que pode ser de-

corrente de pequenos sangramentos antes do aneurisma se romper.

Diante de uma suspeita clínica da hemorragia subaracnóidea, o

diagnóstico pode ser confirmado por meio de uma tomografia com-

putadorizada (TC) de crânio, apontando para o sangramento em

cerca de 95% dos casos. Caso ela venha negativa e persista a forte

suspeita clínica, todavia, a punção lombar se vê indicada. Detec-

tado a presença de sangue no espaço subaracnóideo, necessita-se

a identificação do sítio de sangramento.

Tomografia computadorizada de crânio evidenciando hemorragia suba-racnóidea difusa (a seta vermelha indica o sangue)

Tomografia computadorizada de crânio evidenciando hemorra-gia subaracnóidea extensa (a seta preta indica o sangue)

Page 11: Cefaleia - Fernando Zanette

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