apostila aneis cristina marques

77
Introdu¸ c˜ao`aTeoriadeAn´ eis Cristina Maria Marques Departamento de Matem´atica-UFMG 1999 ( com revis˜ao em 2005)

Upload: ezequielbds

Post on 03-Jul-2015

717 views

Category:

Documents


4 download

TRANSCRIPT

Page 1: Apostila Aneis Cristina Marques

Introducao a Teoria de Aneis

Cristina Maria MarquesDepartamento de Matematica-UFMG

1999 ( com revisao em 2005)

Page 2: Apostila Aneis Cristina Marques

2

Page 3: Apostila Aneis Cristina Marques

Prefacio

Esta apostila consta das notas de aula feitas para as disciplinas Algebra I e Estruturas Algebricas,as quais que ja lecionei varias vezes na UFMG. Ele tem por objetivo introduzir a estrutura algebricados aneis .

O pre requisito para a leitura desse livro e a disciplina Fundamentos de Algebra, ou seja, umaintroducao aos numeros inteiros. Fazemos uma recordacao dessa disciplina no Capıtulo 1.

Esta apostila foi escrita com o intuito de ajudar aos alunos na leitura de outros textos deAlgebra como por exemplo o excelente livro do Gallian [1]. Varios aneis sao apresentados como osaneis quocientes, aneis de polinomios sobre aneis comutativos e outros. No Capıtulo 7 e feita umageneralizacao desses aneis, definindo domınios euclidianos, domınios de fatoracao unica e domıniosde ideais principais. Tambem apresentamos o Teorema Fundamental dos Homomorfismos quepermite a compararacao de aneis.

Espero alcancar meu objetivo.

Cristina Maria Marques.

Belo Horizonte,9/3/99.

i

Page 4: Apostila Aneis Cristina Marques

Sumario

Prefacio i

1 Inteiros 1

1.1 Propriedades basicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

1.2 Teorema Fundamental da Aritmetica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.3 Inducao matematica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.4 Relacao de equivalencia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6

1.5 Exercıcios do capıtulo 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

2 Aneis 10

2.1 Definicoes e propriedades basicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2.2 Subaneis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13

2.3 Domınios Integrais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.4 Corpos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.5 Caracterıstica de um anel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.6 Exercıcios do Capıtulo 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3 Ideais e aneis quocientes 19

3.1 Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

3.2 Aneis quocientes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.3 Ideais primos e ideais maximais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.4 Exercıcios do Capıtulo 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

4 Homomorfismos de aneis 26

4.1 Definicao e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

4.2 Propriedades dos homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

4.3 O teorema fundamental dos homomorfismos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

4.4 O corpo de fracoes de um domınio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

4.5 Lista de exercıcios do Capıtulo 4 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

5 Aneis de Polinomios 34

5.1 Definicao e exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

5.2 O Algoritmo da divisao e consequencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

5.3 Lista de exercıcios do Capıtulo 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

ii

Page 5: Apostila Aneis Cristina Marques

SUMARIO iii

6 Fatoracao de polinomios 416.1 Testes de redutibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 416.2 Testes de irredutibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 436.3 Fatoracao unica em Z[x] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 466.4 Lista de exercıcios do Capıtulo 6 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

7 Divisibilidade em domınios 517.1 Irredutıveis e primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 517.2 Domınios de Fatoracao unica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 537.3 Domınios Euclidianos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 557.4 Lista de exercıcios do Capıtulo 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57

8 Algumas aplicacoes da fatoracao unica em domınios 608.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 608.2 O anel Z[ω] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 618.3 A equacao X3 + Y 3 + Z3 = 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 668.4 A equacao Y 2 + 1 = 2X3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

Page 6: Apostila Aneis Cristina Marques

iv SUMARIO

Page 7: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 1

Inteiros

1.1 Propriedades basicas

Vamos recordar aqui as principais propriedades dos inteiros Z = {...,−2,−1, 0, 1, 2, ...} as quaisserao consideradas como axiomas.Elas serao usadas em todo nosso curso.

• Fecho: Se a e b sao inteiros entao a+ b e a.b tambem sao.

• Propriedade comutativa: a+ b = b+ a e a.b = b.a para quisquer inteiros a e b.

• Propriedade associativa: (a+ b)+ c = a+(b+ c) e (a.b).c = a.(b.c) para quaisquer inteirosa, b e c.

• Propriedade distributiva: (a+ b).c = a.c+ b.c para quisquer inteiros a, b e c.

• Elementos neutros: a+ 0 = a e a.1 = a para todo inteiro a.

• Inverso aditivo: Para todo inteiro a existe um inteiro x que e solucao da equacao a+x = 0.Tal x e denominado inverso aditivo e tem a notacao −a.Obs: a notacao b− a significa b+ (−a).

• Cancelamento: Se a, b e c sao inteiros com a.c = b.c com c 6= 0 entao a = b

Tais axiomas nos permitem provar outras propriedades de Z bastante comuns.

Exemplo 1.1.1. Para todo a, b e c em Z temos a.(b+ c) = a.b+ a.cCom efeito, como sabemos que o produto e comutativo em Z segue que

a(b+ c) = (b+ c).a

Pela propriedade distributiva temos que

(b+ c).a = b.a+ c.a

Finalmente usando a propriedade comutativa do produto segue o resultado.

1

Page 8: Apostila Aneis Cristina Marques

2 CAPITULO 1. INTEIROS

Exemplo 1.1.2. Podemos provar que 0.a = 0. Para isto, observe que como

0 = 0 + 0

0.a = (0 + 0)a = 0.a+ 0.a

Somando de ambos os lados −0.a teremos que

0 = 0.a = a.0

pela comutatividade do produto.

Exercıcio 1.1.3. Prove que para todo a, b e c em Z temos:

1. (a+ b)2 = a2 + 2ab+ b2

2. (−1)a = −a

3. −(ab) = a(−b)

4. (−a)(−b) = ab

5. −(a+ b) = (−a) + (−b)

A ordem em Z e definida usando os inteiros positivos { 1,2,3,...}.

Definicao 1.1.4. Se a e b sao inteiros dizemos que a e menor que b, e denotamos por a < bquando b− a for positivo.Se a < b escrevemos tambem b > a.

As principais propriedades da ordem dos inteiros sao :

• Fecho dos inteiros positivos: a soma e o produto de dois inteiros positivos sao positivas.

• Tricotomia : para todo inteiro a, temos que ou a > 0, ou a < 0 ou a = 0.

Outras propriedades da ordem de Z podem ser obtidas atraves dessas.

Exemplo 1.1.5. Suponha que a, b e c sao inteiros com a < b e c > 0. Vamos provar que ac < bc.Por definicao a < b significa que

b− a > 0

Pela propriedade do fecho

(b− a)c > 0.

Pela propriedade distributiva e o exercıcio anterior, segue o resultado.

Exercıcio 1.1.6. Prove que se a, b e c ∈ Z, a < b e c < 0 entao ac > bc.

Page 9: Apostila Aneis Cristina Marques

1.1. PROPRIEDADES BASICAS 3

Uma propriedade muito importante de Z e o princıpio da boa ordenacao :

Princıpio da boa ordenacao (PBO) Todo subconjunto nao vazio de inteiros positivos possuium menor elemento.

O PBO diz que se S e um subconjunto nao vazio dos inteiros positivos entao existe um s0 ∈ Stal que s ≥ s0 para todo s em S.

O conceito de divisibilidade e muito importante na teoria dos numeros e sera estendido na teoriade aneis em geral. Dizemos que um inteiro nao nulo t e divisor de um inteiro s se existe um inteirou tal que s = tu. Escrevemos neste caso que t|s ( lemos t divide s )Quando t nao e um divisor de s, nos escrevemos t 6 | s. Um primo e um inteiro positivo maior que1 cujo unicos divisores positivos sao 1 e ele mesmo.

Como nossa primeira aplicacao do PBO temos uma propriedade fundamental do inteiros:

Teorema 1.1.7 (Algoritmo de Euclides (AE)). Sejam a e b inteiros com b > 0. Entao existeminteiros q e r tais que a = bq + r onde b > r ≥ b. Tais q e r sao unicos.

Demonstracao :Existencia: Considere o conjunto S = {a− bk | k ∈ Z e a− bk ≥ 0}.Se 0 ∈ S, existe q ∈ Z tal que a− bq = 0. Fazendo r = 0 o algoritmo esta provado.Se 0 6∈ S vamos aplicar o PBO.Para isto temos que provar que S 6= ∅.Se a > 0, a− b0 = a > 0 e entao S 6= ∅.Se a < 0, a− b2a = a(1 − 2b) > 0 e entao S 6= ∅.Pelo PBO, S possui um menor elemento que chamaremos de r. Assim, existem q, r ∈ Z tais quea− bq = r , r e o menor elemento de S e r > 0. So falta provar que r < b.Se r = b

a− bq = r = b

a− bq = b

a− b(q + 1) = 0

Isto indica que 0 ∈ S, o que nao acontece neste caso.Se r > b

a− bq = r > b

a− bq − b > 0

a− b(q + 1) > 0

Isto indica que a− b(q + 1) pertence a S o que e um absurdo pois e menor que r = a− bq e r e omenor elemento de S.UnicidadeSuponha que existam q, q′, r, r′ tais que

a = bq + r = bq′ + r′

Page 10: Apostila Aneis Cristina Marques

4 CAPITULO 1. INTEIROS

com 0 ≤ r, r′ < b. Comor′ − r = b(q′ − q)

temos que b | (r′ − r). Mas como r′ − r < b concluimos que r′ − r = 0, r′ = r e q = q′.Notacao : q sera chamado de quociente e r sera chamado de resto da divisao de a por b.

Exemplo 1.1.8. Se a = 34 e b = 7 o algoritmo diz que 34 = 7.4 + 6; para a = −49 e b = 6, oalgorıtmo de Euclides diz que −49 = 6.(−9) + 5.

Definicao 1.1.9 (Maximo divisor comum). O maximo divisor de dois inteiros a e b nao nulos e omaior de todos os divisores comuns de a e b. Ele sera denotado por mdc(a, b) ou quando nao causarduvidas simplesmente por (a, b). Quando mdc(a, b) = 1 dizemos que a e b sao relativamenteprimos.

Podemos definir mdc(a, b) da seguinte forma: mdc(a, b) = d se e somente se

1. d > 0

2. d|a e d|b.3. se existir um inteiro c tal que c|a e c|b entao c|d.

Temos de provar que as duas definicoes sao equivalentes. Para isto precisamos do proximo teoremaque diz que o mdc(a, b) e uma combinacao linear de a e b. Esta e nossa segunda aplicacao do PBO.

Teorema 1.1.10 (mdc e uma combinacao linear). Se a e b sao inteiros nao nulos entao existeminteiros s e r tais que mdc(a, b) = sa+ tb

Demonstracao Considere o conjunto S = {am+ bn |m,n ∈ Z e am+ bn > 0}.S 6= ∅ porque se voce achar uma combinacao am + bn < 0 entao multiplique por −1 e tera umacombinacao positiva.Pelo PBO, S possui um menor elemento. Seja d o menor elemento de S. Assim existem s, t ∈ Z

tais que d = sa+ tb .Afirmacao : d = mdc(a, b)Com efeito, pelo algoritmo de Euclides, existem q, r ∈ Z tais que a = dq+ r e 0 ≤ r < d. Se r > 0,entao 0 < r = a−dq = a− (as+ tb)q = a(1− s)+ (−tq)b ∈ S . Isto e um absurdo pois d e o menorelemento de S, Assim r = 0 e d|a. Analogamente, d|bSeja agora d′ outro divisor comum de a e b. Assim a = d′k e b = d′h para certos k e h em Z,d = as+ bt = d′ks+ d′ht = d′(ks+ ht) e portanto d′|d.Logo d = mdc(a, b).

Definicao 1.1.11 (Mınimo multiplo comum ). O mınimo multiplo comum de dois interos naonulos e o menor multiplo comum positivo de a e b.

Notacao : mmc(a, b)

Podemos definir o mmc(a, b) na forma : mmc(a, b) = m se e somente se

1. m > 0

2. a|m e b|m3. Se existir m′ inteiro tal que a|m′ e b|m′ entao m|m′

Exercıcio 1.1.12. Prove que as duas definicoes de mdc sao equivalentes.

Page 11: Apostila Aneis Cristina Marques

1.2. TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMETICA 5

1.2 Teorema Fundamental da Aritmetica

O teorema fundamental da aritmetica e um resultado importante o qual mostra que os numerosprimos sao os construtores dos inteiros.

Teorema 1.2.1 (Teorema Fundamental da Aritmetica (TFA) ). Todo inteiro maior que um seescreve de maneira unica como um produto de primos.

Para provarmos este teorema temos de provar algumas propriedades dos primos.

Lema 1.2.2 (Lema de Euclides). Se p e um primo que divide a.b entao p divide a ou p divide b.

Demonstracao :Suponha que p e um primo que divide ab mas que p 6 |a.Como p e primo podemos afirmar que p ea sao relativamente primos .Assim existem inteiros r e s tais que ra+ sp = 1. Entao rab+ rpb = b.Como p|ab e p|rpb temos que p|b.

Note que o Lema de Euclides falha se p nao for primo ; por exemplo 6|4.3 ,6 6 |4 e 6 6 |3

Demonstracao do Teorema Fundamental da AritmeticaUnicidade Suponha que exista duas fatoracoes em primos de n:

n = p1p2...pr = q1q2...qs.

Pelo Lema de Euclides p1|qi para algum qi e como p1 e qi sao primos temos que p1 = qi paraalgum i ∈ {1, 2, ..., s}. Analogamente p2 = qj para algum j ∈ {1, 2, ..., s} e assim por diante . Pelapropriedade do cancelamento teremos 1 = qi1 ...qik se s > r. Mas isto e um absurdo pois nenhumprimo e invertıvel. Analogamente se r < s chegamos num absurdo. Logo s = r e os primos sao osmesmos.Existencia: Sera feito depois do segundo princıpio da inducao matematica na proxima secao .

1.3 Inducao matematica

Existem dois tipos de prova usando inducao matematica. Ambas sao equivalentes ao PBO e vemdo seculo XVI.

Primeiro princıpio da inducao matematica (1oPIM)Seja S um subconjunto de Z contendo a. Suponha que S tem a propriedade de possuir n+1 sempreque S possuir n com n ≥ a. Entao S contem todo inteiro maior ou igual a a.

Assim, para provarmos que uma afirmacao e verdadeira para todo inteiro positivo, nos devemosprimeiro verificar que a afirmacao e verdadeira para o inteiro 1. Nos entao supomos que a afirmativae verdadeira para o inteiro n e usamos esta afirmativa para provar que a afirmativa e valida paran+ 1.

Page 12: Apostila Aneis Cristina Marques

6 CAPITULO 1. INTEIROS

Exemplo 1.3.1. Podemos usar o (10PIM) para provar que n! ≤ nn para todo inteiro positivo n.A afirmativa e valida para n = 1 pois 1! = 1 ≤ 11 = 1. Agora suponha que n! ≤ nn ; esta e ahipotese de inducao .Temos de provar que (n+ 1)! ≤ (n+ 1)(n+1). Usando a hipotese de inducao

(n+ 1)! = (n+ 1).n!

(n+ 1)! ≤ (n+ 1).nn

(n+ 1)! ≤ (n+ 1).(n+ 1)n

(n+ 1)! ≤ (n+ 1)(n+1)

Isto completa a prova.

Segundo princıpio de inducao matematica.(2oPIM)Seja S um subconjunto de Z contendo a. Suponha que S tenha a propriedade de sempre conter

n quando S contiver todos os inteiros menores que n e maiores que a. Entao S contem todo inteiromaior ou igual a a.

Para usar esta forma de inducao , nos primeiro provamos que a afirmativa e valida para a.Depois mostramos que se a afirmativa e verdadeira para todos os inteiros maiores ou iguais a a emenores que n entao ela e verdadeira para n.

Exemplo 1.3.2 (Existencia do TFA). Nos usamos o 2oPIM com a = 2 para provar a parte daexistencia do TFA. Seja S ⊂ Z formado de inteiros maiores que 1 que sao primos ou um produtode primos. Claramente 2 ∈ S. Agora nos assumimos que para algum inteiro n, S contem todosos inteiros k com 2 ≤ k < n. Nos devemos mostrar que n ∈ S. Se n e primo, entao n ∈ S pordefinicao . Se n nao for primo, n podera ser escrito na forma n = ab onde 1 < a < n e 1 < b < n.Como estamos assumindo que a e b pertencem a S, nos sabemos que eles sao primos ou produtode primos. Assim, n tambem e um produto de primos. Isto completa a prova.

1.4 Relacao de equivalencia

Em matematica objetos diferentes num contexto podem ser vistos como iguais noutro. Por exemplo,como i2 = −1, i3 = −i, i4 = 1 temos que para efeito de achar potencias de i os numeros sao iguaisse tiverem o mesmo resto na divisao por 4. Assim, aqui 5 = 1, 240 = 0, 243 = 3.O que e necessario fazer para que estas distincoes fiquem claras, e uma generalizacao apropriada danocao de igualdade; isto e, nos necessitamos de mecanismo formal para especificar quando ou naoduas quantidades sao iguais numa certa colocacao . Tais mecanismos sao as relacoes de equivalencia.

Definicao 1.4.1 (Relacao de Equivalencia). Uma relacao de equivalencia num conjunto S e umconjunto R de pares ordenados de elementos de S de modo que:

1. (a, a) ∈ R para todo a ∈ S ( propriedade reflexiva )

2. (a, b) ∈ R implica (b, a) ∈ R ( propriedade simetrica ).

3. (a, b) ∈ R e (b, c) ∈ R implica (a, c) ∈ R ( propriedade transitiva )

Page 13: Apostila Aneis Cristina Marques

1.4. RELACAO DE EQUIVALENCIA 7

Quando R for uma relacao de equivalencia num conjunto S, escrevemos aRb ao inves de(a, b) ∈ R. Tambem como uma relacao de equivalencia e uma generalizacao de igualdade, sımbolossugestivos sao ≈, ≡, ou ∼.Se ∼ for uma relacao de equivalencia num conjunto S e a ∈ S , entao o conjunto [a] = {x ∈ S |x ∼a} e chamado de classe de equivalencia de S contendo a .

Exemplo 1.4.2 ((a ≡ b mod n)). Em Z definimos a relacao de equivalencia:

a ≡ b mod n⇔ n|(a− b)

E facil ver que ≡ modn e uma relacao de equivalencia ;

1. a ≡ a mod n pois n|0

2. Se a ≡ b mod n entao b ≡ a mod n pois se n|(a− b) entao n|(b− a).

3. Se a ≡ b mod n e b ≡ c mod n temos que n|(a− b) e n|(b− c) e entao n|(a− c). Isto mostraque a ≡ c mod n

As classes de equivalencia de Z mod n serao as classes dos restos da divisao por n. Comefeito, dado a em Z pelo algorıtmo de Euclides temos a = qn + r com 0 ≤ r < n. Isto mostraque a ≡ r mod n. Denotaremos por Zn o conjunto das classes de equivalencia de Z modulo n.Usaremos a notacao a para [a].Assim

Zn = {0, 1, ..., n− 1}

.

Definicao 1.4.3 (Particao de um conjunto S). Uma particao de um conjunto S e uma colecao desubconjuntos nao vazios disjuntos de S cuja uniao e S.

Teorema 1.4.4. As classes de equivalencia de um conjunto S formam uma particao de S. Reci-procamente, para toda particao P de um conjunto S, existe uma relacao de equivalencia em S cujasclasses de equivalencia sao os elementos de P .

Demonstracao :Seja ≡ uma relacao de equivalencia em S. Para todo a ∈ S temos que a ∈ [a] pela propriedadereflexiva. Assim [a] 6= ∅ e a uniao de todas as classes de equivalencia de S e S. Vamos agora provarque duas classes de equivalencia distintas sao disjuntas . Com efeito, suponha que [a] e [b] possuemum elemento x em comum. Isto implica que x ≡ a e x ≡ b. Pela propriedade transitiva a ≡ b eportanto [a] = [b].A recıproca e deixada como exercıcio.

Exemplo 1.4.5. Pelo exemplo anterior temos que Z = [0] ∪ [1] ∪ ... ∪ [n− 1].

Page 14: Apostila Aneis Cristina Marques

8 CAPITULO 1. INTEIROS

1.5 Exercıcios do capıtulo 1

1. Se a e b sao inteiros positivos entao ab = mdc(a, b).mmc(a, b)

2. Suponha que a e b sao inteiros que dividem o inteiro c.Se a e b sao relativamente primos, mostre que ab|c.Mostre com um exemplo, que se a e b nao sao relativamente primos entao ab nao necessitadividir c.

3. O conjunto dos racionais positivos satisfaz o PBO ?

4. Mostre que mdc(a, bc) = 1 ⇔ mdc(a, b) = 1 e mdc(a, c) = 1

5. Se existem inteiros a, b, s e t de modo que at+ bs = 1 mostre que mdc(a, b) = 1.

6. Seja d = mdc(a, b). Se a = da′

e b = db′

mostre que mdc(a′

, b′

) = 1

7. Sejam p1, p2, ..., pn primos distintos.Mostre que p1p2...pn + 1 nao e divisıvel por nenhum desses primos.

8. Mostre que existem infinitos primos. Sug: Use 7.

9. Prove que para todo n, 1 + 2 + ...+ n = n(n+ 1)/2

10. Para todo inteiro positivo n, prove que um conjunto com n elementos tem exatamente 2n

subconjuntos(contando com o vazio e o todo).

11. Prove o Lema generalizado de Euclides: Se p e um primo e p|a1...an, prove que p|ai paraalgum i, i = 1, 2, ..., n.

12. Seja S um subconjunto de R.Se a e b pertencem a S, defina a ∼ b se a− b e um inteiro.Mostre que ∼ e uma relacao de equivalencia em S.

13. Seja S = Z.Se a, b ∈ S defina aRb se ab ≥ 0.R e uma relacao de equivalencia em S ?

14. Uma relacao num conjunto S e um conjunto de pares ordenados de elementos de S. Acheum exemplo de uma relacao que seja simetrica, reflexiva mas nao transitiva.

15. Ache um exemplo de uma relacao que seja reflexiva , transitiva mas nao simetrica.

16. Ache um exemplo de uma relacao que seja simetrica, transitiva e nao reflexiva.

17. Sejam n e a inteiros positivos e d = (a, n). Mostre que a equacao ax ≡ 1modn tem umasolucao ⇔ d = 1.

18. Prove que o 1o PIM e uma consequencia do PBO.

Page 15: Apostila Aneis Cristina Marques

1.5. EXERCICIOS DO CAPITULO 1 9

19. Seja (x0, y0) uma solucao de ax + by = c com a, b e c inteiros. Mostre que todas as solucoesde ax+ by = c tem a forma x = x0 + t(b/d), y = y0 − t(a/d) onde d = mdc(a, b) e t ∈ Z.

20. Se u e v sao positivos, mdc(u, v) = 1 e uv = a2, mostre que u e v sao quadrados onde u, v ea pertencem a Z.

21. Prove por inducao sobre n , que n3 + 2n e sempre divisıvel por 3.

22. Se n e um natural ımpar, prove que n3 − n e sempre divisıvel por 24.

23. Seja n um natural composto. Entao n tem um divisor primo p tal que p ≤ √n.

24. Prove que existe um numero infinito de primos da forma 4n− 1.

Page 16: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 2

Aneis

2.1 Definicoes e propriedades basicas

Um anel e um conjunto A, cujos elementos podem ser adicionados e multiplicados ( isto e, saodadas duas operacoes (x, y) → x+y e (x, y) → x.y aos pares de elementos de A em A) satisfazendoas seguintes condicoes :

1. Para todo x e y ∈ A nos temos a comutatividade da soma, a saber

x+ y = y + x

2. Para todo x e y ∈ A nos temos a associatividade da soma, a saber,

(x+ y) + z = x+ (y + z)

3. Existe um elemento e em A tal que x+ e = x para todo x ∈ A.Not: e = 0. Este e chamado elemento neutro da adicao .

4. Para todo elemento x ∈ A existe um elemento y em A tal que x+ y = 0.Not: y = −x Este e tambem chamado de simetrico de x.

5. Para todo x, y, z ∈ A nos temos a associatividade da multiplicacao , a saber

(x.y).z = x.(y.z)

6. Para todo x, y, z ∈ A nos temos a distributividade da multiplicacao a direita e esquerda , asaber

x(y + z) = x.y + x.z

e(y + z).x = y.x+ z.x

Observacoes : 1) Observe que a multiplicacao nao necessita ser comutativa. Quando istoocorrer, dizemos que A e um anel comutativo

10

Page 17: Apostila Aneis Cristina Marques

2.1. DEFINICOES E PROPRIEDADES BASICAS 11

2) Um anel nao necessita ter elemento neutro da multiplicacao (isto e, um elemento y tal quexy = yx = x para todo x ∈ A). Este elemento e chamado de unidade do anel e denotado por 1.Quando um anelA possui o elemento neutro da multiplicacao dizemos queA e um anel com unidade.

3) Os elementos nao nulos de um anel nao necessitam ter inversos multiplicativos (isto e, y einverso multiplicativo de x se e somente se xy = yx = 1). Os elementos de um anel A que possueminverso multiplicativo sao chamados de invertıveis de A ou unidades de A.Usaremos a notacao U(A) = {x ∈ A|x e uma unidade de A}.

Exemplo 2.1.1. O conjunto dos inteiros Z com a adicao e multiplicacao usuais e um anel.

Exemplo 2.1.2. Os conjuntos Q, R, C com as operacoes usuais sao exemplos de aneis. Observeque U(Q) = Q − {0}, U(R) = R − {o}, U(C) = C − {0}.

Exemplo 2.1.3 (O anel Zn). Ja definimos Zn no capıtulo 1.

Zn = {0, 1, ..., n− 1}

Vimos tambem quando duas classes sao iguais,isto e,

a = b ⇔ n|(a− b)

Em Zn definimos as operacoes :

Zn × Zn → Zn Zn × Zn → Zn

(a, b) → a+ b (a, b) → a.b

Como estamos trabalhando com classes, as quais sao conjuntos, temos de mostrar que estasoperacoes estao bem definidas, isto e , se a = a1 e b = b1 entao a+ b = a1 + b1 e a.b = a1.b1.Pela igualdade das classes temos que existem x, y ∈ Z tais que

a− a1 = xn e b− b1 = yn

Somando estas duas equacoes temos que

(a+ b) − (a1 + b1) = (x+ y)n

Isto significa quea+ b = a1 + b1

Tambem ,a.b = (xn+ a1)(yn+ b1) = xyn2 + xnb1 + a1yn+ a1b1

e esta equacao indica que n|(ab− a1b1) ou seja a.b = a1.b1 .Como a soma e a multiplicacao de duas classes dependem essencialmente da soma e multiplicacaoem Z, respectivamente, temos que varias propriedades dessas operacoes de Zn sao herdadas de Z.Eo caso da comutatividade da soma, associatividade da soma e produto e distributividade. Observeque o elemento neutro da soma de Zn vai ser a classe 0 que representa os multiplos de n. O simetricoda classe a e a classe −a. O anel Zn e comutativo com unidade sendo a unidade a classe 1.

Page 18: Apostila Aneis Cristina Marques

12 CAPITULO 2. ANEIS

Exemplo 2.1.4. O conjunto Z[x] de todos os polinomios na variavel x com coeficientes inteiroscom a multiplicacao e adicao usuais e um anel comutativo com unidade. Recorde que se

f(x) = a0 + a1x+ ...+ anxn

eg(x) = b0 + b1x+ ...bmx

m

entaof(x) + g(x) = (a0 + b0) + (a1 + b1)x+ ...+ (ak + bk)x

k onde k = max{n,m}f(x).g(x) = c0 + c1x+ ...+ cn+mx

n+m onde cj = aj.b0 + aj−1.b1 + ...+ a0.bj

Agora verifique que Z[x] realmente um anel comutativo e a sua unidade e f(x) = 1

Exemplo 2.1.5. O conjunto M2(Z) das matrizes 2 × 2 com entradas inteiras e um anel nao

comutativo com unidade

(

1 00 1

)

. Verifique isto!

Exemplo 2.1.6. O anel 2Z com a soma e produto usuais e um anel comutativo sem unidade.

Exemplo 2.1.7. O conjunto das funcoes reais contınuas a uma variavel cujo grafico passa peloponto (1, 0) e um anel comutativo sem unidade com as operacoes : (f + g)(a) = f(a) + g(a) e(fg)(a) = f(a)g(a)

Exemplo 2.1.8. Se A1 e A2 sao aneis , nos podemos definir um novo anel A1 ×A2 = {(a1, a2)|ai ∈Ai} com as operacoes componente a componente:

(a1, a2) + (b1, b2) = (a1 + b1, a2 + b2) e (a1, a2).(b1, b2) = (a1.b1, a2.b2)

Este anel e chamado de soma direta de A1 e A2.

Vamos ver agora como podemos operar com aneis.

Teorema 2.1.9 (Regras da soma e do produto). Sejam a, b e c elementos de um anel A. Entao:

1. Vale a lei de cancelamento para a soma, isto e, se a+ b = a+ c entao b = c.

2. O elemento neutro aditivo e unico.

3. O inverso aditivo e unico.

4. a.0 = 0.a = 0

5. a(−b) = (−a)b = −(ab)

6. (−a)(−b) = ab

7. a(b− c) = ab− ac e (b− c)a = ba− ca.

Se A tem unidade 1 entao

Page 19: Apostila Aneis Cristina Marques

2.2. SUBANEIS 13

8. (−1)a = −a

9. (−1)(−1) = 1

10. O elemento neutro da multiplicacao e unico.

11. O inverso multiplicativo e unico.

Demonstracao

1. Basta somar a ambos os lados da igualdade o inverso aditivo de a.

2. Suponha que existam dois elementos neutros, a saber, e e e1. Usando a definicao de elementoneutro temos e = e+ e1 = e1.

3. Suponha que o elemento a possui dois inversos aditivos: a1 e a2. Entao a+ a1 = a+ a2 = 0.Segue entao pelo cancelamento provado em 1 que a1 = a2.

4. Utilizando a distributividade temos a.0 = a(0+0) = a.0+a.0. pelo cancelamento em 1 temosque a.0 = 0. Analogamente 0.a = 0.

5. Queremos provar que a(−b) e o simetrico de ab. Para isto basta somar a(−b) + ab e ver se oresultado e zero. Como a(−b) + ab = a(−b+ b) = a.0 = 0, segue o resultado. Analogamentepara (−a)b e o simetrico de ab.

6. (−a)(−b) = −[a(−b)] = −[−ab] pelo ıtem anterior. E facil ver que −(−a) = a para todo aem A.

7. a(b− c) = a(b+ (−c)) = ab+ a(−c) = ab+ (−ac) = ab− ac pelas propriedades anteriores.

8. (−1)a = −(1a) = −a por 5.

9. Direto de 6.

10. Suponha que existam duas unidades em A: 1 e b . Pela definicao de unidade teremos 1 =1.b = b.

11. Suponha que o elemento a de A tenha dois inversos multiplicativos : b e c. Assim ba = ab =ac = ca = 1 e b = b1 = bac = 1c = c utilizando a associatividade da multiplicacao .

2.2 Subaneis

Um subconjunto S de um anel A e um subanel de A se S for um anel com as operacoes de A.

Exemplo 2.2.1. Z e um subanel de Q, Q e um subanel de R e R e um subanel de C.

Teorema 2.2.2 ( Teste para saber se e um subanel). Um subconjunto S de um anel A e um subanelde A se:

Page 20: Apostila Aneis Cristina Marques

14 CAPITULO 2. ANEIS

1. S 6= ∅2. Para todo a e b em S, a− b ∈ S e ab ∈ S.

DemonstracaoComo as propriedades comutativa, associativa,distributiva sao validas para A, em particular, paraS. Entao faltam apenas verificar se as operacoes sao fechadas, se o elemento neutro aditivo esta emS e se o inverso aditivo de cada elemento de S esta em S. Por hipotese, se a e b ∈ S entao ab ∈ S.Como S 6= ∅, tome x em S.Por hipotese x − x = 0 ∈ S. Tambem, por hipotese 0 − a = −a ∈ Spara todo a ∈ S Logo, se a e b ∈ S ,a+ b = a− (−b) ∈ S por hipotese e o teste esta provado.

Exemplo 2.2.3. {0} e A sao subaneis de A.

Exemplo 2.2.4. {0, 2, 4} e um subanel de Z6. Construa as tabelas para verificar isto.

Exemplo 2.2.5. Os subaneis de Z sao da forma nZ .

Exemplo 2.2.6 (Inteiros de Gauss). Z[i] = {a+ bi | a e b ∈ Z} e um subanel de C.Com efeito, Z[i] 6= ∅.

(a+ bi)(c+ di) = (ac− bd) + (ad+ bc)i ∈ Z[i]

(a+ bi) − (c+ di) = (a− c) + (b− d)i ∈ Z[i]

Pelo teste, Z[i] e um subanel de C.

2.3 Domınios Integrais

O anel Z tem propriedades que em geral um anel qualquer nao tem. Veremos algumas delas nestasecao .

Definicao 2.3.1 (Divisor de zero). Um elemento nao nulo a em um anel comutativo A e chamadoum divisor de zero se existe um elemento nao nulo b em A tal que ab = 0.

Definicao 2.3.2 (Domınio integral). Um anel comutativo com unidade e chamado de domıniointegral ou simplesmente domınio se ele nao tem nenhum divisor de zero.

Assim, num domınio integral ab = 0 ⇔ a = 0 ou b = 0

Exemplo 2.3.3. Z,Q,C,R sao domınios . Z6 nao e um domınio pois 2.3 = 0 e 2, 3 6= 0

Exemplo 2.3.4. O anel dos inteiros de Gauss Z[i] = {a + bi|a, b ∈ Z} e um domınio pois ecomutativo com unidade e nao tem divisores de zero porque esta contido em C

Exemplo 2.3.5. Z[x] e um domınio .Com efeito, sejam

f(x) = a0 + a1x+ ...+ anxn

eg(x) = b0 + b1x+ ...bmx

m

em Z[x] tal que f(x)g(x) = 0. Suponha que f(x) e g(x) nao sao nulos. Tome ai0 ∈ Z tal que i0 eo menor coeficiente de f(x) tal que ai0 6= 0 . Analogamente tome bj0 em g(x) tal que j0 e o menorındice tal que bj0 6= 0 . Se f(x)g(x) = c0 + c1x+ c2x

2 + ...+ cn+mxn+m teremos pela nossa escolha

de i0 e j0 que ci0+j0 = ai0bj0 6= 0, o que e um absurdo.Logo f(x) ou g(x) e nulo.

Page 21: Apostila Aneis Cristina Marques

2.4. CORPOS 15

Exemplo 2.3.6. Z[√

2] = {a+ b√

2 | a, b ∈ Z} e um domınio . Observe que Z[√

2] ⊂ R

Exemplo 2.3.7. Zp e um domınio ⇔ p e primo. Com efeito, suponha que p e primo e ab = 0; istoindica que ab = 0 ou p|ab. Pelo Lema de Euclides temos p|a ou p|b, ou seja a = 0 ou b = 0.Reciprocamente suponha que Zp e um domınio e p nao e primo. Entao existem inteiros a e b taisque p = ab e 1 < a, b < p. Temos entao o = ab. Como Zp e um domınio temos que a = 0 ou b = 0,

ou seja p|a ou p|b . E facil ver que isto nao acontece e chegamos assim num absurdo.

Uma das propriedaes mais importantes dos domınios e a propriedade de cancelamento.

Teorema 2.3.8 (Cancelamento). Sejam a, b e c pertencem a um domınio integral. Se a 6= 0 eab = ac entao b = c.

DemonstracaoDe ab = ac temos a(b− c) = 0 e como a 6= 0 e estamos num domınio temos que b = c.

2.4 Corpos

Em muitas aplicacoes , um tipo especial de domınio e usado.

Definicao 2.4.1. Um anel comutativo com unidade e chamado um corpo se todo elemento naonulo e uma unidade.

Frequentemente usamos a notacao ab−1 como a dividido por b. Pensando nisto podemos dizerque um corpo e um conjunto o qual e fechado em relacao a adicao , subtracao , multiplicacao edivisao.

Exemplo 2.4.2. Q, R, C sao os exemplos mais famosos de corpos.

O teorema seguinte diz que no caso finito, corpos e domınios sao os mesmos.

Teorema 2.4.3. Se D e um domınio finito entao D e um corpo.

DemonstracaoComo D e um domınio, D ja e um anel comutativo com unidade. Assim so falta provar que todoelemento nao nulo e invertıvel. Seja a 6= 0 um elemento de D. Como D e finito, a sequenciaa, a2, a3, a4, ... comecara a se repetir, isto e, existe um i > j tal que ai = aj. Entao pela lei docancelamento aj(ai−j − 1) = 0 e como a 6= 0 temos que ai−j = 1 . Se i− j = 1 , a = 1 e portanto einvertıvel. Se i− j > 1, ai−j−1 e o inverso de a e entao a e invertıvel.

Corolario 2.4.4. Se p e primo Zp e um corpo.

Usando o exemplo 2.3.7 anterior temos

Corolario 2.4.5. Zn e corpo se e somente se n e primo.

Exemplo 2.4.6 (Corpo com 49 elementos). Seja Z7[i] = {a + bi | a, b ∈ Z7 e i2 = −1}. Este e o

anel dos inteiros de Gauss modulo 7. Elementos sao adicionados e multiplicados como em numeroscomplexos, exceto que e modulo 7. Mostre que Z7[i] e um corpo.

Exemplo 2.4.7. Q[√

2] e um corpo . Prove isto.

Page 22: Apostila Aneis Cristina Marques

16 CAPITULO 2. ANEIS

2.5 Caracterıstica de um anel

Note que para todo x ∈ Z7[i] nos temos 7x = 0. Similarmente no anel {0, 3, 6, 9} contido em Z12

nos temos 4x = 0 para todo x. Esta observacao motiva a definicao seguinte.

Definicao 2.5.1 (caracterıstica de um anel). A caracterıstica de um anel A e o menor inteiropositivo n tal que nx = 0 para todo x ∈ A . Se tal elemento n nao existe nos dizemos que A temcaracterıstica 0. Not: car(A)

Exemplo 2.5.2. Z tem caracterıstica zero e Zn tem caracterıstica n. Um anel infinito pode tercaracterıstica nao nula. Por exemplo, o anel Z2[x] de todos os polinomios com coeficientes em Z2

tem caracterıstica 2.

Quando um anel tem unidade, o processo de achar a caracterıstica e simplificado;

Teorema 2.5.3 (caracterıstica de um anel com unidade). Seja A um anel com unidade 1. Sen.1 = 0 e n e o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0 temos que a caracterıstica de A e n. Se naoexiste n inteiro positivo tal que n.1 = 0 entao a caracterıstica de A e 0.

DemonstracaoSuponha que nao existe n inteiro positivo tal que n.1 = 0; pela definicao de caracterıstica deA,car(A) = 0. Se n e o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0 temos que nx = n(1x) = (n.1)x = 0para todo x em A. Isto prova que car(A) = n

Teorema 2.5.4 (caracterıstica de domınio). A caracterıstica de um domınio e 0 ou um numeroprimo.

DemostracaoSeja D um domınio . Pelo teorema 2.5.3, como D possui unidade basta verificar a unidade. Se naoexiste n inteiro positivo tal que n.1 = 0, entao a caracterıstica de D e 0.Suponha agora que existeum inteiro positivo m tal que m.1 = 0 e seja n o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Queremosprovar que n e primo. Suponha que n nao e primo. Entao existem inteiros s, t tal que n = st com1 < s, t < n. Assim 0 = n.1 = (st).1 = (s.1)(t.1) e como D e domınio temos que s.1 = 0 ou t.1 = 0.Mas isto contraria o fato de n ser o menor inteiro positivo tal que n.1 = 0. Logo n e primo.

Page 23: Apostila Aneis Cristina Marques

2.6. EXERCICIOS DO CAPITULO 2 17

2.6 Exercıcios do Capıtulo 2

1. Ache o erro na prova seguinte de (−a)(−b) = ab sabendo que a e b sao elementos de um anel R.

(−a)(−b) = (−1)a(−1)b = (−1)(−1)ab = 1ab = ab

2. Ache todos os subaneis de Z.

3. Mostre que se m e n sao inteiros e a e b sao elementos de um anel, entao (ma)(nb) = (mn)(ab).Observe que ma = a+ a+ ...+ a, m vezes se m for positivo e ma = (−a) + (−a) + ...+ (−a),−m vezes quando m for negativo. Observe que usamos isto no teorema 2.5.4.

4. Z6 e um subanel de Z12?

5. A unidade de um subanel tem de ser a mesma do anel todo? Se sim, prove! Senao , de umexemplo.

6. Mostre que 2Z ∪ 3Z nao e um subanel de Z.

7. Determine o menor subanel de Q que contem 1/2, isto e, um subanel X tal que se S for umsubanel de Q que contem 1/2 entao S vai conter X.

8. Determine o menor subanel de Q que contem 2/3.

9. Suponha que exista um inteiro positivo par n tal que an = a para todo elemento a de umanel R. Mostre que −a = a para todo a em R.

10. Seja Z[√

2] = {a + b√

2 | a, b ∈ Z}. Prove que Z[√

2] e um anel com as operacoes +, . usuaisdos reais.

11. Ache um inteiro n que mostre que Zn nao necessita ter as propriedades abaixo, as quais Z

tem:

(a) a2 = a ⇒ a = 0 ou a = 1

(b) ab = 0 ⇒ a = 0 ou b = 0

(c) ab = ac e a 6= 0 ⇒ b = c.Este inteiro n e primo? Mostre que as tres propriedades acima sao validas em Zn quandon for primo.

12. Prove que um anel comutativo com a propriedade de cancelamento (na multiplicacao ) naotem divisores de zero.

13. Liste todos os divisores de zero de Z20. Qual a relacao entre os divisores de zero de Z20 e asunidades de Z20?

14. Mostre que todo elemento nao nulo de Zn e um unidade ou um divisor de zero.

15. Ache um elemento nao nulo num anel que nao e um divisor de zero nem uma unidade.

Page 24: Apostila Aneis Cristina Marques

18 CAPITULO 2. ANEIS

16. Seja R um anel comutativo finito com unidade. Prove que todo elemento nao nulo de R oue um divisor de zero ou uma unidade. O que acontece se tirarmos a hipotese finito de R?

17. Descreva todos os divisores de zero e unidades de Z × Q × Z.

18. Ache um divisor de zero em Z5[i] = {a+ bi | a, b ∈ Z5 , i2 = −1}.

19. Seja d um inteiro positivo que nao e um quadrado.Prove que Q[

√d] = {a+ b

√d | a, b ∈ Q} e um corpo.

20. Seja S o conjunto das matrizes 2 × 2 com entradas em Z da forma

(

a b0 0

)

.

(a) Mostre que S e um subanel de M2(Z).

(b) Mostre que S tem um elemento neutro multiplicativo a esquerda, mas nenhum a direita.

(c) Mostre que S tem un numero infinito de elementos neutros multiplicativos a esquerda.

21. Prove que se um anel tem um unico elemento neutro multiplicativo a esquerda,ele tambem eum elemento neutro multiplicativo a direita e portanto e o elemento neutro multiplicativo doanel.

22. Ache o inverso multiplicativo de 2x2 +2x+3 ∈ Z4[x] e o inverso multiplicativo de 4x3 +6x2 +2x+ 5 ∈ Z8[x].

Os exercıcios abaixo estao relacionados entre si.

23. Seja A um anel . Um elemento x de A e chamado de nilpotente se existir um inteiro positivon tal que xn = 0. De exemplos de elementos nilpotentes.

24. Seja x um elemento nilpotente de um anel comutativo com unidade A.

(a) Mostre que 1 + x e uma unidade de A.

(b) Mostre que a soma de um nilpotente com uma unidade e uma unidade de A.

25. Seja A um anel comutativo com unidade, A[x] o anel dos polinomios com coeficientes em Ae f(x) = anx

n + an−1xn−1 + ...+ a0 ∈ A[x].

Prove que f(x) e uma unidade em A[x] ⇔ a0 e uma unidade em A e a1, a2, ..., an sao nilpo-tentes. (Sug.: Se b0 + b1x + ...bmx

m e o inverso de f , prove por inducao que ar+1n bm−r = 0.

Portanto an e nilpotente e entao use o exercıcio anterior).

26. Complete os exemplos 2.4.6 e 2.4.7 do texto.

Page 25: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 3

Ideais e aneis quocientes

Definiremos agora um subanel que nos permitira definir novos aneis a partir dele.

3.1 Ideais

Definicao 3.1.1 (Ideal). Um subanel I de um anel A e chamado um ideal de A se para todo a ∈ Ae todo x ∈ I, xa ∈ I e ax ∈ I .

Assim, um subanel de um anel A e um ideal se ele absorve os elementos de A, isto e, aI ⊆ I eIa ⊆ I para todo a em A.Um ideal I de A e proprio se I 6= A.Enunciaremos agora um teste para saber quando um subconjunto de A e um ideal de A. A suademonstracao resulta direto do teste para saber se um subconjunto de A e um subanel e da definicaode ideal.

Teorema 3.1.2 (Teste para saber se e ideal). Um subconjunto nao vazio de um anel I e um idealde A se:

1. a− b ∈ I, para todo a, b ∈ I

2. xa e ax estao em I quando a ∈ A e x ∈ I .

Exemplo 3.1.3. Para todo anel A, {0} e A sao ideais de A. O ideal {0} e chamado de trivial.

Exemplo 3.1.4. nZ com n ∈ Z e um ideal de Z. Como ja provamos no exercıcio 2 do capıtulo 2que os unicos subaneis de Z sao os da forma nZ, estes tambem sao os unicos ideais de Z.

Exemplo 3.1.5. Seja A um anel comutativo com unidade e x ∈ A. O conjunto < x >= {ax|a ∈ A}e um ideal de A chamado de ideal gerado por x

Exemplo 3.1.6. Sejam R[x] = { f(x)| f(x) e um polinomio com coeficientes em R} e I = { f(x)∈ R[x]|f(0) = 0}. E facil provar que I e um ideal de R[x]

Exemplo 3.1.7. Seja A = {f : R → R onde f e uma funcao } e S = { funcoes diferenciaveis deR em R}. Prove que S nao e um ideal de A.

19

Page 26: Apostila Aneis Cristina Marques

20 CAPITULO 3. IDEAIS E ANEIS QUOCIENTES

3.2 Aneis quocientes

Seja A um anel e I um ideal de A. Defina em A a relacao :

x ∼ y ⇔ x− y ∈ I

E facil ver que ∼ e uma relacao de equivalencia:

1. x ∼ x pois x− x = 0 ∈ I

2. se x ∼ y entao y ∼ x pois x− y ∈ I implica em y − x = −(x− y) ∈ I porque I e um ideal.

3. se x ∼ y e y ∼ z entao x ∼ z pois se x − y ∈ I e y − z ∈ I, somando temos que x − z ∈ Ipela definicao de ideal.

Assim, como toda relacao de equivalencia determina uma particao temos que A vai ser a reuniaodisjunta das classes de equivalencia :

A =⋃

x∈A

[x]

onde

[x] = {y ∈ A | y ∼ x} = {y ∈ A | y − x ∈ I} = {y ∈ A | y ∈ x+ I}Usaremos as notacoes

x + I = [x]

eA/I = {x+ I | x ∈ A}.

Queremos transformar A/I em um anel. Para isto vamos definir em A/I duas operacoes e de-pois provar que elas estao bem definidas, pois como estamos trabalhando com classes, e portantoconjuntos , elas nao poderao depender do representante da classe. As operacoes vao ser:

(x1 + I) + (x2 + I) = (x1 + x2) + I

e

(x1 + I).(x2 + I) = (x1.x2) + I

Suponha que x1 + I = y1 + I e x2 + I = y2 + I. Entao x1 − y1 ∈ I e x2 − y2 ∈ I . Como I eum ideal (x1 − y1) + (x2 − y2) ∈ I ,ou seja, (x1 + x2) − (y1 + y2) ∈ I . Pela definicao da relacaode equivalencia isto indica que (x1 + x2) + I = (y1 + y2) + I e fica provado que a soma esta bemdefinida. Para provar que o produto esta bem definido,observe que

x1x2 − y1y2 = x1x2 − y1x2 + y1x2 − y1y2 = (x1 − y1)x2 + y1(x2 − y2)

Como I e um ideal, (x1 − y1)x2 ∈ I e y1(x2 − y2) ∈ I. Logo o produto fica bem definido .

Exercıcio 3.2.1. Prove que (A/I,+, .) e um anel com elemento neutro 0 + I e o inverso aditivode x+ I e −x+ I.

Page 27: Apostila Aneis Cristina Marques

3.2. ANEIS QUOCIENTES 21

Exercıcio 3.2.2. Prove que se A e um anel comutativo com unidade entao A/I tambem e um anelcomutativo com unidade.

Chamaremos A/I de anel quociente.

Exemplo 3.2.3. Z/4Z = {0 + 4Z, 1 + 4Z, 2 + 4Z, 3 + 4Z}. Com efeito, todo n em Z e da forman = 4q + r onde q ∈ Z e 0 ≤ r ≤ 3 pelo Algorıtmo de Euclides.Pela definicao da classe deequivalencia temos que n+ 4Z = r + 4Z com r = 0, 1, 2, 3

Exemplo 3.2.4. 2Z/6Z = {0 + 6Z, 2 + 6Z, 4 + 6Z}. Observe que 6Z e um ideal de 2Z e que todoelemento da forma 2n e da forma 2(3q + r) quando aplicamos o Algorıtmo de Euclides para n e 3.Assim os elementos de 2Z/6Z vao ser 0 + 6Z, 2 + 6Z e 4 + 6Z.

Exemplo 3.2.5. Sejam

A = {(

a1 a2

a3 a4

)

tal que a1, a2, a3, a4 ∈ Z}

e

I = {(

a1 a2

a3 a4

)

tal que a1, a2, a3, a4 ∈ 2Z}

E facil de provar que I e um ideal de A e que

A/I = {(

a1 a2

a3 a4

)

+ I tal que ai ∈ {0, 1}}.

Observe que A/I e um anel nao comutativo com unidade com 16 elementos.

Exemplo 3.2.6. Sejam R[x] = { f(x)| f(x) e um polinomio com coeficientes em R} e < x2 + 1 > oideal gerado por x2 + 1. Entao

R[x]

< x2 + 1 >= {ax+ b+ < x2 + 1 > |a e b ∈ R}

Para provar isto, tome f(x) ∈ R[x] e divida f(x) por x2 + 1 obtendo um quociente q(x) e um restoda forma ax+ b em R[x]. Podemos escrever f(x) = q(x)(x2 + 1) + ax+ b e entao a classe de f(x)modulo < x2 + 1 > vai ser ax+ b+ < x2 + 1 >. Observe que

(x+ < x2 + 1 >)2 = x2+ < x2 + 1 >= −1+ < x2 + 1 >

e entao substituindo a classe x+ < x2 + 1 > por i teremos que

R[x]

< x2 + 1 >= {ai+ b | a, b ∈ R e i2 = −1} = C

.

Vemos assim que aneis quocientes nos permite a criacao de certos tipos especiais de aneis.

Page 28: Apostila Aneis Cristina Marques

22 CAPITULO 3. IDEAIS E ANEIS QUOCIENTES

3.3 Ideais primos e ideais maximais

Definicao 3.3.1 (ideal primo). Um ideal proprio I de um anel A e primo se quando x, y ∈ A exy ∈ I entao x ∈ I ou y ∈ I.

Exemplo 3.3.2 (ideais primos de Z). Os ideais primos nao nulos de Z sao os pZ onde p e umprimo de Z. Para ver isto seja nZ um ideal de Z e suponha que nZ e um ideal primo. Se n nao forprimo existem a e b em Z tais que n = ab e 1 < a, b < n. Como por hipotese estamos supondo quenZ e primo temos que a ou b pertencem a nZ. Suponha que a = kn com k ∈ Z. Temos entao quen = knb ou n(1− kb) = 0, e como estamos no domınio Z isto implica que n = 0 ou 1− kb = 0, istoe, n = 0 ou b = 1. Como n 6= 0 e b 6= 1 concluimos que n tem que ser primo.Por outro lado suponha que p e primo e xy ∈ pZ. Logo p divide xy e pelo Algorıtmo de Euclidesp divide x ou p divide y, isto e, x ∈ pZ ou y ∈ pZ e entao pZ e um ideal primo.

Definicao 3.3.3 (ideal maximal). Um ideal proprio I de um anel A e maximal se quando existirum ideal B de A tal que I ⊆ B ⊆ A entao I = B ou B = A

Exemplo 3.3.4. < x2 + 1 > e um ideal maximal de R[x]Com efeito, suponha que exista um ideal B de R[x] tal que < x2 + 1 >⊂ B ⊂ R[x] e que <x2 + 1 >6= B. Entao existe um f em B tal que f 6∈< x2 + 1 > isto e, o resto da divisao de f porx2 +1 nao e zero e podemos escrever f = q(x2 +1)+ax+ b para algum q ∈ R[x] e a, b em R onde ae b nao sao simultaneamente nulos. Isolando ax+ b vemos que ax+ b = f − q(x2 + 1) ∈ B e entao

(ax+ b)(ax− b) = a2x2 − b2 = a2(x2 + 1) − (a2 + b2) ∈ B

Como x2 + 1 ∈ B temos que a2 + b2 ∈ B. Observe que a2 + b2 6= 0 e entao 1a2+b2

.a2 + b2 = 1 ∈ B oque implica que B = R[x]. Isto mostra que < x2 + 1 > e um ideal maximal de R[x].

Teorema 3.3.5 (A/I e domınio ⇔ I e primo). Seja A um anel comutativo com unidade e I umideal proprio de A. Entao A/I e domınio ⇔ I e primo.

DemonstracaoComo A e comutativo com unidade temos que A/I e um anel comutativo com unidade. Sejama, b ∈ A tal que ab ∈ I. Passando para classes teremos

ab+ I = (a+ I)(b+ I) = 0 + I

Como A/I e um domınio temos que a+ I = 0 + I ou b+ I = 0 + I , isto e, a ∈ I ou b ∈ I.

Reciprocamente, suponha que I e primo e que (a+ I)(b+ I) = 0 + I, isto e, ab+ I = 0 + I, ouseja ab ∈ I. Como I e um ideal primo de A temos que a ∈ I ou b ∈ I, o que significa em termosde classes que a + I = 0 + I ou b + I = 0 + I e que A/I nao tem divisores de zero. Como A/I ecomutativo com unidade porque A e, temos que A/I e domınio.

Teorema 3.3.6 (A/I e corpo ⇔ I e maximal). Seja A um anel comutativo com unidade e I umideal de A. Entao A/I e corpo ⇔ I e maximal.

Page 29: Apostila Aneis Cristina Marques

3.3. IDEAIS PRIMOS E IDEAIS MAXIMAIS 23

Demonstracao

Como A e comutativo com unidade temos que A/I e um anel comutativo com unidade.Suponha que exista um ideal B de A tal que I ⊆ B ⊆ A e que I 6= B. Entao existe um x ∈ B e

x 6∈ I. Em termos de classe temos que x+ I 6= 0 + I e como A/I e um corpo existe y+ I ∈ A/I talque xy+ I = 1 + I, isto e, xy− 1 ∈ I. Como x ∈ B temos que xy ∈ B e portanto, 1 ∈ B e B = A.Reciprocamente suponha que I e maximal e vamos mostrar que A/I e um corpo. Para isto tomex+ I 6= 0+ I em A/I . Isto significa que x 6∈ I e temos entao a cadeia de ideais I ⊂ I+ < x >⊂ A.Como I e maximal temos que I+ < x >= A. Assim existe y ∈ I e a ∈ A tal que 1 = y + ax ou1 − ax ∈ I. Em termos de classe significa que

(a+ I)(x+ I) = 1 + I

isto e, x+ I e invertıvel e A/I e um corpo.

Page 30: Apostila Aneis Cristina Marques

24 CAPITULO 3. IDEAIS E ANEIS QUOCIENTES

3.4 Exercıcios do Capıtulo 3

1. Sejam x e y elementos de um domınio de caracterıstica p.

(a) Mostre que (x+ y)p = xp + yp

(b) Mostre que para todo inteiro positivo n, (x+ y)pn

= xpn

+ ypn

.

(c) Ache um anel de caracterıstica 4 tal que (x+ y)4 6= x4 + y4

2. Se I e J sao dois ideais de um anel A, mostre que a soma de ideais definida por I + J ={x+ y|x ∈ I e y ∈ J} e um ideal de A.

3. No anel dos inteiros, ache um inteiro positivo a tal que

(a) < a >=< 2 > + < 3 >

(b) < a >=< 6 > + < 3 >

(c) < a >=< m > + < n >

4. Se I e J sao dois ideais de um anel A, mostre que o produto de ideais definido porI.J = {a1b1 + a2b2 + ...+ anbn|ai ∈ I e bi ∈ J e n e um inteiro positivo } e um ideal de A.

5. No anel dos inteiros, ache um inteiro positivo a tal que

(a) < a >=< 3 > . < 4 >

(b) < a >=< 6 > . < 8 >

(c) < a >=< m > . < n >

6. Sejam I e J ideais de um anel A. Prove que IJ ⊆ I ∩ J

7. Se I e J sao ideais de um anel comutativo com unidade A e I + J = A mostre entao queIJ = I ∩ J

8. Se um ideal I de um anel A contem uma unidade, mostre que A = I.

9. Prove que o ideal < x2 + 1 > e primo em Z[x], mas nao e maximal. Sug.: use um fato queveremos no capıtulo 5 que Z[x] possui algoritmo da divisao para polinomios cujo coeficientelıder e 1 ou −1. Ver exercıcio 15 do Cap.5 .

10. Se A e um anel comutativo com unidade e I e um ideal de A, mostre que A/I e um anelcomutativo com unidade.

11. Prove que R[x]/ < x2 + 1 > e um corpo.

12. Seja A um anel comutativo com unidade. Mostre que todo ideal maximal e primo.

13. Mostre que I = {(3x, y)|x, y ∈ Z} e um ideal maximal de Z × Z.

14. Seja A o anel das funcoes contınuas de R em R. Mostre que I = {f ∈ A|f(0) = 0} e um idealmaximal de A.

Page 31: Apostila Aneis Cristina Marques

3.4. EXERCICIOS DO CAPITULO 3 25

15. Quantos elementos tem Z[i]/ < 3 + i > ? De razoes para sua resposta.

16. Em Z[x], o anel dos polinomios com coeficientes inteiros, seja I = {f ∈ Z[x]|f(0) = 0}. Proveque I nao e um ideal maximal de Z[x]

17. Prove que I =< 2+2i > nao e um ideal primo de Z[i]. Quantos elementos tem Z[i]/I ? Quale a caracterıstica de Z[i]/I.

18. Em Z5[x], seja I =< x2 + x+ 1 >. Ache o inverso multiplicativo de 2x+ 3 + I em Z5[x]/I.

19. Mostre que Z2[x]/ < x2 + x+ 1 > e um corpo.

20. Mostre que Z3[x]/ < x2 + x+ 1 > nao e um corpo.

21. Ache todos os ideais maximais de Z.

22. Se D e um domınio de ideais principais, isto e, domınio onde todo ideal e da forma < a >para algum a em D, prove que D/I e um anel de ideais principais onde I e um ideal de D.

23. Mostre que todo ideal nao nulo de Zn e da forma < d > onde d e um divisor de n.

24. Ache todos os ideais maximais de

(a) Z8

(b) Z10

(c) Z12

(d) Zn

Page 32: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 4

Homomorfismos de aneis

4.1 Definicao e exemplos

Podemos descobrir informacoes sobre um anel examinando sua interacao com outros aneis. Fazemosisto atraves dos homomorfismos . Um homomorfismo e uma aplicacao que preserva as operacoessoma e produto dos aneis.

Definicao 4.1.1 (Homomorfismo e isomorfismo de aneis). Um homomorfismo φ de um anel Rem um anel S e uma aplicacao de R em S a qual preserva as operacoes de um anel, isto e,

φ(a+ b) = φ(a) + φ(b)

φ(ab) = φ(a).φ(b)

para todo a e b em R.Um homomorfismo de aneis o qual e injetivo e sobrejetivo e chamado um isomorfismo de aneis.Neste caso dizemos que R e S sao isomorfos.

Observe que na definicao acima as operacoes a esquerda do sinal de igual sao as de R, enquantoas da direita sao de S.Quando temos um isomorfismo φ : R → S isto significa que R e S sao algebricamente identicos .

Exemplo 4.1.2. Para todo inteiro n a aplicacao k 7−→ k mod n e um homomorfismo de Z em Zn.Com efeito

(a+ b) mod n = a mod n+ b mod n

(a.b) mod n = a mod n.b mod n

Este homomorfismo e chamado homomorfismo canonico.Observe que toda classe k mod n e imagem do inteiro k e assim o homomorfismo canonico e sobre-jetivo.

Exemplo 4.1.3. Em geral se I em ideal de um anel R a aplicacao que associa a cada elemento rde R a sua classe r + I e um homomorfismo de aneis chamado homomorfismo canonico .

26

Page 33: Apostila Aneis Cristina Marques

4.1. DEFINICAO E EXEMPLOS 27

Exemplo 4.1.4. Seja φ : R[x] → R que associa f(x) 7−→ f(1). Entao φ e um homomorfismosobrejetivo pois

φ(f + g) = (f + g)(1) = f(1) + g(1) = φ(f) + φ(g)

φ(f.g) = (f.g)(1) = f(1).g(1) = φ(f).φ(g)

Para todo a ∈ R, a = f(1) onde f(x) = a ∈ R[x].Isto mostra que φ e sobrejetivo.

Exemplo 4.1.5. A aplicacao a+ bi 7−→ a− bi e um isomorfismo de C em C.Prove isto.

Exemplo 4.1.6. A aplicacao φ : x 7−→ 4x de Z3 → Z12 e um homomorfismo . Temos primeiroque verificar que esta aplicacao esta bem definida pois estamos trabalhando com classes e portantotem que independer do representante da classe. Suponha entao que em Z3 as classes a = b. Assima − b = 3k para algum k em Z. Multiplicando esta expressao por 4 temos 4a − 4b = 12k. Isto

mostra que as classes 4a = 4b em Z12 e assim temos que φ(a) = φ(b) e φ esta bem definida.Vamos agora provar que φ e um homomorfismo. Pela definicao de φ ,

φ(a+ b) = φ(a+ b) = 4(a+ b) = 4a+ 4b = φ(a) + φ(b)

φ(a.b) = φ(a.b) = 4a.b

Por outro lado em Z12,

φ(a).φ(b) = 4a.4b = 16ab = 4ab.

Logo φ e um homomorfismo.

Exemplo 4.1.7. A aplicacao φ : Z5 → Z10 que leva x 7−→ 5x nao esta bem definida pois 1 = 6 em

Z5 mas φ(1) = 5 6= 30 = φ(6) em Z10.

Exemplo 4.1.8. Podemos usar homomorfismos para concluir fatos sobre teoria de numeros. Porexemplo, para provar que a sequencia 2, 10, 18, 26, ... nao contem nenhum cubo , suponha que umelemento da forma 8k + 2 com k ∈ Z seja um cubo a3. Aplicando o homomorfismo canonicoφ : Z 7−→ Z8 teremos que 2 = φ(8k+2) = φ(a)3. Mas e facil verificar que em Z8 nao existe nenhumelemento cujo cubo de 2. Assim, a sequencia acima nao tem nenhum cubo.

Exemplo 4.1.9 (Teste de divisibilidade por 9). Um inteiro n cuja representacao decimal e akak−1...a0

e divisıvel por 9 se e somente se ak + ak−1 + ...+ a0 for divisıvel por 9.Para provar isto, observe que

n = ak10k + ak−110k−1 + ...+ a0100

e seja φ : Z 7−→ Z9 o homo canonico.Assim 9|n⇔ φ(n) = 0.Como φ(10) = 1 teremos:

φ(n) = φ(ak10k + ak−110k−1 + ...+ a0100) = ak1k + ak−11

k−1 + ...+ a010

= ak + ak−1 + ...+ a0 = ak + ak−1 + ...a0

Assim 9|n se e somente se ak + ak−1 + ...a0 = 0, isto e, 9|(ak + ak−1 + ...+ a0)

Page 34: Apostila Aneis Cristina Marques

28 CAPITULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANEIS

4.2 Propriedades dos homomorfismos

Aqui vamos aprender a trabalhar com homomorfismos.

Teorema 4.2.1 (Propriedades dos homomorfismos de aneis). Seja φ um homomorfismo de umanel R em um anel S. Entao:

1. φ(0) = 0

2. φ(−r) = −φ(r) para todo r em R.

3. Para todo r em R e todo inteiro positivo n, φ(nr) = nφ(r) e φ(rn) = φ(r)n.

4. Se A e um subanel de R entao φ(A) e um subanel de S.

5. Se I e um ideal de R e φ e sobrejetivo entao φ(I) e um ideal de S.

6. Se J e um ideal de S entao φ−1(J) e um ideal de R.

7. Se R e comutativo entao φ(R) e comutativo.

8. Se R tem unidade 1 e φ e sobrejetivo entao φ(1) e a unidade de S se S for nao nulo.

9. φ e um isomorfismo se e somente se φ e sobrejetivo e kerφ = {r ∈ R|φ(r) = 0} = {0}.

10. Se φ e um isomorfismo de R sobre S entao φ−1 e um isomorfismo de S sobre R.

Demonstracao

1. Aplicando φ a expressao 0 + 0 = 0 teremos φ(0 + 0) = φ(0) e assim φ(0) + φ(0) = φ(0), istoe, 2φ(0) − φ(0) = 0 e finalmente φ(0) = 0.

2. Aplicando φ a expessao r + (−r) = 0 teremos que φ(r) + φ(−r) = φ(0) = 0. Somando deambos os lados −φ(r) temos φ(−r) = −φ(r) como querıamos provar.

3. φ(nr) = φ(r+r+r+...r) = nφ(r) e φ(rn) = φ(rr...r) = φ(r)n pela definicao de homomorfismo.

4. Sejam x, y ∈ φ(A). Entao x = φ(a1) e y = φ(a2) onde a1 e a2 estao em A. Pelo teste, bastaprovar que x− y ∈ φ(A) e xy ∈ φ(A). Mas x− y = φ(a1) − φ(a2) = φ(a1 − a2) ∈ φ(A) poisA e um subanel. Pelo mesmo motivo xy = φ(a1)φ(a2) = φ(a1a2) ∈ φ(A).

5. Como I e um subanel pelo item anterior φ(I) ja e um subanel de S. So falta provar queS.φ(I) ⊂ φ(I). Como φ e sobre, todo s em S e da forma s = φ(r) para algum r em R. Assim,sφ(a) = φ(r).φ(a) = φ(ra) ∈ φ(I) para todo a ∈ I.

6. Aplicando o teste para saber se e um ideal, sejam x, y ∈ φ−1(J). Existem entao j1 e j2 emJ tais que φ(x) = j1 e φ(y) = j2. Como φ(x − y) = φ(x) − φ(y) = j1 − j2 ∈ J temos quex− y ∈ φ−1(J). Tambem, para todo r ∈ R e x ∈ φ−1(J) temos φ(rx) = φ(r)φ(x) ∈ J o quemostra que rx ∈ φ−1(J)

7. Basta observar que φ(r1)φ(r2) = φ(r1r2) = φ(r2r1) = φ(r2)φ(r1) para todo r1 e r2 em R.

Page 35: Apostila Aneis Cristina Marques

4.3. O TEOREMA FUNDAMENTAL DOS HOMOMORFISMOS 29

8. Para todo s ∈ S, s = φ(r) para algum r em R porque φ e sobre. Assim sφ(1) = φ(r)φ(1) =φ(r1) = φ(r) = s. Analogamente φ(1)s = s.

9. Se φ e isomorfismo entao φ e sobre e injetiva, isto e, se φ(r1) = φ(r2) entao r1 = r2. Ser ∈ kerφ entao φ(r) = φ(0) = 0 e portanto r = 0. Assim kerφ = {0}.Reciprocamente suponha que φ e sobre e kerφ = {0}. Vamos provar que φ e injetiva. Paraisto suponha que φ(r1) = φ(r2). Entao φ(r1 − r2) = 0 o que mostra que r1 − r2 = 0 porquekerφ = {0}. Assim φ e injetivo e sobre e portanto um isomorfismo.

10. Temos de provar que φ−1(s1 + s2) = φ−1(s1) + φ−1(s2) e φ−1(s1.s2) = φ−1(s1).φ−1s2.

Suponha que φ−1(s1) = r1 e φ−1(s2) = r2 . Logo φ(r1) = s1 , φ(r2) = s2 e φ(r1 + r2) =φ(r1) + φ(r2) = s1 + s2. Isto mostra que φ−1(s1 + s2) = r1 + r2 = φ−1(s1) + φ−1(s2).Analogamente φ−1(s1.s2) = φ−1(s1).φ

−1s2.

Teorema 4.2.2. Seja φ um homomorfismo de um anel R no anel S. Entao o conjunto kerφ ={r ∈ R | φ(r) = 0} e um ideal de R.

Demonstracao Exercıcio.

4.3 O teorema fundamental dos homomorfismos

Teorema 4.3.1 (Teorema fundamental dos homomorfismos (TFH)). Seja φ um homomorfismo deum anel R no anel S. Entao φ(R) e isomorfo ao anel quociente R

kerφ.Em sımbolos, φ(R) ≈ R

kerφ

DemonstracaoDefina a aplicacao

ψ : Rkerφ

→ φ(R)

r + kerφ 7−→ φ(r)

Temos que mostrar que ψ e um isomorfismo. Em primeiro lugar vamos provar que ψ esta bemdefinida, isto e, que independe da escolha da classe. Suponha que r1 + kerφ = r2 + kerφ. Entaor1 − r2 ∈ kerφ, isto e φ(r1) = φ(r2) e ψ(r1 + kerφ) = ψ(r2 + kerφ) e ψ esta bem definida.ψ e um homomorfismo pois

ψ(r1+kerφ+r2+kerφ) = ψ(r1+r2+kerφ) = φ(r1+r2) = φ(r1)+φ(r2) = ψ(r1+kerφ)+ψ(r2+kerφ)

ψ((r1 + kerφ).(r2 + kerφ)) = ψ(r1.r2 + kerφ) = φ(r1.r2) = φ(r1).φ(r2) = ψ(r1 + kerφ).ψ(r2 + kerφ)

ψ e injetiva pois kerψ = {r + kerφ ∈ Rkerφ

|φ(r) = 0} = {0 + kerφ}.E facil ver que ψ e sobre.

Exemplo 4.3.2. Queremos mostrar que R[x]<x2+1>

e isomorfo a C. Utilizando o teorema fundamentaldos homomorfismos basta criar um homo φ sobre entre R[x] e C tal que kerφ seja igual a< x2 + 1 >.Defina

φ : R[x] → C

f(x) 7−→ f(i)

Page 36: Apostila Aneis Cristina Marques

30 CAPITULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANEIS

E facil ver que φ e um homo sobre e que < x2 + 1 >⊂ kerφ.

Seja agora f(x) ∈ kerφ. Dividindo f(x) por x2 + 1 temos que existem q(x) ∈ R[x] e a, b ∈ R

tais que f(x) = (x2 + 1)q(x) + ax+ b. Queremos provar que a e b sao nulos. Como f(x) ∈ kerφ ,aplicando φ na expressao acima temos que ai+ b = 0. Logo a = b = 0 e f(x) ∈< x2 + 1 >. Assim

kerφ =< x2 + 1 > e pelo TFH, C ≈ R[x]<x2+1>

.

Todo anel com unidade de caracterıstica 0 possui uma copia de Z e todo anel com unidade decaracterıstica n tem uma copia de Zn. E o que veremos a seguir.

Teorema 4.3.3 (Homomorfismo de Z em aneis com unidade). Seja R um anel com unidade 1. Aaplicacao

φ : Z → Rn 7−→ n.1

e um homomorfismo de aneis.

Demonstracaoφ(n + m) = (n + m).1 = n.1 + m.1 = φ(n) + φ(m) e φ(nm) = (nm).1 = (n.1)(m.1) = φ(n)φ(m)como ja provamos no Cap.2.

Corolario 4.3.4 (Um anel com unidade contem Z ou Zn). Se R e um anel com unidade de carac-terıstica n entao R contem um subanel isomorfo a Zn.Se R e um anel com unidade de caracterıstica0 entao R contem um subanel isomorfo a Z.

Demonstracao

Vimos que a aplicacao

φ : Z → Rm 7−→ m.1

e um homomorfismo de aneis.Se a caracterıstica de R for n entao kerφ = {m ∈ Z|m.1 = 0} = nZ. (Prove isto!). Entao pelo

TFH, φ(Z) ≈ Z/nZ = Zn e φ(Z) e o subanel de R procurado.

Se a caracterıstica de R for 0 entao kerφ = {m ∈ Z|m.1 = 0} = {0}. Entao pelo TFH,φ(Z) ≈ Z/{0} = Z, Como φ(Z) e um subanel de R, este e o subanel procurado.

Corolario 4.3.5 (Um corpo contem Zp ou Q). Se F e um corpo de caracterıstica p entao Fcontem um subcorpo isomorfo a Zp. Se F e um corpo de caracterıstica 0 entao F contem umsubcorpo isomorfo a Q.

Demonstracao Como todo corpo e um domınio , ele tem unidade e sua caracterıstica ou e0 ou um numero primo p. Se caracterıstica de F for p entao pelo corolario anterior F vai ter umsubanel isomorfo a Zp, o qual vai ser um subcorpo de F . Se caracterıstica de F for 0 entao F vai terum subanel S isomorfo a Z. Como F e um corpo F vai conter todos os inversos de S. Considerandoo conjunto T = {ab−1|a, b ∈ S e b 6= 0} temos que T ⊂ F e T e isomorfo a Q(prove isto !).

Page 37: Apostila Aneis Cristina Marques

4.4. O CORPO DE FRACOES DE UM DOMINIO 31

4.4 O corpo de fracoes de um domınio

Note que Q e constituıdo das fracoes de Z. Podemos repetir esta construcao a todos os domınios .

Teorema 4.4.1. Seja D um domınio. Entao existe um corpo F (chamado corpo das fracoes oucorpo quociente de D) que contem um subanel isomorfo a D.

Demonstracao

Repetiremos a construcao de Q. Seja S = {(a, b)|a, b ∈ D e b 6= 0}.

Em S definimos a relacao de equivalencia

(a, b) ∼= (c, d) ⇔ ad = bc

Denotamos por [(a,b)] a classe de equivalencia de (a, b) e F := {[(a, b)]|(a, b) ∈ S}.

Em F definimos uma soma e um produto:

[(a, b)] + [(c, d)] = [(ad+ bc, bd)]

[(a, b)].[(c, d)] = [(ac, bd)]

E trabalhoso, mas facil, provar que estas operacoes estao bem definidas e que (F,+, .) e umanel.Observe que o elemento neutro da soma e [(0,1)] e o da multiplicacao e [(1,1)]. O inverso de umelemento [(a, b)] 6= 0 e [(b,a)]. Usando a notacao a

b= [(a, b)] podemos trabalhar com F do mesmo

modo que trabalhamos com Q. Finalmente vamos mostrar que F contem um subanel isomorfo aD. Basta considerar a aplicacao

φ : D → Fd 7−→ d

1

e mostrar que φ e um homomorfismo injetivo . Isto e deixado para o leitor assim como todos osdetalhes dessa demonstracao .

Exemplo 4.4.2. O corpo de fracoes do domınio Z[x] e {f(x)g(x)

|g(x) 6= 0}. Este corpo e chamado de

conjunto das funcoes racionais e denotado por Z(x)

Page 38: Apostila Aneis Cristina Marques

32 CAPITULO 4. HOMOMORFISMOS DE ANEIS

4.5 Lista de exercıcios do Capıtulo 4

1. Mostre que a correspondencia x 7−→ 5x de Z5 para Z10 nao esta bem definida.

2. Mostre que a correspondencia x 7−→ 3x de Z4 para Z12 esta bem definida e preserva a adicaomas nao a multiplicacao .

3. Crie um criterio de divisibilidade por 4.

4. O anel 2Z e isomorfo a 3Z? O anel 2Z e isomorfo a 4Z?

5. Seja Z3[i] = {a+ bi|a, b ∈ Z3}. Mostre que Z3[i] e isomorfo a Z3[x]<x2+1>

como corpos.

6. Seja

S = {(

a b−b a

)

|a, b ∈ R}.

Mostre que φ : C → S dada por φ(a+ bi) =

(

a b−b a

)

e um isomorfismo de aneis.

7. Seja Z[√

2] = {a+ b√

2‖ a, b ∈ Z} e H = {(

a 2bb a

)

|a, b ∈ Z}.

Mostre que Z[√

2] e H sao isomorfos como aneis.

8. Considere a aplicacao de M2(Z) em Z dada por

(

a bc d

)

7−→ a. Esta aplicacao e um homo-

morfismo de aneis?

9. A aplicacao de Z5 em Z30 dada por x 7−→ 6x e um homomorfismo de aneis? Note que aimagem da unidade e a unidade da imagem mas nao a unidade de Z30

10. A aplicacao x 7−→ 2x de Z10 em Z10 e um homomorfismo de aneis?

11. Ache o kernel do homomorfismo φ : R[x] → R dado por φ(f(x)) = f(1).

12. Ache todos os homomorfismos de Z em Z

13. Ache todos os homomorfismos de Q em Q

14. Prove que a sequencia 3, 7, 11, 15, ... nao tem nenhuma soma de dois quadrados.

15. Prove que a soma dos quadrados de tres inteiros consecutivos nao pode ser um quadrado.

16. Seja n um inteiro positivo obtido rearranjando os dıgitos de m de algum jeito (por exemplo,4567 e um rearranjamento de 6754). Mostre que m− n e divisıvel por 9.

17. Sejam R e S aneis comutativos com unidade. Se φ e um homomorfismo de R sobre S e acaracterıstica de R e nao nula, prove que a caracterıstica de S divide a caracterıstica

de R.

Page 39: Apostila Aneis Cristina Marques

4.5. LISTA DE EXERCICIOS DO CAPITULO 4 33

18. Se R e um anel comutativo de caracterıstica p, p primo, mostre que a aplicacao de Frobeniusx 7−→ xp e um homomorfismo de R em R.

19. Seja φ um homomorfismo de um anel comutativo R com unidade sobre S e A um ideal de S.

(a) Se A e primo em S entao φ−1(A) e um ideal primo de R.

(b) Se A e maximal em S entao φ−1(A) e um ideal maximal de R.

20. Prove que a imagem por homomorfismo de um anel de ideais principais e um anel de ideaisprincipais. Prove que Zn e um anel de ideais principais e que todo anel quociente de um anelde ideais principais e um anel de ideais principais.

21. Prove que se m e n sao inteiros positivos distintos entao os aneis nZ e mZ nao sao isomorfos.

22. R e C sao isomorfos como aneis?

23. Determine todos os homomorfismos de R em R.

24. Mostre que Q[√

2] e Q[√

3] nao sao isomorfos.

25. Mostre que o corpo quociente de Z[i] e isomorfo a Q[i].

26. Mostre que o numero de Fermat 225

+ 1 nao e primo. Para isto, observe que 641 sendo primoimplica que Z/641Z e um corpo.

Observe tambem que 641 = 24 + 54 e 641 = 27.5 + 1. Da segunda igualdade, tire a expressaode 5 mod 641, substitua na primeira e veja que 641 divide 225

+ 1.

27. Seja D um domınio e F seu corpo quociente. Mostre que se E e um corpo que contem Dentao E contem um subcorpo isomorfo a F (assim o corpo quociente de um domınio D e omenor corpo que contem D).

28. Seja A um anel e I um ideal de A. Mostre que existe uma correspondencia biunıvoca entreos ideais de A que contem I e os ideais do anel quociente A/I.

29. Ache todos os ideais de Z36.

30. Ache todos os ideais de Zn. Quantos existem ?

31. Mostre que Z5[x]<x2+x+1>

e isomorfo a Z5[x]<x2+x+2>

como corpos.

Page 40: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 5

Aneis de Polinomios

Trabalharemos com aneis de polinomios do mesmo jeito que voces aprenderam no segundo grau.So tem que agora estamos preocupados com a sua estrutura de anel .Veremos que mudando o anelonde os coeficientes pertencem teremos aneis de estruturas diferentes.

5.1 Definicao e exemplos

Definicao 5.1.1. Seja R um anel comutativo. O conjunto dos sımbolos formais

R[x] = {anxn + an−1x

n−1 + ...+ a0 | ai ∈ R, n ∈ N}e chamado o anel de polinomios sobre R na indeterminada x .

Dois polinomios

anxn + an−1x

n−1 + ...+ a0

e

bmxm + bm−1x

m−1 + ...+ b0

sao considerados iguais se e somente se ai = bi para todo i ∈ N (defina ai = 0 quando i > n ebi = 0 quando i > m)

Nesta definicao , os sımbolos x1, x2, ..., xn nao representam variaveis do anel R. Sua finalidade eservir como lugares convenientes para separar os elementos do anel R ; a1, a2, ..., an. Nos poderıamoster evitado os x,s definindo um polinomio como uma sequencia infinita a0, a1, a2, ..., an, 0, 0, ... masnosso metodo tem a vantagem da experiencia de x como variavel. A desvantagem do nosso metodoe a confusao que se pode fazer entre polinomio e a funcao que ele pode representar. Por exemplo,em Z3[x] os polinomios f(x) = x4 + x e g(x) = x2 + x representam a mesma funcao de Z3 em Z3

pois f(a) = g(a) para todo a ∈ Z3, mas f(x) e g(x) sao elementos diferentes de Z3[x].

Para fazer R[x] um anel definimos a adicao e multiplicacao de modo usual.

34

Page 41: Apostila Aneis Cristina Marques

5.1. DEFINICAO E EXEMPLOS 35

Definicao 5.1.2 (soma e multiplicacao de polinomios ). Sejam R um anel comutativo e

f(x) = anxn + an−1x

n−1 + ...+ a0

g(x) = bmxm + bm−1x

m−1 + ...+ b0

polinomios pertencentes a R[x].

Entaof(x) + g(x) = (as + bs)x

s + (as−1 + bs−1)xs−1 + ...+ (a0 + b0)

onde ai = 0 para todo i > s e bi = 0 se i > m. Tambem

f(x)g(x) = cm+nxm+n + cm+n−1x

m+n−1 + ...+ c0

onde ck = akb0 + ak−1b1 + ...+ a1bk−1 + a0bk para k = 0, ...,m+ n.

A definicao da multiplicacao parece confusa mas nao e. Ela e a formalizacao do processo familiarda distributividade e colecionando termos iguais.

Exemplo 5.1.3. Sejam f(x) = x3 + 2x+ 1 e g(x) = 2x2 + 2 ∈ Z3[x].

f(x) + g(x) = x3 + 2x2 + 2x+ 0

f(x)g(x) = (x3 + 2x+ 1)(2x2 + 2) = 2x5 + 2x3 + x3 + x+ 2x2 + 2 = 2x5 + 2x2 + x+ 2

Nossa definicao de soma e produto de polinomios foram formuladas de tal forma que R[x] e umanel comutativo . Prove isto!

Vamos agora introduzir alguma terminologia para polinomios. Se

f(x) = anxn + ...+ an−1x

n−1 + ...+ a1x1 + a0

onde an 6= 0, nos dizemos que f(x) tem grau n ; o termo an e chamado de coeficiente lıderde f(x); se o coeficiente lıder de f(x) for a unidade do anel dizemos que f e monico. Nao definimosgrau para o polinomio nulo f(x) = 0 . Polinomios do tipo f(x) = a0 sao chamados de polinomiosconstantes. Nos geralmente escrevemos grf = n para indicar que grau de f e n.

Muitas propriedades de R sao levadas para R[x]. Nosso primeiro teorema mostra um exemplo:

Teorema 5.1.4. Se D e um domınio entao D[x] e um domınio.

Demonstracao

Como nos ja sabemos que D[x] e um anel, o que precisamos provar e que D[x] e comutativocom unidade sem divisores de zero. Claramente D[x] e comutativo porque D o e. Se 1 for aunidade de D entao e facil ver que f(x) = 1 e a unidade de D[x]. Finalmente suponha quef(x) = anx

n + an−1xn−1 + ... + a0 e g(x) = bmx

m + bm−1xm−1 + ... + b0 onde an 6= 0 e bm 6= 0

. Entao pela definicao do produto, f(x)g(x) tem coeficiente lıder anbm 6= 0 porque D e domınio.Logo f(x)g(x) 6= 0 e D[x] e um domınio.

Page 42: Apostila Aneis Cristina Marques

36 CAPITULO 5. ANEIS DE POLINOMIOS

Exemplo 5.1.5. Como todo corpo K e um domınio entao K[x] e um domınio . Tambem K[x, y] :=K[x][y] em domınio.

5.2 O Algoritmo da divisao e consequencias

Uma das propriedades dos inteiros que usamos repetidas vezes e o algoritmo da divisao: se a e bsao inteiros e b 6= 0, entao existem inteiros unicos q e r tais que a = bq + r onde 0 ≤ r < |b|. Oteorema a seguir e um analogo para os polinomios sobre um corpo.

Teorema 5.2.1 (algoritmo da divisao para polinomios). Sejam F um corpo, f(x) e g(x) ∈ F [x]com g(x) 6= 0. Entao existem polinomios q(x) e r(x) em F [x] tais que f(x) = g(x)q(x) + r(x) comr(x) = 0 ou gr r(x) < gr g(x). Tais q(x) e r(x) sao unicos .

Demonstracao

Existencia de q(x) e r(x): Se f(x) = 0 ou gr f < gr g nos colocamos q(x) = 0 e r(x) = f(x).

Entao vamos assumir que n = grf ≥ grg = m.

Sejam f(x) = anxn + an−1x

n−1 + ...+ a0 eg(x) = bmx

m + bm−1xm−1 + ...+ b0. Usaremos o 2oPIM no grau de f .

Se grf = 0, f e g sao constantes em F , tome q(x) = f/g e r(x) = 0.

Vamos supor agora que grf > 0 e colocamos f1 = f(x) − anbm−1xn−mg(x).

Entao f1 = 0 ou grf1 < grf . Pela nossa hipotese de inducao existem q1(x) e r1(x) em F [x] taisque f1 = g(x)q1(x) + r1(x) onde r1 = 0 ou gr r1 < gr g. Assim

f(x) = anbm−1xn−mg(x) + f1(x) = anbm

−1xn−mg(x) + q1(x)g(x) + r1(x)

= [anbm−1xn−m + q1(x)]g(x) + r1(x).

e esta parte do teorema esta provada.

Unicidade:Suponhamos f(x) = q0(x)g(x) + r0(x) = g(x)q1(x) + r1(x) onde ri = 0 ou gr ri < gr g, i = 1, 2.

Subtraindo as duas equacoes temos que

0 = g(x)(q0(x) − q1(x)) + (r0(x) − r1(x))

our0(x) − r1(x) = g(x)(−q0(x) + q1(x))

. Como o grau de r0(x) − r1(x) e menor que o grau de g(x) e g(x) divide r0(x) − r1(x), isto so epossıvel se r0(x) − r1(x) = 0. Assim r1 = r0 e q1 = q0.

Page 43: Apostila Aneis Cristina Marques

5.2. O ALGORITMO DA DIVISAO E CONSEQUENCIAS 37

Os polinomios q(x) e r(x) sao chamados de quociente e resto da divisao.

Seja agora D um domınio. Se f e g ∈ D[x] dizemos que g|f isto e, g divide f se existe umpolinomio h ∈ D[x] tal que f = gh. Neste caso nos chamamos g de fator de f . Um elementoa ∈ D e um zero de f se f(a) = 0. Quando F e um corpo, a ∈ F e f(x) ∈ F [x], nos dizemos quea e um zero de multiplicidade k se (x − a)k divide f mas (x − a)k+1 nao divide f . Com estasdefinicoes , podemos dar varias consequencias do algorıtmo da divisao .

Corolario 5.2.2 (o teorema do resto). Se F e um corpo, a ∈ F e f(x) ∈ F [x] entao f(a) e o restoda divisao de f por x− a.

Corolario 5.2.3 (o teorema do fator). Seja F um corpo, a ∈ F e f ∈ F [x]. Entao a e zero de fse e somente se x− a e fator de f .

Corolario 5.2.4 (polinomios de grau n tem no maximo n zeros). Um polinomio de grau n sobreum corpo tem no maximo n zeros contando multiplicidades.

DemonstracaoUsamos inducao em n. Claramente um polinomio de grau 1 tem exatamente 1 zero . Agora suponhaque a afirmativa e valida para todo polinomio de grau menor que n e n e maior que 1. Seja f umpolinomio de grau n sobre um corpo e seja a um zero de multiplicidade k. Entao f(x) = (x−a)kg(x)onde g(a) 6= 0 e n = k + grg o que mostra que grg < n. Se f nao tem nenhum zero diferente de aentao nao temos nada mais a demonstrar. Se f tiver outro zero b 6= a entao 0 = f(b) = (b−a)kg(b)e entao g(b) = 0 .Como grg < n segue pela nossa hipotese de inducao que o numero de zeros de ge menor ou igual ao grau de g e assim numero de zeros contando multiplicidades de f e menor ouigual a k + grg = k + n− k = n e o nosso corolario esta demonstrado.

Nos observamos que o ultimo corolario nao e verdade para aneis de poliomios arbitrarios. Porexemplo x2 + 3x+ 2 tem 4 zeros em Z6.

Exemplo 5.2.5. Os zeros de xn−1 ∈ C[x] sao wi com w = cos3600/n+isen3600/n e i = 1, 2, ..., n.Para ver isto use a formula de Moivre. Pelo corolario anterior esses sao os unicos zeros de xn − 1.O numero complexo w e chamado de raiz primitiva da unidade.

Nos terminamos esse capıtulo apresentando uma aplicacao teorica do algoritmo da divisao mos-trando que F [x] e Z sao bem parecidos. Para isto vamos definir domınios de ideais principais.

Definicao 5.2.6 (domınio de ideais principais). Um domınio de ideais principais (DIP) e umdomınio R no qual todo ideal tem a forma < a >= {ra | r ∈ R}

Teorema 5.2.7. Se F um corpo entao F [x] e um DIP.

Demonstracao

Pelo teorema sabemos que F [x] e um domınio. Seja agora I um ideal de F [x]. Se I = 0 nadaa demonstrar. Suponha entao que I 6= 0 e seja g o polinomio de menor grau que pertence a I .

Page 44: Apostila Aneis Cristina Marques

38 CAPITULO 5. ANEIS DE POLINOMIOS

Vamos provar que I =< g >. Como g ∈ I, gF [x] ⊂ I e entao < g >⊂ I. Tome h ∈ I. Peloalgorıtmo da divisao temos que existem q e r em F [x] tais que h = qg+ r com r = 0 ou grr < grg.Temos que r = h − qg ∈ I e entao pela escolha de g, r so pode ser 0. Logo g|h o que prova queI ⊂< g > e portanto I =< g >.

O teorema acima mostra tambem como achar um gerador dos ideais de F [x]:

Teorema 5.2.8. Seja I um ideal de F [x] , F um corpo e g um elemento de F [x]. Entao g gera I,isto e, I =< g > se e somente se g e um elemento nao nulo de grau mınimo em I.

Faremos agora uma aplicacao desse teorema:

Exemplo 5.2.9. Considere o homo φ de R[x] em C dado por f(x) 7−→ f(i). Entao x2 + 1 ∈ kerφ

e e claramente o polinomio de menor grau em kerφ. Assim kerφ =< x2 + 1 > e R[x]<x2+1>

≈ C peloTFH.

Observe que nao temos unicidade no gerador de um ideal I de F [x], mas podemos determinaras relacoes entre geradores de um ideal nao nulo de um domınio D. Com efeito, suponha queI =< g >=< g1 >. Assim g|g1 e g1|g. Logo g = g1.h1 e g1 = g.h onde h1 e h estao em D..Substituindo as duas expressoes temos g = g.h.h1 , g(1 − hh1) = 0 e como estamos num domınio,g = 0 ou h1.h = 1, isto e, g e g1 diferem por unidades. Dizemos neste caso que g e g1 sao associados.

Exemplo 5.2.10. < x2 + 1 >=< 2(x2 + 1) >=< 13(x2 + 1) > em R[x].

< 3 >=< −3 > em Z.

< 2x2 + 6x+ 2 >=< x2 + 3x+ 1 > em Q[x]

< x+ i >=< ix− 1 > em C[x].

Page 45: Apostila Aneis Cristina Marques

5.3. LISTA DE EXERCICIOS DO CAPITULO 5 39

5.3 Lista de exercıcios do Capıtulo 5

1. Seja R um anel comutativo. Mostre que a caracterıstica de R[x] e igual a caracterıstica de R.

2. Se φ : R −→ S um homomorfismo de aneis, defina φ : R[x] −→ S[x] por φ(anxn + ...+ a0) =

φ(an)xn + ...+ φ(a0). Mostre que φ e um homomorfismo de aneis .

3. Seja f(x) = x3 + 2x+ 4 e g(x) = 3x+ 2 em Z5[x]. Determine o quociente e o resto da divisaode f(x) por g(x).

4. Mostre que o polinomio 2x + 1 em Z4[x] tem inverso multiplicativo. Em Z[x] existem po-linomios nao constantes com inverso multiplicativo?

5. Prove que o ideal < x > em Z[x] e primo e nao maximal.

6. Prove que o ideal < x > em Q[x] e maximal.

7. Seja F um corpo infinito e f(x) ∈ F [x] Se f(a) = 0 para um numero infinito de elementos ade F , entao f(x) = 0

8. Seja F um corpo infinito e f(x), g(x) ∈ F [x]. Se f(a) = g(a) para um numero infinito deelementos a de F , entao f(x) = g(x).

9. Seja F um corpo e p(x) ∈ F [x]. Se f(x), g(x) ∈ F [x], gr f < gr p e gr g < gr p, mostre quef(x)+ < p(x) >= g(x)+ < p(x) > implica que f(x) = g(x).

10. Se I e um ideal de um anel R, prove que o conjunto I[x] dos polinomios de R[x] cujoscoeficientes estao em I e um ideal de R[x]. De um exemplo de um anel comutativo R comunidade e um ideal maximal I de R de modo que I[x] nao e um ideal maximal de R[x].

11. Seja R um anel comutativo com unidade. Se I e um ideal primo de R, prove que I[x] e umideal primo de R[x]

12. Prove que Q[x]<x2−2>

e isomorfo a Q[√

2] = {a+ b√

2|a, b ∈ Q}.

13. Prove que Z3[x]<x2+1>

e isomorfo a Z3[i] = {a+ bi | a, b ∈ Z3}.

14. Seja f(x) ∈ R[x]. Suponha que f(a) = 0 e que f ′(a) 6= 0. Mostre que a e um zero de f(x) demultiplicidade 1.

15. Seja f(x) ∈ R[x]. Suponha que f(a) = 0 e que f ′(a) = 0. Mostre que (x− a)2 divide f(x).

16. Seja R um anel comutativo com unidade e f(x) ∈ R[x]. Suponha que g(x) = bmxm + ...+b0 ∈

R[x]

e bm seja inversıvel em R. Prove que o algorıtmo de divisao existe para f e g, isto e,∃q(x), r(x) ∈ R[x] tais que f(x) = g(x)q(x) + r(x) com r(x) = 0 ou gr r(x) < gr g(x) .Prove que temos tambem unicidade neste caso.

17. Sejam A um anel comutativo com unidade, f(x) ∈ A[x] e a ∈ A. Entao f(a) = 0 ⇔ ∃t(x) ∈A[x] tal que f(x) = (x− a)t(x).

Page 46: Apostila Aneis Cristina Marques

40 CAPITULO 5. ANEIS DE POLINOMIOS

18. Seja D um dom. e 0 6= f(x) ∈ D[x]. Entao o numero de raızes de f(x) em D (contandomultiplicidades) e menor ou igual ao grau de f .

19. Se K e um corpo, K[x, y] = K[x][y] = anel de polinomios em y com coeficientes em K[x]

(a) Mostre que K[x, y] e um domınio e nao e principal.

(b) Mostre que o ideal < x, y > e maximal em K[x, y].

Page 47: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 6

Fatoracao de polinomios

6.1 Testes de redutibilidade

Como vimos no capıtulo anterior, o anel de polinomios K[x] com K corpo e bem parecido com oanel dos inteiros. Temos tambem o analogo a numero primo:

Definicao 6.1.1 (pol. irredutıvel e redutıvel). Se D um domınio, um polinomio f(x) ∈ D[x] eirredutıvel sobre D se

1. f 6= 0 e f nao e uma unidade de D[x].

2. Sempre que f = gh entao g ou h e uma unidade de D[x].

Um polinomio f ∈ D[x] e redutıvel se f nao e nulo nem uma unidade de D[x] e se f nao forirredutıvel.

Antes de darmos exemplos de irredutıveis precisamos saber quais sao as unidades de D[x], ouseja, quais sao os elementos inversıveis de D[x].

Sabemos que D[x] e um domınio e entao vale que gr(f.g) = grf + grg. Seja f uma unidadede D[x]. Entao existe um g ∈ D[x] tal que f.g = 1. Aplicando o grau , temos que grf + grg = 0.Assim grf = grg = 0, f, g ∈ D e f.g = 1 provando assim que f e g sao unidades de D e acabamosde provar o teorema:

Teorema 6.1.2. Os elementos inversıveis de D[x], onde D e um domınio, sao as unidades de D.

Exemplo 6.1.3. Vamos calcular o conjunto das unidades de alguns aneis de polinomios

1. U(Z[x]) = {−1, 1}.

2. U(R[x]) = R − {0}.

3. U(K[x]) = K − {0} se K e um corpo.

Conhecendo agora as unidades de K[x] onde K e um corpo, temos que f e irredutıvel sobre Kse nao for constante e se f nao puder ser escrito como produto de dois polinomios em K[x] de graumenor .

41

Page 48: Apostila Aneis Cristina Marques

42 CAPITULO 6. FATORACAO DE POLINOMIOS

Exemplo 6.1.4. f(x) = 2x2 + 4 ∈ Q[x] e irredutıvel sobre Q pois 2x2 + 4 = 2(x2 + 2), 2 e umaunidade de Q[x] e x2 + 2 nao pode ser escrito como um produto de polinomios de grau 1. Proveesta ultima afirmacao !

Exemplo 6.1.5. f(x) = 2x2 + 4 ∈ Z[x] e redutıvel sobre Z. Com efeito, 2x2 + 4 = 2(x2 + 2), e 2nao e uma unidade em Z[x]

Exemplo 6.1.6. f(x) = 2x2 + 4 ∈ Q[x] e irredutıvel sobre R e redutıvel sobre C. Com efeito,2x2 + 4 = 2(x+

√2i)(x−

√2i). Tente escrever 2x2 + 4 = (ax+ b)(cx+ d) em R[x] para provar que

2x2 + 4 e irredutıvel sobre R.

Exemplo 6.1.7. x2 − 2 e redutıvel sobre R e irredutıvel sobre Q.

Exemplo 6.1.8. O polinomio x2 + 1 e irred. sobre R e red. sobre C.

Em geral e difıcil determinar se um polinomio e ou nao irredutıvel sobre um domınio masexistem alguns casos especiais quando isto e facil . Nosso primeiro teorema e um desses casos. Elese aplica aos exemplos acima.

Teorema 6.1.9 (teste de redutibilidade para graus 2 e 3). Seja F um corpo. Se f(x) ∈ F [x] egrf = 2 ou 3 entao f e redutıvel sobre F se e somente se f tem um zero em F

Demonstracao

Suponha que f = gh onde g e h posssuem grau menor que o de f e pertencam a F [x]. Comogrf = grg + grh e grf = 2 ou 3 , pelo menos um dos g ou h tem grau 1, digamos g(x) = ax + b.Entao claramente −b/a e um zero de g e entao um zero de f .

Reciprocamente, suponha que f(a) = 0 onde a ∈ F . Entao pelo teorema do fator , x− a e umfator de f e assim f(x) e redutıvel sobre F .2

Este teorema e facil de ser usado quando estamos com corpos finitos Zp pois basta verificar oszeros de f . Note que polinomios de grau ≥ 4 podem ser redutıveis sem ter zeros no corpo. Porexemplo (x2 + 1)2 e redutıvel sobre Q e nao tem nenhum zero em Q.

Observe que o Teorema 6.1.9 nao se aplica em domınios em geral. Por exemplo, 2(x2 + 1) eredutıvel sobre Z e nao tem raızes em Z.

Os nossos proximos tres testes lidam com polinomios com coeficientes inteiros. Para simplificara prova do primeiro deles nos introduzimos alguma terminologia.

Definicao 6.1.10 (conteudo de um pol. e pol. primitivo). O conteudo de um pol. f = anxn +

...+ a0 ∈ Z[x] e o mdc{ai|i = 0, ...n}. Um polinomio e chamado de primitivo se seu conteudo forigual a 1.

Teorema 6.1.11 (Lema de Gauss). O produto de 2 polinomios primitivos e primitivo.

Page 49: Apostila Aneis Cristina Marques

6.2. TESTES DE IRREDUTIBILIDADE 43

Demonstracao

Sejam f e g dois pol. primitivos e suponha que o produto fg nao seja primitivo. Seja p umdivisor primo do conteudo de fg e sejam f e g as imagens dos pol. obtidos de f e g aplicando ohomomorfismo φ : Z[x] 7−→ Zp[x] , o qual leva anx

n+an−1xn−1+...+a0 em anx

n+an−1xn−1+...+a0

onde ai significa a classe de ai em Zp. Entao f g = 0. Como Zp[x] e um domınio temos que f ou ge nulo. Isto indica que p divide o conteudo de f ou p divide o conteudo de g, o que e absurdo poisf e g sao primitivos .2

Lembre-se que a questao da redutibilidade depende do anel onde os polinomios estao. Assimx2 − 2 e irredutıvel sobre Z mas redutıvel sobre Q[

√2]. Podemos provar que todo polinomio sobre

um domınio de grau maior do que um, e redutıvel sobre algum corpo. O teorema a seguir mostraque no caso dos inteiros este corpo tem que ser maior que Q.

Teorema 6.1.12 (red. sobre Q ⇒ red. sobre Z). Seja f ∈ Z[x] . Se f for redutıvel sobre Q entaoele vai ser redutıvel sobre Z

Demonstracao

Suponha que f = gh onde g e h estao em Q[x]. Se f nao for primitivo f ja e redutıvel sobre Z enao temos nada mais a demonstrar. Podemos supor agora que f seja primitivo. Tirando o mmc dosdenominadores dos coeficientes de g e de h temos que existem inteiros a e b e polinomios g1 e h1 emZ[x] tais que abf = g1h1. Se c1 = conteudo de g1 e c2 = conteudo de h1 temos que abf = c1c2g2h2

onde g2 e h2 estao em Z[x] e sao primitivos . Tomando o conteudo da ultima expressao e usando oLema de Gauss temos que ab = c1c2 e f = g2h2 . Como g2 e h2 estao Z[x] temos que f e redutıvelsobre Z.2.

6.2 Testes de irredutibilidade

O teorema 6.1.10 reduz a questao de irredutibilidade de um polinomio de grau 2 ou 3 para a questaode achar um zero. O proximo teorema permite simplificar o problema mais ainda.

Teorema 6.2.1 (teste de irred. modp). Seja p um numero primo e suponha f(x) ∈ Z[x] comgrf ≥ 1. Seja f e o polinomio obtido de f reduzindo todos os coeficientes mod p . Se f e irredutıvelmod p, isto e, sobre Zp e grf = grf entao f e irredutıvel sobre Q.

Demonstracao

Suponha que f seja redutıvel sobre Q.Pelo teorema anterior, se f for red. sobre Q entao ele vai ser red. sobre Z.Assim existem pol. g e h em Z[x] tais que f = gh onde g e h possuem graus menores que grf

[observe que g e h nao podem ter grau igual a zero porque senao f nao seria redutıvel sobre Q].

Sejam f , g e h as imagens de f, g e h respectivamente atraves do homomorfismo

Page 50: Apostila Aneis Cristina Marques

44 CAPITULO 6. FATORACAO DE POLINOMIOS

Z[x] −→ Zp[x]

g =∑n

i=0 bixi 7−→ g =

∑n

i=0 bixi

Comogrg ≤ grg < grf ,

grh ≤ grh < grf

e grf = grf por hipotese, nos temos que f = gh com grg = grg e grh = grh o que e um absurdopois nossa hipotese diz que f e irred. sobre Zp. Assim f e irred. sobre Q.2

Observacoes

1. Se grf 6= grf nao podemos afirmar nada ; por exemplo, f(x) = 3x2−2x−1 ∈ Z[x] e redutıvelsobre Q e f = −2x− 1 = 1x+ 2 ∈ Z3[x] e irredutıvel sobre Z3.

2. Seja cuidadoso para nao usar a recıproca do teorema; se f ∈ Z[x] e f e red. sobre Zp paraalgum p, f pode ainda ser irred. sobre Q. Por exemplo, considere f(x) = 21x3 − 3x2 +2x+8.Sobre Z2 temos que f = x3 + x2 = x2(x+ 1). Mas sobre Z5, f = x3 − 3x2 + 2x+ 3 nao temnenhuma raiz em Z5 o que mostra que f e irred. sobre Z5 e entao f e irred. sobre Q.

3. O exemplo anterior mostra que f pode nao ser irredutıvel sobre Zp mas ser irredutıvel sobreoutro primo p. Observe que existem pol. f que sao irred. sobre Q mas f e red. sobre Zp

para todo primo p, como e o caso do pol. f(x) = x4 + 1 ∈ Z[x].

Exemplo 6.2.2. Seja f = 15x3 − 3x2 + 2x + 7 ∈ Z[x]. Em Z2[x] temos que f = x3 − x2 + 1,f(0) = 1 e f(1) = 1. Assim f e irred. sobre Z2 e grf = grf , o que prova que f e irred. sobre Q.Observe que sobre Z3, f = 2x+ 1 e irred. mas nao podemos aplicar o teorema para concluir que fe irred. sobre Q.

O teste de irred. modp pode tambem ser usado para pol. de grau maior ou igual a tres comcoeficientes racionais.

Exemplo 6.2.3. Seja f = 37x4 − 2

7x2 + 9

35x + 3

5∈ Q[x]. Vamos provar que f e irred. sobre Q.

Primeiro seja h(x) = 35f(x) = 15x4 − 10x2 + 9x + 21. Entao f e irred. sobre Q ⇔ h for irred.sobre Q. Aplicando o teste de irred. mod 2 a h temos h = x4 +x+1. Claramente h nao tem zerosem Z2. Tambem h nao tem nenhum fator quadratico em Z2[x]( este fator seria x2 +x+1 ou x2 +1pois x2 ou x(x + 1) nao poderiam ser pois eles tem zeros em Z2. Fazendo a divisao vemos que osdois nao sao fatores de h).Assim h e irred. sobre Z2 e entao sobre Q.

Exemplo 6.2.4. Seja f(x) = x5+2x+4. Obviamente o teorema 6.1.9 e o teste de irred. mod 2 naopodem ser usados aqui. Vamos tentar mod 3. Assim f = x5 +2x+1 em Z3[x] e f(0) = 1, f(1) = 1e f(2) 6= 0. Logo f nao tem fatores lineares. Mas f pode ter fatores quadraticos; suponha que eleseja da forma x2 + ax + b. Temos 9 possibilidades para verificar. Podemos tirar dessas 9, aquelasque levam f ter zeros em Z3. Assim temos apenas que verificar se x2 + 1, x2 + x+ 2 e x2 + 2x+ 2dividem f . Fazendo as contas eles sao tambem eliminados. Temos entao que f e irred. sobre Z3 ef e irred. sobre Q.( Por que nao e necessario verificar fatores cubicos e de grau 4 ?)

Page 51: Apostila Aneis Cristina Marques

6.2. TESTES DE IRREDUTIBILIDADE 45

Um outro teste de irredutibilidade e o Criterio de Eisenstein (1823-1852), um aluno de Gauss.

Teorema 6.2.5 (Criterio de Eisenstein-1850). Seja f(x) = anxn + an−1x

n−1 + ...+ a0 ∈ Z[x].Se existe um primo p tal que p 6 |an, p|an−1, ..., p|a0 e p2 6 |a0 entao f e irredutıvel sobre Q.

Demonstracao

Se f for red. sobre Q, nos sabemos que f sera red. sobre Z e entao existirao pol. g e h emZ[x] tais que f = gh, grg > 1 e grh < n, digamos g = brx

r + ... + b0 e h = csxs + ... + c0. Entao,

como p|a0 = c0b0 e p2 6 |a0 segue que p|b0 ou p|c0 mas p nao divide os dois. Vamos supor que p|b0e p 6 |c0. Temos tambem que p 6 |an = csbr e entao p 6 |br. Assim temos um menor inteiro positivot tal que p 6 |bt. Agora, considere at = btc0 + bt−1c1 + bt−2c2 + ... + b0ct. Por hipotese, p|at e pelaescolha de t temos que p|bt−1, p|bt−2,...,p|b0. Claramente isto implicara que p|btc0. Isto e absurdopois p 6 |bt e p 6 |c0 e p e primo.2

Corolario 6.2.6 (Irred. do pol. ciclotomico). Para todo primo p, o p-esimo polinomio ciclotomico

φp(x) =xp − 1

x− 1= xp−1 + xp−2 + ...+ x+ 1

e irredutıvel sobre Q.

Demonstracao

Seja

f(x) = φp(x+ 1) =(x+ 1)p − 1

(x+ 1) − 1= xp−1 + pxp−2 + ...+ p

Entao, pelo criterio de Eisenstein, f e irred. sobre Q. Assim, se φp(x) = g(x)h(x) e umafatorizacao nao trivial de φp(x) sobre Q entao f(x) = φp(x + 1) = g(x + 1)h(x + 1) seria umafatorizacao nao trivial de f sobre Q. Isto e impossıvel pois pelo criterio de Eisenstein f(x) =φp(x+ 1) e irredutıvel sobre Q.2

Exemplo 6.2.7. O pol. 3x5 + 15x4 − 20x3 + 10x + 20 e irredutıvel sobre Q pois 5 divide20, 10,−20, 15,5 6 |3 e 52 6 |20, usando o criterio de Eisenstein.

A importancia dos ideais maximais vem da sua ligacao com os pol. irredutıveis.

Teorema 6.2.8 (p(x) irred.⇔< p(x) > e max.). Seja F um corpo e p(x) ∈ F [x]. Entao o ideal< p(x) > e maximal em F [x] ⇔ p(x) e irredutıvel sobre F .

Demonstracao

(⇒) Suponha < p(x) > e max.. Se p(x) = g(x)h(x) e uma fat. de f(x) sobre F entao< p(x) >⊆< g(x) >⊆ F [x]. Como < p(x) > e max. temos que < p(x) >=< g(x) > ou< g(x) >= F [x]. No primeiro caso temos que g(x) = p(x)t(x)para algum t(x) ∈ F [x] e como

Page 52: Apostila Aneis Cristina Marques

46 CAPITULO 6. FATORACAO DE POLINOMIOS

p(x) = g(x)h(x), juntando essas duas equacoes temos p(x)(1 − t(x)h(x)) = 0. Como F [x] e umdomınio e p(x) e nao nulo temos que 1 − t(x)h(x) = 0 o que mostra que h(x) e uma unidade deF [x] e que a fatoracao acima de p(x) e trivial. Logo p(x) ırredutıvel. No segundo caso, existe umpolinomio t(x) ∈ F [x] tal que 1 = t(x)g(x) o que tambem mostra que a fatorizacao de p(x) e trivial.

(⇐) Suponha que p(x) e irred. sobre F . Seja I um ideal de F [x] tal que < p(x) >⊆ I ⊆ F [x].Como F [x] e um DIP, existe um g(x) ∈ F [x] tal que I =< g(x) >. Assim p(x) ∈< g(x) >, digamosp(x) = g(x)h(x) com h(x) ∈ F [x]. Como p(x) e irred. sobre F temos que g ou h sao unidades deF [x], isto e sao constantes nao nulas. No primeiro caso I = F [x] e no segundo I =< p(x) >, o queprova que < p(x) > e maximal.2

Corolario 6.2.9 ( F [x]<p(x)>

e um corpo). Seja F um corpo e p(x) um pol. irred. sobre F . Entao

F [x]/ < p(x) > e um corpo.

O proximo corolario e um analogo do Lema de Euclides para polinomios.

Corolario 6.2.10 (p(x)|a(x)b(x) ⇒ p(x)|a(x) ou p(x)|b(x)). Sejam F um corpo ep(x), a(x), b(x) ∈ F [x]. Se p(x) e irreduıvel sobre F e p(x)|a(x)b(x) entao p(x)|a(x) ou p(x)|b(x).

Demonstracao

Como p(x) e irred., F [x]/ < p(x) > e um corpo e portanto um domınio. Sejam a(x) e b(x)imagens de a(x) e b(x) com relacao ao homo canonico:

F [x] −→ F [x]<p(x)>

Como p(x)|a(x)b(x) entao a(x)b(x) = 0.Assim como estamos num domınio a(x) = 0 ou b(x) = 0 ou seja p(x)|a(x) ou p(x)|b(x).2

Exemplo 6.2.11. Vamos construir um corpo com 8 elementos. Pelos teoremas anteriores, bastaachar um pol. de grau 3 sobre Z2 sem nenhum zero. Por tentativas, concluimos que x3 + x + 1serve. Assim Z2[x]

<x3+x+1>= {ax2 + bx+ c+ < x3 +x+1 > |a, b, c ∈ Z2} e um corpo com 8 elementos.

Observe que pelo exercıcio 9 do Cap. 5 temos que todos os 8 elementos sao distintos.

Exemplo 6.2.12. Como x2 + 1 nao tem zeros em Z3 temos que x2 + 1 e irred. sobre Z3. AssimZ3[x]

<x2+1>e um corpo. Z3[x]

<x2+1>= {ax+ b+ < x2 + 1 > | a, b ∈ Z3} e um corpo com 9 elementos.

6.3 Fatoracao unica em Z[x]

Provaremos que Z[x] tem uma importante propriedade de fatoracao . No proximo capıtulo, nosprovaremos que todo DIP tem essa propriedade. O caso Z[x] e feito separadamente porque ele naoe um DIP. Para provar o teorema seguinte precisamos saber que as unidades de Z[x] sao os pol.1,−1 e tambem que todo pol. irred. em Z[x] e primitivo. Prove isto!

Page 53: Apostila Aneis Cristina Marques

6.3. FATORACAO UNICA EM Z[X] 47

Teorema 6.3.1 (Fatoracao unica). Todo pol. em Z[x] de grau positivo, nao nulo e nao unidadepode ser escrito na forma

b1b2...bsp1(x)p2(x)...pm(x)

onde os b s sao primos (isto e, pol. irred. de grau 0), e os p(x) ’ s sao pol. irred. de grau positivo.Tambem, se

b1b2...bsp1(x)p2(x)...pm(x) = c1c2...ctq1(x)...qn(x)

sao duas tais fatoracoes entao s = t e m = n e apos renumeracao dos cs e qs nos temos bi = ±cipara i = 1, ..., s e pi(x) = ±qi(x) para i = 1, ...,m

Demonstracao

Existencia: Seja f nao nulo e nao unidade em Z[x]. Se grf = 0 , f ∈ Z e o resultado seguedo TFA. Se grf > 0, seja b, o conteudo de f e b1b2...bs sua fatoracao em Z. Entao f = b1...bsf1(x),onde f1 ∈ Z[x] e primitivo e tem grau positivo. Assim, para provar a parte de existencia, e suficientemostrar que todo pol. primitivo de grau maior que 1 pode ser escrito como um produto de pol.irred. de grau positivo.

Usaremos inducao no grau de f

Se grf = 1 entao f ja e irred. e entao OK.

Agora suponha que todo pol. de grau menor que grf e primitivo pode ser escrito como umproduto de pol. irred. de grau positivo.. Se f e irred., nada a demonstrar.Se f nao for irred., f = gh onde g e h sao primitivos e grg, grh < grf . Pela hipotese de inducao ,ambos g e h sao produtos de irred. de grau positivo, o que mostra que f tambem sera.

Unicidade: Suponha que f = b1b2...bsp1(x)p2(x)...pm(x) = c1c2...ctq1(x)...qn(x) onde os b s e cs sao pol. irred de grau 0 e os p(x) s e q(x) s sao pol. irred. de grau positivo.Sejam b = b1...bs e c = c1...ct. Como os polinomios p s e q s sao primitivos segue do Lema deGauss que p1p2...pm e q1q2...qn sao primitivos. Portanto tomando o conteudo de f temos b = c.Pelo TFA e apos renumeracao bi = ci onde i = 1, 2, ..., s. Assim, cancelando o conteudo temosp1(x)...pm(x) = q1(x)...qn(x). Segue pelo corolario 6.2.10 e considerando os p s e q s como elemen-tos de Q[x], que p1|qj para algum j ∈ {1, 2, ..., n}. Renumerando podemos supor j = 1. Assimq1 = p1.

rs

com r, s em Z. Como p1 e q1 sao primitivos segue que r = s e p1 = ±q1.Apos cancelamento, p2(x)...pm(x) = ±q2(x)...qn(x) e repetindo o argumento com p2(x) teremosp2 = ±q2.

Se m < n, apos m tais passos teremos que ±1 = qm+1...qn. Isto diz que os pol. qis comi = m+1, ..., n sao unidades, o que e um absurdo pois eles sao iredutıveis. Analogamente se m > nchegaremos num tal absurdo. Assim m = n e pi = qi apos renumeracao .

Page 54: Apostila Aneis Cristina Marques

48 CAPITULO 6. FATORACAO DE POLINOMIOS

6.4 Lista de exercıcios do Capıtulo 6

1. Suponha D um domınio e F um corpo contendo D. Se f(x) ∈ D[x] e f(x) e irredutıvel sobreF mas redutıvel sobre D, o que podemos dizer sobre a fatorizacao de f(x) sobre D?

2. Suponha que f(x) = xn + an−1xn−1 + ... + a0 ∈ Z[x]. Se r e racional e x − r divide f(x)

mostre que r e um inteiro.

3. Seja F um corpo e seja a um elemento nao nulo de F .

(a) Se af(x) e irredutıvel sobre F , prove que f(x) e irredutıvel sobre F .

(b) Se f(ax) e irredutıvel sobre F , prove que f(x) e irredutıvel sobre F .

(c) Se f(x+ a) e irredutıvel sobre F , prove que f(x) e irredutıvel sobre F .

4. Mostre que x4 + 1 e irredutıvel sobre Q mas redutıvel sobre R.

5. Construa um corpo com 25 elementos.

6. Construa um corpo com 27 elementos.

7. Mostre que x2 + x+ 4 e irredutıvel sobre Z11.

8. Suponha que f(x) ∈ Zp[x] e irredutıvel sobre Zp. Se grf = n, prove que Zp[x]

<f(x)>e um corpo

com pn elementos .

9. Seja f(x) = x3 + 6 ∈ Z7[x]. Escreva f(x) como produto de pol. irredutıveis.

10. Seja f(x) = x3 + x2 + x+ 1 ∈ Z2[x]. Escreva f(x) como produto de pol. irredutıveis.

11. Seja p um primo.

(a) Mostre que o numero de polinomios redutıveis sobre Zp da forma x2 + ax+ b e p(p+1)2

.

(b) Determine o numero de pol. quadraticos redutıveis sobre Zp.

(c) Determine o numero de pol. quadraticos irredutıveis sobre Zp.

12. Mostre que para todo primo p existe um corpo com p2 elementos.

13. Mostre que Z3[x]<x2+1>

e isomorfo a Z3[i] e que Z3[i] e um corpo.

14. Ache todos os zeros e suas multiplicidades de x5 + 4x4 + 4x3 − x2 − 4x+ 1 sobre Z5

15. Ache todos os zeros de f(x) = 2x2 + 2x + 1 sobre Z5 por substituicao direta. Ache agora

usando a formula −b±√

b2−4ac2a

. Suas respostas sao iguais? Deveriam ser? Ache todos os zerosde g(x) = 2x2 +x+ 3 sobre Z5 por substituicao e depois pela formula. Funciona? Estabelecacondicoes necessaris e suficientes para que a formula quadratica forneca os zeros de umaquadrica de Zp[x] onde p e um primo maior que 2.

16. Seja f(x) = anxn + ...+ a0 ∈ Z[x], onde an 6= 0. Prove que se r e s sao relativamente primos

e f(r/s) = 0, entao r|a0 e s|an.

Page 55: Apostila Aneis Cristina Marques

6.4. LISTA DE EXERCICIOS DO CAPITULO 6 49

17. Seja F um corpo e p(x) irred. sobre F . Mostre que {a+ < p(x) > | a ∈ F} e um subcorpo

de F [x]<p(x)>

isomorfo a F .

18. Seja F um corpo e p(x) irred. sobre F . Se E e um corpo que contem F e existe um elementoa em E tal que p(a) = 0, mostre que a aplicacao φ : F [x] → E dada por φ(f(x)) = f(a) eum homomorfismo de aneis com kernel < p(x) >.

19. Investigar a irredutibilidade em Z[x] dos polinomios :

(a) x4 − x2 + 1

(b) x4 + ax2 − 1 onde a 6= 0 em Z.

(c) x4 + 45x+ 15

(d) 2x4 + 3x+ 3

(e) 2x7 + 3rx5 + 3

(f) xp−1 − xp−2 + xp−3 − ...− x+ 1 onde p e um primo.

(g) x12 + 14x5 + 21x+ 7

(h) x12 + 5x7 + 15x2 + 5

(i) x4 + 3x2 − 1

(j) x3 − 2

(k) x10 + 5x+ 5

(l) x13 + 3x5 + 3

(m) 2x4 + 3x3 + 12x2 + 6x+ 6

(n) x3 + 2x2 + 3x+ 1

(o) x3 − 9

(p) f(x) = x3 − 3n2x+ n3 onde n ∈ Z.

Dica: Use f(nx)

(q) x4 + 3x3 + 3x2 − 5

20. Investigar a irredutibilidade em Q[x] dos polinomios :

(a) 2x4 + 4x2 − 2

(b) 10x11 + 6x3 + 6

21. Mostre que f(x) = x4 + x3 + x+ 1 nao e irredutıvel sobre F para qualquer corpo F .

22. Seja f(x) = 1x3 + 1x2 + 1. Mostre que f(x) e irredutıvel sobre Z2. f(x) e irredutıvel sobreZ3? E sobre Z5?

23. (a) Sejam f(x) ∈ Z[x] monico e f(x) a sua classe em Zn[x]. Se f(x) e irredutıvel sobre Zn

entao f(x) ırredutıvel sobre Z

Page 56: Apostila Aneis Cristina Marques

50 CAPITULO 6. FATORACAO DE POLINOMIOS

(b) Mostre que x3 − 15x2 + 10x− 84 ∈ Z[x] e irredutıvel sobre Z.

24. Seja m > 1 um inteiro. Sejam p1, p2, ..., pr primos distintos.

Mostre que m√p1p2p3...pr 6∈ Q.

Page 57: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 7

Divisibilidade em domınios

No capıtulo anterior nos vimos fatoracao de polinomios sobre Z ou sobre um corpo. Varios dessesresultados; fatoracao unica de Z[x] e algorıtmo da divisao para F [x] , foram generalizacoes dosteoremas sobre inteiros. Neste capıtulo, nos examinamos fatoracao num contexto mais geral.

7.1 Irredutıveis e primos

Definicao 7.1.1 (associados, irred. e primos). Elementos a e b de um domınio D sao chamadosassociados se a = ub onde u e uma unidade de D. Um elemento nao nulo a de D e chamadode irredutıvel se a nao for uma unidade e sempre quando a = bc com b e c em D entao b ou ce uma unidade. Um elemento nao nulo a de um domınio D e chamado primo se a nao for umaunidade e se a|bc entao a|b ou a|c.

Grosseiramente falando, irredutıvel e um elemento que pode ser fatorado apenas com a fatoracaotrivial.

Observe que um elemento a e primo se e somente se < a > e um ideal primo.

Relacionando as definicoes acima com as definicoes nos inteiros , parece uma enorme confusaopois no Capıtulo 1 definimos por inteiro primo se satisfaz nossa definicao de irred. e nos provamosque um inteiro primo satisfaz a def. de primo num domınio (Lema de Euclides). Esta confusaosurge, porque no caso dos inteiros, os conceitos de irred. e primo sao equivalentes, mas em geralveremos que nao serao.

A distincao entre primos e irred. e melhor ilustrado nos domınios da forma

Z[√d] = {a+ b

√d | a, b ∈ Z} onde d e livre de quadrados.

Estes aneis sao de fundamental importancia na teoria de numeros. Para analisar esses aneis, nosnecessitamos um metodo conveniente para achar suas unidades, irred. e primos. Para fazer isto,nos vamos definir a funcao norma

N : Z[√d] → Z+

a+ b√d 7−→ |a2 − db2|

51

Page 58: Apostila Aneis Cristina Marques

52 CAPITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMINIOS

E facil verificar as propriedades da funcao norma:

1. N(x) = 0 se e somente se x = 0

2. N(xy)=N(x)N(y) para todo x, y ∈ Z[√d]

3. x e unidade se e somente se N(x) = 1

4. Se N(x) e primo entao x e irredutıvel.

Exemplo 7.1.2. Nos vamos mostrar em Z[√−3] um irred. que nao e primo. Temos aqui que

N(a+ b√−3) = a2 + 3b2. Considere 1 +

√−3 . Suponha que nos podemos fatorar 1 +

√−3 como

um produto x.y onde x e y nao sao unidades. Entao N(xy) = N(x)N(y) = N(1 +√−3) = 4, e

segue que N(x) = 2. Mas nao existem inteiros a e b satisfazendo a2 + 3b2 = 2. Assim x ou y eunidade e 1 +

√−3 e irredutıvel . Para provar que 1 +

√−3 nao e primo nos observamos que

(1 +√−3)(1−

√−3) = 4 = 2.2 o que mostra que (1 +

√−3)|2.2 . Por outro lado, para inteiros a e

b existirem tal que 2 = (a+ b√−3)(1 +

√−3) = (a− 3b) + (a+ b)

√−3 nos devemos ter a− 3b = 2

e a+ b = 0 o que e impossıvel.

Do exemplo anterior surge a pergunta : quais domınios contem primos que nao sao irredutıveis?A resposta e: nunca !

Teorema 7.1.3 (primo ⇒ irred.). Num domınio, todo primo e irredutıvel

Demonstracao

Suponha que a e primo num dom. D. Entao a 6= 0 e a nao e uma unidade e se a = b.c nosdevemos provar que b ou c e uma unidade. Pela definicao de primo, nos temos que a|b ou a|c.Suponha que at = b e substituindo temos b.1 = b = at = (bc)t = b(ct) e pelo cancelamento ct = 1o que mostra que c e uma unidade. 2

O proximo teorema mostra que num DIP , irredutıvel e primo sao equivalentes.

Teorema 7.1.4 (Num DIP, irred ⇔ primo). Num DIP , um elemento e irredutıvel se e somentese ele e primo.

Demonstracao

Usando o teorema anterior so falta provar que num DIP , todo irred. e primo. Seja a umelemento irred. num DIP D e suponha que a|bc. Nos devemos provar que a|b ou a|c. Considere oideal I = {ax + by | x, y ∈ D} e como D e um DIP existe d ∈ D tal que I =< d > . Como a ∈ Inos podemos escrever a = dr para algum r em D, e como a e irred. d ou r e uma unidade. Se d foruma unidade I =< d >= D e nos podemos escrever 1 = ax + by. Entao c = acx + bcy e como adivide ambos os termos temos que a|c. Por outro lado, se r e uma unidade entao < a >=< d >= I,e como b ∈ I, existe um t ∈ D tal que at = b . Assim a|b. 2

Uma consequencia facil do algorıtmo da divisao em Z e F [x] onde F e um corpo e que eles saoDIP . Nosso proximo exemplo mostra, entretanto que um dos nossos aneis mais familiares nao eum DIP .

Page 59: Apostila Aneis Cristina Marques

7.2. DOMINIOS DE FATORACAO UNICA 53

Exemplo 7.1.5. Mostraremos aqui que Z[x] nao e um DIP . Considere em Z[x] o ideal I ={ax+2b | a, b ∈ Z} =< x, 2 >. Nos afirmamos que I nao e da forma < h(x) >. Com efeito se fosse,deveriam existir f, g ∈ Z[x] tal que 2 = hf e x = hg pois x e 2 estao em I.

Pela regra do grau, temos 0 = gr2 = grh + grf e concluımos que h e uma constante. Paradeterminar qual constante, nos observamos que 2 = h(1)f(1). Assim h(1) = ±1 ou ±2, mas como1 6∈ I nos devemos ter h(x) = ±2 . Mas entao x = ±2g(x) o que nao tem sentido.

Ja provamos que Z e Z[x] tem importantes propriedades de fatoracao : todo inteiro positivopode ser fatorado unicamente como produto de irredutıveis (isto e, primos), e todo pol. nao nuloe nao unidade pode ser fatorado como produto de pol. irred.. A questao de fatoracao unica numdomınio surgiu na tentativa de resolver o famoso Teorema de Fermat o qual conjecturava que aequacao xn + yn = zn nao tem solucao inteira nao trivial se n e maior ou igual a 3. Este problemafoi proposto em 1637 e so foi resolvido em 1995 e durante esse tempo ajudou a varias areas daAlgebra a se desenvolverem, ou mesmo surgirem. O que mais intrigou aos matematicos foi queFermat quando propos esse teorema afirmou que ja conhecia uma prova mas que nao iria escreve-laalı, na margem do livro , porque nao caberia. E quase 4 seculos se passaram sem a tal prova. Soem 1995 os matematicos Andrew Wiles e Taylor usando teoria de curvas elıpticas resolveram esteteorema . Por causa disso, acredita-se que Fermat usou uma fatoracao unica num domınio onde naoexistia tal fatoracao . Estudaremos agora domınios que possuem fatoracao unica em irredutıveis .

7.2 Domınios de Fatoracao unica

Definicao 7.2.1. Um domınio D e domınio de fatoracao unica (DFU) se:

1. Todo elemento de D nao nulo e nao unidade pode ser escrito como um produto de irredutıveisde D

2. A fatoracao em irredutıveis e unica a menos de associados e da ordem em que aparecem.

Naturalmente o TFA nos diz que Z e DFU . O teor.6.3.1 diz que Z[x] e DFU . Provaremos quemuitos dos domınios que conhecemos sao DFU . Provaremos antes a condicao da cadeia ascendente.

Teorema 7.2.2 (Condicao da cadeia ascendente para DIP ). Num DIP toda cadeia ascendentede ideais I1 ⊂ I2 ⊂ ... e estacionaria (isto e, existe um k tal que Ik = Ik+1 = Ik+2 = ...).

Demonstracao

Seja I1 ⊂ I2 ⊂ ... uma cadeia ascendente de ideais num dom. D e seja I =⋃

Ii. E facil mostrarque I e um ideal de D. Como D e um DIP , I =< a > para algum a ∈ D. Como a ∈ I, a ∈ Ikpara algum inteiro k e assim I =< a >⊂ Ik. Mas pela definicao de I, temos que Ii ⊂ I ⊂ Ik paratodo Ii da cadeia e assim Ik deve ser o ultimo ideal da cadeia . 2

Teorema 7.2.3 (DIP ⇒ DFU). Todo DIP e um DFU .

Demonstracao :Existencia:

Page 60: Apostila Aneis Cristina Marques

54 CAPITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMINIOS

Seja D um DIP . Nos primeiro mostramos que todo a ∈ D, a 6= 0, e a nao unidade e umproduto de irred.(observe que o produto pode constar de apenas um fator). Para ver isto , sejaa0 6= 0, nao unidade e nao irredutıvel. Entao existem a1 e b1 nao unidades em D tais que a0 = b1a1

. Se ambos, a1 e b1 podem ser escritos como produto de irred. entao a0 tambem pode.Suponhaque a0 nao pode ser escritocomo produto de irredutıveis. Assim b1 ou a1 nao pode ser escrito comoproduto de irred., digamos, a1. Entao a1 = a2b2 onde nem a2 nem b2 e unidade. Continuando nesteprocesso, nos obtemos uma sequencia infinita b1, b2, ... de elementos que nao sao unidades de D euma sequencia a0, a1, a2... de elementos nao nulos de D, com an = bn+1an+1 para cada n. Comobn+1 nao e unidade, nos temos

< an >⊂< an+1 > para cada n

Assim, < a0 >⊂< a1 >⊂ ... e uma cadeia infinita crescente de ideais. Isto contraria o teoremaanterior, de modo que nos concluimos que a0 e um produto de irred.(Observe que a cadeia nao parapois senao < an >=< an+1 >, an+1 = dan , an = bn+1an+1 . Juntando essas equacoes temos quebn+1 e uma unidade, o que e absurdo.)

Unicidade:Temos que mostrar que a fatoracao e unica a menos de associados e a ordem em que os fatores

aparecem. Para fazer isto, suponha que um elemento a de D pode ser escrito como:

a = p1p2...pr = q1q2...qs

onde os p e q sao irred. e a repeticao e permitida. Faremos inducao em r.

Se r = 1, entao a e irred. e claramente s = 1 e p1 = q1.

Nos assumimos que todo elemento o qual pode ser expresso como um produto de r−1 elementosirred. e escrito de modo unico(a menos de assoc. e ordem). Vamos agora provar que isto tambemvale para um produto de r irred. Como p1|q1q2...qs ele divide algum qi. Entao q1 = up1 onde u euma unidade de D. Assim

ua = up1p2...pr = q1(uq2)...qs

e por cancelamentop2p3...pr = (uq2)...qs.

Pela hipotese de inducao estas duas fatoracoes sao identicas a menos de associados e a ordem emque aparecem. Assim, o mesmo e verdade para as 2 fatoracoes de a. 2

Observacao

Na parte da existencia e que usamos que D e um DIP quando afirmamos que a cadeia tem queparar. Um domınio com esta propriedade e chamado de Domınio Noetheriano em homenagem aEmmy Noether, que introduziu as condicoes de cadeia .

Corolario 7.2.4. Se F e um corpo entao F [x] e um DFU .

DemonstracaoPelo teorema 5.2.7, temos que F [x] e um DIP 2

Page 61: Apostila Aneis Cristina Marques

7.3. DOMINIOS EUCLIDIANOS 55

7.3 Domınios Euclidianos

Definicao 7.3.1 (dom. euclidiano ). Um dom. D e chamado de domınio euclidiano(DE) seexiste uma funcao d de elementos nao nulos de D em Z+ tal que

1. d(a) ≤ d(ab) para todo a, b ∈ D − {0}

2. Se a, b ∈ D, b 6= 0, entao existem elementos q, r ∈ D de modo que a = bq + r onde r = 0 oud(r) < d(b)

Exemplo 7.3.2. O anel Z dos inteiros e um domınio euclidiano com d(a) = |a|, o valor absolutode a.

Exemplo 7.3.3. Seja F um corpo. Entao F [x] e um anel euclidiano com d(f(x)) = gr f(x) (verTeor.5.2.1)

O leitor ja deve ter visto a similaridade entre Z e K[x]. Fazemos aqui um resumo:

Z K[x]Forma dos elementos an10n + ...+ a110 + a0 anx

n + ...+ a1x+ a0

Domınio Euclidiano d(a) = |a| d(a) = gr aUnidades a e uma unidade ⇔ |a| = 1 f e uma unidade ⇔ gr a = 0

Alg. da divisao Para a, b ∈ Z, b 6= 0,∃q, r ∈ Z Paraf, g ∈ K[x], g 6= 0, ∃q, r ∈ K[x]tal que a = bq + r, 0 ≤ r < |b| tal que f = gq + r, 0 ≤ gr r < gr g ou r = 0.

DIP I =< a >, |a| = min I =< f(x) >, gr f = min

DFU n =∏

pki

i f(x) =∏

fki

i .pi primo fi irredut.

Exemplo 7.3.4 (Inteiros de Gauss).

Z[i] = {a+ bi | a, b ∈ Z}e um DE com d(a+ bi) = a2 + b2. Com efeito:

1. Se x = a+ bi e y = c+ di com a, b, c e d em Z temos que d(xy) = d((ac− bd) + (ad+ bc)i) =(ac− bd)2 + (ad+ bc)2 = a2c2 + a2d2 + b2c2 + b2d2 = (a2 + b2)(c2 + d2) = d(x)d(y).

2. Se x = a + bi e y = c + di com a, b, c e d em Z e y 6= 0 temos que xy−1 ∈ Q[i], o corpoquociente de Z[i] (ver exerc. 24 do cap.4). Suponha que xy−1 = s+ ti onde s e t estao em Q.Seja agora m o inteiro mais proximo de s e n o inteiro mais proximo de t. Assim |m−s| ≤ 1/2e |n− t| ≤ 1/2. Entao

xy−1 = s+ ti = (m−m+ s) + (n− n+ t)i = (m+ ni) + [(s−m) + (t− n)i].

Assimx = (m+ ni)y + [s−m+ (t− n)i]y

Nos afirmamos que o alg. da divisao acontece com q = m+ni ∈ Z[i] e r = [(s−m)+(t−n)i]y ∈Z[i]. Com efeito,

d(r) = d([(s−m) + (t− n)i])d(y) = [(s−m)2 + (t− n)2]d(y) ≤ (1/4 + 1/4)d(y) < d(y)

Page 62: Apostila Aneis Cristina Marques

56 CAPITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMINIOS

Teorema 7.3.5 (DE ⇒ DIP). Todo domınio euclidiano e um domınio de ideais principais.

Demonstracao

Seja D um DE e I um ideal nao nulo de D. Entre os elementos de I escolha a tal que d(a) emınimo . Entao I =< a >. Com efeito, se b ∈ I, ∃q, r ∈ D, tais que b = aq + r onde r = 0 oud(r) < d(a). Mas r = b − aq ∈ I e portanto d(r) nao pode ser menor que d(a). Assim r = 0 eb ∈< a >. 2

Por curiosidade existe DIP que nao e DE. Um exemplo famoso de tal dom. e o Z[1+√−19

2], mas

nao e facil demonstrar essa afirmacao . Uma referencia e: J.C. Wilson,”A Principal Ideal RingThat Is Not a Euclidean Ring”, Mathematics Magazine 46(1973);74-78.”

Uma imediata consequencia dos teoremas anteriores e a seguinte:

Corolario 7.3.6 (DE ⇒ DFU). Todo dom. euclidiano e um DFU.

Resumindo temos

DE ⇒ DIP ⇒ DFUDE 6⇐ DIP 6⇐ DFU

No capıtulo 6 provamos que Z[x] e um DFU. Podemos repetir essa prova e provar o teorema

Teorema 7.3.7. Se D e DFU entao D[x] e DFU.

Concluımos este capıtulo apresentando um exemplo de um domınio, o qual nao e um DFU.

Exemplo 7.3.8. O anel Z[√−5] = {a + b

√−5 | a, b ∈ Z} e um domınio pois esta contido em C.

Vamos provar que Z[√−5] nao e um DFU. Para verificar que nao existe fat. unica em Z[

√−5],

repetimos o metodo do exemplo 7.1.2 e usamos a funcao norma N(a + b√−5) = a2 + 5b2. Como

N(xy) = N(x)N(y) e N(x) = 1 ⇔ x e uma unidade , segue que as unicas unidades de Z[√−5] sao

±1. Agora considere as fatoracoes :

46 = 2.23 = (1 + 3√−5)(1 − 3

√−5).

Afirmamos que cada um desses 4 fatores e irredutıvel sobre Z[√−5] . Suponha que 2 = xy

onde x, y ∈ Z[√−5] e nao sao unidades . Entao 4 = N(2) = N(x)N(y) donde concluımos que

N(x) = N(y) = 2 o que e impossıvel. Tambem se 23 = xy e uma fat. nao trivial, entao N(x) = 23,isto e existem a, b ∈ Z tais que 23 = a2 + 5b2. Claramente tais inteiros nao existem. O mesmoargumento se aplica a 1 ± 3

√−5.

Page 63: Apostila Aneis Cristina Marques

7.4. LISTA DE EXERCICIOS DO CAPITULO 7 57

7.4 Lista de exercıcios do Capıtulo 7

1. Mostre que f(x) nao constante ∈ Z[x] e irred. sobre Z ⇔ f(x) e primitivo e irred. sobre Q.

2. Defina mdc(a1, a2, ..., an) onde a1, ..., an ∈ D sao nao nulos e D e um domınio.Mostre que dois mdc(a1, a2, ..., an) em D sao associados.

3. Seja D um dom. e a1, a2, ..., an elementos de D tais que < a1, a2, ..., an >=< d >para algumd. Mostre que mdc(a1, a2, ..., an) = d. Ache um domınio que nao possui mdc (Mostre que 6 e2 + 2

√−5 nao possem mdc em Z[

√−5]).

4. Mostre que mdc(2, x) = 1 em Z[x] e que 1 nao pode ser escrito como combinacao linear de2 e x com coeficientes em Z[x].Conclua que Z[x] nao e um DIP.

5. Num dom. prove que o produto de um elemento irred. por uma unidade e irred.

6. Mostre que⋃

Ui onde os Ui pertencem a cadeia U1 ⊂ U2 ⊂ ... de ideais de um anel R e umideal.

7. Seja D um DE e d a funcao associada . Mostre que u e unidade de D ⇔ d(u) = d(1)

8. Seja D um DE e d a funcao associada . Mostre que se a e b sao associados em D entaod(a) = d(b).

9. Seja D um DIP. Mostre que todo ideal proprio de D esta contido num ideal maximal de D.

10. Em Z[√−5] mostre que 21 nao se fatora unicamente como um produto de irred.

11. Mostre que 1 − i e irred. em Z[i]

12. Mostre que Z[√−6] nao e um DFU.(Sug. fatore 10 de 2 maneiras).

Conclua que Z[√−6] nao e um DIP.

13. De um exemplo de um DFU com um subdomınio, o qual, nao e um DFU.

14. Em Z[i], mostre que 3 e irred. e que 2 e 5 nao sao irred..

15. Num domınio, mostre que a e b sao associados se e somente se < a >=< b >

16. Prove que 7 e irred. em Z[√

6] , mesmo que N(7) nao seja primo.

17. Prove que Z[√−3] nao e um DIP. Idem para Z[

√−5]

18. Prove que as unicas unidades de Z[√d] onde d e livre de quadrados e menor que −1, sao ±1.

19. V ou F? Se D e um DIP entao D[x] e um DIP.

20. Mostre que 3x2 + 4x+ 3 ∈ Z5[x] se fatora como (3x+ 2)(x+ 4) e (4x+ 1)(2x+ 3). Por queisto nao contraria que Z5[x] tem fatoracao unica?

Page 64: Apostila Aneis Cristina Marques

58 CAPITULO 7. DIVISIBILIDADE EM DOMINIOS

21. Prove que Z[√

5] nao e um DFU.

22. Prove que se p 6= 0 num DIP, < p > e um ideal maximal ⇔ p e irredutıvel.

23. V ou F ? Um subdomınio de um DE e um DE.

24. Mostre que para todo ideal nao trivial A de Z[i], Z[i]A

e finito.

25. Prove que as unicas solucoes inteiras da equacao diofantina y2 + 1 = 2x3 sao y = ±1, x = 1.Para isto:

(a) Mostre que Z[i] e um DFU.

(b) Mostre que y deve ser ımpar .

(c) Fatore a equacao em Z[i] e mostre que mdc{y + i, y − i} = 1 + i

(d) Substituindo os valores obtidos acima e usando a fatoracao unica de Z[i], conclua oproblema.

26. Demonstre o Teorema de Fermat;

Seja p um numero primo. Entao sao equivalentes:

(a) p = 2 ou p ≡ 1 mod 4

(b) Existe a ∈ Z tal que a2 ≡ −1 mod p

(c) p nao e irredutıvel em Z[i]

(d) p e soma de dois quadrados.

Sugestoes

Para provar (a) =⇒ (b) use o Pequeno Teorema de Fermat:

Para todo elemento a ∈ Z∗p temos xp−1 ≡ 1 mod p; isto e, para todo x ∈ {1, 2, ..., p− 1}, x e

raiz de 1Xp−1 − 1 ∈ Zp[X]. E depois use que Zp[X] e um DFU.

Para provar (b) =⇒ (c) observe que Z[i] e um DIP e entao todo irredutıvel e primo.

27. Mostre que os elementos irredutıveis de Z[i] sao exatamente os elementos :

(a) ±p, ±pi com p primo em Z, p ≡ 3 mod 4

(b) a+ bi com a2 + b2 primo em Z

28. Prove o Teorema de Fermat que diz:

Seja n um inteiro positivo e seja n = 2rp1u1 ...pt

utq1v1q2

v2 ...qsvs sua decomposicao em irre-

dutıveis de Z, onde p1, p2, ..., pt sao primos da forma 4n+ 1 e q1, q2, ..., qs sao primos do tipo4n+ 3. Entao, n e soma de dois quadrados se e somente se v1, v2, ..., vs sao pares.

Page 65: Apostila Aneis Cristina Marques

7.4. LISTA DE EXERCICIOS DO CAPITULO 7 59

29. De exemplo de um domınio R no qual existe um elemento que nao seja produto finito deelementos irredutıveis. Sugestao: Use R = K[x, 2

√x, 2

2√x, 2

3√x, ..., 2

n√x, ...] e mostre que x

nao e um produto de um numero finito de irredutıveis.

Page 66: Apostila Aneis Cristina Marques

Capıtulo 8

Algumas aplicacoes da fatoracao unicaem domınios

Este capıtulo foi proposto como um trabalho final de curso em dezembro de 2004 aos alunos deAlgebra I e Estruturas Algebricas I. Apresentei apenas um roteiro para a demonstracao do Teoremade Fermat para o caso n=3 e os alunos deveriam completa-lo. A versao que agora apresento e ado aluno Eden Amorim do Curso de Matematica Computacional. Fiz apenas algumas comple-mentacoes no final da demonstracao do teorema.

8.1 Introducao

Um dos problemas mais famosos e que intrigou varios matematicos foi o de determinar se a equacao

Xn + Y n = Zn, n ≥ 3

tem solucao inteira com xyz 6= 0.

Ha mil anos, matematicos arabes haviam dado uma prova de que nao havia solucao para o cason = 3, mas incorreta. Foi o matematico frances Pierre de Fermat (1601-1665) que em 1637 retomouo problema escrevendo nas margens de um livro que sabia como demonstrar que nao havia solucaopara essa equacao, porem nao apresentou tal demonstracao.

Desde entao, demonstrar esse resultado, conhecido como Ultimo Teorema de Fermat, tornou-seum desafio e foi estudado por grandes matematicos como Euler, Gauss, Cauchy, Hilbert e SophieGermain, que demonstraram casos particulares. Outros tentaram apresentar a resolucao para o casogeral, mas sem sucesso. Somente em 1995 o matematico Andrew Wiles apresentou a demonstracaocorreta de que nao ha solucao inteira nao nula para a equacao.

Nesse trabalho vamos apresentar uma demonstracao para o caso n = 3:

Teorema 8.1.1. A equacao diofantina

X3 + Y 3 = Z3

nao tem solucao (x, y, z) ∈ Z3 tais que xyz 6= 0.

60

Page 67: Apostila Aneis Cristina Marques

8.2. O ANEL Z[ω] 61

8.2 O anel Z[ω]

Considere o numero complexo

ω = e2π3

i = −1

2+

√3

2i,

raiz terceira da unidade, isto e, ω3 = 1. Esse numero, assim como ω2 = ω, e um gerador dogrupo {1, ω, ω2} das raızes terceiras da unidade. Tambem temos que vale a igualdade

ω2 + ω + 1 = 0 (∗).

A partir desse numero temos o anel Z[ω] definido por:

Z[ω] = {a+ bω | a, b ∈ Z ; ω2 + ω + 1 = 0

Dados α = a+ bω e β = c+ dω em Z[ω], a soma desses elementos e da forma

(a+ bω) + (c+ dω) = (a+ c) + (b+ d)ω

e o produto e

(a+ bω)(c+ dω) = ac+ (ad+ bc)ω + bdω2 = ac+ (ad+ bc)ω + bd(ω2 + ω + 1) − bdω − bd =

= (ac− bd) + (ad+ bc− bd)ω

onde, para eliminar o termo quadratico, somamos e subtraımos o termo bd(w+1) e usamos queω satisfaz a igualdade (∗).

Esse anel e um domınio pois e um subconjunto do corpo C.Em Z[ω] definimos a funcao:

N : Z[ω] − {0} → Z+

a+ bω 7→ a2 − ab+ b2

a qual chamaremos de norma.Com essas definicoes vamos provar as proposicoes a seguir.

Proposicao 8.2.1. Em Z[ω],

1. Se a + bω ∈ Z[ω] e escrito na forma u + iv ∈ C entao N(a + bω) = u2 + v2. Isto prova queN esta bem definida.

2. Para todo α, β ∈ Z[ω] temos N(αβ) = N(α)N(β). Tambem, se α | β entao N(α) | N(β) emZ.

3. O conjunto das unidades de Z[ω] e

U(Z[ω]) = {α ∈ Z[ω] | N(α) = 1} = {1,−1, ω,−ω, 1 + ω,−1 − ω}.

Page 68: Apostila Aneis Cristina Marques

62 CAPITULO 8. ALGUMAS APLICACOES DA FATORACAO UNICA EM DOMINIOS

4. O corpo quociente de Z[ω] e Q[ω].

Demonstracao

1. O elemento a+ bω de Z[ω] pode ser escrito como

a+ b

(

− 1

2+

√3

2i

)

= a− b

2+

√3b

2i

Como numero complexo, a norma ao quadrado desse elemento e

a− b

2+

√3b

2i

2

=

(

a− b

2

)2

+

(√

3b

2

)2

= a2 − ab+b2

4+

3b2

4= a2 − ab+ b2 = N(a+ bω)

Portanto vemos que a funcao N esta bem definida em Z[ω].

2. Dados α = a+ bω e β = c+ dω, temos αβ = (ac− bd) + (ad+ bc− bd)ω e portanto

N(αβ) = (ac− bd)2 − (ac− bd)(ad+ bc− bd) + (ad+ bc− bd)2 =

= a2c2 − a2cd+ a2d2 − abc2 + abcd− abd2 + b2c2 − b2cd+ b2d2 =

= (a2 − ab+ b2)(c2 − cd+ d2) = N(α)N(β)

Se α | β, existe κ ∈ Z[ω] tal que β = κα. Aplicando a funcao N temos N(β) = N(κ)N(α) deonde concluımos que N(α) | N(β) em Z.

3. Suponha que υ seja uma unidade de Z[ω]. Entao existe υ−1 tal que υυ−1 = 1.Aplicando a funcao N temos N(υ)N(υ−1) = N(1) = 1. Mas em Z+, a unica fatoracao de 1 e

1 = 1 · 1. Portanto, N(υ) = N(υ−1) = 1.Vamos agora obter os elementos que possuem norma 1, isto e, os elementos a+bω que satisfazem

a equacao a2 − ab + b2 = 1. Para isso considere o polinomio p(a) = a2 − ab + b2 − 1 ∈ Z[a]. Essepolinomio tem raızes se, e somente se, o discriminante ν e nao-negativo, ou seja, se b2−4(b2−1) ≥ 0.Resolvendo essa inequacao em R obtemos |b| ≤ 2√

3implicando que os possıveis valores inteiros de

b sao −1, 0 e 1. Vamos analisar cada caso:

• b = −1: Entao p(a) = a2 + a e suas raızes sao a = 0 e a = −1

• b = 0: Entao p(a) = a2 − 1 e suas raızes sao a = 1 e a = −1

• b = 1: Entao p(a) = a2 − a e suas raızes sao a = 0 e a = 1

Portanto, o conjunto dos elementos de Z[ω] com norma 1 e {1,−1, ω,−ω, 1 + ω,−1 − ω}. Po-demos facilmente verificar que 1 · 1 = (−1) · (−1) = ω · (−1 − ω) = (−ω) · (1 + ω) = 1. Logo, umelemento de Z[ω] e unidade se, e somente se, sua norma e igual a 1.

4. Antes vamos definir o elemento ”conjugado”em Z[ω]. Dado um elemento α = a+ bω ∈ Z[ω],queremos encontrar α ∈ Z[ω] tal que α · α = N(α). Para obter esse elemento basta resolver oseguinte sistema nas variaveis x e y:

Page 69: Apostila Aneis Cristina Marques

8.2. O ANEL Z[ω] 63

(a+ bω)(x+ yω) = a2 − ab+ b2.

Assim temos que, para qualquer α em Z[ω], α = (a − b) − bω. Podemos verificar que esseselementos, quando escritos na forma u+ iv, sao realmente conjugados em C.

Agora vamos a demonstracao da propriedade 4. O corpo quociente de Z[ω], Z(ω), e o corpoQ[ω] sao descritos por

Z(ω) =

{

a+ bω

c+ dω| a, b, c, d ∈ Z e c2 + d2 6= 0

}

e

Q[ω] =

{

a

c+b

dω | a, b, c, d ∈ Z e c2 + d2 6= 0

}

Considere um elemento de Z(ω), digamosa+ bω

c+ dω. Multiplicando numerador e denominador

pelo conjugado do denominador temos

(a+ bω)(c− d− dω)

(c+ dω)(c− d− dω)=

(ac− ad− bd) + (bc− ad)ω

c2 − cd+ d2=

=ac− ad− bd

c2 − cd+ d2+

bc− ad

c2 − cd+ d2ω ∈ Q[ω]

Por outro lado, dado um elementoa

c+b

dω de Q[ω], podemos escrever

a

c+b

dω =

ad

cd+cb

cdω =

ad+ cbω

cd∈ Z(ω)

Desse modo concluımos que Q[ω] e o corpo quociente de Z[ω].

Proposicao 8.2.2. O anel Z[ω] com a funcao N e um DE.

Demonstracao

Vamos verificar as duas propriedades de um DE:

• N(αβ) ≥ N(α):

Pela proposicao 8.2.1.2 temos N(αβ) = N(α)N(β). Como a imagem da funcao N e o conjuntodos inteiros positivos, concluımos que N(αβ) ≥ N(α) e N(αβ) ≥ N(β).

• Algoritmo da divisao:

Se x, y ∈ Z[ω] com y 6= 0, entao, pelo item 4 da proposicao 8.2.1, xy−1 ∈ Q[ω]. Assim temosque xy−1 = s + tω, onde s, t ∈ Q[ω]. Vamos considerar inteiros m e n tais que |m − s| ≤ 1/2 e|n− t| ≤ 1/2, ou seja, m e n sao os inteiros mais proximos dos racionais s e t. Entao

Page 70: Apostila Aneis Cristina Marques

64 CAPITULO 8. ALGUMAS APLICACOES DA FATORACAO UNICA EM DOMINIOS

xy−1 = s+ tω = (m− n+ s) + (n− n+ t)ω =

= (m+ nω) + [(s−m) + (t− n)ω].

Portanto

x = (m+ nω)y + [(s−m) + (t− n)ω]y.

Afirmamos que q = (m+ nω) e r = [(s−m) + (t− n)ω]y satisfazem o algoritmo da divisao.De fato, q pertence a Z[ω] e, como podemos escrever r = x − qy, o mesmo acontece para r.

Alem disso,

N(r) = N([(s−m) + (t− n)ω])N(y) =

= [(s−m)2 − (s−m)(t− n) + (t− n)2]N(y) ≤≤ 1

4N(y) < N(y).

Feito isso, concluımos que Z[ω] e de fato um domınio euclidiano.

Corolario 8.2.3. O anel Z[ω] e um DIP e portanto um DFU.

Demonstracao

De fato, todo DE e um DIP e todo DIP e um DFU.

Proposicao 8.2.4. O elemento γ = 1 − ω e um elemento irredutıvel em Z[ω] e a fatoracao de 3em elementos irredutıveis de Z[ω] e 3 = −ω2(1 − ω)2 = −ω2γ2.

Demonstracao

O elemento γ = 1 − ω nao e nulo nem invertıvel (proposicao 8.2.1-3). Suponha agora queγ = α · β e vamos mostrar que α ou β e invertıvel. Aplicando a norma:

N(α)N(β) = N(γ) = 3

Sabemos que, como 3 e primo no DIP Z, a unica fatoracao de 3 em Z e 3 = 3 · 1. Por-tanto N(α) = 1 ou N(β) = 1, ou seja, α ou β e invertıvel (novamente pela proposicao 8.2.1-3).Concluımos entao que γ e irredutıvel e, como Z[ω] e DIP (corolario 8.2.3), tambem e primo em Z[ω].

Vamos agora verificar que −ω2γ2 e a fatoracao de 3 em elementos irredutıveis de Z[ω]:

−ω2γ2 = −ω2(1 − γ)2 = −ω2(1 − 2ω + ω2) =

= −ω2 + 2ω3 − ω4 = −ω2 + 2 − ω =

= −(ω2 + ω + 1) + 3 = 3

Como Z[ω] e DFU, essa e a unica fatoracao de 3.

Page 71: Apostila Aneis Cristina Marques

8.2. O ANEL Z[ω] 65

Proposicao 8.2.5. Se um inteiro a e divisıvel por γ = 1 − ω em Z[ω] entao 3 | a em Z.

Demonstracao

Como a e divisıvel por γ, existe κ ∈ Z[ω] tal que a = κγ. Aplicando a norma temos a2 = N(κ)3,implicando que 3 divide a2 em Z. Como 3 e primo em Z, concluımos que 3 divide a.

O contrario tambem vale. De fato, se a e inteiro e 3 | a em Z[ω], entao γ | a, uma vez que γ efator de 3.

Proposicao 8.2.6.Z[ω]

< γ >∼= Z3.

Demonstracao

Verificaremos esse isomorfismo usando o teorema fundamental do homomorfismo (TFH), istoe, precisamos definir um homomorfismo cuja imagem seja Z3 e cujo nucleo(ou kernel) seja o ideal< γ >.

Para isso, podemos observar qual e a forma dos elementos de Z[ω]<γ>

:

a+ bω+ < γ >= a+ b− bγ+ < γ >= a+ b+ < γ > .

Baseados nessa observacao juntamente com a proposicao 8.2.5, definimos a seguinte funcao:

ϕ : Z[ω] → Z3

a+ bω 7→ a+ b

onde a+ b representa a classe de a+ b em Z3.

Vamos verificar que γ e um um homomorfismo:• Adicao:

ϕ((a+ bω) + (c+ dω)) = ϕ((a+ c) + (b+ d)ω) = a+ c+ b+ d =

= a+ b+ c+ d = ϕ(a+ bω) + ϕ(c+ dω)

• Multiplicacao:

ϕ((a+ bω) · (c+ dω)) = ϕ((ac− bd) + (ad+ bc− bd)ω) = ac− bd+ ad+ bc− bd =

= ac+ ad+ bc+ bd = (a+ b) · (c+ d) =

= ϕ(a+ bω) · ϕ(c+ dω)

Agora vamos verificar as condicoes necessarias para usar o TFH:• O homomorfismo ϕ e sobrejetor. De fato, dado n ∈ Z3, temos ϕ(n+ 0ω) = n.• Nucϕ =< γ >

Considere α ∈< γ >. Entao existe κ = c + dω ∈ Z[ω] tal que α = κγ. Escrevendo de outraforma, temos α = (c+dω)(1−ω) = (c+d)+(2d− c)ω. Portanto ϕ(α) = c+ d+ 2d− c = 0. Logo,α ∈ Nucϕ.

Page 72: Apostila Aneis Cristina Marques

66 CAPITULO 8. ALGUMAS APLICACOES DA FATORACAO UNICA EM DOMINIOS

Por outro lado, seja α = a + bω ∈ Nucϕ, isto e, ϕ(a + bω) = 0. Assim, a+ b = 0, significandoque, em Z, podemos escrever a+ b = 3k. Mas em Z[ω], de acordo com a proposicao 8.2.4, isso podeser reescrito como a + b = −ω2γ2k. Pela observacao feita no comeco desta demonstracao, temosque a+ bω = −(b+ω2kγ)γ e portanto, α ∈< γ >. Desse modo, concluımos a igualdade entre essesdois conjuntos.

Portanto, pelo THFZ[ω]

Nucϕ=

Z[ω]

< γ >∼= Z3 = Imϕ

Com esse isomorfismo demonstrado, podemos representar as classes de Z[ω]<γ>

por −1, 0 e 1.

Tambem vamos representar por α 7→ α mod γ o homomorfismo canonico entre Z[ω] e Z[ω]<γ>

.

Proposicao 8.2.7. Seja α ∈ Z[ω]. Se α nao for divisıvel por γ entao α3 ≡ ± mod γ4.

Demonstracao

Suponha que α ≡ 1 mod γ. Entao existe κ ∈ Z[ω] tal que α = 1+κγ. Elevando ao cubo ambosos membros dessa equacao:

α3 = 1 + 3κγ + 3κ2γ2 + κ3γ3 = 1 − ω2γ3κ− ω2γ4κ2 + κ3γ3

Portanto

α3 − 1 = γ3(κ3 − ω2κ) = γ3(κ(κ− ω)(κ+ ω))

Queremos agora mostrar que o termo (κ(κ− ω)(κ+ ω)) tem fator γ. Para isso, vamos analisar3 casos:• Se κ ≡ 0 mod γ ja temos o resultado que queremos.

• Se κ ≡ 1 mod γ: Entao κ− ω ≡ 1 − ω ≡ γ ≡ 0 mod γ.

• Se κ ≡ −1 mod γ: Entao κ+ ω ≡ −1 + ω ≡ −γ ≡ 0 mod γ.

Assim, o termo (κ(κ − ω)(κ + ω)) e divisıvel por γ para todo κ. Logo, podemos escreverα3 − 1 = kγ4 e portanto α3 ≡ 1 mod γ4. Analogamente, supondo α ≡ −1 mod γ chegamos aα3 ≡ −1 mod γ4.

8.3 A equacao X3 + Y 3 + Z3 = 0

Considere a equacao

X3 + Y 3 + Z3 = 0 (8.1)

Suponhamos que exista uma solucao nao trivial (α, β, ν) ∈ Z[ω]3 para essa equacao. Podemosconsiderar que α, β e ν sao coprimos dois a dois. Com essa suposicao e com a proposicao a seguir,tentaremos chegar em uma contradicao, mostrando assim o teorema 8.1.1.

Page 73: Apostila Aneis Cristina Marques

8.3. A EQUACAO X3 + Y 3 + Z3 = 0 67

Proposicao 8.3.1. Em Z[ω] podemos escrever X3 + Y 3 = (X + 1Y )(X + ωY )(X + ω2Y )

Demonstracao

Efetuando o produto:

(X+1Y )(X+ωY )(X+ω2Y ) = X3+X2Y ω2+X2Y ω+XY 2ω3+X2Y +XY 2ω2+XY 2ω+Y 3ω3 =

= X3+Y 3+X2Y (ω2+ω+1)+XY 2(ω2+ω+1) = X3 + Y 3

Proposicao 8.3.2. Se α, β, ν ∈ Z[ω] for solucao da equacao X3 + Y 3 + Z3 = 0 entao

1. O elemento γ = 1 − ω divide exatamente um dos elementos α ou β ou ν.

2. Suponha que γ | ν. Podemos afirmar que a equacao

X3 + Y 3 + Uγ3nZ3 = 0 (8.2)

admite solucao (x, y, u, z) ∈ Z[ω]4 para algum inteiro n positivo. Seja n0 o menor inteiro ntal que a equacao tenha solucao.

3. n0 ≥ 2

4. Com relacao ao item 2 podemos afirmar que γ | (x+ y), γ | (x+ ωy) e γ | (x+ ω2y).

5. A equacao

Y1Y2Y3 = −U1γ3n0−3Z3

1 (8.3)

tem solucao (y1, y2, y3, u1, z1) ∈ Z[ω]5 com mdc(y1, y2) = mdc(y1, y3) = mdc(y3, y2) = 1.

6. Podemos escrever y1 = ε1γ3n0−3t31, y2 = ε2t

32 e y3 = ε3t

33, onde εi com i ∈ {1, 2, 3} sao unidades

de Z[ω] e ti com i ∈ {1, 2, 3} sao elementos de Z[ω], os quais sao 2 a 2 relativamente primose nenhum e divisıvel por γ.

7. Usando a escolha de n0, obtemos um absurdo e concluımos que a equacao X3 + Y 3 + Z3 = 0nao tem nenhuma solucao nao trivial em Z[ω].

Demonstracao

1. Como estamos supondo que α, β, e ν sao coprimos 2 a 2, de inıcio ja podemos descartar apossibilidade de haver elemento que divida todos os tres ao mesmo tempo ou quaisquer dois deles.Agora suponha que γ nao divida nenhum deles. Isso significa que α ≡ ±1 mod γ, β ≡ ±1 mod γe ν ≡ ±1 mod γ. Porem, usando a proposicao 8.2.7 e a equacao (8.1) esses elementos devemsatisfazer

α3 + β3 + ν3 ≡ 0 mod γ4.

Page 74: Apostila Aneis Cristina Marques

68 CAPITULO 8. ALGUMAS APLICACOES DA FATORACAO UNICA EM DOMINIOS

Mas os possıveis valores para a soma da equacao acima sao {1,−1, 3,−3}, que sao todos dife-rentes de zero (sabemos que 3 = −ω2γ2). Portanto chegamos numa contradicao e podemos concluirque γ divide exatamente um elemento dentre α, β e ν.

2. Podemos fatorar ν do seguinte modo:

ν = εγnt,

onde ε e invertıvel, t nao e divisıvel por γ e n e pelo menos igual a 1, ja que γ divide ν. Assim,

α3 + β3 + ε3γ3nt3 = 0. (8.4)

Logo, (x = α, y = β, u = ε3, z = t) ∈ Z[ω]4 e solucao da equacao (8.2).

3. Como γ nao divide α nem β temos que α ≡ ±1 mod γ e β ≡ ±1 mod γ. Da equacao (8.4)sabemos que α3 +β3 ≡ 0 mod γ, e portanto as classes de α e β tem sinais contrarios na congruenciamodulo γ, ou seja, se α ≡ 1 mod γ entao β ≡ −1 mod γ.

Desse modo, pela equacao (8.4) e pela proposicao (8.2.7) temos a congruencia

α3 + β3 + ε3γ3nt3 ≡ 0 mod γ4 ⇒ ε3γ3nt3 ≡ 0 mod γ4

Mas como γ nao divide ε nem t, concluımos que γ4 deve dividir γ3n, o que so e possıvel setivermos n ≥ 2, como querıamos demonstrar.

4. Pela proposicao 8.3.1, a equacao (8.4) pode ser escrita como

(x+ y)(x+ ωy)(x+ ω2y) = −uγ3nz3 = 0.

Como γ e primo em Z[ω], ele divide um dos fatores do lado esquerdo da equacao. O que vamosmostrar agora e que se γ dividir um dos fatores, ele tambem dividira os outros dois. Para issoverificaremos as equivalencias γ | (x+ y) ⇔ γ | (x+ ωy) ⇔ γ | (x+ ω2y):

• Suponha que γ | (x+ y), isto e, (x+ y) ≡ 0 mod γ. Portanto:

x+ ωy ≡ x+ y − y(1 − ω) ≡ 0 mod γ

• Se γ | (x+ ωy), entao:

x+ ω2y ≡ x+ ω(ωy) ≡ x+ ωy − ωy(1 − ω) ≡ 0 mod γ

• Finalmente, se γ | (x+ ω2y):

x+ y ≡ x+ ω(ω2y) ≡ x+ ω2y − ω2y(1 − ω) ≡ 0 mod γ

Portanto, concluımos que γ divide os tres fatores.

5. Pelo item anterior, existem y1, y2, y3 ∈ Z[ω] tal que

(x+ y) = y1γ, (x+ ωy) = y2γ e (x+ ω2y) = y3γ (8.5)

Page 75: Apostila Aneis Cristina Marques

8.3. A EQUACAO X3 + Y 3 + Z3 = 0 69

Entao, a partir da solucao da equacao (8.2) e da proposicao 8.3.1 escrevemos:

y1y2y3γ3 = −uγ3nz3 = 0 ⇒ y1y2y3 = −uγ3n−3z3.

Assim, (y1, y2, y3, u, z) ∈ Z[ω]5 e solucao da equacao 8.3.

Alem disso, y1, y2, y3 sao coprimos 2 a 2. Para ver isso, suponha que exista um elementoirredutıvel a ∈ Z[ω] que divida y1 e y2. Entao pelas equacoes 8.5, a | x+y

γe a | x+ωy

γ. Daı,

a | x+y−x−ωy

γ), ou seja, a | y . Mas isso implica que a | x (pois a | (x+ y)), contradizendo que x e y

sao coprimos.

Similarmente, supondo que a|y1 e a|y3, entao a|x+y

γ, a|x+ω2y

γ. Segue daı a | x+ω2y−x−y

γ, ou

seja, a | (ω + 1)y. Como ω + 1 e invertıvel, concluımos que a | y e consequentemente a | x,contradizendo novamente a hipotese de que x e y sao coprimos.

Finalmente, se a | y2 e a | y3, entao a | x+ωy

γe a | x+ω2y

γ. Assim a | (x+ωy−x−ω2y)

γ, isto e, a | ωy .

Mas ω e invertıvel, implicando que a | y e segue que tambem a | x, de onde chegamos outra veznuma contradicao. Logo, y1, y2, y3 sao coprimos 2 a 2.

6. Pelo item anterior, temos que os yi’s (i = 1, 2, 3) sao coprimos dois a dois. Assim, por serZ[ω] um DFU, apenas um deles possui o fator γ3n0−3; suponhamos que seja y1. Portanto, fatorandoos yi’s temos y1 = ε1γ

3n0−3t31, y2 = ε2t32 e y3 = ε3t

33, onde εi com i ∈ {1, 2, 3} sao unidades de Z[ω] e

ti com i ∈ {1, 2, 3} sao elementos de Z[ω], os quais sao coprimos 2 a 2 e nenhum e divisıvel por γ.

7. Observe que

y1 + ωy2 + ω2y3 =x+ y

γ+ ω

x+ ωy

γ+ ω2x+ ω2y

γ=x(1 + ω + ω2) + y(1 + ω + ω2)

γ= 0

e assim fazendo as substituicoes do item 6 temos

ω2ε3t33 + ωε2t

32 + ε1γ

3n0−3t31 = 0,

ou seja

t33 + ε4t32 + ε5γ

3n0−3t31 = 0

sendo ε4 e ε5 unidades de Z[ω]. Passando a ultima equacao mod γ4 temos que ε4 ∈ {1,−1, ω,−ω, ω2,−ω2}.Fazendo uma substituicao direta temos que ε4 ∈ {1,−1} e assim achamos uma solucao da equacao(8.2) e como 3n0 − 3 < 3n0 temos um absurdo pela escolha do n0.

Logo provamos o

Teorema 8.3.1. A equacao diofantina:

X3 + Y 3 = Z3

nao tem solucao (x, y, z) ∈ Z3 tais que xyz 6= 0 e x, y, z inteiros.

Page 76: Apostila Aneis Cristina Marques

70 CAPITULO 8. ALGUMAS APLICACOES DA FATORACAO UNICA EM DOMINIOS

8.4 A equacao Y 2 + 1 = 2X3

Queremos demonstrar o seguinte

Teorema 8.4.1 (Fermat). As unicas solucoes inteiras da equacao

Y 2 + 1 = 2X3

sao y = ±1, x = 1.

Dem: Primeiro observe que y deve ser ımpar porque senao 2 seria invertıvel em Z. Reescrevendoa equacao em Z[i] temos:

(y + i)(y − i) = 2x3.

Todo divisor comum de y − i e y + i devera tambem dividir (y + i) − (y − i) = 2i = (1 + i)2 eportanto deve ser 1, 1 + i ou (1 + i)2 (a menos de unidades). Como y e ımpar entao (1 + i)2 = 2inao pode ser . Assim mdc{y + i, y − i} = 1 + i e podemos escrever

y + i = (1 + i)(a+ bi) e y − i = (1 + i)(c+ di)

onde mdc{a+ bi, c+ di} = 1. Entao

2x3 = (y + i)(y − i) = (1 + i)2(a+ bi)(c+ di) = 2i(a+ bi)(c+ di)

e como Z[i] e um DFU, a+ bi e c+ di devem ser cubos em Z[i]; note que todas as unidades ±1,±ide Z[i] sao cubos. Assim podemos escrever que existem inteiros α, β tais que

y + i = (1 + i)(α+ βi)3 = (α3 − 3αβ2 − 3α2β + β3) + i(α3 − 3αβ2 + 3α2β − β3).

Resolvendo esta equacao temos

y = α3 − 3αβ2 − 3α2β + β3 = (α+ β)(α2 − 4αβ + β2)

e1 = α3 − 3αβ2 + 3α2β − β3 = (α− β)(α2 + 4αβ + β2).

A ultima equacao e somente satisfeita para α = 0, β = −1 e α = 1, β = 0. Levando essaspossibilidades na equacao anterir obtemos y = ±1. e a equacao esta resolvida.

Page 77: Apostila Aneis Cristina Marques

Referencias Bibliograficas

[1] Gallian J., Contemporary Abstract Algebra, third edition, Heath, 1994.

[2] Garcia A. e Lequain Y., Algebra : um curso de introducao , Projeto Euclides, 1988.

71