apontamentos de bioquímica e biologia molecular

Upload: angela-neves

Post on 09-Jul-2015

3.807 views

Category:

Documents


1 download

TRANSCRIPT

Instituto Superior Tcnico

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

1 Semestre 2010/2011 2 Ano Mestrado Integrado em Engenharia Biomdica

Upgrade dos apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular de Ins Amorim, baseado nas aulas tericas e laboratoriais de 2010, dos docentes Arsnio Fialho, Jorge Leito e Miguel Teixeira

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

ndiceI. II. III. a. IV. V. VI. VII. a. b. c. d. i. ii. VIII. a. b. c. IX. X. XI. XII. a. i. ii. iii. XIII. a. b. c. XIV. XV. XVI. Evoluo Prebitica Evoluo Molecular .......................................................................................... 4 gua e pH........................................................................................................................................... 10 Aminocidos e Protenas ............................................................................................................... 13 Catlise Enzimtica ........................................................................................................................ 28 Glcidos ......................................................................................................................................... 34 Lpidos ................................................................................................................................................ 37 cidos Nucleicos ............................................................................................................................ 44 Metabolismo ................................................................................................................................. 48 Gliclise e Neoglucognese ........................................................................................................... 50 Ciclo de Krebs ................................................................................................................................ 53 Cadeia Respiratria ....................................................................................................................... 55 Outras vias metablicas ................................................................................................................ 59 Oxidao de cidos gordos ....................................................................................................... 59 Catabolismo proteico ................................................................................................................ 62 Fotossntese .................................................................................................................................. 62 Fase fotoqumica ........................................................................................................................... 65 Fase qumica .................................................................................................................................. 67 Variantes do processo ................................................................................................................... 68 Replicao do DNA ........................................................................................................................ 70 Reparao do DNA ............................................................................................................................. 75 Recombinao do DNA .................................................................................................................. 79 Transcrio de DNA ....................................................................................................................... 87 Regulao da Transcrio .............................................................................................................. 92 Opero da lactose ..................................................................................................................... 93 Opero do triptofano ................................................................................................................ 96 Regulao em eucariotas .......................................................................................................... 99 Processamento de RNA ............................................................................................................... 101 Processamento de tRNA .............................................................................................................. 101 Processamento de rRNA .............................................................................................................. 103 Processamento de mRNA ............................................................................................................ 104 Traduo de RNA ......................................................................................................................... 106 Ciclo Celular ................................................................................................................................. 111 Laboratrio Restrio de Plasmdeos ....................................................................................... 121

2

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Apontamentos de Bioqumica e Biologia MolecularA bioqumica estuda a estrutura e funo de biomolculas (compostos de carbono com uma grande variedade de ligaes qumicas e de grupos funcionais) e as reaces qumicas envolvidas nos processos biolgicos. Grupos Funcionais Nome do Grupo Funcional Hidroxilo Carbonilo Carboxilo Imino Estrutura Nome do Grupo Funcional Estrutura Amino Tiol Fosfato Pirofosfato

De todos os elementos qumicos, apenas uma pequena parte entra na composio das biomolculas. Os mais abundantes so H, O, C e N e existem vestgios de outros elementos como Na, Ca, K, P ou S. Em concentraes ainda mais reduzidas, mas desempenhando funes muito importantes, podemos encontrar Fe, Ni, Zn, I, Cu, etc. Quanto aos elementos que mais contribuem para a massa de um organismo, destacam-se O, C (mais abundante nos organismos que no resto do universo), H, N, P e S, que se ligam entre si por ligaes muito estveis, as ligaes covalentes. Os diferentes tomos e molculas reagem entre si e estabelecem diferentes ligaes e interaces: Covalentes tm origem na partilha de electres e so as ligaes mais fortes; No-covalentes Individualmente so mais fracas que as ligaes covalentes mas em conjunto tornam-se mais fortes e so essenciais para a estrutura e funo das macromolculas: Ligaes inicas um ou mais electres so transferidos de um tomo para o outro, mais electronegativo. Interaces de Van der Waals; Ligaes por pontes de hidrognio; Ligaes hidrofbicas. As biomolculas englobam 4 tipos de macromolculas: Lpidos; Protenas cujos monmeros so os aminocidos; Glcidos cujos monmeros so os monossacardeos; cidos Nucleicos cujos monmeros so os nucletidos. A formao destas macromolculas ocorre quando dois monmeros se juntam atravs de uma reaco de condensao (com libertao de uma molcula de gua, por exemplo). Todas estas molculas e macromolculas participam em reaces bioqumicas que apresentam uma srie de caractersticas: Do-se em ambiente aquoso (condies suaves); Esto associadas a variaes de energia. A sua forma mais vulgar de energia qumica o ATP (Adenosina TriFosfato);

3

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Reaces bioqumicas diferentes localizam-se em diferentes partes da clula; Esto frequentemente organizadas em vias metablicas; So reguladas de acordo com a necessidade de controlar a quantidade e a actividade de enzimas do sistema.

I.

Evoluo Prebitica Evoluo Molecular

Com o arrefecimento da crusta terrestre tornou-se possvel a condensao da gua e a formao de massas de gua (sopas pr-biticas), onde se acumulavam vrias molculas. Como no havia proteco contra os raios ultra-violeta, estes alcanavam as massas de gua e, funcionando como fontes de energia (em conjunto com a energia geotrmica), criaram condies para o estabelecimento de novas ligaes qumicas entre as molculas j existentes. Deste modo surgiram molculas de origem biolgica, como cidos gordos, nucletidos, glucose, aminocidos, etc., molculas que conduziram ao aparecimento das primeiras formas de vida primitivas.

Em 1950 foi realizada uma experincia, a experincia de Urey-Miller, com o intuito de descobrir como ocorreram as primeiras reaces que originaram as macromolculas:

4

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 1 - Esquema da Experincia de Urey-Miller.

Com esta experincia foram verificados alguns factos: Glucose, ribose, desoxirribose e outros acares formaram-se a partir de CH2O quando este composto estava exposto radiao UV. A adenina, formada a partir de 5 HCN e radiao UV, foi provavelmente a primeira base a surgir. Formaram-se pptidos com mais de 50 aminocidos de comprimento. Os aminocidos e bases eram facilmente sintetizados a partir das molculas da atmosfera primitiva e num ambiente redutor, no ocorrendo a sua formao numa atmosfera neutra ou rica em oxignio. Apesar de ser impossvel recriar com exactido as condies da Terra primitiva, foi possvel verificar a sintetizao de macromolculas in vitro partindo de compostos inorgnicos. A glicina, um dos aminocidos mais abundantes produzidos na experincia Urey-Miller, sintetizada da seguinte forma:

Onde: CH2O formaldedo NH3 amonaco HCN cianeto de hidrognio

Ilustrao 2 - Frmula de Estrutura da Glicina.

NH2CH2COOH glicina NH2CH2CN ammonitrile

5

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Apesar das experincias a seu favor, a teoria da sopa pr-bitica tem alguns pontos fracos como o facto de ser uma mistura diluda, j que nessas condies as molculas tm tendncia a separar-se e no a serem sintetizadas. Contudo, a evaporao da gua devido ao calor interno da Terra pode ter levado ao aumento da concentrao das substncias presentes nessa sopa, facilitado as reaces que levaram formao de molculas mais complexas. Produtos formados sob condies pr-biticas cidos carboxlicos Nucletidos e Bases Aminocidos Acares cido Frmico Adenina Glicina Pentoses cido Actico Guanina Alanina Hexoses cido Propanico Xantina cido -aminobutrico cidos Gordos (C4-C10) Hipoxantina Valina cido Gliclico Citosina Leucina cido Lctico Uracilo Isoleucina cido succnico Prolina cido arprtico cido glutmico Serina Treonina Pensa-se que a primeira molcula da vida a surgir ter sido o RNA pois este cido nucleico no necessita de enzimas ou primers para se replicar; pode, ele prprio, actuar como uma enzima; e, ainda nos dias de hoje, se encontram organismos cujo material gentico se restringe a molculas de RNA (ex. retro-vrus). Num primordial Mundo do RNA tero sido produzidas molculas de RNA com sequncias aleatrias. Alguns fragmentos ter-se-o auto-replicado, num processo catalisado por ribozimas segmentos do prprio RNA. Os segmentos seleccionados tero catalisado a sntese de pptidos especficos que, por sua vez, participaram na replicao do RNA. Deu-se ento um perodo de co-evoluo do RNA e protenas seguido da evoluo dos sistemas primitivos de traduo e do aparecimento no genoma de RNA. O papel cataltico e gentico deste genoma foi sendo separado ao longo do tempo, acabando o DNA por ser a fonte de material gentico e as protenas os principais agentes catalticos. Estes e muitos outros factores contriburam para a crescente complexidade do mundo prbitico e para a evoluo da vida.

Ilustrao 3 - RNA e a sua importncia na evoluo biolgica.

6

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Desde o aparecimento das primeiras clulas at diversidade de organismos que se verifica nos dias de hoje deu-se uma grande evoluo. As primeiras clulas a surgir eram quimioheterotrficas e utilizavam como fonte de carbono e energia molculas sintetizadas por processos no biolgicos. A escassez de nutrientes favoreceu a evoluo de seres autotrficos capazes de sintetizar as suas prprias molculas orgnicas, primeiro a partir de compostos qumicos e, mais tarde, a partir da radiao solar. A evoluo de seres fotossintticos levou libertao de O2 para a atmosfera terrestre e, apesar de este gs ser txico para a maioria dos seres anaerbios (os nicos existentes at esta altura), o aumento da sua concentrao favoreceu a evoluo de seres aerbios. Estes seres apresentavam uma enorme vantagem em relao aos seres anaerbios quando competiam num ambiente rico em oxignio e, devido sua maior eficincia energtica, tinham ainda maior potencialidade de se desenvolverem para formas de vida mais complexas.

Relativamente organizao celular, as primeiras clulas tinham uma estrutura muito simples, sem ncleo individualizado, organitos celulares ou sistema endomembranar. Estas clulas procariticas foram sofrendo uma srie de alteraes at darem origem s clulas eucariticas, mais complexas e com um ncleo perfeitamente organizado e delimitado, diversos organitos celulares e sistema endomembranar.

7

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Comparao entre uma clula eucaritica e uma clula procaritica Escherichia coli Clula Animal ou Vegetal (Clula Procaritica) (Clula Eucaritica) Clula pequena e simples que cresce e se replica depressa. Pode adaptar-se Clula de grandes dimenses e muito complexa. rapidamente a alteraes do meio em que se encontra. Possui ncleo (onde se encontra a informao No possui um ncleo individualizado; o gentica), organelos membranados para assegurar ADN e outras molculas coexistem na variadas funes celulares, desde a digesto clula numa regio nucleide. No produo de energia e armazenamento de possui organelos membranados. nutrientes. Normalmente encontra-se sob forma Normalmente forma seres multicelulares. singular. Pode no precisar de oxignio para Precisa normalmente de oxignio para existir. existir. Existe ADN extra-cromossomal nas mitocndrias e Existe ADN extra-cromossomal sob nos cloroplastos. forma de plasmdeo. Diferencia-se em vrios tipos de clulas. Os ribossomas so do tipo 70S. Os ribossomas so do tipo 80S.

Ilustrao 4 - Clula de E. coli.

8

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 5 - Clula animal ( esquerda) e clula vegetal ( direita).

Esta evoluo das clulas procariticas para clulas eucariticas pode ser explicada pela teoria da endossimbiose. O modelo endossimbitico, desenvolvido por Lynn Margulis, defende que os seres eucariontes tero resultado da evoluo conjunta de vrios organismos procariontes, os quais foram estabelecendo associaes simbiticas entre si. Este modelo admite que os sistemas endomembranares e o ncleo resultaram de invaginaes da membrana plasmtica e que as mitocndrias e os cloroplastos, at h cerca de 2100 M.a., eram organismos autnomos. Nessa altura, algumas clulas de maiores dimenses (clulas hospedeiras) tero capturado clulas mais pequenas, como os ancestrais das mitocndrias e dos cloroplastos. Alguns destes ancestrais conseguiram sobreviver digesto no interior da clula procaritica de maiores dimenses, estabelecendo relaes de simbiose. A ntima cooperao entre estas clulas ter conduzido ao estabelecimento deIlustrao 6 Modelo endossimbitico.

9

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular uma relao simbitica estvel e permanente que trouxe inmeras vantagens, desde uma maior capacidade de metabolismo aerbio (levado a cabo pelas mitocndrias) at a uma maior facilidade de obter nutrientes (produzidos pelo endossimbionte autotrfico). Alguns aspectos que suportam a teoria so os seguintes: As mitocndrias tm um ADN mitocondrial e dividem-se como algumas bactrias; Algumas protenas usadas na mitocndria so importadas do citoplasma e traduzidas a partir de mRNA produzidos a partir de genes nucleares; A mitocndria e a clula hospedeira apresentam uma relao simbitica; H mil milhes de anos, uma bactria aerbica sofreu endocitose por uma clula eucaritica anaerbica que, desde ento, a manteve para produzir energia. Existem evidncias em sequncias do ADN, membrana e comportamentos da mitocndria que so semelhantes aos encontrados em bactrias. A dada altura, organismos unicelulares comearam a agrupar-se e a organizar-se em colnias. As vantagens deste tipo de relaes acabaram por prevalecer e surgiram os primeiros seres multicelulares. Com o decorrer da evoluo deu-se a diferenciao celular e a especializao de grupos de clulas em determinadas funes. Hoje em dia, considera-se que todos os organismos vivos pertencem a um dos domnios/ramos da rvore da vida e que evoluram a partir de um ancestral comum. Os domnios baseiam-se no RNA Ribossomal.

Ilustrao 7 - rvore da vida.

II.

gua e pH

A gua a substncia qumica predominante nos organismos vivos, perfazendo cerca de 70% da sua massa. um ptimo solvente para a maioria das molculas polares e apresenta diversas caractersticas que fazem dela uma molcula nica. Entre as principais caractersticas da gua destacam-se: Molcula polar ligao entre tomos com electronegatividades diferentes (a partilha dos electres entre os tomos assimtrica); Forma pontes de hidrognio; Constante dielctrica elevada.

10

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular As pontes de hidrognio ocorrem quando dois tomos muito electronegativos (oxignio, flor ou azoto, os elementos mais electronegativos, ou seja, com maior tendncia para captar um electro) competem pelo mesmo tomo de hidrognio, o doador dos electres que acabam por ser atrados principalmente pelos tomos electronegativos. Apesar de isoladamente cada ligao hidrognio no ser muito energtica (sendo, contudo, mais forte com um ngulo de ligao de 180), a uma escala macroscpica estas interaces tornam-se bastante relevantes. No estado slido, cada molcula de gua forma 4 ligaes hidrognio estveis com molculas vizinhas. Por outro lado, no estado lquido essas ligaes esto constantemente a formar-se e a ser quebradas, durando cerca de 1 ns. No entanto, em qualquer Ilustrao 8 - Estabelecimento de dos casos, a quebra das ligaes requer uma quantidade uma ponte de hidrognio entre considervel de energia, justificando o facto de os pontos de duas molculas de gua. fuso e ebulio da gua serem elevados. Assim, as pontes de hidrognio so fortes o suficiente para serem teis mas fracas o suficiente para serem quebradas e restabelecidas de forma reversvel. Como as molculas de gua formam pontes de hidrognio, a gua adquire propriedades nicas: Tenso Superficial mede a fora da superfcie da gua. A tenso superficial Coeso da gua elevada, de tal forma que permite a alguns insectos permanecer sua superfcie sem se afundarem. A adeso a atraco entre duas substncias diferentes. A gua estabelece Adeso pontes de hidrognio com outras superfcies, como o vidro, o solo, tecidos vegetais e algodo. Os seus pontos de fuso e ebulio so elevados devido formao de pontes de hidrognio, que mantm as molculas mais ligadas umas s outras e leva a que apenas com mais energia elas se desagreguem. Temperatura Tambm o seu calor especfico e calor latente de fuso e evaporao so elevados, o que implica fornecer maior quantidade de energia para que a gua mude de fase. A gua um bom solvente para molculas hidroflicas como algumas Solvncia molculas polares e sais, e mau solvente para molculas hidrofbicas como os cidos gordos. A Energia Livre de Gibbs Permite fazer uma previso acerca das concentraes e direco de uma reaco qumica; Traduz-se pela equao: , onde H a variao da entalpia, T a temperatura e S a variao da entropia; A reaco procede espontaneamente na direco em que foi escrita; A reaco requer energia para ocorrer.

11

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular A gua um bom solvente de molculas polares pois forma pontes de hidrognio com os mesmos e tambm dissolve sais atravs de interaces electrostticas. Neste ltimo caso, a gua rodeia os ies que compem o sal e diminui as interaces electrostticas entres eles, contrariando a sua tendncia para cristalizar e tornando-os solveis. Durante a sua dissoluo h um aumento da entropia e a energia livre de Gibbs negativa, o que significa que a dissoluo favorecida. Quando uma molcula apolar (os elementos que a constituem tm electronegatividades muito semelhantes) colocada em gua, a gua tenta dissolv-la, criando uma espcie de jaula em torno dessa molcula. Este processo desfavorvel pois a entropia das molculas de gua diminui. Contudo, a molcula apolar tende a agregar-se a outrasIlustrao 9 - Dissoluo de um sal pela gua.

molculas iguais a si para diminuir a rea de contacto com a gua. Este o efeito hidrofbico.

Molculas anfiflicas (como cidos gordos), que contm simultaneamente grupos polares e grupos no-polares, tendem a dispor-se em aglomerados de modo a que as suas regies hidrofbicas no estejam em contacto com a gua, verificando-se assim a formao de micelas. Nas micelas, as molculas mantm-se juntas no porque existam interaces entre si mas porque essa configurao contribui para a estabilidade do sistema e para o aumento da sua entalpia. A formao deste tipo de estruturas constitui o princpio base da formao de membranas celulares.

Ilustrao 10 - Formao de micelas.

Uma outra propriedade caracterstica das molculas de gua a sua tendncia para sofrerem ionizao segundo a reaco:

12

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Produto Inico da gua pH Constante de dissociao de um cido Equao de Henderson-Hasselbach

A 25C, ,

O valor de pKa expressa a fora relativa de um cido: quanto mais baixo for o valor de pKa mais forte o cido. Este valor corresponde ao valor de pH do ponto mdio de uma curva de titulao, ou seja, ao ponto para o qual [HA]=[A-] (ponto isoelctrico). O pH do sangue ronda os 7.4 e pequenas variaes, como 0.2, so suficientes para provocar a morte de um indivduo. No entanto, o pH noutros locais do organismo pode ter valores muito diferentes (ex. pH do estmago pode variar entre 2.5 e 3.0) de acordo com as reaces que ocorrem nos diferentes rgos/tecidos. Apesar dos diferentes valores que se podem registar nos mais variados tecidos, necessrio que, em cada caso, o pH se mantenha constante, qualquer que seja o seu valor ideal, para que as reaces metablicas se dem correctamente. para isso muito importante a existncia de solues tampo. Alguns cidos ou bases e os seus conjugados podem ser utilizados como solues tampo na medida em que mantm o pH do meio relativamente constante face a pequenas variaes das concentraes de outros cidos/bases da soluo. cidos e bases fracas so os que melhor desempenham esta funo. O intervalo de pH em que as solues se comportam como tampo . Uma curva de titulao permite determinar o pKa de um cido fraco.

Ilustrao 11 - Curvas de Titulao.

III.

Aminocidos e Protenas

As Protenas so as molculas mais abundantes e mais versteis de todos os organismos vivos. Esto presentes em todos os locais das clulas e resultam da expresso de informao gentica. So formadas por polmeros de aminocidos ligados atravs de ligaes peptdicas,

13

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular surgem em dimenses variadas, como pequenos pptidos at grandes cadeias, e desempenham variadssimas funes, desde mediar reaces qumicas a transmitir impulsos nervosos e a controlar o crescimento e diferenciao celular. Tanto podem ser estruturais como participar num ciclo enzimtico, e podem ser reactivas ou meramente mediadoras. Entre os diferentes tipos de protenas conhecidas podem destacar-se: Enzimas (ex. amilase); Hormonas (ex. insulina); Protenas transportadoras (ex. hemoglobina); Protenas de armazenamento (ex. mioglobina); Protenas estruturais (ex. colagnio); Protenas protectoras (ex. anticorpos); Protenas contrcteis (ex. actina e miosina); Protenas Txicas. Apesar da sua grande diversidade, as protenas so formadas apenas por 20 tipos de aminocidos cuja natureza e sequncia condiciona a estrutura final da cadeia polipeptdica e, consequentemente, a funo da protena. Algumas das propriedades dos aminocidos que mais contribuem para a estrutura e funo das protenas so: Estereoqumica (disposio espacial das molculas); Hidrofobilidade e polaridade relativas; Propriedades das ligaes hidrognio; Propriedades de ionizao. Cada aminocido apresenta a estrutura representada na imagem direita. o grupo R que permite distinguir os aminocidos, dando-lhes propriedades diferentes. A glicina o nico aminocido cujo carbono central, o carbono-, possui duas ligaes iguais, pois o seu Ilustrao 12 - Estrutura de um aminocido. grupo R um hidrognio. Todos os outros aminocidos possuem um carbono- quiral, ou seja, um carbono com todas as 4 ligaes diferentes. A treonina e a isoleucina apresentam dois carbonos quirais e, portanto, podem apresentar 4 estereoismeros. Devido sua configurao tetradrica, dois aminocidos com a mesma constituio qumica podem apresentar imagens espelhadas, que representam uma classe de estereoismeros os enatefilos. De um modo simples, podemos classificar cada ismero em L (levo) ou D (dextro) conforme o seu grupo amina esteja orientado para a esquerda ou direita, Ilustrao 13 - Ismeros da Alanina. respectivamente, numa representao esquemtica do aminocido (esta classificao tem origem na comparao dos aminocidos com gliceraldedo, que tambm apresenta este tipo de ismeros).

14

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Peptidoglicanos, constituintes das paredes celulares de clulas bacterianas, so formados por D-aminocidos. No entanto, essa uma excepo pois, apesar de em laboratrio a sntese de aminocidos dar origem a molculas L e D, na maioria dos organismos vivos apenas se encontram L-aminocidos. Classificao dos aminocidos

Alanina Apolares

Glicina

Isoleucina

Leucina

Prolina Metionina Polares sem carga

Valina

Serina Asparagina Cistena Glutamina

Treonina

Bsicos

Histidina Arginina

Lisina

cidos

cido Asprtico

cido Glutmico

15

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Aromticos

Fenilalanina

Tirosina

Triptofano

Os aminocidos apolares so tendencialmente hidrofbicos; Os aminocidos polares sem carga so hidroflicos e possuem grupos R ionizveis; Os aminocidos bsicos ou positivamente carregados possuem um grupo R com carga positiva e comportam-se como bases; Os aminocidos cidos ou negativamente carregados possuem um grupo R com carga negativa e comportam-se como cidos; Os aminocidos aromticos apresentam anis no seu grupo R, so hidrofbicos e absorvem radiao UV, enquanto todos os outros aminocidos absorvem radiao IV. Os aminocidos a laranja tm de ser obtidos pela dieta visto que o corpo humano incapaz de os produzir. Os aminocidos tm grupos ionizveis (grupo amina, grupo carboxlico e, por vezes, tambm o grupo R), pelo que podem encontrar-se sob a forma de catio ou anio. Excepto para valores de pH extremos, coexistem vrias formas ionizveis de um aminocido, predominando uma delas, de acordo com a natureza cida ou bsica do meio. Em condies fisiolgicas, nomeadamente em meio aquoso, os aminocidos designam-se zwiteries porque se apresentam na forma de dipolos inicos, com ambos os grupos amina e carboxlico ionizados. Estes grupos comportam-se como cidos ou bases fracas, respectivamente, pelo que possvel representar uma curva de titulao de um aminocido. Em aminocidos com grupos R no ionizveis (aminocidos dibsicos) destacam-se dois pontos na curva de titulao que correspondem, cada um, ao pKa de um dos grupos amina ou carboxlico. pKa do grupo amina (NH3+) corresponde ao pH para o qual h 50% do aminocido na forma aninica e na forma de zwiterio, tendo um valor bsico. pKa do grupo carboxilo (COO-) corresponde ao pH para o qual h 50% do aminocido na forma de zwiterio e na forma catinica, tendo um valor cido.

16

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 14 - Titulao da Alanina, um aminocido dibsico.

Para aminocidos com grupos R ionizveis (aminocidos tribsicos) distingue-se um outro pKa, num local que varia conforme a natureza cida ou bsica do grupo. O ponto isoelctrico corresponde ao pH no qual predomina a forma de zwiterio do aminocido, ou seja, o aminocido no tem carga. Para um aminocido dibsico, o seu ponto isoelctrico calcula-se pela expresso: Onde: . Para um aminocido tribsico, o pI a Ilustrao 15 - Curva de Titulao para a Histidina, um mdia dos pKas de valor mais prximo, aminocido tribsico. correspondentes passagem de um estado neutro para negativo ou de um estado positivo para neutro. e

17

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Exemplo de um problema: Qual o pH de uma soluo de glicina em que o grupo NH3 est 1/3 dissociado? A equao Henderson-Hasselbalch apropriada :

Se o grupo NH3 est 1/3 dissociado, existe uma parte de glicina com carga negativa para duas partes de glicina neutra. O pKa a utilizar neste caso o do grupo amina (9.6). Tem-se ento:

A formao de pptidos d-se por reaco de polimerizao de condensao de aminocidos. A ligao peptdica forma-se entre o tomo de carbono do grupo carboxlico e o tomo de azoto do grupo amina, com eliminao de gua. As duas extremidades da cadeia assim formada so designadas por "terminal amino" e "terminal carboxlico" ou N-terminus e C-terminus. As ligaes peptdicas so ligaes covalentes muito estveis, com 40% de carcter duplo (tm comprimento de 0,133 nm, so mais curtas que uma ligao simples e mais longas que uma ligao dupla), e tm uma disposio espacial dos seus tomos bem definida. O carcter duplo parcial da ligao C-N inibe a rotao em torno da ligao peptdica e os quatro tomos O, C, N e H definem um plano, o plano peptdico. Uma cadeia polipeptdica pode ento ser considerada como um conjunto de planos que podem rodar em torno das ligaes N-C (ngulo ) ou C-C (ngulo ).Ilustrao 16 - Reaco de condensao para formao de um pptido.

Ilustrao 17 - Pptido.

Os ngulos de diedro, e , no podem assumir valores arbitrrios pois certas configuraes da molcula so impossveis devido sobreposies de nuvens atmicas. Deste modo, estes

18

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular ngulos esto restritos a determinados valores que podem ser representados recorrendo a um grfico de Ramachandran:

Ilustrao 18 - Grfico de Ramachandran.

Os diagramas de Ramachandran indicam quais as combinaes dos ngulos de diedro possveis numa ligao peptdica e so semelhantes para todos os aminocidos. Pequenas variaes podem ocorrer devido complexidade dos grupos R envolvidos: as zonas favorveis tendem a diminuir quando a complexidade dos aminocidos aumenta. As ligaes peptdicas so maioritariamente trans, ou seja, os grupos laterais de aminocidos consecutivos esto de lados opostos. As configuraes cis, por norma, so mais desfavorveis energeticamente pelo que ocorrem numa razo de cerca de 1/1000 em relao s trans. A excepo est no aminocido prolina, em que as configuraes cis e trans tm a mesma energia a sua razo cis/trans 1/4. As ligaes cis conferem instabilidade s protenas, pelo que as clulas desenvolveram mecanismos capazes de reverter as configuraes das ligaes.

Ilustrao 19 - Configuraes trans e cis.

Os aminocidos ligam-se entre si em nmero variado, dando origem a cadeias de dimenses e constituio diversa. Pptidos ou Oligopptidos cadeias com 10 resduos, no mximo; Polipptidos apresentam geralmente entre 10 e 50 resduos; Protenas tm mais de 50 aminocidos e pesos moleculares elevados (expressam-se em Dalton 1Da=1uma). No entanto, a distino entre pptidos e protenas no se baseia unicamente na sua dimenso, mas sim nas respectivas funes biolgicas de cada molcula.

19

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular As protenas apresentam 4 nveis de organizao estrutural: Estrutura primria Sequncia linear de aminocidos, determinada pela informao gentica a partir da qual a protena transcrita, que se mantm por ligaes covalentes (peptdicas). A sequncia de uma protena l-se a partir do terminal amina para o terminal carboxilo; Estrutura secundria Arranjo local dos aminocidos em cadeia hlices- e folhas- (60% das estruturas mais frequentes), loops, turns, etc., que se mantm por ligaes fracas (pontes de hidrognio e interaces Van der Waals) e se consegue atravs da variao dos ngulos e ; Estrutura terciria Arranjo 3D da molcula em soluo que se mantm por ligaes fracas (pontes de hidrognio e interaces Van der Waals); Estrutura quaternria Organizao da protena em subunidades que se mantm por ligaes fracas (pontes de hidrognio e interaces Van der Waals). Nem todas as protenas apresentam este tipo de estrutura.

Ilustrao 20 - Estruturas de uma protena.

20

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Hlice- Folhas- Turns Loops

Estruturas Secundrias Forma cilndrica com o esqueleto da cadeia linear em hlice e os grupos laterais em direco ao exterior. Forma-se quando o oxignio do grupo carboxlico forma uma ligao de hidrognio com o hidrognio do grupo amina de um aminocido quatro resduos a seguir, em direco ao terminal-C. Ao longo da hlice, todos os tomos de oxignio do grupo carboxlico estabelecem este tipo de ligao na mesma direco, o que confere direccionalidade a este arranjo peridico. ngulos caractersticos: A solubilidade desta estrutura fica determinada pela natureza das cadeias laterais porque os seus grupos polares j esto envolvidos em ligaes hidrognio. Cada espira da hlice representa, aproximadamente, 3.6 resduos de aminocidos e envolve 13 tomos 3.613 helix. Cada resduo estende-se por 1.5 , logo o passo da hlice (altura de cada volta) tem 5.4 . A hlice possui um momento dipolar bem definido: o terminal amina possui uma carga parcialmente positiva e o terminal carboxilo possui uma carga parcialmente negativa. Cadeias, de 5-8 resduos, agrupadas lado a lado, cujas folhas adjacentes se ligam por pontes de hidrognio. A natureza das ligaes estabelecidas leva as folhas a formarem planos e a terem uma conformao final pregueada. Tm uma direco definida pelo que folhas adjacentes podem progredir na mesma direco paralelas, ou em direces opostas anti-paralelas (menos estveis). Em ambas as situaes, cadeias laterais R dispem-se para um e outro lado da folha. Nas zonas de ligao, que fazem a continuao de uma folha para a outra, podem existir turns e loops. Pequenas estruturas em forma de U, formadas por 3 ou 4 aminocidos, que redireccionam o esqueleto da cadeia para o seu interior, revertendo a sua direco, e permitem que as protenas se tornem estruturas compactas. Em cada turn estabelece-se apenas uma ligao hidrognio entre o oxignio do grupo carboxlico do primeiro resduo e o hidrognio do grupo amina do quarto aminocido. -turns so das estruturas mais comuns e fazem a ligao entre cadeias anti-paralelas de folhas-. Muitas vezes contm resduos de glicina ou prolina e formam-se preferencialmente superfcie da protena, de modo a que os grupos que no esto envolvidos na ligao hidrognio possam interagir com a gua. Fazem a ligao entre vrios elementos da estrutura secundria das protenas (ex. ligam folhas- paralelas). Podem ocorrer em vrias formas e tamanhos. No entanto, tambm se localizam superfcie das protenas e, por isso, podem desempenhar um papel importante no reconhecimento de processos biolgicos (por exemplo, os antignios podem diferenciam-se entre si pelos loops que ligam as suas folhas-). Devido sua estrutura no organizada, uma mutao que ocorra numa zona associada a um loop tem tendncia a ser menos grave do que se ocorresse numa folha ou numa hlice pois no implica a destruio da estrutura proteica e, consequentemente, a perda de funo.

21

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 21 - Estrutura Secundria - Hlice-.

Ilustrao 22 - Estrutura Secundria - Folhas-.

Ilustrao 23 - Estrutura Secundria - Turns.

As cadeias polipeptdicas podem ainda apresentar sequncias com estrutura no tipificada, chamas sequncias random. Apesar do nome, estas sequncias so bem definidas para cada protena e mantm-se mesmo aps renaturao, no encaixando, contudo, em nenhuma das tipologias anteriores.

22

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular A funo das protenas est relacionada com a sua configurao tri-dimensional e esta configurao, por sua vez, especificada pela sequncia de aminocidos pelo que a natureza dos vrios resduos favorece a adopo de diferentes tipos de estrutura secundria. Por exemplo, o cido glutmico, a alanina e leucina do sobretudo origem a hlices-; a valina e a isoleucina originam folhas-; e a prolina, a glicina e a asparagina esto muitas vezes associadas a turns. Aos diferentes tipos de estruturas secundrias esto associados ngulos e diferentes, pelo que Ilustrao 24 - Diagrama de Ramachandran. a cada tipo corresponde uma zona especfica de um diagrama de Ramachandran. A adopo de estruturas secundrias por parte das protenas traz vantagens: Permite uma compactao da estrutura, o que tende a minimizar o contacto das cadeias laterais hidrofbicas com a gua; As ligaes por pontes de hidrognio entre os grupos polares CO e NH das cadeias principais (ligaes essas que estabilizam as estruturas) compensam a energia gasta para as desviar das interaces com a gua. Destacam-se ainda 3 aminocidos com caractersticas especiais: Prolina o seu grupo amina no livre, encontrando-se ligado ao radical, o que lhe confere grande rigidez; introduz quebras nas hlices e nas folhas; Glicina Pode ser encontrada em qualquer lugar do diagrama de Ramachandran e, nas protenas, muitas vezes encontrada em regies flexveis; Cistena forma pontes de dissulfureto.Ilustrao 25 - Pontes de dissulfureto estabelecidas entre cistenas.

A estrutura terciria das protenas referese ao arranjo tridimensional dos resduos de aminocidos e tem uma importncia fundamental para a actividade biolgica das protenas. Por exemplo, resduos de aminocidos muito distantes na cadeia linear podem aproximar-se devido a enrolamentos e formar regies indispensveis ao funcionamento da protena, como o centro activo das enzimas.Ilustrao 26 - Estrutura terciria da Ribonuclease.

23

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Enquanto os elementos da estrutura secundria so estabilizados por ligaes hidrognio, a estrutura terciria influenciada essencialmente pela natureza dos grupos R dos aminocidos e depende de diversos tipos de ligaes: inicas, electrostticas, pontes de hidrognio, ligaes hidrofbicas e covalentes. Podem ainda estabelecer-se ligaes difusas que ajudam a estabilizar a estrutura da protena atravs de pontes cruzadas (crosslinks). As pontes mais comuns so as pontes dissulfureto, formadas pela ligao S-S entre duas cistenas aminocido cistena aps a oxidao do seu grupo HS, e que ocorrem maioritariamente em meio extracelular. A estabilizao da estrutura final leva dobra de elementos da estrutura secundria e, como maioritariamente devida a foras de interaco fracas, est em constante alterao (mantendo, no entanto, uma conformao base), o que tem consequncias importantes para a sua funo. Por fim, a estrutura quaternria no est presente em todas as protenas. Tambm influenciada pelos grupos R, no linear e tem origem na associao entre vrias cadeias polipeptdicas, idnticas ou diferentes, atravs de ligaes no covalentes. Permite o aumento da estabilidade da protena pela reduo da relao superfcie/volume, contribui para a economia e eficincia energtica e favorece a cooperatividade e a aproximao de centro catalticos eficaz nas vias metablicas/catalticas. A desnaturao de uma protena resultado da alterao (perda) das suas estruturas secundria, terciria e quaternria, mas no da sua estrutura primria pois as ligaes peptdicas s so afectadas em condies extremas. A desnaturao leva perda de funo da protena e pode ser devida a agentes qumicos, como o pH, ou fsicos, como a temperatura. Quando so repostas as condies fisiolgicas a protena adquire a sua conformao funcional ocorre renaturao. Nalguns casos, nomeadamente quando a estrutura primria alterada, a protena no capaz de recuperar a sua funo. Em 1953 Frederick Sanger sequenciou as duas cadeias proteicas da insulina (protena com 51 resduos composta por dois polipptidos ligados por pontes de dissulfureto) atravs de um processo de identificao do terminal amina de uma cadeia. Os resultados de Sanger estabeleceram que todas as molculas de uma determinada protena tm a mesma sequncia de aminocidos. As protenas podem ser sequenciadas de duas maneiras: Sequenciao real da cadeia polipeptdica; Sequenciao do DNA do gene correspondente. Tambm o processo de Edman permite sequenciar uma protena: Ocorre uma reaco do terminal amina com fanil-isotiocianato; A protena modificada submetida a hidrlise cida e liberta o terminal amina modificado, que identificado por cromatografia; Segue-se novo ciclo de reaco com o prximo aminocido da protena, que se tornou no terminal amina. Deste modo os aminocidos vo sendo sucessivamente (e ordenadamente) individualizados, o que permite determinar a sequncia completa de uma protena.

24

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Purificao e Anlise proteica

Ilustrao 27 - Separao de protenas com base na sua massa.

A separao das protenas pode basear-se em propriedades fsicas ou qumicas: Solubilidade; Foras interactivas; Hidrofobicidade dos resduos; Carga dos aminocidos; Ponto isoelctrico; Tamanho e forma. A cromatografia um processo utilizado para separar componentes, podendo separar as vrias protenas de uma amostra.

25

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 29 - Cromatografia de excluso por peso molecular: as protenas so separadas pelo tamanho. Tambm se chama filtrao gel. O gel possui poros de determinados tamanhos; as molculas de maiores dimenses no entram nos poros e migram mais rapidamente; as molculas pequenas entram nos poros e demoram mais tempo a migrar ao longo do gel. Ilustrao 28 - Cromatografia de troca inica.

26

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 30 - Cromatografia por afinidade: as protenas com afinidade com o gel do tubo ficam ligadas ao mesmo, enquanto que as protenas sem afinidade saem do tubo.

Na primeira experincia realizada a bioqumica utilizouse a tcnica da electroforese em gel de SDSPoliacrilamida para separar protenas. O SDS um detergente que cobre as protenas de carga negativa e confere uma taxa carga/massa similar a todas as protenas a que se liga. O SDS tambm contribui para desnaturar as protenas.Ilustrao 31 - Aco do SDS sobre uma protena.

27

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Outra tcnica de separao de protenas combina dois mtodos de separao: primeiro as protenas so separadas segundo o seu ponto isoelctrico num gel com um pH decrescente; depois o gel colocado num poo medida feito num gel de SDS-Poliacrilamida para se dar a electroforese e separar as protenas por pesos moleculares.

Ilustrao 32 - Separao de protenas pela combinao de dois mtodos: ponto isoelctrico e electroforese.

a. Catlise EnzimticaAs enzimas, uma classe particular de protenas, so catalisadores bioqumicos cuja funo baixar a energia de activao necessria a uma dada reaco e permitir que esta decorra a uma velocidade muito mais elevada. Em condies biologicamente favorveis, muitas reaces comuns em bioqumica no so favorveis e s ocorrem devido interveno de enzimas. Entre as caractersticas das enzimas possvel destacar: So todas de natureza proteica, embora possam conter uma parte no proteica oIlustrao 33 - Aco cataltica.

28

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular cofactor; Baixam a energia do estado transiente, diminuindo a energia de activao necessria a uma reaco aceleram a sua velocidade (velocidade at 1016x superior!); No modificam a constante de equilbrio K; Encontram-se intactas no final da reaco; Tm elevada especificidade; A sua actividade pode ser sujeita a controlo. De acordo com o tipo de reaco que catalisam, as enzimas classificam-se da seguinte forma: Subclasses N Classe Tipo de Reaco catalisada importantes Dehidrogenases; Oxidases; Transferncia de electres (ies hidratados Peroxidases; 1 Oxidorredutases ou tomos H) Reductases; Monooxigenases; Dioxigenases. C1 Transferases; Glicosiltransferases; 2 Transferases Transferncia de grupos Aminotransferases; Fosfotransferases. Esterases; Hidrlises (transferncia de grupos Glicosidases; 3 Hidrolases funcionais para a gua) Peptidases; Amidases. C-C liases; Adio de grupos para formar ligaes C-O liases; 4 Liases duplas ou formao de ligaes duplas para C-N liases; remoo de grupos C-S liases. Epimerases; Transferncia de grupos entre uma mesma Cis trans isomerases; 5 Isomerases molcula para formar ismeros Transferases intramoleculares. C-C ligases; Formao de ligaes C-C, C-S, C-O ou C-N C-O ligases; 6 Ligases por reaces de condensao acopladas a C-N ligases; clivagem de ATP C-S ligases. As enzimas so divididas em classes, subclasses, sub-subclasses e nmeros de srie. Na sua nomenclatura internacional (EC) indicam-se 4 nmeros que correspondem, respectivamente, a cada uma das subdivises mencionadas. Ex: Phosphoglucomutase (EC 5.4.2.2) As enzimas podem ter especificidade para um determinado tipo de substrato e/ou de ligao, apresentando diversos nveis de especificidade. A especificidade controlada pela estrutura um encaixe nico do substrato com a enzima assegura a selectividade. s enzimas pouco especficas costuma dar-se o nome de enzimas promscuas. Em qualquer enzima, o substrato liga-se ao centro activo onde a reaco catalisada. O centro activo, constitudo pelo conjunto de aminocidos que entram em contacto com o substrato, compreende o local de fixao, que se combina com o substrato por ligaes fracas, e o centro cataltico, que actua sobre o substrato levando-o a sofrer a reaco qumica.

29

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular A interaco enzima-substrato pode dar-se segundo dois modelos: Chave-fechadura: sistema rgido, a configurao da enzima no alterada aquando da ligao do substrato; Induced-fit: a enzima e o substrato alteram a sua conformao aps a ligao. A ligao entre a enzima e o substracto pode estabelecer-se devido a interaces hidrofbicas ou inicas, por exemplo.

Ilustrao 34 - Modelos da interaco enzima-substrato.

Um grande nmero de enzimas necessita, para a sua aco cataltica, de um cofactor ou de uma coenzima que promova a reaco. Os cofactores so elementos qumicos, como ies metlicos ou grupos prostticos (grupos orgnicos de natureza no proteica), e as coenzimas so molculas, orgnicas ou metaloorgnicas, mais complexas e de natureza no proteica. A reaco entre uma enzima (E) e um substrato (S) de modo a dar um produto (P) pode ser representada por:

(Numa fase inicial, assume-se que a reaco inversa formao do produto P negligencivel porque se verifica [P]~0 ). Cintica enzimtica Michaelis-Menten Concentrao total de enzima Taxa de formao de [ES] Taxa de desaparecimento de [ES] Como se assume , ento Assim, Constante de Michaelis Assim, Velocidade da reaco Ento tem-se Quando [S] suficiente para saturar a enzima, a velocidade da reaco mxima. Em saturao, [ES]=[ET]

30

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Equao Michaelis-Menten Turnover number ndice de eficincia cataltica

Quando:

Ilustrao 35 - Cintica de Michaelis-Menten.

A equao de Michaelis-Menten assume algumas condies: Formao de um complexo ES enzima substrato; Equilbrio rpido entre o complexo ES e a enzima livre; A dissociao de ES em E+P mais lenta que a formao do complexo ES a partir de E+S e que a reaco inversa, a dissociao de ES para voltar a dar E+S. Vmax uma constante e representa um valor terico pois nunca alcanada na realidade implicaria que todas as enzimas estivessem ligadas ao substrato. Km, constante de Michaelis, a constante de equilbrio para a dissociao do complexo E-S; definida como a concentrao de substrato quando a velocidade de reaco metade da velocidade mxima; caracterstica de cada enzima e no depende da concentrao do substrato; uma medida da afinidade da enzima em relao ao seu substrato, sendo 1/Kmo valor dessa medida. Deste modo, quanto menor for o valor de Km maior a afinidade enzima-substrato e menor a quantidade de substrato necessria para atingir metade da velocidade mxima. O turnover number, que se representa por Kcat, uma medida da actividade cataltica mxima de uma enzima. O Kcat definido como o nmero de molculas de substrato que so convertidas em produto por molcula de enzima e unidade de tempo quando a enzima est saturada de substrato.

31

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 36 - Curva de Michaelis para diferentes concentraes de substrato e para diferentes enzimas.

A interpretao da cintica enzimtica de Michaelis no estabelece uma relao linear entre as grandezas em estudo. Na cintica de Lineweaver-Burk representam-se as variveis 1/v e 1/[S], em vez de v e [S], obtendo-se uma relao linear mais fcil de interpretar. Equao linear de Lineweaver-Burk:

A velocidade das reaces afectada por uma srie de factores, tais como a temperatura e o pH do meio, ou a presena de activadores ou inibidores. A actividade enzimtica tende a aumentar com a elevao da temperatura de forma exponencial, at que se atinge um determinado valor de T a que a enzima desnatura. A relao da velocidade com o pH um pouco mais complexa, na medida que o pH do meio influencia vrios aspectos das enzimas, desde o seu estado de ionizao ionizao dos aminocidos do centro activo e, em casos extremos, desnaturao. Cada enzima tem assim uma gama de valores de T e pH para os quais a sua actividade optimizada.Ilustrao 37 - Equao de Lineweaver-Burk.

Ilustrao 38 - Variao da actividade enzimtica com a temperatura e com o pH.

32

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular A regulao alostrica, alterao da conformao proteica e das propriedades de um dos locais de ligao (pode ser o centro activo) de uma enzima pela associao de uma molcula ligante a outro local de ligao da mesma enzima (sem ser o centro activo), inclui mecanismos tanto de activao como de inibio enzimtica e muito importante pois intervm no controlo das sequncias centrais do metabolismo. Inibidores so compostos que, ligando-se a uma enzima, reduzem a sua actividade e a velocidade da reaco catalisada. Os chamados inibidores reversveis no provocam alteraes irreversveis nas enzimas em que actuam. Existem diversos tipos de inibidores que provocam a diminuio da velocidade da reaco actuando de modo diferente sobre a enzima: Inibidores competitivos so quimicamente semelhantes ao substrato e ligam-se ao centro activo das enzimas impedindo a ligao enzima-substrato. Tm semelhanas estruturais com o substrato para se conseguiremIlustrao 39 - Cintica alostrica de uma enzima.

associar mas no reagem com a Ilustrao 40 - Inibio competitiva. enzima e, portanto, no do origem a nenhum produto. Uma inibio deste tipo diminui medida que se aumenta a concentrao de substrato para concentraes mais elevadas mais provvel que a enzima se ligue ao substrato que ao inibidor, mantendo-se assim o valor de vmax. Apenas Km alterado, verificando-se o seu aumento;

Ilustrao 41 - Inibio competitiva.

Inibidores no competitivos ligam-se a locais da enzima que no o seu centro activo antes ou depois da formao do complexo ES, pelo que podem formar-se trs tipos de complexos: ES, ESI (enzimasubstrato-inibidor) ou EI. Como continuam a permitir a ligao do substrato o valor de Km mantm-se inalterado. No entanto, como apenas o complexo ES funcional verifica-se a diminuio de vmax;Ilustrao 42 - Inibio no competitiva.

33

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 43 - Inibio no competitiva.

Inibidores anti-competitivos ligam-se a locais da enzima que no o seu centro activo apenas aps a formao do complexo ES. H a formao de dois complexos, ES e ESI, sendo o complexo ES o nico com actividade cataltica. Como o inibidor apenas se liga ao complexo ES, medida que a concentrao de substrato aumenta a inibio mais acentuada. Verifica-se a diminuio do Km e de vmax na mesma proporo.Ilustrao 44 - Inibio anti-competitiva.

Ilustrao 45 - Inibio anti-competitiva.

IV.

Glcidos

Glcidos, glcidos ou hidratos de carbono, as molculas mais abundantes na Terra, so compostos de carbono, oxignio e hidrognio [(CH2O)n], e podem conter outros elementos como azoto e enxofre. Desempenham diversas funes, desde energticas (glucose e sacarose) a funes de armazenamento ou estrutural. Classificam-se em: Monossacardeos so os monmeros dos glcidos, como a frutose, glucose e galactose; Dissacardeos so compostos por dois monmeros, sendo, portanto, dmeros, tais como a sacarose, a maltose e a lactose; Oligossacardeos so compostos por 3 a 10 monmeros;

34

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Polissacardeos so compostos por mais de 10 monmeros, dividindo-se ainda em: Polissacardeos de armazenamento como o amido e o glicognio, que so polmeros de reserva energtica nas clulas vegetais e animais, respectivamente; Polissacardeos estruturais como a celulose e a quitina, que so constituintes da parede celular de clulas vegetais e fungos, respectivamente.

Ilustrao 46 - Exemplos de glcidos em ambiente celular.

Alguns glcidos apresentam grupos aldedo (H-C=O) ou cetona (C=O). Se o grupo carbonilo (C=O) se localizar no final da cadeia carbonada (inclusive num grupo aldedo), ento o glcido uma aldose. Caso contrrio, uma cetose. Os hidratos de carbono tm estereoismeros cuja classificao (comparao com gliceraldedo) segundo uma representao no plano se baseia na posio do grupo OH do carbono mais afastado do grupo aldedo ou cetona: D - lado direito; L - lado esquerdo. Ao contrrio do que acontece nos aminocidos, em que a forma mais comum L-aminocido, no caso dos glcidos, estes apresentam-se maioritariamente sob a forma D.

35

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Pentoses e hexoses (glcidos com 5 e 6 carbonos, respectivamente) tm tendncia a assumir uma forma cclica, principalmente quando se encontram em meio aquoso. No processo de ciclizao h eliminao de uma molcula de gua quando o grupo carbonilo reage com um grupo OH distante e o glcido passa a formar um anel, designado de hemiacetal. Tambm nestes casos se verifica a existncia de ismeros, desta Ilustrao 47 - Aldose e cetose. vez relacionados com a posio do grupo OH correspondente ao carbono-1: se este se localizar abaixo do anel tem a designao , caso se localize acima do anel designa-se . Alm dos glcidos constitudos unicamente por monmeros existem tambm derivados de acares: lcoois no possuem o aldedo ou a cetona. Ex.: D-ribitol; cidos o aldedo ou mesmo o grupo OH so oxidados para um grupo carboxilo. Ex.: cido glucnico e cido glicurnico; Amino acares o grupo amina substitui um grupo OH. Esse grupo amina pode tambm ser acetilado. Ex.: glucosamina e N acetylglucosamine. A formao de polissacardeos d-se pelo estabelecimento de ligaes glicosdicas. Estas Ilustrao 48 - Ciclizao de glcidos. A forma ciclizada mais comum a piranose (anel com reaces de condensao resultam numa ligao 5 carbonos e 1 oxignio), ocorrendo tambm covalente e na libertao de uma molcula de gua e furanose (anel com 4 carbonos e 1 oxignio). tm liberdade de rotao. De acordo com o nmero de carbonos implicados na ligao e da configurao ou de cada monmero, as ligaes tm diferentes classificaes. Cada monmero pode estabelecer vrias ligaes glicosdicas em simultneo.

Ilustrao 49 - Exemplos de ligaes glicosdicas.

36

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Tal como as protenas apresentam uma estrutura tridimensional, tambm os glcidos podem adquirir essa mesma estrutura, consoante os tomos entre os quais a ligao glicosdica estabelecida. (1 4) Zig-zag ribbon like (1 3) & (1 4) U-turn hollow helix (1 2) Twisted crumpled (1 6) Sem uma conformao ordenada Os polissacardeos podem ser classificados de acordo com o tipo de monmeros e com o tipo de cadeia que formam: Homopolissacardeos Heteropolissacardeos Constitudos por apenas um tipo de Constitudos por diversos tipos de monmeros monmeros NoNoRamificados Ramificados ramificados ramificados Cadeia ramificada; alguns Cadeia ramificada; alguns Cadeia Cadeia monmeros estabelecem monmeros estabelecem simples simples mais do que uma ligao mais do que uma ligao

Para alm de ligaes glicosdicas os glcidos podem estabelecer outros tipos de ligaes. Por exemplo, podem estabelecer-se pontes de hidrognio entre monmeros adjacentes como acontece na celulose (glcido que o organismo humano no consegue digerir sem o auxlio de outros organismos) e os peptidoglicanos (encontrados na parede celular de procariontes) formam cadeias ligadas entre si por aminocidos (L e D).

V.

Lpidos

Lpidos so compostos de carbono e hidrognio (cadeias alifticas, formadas por CH2), geralmente com mais de 8 carbonos, caracterizados por uma baixa solubilidade em gua e elevada solubilidade em solventes no-polares (como o benzeno e o clorofrmio). Desempenham funes variadas destacando-se os papis de reserva energtica (armazenam cerca de 38 KJ/mol contra os 17 KJ/mol das protenas e glcidos), precursores hormonais, constituintes das membranas biolgicas, cofactores, etc. A sua composio qumica variada e dividem-se em vrias classes, entre as quais se destacam os cidos gordos e os fosfolpidos.

37

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Os cidos gordos so cidos carboxlicos (tm um grupo COOH) com cadeias de hidrocarbonetos formadas por um nmero variado de carbonos (entre 4 e 36). Raramente ocorrem livres na natureza e podem ser considerados como a unidade fundamental da classe dos lpidos. O grupo carboxlico, que tem um pKa entre 4-5, encontra-se ionizado em condies fisiolgicas e constitui a extremidade polar do cido gordo. A cadeia hidrocarbonada apolar e as ligaes covalentes entre os tomos de carbono so maioritariamente simples, mas tambm podem apresentar carcter duplo. Se todas ligaes C-C forem simples, o cido gordo diz-se saturado. Caso existam ligaes duplas, ento o cido gordo insaturado monoinsaturado se tiver apenas uma ligao dupla ou polinsaturado se estas forem em maior nmero. O nvel de saturao dos cidos gordos est relacionado com o seu ponto de fuso. Regra geral, quanto mais insaturado o lpido for menor ser a sua temperatura de fuso.Ilustrao 50 - cido Gordo.

Na nomenclatura dos cidos gordos indica-se o nmero de tomos de carbono da cadeia hidrocarbonada e o n de ligaes duplas, separados por :. Em ndice superior e antecedido do smbolo , indica-se a posio das ligaes duplas. Assume-se que essas ligaes so cis, excepto se especificado em contrrio, e numeram-se os carbonos a partir do grupo carboxilco. Ex: C 18:3 9,12,15. Todos os cidos gordos sintetizados pelo organismo humano so do tipo cis, ou seja, nas suas ligaes duplas C=C os tomos de hidrognio ligados aos tomos de carbono encontram-se orientados para o mesmo lado. Esta insaturao em cis altera a conformao das caudas carbonadas deixam de ser lineares e passam a estar dobradas, formando-se um ngulo de ~30 na zona da ligao dupla. Este facto muito importante quando os cidos gordos se encontram em membranas ou agregados pois confere flexibilidade s estruturas. cidos gordos insaturados em trans so produzidos por algumas bactrias presentes no sistema digestivo dos ruminantes e so obtidos pelos humanos atravs do consumo de produtos lcteos, carne animal ou pelo consumo de produtos que sofreram hidrogenao. A natureza da ligao trans no altera a conformao das caudas carbonadas do mesmo modo que a ligao cis (no altera muito significativamente a linearidade da cadeia de carbonos) e est associada ao aumento dos nveis de LDL (mau colesterol) e diminuio de HDL (bom colesterol), pelo que recomendvel a sua ingesto moderada.

38

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 51 - cidos gordos insaturados.

A partir de cidos gordos podem formar-se diferentes tipos de lpidos, sendo os triglicridos dos mais simples. Os triglicridos constituem uma grande fonte de reserva energtica (encontram-se armazenados nas clulas adiposas) e so formados a partir de uma molcula de glicerol associada a trs cidos gordos. Se esses cidos gordos forem iguais o triglicrido diz-se simples. A hidrlise de um triglicrido/diglicrido uma forma de obter energia metablica. A reaco de degradao leva formao de um diglicrido/monoglicrido e libertao de um cido gordo, energia e uma molcula de gua. Posteriormente o cido gordo pode ser degradado fornecendo grandes quantidades de energia.

Ilustrao 52 - Formao de um triglicrido.

Os fosfolpidos pertencem a uma outra classe de lpidos. Estas molculas so os principais constituintes das membranas biolgicas e apresentam duas zonas com polaridade distintas so molculas anfipticas, ou anfiflicas. Tm uma cabea polar hidroflica formada por um grupo fosfato ligado a uma molcula de glicerol e, por vezes, a um outro grupo varivel. Ao glicerol ligam-se dois cidos gordos, que podem ser diferentes entre si, e que constituem a cauda apolar hidrofbica. Ilustrao 53 - Fosfolpido. Quando se encontram em meio aquoso estas molculas tendem a associar-se de modo a que as regies polares estejam em contacto com a gua e as regies apolares no. Os agregados que se formam s so estveis em ambiente aquoso e,

39

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular dependendo do tipo de lpidos, podem originar micelas estruturas esfricas constitudas por cidos gordos (com forma mais cnica), ou lipossomas bicamadas de forma cilndrica formadas por fosfolpidos (com forma mais cilndrica). Este princpio est na base da formao das membranas biolgicas.

Ilustrao 54 - Micelas, lipossomas e bicamadas fosfolipdicas.

As membranas biolgicas so compostas por lpidos, maioritariamente fosfolpidos, glicolpidos, colesterol, e protenas, que conferem especificidade. As funes das membranas so: Individualizao das clulas; Compartimentalizao celular; Criao de uma barreira selectiva; Localizao de sistemas enzimticos (metabolismo energtico); Localizao de sistemas de transporte (transporte de molculas para o interior e manuteno da concentrao inica); Localizao de sistemas de reconhecimento especfico (hormonas, antignios, etc). As membranas so uma bicamada fosfolipdica assimtrica intercalada por outras molculas, tanto de natureza lipdica (colesterol) como de natureza proteica (protenas transportadoras). Os fosfolpidos tm liberdade para sofrer rotaes, movimentos laterais e, por vezes, at trocas entre camadas.Ilustrao 55 - Movimentos laterais e flip-flop que ocorrem numa membrana fosfolipdida.

40

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

A fluidez das membranas afectada pelo nvel de saturao das cadeias carbonadas (quanto mais insaturadas forem maior ser a fluidez) e pela presena de colesterol. Se as membranas fossem constitudas por cadeias saturadas verificar-se-ia uma cristalizao das mesmas a temperaturas mais baixas, ou seja, haveria uma grande tendncia das cadeias para se empacotarem de forma extremamente ordenada e as interaces intermoleculares seriam fortes, o que diminuiria a fluidez da membrana. Com as ligaes duplas cis ao longo da cadeia de carbonos, esta deixa de ser linear e no se arruma to perfeitamente como na situao anterior, o que permite diminuir a temperatura de transio de fase e aumentar a fluidez da membrana.

Ilustrao 56 - 4 Dos fosfolpidos mais abundantes nas membranas celulares dos mamferos.

superfcie das membranas destacam-se zonas mais densas, as jangadas lipdicas, que so mais ricas em colesterol e cidos gordos saturados. Estas jangadas so menos fluidas que as zonas adjacentes e so ricas em protenas com determinadas funes. So bem definidas mas podem deslocar-se ao longo da membrana. O colesterol um tipo de lpido formado por um conjunto rgido de anis associado a uma pequena cadeia carbonada. maioritariamente hidrofbico mas apresenta um grupo hidrxido OH polar, pelo que uma molcula anfiptica. produzido apenas por animais (no fgado), intercala-se nas membranas plasmticas (pode formar pontes de hidrognio com os fosfolpidos adjacentes) regulando a sua fluidez (diminuindo-a, neste caso), e um precursor de hormonas como a testosterona e o estrognio.

41

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 57 - Colesterol.

As protenas que ocorrem numa membrana tm vrias funes. Podem ser: Intrnsecas atravessam a membrana por completo, tm uma conformao de hlice onde os grupos hidrofbicos dos aminocidos so projectados para o exterior da hlice, para contactarem com as caudas hidrofbicas dos fosfolpidos, enquanto os grupos hidroflicos formam pontes de hidrognio entre si no interior da hlice. PerifricasIlustrao 58 - Organizao dos grupos polares e apolares numa protena intrnseca.

42

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Principais funes das protenas numa membrana plasmtica:

O transporte de substncias para o interior da clula pode classificar-se da seguinte forma:

43

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Transporte passivo as substncias movem-se espontaneamente a favor do seu gradiente de concentrao, atravessando a membrana sem gastos energticos. A taxa de difuso pode ser aumentada atravs das protenas membranares transportadoras. Difuso molculas hidrofbicas e pequenas molculas carregadas podem difundir atravs da membrana. Difuso facilitada muitas das substncias hidroflicas difundem atravs membrana com o auxlio de protenas transportadoras, quer pelos seus canais quer pela alterao de forma das mesmas. Transporte activo algumas protenas injectam substncias, no interior ou no exterior da membrana celular, contra o seu gradiente de concentrao atravs da utilizao de energia proveniente, habitualmente, do ATP.

Ilustrao 59 - Difuso, Difuso Facilitada e Transporte activo.

VI.

cidos Nucleicos

Os cidos nucleicos so macromolculas (polmeros de nucletidos) onde armazenada a informao gentica de uma clula. Esto presentes em todos os seres vivos e podem surgir sob a forma de DNA (cido desoxirribonucleico) ou RNA (cido ribonucleico). O DNA actualmente a forma dominante de informao gentica, embora alguns organismos, como os retrovrus, utilizem apenas RNA. As unidades fundamentais dos cidos nucleicos, os nucletidos, so formadas por uma base azotada e um grupo fosfato ligados a uma pentose. A estrutura bsica de um nucletido compreende ento: Base azotada Purinas: formadas por um anel duplo (penta-anel e hexa-anel) Adenina (A) Guanina (G) Pirimidinas: formadas por um anel simples (hexa-anel) Citosina (C) Timina (T) exclusiva do DNA Uracilo (U) exclusiva do RNA Pentose acar de 5 carbonos Ribose RNA Desoxirribose DNA (tem menos um grupo OH do que a ribose)

44

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Grupo fosfato responsvel pelo carcter cido das molculas. Tem um pKa1, pelo que em condies fisiolgicas (pH7) est sempre ionizado e com carga negativa. Assim, os cidos nucleicos necessitam de Mg2+, poliaminas, histonas e outras protenas para equilibrar esta carga.

Ilustrao 60 - Bases azotadas

Ilustrao 61 Pentoses e grupo fosfato.

Na formao de cada nucletido intervm reaces de condensao: a base azotada liga-se ao carbono 1 da pentose, dando origem a nuclesidos. As bases azotadas tm a capacidade de rodar em torno do acar a que esto ligadas, podendo apresentar configurao syn ou anti, sendo a ltima a mais comum.Ilustrao 62 - Ismeros do nuclesido de adenina.

Com a ligao de um grupo fosfato ao carbono 5 da pentose, forma-se um nucletido. Os nucletidos livres so tri-fosfatos dNTP, perdendo dois grupos fosfato durante as reaces de polimerizao passam a dNMP (ex: dAMP nucletido de adenina monofosfato). No caso do RNA temos NTP e NMP, respectivamente. A polimerizao de nucletidos, que d origem aos cidos nucleicos propriamente ditos, requer a formao de ligaes fosfodiesters entre o grupo hidroxilo do carbono 3 de um nucletido e o grupo fosfato do carbono 5 do nucletido seguinte. A cadeia polinucleotdica adquire assim uma direco, apresentando no terminal 5 um grupo fosfato (terminal negativo) e no terminal 3 um grupo hidrxido (terminal positivo), e a sua sntese sempre feita na direco 5-3.

45

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 63 - Nucletido do ADN.

Em 1928, Fredrick Giffith descobriu um factor gentico nas bactrias que modificava bactrias inofensivas em bactrias mortais e, em 1952, Rosalind Franklin obteve a primeira imagem de raio-X do DNA. Finalmente em 1953, com base nos resultados de experincias anteriores, James Watson e Francis Crick apresentaram, na Universidade de Cambridge, o modelo de dupla hlice para o DNA. Segundo este modelo, a molcula de DNA composta por duas cadeias polinucleotdicas, que se dispem em sentidos inversos, designando-se, por isso, antiparalelas. No esqueleto da cadeia distinguem-se duas cadeias laterais e degraus centrais: as bandas laterais so formadas por molculas do grupo fosfato alternadas com pentoses e unidas por ligaes fosfodiesters; os degraus centrais so pares de bases ligados por pontes de hidrognio. A especificidade das ligaes hidrognio entre as purinas e pirimidinas a chamada complementaridade de bases: a adenina liga-se timina por uma ligao dupla (A=T) e a guanina liga-se citosina atravs de uma ligao mais forte, uma ligao tripla (G C) a quantidade de adenina e timina, e de guanina e citosina numa clula sensivelmente a mesma (Regra de Chargaff). O DNA de dupla-hlice (dsDNA double-stranded DNA) adquire, geralmente, a forma uma dupla hlice de mo direita com aproximadamente 10 pares de bases (3.4 cada par) por volta, ou seja, tem um passo de 34 ; 20 de dimetro e uma rotao de 36 entre os resduos. De um ponto de vista vertical, a distncia entre as cadeias de DNA pode ser pequena minor groove, ou grande major groove.Ilustrao 64 - Estrutura do ADN.

46

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular O RNA apresenta uma estrutura em cadeia simples e est presente em 3 formas: RNA mensageiro (mRNA): cadeia de nucletidos que transporta a informao para a sntese de protenas aos ribossomas; RNA de transferncia (tRNA): transfere os aminocidos para os ribossomas; RNA ribossmico (rRNA): entra na constituio dos ribossomas. Nos seres procariontes, o DNA encontra-se no hialoplasma e uma molcula circular. J nas clulas eucariticas, 99% do material gentico est no ncleo e apresenta-se sob a forma de cromatina filamentos de DNA associados a protenas, as histonas. Tipo de Cadeia ADN Dupla Hlice Simples, por vezes dobrada Pentose Desoxirribose Bases Azotadas A, G, C, T Localizao Principalmente no ncleo Forma-se no ncleo e migra para o citoplasma Quantidade Constante para todas as clulas da mesma espcie Varivel de clula para clula e com a actividade celular

RNA

Ribose

A, G, C, U

Uma vez que o DNA se encontra sob a forma de uma dupla hlice, a sua estrutura pode ser modificada por factores externos, como a temperatura ou acidez do meio. O aquecimento do material gentico enfraquece e quebra as ligaes por pontes de hidrognio entre bases complementares, levando desnaturao do DNA. A quantificao deste processo pode fazer-se atravs da medio da absorvncia a 260 nm (pico de absoro das bases azotadas), verificando-se que quanto maior for o valor medido maior a desnaturao da cadeia em cadeia simples, as bases outrora viradas para o interior da molcula, esto mais sujeitas radiao, absorvendo-a em maior quantidade. Registando os valores de absorvncia medida que se aumenta a temperatura do meio verifica-se que estes vo aumentando, o que indica que a elevao da temperatura actua como agente desnaturante. Representando graficamente a absorvncia em funo da temperatura obtm-se as curvas de melting, nas quais se distingue um ponto de inflexo. Este ponto corresponde temperatura qual 50% da cadeia dupla de DNA se encontra desnaturada e designa-se temperatura de melting (TM), ou de fuso. Esta temperatura depende directamente do contedo de citosina e guanina da molcula, pois quanto maior for o contedo CG maior o nmero de ligaes triplas. Como estas ligaes so mais fortes, para que sejam quebradas e ocorra desnaturao necessria uma temperatura mais elevada, pelo que a um maior contedo CG corresponde uma maior TM.

Ilustrao 65 - Temperaturas de Melting.

47

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Aps a desnaturao, se a temperatura diminuir h hibridao do DNA, ou seja, restabelecem-se as ligaes hidrognio entre as bases complementares e volta a formar-se uma cadeia dupla. As molculas de RNA so cadeias simples no lineares que apresentam estrutura secundria, como ganchos e hlices, pelo que pode ocorrer desnaturao do RNA. Cada molcula possui uma curva de melting diferente, em funo do seu tipo de estrutura Ilustrao 66 - Variao da Temperatura de secundria, que pode no estar associada a nenhum ponto de inflexo, pelo que no se define temperatura Melting com a maior quantidade de ligaes GC. de melting para o RNA.

VII.

Metabolismo

Entende-se por metabolismo o conjunto de todas as reaces qumicas que se do dentro das clulas. Inclui: Catabolismo processos oxidativos e exergnicos nos quais h libertao de energia pela degradao de produtos complexos em produtos mais simples. Ex: glicogenlise produz glicose a partir de glicognio; Anabolismo processos redutivos endergnicos que requerem o uso de energia para formar produtos complexos a partir de molculas mais simples. Ex: glicognese armazena excesso de glicose sob a forma de glicognio. Lipognese armazena glicose e aminocidos sob a forma de lpidos. Enquanto as vias catablicas convergem para poucos produtos finais as vias anablicas divergem para a sntese de muitas biomolculas diferentes. Por exemplo, o catabolismo de lpidos, glcidos e protenas origina um intermedirio comum acetil-CoA, que utilizado na respirao celular. Este intermedirio, por processos anablicos, pode depois dar origem s mais variadas molculas, desde fosfolpidos a triglicridos, hormonas esterides e vitaminas. A maioria dos processos metablicos inclui uma srie de reaces e est organizada em vias metablicas reguladas por enzimas. As enzimas intervenientes podem encontrar-se isoladas, em complexos multienzimticos ou formar sistemas associados a membranas. A localizao de todo o complexo numa zona especfica da clula, como uma regio da membrana, permite que o processo seja mais eficiente. Uma via metablica tem incio num substrato especfico e termina num determinado produto. Durante todo o processo do-se vrios passos, cada um catalisado por uma enzima especfica, e os produtos de uma reaco tornam-se substratos das seguintes, pelo que se designam intermedirios. O facto de as vias estarem divididas em vrias reaces permite no s que se obtenham produtos que, de forma espontnea, no seria possvel obter (acoplamento de reaces termodinamicamente favorveis a processos desfavorveis), como tambm que se regule o calor/energia libertado e se mantenha a temperatura da clula dentro de valores fisiolgicos. Embora as vias anablicas e catablicas de degradao e sntese dos mesmos compostos sejam semelhantes, necessrio que apresentem alguns passos diferentes. S assim se obtm mecanismos de regulao que permitem favorecer uma das vias e inibir a outra, e tambm s deste modo que ambas as vias podem ocorrer em simultneo e de forma espontnea, j que

48

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular se no existisse qualquer diferena entre elas as leis do equilbrio termodinmico ditariam que as vias apenas se dessem num sentido. As principais vias metablicas da maioria dos organismos apresentam muitas semelhanas, o que sugere que todas as formas de vida descendem de um ancestral comum. A molcula de ATP, por exemplo, o intermedirio energtico mais utilizado por todos os seres vivos embora outras molculas, como o NAD ou NADP, tambm desempenhem o mesmo papel. O ATP, adenosina trifosfato, armazena energia nas ligaes dos seus grupos fosfato e a sua sntese ou degradao est acoplada a muitos processos endergnicos ou exergnicos, respectivamente. Atravs do ciclo do ATP, a energia conseguida durante a fotossntese ou outros processos catablicos Ilustrao 67 - Ciclo do ATP.

transportada para os processos celulares que necessitam de energia.

Ilustrao 68 - ATP.

As reaces de oxidao-reduo adquirem uma enorme importncia na produo de ATP e de energia. Sempre que uma substncia oxidada, perdendo energia por atingir um nvel mais estvel, outra substncia sofre reduo e adquire mais energia. Existem coenzimas que agem como aceitadoras de electres. Algumas das mais importantes so o FAD (dinucletido de flavina-adenina), o NAD (dinucletido de nicotinamida-adenina), e o NADP (dinucletido de nicotinamida-adenina fosfato), cujas formas reduzidas so, respectivamente, FADH, NADH e NADPH. Estas coenzimas so transportadoras de electres e armazenam energia sob a forma de electres num alto nvel energtico.

Ilustrao 69 - FAD (a) e NAD (b).

49

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular A sntese de ATP d-se por 3 processos: Gliclise, ou outras vias metablicas que levem formao de acetil-CoA (metabolismo glicdico, lipdico ou proteico); Ciclo de Krebs, ou ciclo do cido ctrico; Cadeia respiratria.

a. Gliclise e NeoglucogneseA gliclise o processo no qual uma molcula de glicose degrada, atravs de 10 reaces catalisadas enzimaticamente, e forma 2 molculas de cido pirvico, um composto de 3 carbonos. comum a todos os organismos, no utiliza oxignio e d-se no citoplasma, onde se localizam as enzimas necessrias ao processo. Pode dividir-se em 3 fases:

50

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 70 - Gliclise.

A equao global da gliclise :

O balano energtico desta fase : Reaco 1 3 6 7 10 Balano energtico final

ATP NADH+H+ -1 0 -1 0 0 2 2 0 2 0 2 2

51

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular O produto final da gliclise o cido pirvico, que vai depois ser utilizado na respirao celular. Em condies anaerbicas (ausncia de oxignio) ocorre fermentao. H vrios tipos de fermentao, cada um com produtos finais diferentes, mas em todos os casos o balano final de ATP sempre de 2 molculas: Fermentao alcolica ocorre, por exemplo, nas plantas e leveduras, e os produtos finais so o CO2 e o etanol. Neste tipo de fermentao o cido pirvico proveniente da gliclise descarboxilado, libertando CO2 e originando aldedo actico, um composto com 2 carbonos. Por aco do NADH reduzido, tambm proveniente da fase da gliclise, forma-se etanol.

Fermentao lctica verifica-se, por exemplo, nos bacilos lcticos, e o cido pirvico reduzido a cido lctico. Aps a gliclise, o piruvado combina-se com o H+ transportado pela NADH e origina o cido lctico.

O ciclo de Cori traduz uma cooperao metablica entre os msculos e o fgado quando ocorre fermentao lctica. Aps ser produzido nos msculos, o cido lctico transportado pelo sangue at ao fgado, onde novamente convertido em glucose pelo processo da gluconeognese. Na respirao aerbia (em presena de oxignio) o cido pirvico, formado durante a gliclise, transportado para o interior das mitocndrias, onde vai integrar o ciclo de Krebs e a cadeia de transporte electrnico. No final de todo este processo o balano terico final de ATP ser de 36 nos organismos eucariotas e de 38 nas bactrias.Ilustrao 71 - O processo que se segue gliclise depende da presena ou ausncia de oxignio.

Os seres humanos consomem cerca de 160 gramas de glucose por dia, sendo que 75% dessa quantidade consumida no crebro. Os fluidos corporais contm apenas 20 gramas de glucose e as reservas de glicognio rendem cerca de 180 a 200 gramas de glucose. , portanto, necessrio que os seres humanos e outros organismos sejam capazes de sintetizar a sua prpria glicose. A neoglucognese, ou gluconeognese, a via metablica que conduz sntese de glicose a partir de cido pirvico. Ocorre, principalmente, no fgado e nos rins e, apesar da maioria das suas reaces serem inversas s da glicose, algumas, que por razes de ordem termodinmica no so reversveis ( ), variam. Nesses casos, as reaces so catalisadas por enzimas diferentes e constituem os principais pontos de regulao das duas vias. Os passos alterados so:

52

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular Reaco 10 converso de piruvato em fosfoenolpiruvado; Reaco 3 converso da frutose-1,6-fosfato em frutose-6-fosfato; Reaco 1 converso da glicose-6-fosfato em glicose. A regulao da neoglucognese est relacionada com a regulao da gliclise: Quando a gliclise est em funcionamento, a gluconeognese no est a realizar-se; Quando o estado energtico da clula elevado a gliclise deve ser desligada e o piruvato, entre outros, deve ser utilizado para a sntese e armazenamento de glucose; Quando o estado energtico da clula baixo a glucose deve ser rapidamente degradada de modo a fornecer energia; Os passos regulados da gliclise so os mesmos passos que so regulados na direco oposta. Destacam-se ainda outros processos que envolvem a glucose: Glicognese processo de formao de glicognio quando a glucose existe em excesso; Lipognese processo de produo de lpidos, atravs de aminocidos e glucose, quando as reservas de glicognio esto lotadas; Glicogenlise processo de formao de glucose a partir da quebra das ligaes do glicognio.

b. Ciclo de KrebsO ciclo de Krebs, ou ciclo do cido ctrico, d-se na matriz mitocondrial e consiste na oxidao de acetil-CoA a CO2 com libertao de energia sob a forma de electres, que armazenada em NADH e FADH2, molculas transportadoras de electres. A acetil-coenzima A o produto de diversas vias metablicas mas no um produto final da gliclise. Para que o cido pirvico possa integrar o ciclo de Krebs necessrio um passo preparatrio em que o piruvato convertido em acetil-CoA. Ilustrao 72 - Formao da acetilcoenzima A. Na respirao aerbia, aps a etapa da gliclise o cido pirvico entra nas mitocndrias e, ao nvel da matriz mitocondrial, sofre 3 reaces que culminam na formao de acetil-CoA: Descarboxilao removido um carbono ao cido pirvico. Forma-se acetaldedo e dixido de carbono; Oxidao so removidos dois H ao acetaldedo. Forma-se cido actico e reduz-se NAD+ a NADH+H+; Formao de acetil-CoA o cido actico combina-se com uma coenzima A e forma-se acetil coenzima A. O acetil-CoA vai agora integrar o Ciclo de Krebs, que tem 8 passos:

53

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 73 - Ciclo de Krebs.

A equao global do Ciclo de Krebs :

O balano energtico desta fase : Balano do Ciclo de Krebs Por acetil-CoA Por ciclo ATP 1 2 NADH+H+ 3 6 FADH2 1 2 CO2 2 4

54

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

c. Cadeia RespiratriaA cadeia respiratria, ou cadeia de transporte electrnico, a etapa em que culminam todos os processos oxidativos de degradao de glcidos, lpidos ou protenas. Esta fase d-se nas cristas mitocondriais e permite a sntese de ATP utilizando a energia libertada durante a reduo de O2 a H2O, cujos electres so doados pelo NADH e FADH2 provenientes da gliclise e ciclo de Krebs. Nas cristas mitocondriais encontra-se um conjunto de 3 complexos enzimticos (I, III, IV), ligados por dois transportadores electrnicos (CoQ e Citocromo C). O conjunto destas 8 enzimas, associadas a tomos metlicos (cofactores) capazes de aceitar e doar electres, forma a cadeia respiratria. Seis das protenas que fazem parte desta cadeia encontram-se fixas, enquanto as restantes duas so mveis. Quando os cofactores NADH+H+ e FADH2 libertam hidrognio para a cadeia respiratria d-se incio ao processo de fosforilao oxidativa. Neste processo as reaces de oxidao e fosforilao esto acopladas, o que permite a sntese de ATP: Cada H fornecido cadeia separado em H+ + e-; Os protes so bombeados para o espao intermembranar criando um gradiente de pH e um potencial electroqumico transmembranar de H+. Por cada NADH+H+ so bombeados 10 H+ e por cada FADH2 apenas 6 H+, pois o FADH2 liberta os seus protes apenas no segundo transportador; Os electres vo passar de transportador electrnico em transportador electrnico at serem entregues ao oxignio; Os electres so fornecidos ao O2, dando origem a ies; Os ies oxignio atraem H+ e forma-se gua; O potencial de H+ provoca a difuso destes ies de novo para o interior da matriz mitocondrial e permite a sntese de ATP via ATPsintase; O complexo V, ATPsintase, formado por trs partes. A corrente criada pela passagem de H+ provoca a rotao de duas dessas partes, o rotor e o haste, e activa os stios activos da terceira parte, o basto, onde formado ATP a partir de ADP+Pi; Cada NADH origina 3 ATP e cada FADH2, como s leva ao bombeamento de 6 H+, permite apenas a sntese de 2 ATP.

55

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Ilustrao 74 - Complexos enzimticos que participam na cadeia respiratria.

Ilustrao 75 - Processo de bombeamento de protes pelos complexos enzimticos.

Curiosidade o cianeto uma substncia que adere cadeia transportadora de electres e impede a produo de ATP, asfixiando as clulas e podendo levar morte do indivduo.

56

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

Em 1960, Peter Mitchell props uma teoria, a teoria quimiosmtica, para a formao de ATP (teoria que lhe valeu o prmio Nobel em 1978). Quando os protes so bombeados para o espao intermembranar cria-se um gradiente de pH e um potencial electroqumico transmembranar de H+. Os protes regressam, contudo, matriz (movimentando-se para uma zona de menor concentrao de H+) atravs da ATP sintetase. O fluxo de protes atravs desta enzima fornece a energia necessria para a fosforilao do ADP a ATP.

Ilustrao 76 - ATP sintetase.

Ilustrao 77 - Modelo da teoria quimiosmtica.

57

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular O balano energtico desta fase : N de molculas ATP por molcula ATP formado + NADH+H 10 3 30 FADH2 2 2 4 Total 34 O balano final : ATP NADH+H+ FADH2 CO2 Gliclise 2 2 Obteno de acetil-CoA 2 2 Ciclo de Krebs 2 6 2 4 Cadeia Respiratria 34 -10 -2 Por molcula de glicose 38 0 0 6 Nos eucariontes, as molculas de NADH formadas na gliclise so incapazes de atravessar a membrana da mitocndria, sendo necessria a sua converso para FADH2. Como na gliclise se formam 2 NADH, ento, os 6 ATP provenientes destes NADH passam a ser somente 4 (uma vez que so obtidos pelo NADH convertido em FADH2 e este s origina 2 ATP, em vez de 3). Assim, o total de ATP produzido num eucarionte de 36. O valor de 36 ATP , contudo, um valor terico. Na prtica, verifica-se que os organismos eucariontes produzem apenas 30 ATP por molcula de glicose. Esta diferena deve-se ao facto de a clula utilizar o gradiente de protes criado durante o transporte electrnico para outros propsitos que no apenas a actividade da ATPsintetase.

Ilustrao 78 - As vrias etapas de produo de ATP.

A equao global da oxidao da glucose :

58

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular

d. Outras vias metablicasUma pessoa de 70 Kg tem cerca de 135000 kcal de energia armazenadas como gordura, 24000 kcal sob forma de protenas e 720 kcal de reservas de glicognio, assim como 80 kcal de glucose em circulao no sangue. importante, pois, que o nosso organismo tenha mecanismos extra para produzir ATP, partindo de outras matrias-primas. Outras vias metablicas que levam produo de energia metablica so a oxidao dos cidos gordos (as reservas de lpidos no corpo humano perfazem cerca de 85% do total de energia disponvel) e o catabolismo de protenas.Ilustrao 79 - As vrias vias que conduzem produo de ATP.

i.

Oxidao de cidos gordos

Os triglicridos podem ser degradados e dar origem a 3 cidos gordos, que entram no ciclo de oxidao dos cidos gordos, e a uma molcula de glicerol, que se torna um substrato da gliclise. As enzimas responsveis pela quebra das ligaes dos cidos gordos so as lipases. Para poderem entrar no ciclo de oxidao os cidos gordos livres tm que ser activados, isto , tm que ser convertidos em acil-CoA gordo e transportados para as mitocndrias, onde se vai dar todo o processo de extraco de energia. A activao dos cidos gordos d-se no citoplasma, pela enzima acil-CoA gordo sintetase e com gasto de 2 ATP, e o seu transporte est dependente da bomba de carnitina, onde o grupo acil-CoA substitudo por acil-carnitina para poder entrar na mitocndria. Uma vez dentro do organelo a acil-carnitina volta a ser convertida em acil-CoA. A enzima acilcarnitina transferase I, enzima responsvel pela substituio do grupo acil-CoA do cido gordo, pode ser inactivada por malonil-CoA. Este processo impede o transporte de cidos gordos para a mitocndria quando estes se encontram a ser sintetizados.

Ilustrao 80 - Processo de activao de um cido gordo.

59

Apontamentos de Bioqumica e Biologia Molecular A oxidao de cidos gordos (activados) ocorre no interior das mitocndrias e envolve trs etapas: 1 Etapa -oxidao: uma cadeia de cidos gordos oxidada dando origem a resduos de acetil-CoA; 2 Etapa acetil-CoA entram no ciclo de Krebs e so oxidadas a CO2; 3 Etapa os electres provenientes das oxidaes anteriores entram na cadeia respiratria e permitem a sntese de ATP.Ilustrao 81 - Bomba de carnitina.

A -oxidao um ciclo em espiral e engloba 4 reaces: Reaco 1, oxidao remoo de H dos carbonos e (primeiros dois carbonos ligados a hidrognios), formao de uma ligao dupla C=C em trans e reduo de FAD a FADH2; Reaco 2, hidratao adio de H2O ligao dupla acabada de formar, processo catalisado pela enzima enoil-CoA hidratase. Ao carbono adicionado um H e ao carbono adicionado um grupo OH, formando um grupo hidroxilo (COH). A enzima enoil-CoA hidratase s actua em ligaes duplas do tipo trans. Consequentemente, cidos gordos insaturados, que contm ligaes duplas do tipo cis, requerem a aco um outra enzima uma isomerase, que converte as ligaes cis em trans; Reaco 3, segu