aplicando conceitos de sustentabilidade em …

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APLICANDO CONCEITOS DE SUSTENTABILIDADE EM INDICADORES DE DESEMPENHO Sandra Naomi Morioka (POLI-USP) [email protected] Marly Monteiro de Carvalho (POLI-USP) [email protected] A implantação de sustentabilidade no ambiente corporativo é um desafio para empresas e para a academia. Uma forma de abordar essa discussão é conciliar os conceitos de desenvolvimento sustentável em um tema já bastante disseminado na literaatura, os indicadores de desempenho. Nesse contexto, o objetivo do trabalho é discutir indicadores de desempenho de projetos com foco nos três pilares da sustentabilidade. A metodologia adotada foi a de estudo de caso conduzido em uma empresa de tecnologia. Os resultados mostram que essa definição de indicadores, bem como a coleta desses dados não estão sendo conduzidas de forma sistematizada. Verificou-se ainda que há dificuldade em discutir o interrelacionamento entre os indicadores, considerando os tradeoffs entre os pilares econômicos, ecológicos e sociais. Não obstante, verifica-se uma preocupação das empresas em elevar o patamar na discussão da sustentabilidade, sendo que há espaço para impulsionar contribuições da área acadêmica para apoiar essa discussão Palavras-chaves: indicadores de desempenho, desenvolvimento sustentável XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

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APLICANDO CONCEITOS DE

SUSTENTABILIDADE EM

INDICADORES DE DESEMPENHO

Sandra Naomi Morioka (POLI-USP)

[email protected]

Marly Monteiro de Carvalho (POLI-USP)

[email protected]

A implantação de sustentabilidade no ambiente corporativo é um

desafio para empresas e para a academia. Uma forma de abordar essa

discussão é conciliar os conceitos de desenvolvimento sustentável em

um tema já bastante disseminado na literaatura, os indicadores de

desempenho. Nesse contexto, o objetivo do trabalho é discutir

indicadores de desempenho de projetos com foco nos três pilares da

sustentabilidade. A metodologia adotada foi a de estudo de caso

conduzido em uma empresa de tecnologia. Os resultados mostram que

essa definição de indicadores, bem como a coleta desses dados não

estão sendo conduzidas de forma sistematizada. Verificou-se ainda que

há dificuldade em discutir o interrelacionamento entre os indicadores,

considerando os tradeoffs entre os pilares econômicos, ecológicos e

sociais. Não obstante, verifica-se uma preocupação das empresas em

elevar o patamar na discussão da sustentabilidade, sendo que há

espaço para impulsionar contribuições da área acadêmica para apoiar

essa discussão

Palavras-chaves: indicadores de desempenho, desenvolvimento

sustentável

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

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1. Introdução

O conceito básico de sustentabilidade tem sua origem no relatório elaborado pela Comissão

Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento publicado na Comissão de Brundtland

em 1987, que apresentou a seguinte proposta para o desenvolvimento sustentável dos países:

"satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras

em satisfazer suas próprias necessidades" (CMMAD, 1987). Nesse contexto, Elkington

(1998) cunhou o termo triple bottom line, evidenciando a interdependência entre seus três

pilares: social, econômico e ambiental. Associando esses conceitos, o desenvolvimento

sustentável pode ser definido como sendo o interesse e as chances de desenvolvimento que

tenham como obrigação lidar com recursos ecológicos, sociais e econômicos, garantindo às

próximas gerações a oportunidade de satisfazer suas necessidades da mesma forma que as

gerações contemporâneas (por exemplo, BURGER, MAYER, 2003).

O engajamento de diversas áreas de conhecimento no tema sustentabilidade é de extrema

importância, já que os impactos tanto econômicos quanto socioambientais existem em

diversas atividades. Para as empresas lucrativas, sabe-se que o seu principal motivador é o

resultado financeiro, apurado baseado na diferença entre suas receitas e despesas. Porém, o

governo e a população têm exigido e valorizado cada vez mais dessas empresas soluções que

sejam sustentáveis, resultando em um desafio para o mundo corporativo em instituir

processos com a abordagem do tripple bottom line. Nesse contexto, a discussão de

indicadores de projetos sob a ótica da sustentabilidade, ou seja, considerando os três pilares da

sustentabilidade, vem como importante instrumento para direcionar os processos da empresa

para o desenvolvimento sustentável.

Nesse contexto, o objetivo do trabalho é discutir a adoção de indicadores de sustentabilidade

no contexto corporativo, evidenciando os desafios da sua implantação sistemática. Assim, o

trabalho pautou-se em um levantamento teórico que discute indicadores de desempenho que

considerem não somente aspectos financeiros, mas também sociais e ambientais. Baseado

nesse levantamento, o artigo se propõe também aplicar esses conceitos ao discutir um estudo

de caso único em uma empresa do setor de tecnologia de grande porte.

Esse artigo está estruturado em 6 seções. A seção 2 apresenta os principais conceitos

referentes ao desenvolvimento sustentável e aos indicadores de desempenho com um viés de

sustentabilidade. Após apresentar a metodologia na seção 3, o artigo segue com a

apresentação do estudo de caso conduzido na seção 4. Por fim, são conduzidas as discussões

(seção 5) e conclusões e limitações do trabalho (seção 6).

2. Síntese do quadro teórico

2.1. Desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável está ligado à capacidade de se tomar decisões hoje, levando

em consideração as suas consequências de longo prazo tanto na esfera econômica, mas

também na social e ambiental (por exemplo, BURGER, MAYER, 2003). Assim, diversas

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áreas de conhecimento devem estar presentes nessa discussão complexa, que exige

conhecimento interdisciplinar técnico e gerencial.

Uma evidência de que a preocupação com o desenvolvimento sustentável já está de certa

forma presente nas empresas é a intensa disseminação de sistemas integrados de gestão

voltados para a padronização de processos representados pelas normas ISO 9001, ISO 14000,

OHSAS 18001 (JORGENSEN et al., 2005) e mais recentemente também pela ISO 26000.

Isso porque tratam, respectivamente, dos temas qualidade, meio ambiente, saúde e segurança

no trabalho e responsabilidade social corporativa. A sequência na qual as normas se

popularizaram pode ser vista como um indicativo quanto à evolução de prioridade do mundo

corporativo. Inicialmente, em 1987 criou-se a ISO 9001, com o foco principalmente no pilar

econômico do triple bottom line, já que está diretamente ligada à redução de custos de

qualidade do produto e de processos da empresa. Já no início da década de 1990, a ISO 14001

foi formulada com o objetivo de normatizar aspectos relacionados aos impactos ambientais de

uma determinada empresa, ou seja, está lidando com o pilar ecológico do tripé. Alguns anos

mais tarde, foi iniciada a discussão voltada para o pilar social com normas para o público

interno à empresa em 2005 (OHSAS 18001) e para a sociedade em geral, em 2010 (ISO

26000). Essa ordem de prioridades para as empresas parece razoável, já que inicia com uma

preocupação mais imediata de sobrevivência econômica, passando pela visão de impactos

quanto aos insumos consumidos e rejeitos produzidos, até chegar ao desafio de tomar

decisões baseadas também em colaboradores e na comunidade ao redor. As normas são uma

importante ferramenta de integração capaz de colocar em discussão nas empresas seus

processos e tarefas no ciclo de gestão (planejamento, execução, avaliação e ação), como

indicado por Jorgensen et al., 2006. Os autores acreditam que o sistema integrado serve

também para criar uma cultura de aprendizado, envolvimento de stakeholders e melhoria

contínua, fundamentais para o desenvolvimento sustentável em uma determinada empresa, ou

seja, no setor como um todo.

Um outro assunto que tem coerência com a discussão de desenvolvimento sustentável é o

conceito de Product-Service System (PPS). Tratando de uma forma particular de servitização,

a ideia básica desse modelo é a “desmaterialização” dos produtos, ou seja, reduzir o seu custo

por meio a introdução serviços agregados (BAINES et al,, 2007). Dessa forma, os autores

argumentam que as necessidades dos clientes podem ser atendidas e, ao mesmo tempo, os

impactos nocivos ao meio ambiente podem ser reduzidos por meio da redução de resíduos

físicos, considerando também o bem estar da sociedade como um todo. Assim, bens que até

então são tratados tradicionalmente como produtos físicos podem ser planejados e executados

como serviços para agregar valor à receita da empresa.

No setor na manufatura, a discussão da sustentabilidade vem evoluindo, tornando-se cada vez

mais sofisticada e complexa, conforme Araujo (2010). O autor verifica essa evolução,

passando pelos seguintes marcos:

- Conformidade: passo inicial dado durante a United Nations Conference on the Human

Environment em junho de 1972

- Produção mais limpa: criação do Centro de Produção Mais Limpa pela ONU em 1994

(organização para desenvolvimento industrial)

- Eco-eficiência: criação da estratégia de eco-eficiência pelo Conselho Empresarial par ao

Desenvolvimento Sustentável

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- Produção Sustentável: último estágio da evolução, resultado de uma abordagem mundial

para sustentabilidade fincado em novos modelos de negócio.

Já no âmbito dos impactos sociais, a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) tem

ganhado visibilidade perante dirigentes e colaboradores (FEDATO, 2005). Sob uma

abordagem sociológica, Fischer (2004) trata da RSC como sendo os papéis e as atividades da

empresa que impactam relações humanas, considerando o contexto da cultura organizacional.

Nesse contexto, Melo Neto e Froes (1999) indica sete vetores, que podem ser classificados em

responsabilidade social:

- interna: investimentos nos funcionários, em seus dependentes e no ambiente de trabalho;

retorno aos acionistas;

- externa: apoio ao desenvolvimento da comunidade; preservação do meio ambiente; sinergia

com parceiros; satisfação de clientes e consumidores

- mista: transparência perante o público interno e externo.

Porter e Kramer (2006) trazem uma visão de que as empresas que estiverem realizando

iniciativas na área social não devem considerar esse desembolso como sendo simplesmente

custo para a empresa. Isso porque essas iniciativas podem ser vistas como oportunidade de

inovação e consequente ganho de competitividade.

2.2. Indicadores de desempenho

A tradução da saúde de uma determinada empresa em indicadores de desempenho é

fundamental para a sua perpetuidade. Isso porque, como definido por Neely (1998, p. 5-6),

um sistema de indicadores de desempenho "permite que decisões sejam tomadas e ações

sejam realizadas, pois quantifica a eficiência e efetividade de ações passadas por meio de

aquisição, junção, classificação, análise, interpretação e disseminação de dados apropriados".

Analisando diversos frameworks divulgados na literatura (como JOHNSON; KAPLAN,

1987; KEEGAN; EILER; JONES, 1989; FITZGERALD et al., 1991 e KAPLAN; NORTON,

1992), Kennerley e Neely (2002) discutem algumas características do sistema de indicadores

que podem ajudar as empresas a escolher adequadamente sua abordagem:

ser balanceado;

apresentar-se de forma sucinta e objetiva;

integrar uma visão multidimensional;

ser compreensivo, abordando todos os aspectos relevantes da empresa;

integrar tanto entre funções quanto entre níveis hierárquicos;

apresentar relação de causa e efeito entre os indicadores, permitindo desenhar cenários

futuros possíveis.

Uma forma de classificar os indicadores apresentada na literatura trata dos conceitos de

indicadores leading e lagging. Enquanto os indicadores leading (direcionadores) são capazes

de impactar no futuro de uma organização, os lagging (de resultado) exprimem a

consequência de uma determinada ação (KAPLAN e NORTON, 1996). Esse tipo de

classificação permite avaliar de forma crítica uma lista de indicadores disponíveis para certa

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empresa, verificando a interrelação causal entre indicadores, quando possível. Isso porque não

basta que a empresa seja capaz de definir uma lista de indicadores de desempenho

independentes entre si. A relação entre eles deve fazer sentido para que sejam capazes de

cumprir a função de apoio à tomada de decisão.

A escolha e construção de indicadores é fundamental para esse processo de tomada de

decisão. Nesse sentido, vale dizer que definir indicadores não é uma tarefa trivial, já que a

forma como uma determinada informação é mostrada pode acabar influenciando o tomador de

decisão. Nessa discussão Keeney (2005) evidencia algumas características mínimas exigidas

para um bom atributo ou indicador. As propriedades são:

Não ambíguo: relação causal entre os indicadores e suas consequências.

Abrangente: o indicador cobre uma quantidade razoável de valores possíveis

Direto: o indicador representa diretamente uma determinada consequência

Operacional: a informação sobre o indicador pode ser devidamente obtida ou estimada

Inteligível: o indicador pode ser facilmente entendido e comunicado.

Outra importante função dos indicadores é compor, juntamente a outros dados sobre as

empresas, relatórios para divulgação de informações sobre a empresa ao público interessado.

No campo da sustentabilidade, a Global Ressource Initiative (GRI) tem papel fundamental

nesse objetivo, já que essa iniciativa tem como missão prover um framework global, com

linguagem consistente e métricas (GRI, 2011). Nesse sentido, a organização realizou um

estudo bastante aprofundado sobre os indicadores que devem (ou podem) constar em um

relatório de sustentabilidade de uma determinada empresa. Com diferenciação entre níveis de

implantação do relatório (de A a C, sendo a versão C a mais simplificada), a empresa pode

optar por escolher e publicar uma série de indicadores a seu respeito. Esses indicadores estão

organizados em blocos: social, ambiental e econômico, conforme mostrado no Quadro 1.

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Quadro 1. Categorias dos indicadores propostos pelo GRI.

É razoável pensar na dificuldade de interrelacionamento entre esses indicadores quanto à

relação causa-e-efeito ou de influência positiva ou negativa. Assim, existe o desafio de

identificar e explicitar os trade offs entre indicadores pertencentes aos diversos pilares de

sustentabilidade. A publicação de Orlitzky et al (2003) verifica estudos quantitativos que

buscaram inferir a dependência entre desempenho socioambiental e desempenho financeiro da

empresa, resultando em uma correlação positiva, segundo os estudos de sua amostra. Os

autores chegam até a reduzir as importância da influência do Estado em novas

regulamentações voltadas para o pilar social e ambiental, já que, com o resultado financeiro

positivo, a própria empresa estaria interessada em ter tais normas a serem seguidas. Porém

essa correlação é bastante complexa, devendo ser observada de forma contingencial.

3. Metodologia de pesquisa

Conforme apresentado na seção introdutória, o objetivo do trabalho é discutir a adoção de

indicadores de voltados para os pilares do triple bottom line no contexto da implantação de

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sustentabilidade na empresa. Para isso, optou-se pela abordagem de estudo de caso

exploratório desenvolvido em uma única empresa, já que o assunto ainda está pouco

estruturado tanto na academia quanto nas empresas (FORZA, 2002). Assim o método de

entrevista semi-estruturada permite a exploração do assunto de forma mais abrangente e

flexível.

Os critérios de seleção do caso adotado analisaram o contexto da empresa de forma que fosse

reconhecida pela sua preocupação com sustentabilidade e tivesse em seu organograma uma

área destinada à sustentabilidade, além de haver disponibilidade para acesso a documentos e à

equipe interna por parte dos pesquisadores. Visto isso, foi escolhida uma empresa de

tecnologia de grande porte de origem alemã. As diretrizes para condução de estudo de caso

foram seguidas (VOSS et al., 2002), com dados obtidos por meia interpretação de

documentos internos, relatórios publicados e uma entrevista realizada concomitantemente

com a gerente da área de sustentabilidade, uma colaboradora dessa área e um gerente PMO

(Project Management Office). A presença deste último é justificada pelo forte direcionamento

para projetos fundamentado na realidade da empresa.

Além da escolha das empresas, foi estruturado um roteiro dos principais tópicos a serem

abordados na entrevista semi-estruturada. Foi priorizado como tema para discussão assuntos

como a relevância da sustentabilidade para a empresa e as ações tomadas nesse sentido, o

tratamento dos projetos tendo em vista os pilares de sustentabilidade e os próprios indicadores

utilizados. Para reduzir eventuais desencontros de entendimento, as entrevistas foram

gravadas e transcritas em documento eletrônico para envio aos entrevistados e validação de

conteúdo.

Como já indicado, a presente pesquisa utilizou também como fonte de informações

documentos disponibilizados pela empresa referentes à esfera tanto nacional quanto

internacional. Isso porque a estratégia da matriz e das filiais devem ser convergentes. Dessa

maneira, a análise dos dados obtidos foi realizada pela triangulação entre informações

provenientes das entrevistas, documentos e revisão bibliográfica sobre o assunto. O resultado

dessa discussão será apresentado a seguir.

4. Apresentação de resultados

4.1. Sustentabilidade na empresa

O estudo de caso foi conduzido em uma empresa de tecnologia de grande porte, engajada nas

áreas de automação industrial, energia, saúde e soluções para infraestrutura e cidades.

Fundada na Alemanha há mais de 150 anos, a empresa possui filais em diversos continentes,

sendo que a entrevista foi conduzida em sua filial de São Paulo. Sua estratégia está

intimamente ligada à inovação, buscando estar sempre atuante nas tendências globais, como

mudanças climáticas e aumento da população.

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Dada a sua privilegiada posição de mercado, a empresa tem consciência de sua capacidade de

influenciar o mercado e governos. Nesse contexto, a área de sustentabilidade vem sendo

estruturada e ganhando cada vez mais reconhecimento tanto interna quanto externamente. O

aumento da relevância do tema sustentabilidade culminou no início das atividades da área

formal de sustentabilidade na Alemanha em 2009. As diretrizes para a instituição da área no

Brasil começou em 2010, sendo que a área tem ganhado robustez e delineamento com o

passar do tempo.

No Brasil, inicialmente a área era composta por 20 pessoas que eventualmente foram

divididas em grupos menores, para facilitar o desenvolvimento do trabalho. Hoje a estrutura é

enxuta, sendo composta por duas colaboradoras e o Diretor de Estratégia e Sustentabilidade.

A principal função da área é a de governança corporativa, realizando o alinhamento dos

conceitos e práticas de sustentabilidade disseminadas nas áreas de negócio, bem como

consolidando informações para suporte à elaboração de relatórios para publicação. Além

disso, a área de sustentabilidade é responsável pela gestão daqueles stakeholders específicos

de sustentabilidade como por exemplo Ethos, CNI (Confederação Nacional da Indústria) e

FGV (GV-Ces). Com essas parcerias, a empresa tem contanto não somente com as próprias

organizações, mas também com as demais empresas que fazem parte dessas associações,

possibilitando a troca de informações e conhecimento.

A Área de Sustentabilidade estrutura as iniciativas de desenvolvimento sustentável em quatro

categorias:

Comunicação: foco construção de imagem externa de sustentabilidade;

Fornecedores: foco em avaliação, seleção e monitoramento do desempenho de

fornecedores;

Cidadania corporativa: foco em promoção de trabalhos voluntários;

Engajamento de colaboradores: foco nas iniciativas dos Green Teams.

O objetivo de estruturação de Green Teams espalhados pela empresa é promover a

participação daquelas pessoas que já têm pré-disposição e motivação para se envolver com o

assunto a montar grupos de trabalho para planejar e implementar ações de sustentabilidade

que tenham intersecção com suas tarefas diárias. Dessa forma, a empresa busca motivar as

pessoas, dando autonomia para levar adiante atividades que promovam a sustentabilidade,

bem como promover o trabalho em equipes multidisciplinares. Por exemplo, na fábrica em

Manaus, as pessoas se engajaram no tema ecoeficiência promovendo ações contínuas de

redução do consumo de energia e matéria prima no processo produtivo e nas instalações

fabris. Além disso, promovem-se palestras e reuniões de discussão para contribuir para o

conhecimento das pessoas e identificar pontos de melhoria.

De certa forma, essas iniciativas de sustentabilidade apontadas pela empresa sempre

estiveram presente no cotidiano da organização, já que sua cultura organizacional proporciona

condições para esse quadro. Porém, com a estruturação da Área de Sustentabilidade, a

empresa está sendo capaz de compilar e consolidas dados que estavam até então dispersos nas

diversas unidades de negócios da empresa.

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Quadro 2. Principais características da empresa de tecnologia estudada.

4.2. Indicadores de sustentabilidade

Os indicadores gerais de sustentabilidade da empresa estão sendo implementados em duas

ondas. A primeira é de início imediato e outra para o curto/médio prazo, com o objetivo final

de obter reconhecimento perante o mercado, construindo uma imagem de empresa

diferenciada em termos de sustentabilidade. Nesse contexto, a empresa sente dificuldade tanto

para definir os indicadores em si quanto para apurar dados razoáveis para essas métricas. A

empresa está coletando de forma sistemática, pela primeira vez, dados relativos aos impactos

socioambientais de suas atividades, ou seja, muitos desses dados não estão disponíveis de

forma adequada ou estão desestruturados. Além disso, dada a abrangência da empresa, há a

dificuldade de coleta e consolidação de todas as iniciativas que possam ser consideradas

iniciativas de sustentabilidade. A segunda onda, prevista para os próximos anos, deverá conter

indicadores mais adequados e precisos para avaliar a sustentabilidade na empresa, já que

poderá contar com lições aprendidas na primeira onda, bem como avanços acadêmicos.

Em paralelo à definição de indicadores para metas internas, a empresa utiliza também

indicadores com base dos relatórios GRI (nível C) para elaborar seus relatórios. Incorporados

ao relatório referente à saúde financeira da empresa desde 2010, determinados indicadores de

sustentabilidade do GRI complementam o relatório formal da organização perante a sociedade

(ver Quadro 3). Os indicadores propostos pelo GRI são úteis na padronização dos indicadores

divulgados pelas empresas dispersas no mercado, bem como contribuem diretamente no

processo de acúmulo de conhecimento e consequente aprendizagem e amadurecimento da

área de sustentabilidade.

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Categoria Código Descrição

EC2Implicações financeiras e outros riscos e oportunidades para as atividades da

organização devido a mudanças climáticas

EC3Cobertura das obrigações do plano de pensão de benefício oferecido pela

organização

EC7Procedimentos para contratação local e proporção de membros de alta gerência

recrutados na comunidade local em unidades operacionais importantes

EN21 Descarte total de água, por qualidade e destinação

EN22 Peso total de resíduos, por tipo e método de disposição

EN26Iniciativas para mitigar os impactos ambientais se produtos e serviços e a extensão

da redução desses impactos

LA1 Total de trabalhadores, por tipo de emprego, contrato de trabalho e região

LA4 Percentual de empregados abrangido por acordos de negociação coletiva

LA7Taxas de lesões, doenças ocupacionais, dias perdidos, absenteísmo e óbitos

relacionados ao trabalho por região

LA8

Programas de educação, treinamento, aconselhamento, prevenção e controle de

risco em andamento para dar assistência a empregados, seus familiares ou

membros da comunidade com relação a doenças graves

LA10Média de horas de treinamento por ano, por funcionário, discriminado por categoria

funcional

LA12Percentual de empregados que recebem regularmente análises de desempenho e

desenvolvimento de carreira

SO1Natureza, escopo e eficácia de quaisquer programas e práticas para avaliar e gerir os

impactos das operações nas comunidades, incluindo entrada, operação e saída

SO3Percentual de empregados treinados nas políticas e procedimentos anticorrupção

da organização

SO4 Medidas tomadas em resposta a casos de corrupção

PR1

Fases do ciclo de vida de produtos e serviços em que os impactos na saúde e

segurança são avaliados visando à melhoria, e o percentual de produtos e serviços

sujeitos a esse procedimento

PR3Tipo de informação sobre produtos e serviços exigida por procedimentos de

rotulagem, e o percentual de produtos e serviços sujeitos a tais exigências

PR5Práticas relacionadas à satisfação do cliente, incluindo resultados de pesquisa que

medem essa satisfação

Performance

econômica

Performance

ambiental

Práticas

trabalhistas

Sociedade

Responsabilidade

sobre produtos e

serviços

Quadro 3. Indicadores presentes do relatório baseado no GRI.

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5. Discussão dos resultados

Dado que a empresa tem direcionamentos claros e formais da matriz da Alemanha de avançar

na implantações de direcionamentos de desenvolvimento sustentável, podem ser notadas

evidências concretas de que iniciativas nesse sentido estão sendo conduzidas. Uma delas é a

introdução de indicadores de sustentabilidade no seu relatório anual desde 2010. Os

indicadores do GRI usados pelo estudo de caso estão, em número, aproximadamente

balanceados. Isso porque, com exceção da categoria de "Direitos Humanos", cada categoria

está representada por pelo menos três indicadores. O relatório teve então a seguinte

distribuição:

Performance econômica: 3 indicadores

Performance ambiental: 3 indicadores

Práticas trabalhistas: 6 indicadores

Sociedade: 3 indicadores

Responsabilidade sobre produtos e serviços: 3 indicadores

Vale ressaltar que esses indicadores usados na empresa podem de fato oferecer um panorama

geral do cenário da organização, buscando avaliar aspectos relacionados aos pilares do triple

bottom line. Porém, é possível observar também que esses indicadores não são exaustivos, já

que a identificação de todos os indicadores necessários é uma tarefa bastante complexa tanto

para a empresa quanto para academia. Além disso, no relatório em que esses indicadores

foram publicados não há a discussão da interligação entre o desempenho de cada um deles

para evidenciar a complexa relação de trade-off sob a qual estão submetidos.

Apesar dos direcionamento de indicadores do GRI serem de grande utilidade, a empresa

busca também desenvolver seus próprios indicadores para garantir sua aderência às

prioridades e à realidade da empresa. A organização enfrenta a dificuldade, porém, de avançar

na discussão de definição de indicadores adequados, que representem de forma razoável a

realidade do negócio. Além disso, há o desafio da coleta dos dados, já que eles estão dispersos

em diversas áreas de negócio e nos variados projetos.

6. Conclusões

A discussão sobre indicadores de desempenho já vem sendo bastante discutido pela literatura

(como por exemplo NEELY, 1998; KAPLAN; NORTON, 1992; KENNERLY e NEELY,

2002). Porém, essa discussão tem foco principal na saúde financeira da empresa, já que esse

parâmetro é de grande importância para fundamentar a tomada de decisão e garantir a

perpetuidade da organização.

Nesse sentido, a preocupação com desenvolvimento sustentável de uma organização vem

sendo discutida no sentido de melhorar o desempenho da empresa, considerando não somente

seus resultados financeiros, como também os impactos socioambientais de seus produtos e

processos. Nesse contexto, o estudo da empresa discutida neste artigo teve foco principal

identificar os indicadores de desempenho monitorados pela organização que estejam

alinhados ao desenvolvimento sustentável.

Vale ressaltar que a implantação de uma série de indicadores de sustentabilidade não torna a

empresa uma organização com desenvolvimento sustentável. O mesmo vale para o fato de

que mesmo que uma empresa não possua indicadores de desempenho de sustentabilidade não

significa automaticamente que ela não seja sustentável. Isso porque iniciativas voltadas a

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impactos socioambientais podem estar presentes na empresa, mesmo que não exista

formalmente uma área de sustentabilidade. A relevância, porém, desses indicadores está na

ideia de que ao monitorar de forma sistemática determinados impactos que antes não eram

evidenciados, a organização passa a compilar dados que servirão como base para propor

melhorias de processos e tomar decisões mais alinhadas ao desenvolvimento sustentável.

Apesar da limitação da particularidade do caso único, que dificulta a generalização dos

resultados, pode-se concluir que a existência de sugestões de indicadores não é suficiente para

monitorar o desenvolvimento sustentável de uma empresa. Isso porque o tema é bastante

complexo, exigindo uma análise cruzada, focada nos tradeoffs entre esses indicadores. A

visão complexa da interrelação entre indicadores de desempenho voltados para

sustentabilidade é um tema bastante complexo, podendo ser considerado como potencial

lacuna de conhecimento para próximos estudos.

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Referências

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manufatura, considerando parâmetros de sustentabilidade. Escola de Engenharia de

Produção de São Carlos – Universidade de São Paulo. Tese de Doutorado, 2010.

BAINES et al. State of the art in product service systems. Journal of Engineering

Manutacture. v. 221, n. 10, p. 1543-1552, 2007.

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http://www.un-documents.net/a42r187.htm. Acessado em: 06/04/2012. Publicado em

Dezembro, 1987.

ELKINGTION, J. Cannibals with Forks: The Triple Bottom Line of 21st Century Business.

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