aplicaÇÃo-teste da medida de atitude À Área de

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APLICAÇÃO-TESTE DA MEDIDA DE ATITUDE À ÁREA DE ATUAÇÃO DE UM CENTRO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, BRASIL Solange L'Abbate * Márcia Faria Westphal ** RSPUB9/451 L'ABBATE, S. & WESTPHAL, M. F. Aplicação-teste da medida de atitude à área de atuação de um centro de saúde do Município de São Paulo, Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 13:69-79, 1979. RESUMO: Foi estudada a atitude em relação a um centro de saúde, em amostra da população residente em dois bairros centrais do Município de São Paulo (Brasil), utilizando-se questionamento indireto uma escala de atitudes construída pelo método Thurstone & Chave. Após aplicação de testes de fide- dignidade e depuração, a escala original de 55 itens pôde ser reduzida a uma escala de 24 itens, que poderá ser aplicada a outros estudos. As afirmações da escala cobriram 4 áreas de conteúdo consideradas essenciais para definição conceitual da atitude em relação a centro de saúde: relação médico-paciente; relação pessoal para-médico e auxiliar-paciente; eficiência dos serviços prestados; e ambiente físico e social. UNITERMOS: Atitude em relação à saúde. Centro de saúde, clientela. Pes- quisa sócio-psicológica. Educação em saúde pública. * Do Serviço de Educação de Saúde Pública do Instituto de Saúde — Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 188, 6 o andar 05403 — São Paulo, SP — Brasil. ** Da Divisão de Educação em Saúde do Instituto da Criança-Hospital das Clínicas da Facul- dade de Medicina da USP — Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar S/N — 05403 — São Paulo, SP — Brasil. l. INTRODUÇÃO Os especialistas em educação em saúde vêm mostrando crescente interesse por pes- quisas sócio-psicológicas que estabeleçam, com maior clareza, a relação saúde-compor- tamento humano e forneçam dados para o planejamento das ações educativas. Com freqüência, os profissionais da saúde deparam-se com problemas decorrentes do comportamento da clientela em relação aos serviços prestados. Quando educadores e sociólogos tentam colaborar para a aproxi- mação daqueles que oferecem os serviços de saúde e seus beneficiários, sentem falta de instrumental e de dados para equacionar o problema e estabelecer uma linha de base para o trabalho. Recentemente, tem-se pensado em consul- tar os beneficiários, a respeito dos seus sentimentos em relação à assistência médica recebida, especialmente das unidades sani- tárias pertencentes às redes estadual e municipal. Tanto o questionamento direto como o indireto têm sido experimentados para obter informações sobre atitudes da população acerca do atendimento recebido. Os problemas com o questionamento direto têm sido de duas ordens: os entrevistados tendem a responder de maneira estereoti-

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APLICAÇÃO-TESTE DA MEDIDA DE ATITUDE À ÁREA DEATUAÇÃO DE UM CENTRO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE

SÃO PAULO, BRASIL

Solange L'Abbate *Márcia Faria Westphal **

RSPUB9/451

L'ABBATE, S. & WESTPHAL, M. F. Aplicação-teste da medida de atitude à área deatuação de um centro de saúde do Município de São Paulo, Brasil. Rev.Saúde públ., S. Paulo, 13:69-79, 1979.

RESUMO: Foi estudada a atitude em relação a um centro de saúde, emamostra da população residente em dois bairros centrais do Município de SãoPaulo (Brasil), utilizando-se questionamento indireto — uma escala de atitudesconstruída pelo método Thurstone & Chave. Após aplicação de testes de f i d e -dignidade e depuração, a escala original de 55 itens pôde ser reduzida a umaescala de 24 itens, que poderá ser aplicada a outros estudos. As afirmaçõesda escala cobriram 4 áreas de conteúdo consideradas essenciais para definiçãoconceitual da atitude em relação a centro de saúde: relação médico-paciente;relação pessoal para-médico e auxiliar-paciente; eficiência dos serviços prestados;e ambiente físico e social.

U N I T E R M O S : Atitude em relação à saúde. Centro de saúde, clientela. Pes-quisa sócio-psicológica. Educação em saúde pública.

* Do Serviço de Educação de Saúde Pública do Instituto de Saúde — Av. Dr. Enéas Carvalhode Aguiar, 188, 6o andar — 05403 — São Paulo, SP — Brasil.

** Da Divisão de Educação em Saúde do Instituto da Criança-Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina da USP — Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar S/N — 05403 — São Paulo,SP — Brasil.

l . I N T R O D U Ç Ã O

Os especialistas em educação em saúdevêm mostrando crescente interesse por pes-quisas sócio-psicológicas que estabeleçam,com maior clareza, a relação saúde-compor-tamento humano e forneçam dados para oplanejamento das ações educativas.

Com freqüência, os profissionais da saúdedeparam-se com problemas decorrentes docomportamento da clientela em relação aosserviços prestados. Quando educadores esociólogos tentam colaborar para a aproxi-mação daqueles que oferecem os serviçosde saúde e seus beneficiários, sentem faltade instrumental e de dados para equacionar

o problema e estabelecer uma l inha de basepara o trabalho.

Recentemente, tem-se pensado em consul-tar os beneficiários, a respeito dos seussentimentos em relação à assistência médicarecebida, especialmente das unidades sani-tárias pertencentes às redes estadual emunicipal. Tanto o questionamento diretocomo o indireto têm sido experimentadospara obter informações sobre atitudes dapopulação acerca do atendimento recebido.Os problemas com o questionamento diretotêm sido de duas ordens: os entrevistadostendem a responder de maneira estereoti-

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pada e poucas vezes expressam atitudesnegativas; questões diretas nem semprepermitem saber do grau de aceitação emvista ao objeto de estudo.

Para resolver este problema, vários estu-diosos do comportamento humano vêmdesenvolvendo técnicas de questionamentoindireto, dentre as quais, escalas para mediratitude.

Este relato pretende descrever resultadosobtidos na pr imei ra fase da construção deuma escala de questionamento indireto,através do teste da mesma com a popula-ção da área atendida pelo Centro de SaúdeExperimental — CSE da Barra Funda. Aescolha desta área deveu-se a interesse dadireção deste Centro de Saúde em conhecero conceito da população sobre o atendimen-to prestado pela equipe da refer ida unidade.O planejamento e a execução do trabalhoficaram a cargo de: sociólogos do Serviçode Educação de Saúde Pública; médico-che-fe, educadora e médicos-residentes do CSEda Barra Funda; alunos da Escola deSociologia e Política, da Faculdade de Ciên-cias Médicas da Santa Casa e das Facul-dades de Psicologia e Ciências Sociais daPontif íc ia Universidade Católica de SãoPaulo*.

este pessoal e ao ambiente físico e socialdo centro de saúde.

Apesar do conceito ser considerado, emprincípio, unidimensional , separou-se emáreas de conteúdo para faci l i tar a constru-ção do instrumento de medida e a análise.As áreas selecionadas foram quatro:

— Ati tude em relação aos médicos, in-c lu indo problemas ligados ao relacionamentoentre médicos e a clientela do centro desaúde.

— Atitude em relação ao pessoal para-médico e auxi l iar , inc lu indo problemas liga-dos a relacionamento humano entre funcio-nários não médicos do centro de saúde ea clientela.

— Atitude em relação à qualidade dosserviços prestados pelo centro de saúde,incluindo problemas ligados à competênciaprofissional dos médicos nas consultas eef ic iênc ia dos outros serviços oferecidospelo centro de saúde à população.

— Atitude em relação ao ambiente físicoe social do centro de saúde, incluindo pro-blemas ligados às instalações do centro desaúde e ao público que costuma freqüen-tá-lo.

2 . 2 . Atitude medida através de uma escala

2. PROCEDIMENTO E METODOLOGIA

2 . 1 . Conceituação

A definição nominal de atitude é essen-cial para início de qualquer trabalhode mensuração. A bibliografia consulta-da 1,3,5,15,21,30 revelou que o conceito deatitude em relação à saúde, embora abran-gente, pode se refer i r a situações específi-cas. Com referência a centro de saúdedefiniu-se ati tude como um conjunto derelações afetivas e avaliativas da populaçãoligada ao pessoal médico e auxiliar docentro de saúde, aos serviços prestados por

Têm-se feito muitos esforços visando adesenvolver métodos para a mensuração deatitudes. Uma das técnicas mais elabora-das é a que se baseia em escalas consti-tuídas por afirmações-estímulos, às quais oentrevistado deve responder. Mesmo emrelação a escalas, têm-se utilizado aborda-gens diferentes, sendo mais conhecidas astécnicas de construção de escalas de Thurs-tone ou dos "intervalos equi-aparenciais", deLikert ou da "soma das avaliações", e deGuttman ou "análise de escalograma"13,27.

Foi escolhido o "método Thurstone" oudos "intervalos equi-aparenciais"8,25 ,27 paraconstrução do instrumento, em vista das

* Os autores descreveram detalhadamente os resultados desta fase do trabalho num relatóriopreliminar16 .

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características do problema e da populaçãoa que se destina a escala. Sendo a clientelados centros de saúde em geral, de nívelsócio-econômico e escolaridade baixos4 ,possivelmente só responderá a estímulossimples, de forma também simples, como ométodo propicia (resposta "sim" ou "não").

O método dos "intervalos equi-aparen-ciais" requer o desenvolvimento de grandenúmero de itens ou afirmações expressandovários graus de favorabilidade ou desfavo-rabilidade em relação ao objeto de estudo28.Estas afirmações são, então, submetidas aum ou mais grupos de "juízes" que devemopinar sobre cada uma delas, classificando-as em números e categorias segundo valo-res que julguem expressar em relação acentro de saúde, objeto de estudo. Paracada afirmação calcula-se um escore médioe estima-se a variância, que refletirá oconsenso das avaliações dos "juízes" emrelação a cada uma; as que não tiveremalto consenso são descartadas e as restan-tes, ponderadas conforme o escore médiocalculado e aplicadas à população de estudo.Os entrevistados deverão assinalar os itenscom os quais estiverem de acordo, rece-bendo um escore total, resultante da somados pontos das afirmações com as quaisconcordaram 11. Este escore total indicaráo conceito de cada um em relação ao objetode estudo.

A construção da escala foi objeto deestudo de Westphal29, que limitou seustestes aos preconizados por Thurstone.Depois de construído o instrumento é neces-sário verificar a sua validade, isto é, semede o que se pretende e se tem fidedigni-dade, ou se quando aplicado à mesmaamostra produz consistentemente os mesmosresultados. Os testes de validade e fide-dignidade requerem investigação empírica,pois o uso de lógica simplesmente não temdemonstrado ser eficiente, apesar do testeempírico dificilmente constatar validade efidedignidade perfeitas 19,20.

O teste de validade pode ser feito atra-vés de várias técnicas — correlação comcritérios, análise de ítem e análise fato-

rial 12,20 — cada uma delas adequada aotipo de validade que se quer analisar. Afidedignidade pode ser examinada atravésde técnicas denominadas teste-reteste, for-mas alternadas, duas metades ou equiva-lência que objetivam verificar se a escalaforma um todo consistente ou se apresentaimprecisões internas 20. A análise da vali-dade e fidedignidade foi realizada nestetrabalho através de dados obtidos em pes-quisa empírica.

Para testar a validade, optou-se por umesquema geral de pesquisa capaz de anali-sar o instrumento a partir de certos crité-rios, que os autores consideram associadosà atitude em relação à assistência médicaem geral 2,11,17,21,22,26. Procurou-se verificara relação entre distância do local de resi-dência ao centro de saúde, tempo de resi-dência na área, conhecimento, matrícula,experiência e utilização do centro de saúdee nível sócio-econômico, com a variável de-pendente: atitude em relação a centro desaúde16. Para testar a fidedignidade,dividiu-se a escala em duas metades visan-do a utilização do método de formas para-lelas. Foram separadas as afirmações damesma área de conteúdo e mesmo escorepara formar dois subconjuntos de afirma-ções com escores comparáveis. Pretendeu-se, assim, calcular a correlação entre asduas formas através de um coeficiente es-pecífico.

O principal objetivo do trabalho, contudo,foi o de proceder à depuração f inal da esca-la, através de estudo empírico. Assim,testaram-se 55 afirmações, ao final revistas,utilizando-se critérios propostos por Hulka,no sentido de descartar os itens na ocor-rência de uma das seguintes situações: oentrevistado não compreender o significadoda afirmação ou de alguma palavra espe-cífica; haver 100% de concordância ou dis-cordância com a afirmação e/ou dois oumais entrevistados recusarem-se ou senti-rem-se incapazes de responder à afirma-ção 14.

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Pretende-se que o ins t rumento assimdefinido possa ser aplicado a outros es-tudos.

2 .3 . Amostra

2 . 3 . 1 . Universo de estudo

O universo de estudo foi consti tuído portodos os moradores da área de atendimentodo CSE da Barra Funda — subdistritosda Barra Funda e Bom Retiro, com umapopulação residente em 1970 de 55.368 ha-bitantes, sendo 25.606 do Bom Retiro e28.762 da Barra F u n d a 9 . Trata-se de umaárea essencialmente urbana, em que asfunções residenciais, comerciais e industriaisse entrelaçam. Apresenta três regiões dis-tintas no que se refere a ut i l ização, t ipode atividade econômica e características po-pu lac iona i s 16.

2 . 3 . 2 . Unidade de estudo

A unidade de estudo foi a f amí l i a , def i -nida como grupo de pessoas unidas porlaços de parentesco, que residem no mes-mo domicí l io e consti tuem um único orça-mento doméstico.

2 . 3 . 3 . Instrumento de coleta de dados

Foi u t i l i zado um f o r m u l á r i o , previamentetestado, aplicado por grupo de estudantesde medic ina , de ciências sociais e de psi-cologia 16. A in formante foi, de preferência,a mãe de famí l ia , em geral, a pessoa res-ponsável pelos cuidados com a saúde dosfami l i a res .

2 . 3 . 4 . Procedimento amostral

A amostra foi s is temática e probabi l ís t ica ,extraída a pa r t i r do total de domicílios daárea de pesquisa, por meio das seguintesetapas:

a) Mapeamento geral dos prédios daárea em estudo, segundo censo realizadopelo CSE da Barra Funda *.

b) Contagem dos domicílios de todas asquadras, perfazendo um total de 13.613.

c) Cálculo do tamanho da amostra, de-l imitado com 95% de confiança para desviode 0,06 das proporções a serem estimadas,supondo-se uma variância máxima, ou seja,supondo que seus verdadeiros valores sejam0,57. A correção para população f in i ta euma margem prevista de 10% dos casosde recusa del imitaram o total da amostraem 290 unidades.

d) Sorteio dos domic í l ios : após o agru-pamento das quadras por quantidade dedomicíl ios, procedeu-se à sua divisão pro-porcional em cada agrupamento, levandoem conta o tamanho total da amostra econsiderando um intervalo amostral paracada grupo de quadras. De acordo comestas, os domicílios foram numerados sem-pre no mesmo sentido e sorteados segundoo i n t e r v a l o 1 6 .

2 . 3 . 5 . Operacionalização da variáveldependente

Foi medida por uma escala de 55 itensdiv id idos em duas metades, operacionaliza-da, conforme já mencionado, segundo o"método Thurstone" dos "intervalos equi-aparenciais"27 . Para a construção inicialda escala2 9 , fo ram elaboradas 207 afirma-ções representando as quatro áreas de con-teúdo e os diferentes graus da ati tude amensurar . As af i rmações foram submetidasa quatro grupo de "juízes": educadores desaúde públ ica , sociólogos da área de saúde,médicos e enfermeiras . Cada " juiz" clas-sif icou as af i rmações em onze pontos deum "cont inuum" de favorab i l idade à desfa-vorabilidade.

Os valores de todos os "juízes" f o r a magrupados em um valor escalar geral obtido

* Censo realizado em 1968 pelos alunos da Facu ldade de Ciências Médicas da Santa Casa deSão Paulo.

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para cada afirmação; calculou-se a mediana(S) e o desvio (Q) e o índice de ambigüi-dade. A cada ítem atribuiu-se escore deum a onze conforme sua posição no "con-tinuum". As 55 afirmações f inais foramselecionadas a partir de 3 critérios: áreade conteúdo, valor escalar e índice de ambi-güidade. Foram escolhidos, aproximada-mente, 5 para cada valor escalar (valor 5),doze a cada área de conteúdo, sendo estesos itens de menor ambigüidade (menor va-

lor Q)30.

Na aplicação da escala à população, oresultado de cada indivíduo será igual àmedida dos valores atribuídos aos itens comos quais ele concorda, categorizada segundoo escore f inal obtido:

3. RESULTADOS

3.1. Características gerais das famíliaspesquisadas

Foram amostrados 290 domicílios, tendo-se aplicado 256 formulários, corresponden-do a uma perda de 11,7%. Na maioriadas vezes, a mãe de família foi a pessoaentrevistada. Os dados obtidos, cuja sín-tese é apresentada a seguir, permitiram, demodo geral, caracterizar a população.

Com relação ao local de residência, 55,5%das famílias residem no subdistrito daBarra Funda e 44,5% no Bom Retiro. Na

Barra Funda, as famílias distribuíram-seproporcionalmente pelos 7 setores nos quaisestá dividido o bairro, segundo as ativi-dades de visitação domiciliar do CSE daBarra Funda, incluindo a favela "Ordem e

Progresso".

O número médio de pessoas por famíl iaé de 3,6. São famílias menores do que afamília média encontrada em outras pes-quisas realizadas na cidade de São Paulo6 .Considerando o total de 927 pessoas per-tencentes às famílias da amostra, 35,8%possuíam idade superior a 40 anos e 13,2%mais de 60 anos. Além disso, em 54,3%das famílias pesquisadas não havia criançasmenores de 14 anos. Trata-se de umapopulação predominantemente adulta evelha, o que parece ser característico daszonas antigas da cidade de São Paulo, casodos bairros estudados.

As características sócio-econômicas dapopulação pesquisada, segundo as variáveisrenda famil iar , escolaridade e ocupação dochefe de família revelaram: quanto à renda,70% das famílias contam com uma rendamensal superior a 8 salários mínimos, edos restantes 30%, 5% recebem de l a 2salários mínimos, 14% de 3 a 5 e 11%de 6 a 7*. Em relação ao nível de esco-laridade, 20% dos chefes de família sãoanalfabetos ou semi-alfabetizados, 32%possuem primário completo e os restantes48% possuem instrução acima da primária.Finalmente, quanto à variável ocupação,analisada segundo a escala utilizada porGouveia 10, predominam as ocupações "nãomanuais de rotina e assemelhadas" e "po-sições mais baixas de supervisão ou ins-

* O salário mínimo vigente na época da pesquisa de campo — 1974 — era de Cr$ 376,00 (aproxi-madamente US$ 16.00) para São Paulo.

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peção e pequenos proprietários", uma vezque 46% dos chefes de f amí l i a se encon-travam nesses casos. Dos restantes, cercade 10% têm profissões l iberais , 12% ocu-pações manuais não especializadas e 32%ocupações manuais especializadas e super-visão de trabalho manua l .

Em relação à cober tura p rev idenc iá r i aem saúde, verificou-se que 80% das famí-lias têm direi to aos benefíc ios do Ins t i tu toNacional de Previdência Social ( I N P S ) e,deste total, cerca de 35% estão f i l i a d a stambém a serviços de assistência médicade tipo privado. Ver i f icou-se que 11% dasfamí l ias não têm direito a nenhum serviçopúbl ico ou privado de assistência médica.

Quanto à u t i l ização efe t iva da assistênciaà saúde, observou-se grande procura domédico par t icular , paralelamente ao uso dosserviços of ic ia is de saúde, uma vez que 32%das famíl ias a f i rmaram recorrer àqueleprofissional , sobretudo para problemas desaúde das crianças. Finalmente, quanto aoCSE da Barra Funda, inst i tuição em relaçãoà qual interessava medir a atitude, ve r i f i cou -se que 43 famí l ias , ou seja, 17% do totalda amostra eram matr iculadas na refer idaunidade sanitária. Essas famí l ias u t i l i z amo centro de saúde prat icamente para todosos seus membros, embora com maior inten-sidade para os menores de 14 anos 1 6 .

3 . 2 . Atitude em relação ao CSE da BarraFunda

A ati tude da população entrevis tada emrelação ao CSE da Barra Funda d i s t r i b u i u -se em favorável e desfavorável, ou seja, aavaliação que a população fez da unidadesanitária não assumiu posições extremas defavorab i l idade ou desfavorabil idade. Amaioria dos entrevistados avaliou positiva-mente o Centro de Saúde, como pode servisto na Tabela 1.

Como foi d e f i n i d o na metodologia, aescala para medir at i tude considerava 4dimensões desta variável. Procurando man-

ter a mesma quan t i dade de itens em cadadimensão e uma dis t r ibuição semelhantedos valores escalares de cada ítem, paracobr i r todo o "cont inuum" de 11 pontos,como exige o t ipo de ins t rumento apli-cado 27, a escala foi d iv id ida em duas me-tades. Na verdade, construíram-se duasescalas, uma com 27 e outra com 28 itens.Desta fo rma , cada entrevistado respondeuà metade da escala.

Para se ter idéia mais precisa do que apopulação pensava a respeito de cada di-mensão, f izeram-se tabulações separadasdos itens que consti tuem cada uma dessasdimensões, sem levar em consideração adivisão da escala.

Como a var iáve l conhec imento em rela-ção ao CSE da Barra Funda foi a queapresentou correlação mais alta com atitu-de 16, fez-se a tabulação separada dos cementrevistados que a f i rmaram conhecer o CSEda Barra Funda e comparou-se com o totalda amostra — 256.

Em cada dimensão ordenaram-se os itensdo menor para o maior valor escalar. Osentrevistados que concordavam com asaf i rmações de menor valor escalar são osmais favoráve is ; e vice-versa, os que con-cordavam com os itens de maior valor es-calar são os mais desfavoráveis. Os valoresescalares variavam de 1,13 a 10,93 16.

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Em geral, nas quatro dimensões conside-radas, as percentagens dos que têm atitudefavorável ao CSE da Barra Funda forammaiores entre os entrevistados que conhe-ciam a unidade sanitária. Observou-se aindaque as percentagens decrescem do favorá-vel para o desfavorável nos dois grupos deentrevistados, apenas sendo o decréscimomaior dentre aqueles que conheciam o CSE.Observou-se ainda menor proporção de en-trevistados que responderam "não sabe"entre os que conheciam o CSE.

3.3. Depuração dos itens da escala

Após desenvolver a análise em separadoda at i tude de todos os entrevistados e dogrupo que conhecia o CSE da Barra Funda,procedeu-se à depuração dos itens, consi-derando apenas o último grupo, eliminandoas afirmações às quais no mínimo duaspessoas não conseguiram responder, segun-do a orientação de Hulka 14, conforme des-crita na metodologia.

A escala definitiva passou a se constituirde 24 afirmações, que cobrem todo o "con-t inuum" embora desigualmente: encontram-se em maior número nos pontos extremose em menor nos pontos intermediários. Asáreas de conteúdo também foram cobertasdesigualmente. Estes resultados podem servistos na Tabela 2.

4. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES

De maneira geral, esperava-se que osentrevistados, ao emitirem sua opiniãosobre os médicos, funcionários, serviços eambiente do CSE da Barra Funda, tomas-sem por base uma imagem generalizada arespeito das unidades sanitárias da Secre-taria da Saúde. No entanto, foi muito difí-

cil ao entrevistado manifes tar sua at i tude

quando não possuia nenhuma experiência

em relação ao objeto específico de análise.

Este fato e mais a associação encontrada

entre conhecimento do CSE da Barra Funda

e atitude, levaram os autores a conc lu i r

ter a escala d i sc r iminado melhor a ati tude

entre aqueles que já haviam tido algum

contato com o Centro de Saúde. Assim,

aplicações da escala def ini t iva com outras

populações semelhantes àquela aqui estu-

dada, deverão ser feitas apenas entre pes-

soas com algum contato com a unidade

sanitária que se quiser analisar.

A grande percentagem dos entrevistados

com atitude favorável e a ausência de res-

postas com acentuada desfavorabilidade,

devem-se, provavelmente, ao fato de que

os entrevistados, ao avaliarem o CSE da

Barra Funda, tomaram como referênciauma unidade sanitária diferente dos demaisCS da rede da Secretaria da Saúde. Porse tratar de um centro de saúde-escola,possui mais recursos — sobretudo humanos— uma equipe mais integrada, preocupadaem organizar uma Agência de Saúde queseja também campo de experiência práticapara futuros médicos18. Por tudo isto,trabalha mais organizadamente com a po-pulação (realização de censos, trabalho co-munitário e visitação domiciliar intensa,sobretudo na favela). O próprio ambientefísico é mais agradável, por se tratar deprédio construído especificamente para serunidade sanitária. Além disso, os entre-vistados da área de pesquisa poderiamtambém estar tomando como referênciapara sua avaliação, o CS-I Santa Cecília,localizado no centro do Bairro da BarraFunda, que por se tratar de um Centro deSaúde de tipo I*, possui instalações ade-

* Portarias no 8 e 13 de 1972 da Secretaria de Estado da Saúde de S. Paulo, que definem ostipos de CS segundo população da área e determina o pessoal mínimo dos CS e suas atribui-ções 2 3 , 2 4 .

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quadas e várias especialidades para aten-der à clientela. Provavelmente, a mesmaescala aplicada em alguma população deunidade sanitária com menos recursos nãoteria os mesmos resultados.

É possível que o fato do objeto, emrelação ao qual os entrevistados manifes-taram sua atitude, ser bastante específico,e o nível de instrução da maioria da popu-lação ser relativamente baixo, tenham con-tr ibuído para dif icultar a compreensão dositens que deveriam ser respondidos. Por

isso, consideramos o instrumento utilizadoneste trabalho para medir atitude, maisapropriado ao estudo das avaliações a res-peito de aspectos globais da vida dos indi-víduos.

Consideramos que um aspecto válido dotrabalho foi revelar que a clientela do CSEda Barra Funda avalia positivamente osserviços prestados pela unidade sanitária,constatação importante para a equipe coor-denadora das atividades do centro de saúde.

Outro aspecto importante a assinalar éo fato de profissionais de diferentes forma-ções e de estudantes trabalhando em con-junto na realização de uma pesquisa naárea da educação em saúde, ter se mos-trado uma experiência valiosa tanto pelainteração que se estabelece, como tambémpela riqueza de análise que o trabalho ad-quire.

No caso da aplicação da escala em outraspopulações, seria necessário testar a fide-dignidade e a validade do instrumento20,o que não foi conseguido totalmente nestecaso, devido à falta de recursos. Apesar

disso, consideramos o critério utilizado paradepurar os itens eficientes para os objetivosdesta investigação.

Finalmente, deve-se assinalar que, demaneira geral, consideramos válido o tra-balho como ponto de partida para outrosestudos que se queiram fazer dentro daperspectiva colocada: medir de forma indi-reta a avaliação que determinada populaçãofaz da unidade sanitária por ela utilizada,ou que poderá utilizar. No entanto, desdeque a atitude em relação a centro de saúdedeva ser parte do conjunto das percepçõesque o indivíduo possui a respeito do pró-prio conceito de saúde, os autores sugerem,para outra aplicação da escala, a inclusãode questões abertas que permitam ao entre-vistado expressar-se livremente acerca da-quilo que pensa e sente em relação aoestado de saúde, ao atendimento prestadopelos Serviços de Saúde e em relação ao

profissional de saúde.

AGRADECIMENTOS

Aos doutores Otávio Azevedo Mercadan-te e José Martins de Barros pelo apoioadministrativo e sugestões apresentadas; aoprofessor Jair Lício Ferreira Santos, pelaassessoria estatística; a Fernão Dias deLima pela programação e computação dosdados; aos funcionários do CSE da BarraFunda pelo fornecimento das informaçõesnecessárias ao presente estudo e ao grupode estudantes de sociologia e política, me-dicina, ciências sociais e psicologia pelacolaboração no trabalho de campo e tabu-lação dos dados.

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L'ABBATE, S. & WESTPHAL, M. F. [Application of a test to measure the attitudeof the local population towards a health center in the citv of S. Paulo(Brazil)] Rev. Saúde públ., S. Paulo, 13:69-79, 1979.

ABSTRACT: A survey of the attitude towards a health center was made amonga sample of inhabitants of two districts of S. Paulo city (Brazil). IndirectQuestioning was carried out using an attitude scale created after Thurstone &Chave. Reliability tests made it possible to reduce the original scale from 55to 24 items which can eventually be utilized in further surveys. The statementsof the scale comprised 4 areas considered to be basic for the conceptual definitionof attitudes regarding a health center: relationship between physician andpatient; relationship between non-medical staff and patient; efficiency of servicesprovided; and the physical and social milieu.

U N I T E R M S : Attitude to health. Community health services, clientele. Research,psycho-social. Health education.

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Recebido para publicação em 06/02/1979

Aprovado para publicação em 22/03/1979

* Disponível no Serviço de Educação de Saúde Pública do Instituto de Saúde. Av. Dr. EnéasCarvalho de Aguiar, 188, 6o andar - 05403 - São Paulo, SP - Brasil.