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1 Apenas um Desejo Janette Rallison Revisão inicial: Alcioni Revisão final: Lilith Annika Truman de dezessete anos de idade compreende o poder do pensamento positivo. Com um irmão pequeno com câncer, isso é tudo que sempre ouviu. E com a finalidade de proteger Jeremy e irá até os limites da terra ou pelo menos até a distante Hollywood— para ajudá-lo a sobreviver em sua próxima cirurgia. Mas o plano de Annika para convencer Jeremy de que um gênio mágico poderá atender a qualquer coisa que ele queira, muda um pouco quando de repente ele ambiciona que seu ídolo da televisão o visite. Annika repentinamente encontra-se na desesperada situação de tentar convencer um ator de que venha para casa com ela. Uma coisa difícil, não é?

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Page 1: Apenas um Desejo - visionvox.com.br · distante Hollywood— para ajudá-lo a sobreviver em sua próxima ... a gente passa o livro inteiro torcendo pra que ela consiga o que quer

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Apenas um DesejoJanette Rallison

Revisão inicial: AlcioniRevisão final: Lilith

Annika Truman de dezessete anos de idade compreende opoder do pensamento positivo. Com um irmão pequeno comcâncer, isso é tudo que sempre ouviu. E com a finalidade deproteger Jeremy e irá até os limites da terra ou pelo menos até adistante Hollywood— para ajudá-lo a sobreviver em sua próximacirurgia.

Mas o plano de Annika para convencer Jeremy de que umgênio mágico poderá atender a qualquer coisa que ele queira, mudaum pouco quando de repente ele ambiciona que seu ídolo datelevisão o visite. Annika repentinamente encontra-se nadesesperada situação de tentar convencer um ator de que venhapara casa com ela.

Uma coisa difícil, não é?

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O livro não precisa de muito pra funcionar, é só um daqueles livros cuja história flui de um jeito tão natural

que você nem percebe o tempo passar. Os personagens te cativam desde a primeira página. A Annika

éincrível, exatamente o meu tipo de personagem. Ela é forte edeterminada, mas não deixa de ser humana. Ela

está disposta a fazertudo pra que o plano funcione, não importa quão impossível pareça. Quer dizer,

convencer um ator famoso de Hollywood, que faz a série mais famosa do momento, a visitar o seu irmão

doente sem ganhar um centavo em troca não é exatamente a tarefa mais fácil do mundo né? Mas parece que

isso nem passa pela cabeça dela! Ela simplesmente sabe que tem que fazer isso pelo irmão e nem pensa em

desistir! E por ela ser tão incrível assim, a gente passa o livro inteiro torcendo pra que ela consiga o que quer

finalmente seja feliz.

O Jeremy é o irmão de 6 anos da Annika. Ele tem câncer e é muito fã dasérie Teen Robin Hood, na qual o

Steve, o ator que aparece na história, interpreta o próprio Robin Hood. Quando Annika diz pra o Jeremy que

ela tem um gênio(pra que ele fique feliz e tranqüilo pra fazer a cirurgia) e que ele pode usar um

dos desejos (daí vem o nome do livro) dela, ela espera que ele vá pedir um brinquedo do Robin Hood, mas ele

acaba pedindo pra conhecer o próprio Robin Hood. Aí vira problema né? A Annika fica desesperada pra não

desapontar o irmão e vai atrás do ator pra convencê-lo a visitar seu irmão. E daí se desenrola a história. (Esse

parágrafo foi adicionado pra explicar melhor a história, leiam o que escrevi no final pra entender)

O Jeremy é tão fofo que não dá nem pra descrever. A admiração e o amor que ele tem pela irmã são evidentes

nos diálogos deles e a cada cena em que ele aparece a gente entende na hora porque a Annika quer tanto que

ele fique bem, que ele fique feliz e saudável, e porque ela estádisposta a fazer tudo pra que isso aconteça. O

Steve é o típico galã de Hollywood, mas com o decorrer do livro a gente acaba descobrindo que ele é mais do

que isso, e fica claro porque Annika vai se envolvendo mais e mais com ele.

Esse é o tipo de livro que te faz rir e chorar (e eu chorei MUITO) de um capítulo pra outro. Apesar da história

tem um enredo triste, os personagens não são deprimentes e a comédia aparece em cada página. Depois desse

livro eu virei fã de carteirinha da autora e já quero ler outros livros dela imediatamente. Ela tem uma

narrativa leve, rápida e engraçada, que realmente te prende na história. Eu absolutamenteadorei o final. Acho

que já falei aqui no blog o quanto eu AMO finais, e o quanto eles realmente importam pra mim, mais até do

que o resto da história. E o final desse livro, na minha opinião, foi perfeito!

Resumindo, o livro é lindo, emocionante, engraçado e ensina uma lição maravilhosa sobre o propósito da vida

e amor à família. Eu indico sem medo!

A autora tem um livro publicado no Brasil chamado “Como reconquistar o seu ex-namorado” e ele foi lançado

pela Editora DCL.

Capítulo 1

Ela esperava esta espécie de fila se, digamos, Elvis houvesseretornado da morte para fazer um show. Ou se algum excêntricobilionário estivesse dando de graça carros esportivos paraadolescentes aplicados. Mas não esperava ver esta quantidade degente na escuridão esperando abrir a loja de brinquedos Toys “R”Us1 no dia de Ação de Graças.

O que aconteceu com o antigo uso da procrastinação1? Aparentemente, cada residente de Henderson, havia saído de

casa, e ainda era 4.50 da manhã. Madison fechou sua jaqueta enquanto descia da minivan. —Este é um bom exemplo do comercialismo fora de controle.

1 Procrastinaçaão eé a tendencia das pessoas em deixar tudo para a ué ltima hora

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Não respondi, porque estava muito ocupada correndo atravésdo estacionamento. Além disso, Madison não deveria falar nada:Todo final de ano ganha tantos presentes que fica até o ano novoqueixando-se de como teve que reorganizar seu quarto para colocá-los no lugar certo.

Madison não é somente minha melhor amiga, mas éprovavelmente a única amiga que consegui convencer a despertarnesta hora, para tentar obter uma figura especial do Teen RobinHood para meu irmão de seis anos. Nem eu mesma teria despertadoàs 4.30 da manhã se não fosse tão importante.

Madison cruzou os braços para aquecer-se. Usávamos apenas jaquetas finas porque não esperávamos ter

que esperar muito tempo ao ar livre, porque inclusive no deserto deNevada faz frio às dez para as cinco da manhã. Geralmente Madisonusava o cabelo até os ombros — ela chama a cor de vermelhomorango, mas é mais morango que vermelho — e parecia como senem sequer tivesse que escová-lo. Eu estava com um suéter e prendimeu cabelo em um rabo-de-cavalo. Agora desejava ter trazido umchapéu.

Madison olhou à nossa frente. —Sabe, Annika, se não encontrar um Teen Robin Hood, com

certeza Jeremy também ficará satisfeito com outro presente.Possivelmente possa dar para ele um conjunto de arco e flecha, comoo seu.

Pensei em meu arco, mas não pude imaginar Jeremy com isso.Era quase tão grande como ele, e possivelmente não teria força paraempunhar o brinquedo.

O pensamento fez com que minha garganta ficasse apertada. Neguei com a cabeça. —Tem que ser um Teen Robin Hood. Jeremy disse que queria a figura de ação do Teen Robin Hood, e

dizia todas as vezes que via a série na televisão, então esse era obrinquedo que eu daria para ele.

O casal diante de nós estava ocupado planejando suaestratégia.

— Eu a chamarei logo que tenha o PlayStation em minhasmãos. Pegue uma dessas bicicletas que estão em oferta. Caia sobreela se for necessário.

Cobri minhas mãos com as mangas para me proteger do frio.

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Por que Jeremy tinha que gostar de Robin Hood? Afinalninguém estava lançando-se sobre os brinquedos de Hércules.

Às cinco em ponto as portas abriram, mas levamos mais unsvinte minutos para entrar. Nesse momento os corredores estavamzumbindo com as pessoas tirando brinquedos das prateleiras, e asfilas já se formavam nos caixas.

Eu disse a Madison: — Por que não fica na fila enquanto procuro o brinquedo? Será

mais rápido dessa forma. Não esperei que ela respondesse e segui meu caminho por um

corredor. Eu queria passar rapidamente pelas pessoas, mas elas ficavam

continuamente presas atrás de carrinhos cheios de brinquedos quebloqueavam o caminho.

Dobrei pelo corredor da boneca Barbie e considereimomentaneamente tomar uma noiva para o Teen Robin Hood, umaque fosse um pouco mais adequada para ele que Lady Marion. Sintomuito, mas a atriz que a interpreta é uma inútil. Tudo o que faz érevoar, chorar e esperar que a resgatem. Não teria durado nem doisdias na idade média, essa é a razão pela qual comecei a animar RobinHood para que a deixasse logo no terceiro episódio, inclusive Barbiepoderia dar nela um belo golpe.

Finalmente encontrei a fila do brinquedo. Caminhei de cimapara baixo vasculhando as prateleiras de caixas verdes dospersonagens de Nottingham. O conjunto de 10 centímetros queJeremy já possuía estava em um lugar destacado da prateleira, masnão vi a nova versão de 30 centímetros, que estaria disponível apartir de hoje.

Onde estava? O estoque da loja não poderia ter acabado no primeiro dia às

cinco e vinte e cinco da manhã, verdade? Não eram obrigados a terum grande carregamento guardado? Fui para o corredor seguinte.Nada.

Mas depois, vi a tampa das caixas verdes de Nottingham sobreas prateleiras.

Um homem com uma dúzia de caixas em seu carrinho decompras estava de pé, apoiando-se sobre elas. Usava uma jaqueta decouro sintético que se esticava sobre seu estômago e um anel deopala tão grande que poderia ser usado como bandeja.

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Olhei para as caixas de Robin Hood. Lady Marion, o PequenoJuan, o Xerife…

—Restou alguma de Robin Hood? —perguntei. Ele não me olhou, simplesmente levantou as caixas para

verificar—Acredito que peguei todos. —O quê? Necessito de um para meu irmão pequeno. Agora ele me olhou. —Então está com sorte. Posso vender um a cento e cinquenta

dólares. —Cento e cinquenta? Custam 39 dólares. —Não uma vez que estão em meu carrinho. Então custam

cento e cinquenta.— Deu um sorriso gordurento em minha direção—. Assim é o livre mercado, menina.

Podia ver as caixas em seu carrinho. Estavam tão perto. Girei-me para o homem, finalmente lhe dando toda minha

atenção. Minha mãe diz que tenho um sexto sentido com as pessoas.No mesmo instante em que conheço alguém sei o quão perceptivossão e o que é o que os motiva.

Quando era pequena, estava acostumada a desejar ter algumtipo de super poder.

Queria voar como Superman ou subir em edifícios como oHomem Aranha.

Mas quando penso, não há muitas aplicações práticas para ossuper poderes. Entretanto, ser capaz de ler o caráter das pessoas éútil. Ajuda-me a negociar com os professores e a muitas coisas mais.Sei o que posso obter.

Olhando para este homem agora, procurei através daspossibilidades em minha mente. Não era o tipo, inclusive se euestivesse maquiada e movesse meu comprido cabelo loiro, queabaixasse o preço porque uma garota bonita o pediu. O dinheiro omotivava, e nada mais. Não detectei sequer um grama de simpatiacirculando através de seu coração, mas mesmo assim tentaria.Contaria sobre Jeremy e esperaria para ver se estava equivocada.

Com minhas mãos em posição de rogo, disse: —Olhe, meu irmão está doente; tem câncer, e de verdade quer

um TeenRobin Hood. Pode deixar só um? —Por cento e cinquenta dólares, posso. Tirei minha carteira e peguei cento e vinte.

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—Isto é tudo o que tenho, e necessitarei 40 dólares paracomprá-lo no caixa.

Ele bufou e voltou para as caixas. —Então possivelmente seus pais podem encontrar um no EBay.

Claro que possivelmente valham mais de trezentos e cinquenta lá.Robin Hood é o boneco desta temporada.

Voltei a colocar minha carteira no bolso de meu casaco e gireipara as prateleiras. Se ele ainda estava procurando entre as caixas,então também eu poderia procurar e possivelmente ainda restasseum.

Tinha que restar um. Procurei entre o Rei Juan, o Frade Tuck, Lady Marion—inclusive

sua figura plástica parecia deprimir-se — o Xerife, outro Frade Tuck, eRobin Hood. Robin Hood! Ofeguei e agarrei a caixa.

Infelizmente, o homem a alcançou ao mesmo tempo e a tiroude minhas mãos.

—Ei! —gritei— essa era minha. —Sinto muito, menina. Cheguei aqui primeiro. E depois, sorriu

enquanto tomava a caixa, a posse é nove décimos da lei. Olhei ao redor da loja para ver se algum dos empregados

estava por perto: qualquer pessoa que tivesse visto o homem tirar acaixa de minhas mãos e pudesse me ajudar. Mas tudo o que vi foramoutros compradores que estavam muito ocupados para me notar.Esta é outra razão pela que na vida real não se parece em nada àsérie de Robin Hood.

O homem voltou a procurar no resto das caixas sorrindo, emantendo uma mão em seu carrinho, protegendo-o.

Madison acredita muito no carma. Não acredita na vingançaporque cedo ou tarde as más ações ficariam em dia conosco. Tinhaminhas dúvidas sobre o conceito. Se fosse verdade, por que nãoeram alcançados homens como este por um meteorito?

Então, imaginei que este fosse o momento de apurar o carma.Dei um passo para ele.

—Você jogou futebol americano algum dia? Olhou-me com suspeita. —Com certeza. Deixei cair meu olhar sobre seu estômago volumoso. —Mas aposto que não jogou por um tempo. —O que importa isso?

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—Porque posso correr mais rápido e me esquivar,especialmente de você com esse carrinho.

Entendeu o significado logo que falei. Fingi que ia à direita. Elese moveu para a direita. Girei à esquerda, tomei um Robin Hood deseu carrinho, e comecei a correr.

Minha irmã mais velha, Leah — que nunca pegaria numa bolade futebol porque poderia romper suas unhas — diz que gastei amaior parte de minha adolescência praticando esportes, masobviamente isto não é verdade.

Correr pela loja em direção aos caixas era como correr por umponto, exceto que os outros compradores não tratavam de mederrubar. Só o homem com a jaqueta de couro sintético corriatentando me alcançar, mas ele não soltaria seu carrinho de compras,por isso cada vez ficava mais preso atrás de outros carrinhos.

Eu o perdi de vista muito antes de encontrar Madison. Elaestava na fila, agora a plena vista das caixas registradoras.

—Aqui, compre isto. — Empurrei a caixa e minha carteira emseus braços— E não deixe que um homem com jaqueta negra, e meiopsicótico, tire isso de suas mãos. Grite se ele tentar fazer isso.

Seus olhos abriram-se em pânico, e aferrou a caixa a seu peito. —Annika, o que fez? —Nada. —Olhei para trás e nenhum sinal dele —. Bom, nada

que Robin Hood não fizesse. —Esperarei lá fora. Logo corri para a saída antes que ela pudesse fazer mais

perguntas. Esperei na minivan com as portas fechadas. Não é que

esperasse que o homem saísse sem seu carregamento de RobinHood, e não havia forma em que passasse pelos caixas antes deMadison.

Mesmo assim, sempre vale a pena ser cautelosa. Enrolei-me no assento do condutor, olhando o céu escuro e

desejando que as nuvens não cobrissem as estrelas. As nuvenssempre faziam o tempo parecer mais com o inverno.

Madison saiu vinte minutos depois. Abri a porta, e ela deslizouno assento dianteiro, depois voltei a fechar sua porta. Me entregou abolsa e me deu um longo olhar.

—Então, quer me dizer por que um homem zangado queempurrava caixas de Robin Hood pela loja seguia gritando “Saia e semostre, trombadinha! Não pode ficar escondida para sempre!”?

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—Não realmente. —Olhei dentro da bolsa, o suficiente paraassegurar-me de que continha Robin Hood, e em seguida liguei acaminhonete.

—Arriscou minha vida por um estúpido brinquedo, verdade? —Não. Ele não sabia que eu dei o brinquedo para você e

depois, não a teria machucado com todas as testemunhas ao redor. Madison fixou seu cinto de segurança. —As veias estavam ressaltadas em seu pescoço. Alguns

empregados da loja foram falar com ele, e o homem gritou algosobre ladrões dentro da loja, e ameaçou despedi-los por sua falta desegurança.

Saí do estacionamento, olhando para os lados e meassegurando de que nenhum carro suspeito estava me seguindo.Somente alguns automóveis moviam-se pela rua e então acelerei,fazendo a minivan a ir mais rápido para poder sair do transito.

—Tecnicamente não roubei a caixa dele. É como ele me disseenquanto tirava a outra caixa das minhas mãos. A posse é novedécimos de lei.

Madison cruzou os braços, seu desgosto gravado claramenteem seu rosto.

—Não precisa converter as compras em um esporte extremo,Annika. Não acredito que seja um duelo de morte.

—Jeremy quer o Teen Robin Hood que fala. —Também quer viver na rua Sésamo, não pode simplesmente…A expressão dela suavizou-se. Em uma respiração, sua voz

mudou de furiosa a tranquila.— Jeremy vai ficar bem. Muitas pessoas com câncer se

recuperam por completo. Provavelmente tem mais possibilidadesque, digamos, qualquer pessoa que viaje em um automóvel comvocê.

Tirei meu pé do acelerador e deixei que a velocidade diminuíssemas não respondi. As pessoas seguiam me dizendo que Jeremy ficariabem.

Seus médicos eram de primeiro nível. Os tratamentos para ocâncer melhoravam todo o tempo. Ele era jovem e resistente. Meuspais ficavam otimistas na minha frente, e isso era a razão pela qualeu tinha minhas dúvidas. Sabia que fingiam. A situação de Jeremy eramais séria do que deixavam ver.

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Estavam especialmente preocupados com a cirurgia pararemover o tumor de seu cérebro na próxima sexta-feira.

Mamãe nem podia falar a respeito dela sem tremer. Esta era adesvantagem de ser capaz de ler as pessoas. Às vezes é melhor nãosaber quando seus pais estão mentindo.

Madison me olhou, sua voz uma mescla de frustração esimpatia.

—Olhe, Annika, não importa o que dê de presente para Jeremyno Natal, ele sabe que você o ama.

Movi-me em meu assento, olhando determinada para o tráfico.Não queria falar mais a respeito de Jeremy ou de seu câncer.

Não queria pensar no medo que dia a dia estava em seus olhos, ou aforma automática em que ele ficava assustado quando mencionavaos doutores. Um mês e meio de tratamento de quimioterapia otinham feito odiar os hospitais. A noite anterior havia dito a minhamãe que não queria ir para a cama, porque caso fosse, significavaque a cirurgia estava um dia mais perto.

De um nada, ele dizia coisas como “Nós voamos depois quemorremos, ou só os anjos?” Outras vezes ficava balançando de atráspara adiante, preocupado, e dizia que não queria ser enterrado naterra, pois sabia que lá estaria frio e escuro. Nem sei onde aprendeua respeito dos cemitérios. Nenhuma de nós falava dessas coisas.

Mas agora se negava a apagar a luz quando dormia. —Além disso —seguiu Madison—, provavelmente não se

interessará mais por esse brinquedo dois dias depois de ganhá-lo. Sevocê quiser fazer algo lindo, então passa algumas horas brincandocom ele. Isso significaria mais para ele que algo que possa comprarem uma loja.

Ela me fez parecer como um desses pais negligentes queignoram seus filhos e logo tentam comprar seu afeto.

—Deixe-me — disse — Não entende isto. —O que é que não entendo? E um caso típico de afastamento

das emoções quando se lê um livro. As pessoas fazem isso o tempotodo, e só digo…

Claro. Negava-me a acreditar que alguém podia procurar emum livro e chegar ao capítulo sobre como estava me sentindo.

—Pare —eu disse—. Até que seu irmão pequeno tenha câncer,não venha dizer como devo me sentir.

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Nenhuma das duas falou por alguns segundos. Madison olhavapela janela com seus lábios apertados em uma linha.

—Sinto —disse ela em um tom cortante—, estava tentandoajudar.

Sabia que havia reagido mal. Parecia até que não fizesse maisque reagir exageradamente desde que tivemos as notícias emmeados de outubro. Espetava as pessoas que só queriam metranquilizar. Discutia com as pessoas que me ofereciam consolo.

Deveria me desculpar com Madison, mas não consegui. Conduzimos pelas ruas de Henderson vendo a escuridão

desvanecer-se, atravessada pela saída do sol. Madison ligou o rádio, mas a música não afastou o silêncio

entre nós. Estacionei em frente a sua casa. —Obrigada por ter vindo comigo — disse. Ela segurou a maçaneta da porta. —Não há problema. Foi divertido. Especialmente a parte aonde

tive que proteger seu brinquedo com meu corpo para que o senhorGárgula não o visse enquanto irrompia pela loja.

Deixei sair um suspiro. —Só porque o homem estava desequilibrado não queria dizer

que a teria matado. —É obvio que não. —Ela abriu a porta—. Além disso, acredito

que é bom enfrentar à morte de vez em quando. Faz-nos apreciar avida. — Fez uma pausa a meio caminho de descer da caminhonete eme olhou, com seu rosto pálido—. Sinto muito, Annika. Não queriadizer aquilo.

Nem sequer tinha conectado os temas em minha mente, emeu coração apertou-se dolorosamente em meu peito.

—Não é preciso se desculpar. Jeremy não vai morrer. —Sei. Isso é o que continuo dizendo. —Falarei com você mais tarde —disse. Simplesmente queria

sair dali. —Claro. Vamos fazer algo. —Claro. Fechou a porta. Afastei-me da casa dela muito rápido, do que

era normal, e agarrei o volante com os nódulos brancos, o que nãoera normal.

Enquanto conduzia em direção a minha casa, inaleiprofundamente e olhei a bolsa no assento a meu lado. Isto

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funcionaria. Tinha lido dúzias de histórias a respeito de como ospensamentos positivos salvaram a vida das pessoas. Li estudos quediziam o mesmo. A revista de investigação sobre o câncer dizia quereduzir o estresse podia diminuir a disseminação de alguns tipos deferida.

E inclusive os investigadores que duvidavam da relação entre ospensamentos positivos e a cura não podiam negar o efeito placebo.

Quando os doutores fizeram testes nos usuários de drogasplacebo, sempre havia certa percentagem de pessoas quemelhoravam simplesmente porque pensavam que estavam tomandoo medicamento. Suas crenças os curavam.

Se um tablete de açúcar podia fazer que um adulto melhorasse,então Jeremy podia melhorar, caso realmente acreditasse. Tudo oque eu tinha que fazer era convencê-lo de que sairia bem da cirurgia,e ele o faria.

Se a cirurgia fosse bem-sucedida na próxima sexta-feira — sefossem capazes de extrair todo o tumor — então tudo estaria bem.Mas se não pudessem extraí-lo totalmente, ou algo ocorresse… nemsequer queria pensar no fato de que algumas vezes as pessoasmorriam na mesa de operações. Eu também devia pensarpositivamente.

Capítulo 2

Fui para nossa casa, uma casa de cor bege de uma só planta emuma fila de casas quase idênticas. O calor de Nevada não permiteuma grande diversidade de materiais de construção, e nossaassociação de proprietários de casa não permite uma grandediversidade em todo o resto.

Juro-lhe isso, meus pais puseram o tapete que diz: SEJAM BEMVINDOS só para assegurar-se de que entramos no lugar correto. Masno último mês, não posso evitar a sensação de que nossa casamudou.

Às vezes a olho e sinto como se estivesse olhando para umafoto, uma miragem, algo que poderia desaparecer ao piscar. Um diavoltarei para casa e só haverá um terreno baldio no lugar.

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A garagem estava vazia. Meus pais deviam ter saído paradesafiar as multidões também. Caminhei em linha reta para meuquarto, empurrei minha bolsa de compras no armário, e voltei para acama.

Três horas mais tarde, despertei com o som de coisas soandona cozinha e Jeremy gritando à TV. Ele parece pensar que os jogos devídeo funcionam melhor quando grita enquanto joga.

Sai da cama, em seguida tomei o Teen Robin Hood da bolsapara assegurar-me de que realmente havia conseguido compra-lo.Não examinei o brinquedo de perto antes, mas ele realmente pareciasurpreendentemente com o Steve Raleigh, o ator que interpretavaRobin Hood. Possuía o mesmo cabelo loiro, mandíbula quadrada erosto perfeitamente bonito. Seus quentes olhos castanhos olhavamdiretamente para mim com uma expressão de confiança, e eu quasepodia imaginá-lo passeando pelo Bosque de Sherwood dando ordensaos MerryMen2 ao seu redor.

Olhei para o brinquedo um pouco mais. Provavelmente mais doque o normal para uma garota de dezessete anos olhando para umboneco de plástico. Às vezes, quando vejo Teen Robin Hood — e,bom, admito que nunca perdi um episódio— sinto uma conexão comSteve Raleigh. Sinto como se ele fosse alguém que conheço, alguémque se ajusta a mim.

Não posso explicar melhor que isso; para falar a verdade, nãotenho certeza de que estou realmente deduzindo bem de todos osmodos. É mais provável que minha conexão seja com Robin Hood.Admiro a pessoa que dedica sua vida à justiça, que pode viver daterra, e que ainda permanece quente depois de dormir no bosque.Isso é um verdadeiro talento.

Steve Raleigh, por outra parte, é provavelmente uma dessascelebridades mimadas que nunca põe um pé na loja de comestíveis, emuito menos no deserto.

Deslizei a caixa debaixo de minha cama. Esperaria até queJeremy e eu estivéssemos sozinhos, até que tudo fosse perfeito emeu plano não pudesse sair mal. Então daria para ele.

Quando fui à cozinha, papai e mamãe estavam limpando ospratos de um café da manhã com panquecas, o favorito de Jeremy.Embora agora mamãe comprasse a mistura para panquecas e o2 MerryMen: Nome que recebe a turma de foragidos companheiros do Robin Hood no conto original;algumas edições em espanhol os denominam: A Irmandade do Bosque.

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xarope de uma loja de mantimentos orgânicos saudáveis. Ela nuncamais iria servir nada que não seja 100 por cento natural.

—Olá, Bela Adormecida —disse papai—. Guardamos umaspanquecas, mas terá que esquentar.

Mamãe cruzou a cozinha e me deu um abraço. Ela insiste emnos abraçar todos os dias. Leu que é bom para o sistemaimunológico.

—Conseguiu alguma boa calça? Peguei uma panqueca e dei uma dentada. —Sim. O que tem vocês? —Consegui algumas boas ofertas. —Mamãe abaixou a voz e

olhou para a sala de estar, onde Jeremy estava plantado diante datelevisão—. Não pude encontrar um TeenRobin Hood em nenhumaparte. Dissemos a Jeremy que as lojas venderam todos e agora querir ao centro comercial comprar um. —Seus olhos estavam enrugadosde preocupação.

—Não se preocupe —disse, tratando de subtrair importânciado meu sorriso—. Poderão ter uma surpresa.

—Ah, sim? —Mamãe esperou por minha explicação, masquando não falei, não me perguntou mais. Depois que comi, jogueiSuper Mario Kart com Jeremy por algumas horas. Tratei de procurarLeah para que ela jogasse com ele e assim eu poderia descansar umpouco, mas ela estava muito ocupada enquanto saturava nossa linhaTelefonica e mandava mensagens de texto as pessoas em seutelefone celular ao mesmo tempo.

Leah cursa a Universidade do Sul de Nevada. O quebasicamente significa que vive aqui em casa mas é desdenhosa arespeito de ser forçada a passar tempo conosco. Geralmente, quandonão está estudando está em algum lugar trabalhando em sua vidasocial.

As pessoas dizem que sou parecida com Leah, e levo isso comoum elogio. A diferença é que para Leah, a beleza e a paquera sempreocorre naturalmente. Tudo o que sei sobre estes tema, copiei dela.

Às vezes quando estou com rapazes, não tenho certeza seestou sendo eu mesma ou simplesmente imitando minha irmã.Prefiro jogar basquete com os meninos que bater minhas pestanaspara eles.

Quando Jeremy se cansou de jogar carros para fora da pista decorrida, eu o desafiei para uma partida de arco e flecha. Fixamos o

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objetivo perto da parede ao lado de nossa propriedade, logo Jeremyficou a um metro de distância e eu a seis. Não utilizei meu arcocomposto para este jogo. Nos dois utilizamos o jogo de arcos paraprincipiantes de Jeremy.

Cada vez que acertávamos no alvo, dávamos um passo paratrás, quem falhasse primeiro, perdia.

Deveria mencionar que sou a presidente do clube de arco eflecha.

Como meus pais dizem, sou excelente no esporte. Sou a únicada família que pode ficar na calçada em frente de casa, com as portasdianteiras e traseiras abertas e alcançar um objetivo no pátiotraseiro.

Hoje, enquanto jogava com Jeremy, somente dei alguns passose falhei de propósito.

—Não posso acreditar —disse para ele—. Creio que o objetivotenha saltado fora do lugar ou algo assim. Se fizer o seguinte tiro, vaime vencer.

Olhou-me, e depois empurrou a flecha para trás na corda.Dava-me conta de que não estava apontando. Sua flecha caiu pordebaixo do objetivo por mais de uns trinta centímetros.

—Amigo, sequer tentou? —perguntei-lhe. Ele encolheu osombros.

—Está bem, Annika. Sei que você gosta de ganhar. Suas palavras me fizeram conter o fôlego. —Não, eu... —Não pude dizer nada mais por um momento—.

Não é sempre que tenho que ganhar. Mas esse é o problema. Não se pode apagar um caráter

competitivo com um dia. Tudo o que podia fazer era trocar de tema. Enquanto tirava as flechas do alvo, disse:—Ouça, não é hora de ver o que está acontecendo no Bosque

de Sherwood? Ele inclinou a cabeça como se eu tivesse que saber. —Não a não ser até depois do jantar. Seria melhor. Somente queria mudar o assunto para Robin

Hood. —Bom. Não queremos perder isso, Robin Hood é realmente

genial, não é? Jeremy se aproximou do alvo e recolheu as flechas do chão.

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—Vou conseguir um Teen Robin Hood falante para o Natal. Seuarco funciona de verdade.

Caminhei para casa e fiz um gesto para que ele me seguisse. —Vamos ao meu quarto. Quero contar um segredo. Correu atrás de mim para a casa, com seu arco ainda na mão. Quando chegamos ao meu quarto, sentei-me com as pernas

cruzadas sobre a cama. Ele subiu a meu lado, brincando com a cordade seu arco e me olhando serio.

—Qual é seu segredo? Inclinei-me para ele, abaixando minha voz. —Bom, nunca disse isto a ninguém antes, mas há um tempo

atrás encontrei uma lâmpada mágica, do tipo que os gênios possuem.Esfreguei a lâmpada, liberei o gênio, e obtive três desejos. Mas nãoutilizei todos eles. Ainda restam dois.

Jeremy inclinou o queixo para baixo, e seus lábios por ummomento enrugaram-se juntos.

—Estou no primeiro grau, Annika. Eu sei que não há tal coisacomo gênios.

Isto do menino que pediu ao papai Noel seu brinquedopreferido e que, ao ser interrogado, dizia que se converteria em umMerryMan quando crescesse.

—É verdade —insisti— Restam dois desejos, e quero que vocêfaça estes pedidos.

Seus olhos estreitaram-se com cepticismo. —Qual foi seu primeiro desejo? —Um... —Eu não pensei em uma resposta para esta pergunta

antes. Quero dizer, o que podemos contar para um menino de seisanos de idade quando damos para ele dois desejos e ele pergunta oque você desejou?

—Falarei disso em outro momento. Agora quero explicar asregras sobre os desejos porque não pode desejar coisas impossíveiscomo super poderes. E nem sequer desejar voar, porque meu gênio éum desses gênios difíceis, e poderia converter você em um pássaroou algo assim.

Jeremy ficou pensativo, e eu acrescentei: —Mamãe ficaria muito brava caso o gênio o converta em um

pássaro, e depois eu teria que usar o último desejo para convertervocê novamente em humano. Seria uma total perda de desejos.

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Quero que utilize o último desejo para ter certeza de que a operaçãosairá bem. Dessa maneira não terá que preocupar-se mais por isso.

—Por que não desejo não ter que me submeter à cirurgia emprimeiro lugar? —perguntou, e seus olhos se iluminaram ante estaperspectiva.

Doeu-me ter que decepcioná-lo. —Mamãe e papai o obrigariam a fazer a cirurgia de qualquer

maneira. Eles não acreditam em gênios, assim não importa o quepoderemos contar a eles sobre isto. É melhor simplesmente desejarque vá bem.

Jeremy assentiu, aceitando esta explicação, então me olhoucom olhos céticos.

—Annika, está me enganando? —Não. Agora fecha os olhos e diga: Este é meu segundo desejo

oficial, e deseje algo que realmente queira. Verá que estou dizendo averdade. — Inclinei-me para ele, olhando-o nos olhos—. Quebrinquedo gostaria de ter mais que tudo, neste momento?

Fechou os olhos. —Tenho que chamar primeiro o gênio? —Virá quando disser: “Este é meu segundo desejo oficial.” É

por isso que tem que fechar os olhos. Ele é tímido em torno dequalquer pessoa que não tenha esfregado sua lâmpada. Não precisavê-lo.

Jeremy entreabriu um olho um pouquinho. —Fecha os olhos completamente —eu disse. —Não posso evitar. Nunca vi um gênio antes. Dei-lhe um olhar severo. —Não vai funcionar se não fechar os olhos. O gênio vai

espernear e perderá seus desejos. Jeremy fechou os olhos, mas inclinou a cabeça. —Vai espernear? Os gênios têm pés? —Sim. Bom, mais ou menos, de todos os modos. —Coloquei

minha mão embaixo da cama, pronta para agarrar a caixa do RobinHood—. Bem, qual é seu desejo oficial? Pensa em algo querealmente, realmente quer.

Inquietou-se pensando, logo aplaudiu com decisão. —Este é meu segundo desejo oficial. Desejo que o verdadeiro

TeenRobin Hood, o da televisão, venha e me ensine como dispararflechas.

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Fiquei imóvel. Minha mão congelou-se sobre a caixa, aindaquerendo agarrá-la, apesar de que não havia uma razão para fazerisso. Senti como tivesse recebido um murro e minha respiraçãoestava sendo expulsa de meus pulmões.

Jeremy abriu os olhos e olhou a seu redor. —Não deveria ter acontecido algo? Sim, deveria ter considerado a possibilidade de que pediria algo

mais que Teen Robin Hood. Mas, como podia saber? Isto foi tudo oque falou durante as últimas duas semanas.

—Onde está ele? —perguntou Jeremy. Pude ver a decepçãofiltrar-se em seus grandes olhos castanhos. —Estava me enganando,não?

—Não —disse—Me esqueci de dizer que tem que pôr umtermo de tempo nestes desejos. Não disse ao gênio quando queriaque Robin Hood viesse. Ele pode aparecer amanhã, dentro de umano, ou quando tiver sessenta e cinco anos.

Jeremy ficou boquiaberto com frustração, e logo fechou a bocanovamente.

—Vou usar o terceiro desejo para dizer isso agora. —Não !— Eu gritei— O terceiro desejo tem que ser para sua

cirurgia. Não lhe darei o terceiro desejo até depois disso. Jeremy tocou a corda em seu arco, e me dava conta que estava

decidindo se acreditava em mim ou não. —Os gênios devem saber se você quer que seu desejo seja

imediato, ou não. Não fazem isto há muito tempo? —Sim, mas já disse que este era difícil. Esperemos que seja

logo... Eu disse. Os cantos de sua boca caíram para baixo. —O gênio provavelmente arruíne o desejo da cirurgia também. O que fiz? —Não, não fará —disse rapidamente—.Nós faremos com que

ele o faça bem. Jeremy levantou seu olhar para mim, e percebi que queria

acreditar, mas não tinha certeza. Recolheu o arco que jazia junto aele sobre meu edredom.

—Talvez deva praticar um pouco mais. Talvez quando RobinHood chegar e ver quanto sou bom me faça um MerryMan.

—Talvez —disse. Deslizou para fora da cama e caminhou para a porta.

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—Não diga a mamãe e papai sobre isto —eu falei—. Sabe comoficam a respeito de estranhos na casa. Ficariam loucos se soubessemque um gênio anda por aí.

Jeremy assentiu e saiu do quarto. Recostei-me em minha cama por um minuto e fechei os olhos.

A situação não era desesperadora, verdade? Às vezes, as celebridades

faziam visitas de caridade. Talvez a Fundação Make-A-Wish3 pudesseajudar. Esse era o tipo de coisa que faziam. É obvio, ninguém estariaem seu escritório até segunda-feira, assim nem sequer podia lhesperguntar sobre isso, e ele tinha que ir para a cirurgia na manhã dasexta-feira. Poderiam ser quatro dias o tempo suficiente para realizarum pedido? Parecia tão pouco tempo, mas se Steve Raleighsoubesse, se alguém explicasse a situação para ele, certamenteaceitaria ajudar, não é verdade?

Quatro dias.

Fiquei em minha cama pensando nas estrelas de cinema. Como estariam ocupadas durante a filmagem dos programas

de televisão? Fazem coisas espontâneas para os aficionados àsvezes? Eram perturbados por petições como estas?

Quanto mais pensava em tudo isso, mais impossível parecia.Mas tinha ao menos que tentar.

Fui ao escritório e me sentei em frente ao computador dafamília.

Talvez pudesse encontrar alguma informação sobre SteveRaleigh e contatá-lo pessoalmente. Quando procurei no Google seunome, deram-me 300.000 respostas. Fiz clique em um par ao azar,mas eram simplesmente bate-papos onde as meninas falavam efalavam de quão quente Steve era. Cliquei em mais alguns com oRobin Hood no título, mas não eram nada mais que fotos do elenco eintrigas de Hollywood. A maioria das páginas de discussão dedicava-se à pergunta: Steve Raleigh estava flertando com a atriz queinterpretava lady Marion, Esme Kingsley, para recuperar sua ex-noiva, Karli Roller?

Honestamente, a quem isso importaria? Bom, além de Esme, epossivelmente a Karli. 3 Make-A-Wish :Fundação norte americana que se especializou na concessão de desejosrelacionado com pessoas famosas ou de crianças doentes, especialmente os órfãos

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Encontrei o clube de fãs de Steve Raleigh. Havia uma foto delecomo Robin Hood, seus musculosos braços ondulando-se enquantoatirava uma flecha com seu arco. Afastei meu olhar da foto do Stevee procurei a informação de contato. Não vi uma direção de correioeletrônico em nenhum lugar, mas podia escrever a um tipo chamadoSpanky Tyler da Make-Ao Wish, a Fundação norte-americanaespecializada em cumprir desejos relacionados com gente famosa ouespecialmente a meninos doentes ou órfãos na Califórnia.

Tratei de encontrar o número do telefone do Spanky para ligar,mas não estava na lista.

Então, escrevi ao Spanky uma carta contando sobre Jeremy. Anexei uma foto, meu número de telefone, e uma longa

petição rogando que me chamasse. Passei toda a noite pensando eesperando que a carta fosse lida na segunda-feira de manhã. Sabiaque era uma aposta arriscada, mas a coisa com as apostas arriscadasé que algumas vezes quando se é afortunada podem dar certo.

***

O fim de semana passou lentamente. Tornou-se mais e maisdoloroso observar a expectativa de Jeremy, quando me sussurrava:

— Escutou o gênio? Disse quando virá Robin Hood? Liguei para Make-Ao Wish logo que seu escritório abriu na

segunda-feira, abandonando uma aula no processo. Parei no interiordo banheiro de garotas enquanto explicava o desejo de meu irmão àmulher do outro lado da linha. Ela foi simpática, mas me disse que afundação teria que falar com o doutor de Jeremy, seus pais, e comJeremy antes que pudessem sequer iniciar o processo de seu sonho.

Sabia que possivelmente tudo isso não poderia passar antes dasexta-feira, mas mesmo assim tive que perguntar:

—Se isso fosse feito imediatamente, quanto tempo tomaria? —O tempo dos desejos varia —disse—.Reunir-se com

celebridades… bom, isso sempre leva mais tempo. Temos queesperar que os agentes nos respondam e depois depende do horárioda celebridade. Algumas vezes eles ficam ocupados por meses.

Em outras palavras, não há oportunidade de que isto pudesseacontecer antes da sexta-feira.

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Quando cheguei em minha casa, levei meu celular a todos oslugares por horas, esperando que Spanky tivesse aberto minha cartae me ligasse.

Quantas cartas recebia Spanky em um dia? Entretanto, ninguém ligou. Não dormi muito essa noite, embora isso não fosse incomum. A

partir do diagnóstico de Jeremy, minha mente não se desconectava osuficiente para dormir. Uma corrente constante do que poderiaacontecer me mantinha acordada.

Ninguém chamou na terça-feira tampouco. Quando me sentei na classe na quarta-feira de manhã, senti

como se a burocracia estivesse subindo por minhas pernas, ao redorde meu corpo, me apertando o peito com tanta força que nãoconseguia respirar.

Eu teria que fazer alguma coisa. Simplesmente não podia mesentar ali e aceitar a derrota.

Depois do terceiro período, falsifiquei uma nota dizendo queteria uma entrevista com o doutor e fui para casa. Logo me sentei noescritório olhando fixamente para o computador como se este fosseum prisioneiro inimigo. Em algum lugar entre seus milhares e milhõesde vínculos, deveria ter uma informação que pudesse me ajudar.Tinha que chegar a isto de outra maneira, pensar em uma formadiferente de resolver o problema.

Coloquei no Google “Set de gravação para o Teen Robin Hood”e imediatamente apareceram fotos das Produções Ballard emBurbank, Califórnia.

Olhei-as fixamente por um longo tempo, deixando que as ideiasfossem convertidas em possibilidades. Podia chamá-los e pedir parafalar com Steve?

Não, isso não funcionaria. Havia uma enorme paredeimpenetrável colocada ao redor das celebridades. Além disso, seriamuito fácil tirar de cima uma estranha chamando por telefone. Aúnica maneira de que fosse capaz de convencê-lo a me ajudar em umprazo tão curto seria pedir pessoalmente.

Finalmente me ocorreu um plano. Era desesperado, estúpido, eobviamente impossível para uma garota adolescente, mas, isso foi oque inclinou a balança. Se alguém poderia averiguar uma maneira dequebrar essa parede impenetrável, era eu. Ao menos, esperava quefosse eu.

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Na realidade não queria pensar em minhas oportunidades.Somente teria que agir.

Imprimi as indicações de Henderson, Nevada a Burbank, Califórnia, uma viagem de quatro horas, e mandei uma

mensagem a Madison enquanto empacotava algumas coisas emminha bolsa de lona. “Necessito de sua ajuda para que me cubra”.“Direi a meus pais que vou dormir em sua casa esta noite.”

Em lugar de me responder com uma mensagem, ela me ligou.Pude escutar as vozes ao fundo e o tinido geral da cafeteria.

—Então, Annika, o que vai fazer realmente esta noite? —Oh, é algo que tenho que fazer. É segredo. —Sou sua melhor amiga. Pode me dizer. —Sua voz soava

suspeita—. Não vai fazer nada estúpido, certo? Não vai encontrarcom um rapaz o ou algo assim.

Coloquei minha escova de dente e a pasta dental na bolsa. —Não, nada disso. Não fique preocupada. —Então o que é? —Os sons da cafeteria começaram a

desvanecer-se, e imaginei que ela estava caminhando para algumlugar mais afastado para me escutar melhor.

—Vou dirigir até a Califórnia e tentar fazer com que SteveRaleigh visite Jeremy.

Houve uma pausa. —E pensar que estava preocupada de que isto pudesse ser algo

estúpido. Então tive que lhe dizer toda a história do gênio e dos desejos. —Tenho que ao menos tentar falar com Steve Raleigh —disse

—. Jeremy está preocupado de adoecer antes da cirurgia. —Não pode simplesmente saltar em um automóvel e conduzir

até a Califórnia —disse. —Sim, sim posso. Ela deixou escapar um suspiro frustrado. —Não tem essa pequena voz em sua cabeça que possa lhe

dizer quando algo é uma má ideia? —É como sempre diz meu papai: Quando não está ganhando,

tem que pôr mais esforço nisso. Funcionou para o arco e flecha.Funcionou para o voleibol. Inclusive funcionou para meu final deHistória Mundial. Funcionará para vencer o câncer de Jeremy.

Houve uma pausa na linha. —Annika, fez armadilha no final da História Mundial.

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Isso é o que acontece com Madison, algumas vezes ospequenos detalhes escapam do tema.

—Não fiz armadilha —eu disse—. Estudei com o assistente doprofessor. Isso é diferente de fazer armadilha.

—Ele contou para você o que ia cair no exame. —Não, ele me disse o que poderia estar no exame. Cobrimos

muita informação. Confie em mim, sei mais sobre Esparta do quealguma vez usarei em toda a minha vida.

Mesmo que não pudesse vê-la, diria que Madison estava pondoseus olhos em branco. Madison tira somente nota A. De fato, ela é dotipo que estuda mais do que é requerido em qualquer matéria. Suamente provavelmente está superlotada com muita informaçãodesnecessária o que é surpreendente que possa atravessar tudo issopara ter uma conversa normal.

—Ao menos sabe onde vive Steve Raleigh? —perguntou. —Sei onde trabalha, e está suficientemente perto. Se não

estiver no estúdio, então alguém tem que saber como posso contatá-lo. Ou posso procurar pelo set. Devem ter sua direção e númerotelefônico listado em seu arquivo pessoal.

—Têm guardas de segurança nesses lugares. —Improvisarei algo. Você me conhece…. Houve outra pausa, e logo a voz de Madison soou mais como

uma mãe que como uma amiga. —Isto não é o mesmo que fugir das coisas na escola. Os

guardas de segurança estão treinados como profissionais. Além disso,não enganou à Sra. Aron.

A Sra. Aron foi nossa professora de inglês no terceiro ano. Elanos atribuiu provas litográficas de livros orais assim podíamospraticar nossos discursos em público, mas eu estava tão ocupadacom o clube de arco e flecha e com as finais de basquete que não tivetempo de ler nada. Esperei que ela não me chamasse durante oprimeiro dia de provas litográficas, mas o fez, então parei em frente aclasse e inventei uma novela. A trama, os personagens, tudo.

Isso irritou Madison quando a Sra. Aron deu uma A+, enquantoque ela só recebeu uma A em um livro que ela tinha lido. E me teriasaído com a minha também, exceto porque a Sra. Aron gostou tantominha prova litográfica que tratou de encontrar o livro para ler emcasa. Depois disso abaixou minha nota a uma C e F pela provalitográfica do livro, mas uma A+ pela parte de falar em público. Disse-

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me que me retornaria A+ se escrevesse a novela e a deixasse ler.Algum dia poderia fazer isso.

Entretanto, não contei isso para Madison. Deixei cair algumasmaçãs na bolsa de lona e disse:

—Encontrarei uma maneira de passar pela segurança. A voz de Madison era de preocupação. —Annika, as pessoas não escapolem para a Califórnia. Está

certa de que esta não é uma má reação ao estresse ou uma crisenervosa ou algo assim…?

Apertei o telefone mais forte e tratei de fazê-la entender. —Isto é algo que tenho que fazer. Se não puder me cobrir,

então faça-me saber e chamarei a alguém. Ela ofegou em voz baixa para que eu soubesse que não estava

feliz com isto. —Esta bem. Eu a cobrirei. Depois que desliguei o fone, lancei mais comida dentro da

bolsa de lona. Dessa maneira não teria que parar em nenhum lugar com o

passar do caminho. Agora que decidi fazer aquela viagem, tudo eraurgente, como se Steve Raleigh desaparecesse caso não arranjasseisto a tempo. Pus dentro todo o dinheiro que possuía. Inclusivecoloquei minha coleção de moedas comemorativas. Tratei deaveriguar se teria suficiente dinheiro para gasolina e hotel.Provavelmente não. Dormiria na minivan e me trocaria em um lugarde comida rápida.

Também empacotei um DVD do Teen Robin Hood, a primeiratemporada. Isso me diria os nomes das pessoas que trabalhavam noprograma. Alguma delas saberia como entrar em contato com SteveRaleigh. Repassei o álbum de fotos e tirei uma foto de Jeremy, a doúltimo Halloween onde estava vestido como Robin Hood. Mostrariaesta foto a cada pessoa que pudesse me ajudar. Como alguémpoderia dizer não a um menino doente que se disfarçou como RobinHood para o Halloween?

Que mais necessitava? Olhei ao redor do quarto com umasensação que beirava ao pânico. Provavelmente necessitava muitascoisas, mas não podia pensar suficientemente claro agora paraaveriguar o quê.

Jeremy… chamei à mãe de seu melhor amigo, a Sra. Palson, eexpliquei que não estaria em casa depois da escola. Ela poderia

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chegar em casa com o Gabe e ficar ali até que meus paisretornassem?

Ela concordou sem vacilar. A Sra. Palson adora Jeremy agora. Depois chamei minha mãe no trabalho. — Olá, mamãe, lembra que disse que ficaria na casa de

Madison depois da escola para trabalhar no projeto de química? —Um… Eu disse que estava tratando de recordar a conversa

que não havia terminado. Este era o único beneficio de ter paiscompletamente estressados. Mamãe nem sequer trata de saber oque está passando em minha vida agora.

—E Jeremy vai para a casa dos Palson depois da escola —sugeri.

—OH. Uh-hum —disse mamãe, dando a entender que sabia doque eu estava falando.

—Bom, o professor de química nos deu um resumo de tudo oque temos que cobrir, e vai tomar mais tempo do que planejamos. Jáque vai ser uma noite de trabalho de qualquer maneira, fica tudobem se eu dormir na casa de Madison? Os pais de Madisonconcordam se estiver bem prá você.

—Em uma noite de escola? —Mamãe, o projeto é trinta por cento de nossa nota. Ela deteve-se por um momento, e fiquei preocupada de que

pudesse sair com outra objeção, mas finalmente ela disse: —Muito bem, mas não vadie nem fique acordada toda a noite.

Precisa dormir. —Obrigada, mamãe. —depois que desliguei, peguei o

brinquedo de Robin Hood debaixo de minha cama e o coloquei sobreo travesseiro de minha mãe. Se eu fosse apanhada, queria queestivessem de bom humor quando averiguassem que não estava nacasa de Madison.

Capítulo 3

Enquanto vestia o casaco, a campainha soou. Abri a porta e viMadison de pé ao lado de uma mala de mão. Sorriu-me como se eutivesse esperando por ela e rodou a mala para dentro.

—Decidi viajar com você.

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Olhei fixamente para ela. —O quê? Ela apanhou minha mochila e a colocou na parte superior de

sua mala. —Liguei para minha mãe e disse que passaria a noite em sua

casa para ajudar você a estudar. Ela nunca poderia dizer não. Sabeque está tendo um momento difícil. Isto é tudo o está levando?

Não me movi, embora Madison estivesse aproximando-selentamente

Através do quarto. —Madison, você não pode vir. Se desaparecermos, há uma

maior probabilidade de que sintam saudades. Além disso, não querdirigir quatro horas até Califórnia simplesmente para espreitaralguma estrela de televisão.

Ela caminhou através da sala familiar, através da cozinha e foipara a garagem. Afinal, não tive mais remédio que segui-la. Ela estavacom minhas coisas.

Ao abrir a porta da garagem, ela disse: —Teremos uma melhor probabilidade de êxito se formos

juntas. Duas cabeças pensam melhor que uma, e tudo isso. Além domais, sabe que não pode ler um mapa nem para salvar sua vida. Sefosse por si mesma, provavelmente terminaria no México ou algo noestilo.

Apanhei minha mochila de sua mala e a joguei para dentro daparte

traseira da minivan. —Tenho as direções passo a passo. —Tenho um computador portátil com internet sem fio. Podemos investigar Steve Raleigh enquanto conduzimos. Além

disso, estou levando uma geladeira portátil com bebidas, sanduíches,e chocolate.

Peguei as chaves da minivan de minha bolsa e não disse nada—Barras do Snickers —disse—. E Take Five4. —Está bem, pode vir.

4 TakeFive: Doce com caramelo, biscoito, amendoim e manteiga de amendoimcoberto de chocolate.

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Ela riu, mas não foi pelo chocolate. Madison não faz coisastolas. Se ela viesse também na viagem, de algum jeito isso significavaque havia uma melhor oportunidade de levar tudo a cabo.

Conduzimos para um estacionamento do centro comercial,onde esperamos que o automóvel de Madison se mesclasse bemcom as pessoas que trabalhava toda a noite no Walgreens, para nãosermos detectadas até que retornássemos. Esta viagem teria que serrápida. Ligaria para à escola amanhã, imitando minha mãe, e diriaque estava doente. Inclusive poderia voltar a chamar à Sra. Palson elhe pedir que cuidasse de Jeremy depois da escola, masabsolutamente necessitava estar em casa para quando meus paisvoltassem do trabalho. Tínhamos vinte e oito horas para encontrarSteve Raleigh e convencê-lo a visitar meu irmão.

Conduzi primeiro enquanto Madison se estirou no assentotraseiro, um travesseiro atrás de sua cabeça, um saco de batatasfritas a seu lado, e o computador portátil acima de sua cintura.Enquanto ela lançava batatas fritas em sua boca, foi aos blogs de fãsdo Steve Raleigh e revisou informações em sua maioria semimportância. Seu aniversário era o 9 de abril, o qual o tornava umariano. Tinha dezenove anos, realizava suas próprias cenas de ação epossuía dois cavalos. Madison me recitava tudo isto.

—Sabia que além da série, fez duas peças de teatro naBroadway e três filmes? —Longa pausa—. Começou a atuar quandotinha nove anos. Fez um comercial de pasta dental.

—Não é de estranhar que tenha dentes tão bonitos.Provavelmente o pagaram com fio dental. Diz em alguma parte queele é agradável? Já fez alguma coisa caridosa?

O pensamento de realmente falar com Steve Raleigh fazia comque meu estômago agisse como se tivesse feito duzentosabdominais.

—Acredito que deve ser um bom tipo porque ainda nãoencontrei nada ruim a respeito dele. Nenhuma reabilitação,nenhuma destruição de quartos de hotel, nada de estarcronometrando seus serventes com celulares. Em sua maioria ésimplesmente todo esse triângulo amoroso entre ele, Esme e Karli.

—Ele poderia fazer melhor que Esme —disse, como se fossealgo que os membros da audiência pudessem submeter a votação—.Em que parte da história do Robin Hood supõe que Lady Marion éuma loira boba?

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—Talvez não seja boba na vida real. Ela tem que ser melhor queKarli. Quero dizer, Karli acabou com Steve, assim é que não sei porque é que escreve todas essas amargas canções de amor que todomundo diz estão dirigidas a ele. É como o que disse o maior fã doSteve em seu blog: Karli precisa crescer e seguir adiante com suavida.

Os dedos de Madison golpeavam através do teclado. —Vou deixar um comentário a respeito disso. Madison também sentiu-se obrigada a deixar comentários em

um lugar dedicado a comparar quem era mais bonita, se Esme ouKarli —votou por Karli— e deixou um comentário muito comprido,provavelmente um ensaio de cinco parágrafos, no blog de alguémintercambiando opiniões sobre as relações das celebridades queestavam condenadas ao fracasso. Em sua opinião, sim, estavam.

Então ela disse: —OH, aqui tem alguma coisa. —E ficou em silencio por um

tempo bem comprido enquanto lia. —O que averiguou? —perguntei finalmente. —Ele demandou seus próprios pais. Você sabe, foi um desses

casos onde pediu para ser legalmente adulto aos dezesseis. Tinhaalgum tipo de ordem judicial contra seus pais para que não pudessemgastar seu dinheiro. Bem, isso é gratidão para você?

Esperei que não fosse tão mau como parecia. Como poderiaeste rapaz entender o que eu sentia por meu irmão se não estavapreocupado com sua própria família?

Madison deslizou o computador fora de seu colo e recostou-sesobre o assento dianteiro.

—Então, quais são suas ideias a respeito de realmenteencontrar Steve Raleigh? Quero dizer, eles não vão simplesmente nosdeixar entrar no set para falar com ele.

—Vamos esperar até ele terminar de trabalhar e o seguiremosa qualquer lugar que vá —disse.

Ela negou com a cabeça. —Li em um dos blogs que as estrelas são conduzidas em

automóveis com vidros escuros. Provavelmente terminaríamosseguindo o gordo que interpreta o Frey Tuck.

—Está bem… —Deixei sair uma lenta respiração —Plano B: Nosintroduzimos sigilosamente no set.

Houve uma longa pausa de Madison.

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—Entrar no set sigilosamente como? O lugar tem que estarinfestado de guardas de segurança.

—Tudo o que necessitamos para passar é uma boa fantasia. Ela deixou sair um grunhido incrédulo. —Uma boa fantasia? Temos dezessete anos. Que negócio

poderíamos ter em um set? —Ora vamos! Com uma prancheta e um olhar determinado

seremos admitidas na maioria dos lugares. Madison girou e me olhou, com a cabeça inclinada. Com uma

voz lenta e calculada disse:— Suponho que poderia passar por uma aspirante a estrela.

Tem esse ar de mulher fatal. Como se esmagasse os sonhos dosrapazes em seu tempo livre.

Não respondi. Nunca tive a intenção de esmagar ninguém. Epara te dizer a verdade, meu último namorado, Nick, desfez-se demim, embora saiba que o levei a isso. Tudo tinha ido muito bementre nós até que Jeremy foi diagnosticado com câncer. Em ummomento, passei de uma namorada divertida a uma mulher dainquisição. Noite após noite, perguntava para mim mesma por queDeus faria isto. Nick tentou encontrar respostas consolando-me.

Depois que esmiucei seus intentos para defender a divindade,ele finalmente havia dito:

—Bem, toma-o a sua maneira. Acredita que não há um Deus. E isso me deixou inclusive mais indignada. —Assim está dizendo que a vida é alguma espécie de acidente

cósmico? Tudo o que sentimos, pensamos e fazemos carece designificado? Se meu irmão morrer, tudo o que vai acontecer é ele serextinto?

Nick me olhou cansadamente, as mãos para cima como seesperasse o tempo suficiente para poder receber algumas respostasdo céu. Depois de negar lentamente com a cabeça e deixado cair suavoz até o tom de uma confissão, disse-me:

—Não posso seguir com isto, Annika. Não posso. Olhe, sintopor seu irmão. Realmente sinto. Mas você não quer um ombro parachorar, quer alguém a quem possa gritar, e estou cansado de ser essealguém.

Ele estava certo, é obvio, e por isso eu não havia saído comninguém após. Converti-me em cristal quebrado.

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Frágil, incompleta, e cortando a qualquer um que tratasse deme tocar.

Podia fazer isso através de escola, sorrindo para ocultar ointumescimento, mas não poderia manter uma pequena conversacom um namorado.

Ainda sondando meu rosto, Madison disse: —Talvez se você tornar-se glamorosa, os guardas de segurança

pensarão que é uma estrela convidada. —Não. Não podemos ser alguém suficientemente importante

que as pessoas prestem atenção. Só temos que ser um dostrabalhadores sem rosto que têm um lugar ali. Já me ocorrerá algo.

Depois disso, Madison e eu trocamos de lugar. Ela conduziu eeu me acomodei na parte traseira com o computador portátil.Procurei no Google algumas variações de “excursões ao set do filme”,tratando de obter uma ideia de como poderia ser um estúdio, o quepoderíamos esperar encontrar quando conseguíssemos chegar, emais importante ainda, onde poderiam estar suas debilidades emsegurança. Então, tentei usar a internet para encontrar onde estavamos lugares ao ar livre de Teen Robin Hood, em caso que estivessemrodando ali em lugar do estúdio.

O computador não produziu nenhuma pista nesse aspecto, masme figurei que não podia estar muito longe do lugar. Revisei as vistasaéreas de Burbank procurando áreas abertas, áreas com bosques eescrevi as poucas possibilidades que vi.

Coloquei o DVD no computador portátil e vi uns poucosminutos de um episódio, em sua maior parte ignorando a história eolhando o fundo.

Os homens do xerife montavam a cavalo sobre colinas, e haviatambém um rio. Não tinha visto um rio em qualquer lugar perto doestúdio. Tinham os produtores do programa de televisão produzidouma espécie de rio? Isso seria possível? Só tinha que esperar que oelenco estivesse trabalhando no set neste momento, era isso ou queas pessoas do local soubessem onde estavam os lugares ao ar livre.

Minha atenção, entretanto, manteve-se abandonando o fundoe descansando sobre Robin Hood. Bom, como podia evitar cravar osolhos nele? Eles tinham todas essas fotos em primeiro plano. Fotosque mostravam sua mandíbula quadrada, penetrantes olhosmarrons, e um sorriso impossível. Seus cabelos caiam até seus

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ombros em desordenadas ondas loiras, e ele inclusive fez que oridículo chapéu de plumas ficasse bem.

Movia-se sem esforço, congelado no tempo e espaço no laptop,mas na realidade estava ali fora em alguma parte. Perguntei-me oque ele estaria fazendo neste mesmo instante.

Eventualmente rompi minha atenção de seu sorriso, saltei até ofim do episódio, e escrevi todos os nomes das pessoas quetrabalhavam no set. Do diretor, Dean Powell, até bem abaixo dele.—não tinha nem ideia do que era isso realmente. O mesmo com ogaffer.

Sempre pensei que um gaffer fosse um homem realmentevelho, mas aparentemente não.

Tinha a esperança de memorizar alguns dos nomes, de formaque, quando chegasse ao set, pudesse me assemelhar a alguém quepertencesse ao lugar, mas o grande número deles me deixou aflita. Oque faziam todas estas pessoas? Poderia invadir um país com menosgente.

Dei uma busca pela internet por Dean Powell assim seria capazde reconhecê-lo caso o visse. Encontrei uma entrevista dele e umafoto de um homem que, apesar de sua vestimenta informal e seucabelo até os ombros, parecia severo, temperamental, e não como otipo que apreciaria duas garotas adolescentes introduzindo-assigilosamente dentro de seu set. Não compartilhei esta impressãocom Madison, entretanto.

Enquanto estudava enlaces do estúdio, outra coisa ficouevidente:

As pessoas do cinema possuíam uma linguagem própria. Repetio vocabulário em voz alta: imagens sem editar, plataforma decâmaras, dublagem, dunning… memorizando as palavras de umamaneira que teria assombrado meu professor de inglês.

Ao mesmo tempo, examinei cuidadosamente a ideia paraentrar no lugar das filmagens. Poderia me fazer passar por umrepórter de uma revista para adolescentes ou possivelmente alguémentregando algo para o vestuário, talvez a assistente de um agente.Fechei os olhos tentando considerar todas as possibilidades. Ozumbido das rodas mesclando-se com meus pensamentos, girando egirando, e a seguinte coisa que soube foi que eram cinco e trinta eMadison estava aproximando-se de um posto de gasolina emBurbank. O estúdio estava justo mais abaixo da rua.

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***

Enquanto Madison colocava gasolina no tanque do carro, entreina loja e comprei bebidas.

Fiquei de pé na caixa registradora, ainda tentando me desfazerdas últimas e embotadas sensações do sonho, e olhei ao atendenteidoso. Poderia dizer que era solitário.

Algumas vezes ser capaz de ler às pessoas deixa-me triste. Noprincípio, incomodava-me perceber quantas pessoas são, no fundo,egoístas. Agora tomo com calma, mas a solidão das pessoas ainda medeixa deprimida. Entretanto, soube que ele não se importaria de falarcomigo.

O que tinha que fazer era perguntar e ele me diria tudo o quesabia sobre o estúdio.

Tentando soar como uma turista, perguntei: —Eles fazem excursões nesse estúdio rua abaixo? Ele negou com a cabeça. —Não quando estão rodando a série. Poderia confirmar com

eles, entretanto. Não me ocorreu que poderiam não estar filmando agora, e dei

um suspiro de alívio. O que teria feito caso eles estivessem de folga? Manuseei o chiclete localizado em frente a caixa registradora

como estivesse tratando de decidir o sabor. —Estão filmando agora mesmo, neste mesmo instante? —Não, com certeza já terminaram. Sempre saem cedo quando

os Lakers têm um jogo de basquete, já que o senhor Powell é umgrande fã. —Ele tomou o pacote de chicletes de minhas mãos e opassou através do caixa—O estúdio inclusive tem seu camarote naquadra esportiva. Uma suíte de luxo. Uma das vantagens da fama.

Dei meu dinheiro para ele. —Todos eles vão até lá? Ele abriu a caixa registradora e assentiu com a cabeça. —Ele sempre está por lá. Esse menino que interpreta o Robin

Hood é um cliente habitual. —De verdade? —A palavra saiu de minha boca muita ansiosa, e

o homem riu de mim. —Sim, os jovens sempre vão lá para vê-lo. As senhoras mais

velhas têm um gosto pelo Xerife de Nottingham. —Ele me deu o

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troco—Eu deveria ter sido um ator. Pensar no dinheiro quedesperdicei na colônia, quando todo o tempo simplesmente tinhaque lançar algo longe na televisão com um acento inglês.

Ele poderia ter dito mais alguma coisa, mas já havia recolhidominhas compras e já estava caminhando para a porta.

—Obrigada —gritei de volta, então corri apressada através doestacionamento para a caminhonete.

Isso significava que não tinha que esperar até manhã.Poderíamos tentar encontrá-lo esta noite. O pensamento me fezsentir tão nervosa como excitada. Poderia fazer isto? Sim ou não? porque outra razão teria feito todo este caminho?

Enquanto jantávamos apressadamente, utilizei o Map Questpara ter o endereço do Staples Sports Center em Los Angeles.

—Vale a pena tentar—disse. Minha mente fazendo cliqueatravés das opções, processando um plano.

—Onde vamos conseguir as entradas? —perguntou Madison—.Não trouxemos muito dinheiro.

Joguei um pedaço de sanduíche em minha boca e não respondi.Madison abaixou a maçã que estava comendo, seu rosto tenso.

Me enviou um olhar incrédulo. —Vai entrar escondida no jogo, não é? —Não. Esperaremos até depois do meio tempo para aparecer. Nesse momento a segurança não é tão forte. Madison relaxou o suficiente para dar outra dentada em sua

maçã. —Bom, isso pode funcionar. —É obvio, ainda temos que entrar às escondidas no camarote. Ela agarrou sua maçã. —Meu estômago ficou doendo de repente. —Disse que queria vir comigo —recordei a ela. —Sim, porque pensei que poderia impedi-la de fazer algo

estúpido. Começo a me perguntar se isso é possível. Manuseei a casca de meu sanduíche e não disse nada. Isso

parecia estúpido, mas o que vai importar caso não funcione? Nãoestaríamos piores do que estamos agora. E poderia funcionar.Realmente, tudo isso do pensamento positivo que tenho lido deveestar fazendo certo efeito em mim.

Sorri para Madison para mostrar a minha confiança.

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—Tudo ficará bem. Só vamos precisar parar em uma loja desegunda mão para procurar algo que pareça como um uniforme.Talvez alguns aventais ou coletes. —Agarrei o laptop outra vez evoltei para o Map Quest.

Ela não deixou de agarrar firmemente sua maçã. —Sabe, toda esta escapatória é um mau carma e retornará

para mordê-la algum dia. E inclusive caso isso não aconteça —disse,antecipando-se a minha total falta de preocupação no departamentodo carma, —nossos pais nos matarão se formos presas.

—Não seremos presas. Deus me deve muito. Madison acomodou-se e olhou a tela do computador, onde

havia levantado uma lista de lojas de segunda mão. —Pensei que não acreditasse mais em Deus. —Nunca disse isso. Disse que não falaria com ele nunca mais. Madison deixou escapar um suspiro. —Oh, estupendo. Estamos a ponto de fazer algo arriscado, e

você repreende Deus de antemão. —Madison voltou seu rosto paracima e gritou—Ela não quis dizer isso.

Girei os olhos. —Não me olhe assim —disse—.Quando estiver no cárcere e eu

não, vamos ver quem girará os olhos. Dei para Madison o computador portátil e coloquei a

Caminhonete em marcha. —Há um bazar de segunda mão a um par de quilômetros de

distância.

Capítulo 4

O problema com as direções da internet é que nem sempre sãoclaras. Essa foi a única razão pela que levamos uma hora chegar a aloja e não, como disse Madison, porque manejo muito rápido, passopelas ruas, e dou voltas imprudentemente no meio de quatroavenidas de tráfico. Mas chegamos a salvo o que, disse a Madison,provava que não estava exilada do rebanho de Deus depois de tudo.

Compramos um par de calças negras e camisetas brancas combotões, que é praticamente o uniforme típico de uma garçonete.Depois, fomos à loja de artigos de beleza para o toque final: redes

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para cabelos que gritavam “serviço de comida”, porque nenhumapessoa sã as usaria de outra forma. Trocamo-nos no McDonald´s, enos dirigimos ao Staples Sports Center quando terminava o meiotempo.

Pus em meus bolsos moedas, chaves, e a foto de Jeremy,depois empurramos nossas bolsas para baixo dos assentos paradesalentar os ladrões. Não podíamos levar nada conosco porqueteríamos que ser vistas como se estivéssemos trabalhando em umadas cabines de refeições.

Apressamo-nos através do estacionamento e entramos noedifício.

Nenhum dos porteiros nos fez perguntas. Essa parte, ao menos,não podia ter sido mais fácil. Entramos e saíamos da multidão queestava retornando a seus assentos, até que encontramos uma cabinede refeições.

Comprei dois pacotes de pipocas, três hot dogs, um pretzel eseis refrigerantes.

Deram-nos uma bandeja para carregar as bebidas, mas haviasuficiente comida para que nossas duas mãos estivessem cheias. Essaera a coisa importante.

Enquanto nos afastamos, disse para Madison: —Agora só temos que encontrar o camarote correto. Saberíamos qual era o correto porque o camarote que as

estrelas frequentavam teria um guarda de segurança na entrada. Oplano era caminhar e dizer que o Sr. Raleigh solicitou a comida. Oguarda de segurança ou nos olharia estranhamente e diria “Quem é oSr. Raleigh?” ou nos deixaria subir.

Caminhamos ao redor do estádio, passamos por guardas desegurança mas não vimos nenhum guarda nas entradas das escadasou elevadores. Comecei a acreditar que havia me enganado. Mastalvez os guardas de segurança estivessem do outro lado da porta.Talvez ninguém do elenco de Robin Hood desta vez tenhacomparecido ao jogo. Talvez o homem do posto de gasolina estivessesomente contando histórias para impressionar os turistas.

Mas depois eu o vi. Um rapaz tão grande que pertencia aocampo de futebol. Usava um fone de ouvido e seu olhar era sério.Suas mãos estavam cruzadas em frente a ele como uma luz de néonque dizia EM SERVIÇO. De pé ao lado da porta do elevador, recordava

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a um touro em um pasto. Podia dizer nesse momento que ele não sóera um guarda de segurança, ele na realidade estava vigiando algo.

—É este —sussurrei a Madison — Lembre-se de como agir. —Meu passo diminuiu involuntariamente. Forcei-me a dar passos nadireção do rapaz. Trate de parecer confiante.

Caminhei para o homem, assentindo com a cabeça. —Olá, esta é a comida que o Sr. Raleigh ordenou. Quer

pressionar o botão do elevador por mim? Minhas mãos estãoocupadas.

Olhou-me sem impressionar-se. —Tem um passe? Descansei as bebidas em meu quadril. —Não, mas tenho uma ferida real em meus pés. Vai pressionar

o botão por mim? —Não posso deixar passar ninguém sem um passe VIP, mas

posso chamar alguém que desça e leve estas coisas. —Alcançou obotão do fone de ouvido.

Ajustei a bandeja em meu quadril, movendo-a mais longe dele. —Não posso simplesmente entregar a comida. Ainda não foi

paga. Agora os olhos do homem se reduziram. —Não puseram em sua conta? —Vá, bem. Sua conta. —Sabia que me tinha vencido, mas tratei

uma última vez—. Olhe, seria muito problema que nos deixasseentregar? Nunca estive em um camarote luxuoso.

Ele encolheu os ombros desdenhosamente. —Sinto muito. Sem um passe não deixaria nem minha mãe.

Alguém estará aqui em um minuto. Então esperamos, apanhadas por nossa mentira. Madison

estava de pé a meu lado, tremendo o suficiente para que cada certotempo, um pedaço de pipoca caísse de sua bandeja ao piso.Perguntava-me se quem viesse saberia que estávamos mentindo egritaria ou nos entregaria. Mas de novo, talvez fosse Steve Raleigh.

As portas possivelmente seriam abertas e veríamos seudesgrenhado cabelo loiro e seu sorriso arrogante. Talvez ele inclusivedissesse algo com o irresistível acento inglês. Oh, espera, o acentoprovavelmente era fingido. Tratei de imaginar Steve Raleigh soandocomo americano, mas só por um momento. Teria que pensar em algo

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para falar com ele. Como alguém fica à vontade com alguémenquanto lhe entregam um refresco?

Finalmente, a porta do elevador abriu e um rapaz que nãoreconheci saiu. Um cordão com uma etiqueta azul pálido em que selia PRODUÇÃO BALLARD, estava pendurado em seu pescoço. Só umasimples peça azul de papel estava me mantendo aqui embaixo.

O moço olhou sobre a comida. —Homem, eles têm costela de primeira lá em cima e alguém

pediu hot-dogs? —Sacudiu sua cabeça—.Aí é quando se sabe queestá sobre alimentando o talento: quando eles adoecem de costelade primeira.

Alongou suas mãos para tomar minha bandeja e a entreguei acontra gosto.

Toda aquela comida teve um custo de quarenta e cinco dólares.A comida do Estádio é muito cara. E eu não só a paguei, como nãopodia comer nada dela.

O rapaz olhou para Madison. —Terei que fazer duas viagens para levar isto. —Está bem —disse ela. Sua voz saiu como um grasnido. A porta

do elevador fechou e ficamos paradas silenciosamente olhando umapara a outra.

O guarda perguntou: —Garotas, precisam retornar ao trabalho? —E estendeu suas

mãos para pegar as pipocas. Madison ficou olhando. —Acredito que será melhor. Eu assenti, e ela deu a comida. Demos pequenos passos longe

do elevador. Madison sussurrou: —Estávamos tão perto. Tão perto. Se falasse com o Steve Raleigh, poderia explicar… Olhei sobre meu ombro para o guarda de segurança. Ele já não

estava prestando atenção, de fato, estava comendo algumas daspipocas. Dei uns quantos passos mais para me assegurar que nãopodia nos escutar falar.

—Acredita que há alguma forma de possamos adquirir umpasse VIP?

—Na realidade, não —disse ela. Olhei além dela, minha vista à deriva em direção aos degraus.

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—Tomaria um pouco de tempo. Precisamos encontrar uma lojapara material de escritório que enfaixa papel azul claro e essasetiquetas para nome, depois teria que ter acesso a uma impressoracom a letra correta.

Também precisaria trocar por completo minha aparência.Quanto tempo supõe que vai durar o jogo?

Ela não respondeu, mas não importava porque nesse momentonotei um rapaz que caminhava em nossa direção. Ele era alto,provavelmente 1,87, e vestia uma jaqueta da equipe dos Lakers comuma boina de esqui e algumas mechas de cabelo castanho apareciamna sua testa. Óculos pretos postos em seu nariz, o que lhe dava oaspecto de um atleta tratando de passar como um intelectual.

Era suficientemente bonito que automaticamente me encolhipor dentro. Empurrei ao azar todo meu cabelo dentro da rede paracabelo, a que sem dúvida me fazia parecer como se um castor loirozangado estivesse atacando minha cabeça. Era muito bonito, mas omais chamativo a respeito dele era seu passe azul de ProduçõesBallard que estava ao redor de seu pescoço.

Eu o queria. Olhei seus olhos café escuro, tratando de calcular sua

personalidade enquanto se aproximava. É difícil fazer isto com genterealmente atraente porque algumas vezes apanho o que eu queroque eles sejam em lugar do que são. Este rapaz definitivamente faziaminha concentração ficar difícil, pois eu possuía um entrosamentofamiliar com ele. Como se fosse um velho amigo. Podia dizer que eraum tipo de rapaz decente, um que ajudaria alguém que ficou preso aum lado da estrada. E eu estava a ponto de ficar tão presa comopodia estar.

Dei vários passos para ele e o interceptei antes que chegasse aoguarda de segurança com o fone de ouvido.

—Vai para o camarote? —perguntei-lhe. Olhou, surpreso. —Sim. —Trabalha para o estúdio de TV? Encolheu os ombros. —Às vezes. Meu olhar retornou ao passe aparecendo na frente de sua

jaqueta. Não podia pensar na melhor forma de lhe perguntar, assimque o deixei escapar.

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—Isto vai parecer uma solicitação estranha, mas tenho umarazão perfeitamente legítima para perguntar. Posso tomaremprestado seu passe por uns poucos minutos?

Madison chegou perto de mim neste momento, mas não dissenada.

Ficou lançando olhares nervosos ao guarda de segurança. Um olhar intrigado passou pelo rosto do moço. —E qual é sua razão perfeitamente legítima? Eu vacilei, incerta do que na verdade deveria dizer. Abaixei

minha voz. —Preciso falar com Steve Raleigh. —De verdade? —O rapaz levantou sua cabeça, um sorriso

divertido em seus lábios—O que são vocês, admiradoras, escritorasou…? —Seus olhos viajaram sobre nossas calças negras, camisasbrancas e redes para cabelos—. Suponho que atrizes cheias deesperança. —moveu-se como se fosse passar por nós—. Sinto muito.Steve não tem nada a ver com o elenco.

—Espere. —Coloquei-me em seu caminho para que nãopudesse escapar—. Não é isso. Sou uma admiradora. Uma grandeadmiradora, na realidade e tenho um favor que preciso pedir… é umacoisa de caridade, mas pode ser boa publicidade para ele também,e…

Levantou uma mão para deter-me. —É uma grande admiradora? —Olhou-me, claramente com

dúvida. —Sim. —E para provar acrescentei: —Posso dizer como ele

realiza quase todos seus truques.—. Fez duas peças na Broadway etrês filmes. —Recitei os títulos, embora nunca tenha visto nenhumdeles. Depois me lembrei de mais dois fatos que pude recordar—.Tem um casal de cavalos, e fez seu primeiro comercial quando tinhanove anos. Um comercial de pasta dental. O pagaram com fio dental.Bom, não realmente, inventei essa última parte, mas o resto éverdade. Assim como pode ver sou uma grande admiradora. Poderia,por favor, me emprestar seu passe?

Ele olhou para cima, pensando, logo retornou seu olhar parameu rosto.

—Que tal se fizer um trato comigo? Eu farei uma pergunta arespeito de Steve Raleigh. Se puder responder corretamente, eu ficoaqui embaixo e lhe dou meu passe para que possa ir ao camarote.

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—Está bem. —A ansiedade picou em meu interior, e quasericocheteou nas pontas de meus pés. Uma parte de minha mente jáestava riscando um plano para o seguinte passo. Tinha que mudaralgo mais para que o guarda não me reconhecesse. Se vestisse minharoupa normal provavelmente não fosse suficiente. Poderia obter unsóculos de sol? Um chapéu?

—Aqui está a pergunta —disse o rapaz—.Como é Steve Raleighna vida real?

Vacilei, porque era uma pergunta óbvia. —Ele tem… —Quis dizer cabelo loiro, mas de repente não

estava certa. Só assumi que era loiro porque é como o vi em HobinHood. Mas em uma das fotos que vi em minha busca na internet, eletinha o cabelo negro até os ombros e um bigode—que usou quandointerpretou um papel como pistoleiro do oeste. E seus olhos erammarrons. Mas nas fotos do filme da Guerra Civil, ele estavanovamente com o cabelo loiro. Do mesmo modo que para o filme doViking. Em alguns lugares na internet, tinham fotos dele como RobinHood, fotos de seus filmes, e uma foto dele sentado em uma cadeirasustentando um violão: seu cabelo era castanho nessa foto, masimaginei que fosse uma foto de uma de suas obras.

De repente, desejei ter feito mais buscas. Madison foi a únicaque procurou em todos os lugares na internet a respeito dele. Eupassei meu tempo durante a viagem memorizando nomes do DVD,aprendendo o jargão do filme, estudando os sets e tratando deencontrar a locação exterior.

Olhei para Madison pedindo ajuda, mas ela estava olhandocom os olhos muito abertos para o rapaz e não estava prestandoatenção em mim.

Como o rapaz estava esperando que terminasse minharesposta, balbuciei:

—Ele tem…olhos cor de café. O moço ficou olhando em silêncio, esperando que eu falasse

mais. Um sorriso aparecia nos cantos de sua boca. Madison deixou

sair um som que era meio ofego, como se houvesse dito a coisaincorreta, o que me incomodou já que os olhos dele eram mesmo dacor do café. A menos que usasse lentes de contato na série de HobinHood. Decidi não considerar essa possibilidade, e continuei,ignorando todo o assunto do cabelo.

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—E é alto, e tem mandíbula cinzelada… Madison ofegou de novo. Não entendia por que ela estava

fazendo isto. Eu conhecia essa parte bem. —E está em boa forma. Ele tem, mmm..., realmente bons

músculos em seus braços, e… —Cabelo loiro ou castanho? —perguntou-me o rapaz. Fiquei olhando para Madison outra vez. Ela continuava olhando

para o rapaz, sua boca meio aberta como se fosse dizer algo, mas nãodisse. Decidi adivinhar. Ele ficava muito bem loiro; devia ser sua cornatural.

—Loiro —disse. Ele encolheu os ombros e me deu um sorriso conciliador. —Sinto muito, falhou no teste de grande admiradora.

Realmente é castanho. —Adiantou-nos antes que eu pudesseprotestar ou pensar em algo mais a dizer.

Eu o vi afastar-se, com um “Mas…” suspenso em meus lábios. Antes que ele tivesse dado uns poucos passos, o guarda de

segurança caminhou em nossa direção. Grunhiu para Madison e paramim, depois voltou seu olhar para o rapaz.

—Espero que estas garotas não o estejam incomodando, Sr.Raleigh.

O moço nos deu outro sorriso, o mesmo sorriso arrogantesatisfeito, que agora percebia, tinha visto uma e outra vez em TeenRobin Hood.

—Não, só estávamos conversando. São minhas grandesadmiradoras.

E com uma inclinação muito a Robin Hood em nossa direção,desapareceu no elevador.

Capítulo 5

Madison jazia em uma das camas de nosso quarto do motel, eeu jazia na outra. Sugeri dormir na minivan porque já tínhamos gastoa maior parte de nosso dinheiro, mas Madison havia trazido o cartãode crédito de seus pais. Deram para que ela usasse em caso deemergência, e ela imaginou que ter que dormir em uma minivan emum estacionamento na Califórnia constituía uma emergência.

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Quando seus pais notassem o gasto, já estaríamos em casa paraexplicar.

Mesmo assim, tínhamos ido ao motel mais barato quepudemos encontrar em Los Angeles. As paredes estavam sujas, otapete estava opaco, e os lençóis estavam tão gastos e eram tão finosque poderia ser usado como papel.

Era tarde, mas não queria pôr os pijamas ou escovar os dentes.Deitei ali vestida olhando o teto. Desejei poder ter um bom e longoataque de pranto, mas por alguma razão não consegui chorar.

Minha mãe chora. Chora muito agora. Posso dizer algoperfeitamente normal como: “Viu minha tarefa de matemática?” eela estalaria em lágrimas e correria para seu quarto. Não tem sentidotentar reconfortá-la.

Leah é uma perita no pranto. Eu sempre a vejo chorar quandomeus pais brigam com ela, e logo depois parar quando elesausentam-se do quarto. E não estou falando de choramingo, algo quequalquer um pode fazer, estou falando de verdadeiras lágrimasjorrando por pelas faces.

Quando éramos pequenas e nos metíamos em brigas, meuspais ouviam seu lado da história em um pranto e depois o meu, comos olhos limpos, sempre me colocava em problemas. Assimdefinitivamente vejo o benefício de chorar.

É somente quando algo sai mal em minha vida e estouultrapassada pela frustração, há um momento onde fico balançandoentre a ira e as lágrimas. Posso sentir, mas de alguma forma minhasemoções sempre se deslizam para a ira.

Realmente não queria chorar enquanto jazia ali pensando emmeu encontro com Steve Raleigh. Queria gritar, forte erepetidamente. Mas não podia. Essa é uma coisa de nossa sociedade;entendemos completamente quando uma pessoa tem uma crise echora, mas se essa pessoa grita a todo pulmão em um quarto demotel, com certeza os outros hóspedes fugirão do edifício e ogerente do motel chamará à polícia.

—Se pensou que fosse ele, —eu disse a Madison pela terceiravez. — por que não disse nada? por que não me deteve?

Pela terceira vez, ela me respondeu pacientemente. Sentou-sena beirada de sua cama aplicando loção em suas pernas e depois meolhando.

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—Porque eu não estava certa e teríamos parecido ainda maisestúpidas se na metade do interrogatório eu houvesse dito: “Ei”!“Você não é Steve Raleigh?” E caso não fosse? Além disso , —adicionou mais calmamente, —quando percebi de que poderia serele, perdi toda a capacidade de falar.

Estendi os dedos sobre o cobertor antigo. Em lugar de sersuave, parecia vagamente como papel encerado.

—Bom, preferiria parecer estúpida frente a um tipo queresultasse não ser Steve Raleigh que diante de um que sim, fosse ele.

Terminou com suas pernas e começou a pulverizar loção emseus braços.

—Ainda não posso acreditar que fosse ele. Steve Raleigh. De péfrente na nossa frente. Falando conosco.

—Sim. E ficamos como tolas. —Estremeci quando disse isso.Doía recordar.

—Sim, ficamos como parvas frente a Steve Raleigh , — disse elasonhadoramente. —Não acreditei que fosse tão lindo na vida real, evocê?

—Obviamente não pensei muito em como parecia na vida real,ou o teria reconhecido... mas você, Madison, você viu todas essasfotos na Internet, por que não disse algo?

Deixou a garrafa com um ruído surdo, e sua voz ficou maisaguda.

—Sim, porque dessa forma se ele tivesse lhe dado um passepara que pudesse ir ao camarote... onde ele claramente não estarialá. Estávamos arruinadas no momento em que falou com ele semsaber quem era.

Ela estava com a razão. Deveria tê-lo reconhecido. Além da cordo cabelo, o chapéu, e os óculos, eu o vi tantas vezes em seu papelde Robin Hood que deveria saber quem era. Mas ninguém espera vercelebridades, sem anunciar-se e vestindo roupas normais, ali derepente, no mundo ordinário. Além disso, fiquei me concentrandotanto em conseguir um passe, estive tão ocupada decifrando oseguinte passo em meu plano, que minha mente só processou o quenão deveria.

Rodei para um lado na cama e coloquei minha mão natêmpora.

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—Lamento, Madison. Sei que foi minha culpa, não sua. Deveriasaber que seria ele, e deveria ter deixado claro que meu irmãozinhoera seu grande fã.

O silêncio encheu o quarto, e não tinha certeza de que Madisonaceitasse meu ramo de oliveira ou não. Depois de um momento,voltou-se com sua voz suave.

—Ainda que o tivesse reconhecido, poderia não ter resultadodiferente. Ele não parecia muito interessado em fazer favores aninguém. — Abriu os cobertores e deslizou para baixo deles. — Aomenos podemos dizer que tentamos. Pense desta maneira, terá umahistória realmente divertida para contar a seu irmão sobre comoconhecemos Steve Raleigh.

Só que Jeremy não pensaria assim. Não poderia ir para casa edizer para ele que havia mentido sobre tudo e que não havia umverdadeiro gênio para ajudá-lo na cirurgia. Simplesmente nãoconseguiria.

Deitei-me de costas e uma vez mais olhei para o teto. —Tenho que tentar vê-lo uma vez mais. Iremos ao estúdio

amanhã e tentaremos falar com ele . A dúvida relampejou no rosto de Madison. —Annika, foi um milagre que o víssemos esta noite. Como

vamos entrar no set? Como, sim. Era momento de decidir isso. Pensei no lugar da

Web que falava sobre todo o jargão técnico que as pessoas datelevisão usavam, deixando-o correr por minha mente. Parecia quetinham um nome diferente para tudo. Nem sequer chamavamfornecedores de comida os fornecedores de comida.

Eram artesãos da comida. Mas provavelmente todos vestiam omesmo tipo de uniforme. Quem teria acesso ao lugar se não usasseum uniforme?

E então pensei nisso. —Temos que encontrar uma loja de mascotes antes de ir ao set

—disse a Madison. —Seremos treinadoras de animais. Isso nos farápassar com segurança. Uma vez que estejamos no set, nós...

—Se Steve Raleigh não quis nos ajudar esta noite, —disseMadison, interrompendo meus pensamentos, —o que a faz pensarque vai ajudar-nos amanhã?

—Não tivemos a oportunidade de lhe explicar nada. Se pudessefalar com ele, poderia convencê-lo a visitar Jeremy. Além disso. —

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Apoiei-me nos cotovelos. Vestíamos uniformes do serviço derefeições e nosso cabelo estava metido em redes para cabelos. Estoudisposta a apostar que não será mais fácil nos reconhecer do que foireconhecê-lo.

Sustentei uma mecha de meu comprido cabelo loiro. Comoserá que ficarei com o cabelo castanho?

Madison levantou as mãos para protestar. —Oh, não... Não vou tingir meu cabelo. Nem peça. —Pode voltar a tingir depois —disse. — Vamos à loja agora

mesmo. Quer ser uma castanha, loira platinada? Ou poderiaexperimentar um negro azeviche.

—Estou cansada —disse. — Não vou a nenhuma parte estanoite exceto ao outro lado do quarto para apagar a luz.

Fiz essa concessão. O bom de Madison é que enquanto a deixeganhar alguma das batalhas, ela me deixa ganhar a guerra. Coloqueimeu pijama meti-me na cama, e tentei revisar todos os detalhes emminha memória para estar preparada para tudo manhã.

Depois de umas horas de escutar o aquecedor do quarto ligar edesligar, eventualmente adormeci. Minha mente voltou a meubairro: As filas de pátios de pedra, os cactos e palmeiras, ospequenos oásis circulares de grama crescendo entre os pátios depedra descoloridos pelo sol, a todas as coisas comuns, familiares, ereconfortantes. Agora estava em minha sala de estar, sua habitualdesordem me rodeando, me arrulhando com uma sensação desegurança.

E olhei pela janela e vi a Morte. Caminhava por nossa rua, virando sua larga e encapuzada

cabeça de uma casa à outra, procurando. Parecia deslizar semesforço, e entretanto cada passo golpeava o pavimento com o somdo gelo rompendo-se. O medo explodiu em meu peito, e gritei paraJeremy que ficasse escondido. Corri para fora, fechando a porta comchave atrás de mim. Não pude encontrar uma arma e não tinhatempo de voltar e pegar meu arco e minha flecha, assim peguei umapá. Caminhei para a figura de túnica, sustentando a pá em frente amim com mãos trementes.

—Passa longe de nossa casa —disse para ela. — Não a deixareientrar.

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Ela parou ficando apoiada em sua foice, largos dedos similaresa insetos aferrando-se a ela procurando apoio. Não podia ver seurosto, somente uma negra abertura sob seu capuz, mas pude ver queestava me considerando. Depois, seu rosto escuro afastou-se do meue olhou mais à frente para nossa casa. Endireitou-se e começou acaminhar nessa direção.

—Leve a mim em troca. —Eu disse. Minha voz não era mais queum sussurro, mas percebi que ela tinha me ouvido.

Sacudiu a cabeça lentamente, e quando falou, sua voz, era ocae rangente, deixou frio o ar ao redor de mim.

—Pensa que trato com anos ou décadas? Estará comigo logo.Não preciso negociar com seu tipo.

Moveu-se para continuar, mas antes que pudesse passar, fizum movimento rápido com a pá e tirei a foice de sua mão.

Caiu na rua com o estertor de infinitas cadeias. Tentei tomá-la, mas a afastou de mim com um salto e voou de

volta às mãos de seu amo. —Não tem o poder para me vencer —disse. —Então a atrasarei. Mas não podia. Ela caminhou através de mim e logo estava

mais à frente, deslizando-se para minha casa. Meu coração batia com tanta força que parecia catapultar-se

de um lado de meu peito ao outro. —Não! —gritei. A Morte desapareceu e percebi que estava sentada na cama do

motel. Madison estirou-se torpemente para a luz entre nós. —O que aconteceu? Pus a mão sobre meus olhos para defender meu rosto da luz. —Nada. Que horas são? —Três e trinta. Teve um pesadelo? Pestanejei, tentando localizar meu celular entre os conteúdos

esparramados da mesa de noite. A frustração fez com que minhasmãos ficassem torpes. Mesmo com a luz acesa, mesmo que soubesseque só havia sido um sonho, a sensação de pânico não meabandonou.

—Acredito que deveria ligar para casa e ver se Jeremy estábem.

—Às três e meia da madrugada?

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—Sim. Acredito que deveria me assegurar de que todas asportas estejam fechadas.

Ela esfregou uma mão sobre seus olhos. —Annika, quer despertar toda sua família para lhe perguntar

sobre as portas? Quem teme que entre? Não pude encontrar meu celular na mesinha então levantei

minha bolsa para procurar. Minha voz saiu muito rápido. —Qualquer um. A Morte, possivelmente. Todos deveriam

sempre assegurar-se de que suas portas estão fechadas com chave. Ela me olhou em silêncio com os olhos tentando ajustar-se

tanto à luz como a minha lógica. Ela poderia ter dito o óbvio, que era:“Está louca?”

Ou algo um pouco menos óbvio, mas ainda direto, como: “Nãoacredito que a Morte use a porta da frente. Usa a chaminé comoPapai Noel.”

Em troca disse. —Oh! Annika. —Saiu da cama, e caminhou para a cômoda.

Revisou entre seus conteúdos até tirar meu celular, colocando-o namesa de noite.

—Não posso ligar. Vão dizer para que eu volte para casa. Ligareiamanhã.

Assentiu e voltou para a cama. —Ele está bem. —Sei. — Disse Apaguei a luz e me estirei, peguei meu celular da mesinha.

Apoiei meu rosto no travesseiro e fechei os olhos, mesmo sabendoque não seria capaz de voltar a dormir.

***Pela manhã, comemos a maior parte de nossa reserva de

comida, fomos depois para uma farmácia e compramos tintura decabelo. Madison não disse nada sobre nossa conversa na metade danoite. Nem sequer comentou quando liguei para Jeremy antes daaula e contei-lhe uma história sobre uma irmã que amava tanto a seuirmãozinho que foi ao inferno para trazê-lo de volta. Usualmentecontava a Jeremy histórias sobre um menino valente, mas hoje eunecessitava que a irmã fosse a heroína.

—Supõe-se que é sobre uma mãe e uma filha. —Disse-meJeremy.

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Você sabe, Perséfone. Jeremy sempre diz seu nome como Pursé-n-fone,

provavelmente porque assim é a forma em que meu pai pronunciouquando leu a história para ele. Nenhuma insistência de minha partede que se pronunciava Per-sei-fone foi suficiente para mudar apronúncia de Papai ou de Jeremy. Fiquei eternamente agradecidaquando Jeremy deixou de idealizar Hércules e já não tínhamos queescutar as versões despedaçadas de mitos gregos e romanos depapai.

—Essa é uma história diferente. —Disse ao Jeremy. — Nesta,uma irmã e um irmão estavam jogando uma bola de beisebol umpara o outro fora de sua casa. Viviam perto de um escarpado e seuspais disseram que não deviam jogar perto da beirada, mas nesse dianão escutaram.

—Qual é o nome da irmã? —perguntou. —Como quer que se chame? —Annie. —Disse ele. — E o nome do irmão é Jeremy. Hesitei. Não queria usar seu nome nesta história, como se

ligasse seu nome com o inferno o colocasse em perigo. Entretanto, ele não esperou que me ocorresse uma razão lógica

para protestar esta decisão. —Então Jeremy e Annie estavam jogando basquete. —

Apressou. —E depois o que aconteceu? —Bom, o irmãozinho correu para apanhar a bola, e caiu pela

beirada do escarpado até o inferno. De fato, quando Hades oencontrou, Jeremy estava tentando recuperar a bola de Cerbero, ocão de três cabeças. Sabe como são os cães. Eles amam jogar eapanhar uma bola.

Uma cabeça estava com a bola, e as outras duas não deixavamde lamber o rosto de Jeremy.

Jeremy riu, mas não comentou, assim continuei. —A família de Jeremy sentia saudades terríveis, assim Annie

decidiu ir pegá-lo e trazê-lo de volta. —Como entrou no inferno? —Perguntou Jeremy. —Chorou tanto que suas lágrimas formaram um rio, e as

lágrimas de dor sempre levam a um rio. Ela simplesmente seguiu ocaminho para lá. Bom, é obvio, Hades não queria deixar Jeremy sairde lá. Hades tem uma política de proibição de saída quando se trata

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do inferno. Mas Annie foi diretamente para Hades e explicou quetinha que levar Jeremy com ela.

—O que disse Hades? Em minha mente tentei imaginar o personagem de animação

de Hades do filme “Hércules da Disney”. Queria responder com suavoz, com acento de Nova Iorque e tudo. Mas não pude vê-lo. Só vi aMorte por meu sonho, com seu rosto escuro e vazio. Eu a vi tãoclaramente que me fez ofegar, e uma onda de ansiedade percorreumeu corpo. Estava de pé no escarpado mais alto em uma infinitacaverna cinza, que nunca foi atravessada pela luz do sol.

Como não respondi, Jeremy continuou. —Hades se apaixonou por Annie porque ela era muito bonita? —Não, a Morte não tem coração, assim não lhe importa quão

bonita seja uma garota. —A Morte? —repetiu Jeremy. — Pensei que fosse Hades. —A morte é só outro de seus nomes. —Eu disse. —Então como Annie resgatou o irmão dela? Queria lhe dizer que ela cortou todo o cabelo, teceu uma corda,

e usou seu arco e flecha para lançar a corda feita de cabelo até abeirada do inferno. Logo depois os dois saíram juntos. Mas a visão dacaverna cinza era muito forte em minha mente. Ainda podia vê-la.

—Ela cortou todo o cabelo. —Comentei então. A Morte voltouseu olhar de gelo para mim.

“Não funcionará.” —E o trançou até formar uma corda, como a história da

Rapunzel. A voz oca da Morte ecoou. “É impossível.” —Depois Annie usou seu arco e flecha para disparar a corda até

a mesma beirada do inferno. Não deve ter soado convincente porque Jeremy deixou sair um

“Oh não” de descrença. —Seu cabelo não é tão comprido. —Disseele.

—Cresceu durante a caminhada para ao inferno. —Não é um caminho comprido para o inferno? Aparentemente esse final não poderia satisfazê-lo. No fundo,

ouvi meu pai chamando Jeremy. —Não terminei a história —falei. — Quando a flecha voou, ela

viu que a trança não era suficientemente longa. Mas tomou a mão de

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Jeremy e disse que encontrariam uma forma de escaparem juntos doinferno.

A voz de meu pai ficou mais forte, e soube que ele estava pertode Jeremy.

—Vamos, amigo. —Ouvi meu pai dizer. É hora de ir. —Mas Annika está me contando uma história. —Disse Jeremy. —Pode terminar depois. O ônibus está chegando. —Depois a

voz de meu pai apareceu na linha. — Não deveria estar na aula? —Estou tomando um descanso. —O que, tecnicamente, era

verdade. Ele não questionou. Em troca deixou que sua voz caísse até um

sussurro e adicionou. —Obrigado pelo “você sabe o que é” que deixou na cama.

“Sabe quem” vai adorar. —Não o faça esperar até Natal para abrir —disse. — Pode

entregar para ele em qualquer momento. —Possivelmente mais tarde esta noite —disse. — Agora melhor

voltar para a aula. Desliguei, liguei para a escola para dizer que estava doente, em

seguida telefonei à Sra. Palson e lhe pedi que uma vez mais fosseprocurar Jeremy na escola.

Tinha até a uma hora, bom, uma hora e meia se dirigisserápido, até que tivesse que partir para Nevada.

Tomou um bom tempo na parte da manhã para tingir nossocabelo. Madison e eu escolhemos um castanho dourado. Elacomprou tintura temporária que vai sair depois de lavadas, mas euescolhi a permanente. Uma parte de mim queria uma mudançapermanente, como se trocando minha cor de cabelo, pudesse deixartudo para trás.

Madison fez um alvoroço com seu cabelo, mas eu estavagostando do meu. Fazia com que meus olhos se tornassem de umazul mais escuro, mais misterioso. Frisei meu cabelo para que ficasseondulado e voluptuoso. Ajeitei até que caísse sobre meu rosto, edepois olhei esperançosa para o espelho. Assim, pensei, deve sercomo Leah deve sentir durante todo o tempo.

Madison parou detrás de mim, aplicando base de maquiagemem seu rosto, e ao mesmo tempo olhando para mim.

—Pensei que seria treinadora de animais, não uma aspirante aestrela.

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—Sou uma treinadora de animais. Mas uma com potencial deestrela.

Madison estabilizou seu rosto para aplicar rímel e pestanejou. —Não posso acreditar que você esteja fazendo isto. —Tampouco eu acredito que você esteja fazendo. Larguei meu cabelo e peguei uma sombra de olhos compacta.

Embora tenha notado que nenhuma de nós disse que não podiaacreditar que “nós estivéssemos fazendo isto”.

Ela riu mas não comentou. Às vezes me pergunto se não souuma má influencia para Madison.

Encontramos uma loja de mascotes e tivemos que esperar atéàs dez da manhã, quando então a loja abriu. Usando o cartão decrédito de Madison, compramos uma jaula cheia de coelhos e umaquário com uma píton da Birmânia de um metro e meio decomprimento. Intencionadamente escolhi uma serpente porquehavia pessoas suficientes que não gostavam de cobra e, digamos, seeu caminhasse pelo estúdio com uma píton sobre meu braço, aspessoas poderiam manter-se longe de mim.

A senhora na loja de mascotes me assegurou que a serpente,cujo nome era Herman—, era adorável e nada venenosa. Tirou acobra de seu tanque e a pendurou ao redor de seu pescoço comouma jiboia de plumas para provar seu ponto. A cobra sustentou suacabeça no alto, me examinando com seus penetrantes olhos negros elambeu o ar. Em seguida a senhora pôs a serpente ao redor de meupescoço e senti os músculos de meu corpo pulsar enquanto suasuave pele sedosa deslizava-se sobre a minha.

—Oh! sim —Disse em uma voz vários graus mais alto queminha voz normal. —Posso dizer que é adorável. Eu a levarei.

Fui capaz de voltar para a caminhonete antes de começar atremer sem controle.

Além dos coelhos e da serpente, compramos algumas pombasem uma grande jaula de arame para que nossa caminhonete ficasseparecida com uma que pertencesse a um par de instrutoras deanimais. Era uma boa ideia, exceto que tanto as pombas como oscoelhos aparentemente perceberam de que havia uma grandeserpente carnívora na caminhonete com eles. Enquanto conduzia, oscoelhos ricocheteavam em sua jaula, alternativamente chocando-seentre eles e com as grades, enquanto a cada momento as pombasbatiam as asas com frenesi.

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Causavam quase tanta distração como Madison aferrando-se amaçaneta da porta e dizendo em voz sibilante.

—Poderia, por favor, baixar a velocidade? Como para realizar seu desejo, chegamos a uma construção em

Burbank e avançamos pela cidade a passo de tartaruga. Eram quaseonze quando tomamos uma rua que levava ao estúdio. Peguei avelha boina de beisebol de papai que estava embaixo do assento e acoloquei em minha cabeça com a esperança de que me faria parecermais velha de alguma forma, ou ao menos irreconhecível. Logo meapoiei em meu assento, passei um braço de forma informal sobre ovolante enquanto nos detínhamos no posto do guarda. Um homemde meia idade com um uniforme branco me olhou com a mesmaexpressão de um gato que foi interrompido de sua sesta.

Sorri-lhe. —Olá, devo deixar uns animais para a filmagem. Ele olhou as jaulas, e as pombas fizeram um impressionante

intento de libertar-se ao tentar voar através de seu prato de comida.Vi sementes para pássaros pulverizando-se pela caminhonete.

—Onde está seu passe? —perguntou o guarda. Olhei ao redor como se o tivesse deixado em algum lugar

equivocado. —Sei que o trouxe comigo... lembro-me de tê-lo em minha

mão... .Revisei papéis que havia no assento entre Madison e eu,depois voltei a olhar..

—Acredita que esteja embaixo de alguma das jaulas? Madison encolheu os ombros. —Pode ser. Voltei-me para o guarda. —Isto pode levar um tempinho. Vou precisar levantar todas as

jaulas. Poderia me ajudar e pegar a serpente por um minuto? Madison deixou escapar um gemido de impaciência. —Não podemos chegar tarde. Sabe como fica o Sr. Powell

quando tem que esperar alguma coisa. —Não tomará muito tempo. —Eu falei. Ela levantou as duas mãos. —De acordo, mas não vou deixá-lo gritar comigo. Você pode

lhe dizer que teve que mostrar tudo isto ao guarda de segurança.

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O guarda deixou escapar um suspiro e nos deixou entrar comum movimento de sua mão. Tive que reprimir um grito de alegriaquando passamos. Estávamos dentro.

Capítulo 6

Estacionamos fora do estúdio. Peguei meu celular e a imagemde Jeremy vestido de Robin Hood que estava em minha bolsa,colocando tudo no bolso do Jeans e depois coloquei minha bolsadebaixo do assento.

Peguei o aquário da serpente da caminhonete. —Agora só temos que encontrar o trailer de Steve Raleigh. Madison assentiu com a cabeça, mas enquanto caminhávamos

pelo lugar, ela continuava lançando olhadas nervosas sobre suascostas.

Não levávamos muito tempo caminhando antes que o aquárioficasse muito, muito pesado.

Troquei seu peso, tratando de conseguir segurar melhor. —Acredita que ele tenha seu próprio trailer? —Não tenho ideia. —Esse é o problema da Internet. É muito boa em fornecer

dados inúteis como quantos cavalos tem uma estrela; mas nãofornece coisas importantes como a maneira para invadir seu trailer.

Madison me olhou com receio. —Quando diz “invadir”, significa “bater na porta”, certo? Não

vai forçar a fechadura ou algo assim, não? —Forçar fechaduras é muito difícil. Prefiro entrar através das

janelas... Deixou escapar um grunhido, assim acrescentei: —Não fique tão tensa. Hollywood está acostumada com as

pessoas tratando de entrar nos negócios. —Isso não é o que quero dizer, e sabe. Demos volta na esquina do prédio. E, em lugar dos trailers,

podia cheirar a comida. O aroma de algo picante e quente flutuava sobre mim. Dezenas de pessoas estavam sentadas nas mesas para comer.

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Muitas pessoas mesclavam em frente às mesas de bufês. Eraestranho ver gente vestida com trajes medievais sentadas ao lado deoutras pessoas vestidas com jeans e camisetas.

Automaticamente meus olhos procuraram a marca do chapéudo Robin Hood. Não o vi. Vários dos xerifes de Nottingham estavamali, vestidos com seus trajes, sentados juntos comendo, mas Stevenão estava com eles.

Também vi um corpulento homem vestido com uma camisaazul marinho no estilo dos policiais. Um guarda de segurança.

Troquei o peso do aquário para meu quadril e disse: —Steve não deve ter chegado ainda para alimentar-se. —Já sabe — Disse Madison—Talvez as estrelas mais famosas

comam em seus trailers. Não vejo nenhum deles aqui. Só tínhamos algumas horas para encontrá-lo; esperando que

não nos reconhecesse como as idiotas da noite anterior; e procuraruma maneira de falar com ele. O almoço seria perfeito para isso,mas, quem poderia saber qual era seu horário? Caso almoçasse emseu trailer, nós não gostaríamos de perder tanto tempo esperando-o.

Eu não podia me permitir o luxo de perder o tempo. Tampouco podia levar Herman comigo aos bufês. Estava

totalmente certa de que os animais verdadeiros não eram como ele. —Acredito que devemos nos separar —disse. Madison deixou escapar um grito de protesto; e me apressei,

antes de que ela falasse: —Caminhe pelas mesas de comida. Coma algo. Não é muito

difícil: Se alguém perguntar, diga que trabalha em acessórios. Fiqueaqui até que a tirem a pontapés, ou até que eu possa voltar. Se SteveRaleigh aparecer, sente-se a seu lado e não importa quantos MerryMan tenha que enfrentar para fazê-lo. Mas fale com ele. Explique asituação.

Ela assentiu com a cabeça. —O que você vai fazer? —Vou procurar seu trailer... Revisar o edifício do estúdio... —

Soava patético inclusive para meus próprios ouvidos e olhei paracima—. Se Deus me ama realmente, depois de tudo, encontrareiSteve Raleigh na sala de descanso.

Nem sequer estava certa de que os estúdios tivessem salas dedescanso. Essa era outra maneira em que a internet falhava.

Elevando o olhar ainda, adicionei:

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—Não é como se pedisse um milagre, certo? Só o quero cincominutos na máquina de refrescos.

Madison pôs sua mão sobre meu ombro e sua voz tomou essesuave tom que usa quando está preocupada comigo.

—Talvez não seja prudente julgar o amor de Deus pelos hábitosde Steve Raleigh na sala de descanso.

Olhei para Herman, que agora estava tratando de escalar asparedes do aquário. Provavelmente não gostava de estar enjaulado.

—Deseja-me sorte —disse, e logo dei a volta e me afastei daárea de bufês antes que pudesse mudar de opinião.

Continuei meu caminho ao redor do estúdio. E, nesta ocasião,quando dobrei a esquina, vi uma fileira de trailers que fraqueavam oedifício.

Ao menos uma dúzia de enormes Winnebagos estendia-sesobre o pavimento. Caminhei na direção deles, em busca de algumapista que me dissesse qual pertencia a Steve Raleigh. Seria genial seos trailers tivessem nomes nas portas; mas não tinham. Caminheipela parte dianteira deles, esperando escutar algo.

Talvez a voz de Steve. Mas, entretanto, não ouvia nada. No momento em que cheguei ao final da fila de trailers —

contei quatorze—, os músculos de meus braços queimavam com oesforço de carregar o aquário e minhas mãos picavam. Hermancontinuou me olhando com olhos de desaprovação. Possivelmenteninguém acredite que as serpentes possam ter um olhar feroz; mas,me acredite, realmente podem.

Além dos trailers pude ver um curral com cavalos, com débeissons de cascos e relinchos. Precisava permanecer longe dali, assimnão me encontraria com algum dos animais verdadeiros que osvaqueiros usavam.

Apoiei o aquário contra meu quadril e voltei a olhar os trailers. Qual seria o de Steve? Bom, era boa decifrando as pessoas,

possivelmente podia decifrar os trailers também. Meu olhar subiu e desceu por eles. Tentaria no azul. Corri, ignorando a dor em minhas mãos. Bati na porta do trailer antes de pudesse me arrepender. Ninguém respondeu. Pus o aquário em meu quadril de novo, e acidentalmente eu o

Inclinei. Herman deslizou-se para um lado. Por um momento pareciaque estava fazendo uma versão de serpentes em uma onda.

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Talvez fosse o trailer do Steve Raleigh e ele não estivesse. Trateide abrir a porta. E ela abriu-se.

E nada de minha capacidade de decifrar os trailers: Era o demaquiagem. O espelho iluminado tinha fotografias dos membroselenco unidos a ele. Vidros de maquiagem e passadores para cabeloestavam desordenadas sobre balcão.

Desci o aquário com um ruidoso golpe, e o deslizei para baixodo balcão. Não podia levá-lo por um segundo a mais. Sacudi minhasmãos para tentar retornar o fluxo de sangue a elas.

Depois de uns minutos fazendo isso, percebi de que nãopoderia carregar o aquário novamente.

Inclinei-me e enfrentei cara a cara com Herman. —Olhe, seja uma boa serpente pelo resto do dia e logo o

levaremos de volta à loja de mascotes, de acordo? —Peguei a tampae tratei de recordar como o tinha recolhido a senhora da loja quandoo entregou. Era pela cabeça ou pelo meio? Coloquei a mão e o tireide sua gaiola. Então, ele se envolveu ao redor de meu braço, eesperei que não fosse um sinal de que estava pensando em comer-me.

Coloquei o aquário atrás de algumas caixas e saí, recordandoque as pessoas normais não param para conversar com garotas quepasseiam com grandes serpentes. Assim Herman era meu amigo, enão fiquei preocupada por ele querer subir em meu braço. Que era oque em nesse momento estava fazendo. Talvez estivesse com frio.Depois de tudo, esteve sem a luz de calor da loja de mascotes. Amaioria das pessoas que compram serpentes provavelmente as levapara sua casa para conectar os abajures; em lugar de utilizá-las paraespreitar celebridades.

Talvez se tocasse nas portas dos trailers, poderia encontraralguém que me pudesse dizer onde se encontrava Steve. Dirigi-me aopróximo trailer; mas antes que o tivesse alcançado, a porta abriu eLady Marion “Esme Kingsley, na realidade”, saiu.

Uma mulher segurava uma lata de spray para o cabelo atrásdela. A mulher tentava jogar spray nos cachos loiros de Esmeenquanto caminhava; mas tudo o que conseguia era criar uma nuvemde aerossol.

Eu as olhei, paralisada. Nem sequer gostava de Lady Marion;mas vê-la na minha frente, fez que tudo parecesse irreal.

Esme parou, e sua cabeleireira quase bateu nela.

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—Este vestido não está bem. —Esme puxou sua cintura—. Vêcomo está solto?

Não estava tão solto; mas a mulher assentiu com a cabeça detodos os modos.

—Disse-lhe claramente que o queria apertado ao corpo. Vouparecer gorda nisto. Verifica com Angelique. Agora mesmo.

Eu a imaginei como um vaso cheio de rosas. Bonita. Elegante. Mas era para o espetáculo e não tinha nenhuma

intenção de ser de outra forma. E possuía espinhos afiados. Ela girou sobre seus pés e voltou para o trailer. A outra mulher

caminhou para o edifício do estúdio, ainda sustentando a lata despray. Eu estava tão absorta observando-a, que somente agorapercebi que havia um guarda de segurança atravessando o caminhoem minha direção. Sem pensar, fui atrás da garota do spray,correndo para alcançá-la.

—Hei, espere! Herman não apreciou o passeio agitado. Senti seus músculos

flexionando-se ao redor de meu braço, e ela deslizou para meuombro.

Entretanto, agora que caminhava junto a cabelereira de Esme,esperei que o guarda de segurança acreditasse que pertencia aquelelugar. Ele sorria para agarota.

—Vou necessitar de alguém para abrir a porta para mim. Comopode ver, minhas mãos estão ocupadas.

Ela olhou à serpente, com desdém. —É verdadeira? Só em um estúdio de Hollywood alguém perguntaria se a

serpente que se arrasta em seu ombro é verdadeira. —É inofensiva —disse. Ela abriu a porta por mim, apressou-se a meu lado; porque

queria cumprir as ordens do vestuário de Esme, ou porque queriacolocar distância entre ela e uma cobra de um metro e meio.

Já que estava dentro do estúdio, e havia um guardacaminhando pelos trailers, decidi que podia dar uma volta paraprocurar Robin Hood. Caminhei pelo corredor. Terá o lugar uma salade descanso? Não tinha ideia para onde estava indo, mas caminheicom determinação de qualquer maneira.

Em pouco tempo senti como se estivesse entrando nas víscerasde uma estranha terra de fantasia.

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Tive que evitar ficar olhando os grandes panos de fundopintados de bosques e montanhas. Passei por uma sala cheia decabeças de manequins. Com certeza a sala tinha outras coisasarmazenadas também; mas uma vez que vê uma multidão de rostosolhando para você, realmente não percebe nada mais.

Segui caminhando, ainda procurando. Algumas pessoasolhavam curiosamente para a serpente, mas ninguém dizia nada.

Passei por um relógio que mostrava 11h45min. Já estava poraqui por quase uma hora.

Tratei de não contar o tempo que restava até que pudesseretornar. Ao longe ouvi vozes e me perguntei se estavam rodandoalgo justamente agora. O que aconteceria se uma garota em jeans euma boina de beisebol —sem mencionar a enorme serpente, vagasseno meio de uma terna cena entre Robin Hood e Lady Marion?

Passei por um homem folheando uma pilha de papéis. Eledeixou sua prancheta quando me viu.

—Para que é a serpente? Estava com problemas. Nos três segundos que demorei em

falar, senti suas qualidades. A autoridade fluiu dele como as ondas decalor no pavimento. Não seria capaz de sair-me bem agora. Sorri paraele e encolhi os ombros, de qualquer maneira.

—Eles a necessitam para o filme. —Qual filme? —perguntou—. Só estamos utilizando cavalos

hoje. Minhas entranhas ficaram frágeis. —Oh! Talvez tenha olhado o programa errado. Pensei ter

ouvido meu chefe dizer que era o dia da serpente. —Dia da serpente? Que guia necessita de uma serpente? —Ee... Na realidade, não sei. Só fiz o que ele me disse. —Quem disse que trouxesse uma serpente? Falei o único nome que teria sentido: —O senhor Powell. Com o nome do diretor, o homem retrocedeu um pouco e ficou

pensativo; disse para si mesmo: —Para que necessitaria Dean uma serpente em um convento?

— Então, falou mais alto—: Hei, Jim, pode vir aqui um segundo? Este teria sido o momento apropriado para ver minha vida

passar diante de meus olhos, mas meu olhar manteve-se firme no

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homem em frente a mim. Sem demora meu estômago caiu a meusjoelhos.

Quando Jim não respondeu, o sujeito virou-se para mim edisse:

—Fique aqui. Vou averiguar o que faz essa serpente aqui. OH, sabia o que estava fazendo. Supunha-se que devia sair

correndo pelo corredor levando uma serpente que, durante aconversa, decidiu que meu pescoço era o lugar mais cômodo de meucorpo. Ela estava envolta de minha clavícula, como um colar de réptil.

—Está bem —disse. Depois que o homem saiu de perto, caminhei o mais rápido que

pude pelo caminho anterior. Não podia correr, pois poderia chamarmuita atenção; além disso, se Herman ficasse assustado e esticasseseus músculos agora; poderia me estrangular. E isso não é o quealguém gostaria que os periódicos informassem: Jovem morreestrangulada por um píton nervosa, enquanto fugia de um set decinema.

Caminhei pelo corredor por onde tinha chegado, empurrando aporta para sair; e caminhei rápido para os trailers. Teria que meesconder, ou teria alguns minutos antes que chamassem asegurança?

Antes que pudesse analisar a pergunta, percebi um homem dasegurança rodeando a esquina do edifício. Não estava segura se eleestava me procurando; mas não ficaria pensando nisso. Meti-me notrailer mais próximos. Que era o de vestuário.

Bastidores de roupa se estendiam pelos trailers; filas devestidos medievais de todas as cores estavam ao meu redor. Lenços etoucas estavam pendurados em uma parede. Prateleiras de sapatosem outra. Não podia ver o que havia na terceira parede, porquehavia muitas caixas empilhadas contra ela.

Teria que sair do estúdio o mais rápido que pudesse. Percebiuma caixa perto de mim e a abri. Continha arranjos florais de seda,de cor rosa pálido. Bom, já não... Agora continha os arranjos florais euma grande serpente píton. Fechei os lados da tampa e depoisprocurei algo para pôr sobre a caixa para que Herman não pudesseescapar. Mais tarde faria uma chamada anônima de algum telefonepúblico em Burbank e diria a alguém como resgatá-lo. Coloquei umpar de botas na parte superior da caixa. Herman não seria capaz detirar as botas, certo? Quão fortes eram os pítons birmaneses?

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Em lugar de ficar a refletir sobre as habilidades das serpentes,tirei do bolso o meu celular e a foto de Jeremy, então me despi ecoloquei a roupa em um canto. Peguei um vestido comprido develudo da estante e o vesti. O segurança estaria procurando umagarota com uma boina de beisebol, não uma extra perdida.

Seria capaz de fazer Madison retornar e lhe dizer que tínhamosque sair. O vestido não tinha bolsos; assim pus a foto de Jeremy emeu celular em meu cinturão e o atei com força, para evitar quecaíssem. Peguei uma cinta de tecido circular e o coloquei sobreminha cabeça, como um halo de baixa altitude. Vi outras garotas usá-lo, assim funcionaria.

Abri a porta e apareci para ver se tudo estava bem. E a primeiracoisa que vi foi as costas de Robin Hood caminhando para o prédiodo estúdio.

Capítulo 7

Reconheci o chapéu de pluma de Robin Hood e sua túnica. Elejá estava a meio caminho do edifício, mas apressei o passo,levantando minha larga saia para poder correr.

Cortei a distância, dizendo em voz alta: —Senhor Raleigh! Posso…? Ele girou e parei em seco. Não era Steve Raleigh. Era um

homem vestido como ele. Minha boca se abriu e fiquei olhandofixamente para sua figura.

Ele me sorriu. —Eu a enganei, verdade? —Quando não respondi, levantou

suas mãos como tivesse dito uma brincadeira que eu não entendi—Sou o dublê. Claro que por um momento você deve ter pensado: uau,Steve Raleigh parece diferente na vida real.

Não, na verdade, pensei que os últimos vestígios de minhaprudência dissolveram-se repentinamente, mas não lhe disse isso.Simplesmente sorri fracamente.

—Simplesmente fiquei surpresa. —Assim que pude respirar, aincongruência me golpeou—. Pensei que o próprio Steve Raleighrealizasse suas cenas de ação.

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—Faz muitas delas. Mais do que o estúdio gostaria que fizesse.Isso é o que acontece aos adolescentes. Acreditam ser imortais.

As botas medievais de couro não fazem muito ruído no chão,essa é a única razão pela que não escutei ninguém se aproximandoaté que uma voz perto de meu ombro disse:

—Que não terá que acreditar? Então saltei meio metro. Quando virei, estava frente a frente

com Steve Raleigh. Encontrava-se como o via todas as noites na TV:um Robin Hood de cabelo loiro, brilhando com confiança emasculinidade. Seus ombros pareciam mais amplos hoje. A túnicaenfatizava sua musculatura, e seus olhos tinham uma ternura quenão se percebia na televisão.

Disse: —Uh… uh… Ainda bem que ele prestou pouca atenção porque o dublê

voltou a falar. —Você ficará feliz ao escutar que todos os cavalos

sobreviveram. Steve lhe enviou um de seus sorrisos que era sua marca

registrada. —Ouça, se for continuar caindo sobre eles das árvores será

melhor que diminua os hambúrgueres. Isso é tudo o que digo. Steve mudou sua atenção para mim, e a ternura permaneceu

em seus olhos. —É nova aqui? Assenti com a cabeça. —Me deixe ser o primeiro a adverti-la. Não pode acreditar em

nada do que estes homens dizem. Ambos caminharam para o prédio novamente, e eu caminhei

entre eles, mantendo meus olhos em Steve. Como podia falar sobreJeremy? Há havia arruinado tudo ontem; precisava pensar na formaperfeita para pedir a ajuda dele.

Quando chegamos à porta do estúdio, Steve a manteve abertapara mim. Olhou-me com olhos inquisitivos enquanto eu passava aseu lado.

—Você me é familiar. Trabalhamos juntos antes? Meu coração começou a pulsar mais rápido. —Não, acabo de começar como extra.

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Caminhamos pelo corredor, mas suas sobrancelhas ficaramfranzidas. Sabia que estava tratando de lembrar, e caso lembrasse,não ficaria feliz comigo.

—Meu irmão o idolatra — eu disse—. Tem seis anos. Por um momento parou de examinar meu rosto. —Bom, tem bom gosto para alguém de seis anos. Superei o

Superman? —OH, sim. Superou até Santa Claus. Olhou ao dublê de ação com um sorriso. —E quem disse que os meninos de hoje não são bem

educados? Aproximamo-nos de uma porta e, pude ouvir o ruído das vozes

das pessoas. Em um minuto, nossa conversa teria acabado, mas nãotive coragem de fazer o meu pedido.

Teria sido muito fácil para ele dizer não dessa forma.Necessitava que Steve soubesse mais sobre Jeremy.

—Quer ser um Merry Man quando crescer — eu disse. O dublê inclinou a cabeça e riu. —Diga para ele que seja um advogado. Seus automóveis são

melhores. Olhei os olhos de Steve, tratando de manter sua atenção com

meu olhar. —No Halloween do ano passado ele se vestiu como você. —Eu

queria tirar a fotografia de meu cinturão, mas com certeza Steve nãoentenderia se repentinamente começava a me despir em frente dele—. Inclusive tinha um arco e flechas. —Estava a ponto de acrescentar“ele tem câncer”. Só que nunca cheguei a falar isso.

Uma mulher mais velha saiu da porta, e quando viu Steve, fez-lhe um sinal para chamar a atenção dele.

—Aí está. Dean quer fazer algumas abordagens antes de tomaruma decisão quanto a tomada final.

—Pensei que Esme estivesse trabalhando comigo. —Esme está atrasada. Novamente. Então, ela fará a parte dela

depois da tomada principal, e você fará a sua agora. Steve deixou sair um suspiro de desgosto. —Juro, um dia destes simplesmente vou deixar que o Rei Juan a

mate. —Ele passou através da porta. Eu o segui, mas ele e o dublêtinham perdido o interesse em conversar comigo. Logo a seguir vi asduas costas afastar-se de mim e deixei de tentar alcançá-los.

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Falei para o ar: —Ele está muito doente. Ninguém me escutou. Minha vista deixou Steve por um momento e me fixei no set. O

espaço era gigante. De verdade, caso não tivesse sido por todas ascoisas dentro, poderia ter vários jogadores da NBA jogando basquete.A minha esquerda, uma réplica em miniatura de uma aldeia medievalestava no chão. Eu a reconheci como uma das aldeias da série, comsuas pequenas cabanas, tetos de palha, granjas e muito feno.

Não a olhei por muito tempo. Frente a mim, e muito maisimpressionante, havia uma reprodução no tamanho natural de umjardim medieval com muros de pedra cinza, um grande lago compeixes e bancos rústicos. Os arbustos que rodeavam o lago pareciamreais, como também pareciam as trepadeiras que cresciam na parededo prédio.

Mas os jardins mais à frente do lago eram simples panos defundo pintados, e os troncos de árvores eram de árvores reais, paranada.

Os ramos que penduravam delas estavam sujeitos a andaimesde madeira no teto. A parede de pedra só media uns dez metros edepois não havia mais nada. Não havia edifício, nenhuma outraparede nem teto.

Tudo parecia surreal, como se este lugar estivesse preso entredois mundos.

Um homem entregou para Steve uma espada, fornecendo umainstrução de último minuto, e depois abandonou o set. Stevecaminhou frente à parede onde uma grande câmara sobre rodasdeslizou-se para ele.

Alguém disse: —Silencio no set! —Olhei para a voz e reconheci Dean Powell

por uma fotografia que tinha visto na internet. Sentou-se em frente aum monitor de vídeo, sustentou um megafone em sua boca e gritou—: Ação!

Steve agitou sua espada, brigando com o ar. Fez isto por quasemeia hora, lançando-se de atrás para frente com uma expressão desegurança. Fiquei olhando, esperando.

Os ponteiros de relógio deixaram de marcar as doze e meia e searrastavam para uma. Um guarda de segurança caminhou perto,

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olhando a multidão. Falou em seu radio portátil enquanto estudava olugar.

—Não vejo ninguém que bata com essa descrição, mascontinuarei procurando.

Caminhei e fiquei de pé junto às outras garotas com vestidos noestilo Medieval, para parecer menos suspeita.

Logo depois que o homem da câmara terminou a filmagem deSteve com a espada, trouxeram outro homem para fazer tomadassobre o hombro. Não era o ator que interpretava Sir Guy de Gisborne,e sim um homem que estava vestido para parecer-se com ele decostas.

Cada minuto da briga havia sido ensaiado. Quando a espadacaiu das mãos de Steve durante a primeira tomada, repetiram aexecução passo a passo, balanço por balanço, uma segunda vez. Odiretor os fez repetir tudo uma terceira vez porque queria que Stevefosse mais determinado.

Uma das garotas, que estava perto de mim olhava para ele comolhos famintos.

—Pergunto-me se consegue ficar cansado. A outra disse: —Nunca me canso de olhá-lo. Foi quando percebi que o estive olhando para ele em vez de

parecer séria. Quando a cena terminou, um dos membros da multidão levou

para Steve uma garrafa de água. Enquanto ele bebia, o diretor foiconversar com ele. Falaram por alguns segundos, logo caminharampara onde eu estava. Dei alguns passos para minha esquerda para meassegurar de que não ficassem perto de mim, e depois desejei que oSenhor Powell se afastasse para poder ter dois minutos a sós comSteve.

Não se afastou. O que possivelmente não importava, já queSteve não me notou nem um pouco. Sua atenção enfocou-se em algoatrás de mim. Quando girei, vi Esme caminhando para nós, seguidapelo estilista, que fazia alguns ajustes em seus cachos.

Embora eu pudesse ser invisível para Steve, o olhar de Esmefixou-se em meu rosto. Meu primeiro pensamento foi que ela haviame reconhecido: Percebeu quando eu levava a serpente perto de seutrailer e agora perguntava para si mesma por que eu estava vestidacom um traje medieval no set.

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Sem me dirigir uma palavra, e enquanto o estilista colocavaalguns grampos em seu cabelo, Esme virou-se para o Senhor Powellcom os lábios franzidos.

—Acreditei que tinha deixado claro que nenhuma de minhasdamas de companhia devia ser bonita. Supõe-se que a audiência meolhe , não as extras atrás de mim.

Ambos, Steve e o Senhor Powell voltaram o olhar para mim.Senti meu rosto ficar vermelho e toquei o tecido de meu vestido,nervosa.

Steve deixou de me olhar, e deu um sorriso fácil para Esme. —Não seja ridícula. Nenhuma é tão bonita quanto você. Ouvi

quando você disse isso.—Cale-se—Ela lhe disse, e virou-se para o Senhor Powell

arqueando as sobrancelhas. Ele moveu uma mão em minha direção. —Vá trocar-se e vista um desses trajes de freira. —É isso melhor? —preguntou Esme—Quer que a audiência

veja a briga, ou que se pergunte quem é a freira atraente? Steve olhou para o teto, logo depois para Esme. —Vou contar um segredo. Os homens não olham para garotas

vestidas como freiras. Seria horripilante. Esme colocou as mãos nos quadris, mas o Senhor Powell

encolheu os ombros. —A câmera não estará o suficientemente perto para mostrar o

rosto dela —Voltou a mover a mão em minha direção—. Vá. Nãotemos muito tempo para filmar a tomada principal.

Fui. Enquanto caminhava, escutei Esme protestar que seucontrato garantia certas coisas. Estive tão perto, tão perto de falarcom Steve.

E tão perto de ser apanhada. Voltei para o trailer usado como guarda-roupa. Chegaria tarde

a Nevada, mas, como podia sair agora? Pensaria em alguma desculpa e chamaria meus pais mais tarde.Desta vez, uma mulher de meia idade estava de pé entre os

disfarces, tirando da caixa de roupas limpas, várias versões domesmo vestido de Lady Marion e pendurando num cabide. Não meperguntou por que eu necessitava de um vestido de freira,simplesmente tirou um do bastidor, sustentou-o no alto para revisaro talhe, e em seguida me deu para que eu o vestisse.

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Troquei-me enquanto dava olhadas nervosas à caixa ondecoloquei Herman. Tinha posto um par de botas sobre a caixa,verdade? Possivelmente a senhora do guarda-roupa viu que elasestavam fora de lugar e as tirou dali. Não via Herman em nenhumaparte, acho que possivelmente enrolou-se dentro e estava tirandouma sesta. Ao menos isso esperava. A última coisa que precisava eraque a senhora do guarda-roupa encontrasse uma píton de um metroe meio em seu trailer e chamasse os guardas de segurança.

Graças a Deus, o traje de freira possuía bolsos. Ao menos assimpoderia mostrar a fotografia de Jeremy para Steve sem parecer queestava me despindo para fazer isso. E precisava falar com Stevedepressa, ou provavelmente poderia me preparar para a tomadaprincipal, seja lá o que fosse isso.

Quando voltei ao set, vi Steve, mas antes de poder caminharem sua direção, o assistente de diretor me conduziu para ondeoutras quatro freiras estavam de pé, esperando. Aparentemente,estávamos a ponto de fazer uma espécie de procissão religiosa.Enquanto os membros da equipe ajustavam a iluminação eesponjavam a folhagem junto ao lago, as outras religiosas meindicaram o que deveríamos fazer. O qual foi o único benefício quepude ver na minha recente mudança de dama de companhia a umafreira. Tinha um motivo para enganar.

Estávamos a ponto de fazer a CBO —cena de briga obrigatória— e neste episódio em particular, Lady Marion estava presa em umconvento. Sir Guy capturou Robin Hood e o encerrou em umcalabouço, e havia dito a lady Marion que seria executado se ela nãoconcordasse em se casar com ele.

Quando Sir Guy saísse em cena demandando a resposta daSenhorita Marion, a madre superiora e algumas outras freirastentariam evitar que a encontrasse, como se não fôssemos santasirmãs, mas sim também aparentemente não grandes fanáticas de SirGuy.

Seus homens nos venceriam, depois Sir Guy levantaria LadyMarion e diria:

—Você já me enganou o suficiente. Qual é sua resposta? Robin Hood, que, como é lógico, escapou da masmorra com a

ajuda de seus Merry Men, apareceria galantemente nos ramos daárvore e diria:

—Minha resposta é que você é um parvo e sempre será.

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Então, Robin Hood usaria seu arco e suas flechas para derrubarvários homens de Sir Guy, mas no entanto, ele nunca dispara em SirGuy, inclusive quando ele está em pé bem na frente dele. Esta é umadas coisas que mais me incomoda sobre o programa Teen RobinHood, mas não ia dizer isso. Simplesmente continuei assentindo coma cabeça enquanto as outras freiras me explicavam como eu deveriaagir.

De qualquer forma, Robin Hood desceria da árvore por umacorda — os espectadores cínicos possivelmente ficariam imaginandoquando ele teve tempo para achar essa corda— e teria uma briga deespadas com Sir Guy.

O resultado seria Sir Guy caindo no lago e Robin Hood gritando:—Faz o papel de ridículo muito bem! —antes de se afastar com

Lady Marion. Inclusive, embora toda a cena passasse apenas alguns poucos

minutos na televisão, o elenco filmou durante todo o dia. Estávamos a ponto de começar a rodar a cena do princípio ao

fim. —Noventa por cento de tudo o que fizermos será tirado na

edição —me disse a madre superiora—, mas isso não quer dizer queo Sr. Powell não nos enforcará se nos equivocarmos.

Mostrou-me nossas marcas, onde parece que devíamos ficarquando a cena começasse e para onde devíamos ir quando oshomens de Sir Guy nos tirassem do caminho. Assenti com a cabeça etentei recordar tudo o que ela me disse, mas outras coisascontinuavam me distraindo. Como o guarda de segurança rondandoos extremos do set e o cavalo que os manipuladores trouxeram.Também notei que Steve Raleigh subia para uma plataforma eprovava a corda.

—Lembre-se —me disse a madre superiora—. Seja apenasparte disto, não atue.

Justamente quando o Senhor Powell pedia que tomássemosnossos lugares, senti meu celular vibrar em meu bolso. Não o tireipara olhar quem estava chamando, como se não pensasse que istoseria algo que fizesse uma freira da Idade Média e então segui àsoutras religiosas para o set tratando de parecer Santa.

O diretor gritou: —Ambiente! —Que era o sinal dos extras para começar a

mover-se, e logo—: Ação!

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Sir Guy cavalgou em seu cavalo e trocou palavras com a madresuperiora. Ela disse suas linhas com um grau de medo e nojo.

Pessoalmente, pensei que fosse muita consideração de suaparte cavalgar em seu cavalo para o convento, já que assim LadyMarion e Robin Hood teriam alguma forma de afastar-se juntos aoentardecer, mas de qualquer forma, tratei de olhar para este homemcom recriminação.

Girei-me quando a madre superiora caiu ao chão. Aproximei-me para ajudá-la, mas um dos homens de Sir Guy agarrou meu braço.

Foi então quando meus reflexos agiram. Retorci-me para longedo homem, tentando que ele me soltasse. Isto o colocou fora de açãoporque seus pés não se moveram, apesar de que ainda segurava meubraço. Cambaleou, amaldiçoou, e depois caiu no chão em minhafrente.

Olhei-o surpresa. —Oh, sinto muito—sussurrei. O senhor Powell levantou-se e gritou no megafone: —Cortem!

Capítulo 8

As pessoas imediatamente pararam de movimentar-se, e todosvoltaram-se para olhar o diretor.

—Você, freira bonita! —gritou— O que pensa que estáfazendo?

Cada par de olhos trataram de me encontrar. Apertei minhasmãos tão fortemente que as unhas cravaram-se em minhas palmas.

—Sinto muito. Foi um reflexo. Sabe, se alguém o ataca,automaticamente…

—Não, não sei—disse em uma voz cortante—. É uma freira. Asfreiras não brigam. Cometa outro engano e não trabalhará nestecenário novamente.

—Sentou-se e moveu a mão em nossa direção—. Todos tomemas posições… E o que está acontecendo com este cavalo?

Todos tiraram os olhos de mim e olharam o cavalo. Este nãoparecia nem de perto tão humilhado pela atenção como fiquei,provavelmente porque os cavalos nunca estiveram na escola e nãopercebiam quando todas as pessoas olham para você como se issosignificasse morte social.

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O domador caminhou para o set, sussurrou ao cavalo, quecontinuou movendo seu peso de uma perna para outra e movendosuas orelhas.

—A sela deve estar mal colocada —respondeu o domador—.Vou olhar.

O Sr. Powell moveu sua mão em direção ao cavalo. —Isso deveria ter sido feito antes. Ao passo que vamos,

colocarão a repetição do Jeopardy em nosso espaço. Onde está nossocavalo substituto?

O domador agachou-se para soltar as tiras da sela ecalmamente respondeu:

—Não temos outro cavalo. Sansón é um profissional. Ficarábem.

—Um profissional? —gritou o Sr. Powell—. Darei um descansode dez minutos e depois disso Sansón será um cavalo de circoprofissional —disse outras coisas, mas já que ele não gritou aomegafone, eu não as escutei. Ao anúncio de um descanso, dúzias deconversas murmuradas começaram. Vários dos capangas do Sir Guysentaram no chão. Umas poucas pessoas saíram de perto do set epegaram garrafas de água. Uma auxiliar de maquiagem caminhoupara Esme e passou pó em seu rosto enquanto outros arrumavam ocabelo dela caído em seus ombros.

Relaxei meus punhos. Pequenas marcas vermelhas de unhasmarcavam minhas palmas. As outras freiras foram para longe demim, como se associar-se comigo faria com que parecessem mal como diretor.

Bom, a vida Hollywoodense já parecia menos brilhante. Sendo uma atriz por apenas meia hora, fui insultada pela garota

líder, ofendida pelo diretor, e evitada por um grupo de freiras. —Nada do que lhe aconteceu foi pessoal. Olhei para cima ao ouvir o som da voz de Steve. Não percebi

quando ele chegou perto de mim, mas agora estava de pé em minhafrente.

—Os diretores são assim. Todas as suas sensibilidades humanassão removidas cirurgicamente durante a filmagem. —Ele inclinou-separa mim e abaixou sua voz—. Além disso, Dean obviamente nuncaesteve em uma escola católica ou saberia que muitas freiras podemter sua própria briga.

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—Obrigada, —sabia que ele estava tratando de me fazer sentirmelhor—. Não quis arruinar as coisas para todos.

Ele encolheu os ombros, e notei a forma em que sua túnicaenfatizava seu físico musculoso.

—Se não tivesse sido você, ele teria procurado alguma outrarazão para deter a cena. Só observa. Ele nos fará repetir a cena dúziasde vezes. Quando terminarmos, não haverá água no lago. O traje deSir Guy a absorverá toda.

Sobre o ombro de Steve notei Esme aproximando-se, e sabiaque não tinha tempo a perder em um pequeno bate-papo.

—Posso lhe pedir um favor? Seus olhos imediatamente ficaram mais escuros, e me

perguntei quantas vezes um estranho havia lhe pedido favores.Entretanto, ele moveu sua cabeça e sua voz adquiriu um tom debrincadeira.

—Bom, sempre pode perguntar. Esme chegou a seu lado, a desaprovação fazendo seu rosto

brilhar forte e frio. Sabia que ela estava a ponto de afasta-lo de mim.Senti que isto aconteceria.

Estirei uma mão para Steve, quase tocando sua manga. —Posso falar a sós por dois minutos? Sua cabeça moveu para trás, e ele elevou uma sobrancelha, e

foi quando percebi que não tinha feito bem a pergunta. Com uma sobrancelha ainda elevada, disse: —Oh? Esme bramou em minha direção: —Dois minutos? Bom, deve trabalhar rápido. —Não, eu… Steve deu um passo longe de mim. —Estou seguro de que você deve ter escutado todo tipo de

histórias sobre celebridades, mas eu na verdade não sou assim. Esme sorriu e cruzou seus braços sobre o peito. —Isso é verdade. Uma mulher bonita é quase como todo

mundo para ele. —De onde sai com essas coisas? —perguntou ele. Disse: —Quero falar com você sobre meu irmão. Ele tem câncer.

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A atenção de Steve retornou para mim, mas ele só olhou paramim, gentilmente interessado. Nada do impacto ou simpatia que amaioria das pessoas mostrava para mim, aparecia em seu rosto.

—Quer uma doação? Terá que falar com meu assistente. Eleesta a cargo dessa classe de coisas. —Examinou a sala—.Ele está…onde está Rum?

Esme colocou um braço sobre o do Steve e lentamente oafastou.

—Rum provavelmente está arrumando uma aquisição hostil dealguma empresa pobre e desafortunada. Não é isso por que lhepaga?

Eu levantei uma mão. —Não quero seu dinheiro, só seu tempo. Steve soltou uma curta risada. —Terá melhor sorte pedindo dinheiro. Tenho mais disso.

Encontre Rum e fale com ele. —E depois ele afastou-se. Dei um passo para segui-lo, mas Esme me deu um olhar

penetrante por cima do ombro. —É pouco profissional incomodar às estrelas durante uma

cena. E é completamente inconcebível lhe pedir dinheiro. Olhei-os, a princípio entorpecida, até que a humilhação se

filtrou. Meu rosto ficou vermelho de vergonha. Nunca tinha sido tão

singularmente despachada em minha vida. E isto depois de ter dito aele que meu irmão sofria de câncer. Eu não era uma estelionatária.Não era uma classe de fraudadora. Pedi dois minutos de seu tempo,e ele não se dispôs a me dar isso. Como uma pessoa fica tãoinsensível ao sofrimento dos outros? Bom, o que se esperava de umapessoa que havia processado sua própria família?

Afastei-me da vista dele e caminhei cruzando o set. Queria irembora.

Queria ver Madison e lhe dizer que voltaríamos para casa. O diretor gritou: —Posições, gente! Continuei caminhando. —Hei! Freira bonita! —gritou-me o diretor— Fique com as

outras freiras! Detive-me, embora movesse de lado. Atrairia muito atenção se

saísse do set agora. Os guardas de segurança, que seguiam quietos

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rondando nas esquinas do pátio, certamente me notariam. Aperteimeus dentes e caminhei fortemente para as outras freiras.

O diretor sustentou uma mão no ar. —E não fique tão zangada—gritou, como se o estivesse

atormentando—. É uma freira, pelo amor de Deus! Fiz profundas respirações e olhei o chão, tratando de recuperar

minha dignidade. Quando olhei para cima, vi Steve a unscentímetros, escalando a escada mas me olhando.

—Continua zangada —disse ele. —Sou somente uma extra—eu lhe disse— Não precisa ficar

preocupado comigo. —Escuta, sinto por seu irmão. —Sim. —Enviei-lhe um sorriso frio—. Vou dizer para Sir Guy

onde você está escondido assim que ele chegar. Steve moveu sua cabeça para trás e riu. O qual somente me fez

querer jogar algo nele. —Ambiente! —disse o diretor. Todos sabiam que não deveriam

olhar para a câmara, assim olhei ao redor do set onde Esme e suasdamas de companhia estavam sentadas na beira do lago. Era aprimeira vez que notava as rosas de cor rosa pálido. Rosas como asque notei na caixa. Quando foram usadas essas rosas?

—Ação! Sir Guy e seus homens vieram. Engoli em seco e não tive que

fingir minha expressão preocupada. Ficou difícil, de todos os modos,olhá-los quando na verdade queria examinar o set em busca de umaserpente. Meu olhar continuou girando pelo cenário. Desta vezquando os capangas de Sir Guy me seguraram pela cintura, nãobriguei. Deixei sair um “Ah!” de som lamentoso e depois estiquei opescoço ao redor para verificar se algo estava deslizando no chãoembaixo de meu corpo.

Sir Guy guiou o cavalo para Lady Marion, soltou suas rédeas, ecolocou Marion de joelhos. O cavalo meneou sua crina e deu umpasso para longe das rosas, mas o diretor não notou ou não seimportou.

—Me iludiu o suficiente —disse Sir Guy—. Qual é sua resposta?Lady Marion pestanejou para ele, com uma expressão

lamentável em seu rosto. Robin Hood saltou do ramo da árvore. —Minha resposta é que é um idiota e sempre será.

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Robin Hood deixou que duas flechas voassem em rápidasucessão, embora não eram do tipo com pontas que na verdadepossam ferir alguém.

Julguei que essas partes eram editadas depois. Entretanto,Steve conseguiu golpear dois dos homens de Sir Guy, incluindo ohomem que me segurava. O capanga lançou um grunhido e caiu aochão.

O diretor devia estar prestando atenção à atuação do capangae não ao rosto de Steve, porque senão teria se queixado. Steve meolhou, no princípio foi somente um breve olhar porque estava emsua linha de visão, mas logo depois um olhar questionador brilhouem sua expressão. Ele estava tratando de lembrar-se de algo. Depoisde um momento, pareceu recordar que precisava continuar com acena e agarrou a corda. Saltou, no ar, mas seus olhos voaram de voltapara mim.

Ele havia me reconhecido e isso apareceu no rosto dele. Oresultado disto foi que em vez de cair no chão em frente lady Marion,ele na verdade passou por ela e a enviou voando ao lago.

Um impressionante “splash” soou, seguido de um grito aindamais impressionante. Apenas pude escutar o diretor gritar:

—Corte!Sir Guy começou a rir, e isso não ajudou. Enquanto Lady Marion

lutava para manter-se flutuando, tratando de ficar de pé com ovestido agora ensopado, sir Guy gritou para ela:

—Mudei de ideia. Pode ficar com Robin! Steve foi para o lago para ajudar Esme, mas ela ficou de pé e o

empurrou. —Pensa que isto é engraçado? Há peixes no lago! Uma carpa

passou em cima de mim! Provavelmente tenho merda de carpa emmeu cabelo agora.

Não tenho certeza se foi o grito ou o splash que convenceuHerman a fazer sua aparição —ou seu deslizamento— mas saiu dosarbustos, varrendo o piso fazendo uma “S” gigante.

O cavalo notou imediatamente este novo evento. Relinchou,agitou suas patas traseiras, e provou que realmente, era umprofissional. Ou ao menos poderia ter sido um dançarino, já queassim parecia enquanto pisava fortemente o chão em um esforço demanter Herman longe.

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Falem o que quiser sobre a inteligência das serpentes, Hermanfoi suficientemente inteligente para fazer uma linha, ou neste casouma linha em S longe do cavalo e para o grupo de damas decompanhia. Todas gritaram e saltaram em cima dos bancos, excetopor uma que correu para o lago, empurrando Esme para a águanovamente.

Mais respingos. Mais gritos. Toda esta comoção assustou maiso cavalo que galopou para fora do set, dispersando as freiras com seutrotar. A última vez que o vi, foi quando vários membros da equipejuntamente com o domador, o perseguiam pela vila em miniatura,com teto de palha.

O diretor gritou com todas as forças de seus pulmões, a maiorianão era realmente de ordens. De qualquer maneira, em meio a ummontão de insultos, disse-nos:

—Limpem o set! —E tentamos fazer isso. Dirigia-me para minhas companheiras freiras. Dei vários passos

na direção delas quando Steve agarrou meu braço e me girou. —Você é aquela garota do jogo de basquete, não é? Ele me segurou mais forte, e seus olhos estavam frios. Eu

apenas podia respirar. Eu olhei para ele, com minha boca formandouma resposta que não saiu.

Dois guardas de segurança apareceram atrás dele. Não dissenada, porque só fiquei olhando para Steve que continuava mefalando.

—É algum tipo de perseguidora, certo? —disse ele. —Não. —Tratei de dar um passo longe dele mas não pude me

desfazer do seu aperto—.Olhe, uma perseguidora já saberia que vocêpossuía o cabelo castanho. Só queria falar com você.

—Como passou pela segurança? Como conseguiu um disfarce euma parte nesta série?

Olhei para os guardas, que estavam mais ameaçadores destavez.

—Isso é uma pergunta retórica ou na verdade quer saber? —O que lhe parece?… pode dizer à polícia. —Steve soltou meu

braço, e isso aparentemente era o sinal para que eu fosse apanhadapelos seguranças.

—Não precisa fazer isso —disse. Um dos guardas agarrou meu ombro. —Nós a levaremos para à polícia, Sr. Raleigh.

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Mantive meus olhos em Steve. —Não. Por favor. Ele me observou com sua expressão imóvel, e não respondeu. O outro guarda assentiu em direção a Steve. —Vamos levá-la para a estação de vigilância até a polícia

chegar. Precisará retornar e fazer uma declaração. Neguei com minha cabeça, procurando algo mais que ódio no

rosto de Steve. —Não deixe que me levem a estação de vigilância. O guarda apertou meu braço mais ainda. Por um segundo, o

olhar de Steve viajou de meu rosto à mão do guarda. Podia notar queestava decidindo algo.

—Levem-na a meu trailer —disse Steve ao homem—Cuidareidela depois que terminar aqui.

—A seu trailer? —perguntou o primeiro guarda. —Sim. E assegurem-se de que não fuja. Os guardas olharam um para o outro e talvez tivessem dito algo

mais, mas quando se voltaram, Steve já tinha ido. Voltaram-se a olhar um para o outro e o primeiro, um ilhéu do

Pacifico que provavelmente destroçava caminhões em seu tempolivre, grunhiu com incredulidade.

O segundo encolheu os ombros e disse: —Então vamos levá-la para seu trailer. O primeiro guarda me segurou pelo braço, e caminhamos para

fora do set. Tratei de decidir se era uma boa coisa que fosse para o trailer

de Steve em vez da estação de vigilância. Provavelmente não. Stevenão parecia como se quisesse ter um bate-papo amigável. Ele sóqueria descobrir como arrumei para encontrá-lo duas vezes, paraassim poder fugir de perseguidores futuros, e depois me delataria àpolícia.

Saímos do edifício em um passo rápido. Não tinha opção excetosegui-los. O guarda não afrouxou seu puxão em meu braço. Osegundo guarda possuía apenas manchas cinza na cabeça, eracompletamente careca. Ele provavelmente tinha ao menos quarenta,mas seus bíceps eram tão grandes como minha cabeça, então seguiasendo imponente. Não disse nada absolutamente, só seguiuassentindo e grunhindo aprovações enquanto o primeiro guarda mepassava um sermão sobre invasão, privacidade, e como as

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celebridades possuíam o direito de viver uma vida normal sempreocupar-se sobre fanáticas sem consideração e que não sabiamquando não cruzar a linha.

—Aprendi minha lição —disse para eles— Na verdade, podemme deixar agora…

Mas não deixaram. Um dos seguranças me guiou para umcomprido trailer verde.

Então, supus que Robin Hood usava o verde, e não me tinhaocorrido que seu trailer poderia ser o verde.

O guarda polinésio soltou meu braço. —Quantas pessoas vieram com você hoje quando decidiu

invadir o set? Não poderia delatar Madison. —Só eu. —Está mentindo —disse com uma segurança que me

surpreendeu. Usualmente as pessoas não podiam notar quando eu mentia—Quantos de seus pequenos amigos temos que encurralar… a

verdade esta vez. Não respondi, inclusive embora ele me perguntasse duas vezes

mais. Isto levou os guardas a ter uma conversa de um minuto sobrecomo precisavam dividir-se e continuar procurando nos terrenos.Decidiram que o homem polinésio procuraria pelos trailers enquantoque o homem velho ficaria comigo. Ele montaria guarda fora dotrailer assim poderia manter um olho em outros invasoresadolescentes e ficaria com a certeza de que eu não poderia escapar.

O careca abriu a porta e apontou para dentro. —Espere aqui. E não toque em nada. Não vai querer se colocar

em mais problemas dos que já tem. Afastei-me deles e subi os degraus do trailer. A porta fechou-se

atrás de mim com um golpe forte. Esperava que o interior do trailer de uma estrela fosse

glamoroso. Talvez uma banheira, uma lareira e uma prateleira cheiade troféus, mas ao invés disso parecia como um apartamentoestreito.

A sala contava com móveis embutidos e um televisor queestava pendurado no teto. Atrás disso, gabinetes revestindo umapequena cozinha. Uma porta estava atrás da cozinha, provavelmentelevando a um quarto e não para fora. Mini persianas deixavam que a

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luz entrasse por janelas em ambos os lados da parede. Não havianada glamoroso com respeito a isto.

A única coisa incomum com respeito ao trailer do Steve Raleighera que não estava vazio. Um homem de meia idade estava sentadono sofá diretamente em frente a mim.

Capítulo 9

Parecia bastante agradável, como muita gente com que secruza e não lhe dá nenhuma atenção, mas recordava a um livro:cheio de criatividade por dentro. Olhei para seu computador e osentia passando as ideias como alguém meio louco revisando o cestode roupa suja em busca de uma meia perdida na confusão.

Elevou a vista para mim, julgou-me como indigna de suaatenção, e voltou para computador.

—Um... quem é você? —perguntei. Seu olhar ficou no computador enquanto seus dedos

deslizavam pelas teclas. —Jim Blasingame, um dos escritores do programa. Estou

esperando para falar com Steve sobre o próximo script. Quem évocê?

—Uma freira que acaba de ser despedida. —Ah. —Ele não deixou de escrever—.O que faz aqui? —Não acha que já me fez essa pergunta? —Sentei-me no sofá

diante dele mas dando uma olhada sobre meu ombro. Pude ver ascostas do guarda de segurança parado ao lado da porta.

Quando devolvi minha atenção ao Sr. Blasingame, ele haviaparado de digitar o tempo suficiente para me considerar, mas entãonegou com sua cabeça.

—Ah, não importa, realmente não quero saber. Tenho queterminar este guia. Steve virá logo?

—Sim. Agitou uma mão em minha direção. —Bom. Então faça o que as freiras despedidas costumam fazer,

em silêncio. O som de seu teclado —e logo quase de uma forma obsessiva o

impulso do botão de apagar— encheu a habitação.

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Sentei-me no sofá e coloquei meus joelhos em meu queixo.Não podia acreditar que isto fosse terminar desta forma. Preocupei-me por não ser capaz de falar com Steve Raleigh; inclusive tinhaconsiderado a possibilidade de que ele não me ajudasse, mas nuncatinha imaginado estar presa em seu trailer esperando a polícia paraque me arrastasse para longe.

Desejei poder chorar. Poderia ter ganhado um pouco decompaixão do escritor —ou de Steve quando viesse. Não tenhocerteza de onde o corpo mantém a reserva de lágrimas, mas comosempre as minhas não estavam ali. Permaneciam contidas,congeladas, drenadas. Só tinha um grande espaço vazio no queocasionalmente vagava ao redor, levantando o pó.

Sentei-me por um longo momento escutando o som do tecladoenquanto o sentimento de estar condenada penetrava em meusossos.

Queria fazer uma oração, mas não faria isso. Minha últimaoração oficial foi antes da primeira Ressonância magnética deJeremy. Eu disse: Deus, se me ama em absoluto, ou mesmo umpouquinho, fará que a RMN mostre que tudo está normal. Quando oresultado mostrou um tumor, não pude rezar mais.

Parte de mim sabia que estava sendo infantil. Coisas másacontecem às vezes com as pessoas. E cada um morre cedo ou tarde.Mas coisas como esta não deveriam acontecer com meninos de seisanos. Simplesmente não deveriam acontecer. Sentia-me como seDeus tivesse abandonado minha família, como se Ele não sepreocupasse com o que estava acontecendo conosco.

Levantei-me, fui até a pequena cozinha, e fiquei apoiada contraa mesada. Precisava chamar Madison para dizer o que estavaacontecendo.

Enquanto girava procurando privacidade, notei um arcocomposto apoiado contra a parede. Um Conquest Four5. Era maior emais novo que o meu RMN6, mas basicamente o mesmo tipo. Umquiver714 cheio de flechas estava sobre a mesada. Steve devia usá-lospara praticar. 5 ConquestFour: é um tipo de arco aperfeiçoado que vende a empresa chamadaMathews Inc.

6 RMN. abreviatura para Ressonância Magnética

7 Quiver: contêiner de flechas para arco.

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Toquei o arco, deslizando meus dedos pelo cabo. Recordava-me a história que contava para Jeremy, e que ainda precisavaencontrar a maneira de nos tirar do inferno. O cabelo trançado nãohavia funcionado… Será que havia cordas no inferno? Comopoderíamos escapar?

Antes que minha mente pudesse passar ao próximopensamento, o sentimento de uma gelada escuridão passourapidamente ao redor de mim.

Lutei para respirar. Era como se a morte estivesse paradadiretamente atrás de mim. Podia senti-la inclinando-se sobre meuombro, podia escutar seu vazio, passando sua respiração perto deminha orelha.

—Não pode escapar —disse ela—Nunca encontrará a forma. Ofeguei e girei ao redor. —Para! —gritei. Mas não havia nada ali. Para alguém que sempre possuía uma boa reputação por sua

prudência, esta não era uma experiência agradável. Coloquei a mãoem meus olhos.

—Não é surpreendente que não possa dormir mais. Aí foi quando notei que não escutava mais o teclado do

computador. Olhei mais à frente e vi o Sr. Blasingame mecontemplando. Passei a mão por meu cabelo.

—Estou trabalhando em uns scripts para uma audição. —Ah. —Ele assentiu e pela primeira vez sua voz arrastou

admiração—. É realmente boa. —Obrigada. Voltou para seu computador, e eu tratei de acalmar os

batimentos do coração. Parecia que meu interior havia batido contrauma janela. Perguntei-me o que aconteceria caso Jeremy não serecuperasse de seu câncer. Caminharia ao redor para sempre comestes fragmentos de cristal cortando meus pensamentos?

Tirei meu celular do bolso com minhas mãos ainda tremendo. Recebi uma mensagem de Madison. Perdi sua chamada

durante meu breve, mas acidentado período como atriz. Eu escutei achamada, mas quis atrasar o fato de lhe dizer que tinha sidoapanhada.

Na mensagem, dizia: — Então estamos iguais?

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Aparentemente os agentes da segurança daqui pensam que simporque quando vieram procurando uma garota que entrousigilosamente dentro do set, usando uma boina de beisebol elevando uma víbora, simplesmente me expulsaram. —Razão pelaqual, percebi rapidamente, por que o guarda sabia que estavamentindo quando lhe disse que cheguei aqui sozinha. Eles já haviamapanhado Madison.

Podia ouvir seu suspiro descontente na mensagem. “E não se atreva a me dizer que foi por minha culpa porque não

parecer pertencer a esse lugar”. “Sentei-me com o resto da equipecomendo rosquinhas.”

“Com certeza ganhei dois quilos”. “Mas me apanharam.” Soava envergonhada ao admitir isso, e não tinha certeza se

suspirava porque não foi confidencial para evitar que a apanhassemou se a humilhação de ter sido apanhada fazendo algo mau era muitodifícil para ela. Provavelmente o último.

“Os guardas de segurança continuam me perguntando o que fizcom a Serpente” —continuou ela—. “Disse que não sabia do queestavam falando e isso foi muito menos aceitável e então meescoltaram até a caminhonete e viram as jaulas de coelhos epombas.”

“De todos os modos, deixaram-me sair e me disseram quechamariam à polícia caso voltasse. Assim acabo de devolver aspombas e os coelhos à loja de mascotes.”

Houve uma pausa, e perguntei para mim mesma se tinhaterminado sua mensagem, mas então adicionou: “Espero que tenhamelhor sorte. Ligue quando puder.”

Suponho que seria muito esperar que ela estivesse em algumlugar aqui perto, ou que tivesse uma grande ideia para me resgatar.Quando a chamasse, sabia que insistiria em chamar nossos pais.

Mas eu mesma queria lhes dar a notícia. O relógio de meucelular dizia 01h52min. Percorri as teclas e perguntei a quem deveriachamar: mamãe estaria mais zangada ou seria papai? E o quediriam ?

Papai, eu tenho boas e más notícias. As boas são que,dependendo de como editem as coisas, pode ser que apareça em umfuturo episódio do Teen Robin Hood.

A má notícia é que tem que me tirar da cadeia em Burbank.

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Ou: Então, mamãe, sabe como sempre me estimulou seguirmeus sonhos? Alguma vez lhe ocorreu que alguns desses sonhospudessem me levar para a cadeia?

Não importa quem atendesse, teria que enfrentar os doissabendo o quanto havia falhado.

Olhei meu celular, mas não pude ligar. Sentei-me, reclinadacontra a bancada vendo passar os minutos aparecendo edesaparecendo da tela do celular até que a tela voltasse a ficar negrade novo. Somente queria falar com uma pessoa, Jeremy.

Pensei isso por uns momentos. Ele estava na escola. Nãodeveria interromper sua aula com uma chamada, não deveriaincomodá-lo. Mas, outra vez, era primeiro grau… o que se se perdiauns minutos de cortar e pegar?

Queria escutar sua voz. Além disso, tinha que lhe dizer que nãoia estar em casa depois da escola outra vez.

Liguei para a escola, e eles transferiram para a professora queme disse que estavam tendo aula de música. Disse-lhe que a Sra.Palson apaharia Jeremy logo depois da aula e precisava lhe dizersobre a mudança de planos. Devo ter divulgado o suficientementedesesperada, porque me disse que passaria a Jeremy.

Um minuto depois, ouvi sua voz soando mais velha do querealmente era.

—Olá, companheiro. —Forcei um pouco de alegria em minhavoz—.Estarei ocupada depois da aula, assim peço que vá para a casade Gabe outra vez, está bem?

—Bem —disse ele. Soava como se estivesse a ponto de desligar, por isso

rapidamente adicionei: —Não cheguei vê-lo ontem à noite. O que vocês fizeram? —Mamãe e eu começamos a planejar minha festa de

aniversário — disse—.Será que têm festas de aniversário no Céu? —Um… —Esse tipo de pergunta sempre me apanhava com a

guarda baixa. —Papai me disse que sim, mas mamãe começou a chorar e não

me respondeu. —Bem, provavelmente fazem festas, mas acreditei que queria

fazer sua festa no Chuck E. Cheese. Recorda, tem que pensarpositivamente. Visualizar sete velinhas em sua torta e um roedorgigante cantando atrás de você.

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Devo ter falado esta última parte muito alto porque o SenhorBlasingame deu um olhar peculiar para mim. Afastei-me dele eabaixei minha voz para que assim não pudesse mais ouvir.

—Eu, um...provavelmente não chegarei a nossa casa antes debem tarde da noite, talvez não antes que já esteja na cama…

—Então quando vai terminar a história sobre nós e a morte? —Não tenho certeza de querer terminar essa. —Mas tem que terminar. Estamos presos no inferno. Sabia que ele estava com razão. Não podia terminar a história

sem tirar Jeremy. Olhei sobre meu ombro, pensando que isso talvez me avisasse

se a morte aparecesse outra vez. —Onde parei? —Sabia exatamente onde havia parado, mas

pedi para poder ter um tempo para pensar. —Estamos presos no inferno —disse Jeremy—. Mas gostei do

cachorro. —Certo. Todos gostavam de Jeremy porque muitos avós viviam

no inferno, e já sabe como se sentem sobre os meninos. —O que aconteceu depois que a flecha não funcionou? —Annie ficou tão triste que seu coração partiu-se em milhares

de pedaços e quando chorou os pequenos pedaços fluíram de suaslágrimas para a palma de sua mão. Não desapareceram, mas,cristalizaram-se em pó de diamante.

Os pássaros sempre andam procurando coisas brilhantes, e umpequeno corvo viu o brilho dos diamantes e voou de volta ao mundoe contou a todos seus amigos. Logo um bando gigante voou paraeles. Quando Annie os viu, soprou o pó sobre Jeremy até que elecintilou, é obvio os corvos queriam levar esse brilho para os bosques.

Ouvi o ruído de vozes no fundo. O resto de sua classe devia tervoltado.

—Mas como os corvos podem deixar o inferno? —perguntouJeremy—. Pensei que uma vez que algo entrasse tivesse que ficar,inclusive os animais.

—Os animais são diferentes —disse. —Nuh-uh —disse— Os animais morrem; sempre os vejo

esmagados na rua o tempo todo. Escutei a voz da professora dizendo aos meninos que

tornassem a sentar. Teria que terminar minha história rapidamente. —Viu um corvo morto na rua alguma vez?

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Deteve-se por um momento, pensando. —Não. —Vê? Os corvos são diferentes. —Mas os corvos não são tão fortes para levar uma pessoa —

disse isto com preocupação, e me perguntei se estava a ponto de teruma fobia pela vida dos corvos—.Bom, não os corvos normais denosso mundo.

—Mas disse que eram de nosso mundo. Parecia que os corvos, não funcionariam como uma rota de

escape do inferno. Escutei a professora parar perto de Jeremy. —Está preparado para juntar-se à classe? —Terminarei a história logo —lhe disse—Tem que ir. —Amo-a, Annika —disse, porque por instrução da mamãe nunca devemos dizer adeus. —Eu o amo, também —disse, mas imaginei que já tivesse

deligado. Depois liguei para mamãe. Não tinha sentido atrasar mais. Ela atendeu ao telefone no primeiro chamado. —Está fora da escola já? —antes que eu pudesse responder,

disse—: Tive um cliente na última hora, então estou na loja decomestíveis. Estou comprando umas enchiladas congeladas para quepossa comer enquanto estiver no hospital com Jeremy. Talvezaprecie uma mudança já que comemos coisas orgânicas durantetanto tempo.

—É genial, mamãe. Obrigada. —Quase acrescentei: “éprovavelmente melhor que a comida que me servirão na prisão”.Mas não falei.

—Entretanto, talvez prefira que eu cozinhe algo semconservantes. Posso fazer isso. Posso fazer algo e congelar para você.

—Não tem que cozinhar. Ela soltou um grito afogado, e ouvi que a caixa rangia em suas

mãos. —Isto diz que tem triglicerídeo. Não parece são. Não vai querer

comer isto. —Sim, quero. Houve um golpe como se uma caixa fosse colocada de volta na

seção de congelados, e suas palavras saíram entupidas com emoção.

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—Não, deveria estar preocupada com sua saúde tanto quantoestou com a de Jeremy. Eu farei algo nutritivo.

—Mamãe. Isso está bem. Não posso ter câncer por comerenchiladas.

Fez uma pausa por muito tempo. —Sei. Só me preocupo. Encontrarei algo mais. Quis dizer tudo a minha mãe. Quis me enroscar em seu regaço,

do modo em que fazia quando era pequena, e deixar que elaarrumasse tudo.

Mas não podia. Não quando quase chorava sobre as enchiladas.Ela necessitava que eu fosse forte agora, e que solucionasse osproblemas em vez de criar novos.

Meus pés não estavam em terra firme, mas pisaria firme sobrea água enquanto pudesse impedir que notasse.

—A aula não terminou ainda —disse—. Eu liguei para dizer quenosso professor de química nos deu uma extensão de um dia paranosso projeto; que realmente necessitamos. Se não estiver em casaquando chegar, significa que Jeremy está ainda com o Gabe e eu comMadison.

Ela soltou um suspiro infeliz. —Deveria passar mais tempo com sua família. Temos que estar

juntos agora… —Sei. Estarei em casa logo que puder. Prometo. Suspirou outra vez, mas depois aceitou. Dissemos nosso não

adeus, e então desliguei o celular e dei uma olhada ao redor dotrailer.

Tinha que escapar e voltar com Madison. Só que não estavasegura de como fazê-lo.

Dei uns passos para a sala de estar. Ainda podia ver as costasdo guarda lá fora na janela dianteira do trailer.

Algumas vezes ele dava uma olhada sobre seu ombro paracomprovar se eu ainda estava ali, mas agora mesmo olhava parafrente. O Sr. Blasingame ainda estava sentado no sofá, absorvido emsua escrita.

Caminhei até a janela da cozinha. Estava completamenteselada, sem maneira de abrir. Fui para à janela da sala de estar nolado oposto de onde estava o guarda. Contava com alavancas emambos os lados e as palavras de SAÍDA DE EMERGÊNCIA impressas nofundo do marco da janela. Podia sair por esta janela caso pudesse

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fazer de uma forma que não chamasse a atenção do guarda ou do Sr.Blasingame.

Minha mente correu, tratando de formular um plano. Quandoserá que a equipe faria novamente a cena e passar por tudo outravez? O relógio no microondas dizia 02h15min e lady Marion tinhaque trocar a roupa molhada e secar seu cabelo. Teria temposuficiente.

Abri a porta do fundo do quarto. Um dormitório completo comum armário, encontrava-se na minha frente.

—Vou tirar o traje de freira— gritei ao Sr. Blasingame—. Nãodeixe ninguém entrar, sim?

—Bem. —Ele pôs uma perna sobre seu joelho, e notei quelevava as meias diferentes, ambas marrons, mas em diferentes tons.Claramente, não era um homem muito observador. Poderia usar issoa meu favor.

Fechei a porta do dormitório, depois chamei Madison enquantoolhava para o guarda roupa de Steve. Tinha que encontrar algumaroupa que me servisse.

—Ouça, Madison. —Graças a Deus que ligou. Temos que ir a Nevada. Onde está? Encontrei uma camiseta azul clara e a joguei na cama. —Estou prisioneira no trailer de Steve Raleigh. —Não, sério, onde está? —Falo a sério. Steve me reconheceu no meio de uma cena, foi

vencido pela surpresa, ou talvez pelo carma, e terminou empurrandolady Marion em um lago. Depois a serpente fugiu e assustou o cavalo,e houve muita gritaria, a maioria dos gritos era do diretor mastambém de alguns dos membros do elenco, e então Steve disse aosguardas de segurança que me levassem para seu trailer e é ondeestou. Acredito que chamará a polícia depois que terminar de filmara cena.

—A polícia? —A voz dw Madison saiu quase num sussurro—.Falou com seus pais?

Steve tinha calças jeans nas gavetas, mas sabia que nenhumadelas me serviria. Depois de tudo, media mais de um metro e oitentae três de altura. Talvez pudesse encontrar alguma calça de ginástica.

—Vou trocar de roupa, subir pela janela, e pegar um doscavalos. Então cruzarei a cidade a cavalo e a encontrarei.

Houve uma pausa larga.

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—Está louca? Tirei a touca de freira e a joguei sobre a cama. —Não me faça essa pergunta. Poderia não gostar da resposta. Madison soltou um fôlego. —Annika, você não pôde seguir por Burbank com o Map Quest

e uma caminhonete. Nunca faria em um cavalo. Abri as gavetas de Steve com muita força, e quase caiu todo o

armário. —É melhor do que ficar aqui e esperar que a polícia me

recolha. O que tenho a perder? —O movimento na maior parte de seu corpo se o cavalo jogar

você no chão. Só comece a caminhar para Burbank, e a recolherei naminivan.

Abri a última gaveta. Ali talvez encontrasse algo. Tirei umabermuda. Teria que funcionar.

—Vou chamá-la quando passar pelo guarda. Não estacione emnenhum lugar demasiado perto do estúdio. Não deixe que a vejam.

Desliguei o celular e tirei o traje de freira. Então vesti acamiseta e a bermuda de Steve. Deslizou-se de meus quadris.Procurei algo para usar como cinto. Em seu armário, encontrei váriossapatos e então peguei os cordões de um deles, passando pelacintura e os juntei dando um nó bem forte.

Finalmente enfiei meu celular e a foto de Jeremy no bolso dasbermudas do Steve. Não comprovei se a janela do dormitório estavaaberta, pois se fizesse isso, daria para onde o guarda de segurançaestava em pé.

Segurando o uniforme de freira, caminhei para a sala de estar. Como despistaria o Sr. Blasingame para poder sair pela janela? Caminhei e fiquei em pé diante dele. —Um, eu gostaria de praticar mais alguns scripts. Se for muito

ruidoso para você aqui, talvez, queira voltar para dormitório paratrabalhar.

É realmente tranquilo ali atrás. —Aqui está a coisa —disse como se tivéssemos no meio de

uma conversa completamente diferente—Não sei o que fazer comlady Marion. Sempre é a mesma história. Ela é capturada e Robin aresgata. Simplesmente não posso escrever isto uma vez mais.

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—Ah. —Olhei o traje em minhas mãos e em seguida osalmofadões atirados no sofá. O guarda de segurança não se viroupara investigar durante algum tempo, mas não podia contar com quecontinuasse me ignorando. Enquanto falava, apoiei a touca em umalmofadão—. Bem, poderia escrever algo completamente diferente,como, suponhamos, jogar lady Marion em um lago?

—Que coisa boa faria isso? —O Sr. Blasingame elevou a vista deseu computador, mas não achou estranho que eu estivesseconvertendo um almofadão em uma freira.

Encolhi os ombros. —Se eu fosse um espectador, teria muita satisfação ao vê-la

sentar-se no meio de um lago. As esquinas dos lábios do Sr. Blasingame se elevaram. —Isso poderia me dar satisfação também, mas duvido que

possa desenvolver isso em um capítulo de quarenta e quatrominutos.

—Poderia matá-la? —Ela tem um contrato, mas... —inclinou-se para frente,

escrevendo outra vez—. Podemos pensar que ela tenha morrido, masela realmente tem amnésia… —Quase imediatamente pôs seu dedono botão de apagar—Não. Eles não podiam curar a amnésia na IdadeMédia. Isso me coloca em um problema. Que mais tem?

Apoiei o almofadão contra o respaldo do sofá e o almofadãosuperior para que assim parecesse que minha cabeça estavadescansando no sofá.

—Poderia fazê-la ficar louca. Talvez ela pudesse sentir a mortefalando com ela.

—Não, muito aterrador. Perderia todo o encanto da audiência. Ignorei as implicações desse comentário e recostei o hábito no

sofá. De fora do reboque isso parecia, esperava, como se estivessesentada ali.

O Sr. Blasingame escreveu por outro minuto, e depois parou. —Tem que haver algo mais. Algo maior. Caminhei à janela de saída de emergência, tirei o ferrolho, e

olhei para fora como se confirmasse o tempo. —Ela poderia morrer, terminar no inferno e Robin Hood teria

que salvá-la. Ele poderia averiguar provavelmente a maneira de fazerisso.

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O Sr. Blasingame elevou a vista de seu teclado tãoatentamente, que imaginei até que me perguntaria o que ela haviafeito, mas ele disse:

—Isso já foi feito antes. —Quando? —Hércules. Disney. Cada menino da audiência viu esse filme.

De Shakespeare eu poderia roubar, mas não do Disney. —Hércules tinha uma vantagem que o resto de nós não tem —

eu disse e não pude manter a amargura fora de minha voz—Ele eraimortal. Meu irmão e eu estamos presos ali abaixo somente com umbando de corvos para nos ajudar.

O Sr. Blasingame não respondeu, só voltou a digitar com umolhar pensativo. Surpreendeu-me que inclusive minha declaraçãoestranha não o desconcertasse. Possivelmente não estava loucadepois de tudo. Possivelmente estivesse apenas me convertendo emuma escritora.

O relógio dizia 02h28min. Não podia perder mais tempotratando de conseguir que o Sr. Blasingame saísse dali.

Tirei o fecho da janela de um lado e depois o seguinte. Afrouxeio vidro para que assim não caísse ao chão. Preparei uma explicaçãodo por que disfarcei os travesseiros com meu traje de freira—necessitava que alguém lesse minhas linhas— e poderia dizerpossivelmente que abri a janela porque queria ar fresco, mas nãotinha nenhuma justificativa razoável de por que engatinhavalentamente pelo trailer. Esperava que ele não notasse. Depois queabri a janela, brandamente desci para o chão do trailer, contra otapete. Isso não fez nenhum som.

Lancei um último olhar ao Sr. Blasingame para ter certeza deque ele ainda estivesse absorto no trabalho e depois, o maissilenciosamente possível, pulei a janela. Aterrissei na terra com umgolpe.

Não esperei para ver se minha saída foi notada e se ele estava aponto de olhar para fora da janela para ver o que eu estava fazendo.

Os trailers estavam alinhados um ao lado do outro, não setocavam mas estavam bem perto um do outro para fazer uma boatela de tudo em o que se via em frente. Agora só tinha que ficar atrásdeles até que pudesse correr. Apressei-me para a parte dianteira dotrailer de Steve, tratando de ficar o mais silenciosa possível. Estiveatenta para escutar a voz do guarda de segurança.

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Não ouvi, mas ouvi gritos que vinham do interior do trailer. Avoz de Steve. Ele havia retornado.

Capítulo 10

Olhei pela janela do trailer. O espaço entre os reboquesestavam claros agora, mas podia ouvir as ruidosas pegadas fora daporta de Steve e sua voz vociferando: — Ela não pode estar longe.Procure no chão e procure por pisadas.

O que significava que de um momento para outro veriam comoeu estava perto. Fiz a única coisa que me ocorreu. Corri para a partetraseira do trailer seguite, subi as escadas e cheguei ao teto dele,coloquei-me de barriga para baixo, esperando que ninguém olhassepara cima.

O calor do sol queimava o teto e meus braços, pernas e rostoestavam pressionados, junto com pequenas partes de escombros quecortavam minha pele. Permaneci ali, esperando que meu corpo sefundisse com o trailer.

Não me atrevi a levantar a cabeça para olhar, mas as vozessoavam bem abaixo de mim. Um dos guardas disse:

—Não vejo nada. Faz muito tempo que ela fugiu? —Faz alguns minutos —disse Steve—.Não pôde simplesmente

desaparecer. —Vou chamar os outros guardas. Vamos nos dispersar e

encontrá-la. — Uma série de passos trotaram ao longe. Tratei de escutar o som da voz de Steve, ou seus passos. Não

escutei nada, talvez porque o som de minha respiração, vindo emestalos frenéticos, fazia muito ruído.

Então escutei passos no teto. Levantei a vista e vi Steve, aindavestido como Robin Hood, de pé sobre a parte superior de seu trailer.

Caminhou lentamente para o espaço que nos separava. Fiqueisobre minhas mãos e joelhos, insegura do que fazer ou que direçãotomar. Senti-me como um velocista esperando o disparo da partida,só que não sabia para onde correr.

Ele pôs as mãos sobre seus quadris. —Imaginei que desejasse falar comigo durante dois minutos. —E eu pensei que você tivesse dito que estava me entregando

à polícia.

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—Ainda posso. Como conseguiu driblar a vigilância da frente echegar até o set?

Fiquei de pé e limpei os escombros de minhas mãos. —Olhe, não posso ir para a cadeia agora. Não direi nada a

menos que prometa não chamar à polícia. Contemplou-me sem preocupação. —Está apanhada na parte superior de um reboque. Não

acredito que esteja em condições de negociar. Dei um passo longe dele, e logo outro. —O tempo que perderá ao retornar para sua escada, descer,

caminhar Ate aqui e subir esta escada, dará tempo para que eu fuja. Inclinou o queixo para baixo. —Os trailers não estão tão afastados um do outro. O que a faz

pensar que não saltarei? —Porque é o tipo de homem que necessita de um dublê. Enviou-me um sorriso arrogante, depois retrocedeu para dar

impulso. Já havia encontrado uma maneira de retornar à beirada, oque dava-me um segundo para pensar minhas opções. Poderia dar osalto? Ele tinha a vantagem de ser mais alto e mais forte.

Ele correu para meu reboque, e eu corri para o dele. Ambossaltamos. O que me faltou em habilidade o compensei comdeterminação.

Cruzamo-nos no ar, e logo aterrissamos com dois fortes golpes. Ele virou-se e me olhou. —Não posso acreditar que tenha feito isso. —Não me deixou muitas opções, não é? Seus lábios estavam apertados em determinação. Não era

somente o disfarce —um brilho de Robin Hood passou por seusolhos. Soube que não gostou de ser derrotado por uma falsa extra.Tomou outra carreira para meu reboque. Corri para ele. Mas foi umdesses momentos em que ser capaz de ler às pessoas valia a pena.Sabia que ele não completaria o salto. Ele planejou parar na beirada eme olhar saltar para seu trailer.

Detive-me na beirada também. Olhamo-nos fixamente um aooutro, a poucos centímetros de distância.

Ele me sorriu, surpresa e respeito mesclavam-se em suaexpressão.

Logo retrocedeu.

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—Sabe qual é o problema de jogar Pedra, Papel ou Tesoura? Eu também retrocedi, igualando sua velocidade. —O quê? —Cedo ou tarde se equivoca. Correu para meu trailer. Eu corri para o seu. Desta vez, sabia,

que ambos saltaríamos. Parecia que saltar sobre trailer fosse fácil,mas não era. Impulsionei meus braços com força e empurrei minhaspernas para ir mais rápido. O ruído do tamborilar de nossos pés sedeteve momentaneamente enquanto nos deslizamos e nos cruzandoum diante do outro no ar.

Aterrissei no trailer e sem fôlego virei para enfrentá-lo. —Na realidade, nunca perco em Pedra, Papel ou Tesoura. Ele tomou algumas respirações profundas e seu olhar me

percorreu de cima abaixo, notando a mim pela primeira vez. —Ouça, está usando minha roupa. —Sim, sinto por isso. O traje de freira era um pouco chamativo.Com irritação em sua voz disse: —Não pode roubar isso. Essa é minha camisa de pôquer da

sorte. Olhei para baixo. —Pois, não acredito que esteja funcionando. Não tive muita

sorte até agora. Ele sacudiu sua cabeça e riu. Tinha-o visto fazer isto em cada

episódio do Teen Robin Hood, mas mesmo assim continuava medeslumbrando. Não podia fazer nada mais que olhá-lo fixamente.

Ouvi passos na parte de baixo e olhei para ver um segurançacorrendo para o trailer.

—Ali está! —gritou. —Sim, percebi —disse Steve em resposta—mas não suba. Ela é

meio gata e pensa que tem sete vidas. O guarda de segurança parou bem embaixo de onde eu estava

e ainda ofegando, falou com seu fone de ouvido. —Já não tem opção —disse Steve com calma—.Terá que

descer. —Vai me entregar à polícia? —Talvez. Por que tanta preocupação? Já tem ficha policial? —Não. Tenho um irmão com câncer que será operado na sexta-

feira de manhã. —As palavras saíram depressa, e minha voz estava

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fraca—. Não posso permitir que meus pais dirijam quatro horas parapagar minha fiança e me tirar da cadeia.

Os traços de Steve momentaneamente ficaram suaves e meolhou mais de perto.

—Quantos anos tem? —Dezessete. Amaldiçoou baixo, e seus olhos brilharam com uma emoção

que não pude compreender. —Desça e junte-se a mim no trailer. Não a entregarei à polícia. Quando cheguei a frente do trailer de Steve, tanto ele como o

segurança careca estavam esperando. O guarda andou rapidamenteatravés do estacionamento ao nosso encontro. Possivelmente estavaimaginando que eu ainda fugiria.

Steve estendeu uma mão, fazendo um gesto para a porta dotrailer.

—Primeiro as damas. Subi as escadas sem falar, entrei e sentei no sofá, com o

semblante mal humorado. Se não fosse me entregar à polícia, nãoentendia por que não me deixava ir e terminava logo com isto.Provavelmente teria uma grande conversa e francamente não queriaouvir que leis tinha violado e como era horrível por ter ido ali,quando só estava tratando de ajudar meu irmão.

Se Steve tivesse sido franco comigo no dia do jogo de basquete,tudo isto poderia ter sido evitado. Teria aprendido ontem à noitemesmo que ele não possuía nenhuma gota de sangue compassivo emseu corpo, e já estaria a caminho de casa nesta hora. Em casa paraconfrontar o fracasso.

Steve e os seguranças entraram no trailer. O SenhorBlasingame estava de pé na janela, inclinando-se para fora e olhandoatentamente o céu.

—O que foi todo esse ruído no teto? Steve tirou o chapéu e o jogou num sofá. —Isso foi o som de minha fã adolescente e eu saltando de

trailer a trailer. —Não sou sua fã —disse para ele. —Isso não foi o que disse ontem à noite. —E que eu recorde, anulou essa possibilidade com bastante

rapidez.

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O Sr. Blasingame assinalou com o dedo para Steve emacusação.

—Saltou através do trailer? Dean o matará se souber. O pessoaldo seguro o matará. Percebe que estamos somente na metade datemporada? Está tentando que eu tenha um ataque do coração?

Steve virou-se para mim. —Essa, por certo, é a razão pela qual tenho um dublê. O Sr. Blasingame me olhou e agitou a mão em minha direção. —E o que está acontecendo com esta moça? Desde quando

começou a usar o trailer como uma prisão, e quando me converti emum carcereiro?

—Nunca falei para se tornar um carcereiro. —Steve cruzou osbraços e me deu um olhar cortante—. Só disse que uma pessoanormal teria perguntado por que alguém criaria uma freira dechamariz e logo pularia para fora da janela.

O Sr. Blasingame recolheu seu computador do sofá e o colocousob seu cotovelo.

—Pois, não sou uma pessoa normal; sou um escritor. —Caminhou para mim, estreitou minha mão e assentiu com aprovação—. Sabe, você me deu uma ideia perfeita para o próximo episódio.Lady Marion escapa por sua conta e foge… sozinha e não percebeque é de Robin Hood de quem está fugindo. Isto vai ser ouro.

Com isso, saiu do trailer assobiando. Todos o olhamos partir. —Ele tem razão —disse o guarda—Não é normal. Steve sentou-se no sofá em frente a mim. Os guardas ficaram a

cada lado da porta, como se ainda estivessem em serviço, o quesuponho que assim fosse.

—Bem —disse Steve, inclinando-se para frente—. Em primeirolugar, quem é você?

—Promete que não me entregará à polícia? —Prometo. Relaxei-me um pouco nas almofadas do sofá. —Meu nome é Annika Truman. —Muito bem, então, Annika Truman. Como entrou hoje no set?Meu nome soou estranho vindo de sua boca. Não estava

atuando na televisão. Estava sentado em minha frente, me olhandocom uns olhos que poderiam deixar uma garota muda. Deixei de ladoa sensação e lhe contei toda a história. Da parte em que tinha

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prometido a Jeremy que podia lhe dar dois desejos, até o ponto emcoloquei a serpente na caixa de objeto de cenário.

Steve sacudiu a cabeça lentamente. —Trouxe uma serpente para um lugar com cavalos? —Não teria acontecido se soubesse que estavam usando

aquelas flores no cenário. Sinto muito por toda a gritaria e pelaspessoas que caíram no lago, e o cavalo pisoteando seu pequenopovoa…— atrás de mim escutei a risada afogada do guarda. Steve ofulminou com o olhar.

—Encontraram a serpente? —perguntei—Seu aquário está notrailer de maquiagem.

Um dos guardas disse: —Sim, um dos ajudantes a capturou. Eu os avisarei. —Olhe, Annika —disse Steve, o som de meu nome em seus

lábios distraiu-me durante alguns segundos—Sinto muito sobre seuirmão…

—Jeremy, seu nome é Jeremy. —Sinto muito sobre Jeremy… —Quer ver uma foto dele? —antes que ele pudesse responder,

tirei a foto de meu bolso. A expressão de Steve ficou mais receosa; jáestava recusando com o olhar. Então dei primeiro a foto aos guardasde segurança. Eles não tiveram nenhum receio em olhar a foto deJeremy.

—Esse é Jeremy no Halloween —disse—. Insistiu em ser RobinHood.

Tivemos que procurar por toda parte até encontrar as botasque se parecessem bastante com as da série.

Um guarda pegou a foto. —É um menino de aparência agradável. —Cabeceou com

aprovação e passou a foto ao outro guarda. Um dos guardas tirou a carteira de seu bolso. —Permita-me doar um pouco de dinheiro para ele. Tomei a foto de suas mãos. —Está bem. Não vim aqui para pedir dinheiro. O outro segurança tirou sua carteira também. Pressionou uma

nota de vinte dólares em minha mão. —Com certeza as faturas médicas estão acumulando-se. Steve cruzou o espaço para unir-se a nós.

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—Já lhe ofereci dinheiro. Não sou completamente cruel, sabe.—Ele tomou a foto de minha mão—.Por que os meninos doentessempre são tão lindos?

Por que não poderia por uma vez somente, algum deles serigual a um pequeno monstro para não me sentir culpado dizendo quenão?

Dei um passo mais perto de Steve, com uma mão sobre meupeito, suplicante.

—Por favor! Poderia vê-lo? Isso significaria muito para Jeremy.Eu prometi que seu desejo se tornaria realidade. Eu fiz com queacreditasse nisso. Se ele pensar que este desejo tornou-se realidade,ele acreditará que poderá sair bem da cirurgia.

Ele me devolveu a foto e sacudiu a cabeça. —Eu faria isso se pudesse, mas o restante de minha semana já

está reservado. Hoje devo me encontrar com alguém às cinco. Tenhoque trabalhar amanhã, apresentarei uma cerimonia de premiaçãoamanhã a noite, e em algum momento da semana tenho querepassar o próximo script.

—Henderson está a só quatro horas de distância;provavelmente três horas e meia se conduzir tão rápido como eu. Separtirmos agora eu o conduzirei diretamente para lá, poderia voltar atempo…

—Para estar esgotado até o ponto em que estarei incoerentena rodagem de amanhã.

—Pode dormir enquanto dirijo —ofereci, mas percebi por suaexpressão que não considerava a possibilidade de vir comigo. Minhagarganta ficou apertada e de repente ficou difícil falar, mas o fiz.Expressei minha mais escura preocupação, a que tinha afastado cadavez que isto emergia. Joguei para o exterior, cru e doloroso, paramostrar a Steve.

—Jeremy talvez não sobreviva à cirurgia; tem seis anos, epoderá ir para sempre depois de sexta-feira pela manhã. O que maisquero no mundo inteiro é que você vá visitá-lo. Lamento entrar emsua vida desta maneira, mas pensei que, quando conversássemos,talvez entendesse... — Mantive meu olhar no dele, procurando umsinal de que fosse concordar—Eu o necessito para conceder somenteum desejo.

Ele fechou os olhos, como estivesse recusando meu olhar.

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—Não sei quanto tempo me resta com Jeremy —continuei—. Erenunciei a meu tempo com ele ontem para vir aqui e falar com você.Não pode tirar meio-dia de seu horário para vê-lo?

Nossos olhares se encontraram e durante um momento nãodisse nada. Não respirei, como se isso de algum jeito ajudasse aminha situação.

Então, ele afastou seu olhar de mim. —Posso ligar para seu irmão antes da cirurgia. Posso assinar

uma foto. Inclusive lhe darei uma de minhas flechas, mas não tenhotempo para ir vê-lo…

Estava segura de que podia persuadi-lo para que viesse comigo.Inclusive os guardas de segurança, que começaram a atuar

como se pudessem desprender agilmente de meus braços, ficaramcomovidos. Mas não Steve Raleigh.

Senti agudas espetadas de decepção ferroando meu coração eteriam se convertido em lágrimas para a maioria das pessoas, maspara mim converteram-se em punhaladas de ira. Mesmo assim,mantive minha voz firme.

—O verdadeiro Robin Hood teria vindo comigo. Steve cruzou os braços. —Sim, bem, talvez seja porque o verdadeiro Robin Hood não

tem que gastar todo seu tempo promovendo seu programa.Tampouco tem que reunir-se com seus instrutores de esgrima, boxe,e arco e flecha, e tampouco tem que exercitar-se no ginásio duashoras por dia em caso de que alguém queria filmar uma cena delesem camisa.

Sabia que não serviria de nada que Steve se zangasse comigoquando ainda podia acusar-me de muitas coisas, mas neste momentosó pensava em lhe fazer dano.

—Não é nada como Robin Hood. De fato, se vivesse na IdadeMédia seria o tipo de sujeito que andaria na corte do Rei Juan paraque todos soubessem como você era famoso e importante. Não seimporta absolutamente em ajudar as pessoas.

Ele deixou escapar uma lenta respiração, seus olhos ficaramduros.

—Não sabe nada de mim. —Varreu sua mão ao redor do trailercomo prova do que disse—. Permaneço mais tempo sendo RobinHood do que ele mesmo foi e com certeza poderia atirar em vocêtambém.

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—Com certeza não conseguiria atirar melhor que eu. —Sim, pois, perderia essa aposta. Dei um passo para ele. —Está disposto a apostar por isso? Vamos ter um concurso de

tiro e se você ganhar, será meu pelas próximas… — decidiacrescentar um tempo—… onze horas. Se vencer, nunca mais oincomodarei novamente, e prometo não chamar os tabloides paradizer como você é horrível.

—Que sou horrível, porque não deixo tudo e viaje até Nevadacom uma estranha? Acredita que os tabloides comprariam essahistória?

Encolhi os ombros e sorri. —Sou uma bonita garota adolescente com um pequeno irmão

doente. Um lugar cheio de gente viu a ordem que deu aos guardaspara que me mantivesse presa em seu trailer.

O olhar fixo do Steve me percorreu, avaliando-me. —O que é, algum tipo de mercenária adolescente? —Posso chorar se ficar sob pressão em frente às câmaras dos

noticiários—Menti, e lhe estendi a mão para estreitar a dele—.Temos uma aposta?

Elevou a vista ao teto e logo enfocou seu olhar em mim, suafrustração era evidente.

—E quando ganhar promete que não pedirá mais nada, não meacossará, ou tratará de não mais me chantagear?

—Correto. Ele estreitou minha mão. E isso foi tolice, sei, mas não pude evitar a sensação de

formigamento que senti onde ele havia me tocado. Pensei: Steve Raleigh está segurando minha mão.

Capítulo 11

Fixamos o objetivo atrás dos trailers, então Steve e eu paramosa uns vinte metros de distância. Steve colocou uma flecha e esticou acorda do arco sem me olhar. Os músculos de seus braços flexionadose seus olhos entrecerrados no alvo, examinando-o. Sustentou aflecha em posição por um momento, depois a deixou voar. Eu sabia

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que era um bom tiro, mesmo antes que chegasse ao objetivo, justodentro do alvo.

Seria muito difícil ganhar, mas não impossível. Entregou-me o arco e uma flecha. —Sinto muito, Annika. —Não se desculpe até que saiba por que o está fazendo.Ajustei

a flecha na corda. O arco de Steve era maior que o meu, e esperavaque não ricocheteasse. Mantive o arco estável e julguei a distância. Jádei milhares de tiros e acertado mais alvos exatos dos que podiacontar, mas nenhum importava tanto quanto este. Poderia chegar amarca se o nervosismo não fizesse minha mão tremer.

Isto é pelo Jeremy, disse para mim mesmo. Tem que ser bom. Soltei a flecha, desejando que voasse em linha reta. Era quase

uma oração, mas não de tudo. A flecha cantou enquanto voava pelo ar. Golpeou o mesmo

centro do alvo. Sorri e entreguei para Steve seu arco. —Agora já sabe por que deve se lamentar. Sinto por você ter

que dirigir até Nevada com uma estranha. Olhou para o alvo com a boca aberta e depois voltou o rosto

para mim. —Como fez isso? —Sou presidente do clube de arco e flecha de minha escola. —

Encolhi meus ombros e dei um sorriso muito meu. —Bom, nãoacreditaria que fiz isso porque vejo seu programa, verdade?

Os guardas aproximaram-se, ao mesmo tempo em que moviamsuas cabeças.

—Esse foi um bom tiro. —Disse o guarda careca. —Obrigada—.Sorri para Steve. —E mudei minha opinião sobre

sua camisa. Pode ser da sorte, depois de tudo. Steve fez um gesto com a mão em minha direção. —Ela é presidente do clube de arco e flecha de sua escola!

Nunca mencionou esse fato. —Deve ser um bom clube se ganhou de você . —Disse o guarda

careca— Quantas horas pratica durante a semana? Steve cruzou os braços e deu ao guarda um olhar severo. —Não quero falar disso. Encolhi os ombros outra vez.

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—Se lhe servir de consolo, tenho certeza que poderia ganhar demim na esgrima.

Seu escuro olhar virou-se para mim. —Quer uma revanche, então? —Não. Fizemos uma aposta e ganhei. Quer levar seu

automóvel ou minha minivan? Embora provavelmente deva adverti-lo que pode haver pombas e coelhos no interior. Não tenho certezase Madison desfez-se deles ou não.

Steve passou os dedos pelo cabelo, e depois levantou as mãospara mim como tentasse me ensinar algo.

—Não posso ir. Tenho coisas que preciso fazer aqui. Cenas querodar amanhã, e a entrega de prêmios é algo muito importante. Umprodutor com o que preciso falar estará lá…

—Você prometeu. —Coloquei minhas mãos em meus quadris.— você mantém a palavra ou não?

—Não posso só ir com você. Não sei nada a seu respeito. Seuspais sabem que está aqui fazendo isto?

Enviei-lhe um sorriso lento. —Acredito que essas são coisas que deveria ter pensado antes

de se comprometer a vir comigo. Steve olhou ao céu por um momento, e depois a mim. —Está bem. Tem-me por onze horas e só onze horas. Menos, se

não tomar tanto tempo. Vou falar com seu irmãozinho e em seguidairei embora. Não vou falar com seus amigos, pousar para fotos, oudar uma exclusiva no periódico de sua cidade. Somente vou falar comseu irmão. Entendido? —Ele voltou para seu trailer, agarrando oarco. Eu o segui, tirando meu celular para comprovar a hora. Era umpouco depois das três e meia.

—Está bem. Não me importa o resto. Mas, bom, você podetrazer o traje? Terá que se vestir como Robin Hood.

Olhou-me, os músculos de sua mandíbula apertados. —Quer me ver chegar a sua casa usando uma peruca loira, uma

Túnica e um par de meias verdes? —Jeremy está no primeiro grau. Ele não percebe que é um

ator. Pensa que realmente é Robin Hood. —Isto fica cada vez melhor—.Steve abriu a porta do trailer e eu

também entrei.

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A primeira coisa que fez Steve quando entramos foi telefonarpara seu assistente pessoal e explicar a situação. Ele chegou ao trailerimediatamente.

Steve o apresentou como Rum Bosco e o chamou Rumenquanto falavam, mas era claro do momento em que entrou quetodos os demais o chamavam de Sr. Bosco. O homem estava muitosério. De fato, pode ter sido uma calculadora em uma vida anterior.Tive a sensação de que toda sua existência consistia em filas ecolunas de números.

O Sr. Bosco me olhou outra vez, claramente aborrecido edepois entrou na cozinha com Steve e fez um discurso em voz baixadizendo que isto era uma má ideia. Steve disse:

—Sei, sei, mas fiz uma promessa. Voltarei assim que puder. O Sr. Bosco abriu seu notebook, e insistiu em comprovar pela

internet se o meio mais rápido seria tomar um avião para Las Vegas edirigir até Henderson. Não seria. E além disso, Steve não queria terque lutar com a multidão no aeroporto. O Sr. Bosco então revisoupara alugar um avião charter, o qual era ainda mais complicado ecustoso, mas não pôde conseguir um hangar de alguém nacompanhia e além disso, não estava seguro de quando elesresponderiam sua mensagem.

Entretanto, pensava que a melhor ideia era alugar um aviãoamanhã depois do trabalho e tratar de chegar antes da cerimônia dosprêmios.

Steve vetou essa ideia, já que não tinham sido capazes deconseguir um hangar da companhia de aviões, e além disso pensavaque estaria forçando muito as coisas. Não queria chegar tarde para aentrega de prêmios.

Eu respondi a isto olhando obsessivamente o relógio emordendo todas minhas unhas. O Sr. Bosco perdeu meia horatratando de economizar o tempo de Steve. Finalmente este seafastou do computador e disse que seria mais simples se dirigisse atélá neste instante.

Quando o Sr. Bosco se resignou ao fato de que não podiaconvencer Steve de não ir comigo, olhou-me de novo, desta vez comuma expressão azeda, e em seguida me fez assinar um formulário deconfidencialidade.

Falo sério. Este documento estava em sua maleta.Basicamente, me disse que nunca falaria com nenhum tabloide ou

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jornalistas a respeito de algo que Steve dissesse ou fizesse em minhapresença. Do mesmo modo, não podia demandá-lo por nenhumarazão.

Quão paranoico tem que ser para levar com você esse tipo dedocumento?

Steve chamou o departamento de vestuário e pediu que elestrouxessem um novo traje de Robin Hood e aproveitei para pedir quetrouxessem minhas roupas pois as coloquei em uma esquina dotrailer de vestuário quando usei o vestido da época medieval.

Steve entrou no quarto depois para empacotar uma mala deviagem e trocar a roupa, mas antes de ir, disse-me que esperasse nasala de estar.

—Rum fará companhia a você . —Disse ele. Em um tom de voz que julgamos que não ia escutar mais nada,

disse ao Senhor Bosco: —Não a deixe que se meta em problemas e aconteça o que

acontecer, não faça nenhuma aposta com ela, especialmente as queimplicam o tiro com arco ou Pedra, Papel ou Tesoura.

Uma Senhora do vestuário chegou com o traje que Steve pediumas informou que alguém havia encontrado minha roupa antes,pensando que eram de Esme e as enviou com outras roupas sujaspara a lavanderia. Falou que mandaria tudo para minha casa quandoretornassem.

Mas na verdade, não me importava ficar com a roupa de Steve. De certo modo eu estava gostando de sua camisa de pôquer da

sorte. Antes de ir, e nesse momento eram quase quatro e meia, o Sr.

Bosco deu para Steve um maço de notas. As estrelas da televisão, aoque parecia, não usam os caixa eletrônicos . Isso é algo que seusassistentes pessoais fazem por eles. O dinheiro era para combustívele mantimentos.

Senti-me péssima sabendo que Steve teria que pagar por tudo,mas minha bolsa estava com Madison, e Steve já tinha rechaçadominha oferta para levá-lo a Nevada em minha minivan.

Suas palavras exatas foram: —Tenho que me encontrar com Karli às cinco, e não vou chegar

ao restaurante em uma caminhonete com duas adolescentes e umavariedade de vida silvestre.

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Ele tentou chamar Karli, para cancelar, mas ela não atendeu aligação, e não queria deixá-la esperando. Disse-me que só passariampelo restaurante e diria a ela que não poderia ficar.

Tratei de devolver o dinheiro que os guardas de segurança mederam para pagar o combustível e ele ficou incrédulo, como se eu otivesse insultado.

—Não vou pegar seu dinheiro. Nem agora. Nem nunca. Durante a investigação do Sr. Bosco sobre as horas dos

transportes, Liguei para Madison e lhe disse que podia voltar paracasa porque viajaria com Steve. Não é que realmente quisesse passartempo com o Senhor “Eu-devo-ter-um-formulário-de-confidencialidade-antes de-que-você-possa-sair comigo.” Só penseique seria muito fácil para ele romper sua promessa se eu nãoestivesse ali no automóvel com ele.

Madison estava toda preocupada porque eu faria uma viagemde quatro horas no carro de um desconhecido, embora em grandeparte estivesse mais preocupada de que eu não fosse capaz deencontrar o caminho de casa. Tive que lhe assegurar que Steve tinhaum GPS no Black Barry e já havia programado a direção.

—Ligue de vez em quando, assim saberei onde estará. — Disseela, e logo adicionou.: OH, espere, tenho o carregador de seu celularem meu automóvel. Sua bateria está acabando? Steve dispõe de umtelefone?

—Ficaremos bem, —eu disse a ela. Mas depois de desligar,desliguei meu celular para conservar a bateria.

E então resultou que, na realidade, não usamos o carro deSteve.

Ele, como a maioria do elenco, contava com um chofer que olevava ao estúdio, por isso pediu emprestado um destes automóveis,um BMW bege. Esta era uma das vantagens de ser uma estrela: Podesolicitar veículos caros sem avisar com antecedência.

Steve não disse nada enquanto conduzia. Imaginei queestivesse aborrecido por me fazer este favor, assim procurei escutaro rádio e fiquei quieta. Estávamos quase em Beverly Hills antes queSteve me dissesse uma vez mais que faria sua reunião com Karli omais rápido possível.

—Pensei que você e Karli tivessem rompido. —Eu disse. —E rompemos. Apenas apanharei alguns livros que emprestei

para ela.

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Voltei-me em meu assento e olhei para ele. —Sério? Que classe de livros? Ele me olhou. —Ficou surpresa de que eu leia? —Não, surpreende-me que ela o faça. Lançou-me um olhar interrogador. —Bom, a pessoa que grava vídeos de si mesma rodando na

areia com um pelotão completo de salva-vidas geralmente não sãomuito literárias, eu completei.

—Os salva-vidas não vêm em pelotão. —Disse ele. —Não respondeu a minha pergunta a respeito dos livros. Olhou para o tráfico e não a mim. —Livros de história, em sua maioria. —Impressionante. Retrato-me de tudo o que disse dela. As esquinas de sua boca se levantaram. —Bom, poderia ter sido impressionante, se alguma vez ela os

tivesse lido, mas não leu. Eu sorri, porque estava com razão. —Ainda estou impressionada de que você os lesse. —Não fique. Comecei a ler sobre a Idade Média para ficar

preparado para o papel e descobri que estava gostando da história—.Olhou ao relógio do veículo e fez uma careta. Eram cinco emponto.

—Vou chegar com dez minutos de atraso. —Sinto muito. —Senti uma pontada de culpa, um pensamento

ruim veio a minha cabeça.. —Está tentando voltar com ela, não? Ele voltou a me olhar. —Não. Por que pensa isso? —Geralmente, quando alguém briga com uma pessoa e depois

quer se reunir com essa pessoa para jantar, há algum motivo atrásdisso.

Ele negou com a cabeça. —Não desta vez. De fato, foi ela a sugerir que nos

encontrássemos para jantar. —Oh, não. —Coloquei meus dedos sobre minha boca. —Isso é

pior ainda. Ela quer retornar o namoro com você, e eu estouarruinando tudo.

Ele juntou as sobrancelhas.

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—Não, só está devolvendo meus livros. É somente uma espéciede jantar inocente.

Isto não me eximia da culpa, já que ele era obviamente,ignorante de como as mulheres tratavam de reconquistar os homens.

—Poderia se oferecer a levá-la conosco. No caminho teriam ummontão de tempo para retornar o namoro.

—Não voltaremos a namorar. —Disse ele com firmeza. — Nãodeveria tirar conclusões precipitadas. —E depois disso, ele não dissemuito no resto do caminho para o restaurante.

De vez em quando eu olhava para ele e para suas bronzeadasmãos sobre o volante, seus braços musculosos, seu perfilirrepreensível. Parecia injusto para o resto da humanidade que seustraços fossem tão perfeitos.

Era especialmente aborrecido para mim, porque meuspensamentos seguiam à deriva nessa direção e depois era difícilpensar em outra coisa.

Seu aspecto podia intoxicar inclusive a uma garota racional e aúltima coisa que precisava era começar a sentir amor por um moçoque nunca voltaria a ver depois de algumas horas.

Obriguei-me a olhar pela janela. Ele não pareceu dar-se conta. Chegamos a Holland Grill, um café pitoresco com cestas de

flores pendentes, grandes janelas com persianas e música deslizando-se para a calçada. Vários casais comiam em um grande pátio, queestava rodeado por uma cerca de madeira. Toalhas ondeavam nabrisa. Era uma cena perfeitamente romântica e perguntei para mimmesmo se foi Karli quem escolheu o lugar.

Os automóveis estavam alinhados na estrada em frente aorestaurante e então Steve estacionou no outro lado da rua um poucomais abaixo.

Antes de fechar a porta, voltou-se para mim com olhos graves. —Não saia do automóvel. Vou tratar de fazer isto rápido. Inclinei-me para ele. —Pelo menos reprograme com ela para que saiba que não a

está deixando. —Não estamos retornando nosso vínculo. —Enquanto fechava

a porta do automóvel, inclinou a cabeça e me deu um pequenosorriso—. Enquanto espera, pode trabalhar em todo esse assuntosobre tirar conclusões precipitadas do que falamos.

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Afastou-se e cruzou a rua. Eu tive que admitir que ele caminhava de forma agradável. Crédulo. Masculino. Pobre Karli. Tenho certeza que desejou

nunca ter terminado com ele. Karli estava esperando em frente ao restaurante. Não percebi

sua presença no princípio porque usava óculos de sol e, bom, porqueusava roupa normal. Calças jeans e uma blusa, tão oposto à minissaiade couro negro e meias bordadas que usou em seu último disco.

Enquanto Steve aproximava-se dela, Karli colocou seus óculosna parte superior da cabeça e sorriu. Caminhou para ele e quandoficou ao lado de Steve, segurou sua mão e o beijou no rosto. Quandoterminou de beijá-lo, não soltou a mão dele. Enquanto estavamconversando o olhar dela o percorreu. A linguagem corporal dela eramuito mais sensual do que amistosa. Além disso, não seguravanenhum livro.

E ele me acusou de tirar conclusões precipitadas. Os homenssão muito estúpidos às vezes. Afastei o olhar deles dois, e foi entãoquando vi um fotógrafo escondido atrás de um conversível a poucospassos adiante.

Estava bastante certa de que Steve, o Senhor confidencialidade,o Senhor “estamos tendo um jantar amistoso”, não apreciaria estaviolação de sua privacidade. Assim fiz a primeira coisa que me veio àcabeça. Toquei a buzina.

Isto captou a atenção dele. Olhou para nosso carro. Eu utilizeimovimentos exagerados de meus braços apontando para minhafrente.

Inclusive de longe onde estava sentada, vi seus olhos ficaremfrios, como se eu tivesse ultrapassado o limite. Voltou-se para Karliencolhendo os ombros, dando a entender que não me conhecia.

Por desgraça, não foi só Steve, que viu o movimento de minhasmãos. O fotógrafo também viu e então voltou sua câmara para mim.Afundei-me no assento, mas isso só fez com que ele chegasse maisperto.

Percebi que não era o único fotógrafo ao redor. Vi um atrás deuma árvore, outro sentado em uma mesa no pátio, mas estecasualmente tirava fotografias de Karli segurando a mão de Steve.

O fotógrafo da rua chegou até o BMW com sua câmara fazendoclique em minha direção. Com sua teleobjetiva, estava certa de que

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podia obter imagens das obturações em meus dentes se abrisse aboca para dizer algo.

Alternou suas fotos de mim com fotos de Karli, que agoraestava sedutoramente perto de Steve, sua mão em seu braço e seurosto levantado.

Abri a porta do automóvel e a fechei de repente, apressando-me a cruzar a rua. Inclusive enquanto me aproximava, Steve aindaenfrentava Karli. Nem sequer deu a entender que me conhecia. Pareia seu lado. Karli me lançou um olhar mordaz, como se eu não tivessedireito de me aproximar deles. Aí foi quando deixei de sentir penadela.

—Odeio ter que interromper, mas quando eu tentei chamarsua atenção antes foi para lhe dizer que há fotógrafos por todo olugar. Fiz um gesto atrás de mim. Vê? Há um justamente ao lado deseu carro.

A cabeça de Steve girou, pela primeira vez dando-se conta dascâmaras. Neste ponto, todos eles haviam saído de seu esconderijo.Um caminhava pelo lado do prédio em nossa direção, tão perto, quepodia ouvi-lo disparar a câmara.

Karli entrecerrou os olhos para mim. —Quem é esta garota, e por que está com você? —Então

deixou escapar um ofego e deu um passo atrás. —E por que estáusando sua roupa?

Disse isto em voz muito alta. O ruído dos disparadoresaumentou.

Steve agarrou meu braço, mas manteve seu olhar em Karli. Suaexpressão ficou muito séria, então ele abaixou a voz.

—De onde vieram todos estes fotógrafos? Você os avisou, nãofoi?

Os olhos de Karli brilharam e levantou o queixo. —O que vai acontecer se disser que sim? Não é mais do que

merece. Não posso acreditar que você cancelou nosso encontro,enquanto outra garota o esperava em seu automóvel! —Sua mão sefechou em um punho, como se quisesse golpeá-lo, ou a mim, masentão ela deu a volta sobre seus pés e se afastou.

Não tive tempo de ver para onde ia porque Steve segurou meucotovelo e me levou para o outro lado da rua. Os fotógrafosgravavam cada passo que dávamos.

—Quem é sua nova namorada? —Gritou um deles.

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—Não diga nada. —Disse Steve. Não disse. Não podia. —Qual é seu nome? —Gritou-me o fotógrafo outra vez. Outro acrescentou: —Onde se conheceram? Bloquearam nosso caminho para chegar ao veículo e Steve

parou na frente deles, mas ainda segurando meu braço.—Afastem-se de meu carro. —Disse Steve. Mas não deram nenhum passo e o fotógrafo que estave no

restaurante aproximou-se por trás. Sentia-me rodeada, apanhada. —Por que veio aqui para encontrar-se com Karli se já tem outra

namorada? —Perguntou-lhe. —Esme sabe disto? —É realmente sua roupa que ela está usando? O fotógrafo da árvore uniu-se aos outros. —Quantos anos você tem? —Ele tirou outra foto de meu rosto

e abaixou a câmara. Não parece ter mais de quatorze. Deixei escapar um suspiro ofendido. —Tenho dezessete anos. Steve deu uma sacudida em meus braços e me lembrei de que

pediu que não dissesse nada. Ele disse: —Ela é só uma amiga. Agora, poderiam afastar-se de meu

carro? Estamos a ponto de visitar sua família. Não se moveram. A calçada parecia claustrofóbica. —Se for somente uma amiga, por que está usando sua roupa? Steve não respondeu, mas virou o corpo e afastou-se comigo

através do grupo em direção ao restaurante. Entramos. O aroma de comida me envolveu, mas não estava

com fome. Meu estômago ficou tão duro quanto uma bola de nervos,quando fui empurrada pelos fotógrafos. Steve perguntou à anfitriã sepodíamos ter uma sala privada para fazer uma chamada telefônica.Sem responder nada, ela nos levou a um escritório e disse a ele que achamasse caso necessitasse de algo mais. Agitou as pestanas e ficousorrindo enquanto dizia isto.

Só depois que ela fechou a porta, Steve soltou meu braço. Tirouo celular e me olhou.

—Dois minutos—disse. — Não posso acreditar que não durassenem dois minutos antes de dizer a um grupo de repórteres que tinhadezessete.

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—Realmente não pareço ter quatorze, não é? —Não. —.Ele pressionou a ligação rápida e sustentou o

telefone em seu ouvido.—Esse tipo a enganou para que contasse suaidade e você caiu. Agora todos vão informar que… —A chamadaentrou e ele parou na metade da frase e começou uma novaconversa. — Olá, Sargento García, é Steve Raleigh. Estou no HolandGrill, e tenho tantos fotógrafos bloqueando meu carro que não possochegar nele. Poderia enviar um oficial para afastá-los? — Uma brevepausa e a seguir, Steve disse.: —Genial. Realmente agradeço.

Disse adeus, desligou e o guardou no bolso. —Tem a polícia em sua ligação rápida? —.Perguntei-lhe. Deixou escapar um grunhido. —E não acreditaria com que frequência uso isso. —Foi à janela

e olhou através de uma das frestas da persiana. Fiquei olhando seuperfil, riscando as linhas de seu rosto com meus olhos. Era narealidade incrivelmente bonito.

—Ainda estão aí? —Perguntei-lhe. —OH, sim, e em seus celulares. —.Colocou uma mão em sua

têmpora como se uma dor de cabeça tivesse começado. — por quenão pôde ficar no carro como pedi ?

—Porque você parecia tão preocupado por sua privacidade,então pensei que gostasse de saber a respeito dos fotógrafos. Nãoparecia somente um encontro amistoso entre você e karli, dequalquer maneira.

—Sim, ela estava com outras ideias. —Eu lhe disse ela o queria de volta. —As palavras me picavam,

embora soubesse que não deveria me importar com quem ele saísse.—O mais provável é que queria um pouco de publicidade para

seu novo álbum. —Ele negou com a cabeça. Deveria ter suspeitadode algo quando quis reunir-se para jantar as cinco em ponto. Cadavez que uma celebridade quer encontrar-se com alguém, quando ailuminação está em seu melhor momento, é suspeito.

—Não tem sentido. —Considerei Karli por um momento: —ascanções de ruptura amarga que ela escreveu, a forma em que o haviaatraído ao restaurante e envolveu seus braços ao redor dele, comohavia gritado e esperneado. Está atuando mais como se tivesse sidovocê quem rompeu com ela e não o inverso.

Ele não disse nada, só olhou pela janela. E então tudo fez sentido.

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—Você rompeu com ela, não? Voltou-se para mim e percebi por sua expressão que eu estava

certa. Entretanto, ele encolheu os ombros em vez de admitir isso. —Isso não importa. O que importa agora é que se formos

passar várias horas juntos, tem que fazer um melhor trabalho e meescutar. No futuro, se eu disser que não saia do carro, não saia docarro.

—Não teria saído caso tivesse prestado atenção quando trateide informar sobre os fotógrafos na primeira vez.

—Pensei que estivesse dizendo que me apressasse para quepudéssemos ir.

Aproximei-me da mesa e sentei na cadeira com um ruído surdo.—Não seria tão grosseira. Ele começou a rir, mas eu não via o que era tão divertido, assim

levantei minhas sobrancelhas. Steve apoiou-se contra a parede e me observou. —Você penetrou em um estúdio pretendendo ser uma pessoa

que realmente não era, trouxe uma serpente para um lugar comcavalos, escapuliu de meu trailer e roubou minha camisa da sorte,mas está ofendida de que eu possa pensar que é grosseira?

Joguei-me para trás na cadeira e cruzei os braços. —Há uma diferença entre ser determinado e ser grosseiro. Ele riu de novo. —Você entre todas as pessoas deveria entender. Às vezes tem

que tomar o assunto em suas próprias mãos. Só estou fazendo o queRobin Hood faria.

A diversão não deixou o rosto dele. —É por isso que muitos personagens no programa querem

prender Robin Hood. —Não me repreenda. Você faria exatamente a mesma coisa se

isso significasse ajudar seu próprio irmão. Sua expressão ficou tensa momentaneamente e me lembrei de

que estava processando sua família. Tratei de suavizar minha última declaração. —Quero dizer, se tivesse um irmão. Não sei se tem. —Sim, tenho. —disse. — Ele tem a sua idade. —OH. —.A sala ficou incomodamente silenciosa. Devia dizer

algo mais. — São próximos?

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—Estávamos acostumados a ser, mas minha família vive emApple Valley agora.

Eu revirei meus olhos e ele deve ter percebido, porqueadicionou:

—Está perto de noventa quilômetros de distância, assim já nãoo vejo muito.

Noventa quilômetros não parecia tão longe, mas não pressioneio ponto.

Depois de uns minutos, um veículo da polícia chegou edispersou os paparazzi. Caminhamos de retorno ao veículo, desta vezsem Steve guiando-me pelo braço.

Não deveria sentir falta, mas senti.

Capítulo 12

Saímos do restaurante e fizemos nosso caminho através dasruas de Beverly Hills. Quase de forma imediata, introduzimo-nos nahora ruim do tráfico e não na hora normal a que estava acostumada..Levou mais de uma hora conseguir atravessar a cidade e depois tudoparou até a estrada I-15.

Enquanto nos arrastávamos ao longo da estrada, Steve meperguntou sobre Jeremy e o que ele esperava que Robin Hoodfizesse. Então falei de Jeremy por um momento. Alternei entre olharos veículos a nosso redor, olhar o velocímetro e esperar que o relógiodigital trocasse os números: 6:37… 6:38…

—Fale mais sobre Jeremy —disse Steve. —Por que? —Porque você fica relaxada quando está falando sobre ele.

Temo que se passarmos muito tempo nesse congestionamento,rasgue completamente o apoio de braços.

—Não poderia rasgar nada —disse—Comi todas as minhasunhas no seu trailer. —Mesmo assim, disse mais sobre o Jeremy.Segui com isso durante mais de uma hora. Falei tudo, inclusive coisasque não deveria ter dito a um estranho, como minha viagem a lojaToys “R” Us e sobre uma jaqueta de couro que me perseguiu atravésda loja.

Essa parte fez Steve sorrir.

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—O pobre diabo. Não sabia quem estava enfrentando: aencarnação de Robin Hood em uma adolescente.

Finalmente eu disse: —Já terminei de falar. É sua vez. Por que não me diz algo a seu

respeito? Ele manteve seus olhos fixos na estrada. —Pensei que já soubesse tudo sobre mim. Dois espetáculos na

Broadway, três filmes, um comercial de pasta dental… —Estou segura de que algumas coisas eu perdi. —Provavelmente não. Não sou tão interessante. Logo depois de ter derramado minhas vísceras para ele, isto

parecia como um balde de água fria. Era como se me houvesse ditoque ainda éramos estranhos, ou, pior ainda, que não confiava emmim. E isso, agora que pensava, era provavelmente o caso. Nunca deinenhuma razão para que ele confiasse em mim.

Olhei pela janela. —Suponho que não. —Supõe que não sou tão interessante? —disse ele. —Simplesmente estou demonstrando que concordo. Pensei

que as celebridades esperassem esse tipo de tratamento. Um sorriso apareceu em seu rosto. —Agora sou a típica estrela de televisão ególatra? —Bom, como julga que eu saiba, se não disse nada sobre você

mesmo? Ele olhou em minha direção, me considerando. —Como soube que fui eu que rompi com Karli? Não sabia por que ele estava tomando este desvio na conversa.Encolhi os ombros. —Podia dizer pela forma com que ela olhava para você. —E sabia que Karli queria mais alguma coisa que somente

jantar antes que eu parasse no restaurante. Como soube disso? Encolhi os ombros outra vez. —Sou uma garota. Sei como pensam as garotas. —

Especialmente quando há meninos bonitos envolvidosEle me dirigiu um olhar penetrante. —Isso é por que não quero dizer nada sobre mim. Sabe o que é

que eu sei sobre você Annika? É o tipo de garota que obtém o quequer. Sorri e as portas se abrem, mas caso isso não funcione, você

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não está acima para manipular as pessoas nem os eventos. Conheçoesse tipo. Karli era igual.

Abri minha boca para protestar, mas ele me deteve com suamão.

—Não estou dizendo que não admire sua confiança, porqueadmiro.

Mas é que já posso dizer que é mais inteligente que Karli e maisintuitiva que a maioria das pessoas e isso me preocupa. Estou numcarro com uma versão mais inteligente e mais ardilosa que Karli.Você também seria cautelosa sobre o que poderia dizer sobre vocêmesma.

Reclinei-me contra o assento. —Não tenho certeza de que me sinto lisonjeada ou insultada. —E tem só dezessete anos. —Você tem só dezenove —assinalei. —Sim, mas nove desses anos transcorreram em Hollywood. Os

anos em Hollywood são como os anos dos cães, assim na realidadetenho…

—Setenta e três. —E pode resolver problemas de matemática em sua cabeça. —

Deixou escapar um suspiro—Não direi uma palavra mais. —Por que? Está escondendo algo? Ele sorriu. —É obvio que estou. Todos escondem coisas. Com certeza você

esconde coisas também. Passei os dedos pelo cabelo. —Farei uma confissão se você me fizer uma. Ele assentiu como se estivesse considerando. —Está bem. —Realmente não posso chorar quando quero. Essa foi uma

completa mentira. Na realidade, não choro jamais. Pensei que isso o faria rir, mas em vez disso ele ergueu as

sobrancelhas. —Isso não é saudável. —Correto. Adicionarei isso a minha lista, logo depois de dirigir

muito rápido e envolver serpentes ao redor de meu pescoço. Ele sorriu, mas seus olhos mostravam decisão. —Acredito que é o tipo de pessoa que se recusa a levar as

coisas a sério.

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Isso vinha de um tipo que ganhava a vida usando a mentira. —Levo algumas coisas a sério. Levo a enfermidade de Jeremy a

sério. Ele olhou para mim, como se pudesse ver um sinal. —Sim, eu sei. E está acostumada a ultrapassar todos os

obstáculos para obter o que quer. Deve ser difícil para vocêfinalmente encontrar algo que não pode controlar.

—Não preciso controlar—disse—Só preciso encontrar umamaneira de inclinar a balança a favor de meu irmão. —No entanto,eu estava mentindo, precisava controlar sim. Desta vez precisavaganhar mais do que jamais tive necessidade de ganhar algo. Paramudar de assunto, disse

—Então, qual é sua confissão? Olhou-me e percebi que estava debatendo o que dizer.

Finalmente olhou para a estrada. —Minha confissão é que sou intuitivo também. —Essa é uma confissão? —Não precisava lhe dizer isso. Poderia ter continuado

averiguando as coisas sobre você sem que percebesse. E ele me fez sentir como se acabasse de confessar ter lido

minha mente. —A que se refere exatamente quando diz “intuitivo”? —Intuitivo significa que pode dizer coisas sobre as pessoas,

sabe, por exemplo, quando estão mentindo. —Oh, refere-se a como quando confessou ser intuitivo, mas eu

podia dizer que essa não era sua confissão original. Queria dizer algomais e mudou de ideia.

Ele mexeu-se em seu assento com desconforto. —De acordo. Dessa maneira. —O que ia dizer? —Que estou faminto. Acredito que vou parar nesta saída,

colocarei gasolina no carro e comprarei algo para comer. —Oh, vê… posso dizer que está mentindo. —Não, realmente estou faminto. São quase oito horas. Coloquei minha mão sobre o respaldo de seu assento e me

inclinei mais para perto dele. —Vamos, o que ia dizer?

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Mas ele nem sequer me olhou. Deteve-se na saída paraBarstow, olhou seu GPS e me disse que ainda tínhamos perto de 240quilômetros pela frente. Duas horas. Então disse:

—Você não me disse… seus pais sabem onde está? —Bom, não. De certo modo me esqueci de dizer para eles.Queria ligar para meus pais assim que deixei a cidade com

Steve. Soaria bem contar o que havia feito agora que Steveconcordou em viajar comigo. Não poderiam gritar por sair em umabusca inútil quando trazia a pessoa para conhecer Jeremy.

Tirei o celular de meu bolso e o liguei. Tinha três mensagens demeus pais. Eu os escutei enquanto Steve encontrava uma estação deserviço. Primeiro ouvi a voz de minha mãe me dizendo que viessepara casa. Na segunda mensagem soava mais desesperada,perguntando onde estava e por que não havia retornado a ligação.Não percebi que a última coisa que meus pais necessitavam nestemomento era que desaparecesse e não respondesse ao celular. Erairresponsabilidade de minha parte, e teríamos um longo bate-paposobre meu comportamento quando chegasse em minha casa.

A terceira mensagem havia sido deixada alguns minutos atrás.Era meu pai usando uma forçada voz calma, o que significava queminha mãe estava muito alterada para falar comigo. Ele disse quefalou com os pais de Madison e sabia sobre nossa viagem até aCalifórnia. Pensava que era a coisa mais estúpida que fiz em todaminha vida, e não podia acreditar que tenha feito isso. Não percebiao perigo em que me coloquei, o perigo em que coloquei Madison?Não percebi os inconvenientes que havia causado a Steve Raleigh?Realmente valia a pena tudo isso para que Jeremy pudesse conheceralguém que via na televisão? Jeremy teria ficado igualmente felizcom uma viagem para ver Papai Noel no centro comercial. Papaiainda adicionou que queria que ligasse para ele imediatamente.

Enquanto Steve estacionava em frente à estação de serviço edesligava o motor, deixei meu celular sobre meu colo sentindo-medoente.

Sempre imaginei que papai entenderia. Uma parte de miminclusive pensava que estaria orgulhoso de mim por fazer algo assimgrande por Jeremy.

Steve abriu a porta do automóvel mas deu a volta para meobservar.

—Vou procurar algo para comermos. O que quer?

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—Não tenho fome. —Deveria comer algo de qualquer maneira. —Olhou o celular

em meu colo e depois meu rosto—.Vamos, sabia que seus paisficaram chateados.

—Talvez eu não seja tão intuitiva como pensava. Ele sorriu, mas seus olhos estavam sérios. Eu o observei caminhar para a estação de serviço, mas nem

sequer a vista de seus ombros largos e jeans desgastados pôdeafastar minha mente da iminente chamada telefônica.

Selecionei o marcador rápido para casa. Jeremy respondeudepois de dois segundos. Ele disse:

—Annika, onde está? —Conduzindo de volta a Nevada. E, ouça, falei com meu gênio

sobre seu desejo do Teen Robin Hood. Você logo o obterá… antesque o levem para a cirurgia.

Em lugar de estar emocionado, ele estava com um pouco derecriminação na voz.

—Mamãe e papai estão realmente preocupados com você.Mamãe chorou durante o jantar.

Genial. Ouvi o telefone ser arrebatado de Jeremy e logo a voz de Leah: —Percebe que está em um navio cheio de problemas, não é? —Sim. Sua voz caiu a um sussurro: —Realmente conduziu todo o caminho até a Califórnia para

encontrar Steve Raleigh? —Sim, ele está comigo neste momento. —Steve Raleigh está com você? —Podia ouvir a dúvida em sua

voz—. O Steve Raleigh? —Não, algum Steve Raleigh ao azar que encontrei vagando

pelas ruas. Honestamente Leah não acredita que sou uma pessoacompetente. Em sua mente sempre terei treze anos de idade.

—Sim —eu disse—Está viajando para Henderson comigo. —Uh-huh.. —Ainda duvidava—. Posso falar com ele? —Bom, ele não está comigo neste mesmo momento. Está

dentro da loja de serviço comprando algo para comer. —Ah. É obvio. Porque as celebridades comem nas lojas de

serviço o tempo todo.

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—Realmente é ele. —Não pude dizer mais porque meu paipegou o telefone.

Ele perguntou onde eu estava, se estava bem e então seconcentrou em mim, repetindo tudo o que já havia dito em suamensagem, mas com um tom mais duro desta vez. Que esta viajemera irresponsável, perigosa e que eu havia mentido sobre ondeestava indo.

Mas não podia deixar de pensar que ele era como Leah. Estavazangado porque ainda pensava em mim como uma menina de trezeanos.

—Sinto ter mentido a respeito de tudo isto . —Disse. — Mas euqueria ajudar Jeremy, e sabia que não me deixaria ir de outramaneira.

—É obvio que não teríamos deixado você ir. Nunca mais vai anenhuma parte, a nenhum lugar sem nosso consentimento prévio.

Disse um montão de coisas depois disso, mas minha mentecontinuava dando voltas ao redor dessas frases. Dava-me conta deque meus pais estavam aferrando-se a Jeremy com tanto ardor, quereforçaram seu controle sobre mim. E também eu era culpada ao meapoiar totalmente neles. Mas sem importar o que acontecesse aJeremy, tinha que crescer e tomar decisões inclusive as ruins, pormim mesma. E já havia feito isso.

Disse: —Papai, vou à universidade em menos de um ano. Não pode

confiar um pouco em meu julgamento? Obtive esta coisa impossívelpara ajudar Jeremy. Não pode ficar feliz com isso?

Houve uma longa pausa. Quando voltou a falar sua voz sooumais suave.

—Olhe, entendo que o câncer de Jeremy foi muito difícil paravocê. Talvez mais difícil do que sua mãe e eu pensávamos. Sei quenão demos a atenção que necessita.

Não estava certa do que ele quis dizer com isso, mas sentimedo de que estivesse dando a entender que esta viagem foi emparte um ataque de nervos. Perguntava-me o que Madison disse paraeles.

—Estaremos ai em duas horas. —Disse a meu pai. DeixemJeremy ficar acordado até chegarmos aí, porque Steve vai retornarpara a Califórnia depois.

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Meu pai queixou-se disto, dizendo que o chamasse quandochegássemos a Nevada, depois voltou a acrescentar que teríamosuma longa conversa sobre isto quando chegasse a casa.

E eu não esperava com ansiedade por essa longa conversa. Fechei o celular e o guardei em meu bolso. Steve voltou da loja e me deu uma garrafa de água, um bolo,

um iogurte e uma colher de plástico. —Foi a coisa mais saudável que pude encontrar. Olhei-o, mas minha mente ficou lembrando-se de minha

conversa com meu pai. Estava irritado porque pensava em mim comouma criança?

A linha entre uma boa ideia e um ataque de nervos seria tãofina?

—Você não jantou. —Disse Steve. Tem que comer algo. Não comi nada no café da manhã, mas não sentia fome.

Quando continuei sem me mover, acrescentou:—Não penso em sair daqui enquanto não ver a comida indo

para sua boca. Quando tratava de fazer ameaças, era bastante eficaz. Abri o iogurte e tomei uma colherada. Ele deu um olhar

satisfeito e foi por gasolina no carro. Enquanto comia olhava Steve colocar o bocal da gasolina no

tanque. Abastecer um carro com gasolina era uma coisa tão banal de

fazer, que era difícil acreditar que uma pessoa famosa fizesse issoalgum dia. Enquanto a gasolina corria, pegou uma escova deborracha e limpou o vidro da frente.

Dei uma olhada nos automóveis a nosso redor, meperguntando se algum deles havia notado Steve. Todo mundoparecia alheio, com exceção de um automóvel cinza. Um homemestava colocando gasolina, mas seu olhar estava em Steve.

Observei esse automóvel cinza atrás de nós no meio dotransito.

Olhei mais de perto para o homem e meu estômagoembrulhou-se. Ele estava no restaurante também. Foi aquele quedisse que eu parecia ter quatorze anos.

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Claro que estava nos seguindo. Quando Steve bombeou o bocalnovamente, tirou seu PDA8 e apertou os botões dele. Tratei dechamar sua atenção, mas só olhava a seu PDA e não a mim. Teriasaído do carro e o avisado, mas da última vez que fiz isso diante dosfotógrafos, as coisas não correram muito bem.

Além disso, se Steve tivesse percebido que havia paparazzi nosseguindo, teria chamado à polícia novamente? Por quanto tempo nosatrasariam desta vez?

Fiquei onde estava e depois de alguns minutos Steve terminoude por gasolina, depois, abriu a porta do lado do passageiro.

—Jim acaba de enviar pelo correio meu novo script. Vocêficaria chateada se tiver que dirigir enquanto repasso minhas falas?

—Está bem. Deslizei-me no assento do condutor e ele entroudo lado do passageiro, ainda lendo em seu PDA.

Quando nos retiramos da loja de serviço, o automóvel cinzatambém saiu. Dirigi-me à estrada principal e de vez em quandoolhava no espelho retrovisor. O automóvel ficou à distância, mas osfaróis nunca ficavam muito longe de nosso carro.

Steve comeu e leu. Pensei em minhas opções. Como despistarum carro numa rodovia? Aumentei a velocidade. O automóvel cinzamanteve o mesmo ritmo.

Steve riu entre dentes. —Jim vai fazer com que Lady Marion saia pela janela do castelo

de Sir Guy e salte em uma árvore. Pergunto-me como ela fará isso? —Alguém dá um empurrão nela jogando-a no lago em qualquer

parte da história? Steve negou com a cabeça. —Não que eu possa ver. —É uma pena. Eu sugeri uma reviravolta na história também. Steve olhou o velocímetro pela primeira vez. —Vai a noventa e cinco. Caso a peguem dirigindo a vinte e

cinco milhas sobre o limite de velocidade é um delito penal. —Sério? Como sabe isso? Steve sorriu. Não pergunte. Somente diminua um pouco.

8 PDA: Assistente Pessoal Digital, Ordenador de Mão, dispositivo móvel quefunciona como um administrador de informação pessoal.

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—Estou tratando de despistar esse automóvel atrás da gente. Éum dos sujeitos do restaurante.

—O quê? —A cabeça de Steve girou imediatamente para trás.—Onde? —Mas não tive que mostrar. Ele viu e amaldiçoou.

—Reconheci na loja de serviço. É o tipo que disse que tenhoquatorze anos.

Steve passou os dedos por seu cabelo e olhou para o carrocinza de novo.

Perguntei-lhe: —Como os despista quando o seguem? —Geralmente não forneço histórias interessantes para que eles

queiram me acompanhar durante horas e horas. —Deve ter algum método para dissuadi-los. —Repliquei. —Sim, dirijo para casa e fico lá. Logo eles se cansam e vão

embora. —Bom, só temos que pensar em outra coisa. Vamos, o que

poderia fazer Robin Hood? Steve levantou uma mão com exasperação. —Dar um tiro nele? Roubar todas as suas coisas e dar aos

pobres camponeses Saxões... Revirei meus olhos. —Está bem. Se não quiser ajudar, encarrego-me disto por mim

mesma. —Diminui bastante minha velocidade. —Esta é a via rápida. —Disse Steve. Seu plano é incomodar os

outros condutores, até que eles… Mas não terminou a frase porque nesse momento desviei o

automóvel para uma subida que dividia a rodovia e fui em direçãooposta. E me deixem dizer à vocês: para um tipo que pode fazer suaspróprias acrobacias, não esperei que agarrasse firmemente o apoiode braços e amaldiçoasse como um marinheiro enquanto nosdirigíamos para o outro lado.

Quero dizer, de acordo, achatamos um arbusto e alguns ramosvoaram contra o para-brisa. Ainda podia ver. E, além disso, osarbustos são resistentes. Voltariam a crescer com o tempo.

Sacudimo-nos e ricocheteamos no cascalho do outro lado. Olhei pelo espelho retrovisor e não vi nenhum farol nos

seguindo pelo desvio. —Despistamos?

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Steve ainda sustentava o celular agarrado ao apoio de braçoscomo se esperasse que ele saltasse sobre seu colo.

—Não posso acreditar que tenha feito isso! Está louca? Segurei o volante mais forte. —Por que as pessoas continuam perguntando isso?Ele voltou a olhar para mim, seus olhos luziam preocupados. —Quem mais continua lhe perguntando isso? Algum deles é

médico? Pressionei meu pé no acelerador, dirigindo pelo caminho

equivocado mas chegando ali muito rápido. Necessitava um lugarpara sair da estrada e dar a volta.

—Não estou louca. Porque ao menos quando coisas loucas mepassam, sei que são loucas. Os loucos acreditam que são normais.

Steve ainda estava tenso. —Não está me tranquilizando com isso. Pare e me deixe

conduzir. —Vou parar na próxima saída. Resultou que a seguinte saída era em Barstow, a treze

quilômetros de volta pelo caminho em que vínhamos e conduzir acento e vinte quilômetros por hora ali e logo depois voltaracrescentava doze minutos a viagem.

Realmente sou muito boa nos problemas de matemática. Steve não disse nada durante todo o caminho até ali. Seguiu

tamborilando com os dedos sobre a maçaneta da porta, como secalculasse as possibilidades de sobrevivência em caso de precisarsaltar pela porta.

Finalmente, parei o automóvel na beira da estrada, mas nãosaí. Senti um pouco de medo que caso eu saísse ele ia fechar asportas e sairia com o carro, me deixando ali sozinha.

Steve reclinou-se em seu assento e me olhou com expressãoséria.

—Então, que tipo de coisas loucas lhe passaram? Mantive as mãos no volante e não respondi. Esticou a mão, tirou a chave da ignição, e ficou recostado em

seu assento. —Não me importa estar aqui. Você é que tem pressa. A que

hora Jeremy tem que ir para a cama, de qualquer forma? —Isso é chantagem . —Eu lhe disse. —Isso é o que Robin Hood faria.

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Deixei cair a cabeça contra o assento derrotada. —Bom, então vem para este lado e eu falarei enquanto dirige. Ele trocou de lugar comigo e dirigiu lentamente no princípio.

Queria ter certeza de que o automóvel cinza não estivesse parado emnenhum lugar da estrada, nos esperando passar para que pudesserecomeçar sua perseguição. Isto adicionou mais tempo à viagem, masnão tive coragem para calcular quanto tempo. Paparazzi estúpido.

—Fala. —Disse-me Steve. Comecei a tremer.—Ontem à noite sonhei que a Morte vinha em direção a nossa

casa... e hoje, às vezes sinto como se o sonho não tivesse terminado,como se ela estivesse ainda aqui, me olhando.

Steve encolheu os ombros. —Alguns pesadelos são assim. Isso não é uma loucura. —Em seu trailer, senti como se a morte estivesse inclinada

sobre meu ombro me dizendo que Jeremy e eu não podíamosescapar do inferno. Esfreguei a testa, tentando que minha memóriadesaparecesse. Quando uma pessoa está sendo seguida por todaparte pela morte… bom, ou estou deslizando para a loucura, ou isto éum mau presságio escrito por toda parte.

A atenção de Steve saiu da estrada para meu rosto, mas nãomostrou nenhum impacto diante de minha confissão, sópreocupação. Depois de um momento, voltou a olhar para a estrada.

—Quanto tempo aconteceu desde a última vez que teve umaboa noite de sono?

—Não recordo. —Quanto dormiu ontem à noite? —Quatro horas. Talvez cinco. A voz de Steve ficou suave, acariciante. Seus olhos castanhos

maravilhosos piscaram novamente para os meus. —Não é loucura ou um mau presságio. Quando estamos sob

muito estresse e com falta de sono, coisas podem acontecer comnossa mente.

Como oferecendo a prova, disse.: Meu pai era um policial deLos Angeles. Teve que lutar com todo tipo de coisas perigosas:assassinos, bandos, traficantes de drogas. Um dia, quando estavadetendo uma briga, recebeu uma punhalada. Enquanto permaneceuem casa recuperando-se, tudo voltou para ele; cada cena de um

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crime violento que havia acontecido, como uma apresentaçãodeslizando-se diante dele.

Contive meu fôlego com força, tratando de ficar mais calma. E Esteve prosseguiu:—Isso só ocorreu uma vez. E ele havia escutado sobre este tipo

de coisas de outros agentes de polícia, por isso nem ficou muitopreocupado. Meu ponto é que você está passando por um momentodifícil justamente agora. Não seria normal se não terminasse afetadaum pouco.

Isso fazia sentido, mas parte de mim não podia evitar asensação de que a morte era real, um ser vivo, me olhando, fora deminha visão periférica. Talvez um bom descanso noturno terminassecom isso. Certamente, depois de que a cirurgia saísse bem, tudovoltaria para a normalidade.

E agora que Steve estava comigo, realmente pensava que ascoisas terminassem correndo bem.

Tudo estava correndo de vento em popa. Mas a menos de uma hora de Barstow, no meio do Deserto de

Mojave, o automóvel quebrou.

Capítulo 13

No princípio, a velocidade ficou reduzida. Steve continuoupressionando o acelerador, mas o automóvel continuou derrapando,perdendo a agilidade.

—Isto é mau —disse. A luz do motor acendeu e ele conduziu o carro para o lado da

estrada, onde rodou até parar. Girou a chave para desligar o motor esaiu. Eu o segui, apesar de que todo meu conhecimento de mecânicaconsistia em onde colocar a gasolina. O suave ar da noite acariciavaminhas pernas nuas, e então cruzei meus braços sobre meu peito.

Levantou o capô e olhou o motor. —O que aconteceu? —perguntei-lhe. —Não sei. —Tornou a rever o motor—. Seja o que for, vou ter

que chamar um guindaste. A primeira coisa que pensei, enquanto olhava na escuridão foi:

por que Deus me odeia?

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Tratava-se provavelmente de um pensamento absurdo. Deustem melhores coisas que fazer que sabotar o carro de Steve. Masmesmo assim.

Ele tirou uma tira de metal longa e fina do motor. —Nosso líquido de transmissão vazou. Devemos ter quebrado

um cabo quando passamos sobre aquela subida que separava arodovia. Derramou tudo.

Isso me fez sentir ainda pior. Não foi uma vingança de Deus. Tudo aconteceu por minha causa, conduzindo o carro como

uma louca sobre os arbustos. Steve chamou o serviço de informação e logo fez outra

chamada telefônica para uma companhia de reboque em Barstow. —Não há nada a fazer a não ser esperar —disse— Isto talvez vá

levar cerca de meia hora, ou quarenta e cinco minutos. O que significava que seriam entre nove ou nove e quinze,

quando chegassem aqui e depois, outra meia hora de viagem paraBarstow, onde esperávamos poder encontrar um carro de aluguel.

Liguei para meus pais explicando o acontecido, bom, menos aparte em que cortei através dos arbustos.

—Diga a Jeremy que o despertaremos quando chegarmos ai. Estremeci quando voltei para BMW. Steve acendeu a calefação

e depois tirou sua jaqueta do assento traseiro e me deu. —Você não quer usá-la? —perguntei-lhe. —Está usando apenas calças curtas e uma camisa. Desta forma, usa a linha completa de roupa Steve Raleigh. —Obrigada. —Vesti a jaqueta, desfrutando do aroma de Steve

que permanecia na jaqueta, uma espécie de suave aromaamadeirado. Tratei de que não me visse enrolando-me nela paraassim poder conseguir mais baforadas de seu cheiro. Finalmente,inclinei minha cabeça contra o assento e olhei por cima dele—Apesarda forma em que gritou comigo antes, você sabe que me fez sentirmiserável, é realmente um bom tipo.

Inclusive na escuridão pude ver seus olhos brilhando e seusorriso de marca registrada.

—Obrigado. —Olhou-me por um longo tempo—E temdezessete anos.

—De acordo. Não fiz aniversário da última vez que assinalouminha idade. —Sabia que estava me dizendo que era muito jovempara ele, e isso me deixou incomodada. Não era muito jovem, e ele

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não deveria supor que eu sentisse atração por ele. Inclusive se fosseverdade.

Inclinei-me para longe dele e usei minha voz mais casual parademonstrar que não me importava.

—Qual é sua confissão? Não me contou ainda. —Não lhe contarei ainda. —Deve-me uma confissão. É o justo. Já lhe disse coisas a meu

respeito que ninguém mais sabe. Inclinou a cabeça para mim. —É isto uma espécie de jogo que as meninas fazem nas festas

de pijamas? Por que quer entrar em minha mente? —Estou aborrecida. O que outra coisa vamos fazer em um

automóvel avariado no meio do nada? Ele levantou uma sobrancelha e fiquei vermelha, percebendo

como havia falado.Um brilho malvado passou por sua expressão. —Olhe, é por isso que repito que só tem dezessete anos. Aos

dezessete anos de idade continua sendo ingênua. —Não sou ingênua e você só é dois anos mais velho. Ele sentou-se mais longe de mim e fez caso omisso de minha

declaração. —Por que não economizamos tempo e em lugar de encontrar

uma confissão que a satisfaça, pode simplesmente me perguntar oque deseja saber?

Queria perguntar sobre sua família. Queria saber por que haviaapresentado uma demanda para emancipar-se aos dezesseis anos,mas considerava que isso fosse muito pessoal.

—Me fale sobre Karli. É difícil imaginar vocês dois juntos. Ele olhou para o teto da cabine e esfregou seus dedos sobre

seu queixo. —Não tenho certeza de que seja um bom tema. —Muito doloroso? —Não. Se falar dela, então perceberá que não sou um bom tipo

depois de tudo. —Porque quebrou o coração dela? —Porque eu saía com ela pelas razões equivocadas, em

primeiro lugar. —E quais foram essas razões?

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Voltou seu olhar para mim, mas percebi que estava sendoresistente. Finalmente disse:

—trabalhei neste negócio toda a vida. Não lembro ummomento em que minha mãe não estivesse me transportando paraos sets. Inclusive ganhei um pouco de dinheiro quando era menino.Mas ninguém sabia quem eu era até que Robin Hood tornou-se umêxito. Antes disso, duvido que Karli tivesse tempo suficiente para medar um autógrafo, e muito menos para me dar seu número detelefone. Saí com ela porque fiquei famoso. Porque isso significavaque ganhei esse direito. Possuía uma namorada que milhares dejovens queriam. —Ele me olhou de novo—. Ainda pensa que sou umbom tipo?

Aproximei-me e coloquei minha mão em seu joelho. —Sim. Porque você sabia que isso era ruim. E por isso rompeu

com ela. —Bom, isso e porque realmente comecei a ficar nervoso. Ela

necessitava obsessivamente de embelezar-se. Ainda não possocaminhar por um espelho sem sentir que devo afastar alguém.

Eu o vi observar minha mão em seu joelho, mas ele não a tiroudali. Sua voz era suave, adormecedora.

—Só nos conhecemos há um dia. —Eu percebi isso. Seu olhar ficou em minha mão. —Você nunca lidou com os tabloides. Não tem ideia de como

são os paparazzi ou a forma de evitá-los. —Sua voz se abrandouenquanto aumentava sua lista—: E vive em Nevada, que fica a quatrohoras de viagem.

Inclinei-me para ele. —Há alguma razão para que esteja trazendo a tona estes

pequenos fatos? Então seu olhar se transladou ao meu, deslumbrante e intenso. —Estou recordando para mim mesmo que isto não funcionará

entre nós, porque não quero fazer nada estúpido. Provavelmente ele tivesse razão, mas no momento eu não

estava pensando de maneira inteligente. Ou cautelosa. Nunca teriachegado a Califórnia se não tivesse passado sobre tudo isso. Inclinei-me e o beijei.

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Não esperava que me beijasse também, mas ele o fez. Pôs suamão contra meu rosto e deu suaves beijos por toda minha boca.Beijou-me como se eu fosse frágil e não quisesse me quebrar.

Eu já havia beijado outros rapazes, mas isso nunca me colocoutão nervosa. Atraiu-me para mais perto dele, e me preocupei de quesentisse o pulsar de meu coração que ofegava em meu peito comoum pássaro assustado. Mas não senti medo. Simplesmente nãoconseguia acreditar o que estava acontecendo.

Apenas vi este rapaz através da tela de meu televisor, e agoraestava sentado aqui me beijando. Queria manter o momento e nuncadeixá-lo ir.

Ele afastou-se e deixou escapar uma respiração entrecortada. —Há alguma possibilidade de que vá cursar uma Universidade

na Califórnia? —Sempre gostei da UCLA. Inclinou-se e me beijou novamente e desta vez de forma menos

suave. Envolvi meus braços ao redor de seu pescoço. Logo quase tão rapidamente como me beijou, empurrou-me

para longe dele, e caí em meu assento. —Isto não é uma boa ideia. Pisquei pela confusão. —O que? —Está vulnerável e cansada. Eu não tomo vantagem de meus

fãs. Deixei escapar uma respiração lenta. Estava suficientemente

perto para me fazer sentir vertigem. —Está bem, apesar de ter despertado antes do amanhecer para

comprar uma figura de ação que se parecia com você, tecnicamente,não sou sua fã.

Ele começou a rir, um som rico que enviou faíscas por minhacoluna vertebral.

—Isso é o que eu gosto em você, Annika. Mantém as coisas emperspectiva.

Devolvi-lhe o sorriso, tratando de acalmar os rápidosbatimentos do meu coração.

Fiz o possível para que minha mente não continuasse girandopela recente experiência. Teria que fingir que não foi grande coisa tê-

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lo beijado, ou ser tão profundamente afetada. Queria pensar em algocasual, mas não pude.

Seu PDA caiu de algum jeito ao piso, e ele o recolheu. —Tenho que decorar o script. Quer me ajudar? E assim fizemos. Durante a seguinte hora. O condutor do guindaste parecia otimista quanto ao tempo que

demoraria em chegar — Eu li suas linhas do rosto e escutei quando respondia com a

expressão facial e a inflexão de voz. Provavelmente teria rido de suaseriedade, salvo que todo o tempo minha mente ficou em nossobeijo, processando as consequências. O que fizemos significoualguma coisa para ele?

Eu significava algo para ele? Poderíamos voltar a nos ver algum dia depois disto? Ele provavelmente utilizava todas as garotas que caiam em

cima dele, e eu era uma a mais em sua longa lista de “groupies”adolescentes disponíveis. Não me dedicará outro pensamento assimque nos separarmos.

Ficou difícil ter que lutar com isto, porque em algum lugardesse beijo, meus sentimentos surgiram vibrantes e fortes.

Desesperadamente fortes. À medida que ele dizia as palavrasdo script para mim, pouco me concentrei nas palavras. Segui perdidana curva de sua mandíbula, a forma em que seus olhos tinham umpoder para falar por si só e o movimento de seus lábios.

Fui capaz de falar com ele tão facilmente. Contei-lhe tudo sobremim. Estar com ele me fez sentir como se tudo fosse sair bem.

Não queria renunciar a isso. Não queria voltar a ficar sozinhaoutra vez.

Contei os minutos até chegar a Henderson. Agora os contavapor uma razão diferente. Não queria que terminassem.

Chegamos ao ponto culminante do script, onde Robin Hoodfinalmente se encontrava com lady Marion e esta percebia que eraele e não o partidário de Sir Guy que a estava seguindo. Enquantocorria através do bosque, ele descia de uma árvore e a tomava entreseus braços. No principio ela tentou lutar contra ele, mas depois ele achamou por seu nome e então ela colocou os braços ao redor dele.

—Robin —Falei a Steve, tentando imitar à angustiada LadyMarion com a melhor voz que pude fazer—. É você!

Ele me deu o sorriso de Robin Hood.

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—É obvio que sou eu. Esqueceu que a convidei para nossa festade Primeiro de Maio? Não permitiria que recusasse o convite tãofacilmente, não é?

—Oh, Robin... Eu pensei que... e depois... estava tão assustada.— Era este tipo de diálogo que me dava vontade de esbofetear ladyMarion, mas continuei lendo de qualquer maneira.

—Não precisa ter medo. —Steve aproximou-se de mim, sua vozintencionalmente terna—. É mais forte do que pensa.

Elevei a vista do PDA. —Essa não está no texto. —O que? —O texto é: Não precisa ter medo, não enquanto tenha algo a

dizer a respeito. —Deveria ser da outra maneira —disse, e então soube que na

realidade a leitura do texto era para mim e não para Lady Marion.Isto deveria ter feito que me sentisse melhor, mas não fez. Eu nãoqueria ser forte, queria ser consolada.

Baixei meu olhar para o PDA e esperei que ele repetisse seutexto da

maneira correta. —O que acontece depois? —perguntou. Procurei através da direção de cena. —Beija lady Marion. Ele assentiu com a cabeça como estivesse acrescentando isto a

uma lista de tarefas mental. —Não precisa ter medo, não enquanto tenha algo que dizer a

respeito. Em seguida, ele se inclinou e me beijou. Fiquei gelada. Por um momento, não retornei o beijo. Não

queria ser uma cópia de lady Marion e me neguei a ser somenteoutra de suas adolescentes disponíveis. Mas isso só durou uminstante e logo apoiei-me nele. Estava sendo estúpida ou estavaapaixonada. Provavelmente as duas coisas.

Um farol aproximou-se por trás do nosso carro e nosafastamos.

—Como está com sua sincronização? —perguntou Steve comum sorriso. Não esperou minha resposta e abriu a porta doautomóvel para sair.

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Por um momento fiquei olhando para frente e tratando deordenar meus pensamentos. Então o segui.. Não sei o que se devefazer quando rebocam um veículo.

Steve e o condutor do guindaste estavam ao lado do caminhão.Eram da mesma altura, mas o condutor era o dobro de largura. Elenegou com a cabeça, uma boina de beisebol cobria seu cabelogrisalho e o rabo-de-cavalo. Sua barriga sobressaía de seu jeans e aúnica coisa que eu conseguia pensar era se Steve não me obrigaria asentar ao lado deste tipo.

—São cinquenta dólares por vir aqui e quatro dólares por cadaquilômetro e meio depois disso. —Enquanto falava, mastigava algo.

Pensei que fosse goma de mascar até que cuspiu parte disso.Era tabaco. Com certeza o interior da cabine era um desastre.

Tem um cartão de crédito, moço? Steve entregou cinquenta dólares de seu dinheiro. —Tenho o dinheiro para pagar o resto, mas não aqui comigo.

Não trouxe minha carteira, mas quando chegarmos a sua loja, meuassistente pessoal pagará o restante.

O condutor deixou escapar um bufo. —Seu assistente pessoal? Por quê? Não será sua fada

madrinha? Quantos anos tem,rapaz? Aproximei-me, mas Steve não me olhou, mas o condutor sim,

sem demora. Seu olhar passou por mim de uma maneira que nãogostei.

Steve disse: —Tenho dinheiro. Sou Steve Raleigh. O condutor mordeu o tabaco sem mostrar nenhum

reconhecimento. —O ator —disse Steve. Ainda não havia sinal de reconhecimento. —Você sabe, Teen Robin Hood. O condutor moveu sua prancheta para baixo e assentiu para

Steve uma vez mais. —Correto —disse sem emoção— Não o reconheci sem todos os

Merry Man. —Então já sabe que posso pagar o restante. Agora bem, se

puder pegar meu automóvel… O homem deixou escapar um suspiro de contrariedade. —Tem seu nome no registro do automóvel?

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—Bom, não, na realidade, o automóvel é do estúdio. —E deixe adivinhar, não tem licença para dirigir, ou tem? —Não aqui comigo. O condutor colocou o dinheiro de Steve no bolso de sua calça. —Então está me dizendo que estava conduzindo

temerariamente com sua namorada em um carro que não é seu.Meteu-se em problemas, e agora quer que o leve de retorno acidade, mas foi uma noite concorrida, e tenho mais coisas para fazeralém de esperar o Xerife de Nottingham porque ao que tudo indica,tenho um roubo de carro em minhas mãos. Também muita papelada.

As palavras de Steve saíram em um grunhido. —Não é roubado. Sou quem digo que sou. —É sim —adicionei. Mas o homem caminhou para o guindaste.—Vi a publicidade. Robin Hood tem o cabelo loiro. Disse ele —É uma peruca! —gritei, mas ele já havia subido na cabine e

fechado a porta. Voltei-me para Steve— Por que não… Ele Levantou uma mão para me cortar. —Não. Não vamos saltar na parte traseira da caminhonete ou o

que seja a descabelada ideia que acaba de entrar em sua cabeça. —Tomou minha mão como se fosse enfatizar o ponto e me afastoualguns passos do veículo—.Não sou realmente Robin Hood etampouco você. Na vida real, às vezes temos que aceitar oscontratempos.

—Eu ia dizer: por que não procuramos seu traje que está naparte de trás do automóvel e mostramos para ele?

Steve deixou escapar um gemido e deixou cair o braço, mas jáera muito tarde. O guindaste já estava distante. Steve entrounovamente no carro, murmurando raivoso. Fui atrás dele e subimosno carro.

—Onde estão os paparazzi quando necessitamos deles? —perguntou-se—Apresentam-se em qualquer acontecimentomundano, mas não estão por perto quando o motorista de umguindaste não me reconhece.

Recostei no assento e apertei a jaqueta de Steve contra mim. —Sim, caso um se apresentasse agora poderíamos dar um

passeio. Eram nove e meia. E ainda faltava quase uma hora e meia de

distância de minha casa.

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Steve agarrou seu PDA do assento e o ligou. Olhei por cimapara ver o que estava fazendo.

—Está chamando outra companhia de reboque? Um deles devesaber ou seja quem é quem em Hollywood.

—Vou chamar a quem devia ter chamado em primeiro lugar. —A quem? —Meu irmão.

Capítulo 14

Foi uma chamada curta, e quando Steve desligou, não podiadizer qual seria a reação de seu irmão diante da situação. Steve disse:

—Meu irmão chamará uma companhia de reboques, e noslevará em seu carro. Infelizmente, passarão cinquenta minutos atéele chegar. Vêm de Apple Valley.

—Pensei que não falasse muito com sua família. —Só com meus pais. Meu irmão e eu ainda falamos às vezes. Sua voz deu a entender que ficou muito para dizer, mas não

opressionei. —Tenho alguns e-mails para ler —disse— Melhor tentar

dormir. Teremos uma longa noite pela frente. Sabia que não seria capaz de dormir. Depois de tudo, ainda

eram nove e meia, e normalmente não consigo dormir a não ser naminha própria cama. Mesmo assim, reclinei o assento e fechei osolhos.

Eu estava gostando de ficar junto com Steve. Ouvi-lo mover-sereconfortava.

Parecia tão concentrado, tão concreto. Fechei os olhos e o viem minha mente como havia visto tantas vezes na televisão, rodeadode árvores e luz do sol. Sorria com uma confiança contagiosa. ComoRobin Hood, podia fazer algo e sabia tudo.

Abri os olhos e vi seu perfil, formoso, perfeito, e concentradoem seu PDA.

—Você sabe qual é o sentido da vida? —perguntei-lhe. Olhou-me com seus olhos quentes, mas sem a segurança de

Robin Hood. —Não sei. Possivelmente seja diferente para todos.

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Isso era decepcionante. A visão de Robin Hood que sabia detudo, esfumou-se. O olhar de Steve passou de seu PDA para meurosto.

—E você, o que sabe sobre o sentido da vida? Esse era o problema. Já não sabia nada. —Minha avó Truman estava acostumada a dizer que era fazer

do mundo um lugar melhor.Disse que todos nós tínhamos dons parafazer as pessoas felizes. Sempre planejei converter-me em, não sei...uma advogada de defesa, uma detetive ou algo do gênero, porqueposso decifrar bem às pessoas. Pensei que assim pudesse fazer domundo um lugar melhor.

—Já não acredita nisso? —Possivelmente Jeremy nunca tenha a oportunidade de utilizar

seus dons para melhorar o mundo. Nem todos podem. Então comopode ser esse o propósito da vida?

Ele não respondeu. Sua expressão era ilegível na escuridão,finalmente disse: —Não tenho nenhuma resposta. Nem sequer souum bom modelo a seguir. Você quer usar seus talentos para melhoraro mundo. Eu somente usei os meus para fazer dinheiro.

—As pessoas ficam felizes com sua atuação. —Não falava de atuar. Faço várias coisas quando o show

termina. Fiz alguns investimentos, e ser capaz de decifrar às pessoasajuda durante as relações. Sei quando estão decididos, quandopodem baixar o preço… —Ele cortou a frase no meio—Possivelmentetenha razão. Não sou muito parecido com Robin Hood. Não acreditoque Robin desse importância para as taxas de juros nem as margensde lucro.

Eu disse mais para mim mesma do que para ele:—por que a vida não pode ser como em seu programa: pura e

com os tipos bons ganhando no final? Por que essas histórias não sãoreais?

Ele esticou-se e tirou uma mecha de cabelo do meu rosto, umtoque pequeno, mas consolador.

—Algumas são reais. E muitas que não são, continuam sendoverdade.

—Como pode ser verdade algo que não é real? Sua voz ficou mais suave. —Pode ser que Robin Hood nunca tenha existido.

Possivelmente nunca houve um bando de Merry Men no Bosque de

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Sherwood, que esperava pela volta do Rei Ricardo. Mas eu gostariade pensar que ocorreu. Já vimos em outros tempos e lugares.Algumas pessoas defendem o que está bem, alguns protegem osindefesos, alguns brigam pelo que é justo… e isso é o que faz comque a história de Robin Hood seja verdadeira.

Não real, mas verdadeira. Eu gosto do pensamento. Voltei a fechar os olhos, voltando para a imagem de Robin

Hood. Em minha mente fiquei com ele, o mítico Robin Hood e depoisdormi.

***

Sonhei que caminhava com Robin Hood em um bosqueluminoso. Mas meus sonhos nunca ficam luminosos muito tempo.Eventualmente o bosque ficava escuro, e eu estava caminhandosozinha. Inclusive os pássaros deixaram de cantar e eu sabia que amorte estava ali, escondida entre as árvores, tomando todas as vidascom seu manto. Ela me encontraria logo.

Então ouvi vozes ao redor: Steve e alguém mais, e recordei queestava em seu carro, mas muito sonolenta para fazer algummovimento.

Uma voz parecida com a de Steve, disse: —Vejo que tem uma nova garota. O que aconteceu a outra? —Qual outra? —perguntou Steve. —Eu acho que não importa, verdade? Agora estava totalmente acordada, mas fiquei imóvel. Não

queria que soubessem que estava ouvindo o que eles estavamfalando de mim.

Steve disse: —Rompi com Karli há alguns meses. —Eu não sigo muito de perto as manchetes. Pensei que tivesse

algo com aquela garota, lady Marion. —Isso é só publicidade. —Senti Steve inclinando-se para mim e

então ele me sacudiu brandamente—. Annika, meu irmão chegou. Étempo de ir.

Abri os olhos e pisquei devido a luz. A porta estava aberta, eentrava por ela uma rajada de vento. Quando meus olhos seadaptaram, eu o vi.

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Seu cabelo era mais claro e era alguns centímetros mais baixoque Steve, possuía o mesmo queixo e os mesmos olhos castanhossuave. Inclusive tinha o mesmo sorriso.

Steve me ajudou a descer. Olhei no espelho retrovisorenquanto descia do carro. Meu cabelo estava duro e rebelde, comose acabasse de sair da selva.

—Este é meu irmão, Adam. Vai nos deixar usar seu carro. —Olá —eu disse, com a voz pesada pelo sono. Adam caminhou para seu carro esportivo, que não pude

identificar e estava muito cansada para que me importasse. Sacudiu acabeça.

—Pode usar o carro, mas não até chegar à nossa casa e passe anoite com mamãe e papai.

—Esse não foi o trato —disse Steve. —É muito perigoso conduzir a noite. —Adam abriu a porta e

sentou ao volante—Dormirá dirigindo. —São apenas dez e quinze —disse tensamente Steve. —Mas será muito mais tarde quando estiver voltando para a

Califórnia. Quer usar meu carro ou não? Steve avançou um passo para seu irmão. —Eu paguei este carro, sabe? —Sim, e pôs o certificado no meu nome. —Adam fechou a

porta, mas inclinou-se na janela—.O que? Acredita que dormir bempor uma noite o matará?

Steve cruzou os braços. —Nossos pais não gostariam que eu dormisse na casa deles. —Gostariam sim. Além disso, quando chegarmos serão mais de

onze horas e eles estarão dormindo. Sabia que Adam estava mentindo. Provavelmente Steve

também. Eu disse: —Temos que ir a Henderson agora. Steve tem que chegar ao

estúdio no período da manhã. Steve olhou seu relógio com resignação. —Jeremy está dormido. E embora chegássemos a sua casa, não

gostaria que o despertasse a meia-noite para ensiná-lo a usar o arcoe flecha. Dormiremos algumas horas e chegaremos amanhã cedo.Ligarei para o estúdio e direi que vou gravar na parte da tarde.

Steve avançou outro passo para o carro, mas não me movi.

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Tecnicamente sua obrigação de onze horas já teria entãoterminado.

Esperava que isso não lhe importasse. Voltou-se e tomouminha mão.

—Vamos, Annika, está tremendo. —Deixei que ele mecolocasse no carro e liguei para meus pais explicando o ocorrido.

Não estavam felizes pelo novo giro das coisas. Meu paicontinuava dizendo que pegaria o carro e me apanharia, e eucontinuei apontando que estaria melhor no carro de Steve do quesentada ao lado da estrada esperando-o por uma hora e meia.

—Quer que a deixe ir para a casa de desconhecidos? —dissemeu pai.

O que me incomodou em nome do Steve. Depois de tudo,estava gastando tempo e esforço em ir visitar Jeremy, que era umdesconhecido para ele. Mas não podia falar isso com Steve sentadono banco em minha frente.

—Steve é um bom rapaz —sussurrei no celular— Esta é uma dedaquelas coisas que precisa confiar em mim.

Houve uma longa pausa e depois papai disse: —Só há uma razão para eu não estar na estrada neste

momento: confio em seu critério. — Outra pausa—. Mas quero queligue quando chegar na casa dos pais dele.

Isso me fez sorrir. —Ligarei. E chegaremos ai amanhã cedo. —É melhor. É nosso dia de passar com Jeremy. Não tinha que me recordar isso. Todos nós deixaríamos de ir

para a escola e ao trabalho para passar o último dia na companhia deJeremy antes da operação.

—Aí estarei —eu disse—E estou levando uma surpresa especialpara ele.

A viagem à casa dos Raleigh foi tranquila. Sentei-me no carrodesejando que não estivéssemos saindo do caminho. Steveconversou o tempo todo com Adam, ficando em dia com asnovidades, mas de uma maneira formal. Não sabia o que pensar deAdam. Parecia ressentido e ao mesmo tempo admirava seu irmão, enão sabia como duas emoções tão contraditórias podiam estarjuntas.

Finalmente, quando o relógio marcava onze horas, chegamos auma grande casa de pedra. A luz do alpendre brilhava levemente

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contra a porta principal, ofuscada pelas luzes do interior. Adamcolocou o carro na garagem que possuía espaço para quatro carros,saiu e segurou a mochila de Steve.

—Parece que alguém já levantou, depois de tudo. —Adamtentou fingir surpresa, mas soube fingir. Sabia que nos trouxe porquequeria um reencontro de Steve com seus pais. Adam pendurou amochila no ombro e entrou sem virar para nos olhar.

Steve e eu saímos do carro. Colocou sua mão em minhascostas, guiando-me para a porta, mas o fez tão tensamente que meperguntei se me usava como escudo.

Caminhamos através de uma lavanderia e uma cozinhabrilhante.

Um piso de madeira estendia-se á nossa frente. Nada estavafora de lugar nem com aparadores, certamente uma cozinha nãomuito frequentada por menores de seis anos. Assimilei tudo por ummomento, depois me voltei para os pais de Steve. Estavam sentadosem uma mesa nos esperando.

Não sei o que esperava disso tudo. Possivelmente pessoassuficientemente glamourosas para ter dado a luz a uma estrela. Maspareciam pais normais. O senhor Raleigh era alto e muito magro.

Sorriu-nos, mas sua expressão era séria. A senhora Raleightinha os cabelos loiros e estava arrumado, inclusive nesta hora e umpouco de maquiagem. Apenas o peso extra, evitava que fosseperfeita. Mas a suavidade dela parecia abraçar-lhe. Embora Steve sótenha feito um gesto com a cabeça.

—Mamãe, papai. Sua mãe ficou em pé e caminhou para nós, com o olhar

passando de Steve a mim. Parece que não sabia o que fazer com asmãos.

—Olá Steven. —Pousou em mim seus olhos—Vai nosapresentar sua amiga?

Embora pudesse sentir a tensão de seu corpo, a voz de Stevesoou casual.

—Esta é Annika Truman. Estávamos dirigindo para sua casa emNevada quando tivemos problemas com o carro…

Passou o olhar para seu irmão que estava inclinado contra abancada.

—Liguei para Adam, que insistiu em que passássemos a noiteaqui.

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A senhora Raleigh forçou um sorriso. —Oh, você vai conhecer os pais dela. Então deve ser algo sério.

— Examinou-me mais a fundo—Bom, alegro-me de que tambémpossamos conhecê-la, inclusive somente porque o automóvelquebrou…

—Não é assim… —disse Steve. Rapidamente acrescentei. —Não vamos para minha casa para que conheça meus pais. Só

conhecerá meu irmãozinho pequeno. Jeremy é um grande fanáticode seu show, e na sexta-feira vão operá-lo. Steve concordou emconversar com ele um momento.

—Oh. —Soava muito amável—. Vai passar tempo com o irmãoda Annika. Que lindo. —Lançou um olhar furtivo para Adam.

Acreditei que foi para ver se ele havia percebido a afronta. —Meu irmão tem seis anos —disse. Sentia que estava

colocando dados ao azar na conversa, mas queria esclarecer que nãoseria possível que Jeremy fosse uma espécie de rival para Adam.

Então ninguém disse nada. Quase podia saborear a tensão noambiente. O senhor Raleigh estava sentado em silêncio, olhando paraseu filho.

Adam passava a vista de seu pai a seu irmão, olhando-os comesperança e recriminação. Queria que algo acontecesse; não sei oquê. A mãe de Steve não olhava para ele, mas continuava meexaminando. Não havia decidido se me achava agradável ou não.

Não podia ver a expressão de Steve porque estava atrás demim, mas silenciosamente o amaldiçoei por não me advertir comodeveria agir naquele momento. Esperava que ele explicasse a seuspais que me conheceu há poucas horas, mas não disse nada sobremim.

Aparentemente era a única que não estava carregadaemocionalmente, por isso achei que deveria falar.

—Obrigada por me deixar ficar aqui — disse—. Realmenteaprecio.

—De nada —disse a senhora Raleigh—. Nosso lar sempre estáaberto para vocês. —Sorriu ao dizer isso, mas sabia que era umaacusação mais que um convite. Estava doída porque Steve não tinhaido lá por vontade própria— Então, há quanto tempo estão saindo?

Steve disse:

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—Não muito. —E pôs sua mão em minhas costas outra vez—.Olhem, é tarde, e Annika está cansada. Por que não a leva aoquarto de hóspedes, eu dormirei no sofá.

O senhor Raleigh finalmente falou:—Não o vimos em três anos e está nos mandando para a cama?Steve suspirou. —Tem que trabalhar amanhã. Imaginei que preferisse dormir,

mas se quer falar, de acordo. Do que quer falar? A senhora Raleigh avançou um passo para seu marido. —Todos nós estamos cansados. Vamos nos sentir melhor

depois de uma noite de sono. —voltou-se para mim—. Eu mostrareio banheiro para você, onde poderá vestir seu pijama.

—Na realidade, não tenho. A senhora Raleigh elevou as sobrancelhas e eu acrescentei: —Planejávamos chegar em minha casa antes da hora de

dormir. Tenho roupa lá. —Oh. —A Sra. Raleigh deixou escapar um suspiro de alívio—.

Tenho uma camisola que posso lhe emprestar. Por que não me dásua roupa para que eu a lave e esteja pronta logo cedo. —Percorreumeu traje com um olhar crítico, e parou o olhar na camiseta de Steve.Ficou olhando e perguntei para mim mesma se ela reconheceu acamiseta.

—Na realidade, esta não é minha roupa. Só peguei emprestadado Steve. — Isso era uma coisa ruim para dizer à mãe do rapaz. Suassobrancelhas arquearam-se novamente—. Mas só pedi emprestadoporque eu era uma freira. E… não podia ir para casa com hábito defreira…

As sobrancelhas da Sra. Raleigh continuaram levantadas. —Suponho que não. Adam olhou para Steve com assombro. —Está corrompendo freiras? —Não é uma verdadeira freira—disse Steve—Estava atuando

no programa. —Saímos para Nevada muito rápido—acrescentei—e minha

roupa foi enviada para a lavanderia por engano. —Então é uma atriz? —perguntou a Sra. Raleigh. —Não, não realmente. Bom, mais ou menos. Fui uma extra

temporariamente.—Naquele momento, imaginei que não atranquilizaria se lhe dissesse que era uma estudante que entrou

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escondida no set para espreitar o filho dela. Por isso não ofereci essainformação.

Ela não insistiu a respeito. Em troca sorriu e me indicou que aseguisse.

—Trarei algo para que vista. Teremos tempo amanhã parafalar. Poderá nos dizer como é que você conheceu Steve.

Eu a segui para fora da cozinha, mas olhei preocupada paraSteve. Não queria dizer para sua mãe como nos conhecemos, e nãoqueria que ele dissesse isso também.

Steve encolheu os ombros e me sorriu, o qual não eraalentador.

Segui à Sra. Raleigh através da casa e parei na porta de seudormitório enquanto ela procurava em uma gaveta da penteadeiramurmurando:

—Esse não… ficará congelada com este… Enquanto a Sra. Raleigh procurava entre suas camisolas, olhei

as coisas sobre sua penteadeira: uma foto em um porta-retratodourado de Adam, um arranjo de flores, um porta joias, ecandelabros de enfeites. Em minha casa, os únicos candelabros quepossuíamos estavam abandonados em uma gaveta para o caso deque a eletricidade falhasse. Por fim a Sra. Raleigh encontrou umacamisola que considerou adequada. Tomou um objeto de flaneladobrado da gaveta e caminhou para mim.

—Esta ficará perfeita em você. A avó Nora fez para mim háanos, mas nunca a usei.

E logo que o desdobrei, a razão se fez evidente. Não só era feitade flanela de resistência industrial —me refiro a que, honestamente,poderia ter sido usada para uma linha de sacos de dormir— rendassubiam e desciam na parte da frente.

Rendas também rodeavam o pescoço alto e as mangas. Era algoque uma professora usaria.

Logo, a Sra. Raleigh encontrou uma escova de dente para mime então me mostrou o banheiro. Esperou no corredor para que metrocasse e depois apanhou minha roupa para lavar.

—Posso encontrar algo em meu armário para que possa usaramanhã.—ela falou.

Entreguei a pilha de roupa.

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—Não há problema. Esta do Steve está bem. —Depois de versua escolha de camisola, não confiaria nela para que escolher outraroupa para mim.

Deitei-me na cama no quarto de hóspedes e tratei de dormir,mas minha mente continuava repetindo a cena da cozinha, voltandopara examinar a conversa. Pensei em como ficaria triste se chegasseem casa e não fosse bem-vinda.

Escutei vozes que vinham da sala principal. Embora estivessemfalando baixo, pude captar as notas de dureza na conversa. Os paisde Steve não estavam felizes. Ficaram incomodados quando viramSteve, ou simplesmente estavam feridos por que ele não os saudoumais ternamente?

As vozes que chegavam do quarto de Adam, chegavam maisclaramente. Ele e Steve falavam de forma mais natural do quehaviam falado no carro, talvez porque eu não estava presente. De vezem quando escutava a voz de Adam, discutindo, mas não pudeentender o que dizia, à exceção de uma vez. Steve disse, comofazendo uma observação:

—Não vi nenhuma foto minha recente pendurada nas paredes. —Eles não precisam pendurar suas fotos nas paredes —disse

Adam—. Está na serie todas as noites da semana. Nunca perdem seuprograma.

Logo as vozes tornaram-se murmúrios irreconhecíveis. É difícil relaxar quando estamos no meio da tensão de alguém

mais. E é ainda mais difícil dormir quando sabe que a Morte podeestar esperando na beira da consciência.

Pensei em minha história que estava contando para Jeremy ecomecei a idealizar um final feliz. Como poderia sair do inferno?Como alguém poderia ser mais ardiloso que a morte? Dei voltas aminha imaginação, viajando ao abismo cavernoso da outra vida.Apalpei as paredes, procurando gretas.

Só tinha meu arco e minhas flechas, um bando de corvos —oque poderia ou não ser de utilidade— e minha inteligencia. Com estepequeno arsenal, poderia averiguar a forma de trazer Jeremy devolta para casa comigo.

Era como um desses enigmas que por mais que se quebre acabeça, não achamos a resposta. Ou possivelmente não existisse umaresposta. Se a morte pudesse ser enganada, certamente alguém maisinteligente que eu já teria averiguado a maneira.

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Então tive um pensamento ruim: Como é que qualquer coisaque tenhamos feito na vida importava quando no final todos nósmorreríamos de qualquer forma?

Não conseguiria dormir a este passo. Saí da cama. Bem, poderiaapanhar um copo de água para clarear minha mente e tentarnovamente.

As vozes terminaram na sala e no quarto de Adam, então comcerteza não encontraria com ninguém no corredor, mas Steve saiu dobanheiro enquanto eu estava passando.

Olhou-me de cima abaixo. —Vejo que minha mãe tentou fazê-la sentir-se cômoda,

proporcionando uma camisola que uma freira usaria. —Ele começoua andar e ficou na minha frente, por isso abaixei minha voz.

—Não sei o que dizer para sua família amanhã. Na verdade, nãosei o que quer que eu diga.

Ele falou sussurrando. —Sairemos cedo, e não teremos tempo para muita conversa.

Levantarei às cinco e meia, de acordo? Devia sentir alivio, mas não foi assim. Só fiquei pensando na

forma em que os olhos da Sra. Raleigh refletiram dor, quando disse“Nosso lar sempre estará aberto para vocês”.

—Seus pais querem falar com você e vai sair antes que tenhamuma oportunidade?

—Devemos chegar a sua casa em uma hora decente. Está háduas horas e meia daqui.

Ele fez um gesto como se fosse sair de perto de mim e troqueide posição para que não pudesse fazer isso.

—Por que não quer falar com eles? Steve olhou-me de frente, esfregou a nunca com uma

expressão repentinamente cansada. —O que você já sabe? O que diz a internet? —Que apresentou uma demanda quando tinha dezesseis anos

para que fosse considerado como adulto, porque não queria que seuspais gastassem seu dinheiro.

Ele deixou escapar um suspiro, olhou na direção do dormitóriode seus pais e depois me conduziu para o banheiro e fechando aporta, mas manteve a voz baixa.

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—Não é que eu não quisesse que eles gastassem meu dinheiro,aconteceu que… — Deixou escapar outro suspiro—Recorda quandoeu lhe disse que fiz muito dinheiro quando era um menino?

Assenti. —Fiz mais de três milhões de dólares antes dos dezesseis anos,

mas meus pais gastaram quase tudo. Não deixavam de comprarlindas casas e lindos automóveis. Eu disse que queria investir e entãoeles compraram joias e obras de arte e isso poderia ter funcionadocaso eles soubessem alguma coisa sobre joias e arte. Mas não sabiamnada e simplesmente gostavam de viver como milionários. Os atoresinfantis costumam ter carreiras curtas. Robin Hood é popular agora,mas os modismos desaparecem rapidamente e há uma grandepossibilidade de que eu passe de moda aos vinte e um anos. Quandoconsegui o papel de Robin Hood, tratei de falar com eles sobre eumesmo dirigir minhas finanças, mas isso não mudou nada. Assim faleicom os advogados do programa.

Sacudiu a cabeça e fez uma careta. —Se alguma vez você quer transformar uma situação ruim em

horrível, é só acrescentar um par de advogados. Eu só queria umpouco de controle sobre como estavam gastando meu dinheiro, masmeus pais não viram dessa maneira. Meu pai ordenou que se eufosse agir desse modo, então podia sair de sua casa e viver por minhaprópria conta.

Steve apoiou contra a bancada e olhou além de mim para umnada

— Então eu saí de casa e eles vieram para cá e então não nosfalamos após isso.

—Tentou falar com eles? Olhou-me mostrando claramente que havia perdido o ponto de

sua história. Falei: —Então agora tem seu dinheiro, mas perdeu a sua família? Ele endireitou-se, me recordando com esse simples movimento

de como era alto. —Você acha que eu deveria ter deixado que meus pais

gastassem tudo? —Não, mas não deveria ter tentado fazer as pazes? Não os

ama? Apertou a mandíbula.

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—Nunca foi sobre não amá-los, mas depois que os advogadosforam envolvidos, meus pais me trataram como se eu fosse umestranho. —Estendeu sua mão para mim para oferecer provas— Noscinco minutos que acabo de passar com eles, meu pai não me disseuma palavra boa, minha mãe fez uma acusação atrás da outra e meuirmão pensa que estou corrompendo freiras. —As comissuras de suaboca se inclinaram para cima enquanto dizia isso, como se nãopudesse manter a ira em seu rosto diante de tal sugestão.

Voltei a olhar nos olhos dele. Eu não tinha feito nada no últimomês além de que me preocupar com minha família caindo aospedaços, enquanto ele e seus pais afastaram-se entre eles. Pareciaum desperdício.

—Então, você em represália, nega que tomem parte de suavida.

—Isso não é verdade. —Não disse nada para eles do que está acontecendo com sua

vida, não é? —Não tenho que contar nada. Para isso existe a revista People. Coloquei uma mão em meu quadril, imediatamente

envolvendo a camisola de flanela. —Nem sequer disse a eles a verdade sobre nós. Steve encolheu os ombros. —Perguntaram-me há quanto tempo estávamos saindo. O que

queria que eu falasse?Que olhasse meu relógio e dissesse “perto deseis horas e meia”?

Dei-lhe um olhar incrédulo. —Considera que isto é uma paquera? Ele inclinou-se sobre a bancada com os braços cruzados e

evitou a questão. —Paguei o jantar e a beijei.—Foi um iogurte e um pedaço de bolo da estação de serviço e

estava imaginando que eu fosse lady Marion quando me beijou. —Eu a beijei antes disso. —Não, eu o beijei antes disso. Deixou escapar um grunhido exasperado e diminuiu a distância

entre nós. —Bom, está bem. Isso conta? E antes que eu percebesse ele pôs suas mãos sobre meus

ombros, inclinou-se e me beijou. Algumas pessoas fariam algo para

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ganhar uma discussão. Não deveria ter deixado. Poderia tê-loafastado e acusá-lo de tentar corromper freiras novamente. Mas nãoo afastei. Envolvi meus braços em seu pescoço devolvendo-lhe obeijo, e senti que os batimentos de meu coração se duplicavam.

Finalmente ele levantou a cabeça e sorriu para mim. —Muito bem —eu disse—Isso conta, mas mesmo assim não

muda o fato de que não está tentando resolver as coisas com suafamília.

Ele deixou escapar um grunhido e afastou-se. Ele começava a distanciar-se. —Eu pagaria uma enorme quantidade de dinheiro para

continuar tendo uma relação com meu irmão quando ele tivessedezessete anos. Você pode ter isso agora se quiser. Pensa no queestá perdendo.

Olhamo-nos em silencio por um momento. Seus olhoscontinuavam intensos e ele não mudou de opinião e enquantopassava a mão pelos cabelos me disse:

—Olhe, é tarde. Nós precisamos dormir. No momento em que ele caminhava para o quarto, eu

perguntei: —Depois de ir a Henderson, voltaremos a nos ver outra vez? Fez uma pausa na porta. —Eu gostaria. —Eu também gostaria. —Sorri, não obstante sua afirmação ter

sido menos decisiva. Ele disse boa noite, e cada um tomou o caminho para os

respectivos quartos e a frase “Eu gostaria” ecoou em minha mentedurante todo o caminho de volta para o meu quarto.

Eu gostaria. Eu também gostaria de viajar pelo mundo. Eugostaria de ganhar uma medalha de ouro em arco e flecha. Eugostaria de voar. Eu gostaria de salvar a vida de meu irmão.

Ele era um grande sucesso e podia escolher qualquer estrela deHollywood e eu era um “João ninguém” de Nevada. Não, era pior queum “João ninguém”; era cristal quebrado. Por que ele me escolheriaquando havia mulheres como Esme e Karli brigando por ele?Duvidava de que fosse vê-lo outra vez depois de amanhã.

Capítulo 15

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Levei muito tempo para conseguir dormir, mas se sonhei com amorte, não me lembrava. A seguinte coisa que soube: a Sra. Raleighabriu a porta do dormitório e colocou a minha roupa no aparador. Eupisquei devido a luz que entrava por um espaço entre as cortinas.

—Que horas são? —Quase sete. Pensei que gostaria de ter sua roupa quando

despertasse. —Sete? —Saí da cama tão rápido que fiquei

momentaneamente enjoada. Tratei de fazer os cálculos. Como faltavam duas horas e meia

para chegarmos a Henderson e Steve ainda passaria meia hora comJeremy… ele não conseguiria chegar antes das duas. Teríamos quenos apressar nas duas coisas.

—Onde está Steve? —perguntei—. Está pronto para ir ? —Oh, não. Ele acaba de sair da ducha. Nem sequer tomou o

café da manhã ainda. Estou fazendo panquecas e ovos quentes. —Isso é muito amável de sua parte, mas Steve queria sair cedo.Agarrei a roupa do armário. Queria me trocar e não poderia

fazer isso com ela parada ali. Ela abriu as cortinas completamente. —Acredito que tem coisas a fazer no estúdio. Ligou para eles

esta amanhã. Havia uma cautela no que estava falando agora, que não

possuía na noite anterior e sua voz soava feliz.—O café estará pronto no momento em você terminar de

tomar banho. Tomei uma ducha rápida e troquei de roupa mais rápido ainda.Era estranho olhar para o espelho e me enxergar com o cabelo

castanho, como se nem sequer meu reflexo tivesse certeza quem eufosse.

Quando entrei na cozinha, toda a família estava comendo,sentada ao redor da mesa. Pareciam muito tranquilos. Se não tivessesido parte da cena na noite anterior, nunca poderia imaginar que nãose dessem bem.

A Sra. Raleigh estendeu uma jarra de suco de laranja paraSteve.

—Quer mais? Ele passou um pouco de manteiga em sua panqueca.

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—Não, obrigado. Estou bem. Um assento vazio me aguardava, mas não me sentei. Em lugar

disso chamei a atenção de Steve:—Temos tempo para comer? Fez um gesto em direção á cadeira. —Tudo está bem. Sente-se e tome o café da manhã. —Sim —adicionou Adam, não vamos deixar que vá embora, até

que nos diga como conheceu Steve. —Steve nos contou —A Sra. Raleigh esclareceu com um sorriso

encantador que recordou o sorriso de seu filho—Mas disse queteríamos que escutar a história contada por você.

Sentei-me. —Fez isso? A Sra. Raleigh me passou o prato com as panquecas e peguei

uma. Eu fiquei feliz ao perceber que Steve estava falando com seus

pais, mas me excitei por sua escolha de assunto. Peguei um copo comsuco de laranja.

—Então foi durante a filmagem de Robin Hood que seconheceram?—Perguntou o Sr. Raleigh.

Dei uma olhada para Steve. Ele mastigou um pedaço depanqueca para não ter que falar. Já que provavelmente nunca maisveria estas pessoas novamente, decidi que podia aperfeiçoar averdade.

—Na realidade, não. Conhecemo-nos em um concurso de arcoe flecha.

Ganhei de Steve, certamente. —Venceu Robin Hood? —Adam riu enquanto partia pela

metade sua panqueca—Isso é possível? Minha fé no programa foicompletamente destruída.

—Foi o excesso de confiança dele que lhe custou o combate —disse-lhe.

—Não. —Falou Steve. —Acredito que tenha algo a ver com queela ser a presidente do clube de arco e flecha de sua cidade. Nãosoube desse pormenor antes.

Sorri para Adam. —Pode ver que é um tema delicado. —Quero uma revanche, algum dia destes—disse Steve.

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Eu ri e comi minha panqueca. Então peguei outra. O café damanhã ficou no mesmo tom suave, com Steve e sua família tendo umpequeno bate-papo sobre o programa e os velhos amigos da família.

Pensei que o assunto de minha relação com Steve tivessepassado despercebida por completo, mas de repente a Sra. Raleighdisse:

—Surpreende-me que não tenha visto nada sobre você nostabloides, Anika.

—Bom, isso não vai durar —disse Steve—.Ontem nos seguiramaté a metade do caminho para cá. Foi assim que avariamos o carro.Passamos sobre um pequeno morro para perdê-los.

Adam reclinou-se em sua cadeira. —É agradável ver que sua forma de dirigir não mudou com o

passar dos anos. Steve me olhou, mas não corrigiu seu irmão. Então eu lhe disse: —Acredito que hoje os paparazzi não aparecerão, pois estou

com a mesma roupa. Caso contrário vão pensar que tenho umsentido de moda muito limitado, ou que você conquistou uma garotasem lar.

Steve nem sequer esboçou um sorriso. Olhou para baixo eabaixou seu garfo pouco a pouco.

—A respeito de hoje —disse, voltando a me olhar nos olhos—.Liguei para o assistente de Dean e disse a ele que não estaria ali atéhoje a tarde, mas Dean me devolveu a chamada dizendo que menecessitava esta manhã. Terei que ir a Burbank logo que a companhiade aluguel de carros me traga um. —Olhou seu relógio—Queacontecerá a qualquer momento.

Abri minha boca para protestar, mas ele continuou. —Falei com Adam sobre isto e ele vai levar você até Henderson

hoje. Rum me reservará um voo para Las Vegas amanhã à noite. Vouao hospital assim que eu terminar de filmar.

Engoli em seco e meu pescoço doeu. As palavras saírammiseráveis de minha garganta.

—Já disse a minha família que você estava comigo. —Sei. Infelizmente, o estúdio precisa de mim. —Meu irmão necessita muito mais de você. Sua voz estava carregada de resignação.

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—Sinto muito. Eu tentei, mas não funcionou. Estarei em suacasa amanhã a noite.

O garfo tremeu em minha mão e tive que coloca-lo novamentesobre a mesa. Podia sentir o peso dos olhares deles sobre mim. Otinido dos talheres desapareceu por completo.

Tratei de não entrar em pânico, ou ao menos não demonstrarisso.

—Jeremy tem que vê-lo antes da cirurgia. Ele tem que acreditarque seus desejos têm poder para que não sinta medo, para que vábem. Expliquei-lhe isso…

Steve inclinou-se para mim. —Annika, esta visita não vai fazer nenhuma diferença no

resultado da cirurgia. Ele poderia ter dito que não se importava e eu sentia-me como

se todo o ar tivesse sido tirado de meus pulmões. —Não diga isso. Não é verdade. Seu tom de voz saiu suave, sem dor. —Não posso trocar a programação da produção. Estou preso a

um contrato. Queria dizer: "Como pode me fazer isto?", mas era uma

pergunta estúpida. Conhecemo-nos há um dia. O que esperava? E oque tinha acontecido comigo, para que depois de um dia sentisse quenos conhecíamos intimamente?

Tinha movido céu e terra para cumprir o desejo de Jeremy.Steve nem sequer faltaria um dia no trabalho.

A família de Steve voltou a tomar o café da manhã,deliberadamente pretendendo que não era raro escutar tudo isto.

—Diga a Jeremy que estarei com ele amanhã a noite —disseSteve—. Ele vai entender.

Jeremy poderia, mas eu me neguei a entender. Minha voz saiucomo um

sussurro. —O que acontecerá se amanhã a noite for muito tarde? Soou a campainha. Steve olhou nessa direção e depois para

mim. —Não será tarde. —Ele empurrou a cadeira da mesa—.Deve

ser o carro alugado. Todos olharam para ele. O calor, todos os sentimentos de

familiaridade esfumaram-se da sala.

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Steve ficou de pé, mas voltou-se para seu pai. —Farei que Rum envie o dinheiro para pagar o guindaste. Diga

depois quanto ficará. A voz de seu pai soou afiada.—Não precisa fazer isso. Podemos pagar. —Não deve pagar. Não é seu carro. —Não tem que nos pagar nada. Não necessitamos de seu

dinheiro. Steve entrecerrou os olhos. —Está sendo ridículo. —Estou? A senhora Raleigh colocou uma mão na boca, mas não disse

nada. Adam olhava para o teto. —De acordo —disse secamente Steve—Faça o que quiser. Foi

bom ver todos novamente. Chegou até a porta da cozinha. A senhora Raleigh me falou… embora claramente em benefício

de Steve: — Sempre foi assim. Seu trabalho está acima de todas as

coisas. Steve ficou tenso e murmurou algo baixinho, mas não

retrocedeu. Depois de um momento, a porta se fechou. Voltei minha atenção para a mesa sentindo-me entorpecida. Steve teve razão ao me dar essa notícias depois do café da

manhã. De outra maneira não teria comido. Ninguém falou. Sentiaque me olhavam, com compaixão. Encontrei a voz e olhei para Adam.

—Quando quer ir? —Dentro de alguns minutos. Tenho que chamar alguém para

copiar minha lição de casa. Ele faltaria a escola por minha causa. Fez-me sentir muito mal. A senhora Raleigh tirou os pratos da mesa. Eu a ajudei tentando ser amável pois fazendo algo assim não

ficaria pensando no que diria a Jeremy quando chegasse em casa. O gênio teve um problema com Robin Hood. Depois disto

Jeremy voltaria a acreditar em alguma coisa?

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Se tivesse imaginado teria feito Steve falar com ele pelo celular,mas possivelmente Jeremy não teria gostado disso. Robin Hoodnunca usava um celular na série.

Enquanto ajudava a Senhora Raleigh a recolher tudo, percebique ela estava olhando preocupada para mim.

—Lamento que tenha sido uma viagem difícil para você —medisse—. Espero que tudo corra bem com seu irmão.

—Obrigada. E obrigada outra vez por me deixar ficar aqui. —Possivelmente possa voltar outra vez. Duvidei. —Possivelmente. Entendeu o significado de minha dúvida. —Nunca foi assim entre Steve e seu pai. Estavam acostumados

a tratar-se tão bem. —Espero que eles… Possivelmente poderia falarcom ele sobre isso. Às vezes a influência da mulher pode…

Não a deixei terminar. Não podia explicar por que não tinhainfluência sob Steve e por que qualquer conversa que fosse ter comele depois de hoje seria muito limitada.

—Falei com ele a respeito —eu disse. Era, depois de tudo,verdade. — Conversamos sobre isso no banheiro ontem à noite e eulhe falei que deveria melhorar a relação com vocês.

—Sério? —perguntou a senhora Raleigh. A gratidão em sua vozme fez sentir culpada—.O que ele disse?

—Bom… —Não podia dizer que ele havia descartado minhaspalavras, não quando ela me olhava com tanta esperança—. Éteimoso, isso já sabe, mas disse coisas muito boas sobre vocês. —Enquanto falava, Adam e o senhor Raleigh chegaram na cozinha.Encerraram a conversa que estavam tendo para ouvir a nossa.

Lutei para pensar em alguma outra coisa que Steve tivesse ditosobre eles. Quando isso falhou, decidi elaborar algo. Depois de tudo,não devia mais minha honestidade a Steve. Havia fugido, deixando-me com sua família.

Olhei para o senhor Raleigh. —Disse-me que o senhor era um oficial de polícia e quanto ele

ficou preocupado quando o apunhalaram. Disse que quando trabalhana serie Robin Hood e precisa tomar alguém como exemplo, pensano senhor.

O senhor Raleigh me olhou com surpresa mas não falou nada. Para a senhora Raleigh disse:

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—Steve me contou todos os sacrifícios que fez por ele todosestes anos e como ele nunca teria êxito se você não o tivesseacompanhado a todas aquelas audições.

Em lugar de pôr o copo na máquina de lavar louça, a senhoraRaleigh parou na metade do caminho. Voltei-me para Adam.

—Steve sente saudades. Gostaria que fossem mais próximos. Não era verdade, mas era verdade de alguma forma, por isso

Steve não podia zangar-se comigo por ter dito isso.

***A viagem para Henderson durou bastante tempo —

especialmente porque Adam jamais transpassava o limite develocidade. Não sabia que além de Madison havia mais pessoas quedirigiam assim. Aparentemente tinha encontrado sua alma gêmea.Embora a viagem não tenha sido tão incômoda como imaginei.

Quero dizer, não conhecia Adam. Mas de algum jeito aconversa na cozinha nos converteu em confidentes. Acabávamos dechegar na auto estrada quando me contou seu lado da história.

—Eu também quero estar mais próximo de Steve, mas ele mecolocou no meio de tudo. Como posso ficar bem com meus pais e serparte de Steve ao mesmo tempo? —Adam manteve os olhos naestrada, mas sabia que não estava concentrado nela.

—Além disso, não estou de acordo com o que ele fez. Depoisde tudo, nossos pais o apoiaram durante anos —papai estavalevando tiros na rua para nos trazer comida— Steve lhe deve umpouco de gratidão por isso. —Sua voz soava amarga—Steve não podeentender como papai sentiu ao ver que não só seu filho era maisbem-sucedido economicamente, mas também cortou sua afinidade?

Golpeei-me mentalmente por me preocupar com isso. Sealguma vez voltasse a ver Steve, provavelmente seriam somente unsminutos, mas mesmo assim aqui estava, tentando resolver osproblemas dele. Concordei com Adam, sugerindo, assegurando emais que nada, procurando maneiras de aliviar a tensão entre eles.

O estranho é que enquanto falava com Adam, encontrei umaparte de mim soltando-se, voltando para a vida, representado nogesto de que soltei meu punho depois de mantê-lo apertado por umlongo tempo.

Compreendi que as coisas em minha casa poderiam ser pior.Havia muitas formas de perder um irmão.

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Mas enquanto chegávamos a Henderson toda a ansiedade empoder ver meus pais e decepcionar Jeremy retornou… com um poucomais de intensidade. Tínhamos falado tanto sobre a relação de Stevecom sua família que nada falei sobre mim. Entretanto, algo estavaclaro: Adam acreditava que eu vivia na Califórnia e estava voltandopara casa para visitar meu irmão.

Eu deixei que ele acreditasse nisso porque era mais fácil quetentar explicar estes dois últimos dias. Steve já havia dito quesaíamos —e, além disso, os Raleigh ficaram felizes em me conhecer eme escutar… Como poderia jogar tudo isso fora e confessar que malconhecia Steve?

Enquanto conduzíamos pelas ruas de minha cidade, ocorreu-me que teria que convidar Adam para entrar em minha casa. E umavez que conhecesse meus pais, certamente diria algo que para elesnão teria sentido, como:

—Foi lindo passar um tempo com Annika. Nós nuncaconhecemos as namoradas de Steve.

Isto daria pé a um montão de explicações estranhas onde eupoderia parecer uma namorada falsa, ou como tive uma relaçãoclandestina com um moço de outro estado atrás das costas de meuspais.

Chegamos a meu bairro. Tamborilava com meus dedos noapoio de braços, enquanto procurava uma saída para tudo isto.

—O que está mau? —perguntou Adam—Soa como estivessemandando um telegrama em código Morse através da porta docarro.

Detive meu dedo. —Sinto muito. Só estava pensando em nossos cães. Eles ficam

excitados quando pessoas desconhecidas entram em nossa casa. Adam sorriu como se gostasse de cães. —De que raça são eles? —Temos dois Pitbull —menti—Dagger e Deathwish9, mas não

fique preocupado; meus pais normalmente colocam a focinheiranele quando sabem que alguém virá. Eles têm que fazer isso. Ordensda polícia. —Apontei a rua que deveria entrar—Gira à esquerda naBrooksfarm.

Ele virou à esquerda.

9 Dagger e Deathwish: Adaga e Desejo de Morte.

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—Ordens da polícia? —Sim… meus cães simplesmente perseguiram um vendedor

até uma árvore e a polícia esta toda em cima do caso. —Oh… —disse ele. —Não é que fosse um grande problema. Os cães

provavelmente não deveriam ter comido os sapatos do menino,especialmente enquanto ainda estava calçado com os sapatos, mastampouco é que fossem caros. —Encolhi os ombros casualmente—.Além disso, se você não puder subir em uma arvore suficientementerápido, esse tipo de coisas estão destinadas a ocorrer.

Adam não disse nada, mas notei como agarrou o volante commais força.

—Não é como se as pessoas não tivessem sapatos extras —disse.

Seu corpo ficou tenso. —Minha casa esta ali —disse— Aquela com as grandes marcas

de garras na porta. Ele estacionou na entrada de veículos, mas não desligou o

carro. Olhou para mim sem soltar o volante. —Foi realmente muito agradável conhecê-la, Annika. Estou feliz

de que tivéssemos tempo de falar durante a viagem. —Foi genial conhecê-lo também. —Abri minha porta. Percorreu o volante com os dedos. —Eu poderia acompanhá-la até lá dentro, mas estou com muita

pressa e preciso retornar. Saí do carro. —Está bem, em outra ocasião então. Obrigada por me trazer. Eu o vi afastar-se e logo caminhei lentamente para minha casa.

Só estive fora dois dias, mas parecia muito mais tempo. Tudo estavadiferente, mudou sutilmente de alguma forma. Abri a porta e gritei:

—Estou em casa! Esperava que Jeremy fosse o primeiro a me saudar, mas

mamãe e Leah entraram na sala primeiro. Mamãe de fato parou emseco quando me viu.

—Meu Deus! O que fez com seu cabelo? Havia me esquecido do meu cabelo. —Oh, isso. Eu tingi, para que assim Steve Raleigh não me

reconhecesse. — eu disse tocando as pontas deles.

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Leah inclinou a cabeça, interrogante.—E por que Steve Raleigh a reconheceria? —Mamãe olhou por

cima de meu ombro e ao redor da sala—. Onde ele está? —Foi chamado de volta para o estúdio esta manhã. Seu irmão,

Adam, me trouxe. —Foi chamado de volta para o estúdio? —repetiu Leah. —O irmão dele não entrou com você? —perguntou mamãe.

Percebi que nenhuma das duas estava acreditando em mim, e isso sódemonstrava que o carma existe, depois de tudo. Tinha mentido aosRaleigh e não descobriram, assim nunca imaginei que agora, quandoestava dizendo a verdade, minha própria família não acreditasse emminhas palavras.

—Olhe, não falou com Madison? Ela não contou como conheciSteve Raleigh no set?

Leah e mamãe trocaram um olhar que não pude interpretar. A incredulidade não abandonou o rosto delas. —Está bem —disse—Madison realmente não viu quando me

encontrei com ele. Foi retirada do set porque transportava umaserpente, só que ela na realidade não fez isso. Eu sim, fiz. Querodizer, eu conheci Steve Raleigh. E tivemos um desafio de arco eflecha e eu ganhei, assim teve que viajar comigo para nossa casa. Sóque o chamaram e ele teve que retornar ao estúdio esta manhã, masdisse que virá amanhã a noite e acredito que seja verdade, mas nãoestou certa porque, bom... ele disse antes que viria comigo e não fezisso.

Minha mãe e minha irmã olharam para mim em silêncio, assimacrescentei:

— Olhem, estou usando a roupa dele. Isso é uma prova. —Sério? —disse Leah, sem emoção—Escreveu seu nome nela

ou algo assim? —Não fiz conta. —Não tenho certeza se devo dizer a Jeremy sobre a visita de

Steve amanhã. Quero contar, porque então ele vai ter alguma coisapara esperar, mas não quero decepcioná-lo outra vez. Acredito queSteve virá porque é um bom tipo e depois de tudo, disse a seus paisque estávamos saindo. Então talvez eu pudesse contar para Jeremy.O que acham?

Leah disse: —Acredito que você perdeu a cabeça. Mamãe, com uma voz suave, disse:

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—Querida, eu não acho que deva dizer alguma coisa paraJeremy agora.

—Estou dizendo a verdade —disse—Inclusive os paparazzi,tiraram fotos de nos dois juntos.

Leah deixou escapar uma respiração lenta e sacudiu a cabeça. —Isto é tão triste. Não pude discutir o fato porque papai e Jeremy entraram na

sala. —Olhe quem está em casa —disse mamãe com alegria, mas

ambos ficaram me olhando sem dizer uma palavra. Ajoelhei-me e abri os braços para Jeremy. Em lugar de correr

para meus braços, aproximou-se e tocou meu cabelo com cuidado. —O que aconteceu com seu cabelo? —Tingi. —Ele morreu? —Antes que pudesse explicar, ele acrescentou.

—Refere–se quando teve que cortá-lo no inferno? —No inferno? —preguntou Leah—Foi para lá antes ou depois

que foi para Hollywood? Eu disse para Jeremy: —Isso foi uma história. Só uma invenção.—Mas o inferno é real —disse ele. Não sabia o que responder. Antes que pudesse pensar no que

dizer, acariciou-me o cabelo dizendo: —Aposto que os corvos lhe deram um cabelo novo, porque

queriam que ficasse bonita, não é? Quando terminará essa história? Ri e o puxei para um abraço, já que assim não teria que olhar

em seus olhos. Senti o corpo dele tão pequeno contra o meu. Eu estava

tremendo e não sabia como parar. —Terminarei mais tarde. Não se preocupe Jeremy, não nos

deixarei no inferno, mas acabo de chegar. Tenho que trocar deroupa.

Ele afastou-se de mim. —Mamãe e papai disseram que me trouxe uma surpresa. O que

é? Não disse nada, mas ele ficou me olhando, esperando por uma

resposta. Machucava-me fisicamente falar sobre isso.

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—A surpresa não saiu como eu tinha esperado. Terei que lhedar isso mais tarde. Pela extremidade de meu olho, pude ver mamãesacudindo a cabeça. Ela não queria que dissesse nada mais arespeito.

Jeremy inclinou-se para mim. —Trata-se do gênio? Coloquei meus dedos em seus lábios. —Shhh. Não quero que fale sobre isso. A campainha soou. Percebi pela expressão de meus pais que

não esperavam ninguém. Nesse momento, uma sensação denaufrágio tomou conta de mim. Sabia que era Adam. Eu devia teresquecido algo no carro, ou talvez algum tipo de problema estivesseacontecendo com ele. A qualquer momento teria que apresentá-lo atodo mundo como o irmão de Steve.

Não ajudaria a minha história, ou a minha prudência, que eleentrasse nervoso na sala murmurando:

—Não deixe que Dagger e Deathwish me mordam! Meu pai foi atender a campainha. Mordi meus lábios e me

perguntei como conseguia meter-me nestas confusões. Nessemomento jurei que nunca mentiria novamente. A partir de agora ocarma não teria nenhuma razão para me morder.

Meu pai abriu a porta e Steve entrou.

Capítulo 16

Steve usava o disfarce de Robin Hood com o arco em suas mãose as botas nos pés. Devo admitir que ele vestido de verde em nossaporta, parecia imponente. Por muitos segundos, foi difícil respirar.

Steve deu a volta como estivesse dirigindo-se a alguém emnossa entrada. Saudou e com um perfeito acento inglês disse:

—Obrigado, gênio, parece que esta é a casa correta. Jeremy correu direto para ele. —É Robin Hood! Steve riu e disse: —Sou. E você deve ser o jovenzinho que necessita de lições de

arco e flecha.

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—Meu nome é Jeremy —disse ele. Steve agachou-se para estar ao nível de Jeremy. —Quando quer começar? Temos trabalho para fazer se

quisermos alcançar o ponto em que possa vencer Annika. —Ninguém pode vencer a Annika —disse Jeremy, e depois

pensou melhor nisso—.Exceto você. É o melhor arqueiro do mundointeiro.

Steve olhou em minha direção e sorriu. —Bom, algumas pessoas diriam o contrário. Neste ponto, recordei minhas maneiras e apresentei Robin

Hood para minha família. Leah, eu juro, quase desmaiou. EnquantoSteve apertava a mão de meus pais, ela tomou meu braço esussurrou:

—Tenho que ir para meu quarto e contar para todos os meusamigos.

—Não se atreva a chamar seus amigos — disse. —Estemomento pertence a Jeremy.

Ela deixou sair um gemido, mas não me contradisse. Jeremy tomou Steve pela mão, saltando de acima para baixo

com Entusiasmo, disse para papai. —Podemos praticar arco e flecha agora? Podemos? Então meu pai tirou o alvo para fora da garagem levando tudo

para o pátio traseiro, e Jeremy correu a seu quarto para apanhar seuarco e as flechas. Depois que ele saiu, mamãe pôs as mãos contra seupeito e disse:

—Não sei como poderei lhe agradecer o suficiente, Sr. Raleigh. —Me chame de Robin—disse ele—Hoje sou apenas Robin. —Robin. —Repetiu ela com um sorriso. Dei um passo para ele e abaixei a voz no caso de que Jeremy

voltasse. —Pensei que o necessitavam no set? —Liguei para Dean e disse a ele que tinha uma entrevista que

não podia perder. —O que o fez mudar de opinião? Steve deu um passo para mim e sussurrou:—Enquanto conduzia para fora de Appley Valley, recordei

quando disse que o verdadeiro Robin Hood deveria ver Jeremy. —Encolheu os ombros de maneira informal, mas seus olhos estavam

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com um brilho intenso—.Passei tanto tempo interpretando RobinHood, que pelo menos uma vez, queria saber como ele deveriasentir-se na verdade.

—Como se sente? —perguntei. Sorriu-me de volta. —Bem. —Como chegou aqui tão rápido? Esfregou sua mandíbula, relutante em me dizer. —Em algumas ocasiões sei dirigir rápido. Jeremy retornou com o arco seguro entre as mãos. —O alvo está preparado! Saímos. Steve e Jeremy posicionaram-se perto do alvo e nós

ficamos observamos de longe. Não consegui tirar meus olhos deles.Era como um sonho: Robin Hood e meu irmão atirando flechas emnosso pátio traseiro.

Mamãe conseguiu fazer um vídeo e tirou mais fotos que onecessário.

Enquanto repetia: “Isto é tão lindo” me abraçava dizendo: —Fez algo bom, Annika. Inclusive meu pai, que havia gritado comigo por ter ido para a

Califórnia, pôs a mão em meu ombro e disse:— Fez Jeremy muito feliz hoje. Mas nunca volte a fazer algo

como isto. Nunca. Falo sério. Steve praticamente nos ignorou e deu toda sua atenção a

Jeremy. Além de ser um bom ator, era também um bom professor.

Inclusive depois de uma hora, seu entusiasmo não desapareceu.Agachou-se e pôs seus braços ao redor de Jeremy, ajudando-o com oobjetivo do arco.

—Atire agora. Tente um bom tiro. A flecha caiu fora do centro do alvo. Steve pôs a mão no ombro

de Jeremy. —Esse é o tipo de tiro que deixa preocupado o próprio Rei

Juan. Por este motivo, lhe faço um honorário MerryMan. Jeremy deu um gritinho de felicidade. —De verdade? Steve levantou uma mão. —Juro pelo Rei Ricardo! Ele avaliou Jeremy, depois acrescentou:

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— Não temos um traje verde Lincoln de seu tamanho, mas meatrevo a dizer que Lady Marion pode fazer um para você e eu o trareilogo que estiver pronto.

Jeremy inclinou-se por cima de Steve e nos gritou, como se nãotivéssemos escutado a conversa: —Agora sou um MerryMan! —girou-se para Steve—Terei meu próprio cavalo?

Steve riu e nos olhou. —Deve discutir isso com sua mamãe. —Possivelmente vocês dois gostariam de descansar e comer

alguma coisa—chamou mamãe, em um claro intento de apagar ospensamentos sobre cavalos da mente de Jeremy.

—Podemos ter uma festa? —perguntou Jeremy—. Podemosatirar num cervo?

—Bom, podemos pedir pizza —disse mamãe. Jeremy pôs as mãos em seus quadris. —Robin Hood não come pizza, mamãe. Steve pôs uma mão no ombro de Jeremy. —Você gosta de pizza? Jeremy assentiu com a cabeça. —Então ficarei feliz em provar pizza. Eles foram para a sala. Em meu quarto vesti calças jeans e uma

camiseta; algo um pouco mais favorecedor que a camisa de pôquerda sorte de Steve. Dobrei suas roupas em uma ordenada pilha, assimpodia entregar-lhe mais tarde.

Quando voltei para ficar com minha família na sala, Jeremyestava crivando Steve com perguntas sobre o Bosque Sherwood, oxerife de Nottingham e as responsabilidades de um MerryMan.

Continuei olhando para Steve, tratando de ver a pessoa queestava comigo esta manhã, com seus cabelos castanhos curtos econversas casuais. Era difícil recordar essa pessoa porque seu RobinHood saía tão vibrantemente. Realmente não apreciei a atuação deleno set, ou quando o vi fazendo coisas tolas como jogar às espadaspara o ar.

Mas agora seus olhos brilhavam enquanto falava a respeito dosperigos do bosque. Inclusive eu quase acreditei.

Quando a pizza chegou —só pizza de queijo para o Jeremyporque mamãe não o deixaria comer os nitratos do peperoni—Sentamo-nos a mesa da cozinha. Jeremy fez uma grande

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demonstração mostrando a Steve como comê-la e Steve sorrindoseguiu as instruções dele.

Tratei de não olhar para ele constantemente e lutei paraencontrar algo mais aonde descansar minha vista. Mas continueiolhando para Steve. De vez em quando ele enviava um sorriso emminha direção, o que me roubava por completo os pensamentoscoerentes.

Tinha que continuar repetindo para mim mesma que parasse.Ele somente estava aqui porque prometeu ver Jeremy.Provavelmente não voltaria a vê-lo depois de hoje.

Quando terminamos a pizza, ele cabeceou em direção a minhamãe.

—Obrigado por sua hospitalidade, minha dama, mas temo quemeu tempo aqui tenha terminado. Não me atrevo a estar longe deSherwood por muito tempo, para que não seja invadida por patifes eassassinos ou pior ainda, tenho receio que Frei Tuck coma toda acomida.

Minha mãe inclinou-se para ele. —Outra vez, obrigada por vir. Isto significou muito para Jeremy.A última parte da afirmação provavelmente não fosse

necessária, porque Jeremy correu para o colo de Steve. Tiveramalgumas palavras sobre MerryMan e depois Steve levantou-se epapai afastou Jeremy.

Steve agradeceu a meus pais outra vez pelo aprimoramento dapizza, depois me olhou.

—Antes de ir eu gostaria de ter umas palavras a sós com ladyAnnika. —Abaixou seu olhar para Jeremy e piscou os olhos para ele—. Necessitamos discutir assuntos de gênios.

—É obvio —disse mamãe—Annika, por que não o leva até aporta? Ficaremos aqui limpando os pratos.

—Temos este fantástico aparelho chamado lava-louças —disseJeremy para Steve—Quer ver?

—Possivelmente na próxima vez. O rosto de Jeremy iluminou-se com esperança. —O gênio o trará aqui novamente? —Não disse que voltaria para entregar sua roupa verde

Lincoln? Você me verá logo, com gênio ou sem gênio. Jeremy levantou as mãos e saltou triunfante. —Sim!!!

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Tomei a mão de Steve e o levei para a cozinha antes queJeremy

quisesse lhe mostrar como funcionavam todos oseletrodomésticos.

Enquanto caminhávamos, disse-lhe: —Em primeiro lugar, você é incrível. De verdade. Embora eu

soubesse tudo, descobri que também acreditava. —Obrigado —disse ele usando sua voz normal. —Não recordo a última vez que Jeremy esteve tão

emocionado. Tudo isto funcionará. Sei que voará através da cirurgiaamanhã.

Um brilho de dúvida cruzou os olhos de Steve, mas apertouminha mão.

—Bem. Alegra-me que seja feliz. —Oh, e outra coisa que preciso dizer. Quando seu irmão

perguntar, diga-lhe que nossos pitbulls amaram você. —Seus pitbulls? —Sim, Dagger e Deathwish e deixe de levantar as sobrancelhas.

Tinha que pensar em uma desculpa para que ele não entrasse. Fingiser sua namorada durante toda a amanhã e não podia apresentar-lheminha família já que eles sabem que não vivo na Califórnia.

Steve encolheu os ombros. —Poderíamos ter uma dessas relações a longa distância. —Poderíamos? —perguntei, e logo senti como se houvesse dito

muito. Antes que ele pudesse falar, eu disse— Espero que não tenhamuitos problemas por arruinar o horário de gravação.

—Eles darão um jeito. —Levantou sua cabeça e me deu um deseus famosos sorrisos—.Embora no próximo episódio você possa mever nadando através de rios congelados ou sou repetidamenteabatido pelos homens do Rei Juan. Saberá então que Dean ainda estáaborrecido.

Sorri e tratei de memorizar como era sentir a mão dele naminha.

Sabia que em qualquer momento ele afastaria sua mão epartiria.

Em vez de afastá-la, deu um passo para mais perto de mim. —Olhe, Annika, provavelmente deveríamos falar de nós —disse

isto nessa voz vacilante que usam os rapazes quando na realidadenão querem discutir algo, mas se sentem obrigados.

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Não queria escutar suas próximas palavras. Tirei sua mão ecoloquei as minhas nos bolsos traseiros de meu jeans.

—Não tem que dizer nada. Eu entendo. —Olhei para o jardimpela janela da sala e não consegui ver seu carro—Onde estacionou?

—Lá embaixo da rua. Se Jeremy estivesse aqui no jardim, eunão queria que ele visse Robin Hood chegando a sua casa em umLexus. Arruinaria toda a ilusão medieval.

Estiquei meu pescoço para ver mais longe na rua, mas mesmoassim não vi seu carro.

—Sim —disse Steve—. De fato caminhei em frente da casa detodos os seus vizinhos usando meias verdes, um chapéu bicudo complumas e segurando um arco.

Ri muito, apesar de tudo. —Sinto muito. Quer que o leve até seu carro? —Está brincando? Vi como dirige. Dei-lhe um empurrão de brincadeira. —Acredito que estará a salvo por uma quadra. Ele inclinou-se chegando bem perto de meu rosto e sua voz

perdeu seu tom zombador. —Poderíamos. —Poderíamos o quê? —Poderíamos ter uma relação a longa distância. As palavras me surpreenderam tanto que simplesmente olhei

para ele. —Oh.. Pôs suas mãos em meus ombros. —Sei que só foram poucos dias, mas me conhece melhor do

que Karli. Preocupa-se pelas pessoas, e fica apaixonada para ajudá-los. Além disso, sinto como se… —Sua voz enfraqueceu como se nãosoubesse como dizer—Como se nos conhecêssemos há muito tempo.Eu sempre senti isso.

Dei um passo mais para perto dele e sorri. —De acordo, posso dizer pela forma que me ignorou no

estúdio. Ele sorriu, recordando. —Está bem, possivelmente não foi uma conexão imediata. Foi

um pouco mais tarde… na verdade, foi quando saltou diante de mimem cima dos trailers. Soube depois que estava com problemas. Issofoi o que quase confessei no carro. —inclinou-se para me beijar, mas

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escutei passos e girei minha cabeça. Jeremy estava entrando na sala.A sincronização me fez saltar. Se tivesse entrado cinco segundosdepois, teríamos que explicar-lhe porque Robin Hood estavaenganando lady Marion.

Jeremy nos apontou com sua cabeça. —O que estão fazendo? —Robin estava a ponto de me dizer um segredo —disse—e eu

pensei que você estivesse na cozinha. —Queria ver o gênio antes que ele leve Robin Hood de volta

para o bosque de Sherwood. Estou preparado para pedir meu últimodesejo.

Passei uma mão por meu cabelo tratando de afastar minhamente do modo Steve-quase -me- beija e de voltar para modo gênio.Olhei atrás de Jeremy para ver se mamãe ou papai estavam a pontode vir buscá-lo.

—Provavelmente deveríamos fazer isso no escritório. —Está bem. —Jeremy tomou a mão de Steve e o puxou pelo

corredor—. O estúdio está aqui. Desaparecerá em uma nuvem defumaça?

—Não, não fará isso—eu disse— e lembre-se, tem que manterseus olhos fechados ou o gênio não virá. —Dirigi um olhar dedesculpa para Steve enquanto caminhava para o escritório. Uma vezlá dentro, sentei Jeremy em uma cadeira bem na frente docomputador. Steve ficou de pé ao lado da porta, que deixeiparcialmente aberta. Para Steve articulei as palavras: “Assim que elefechar os olhos, vai”.

Steve assentiu com a cabeça. —Lembre-se —disse para Jeremy—Para o terceiro desejo

oficial vai desejar que tudo corra bem durante a cirurgia. Jeremy fechou os olhos, mas logo os abriu de novo. —Nunca me disse qual foi seu primeiro desejo. —Bom, isso faz muito tempo… Parei de repente—Ainda não

havia pensado em uma boa resposta para essa pergunta. O quepoderia ter desejado para que ele acreditasse? Se algo incrível tivesseocorrido em meu passado, algo que pudesse apontar e dizer: “Estávendo? Isso foi obviamente, produto da magia”.

—Recorda o que desejou? —perguntou Jeremy. —Recordo… só que é particular. Jeremy abaixou a voz.

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—Não direi. Prometo. Da porta, Steve disse: —Sei o que ela desejou. —Olhei-o interrogativamente e

acrescentou—: Perguntei para o gênio. Queria saber que desejo foi.Quando se é parte de um segundo desejo, sempre quer que seja maisespetacular do que foi o primeiro.

—Foi mais espetacular? —perguntou Jeremy. Steve caminhou para o escritório e ajoelhou-se para ficar ao

mesmo nível dos olhos de Jeremy. —Não. Sabia que não podia ser mais espetacular, assim nem

sequer tentei. Os olhos de Jeremy se ampliaram e ele inclinou o corpo para

Steve. —O que ela desejou? Steve deu um tapinha gentilmente no nariz de Jeremy. —Um irmão caçula. Jeremy caiu para trás e riu. Fez-me ver como se eu fosse tola. —Por que não me disse isso? —Não queria que dissesse nada a mamãe ou a papai. Todo o

tempo eles acreditaram que a ideia foi deles. —Não lhes direi nada —disse ele. Impulsivamente me agachei, levantei Jeremy e o abracei. No

último mês tinha emagrecido tanto que podia sentir seus ossospressionando através de sua camisa.

—Tudo vai ficar bem —disse eu—.Não posso perder meuprimeiro desejo.

Ele me abraçou também, mas só por um momento. Depois saiude meus braços e subiu de volta à cadeira.

Antes que alguém tivesse oportunidade de dizer algo, elefechou os olhos. As palavras flutuaram de sua boca.

—Este é meu terceiro desejo oficial. Desejo que sem importar oque poderá acontecer com o câncer, minha família continue sendofeliz. Especialmente Annika. —Abriu seus olhos—. Foi certoacrescentar essa última parte? Isso não é enganar porque não é umdesejo diferente.

Não consegui responder nada para ele. Sentia-me como se metivessem golpeado com algo. Simplesmente olhei para Jeremy atéque pude dizer:

—Isso não é o que deveria pedir.

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Ele encolheu os ombros. —Pensei que necessitasse mais do desejo. Já não quero que

fique triste. —Mas… —Tudo o que eu tinha feito não significava nada

então. Só que não podia dizer, por isso a oração pendurou no ar, semterminar. Jeremy virou-se para Steve.

—Como é que o gênio não fez você desaparecer? —O gênio acreditou que precisava ficar e falar um pouco mais

com Annika. —Oh. Está bem. Vou dizer para meus pais que não ficarão

tristes. Estavam realmente preocupados com você antes quechegasse a nossa casa.

Desceu da cadeira, deu nas pernas de Steve um último abraço,e depois saiu rapidamente do escritório.

Eu o vi partir, sentindo os efeitos de minha horrível derrotaassentando-se ao meu redor.

Steve pôs a mão em meu braço. —Isto não quer dizer que a cirurgia não vai sair bem.

Provavelmente ocorrerá maravilhosamente. Apenas o escutei. —Mamãe e papai devem ter dito coisas a meu respeito

enquanto eu não estava e preocuparam Jeremy. Já que fui buscarvocê, ele pensou que eu necessitava mais do terceiro desejo. —Amesma sensação de estar apanhada no inferno deslizou-se em meucoração—. Não importa o que eu fizer, não posso ganhar.

—Ele ama você, Annika. Isso é algo bom, algo real. Os desejosnunca foram reais.

Sua frase me fez retornar ao presente. Assenti com a cabeça.Inalei profundamente.

—Tem razão. Tudo ainda pode correr muito bem. —Falei issopara sorrir—. Possivelmente algum dia, quando Jeremy e eu formosmais velhos, vamos rir de tudo isto.

—E quando lhe contar toda a história, não deixe de fora a parteem que Esme saiu voando até o lago de peixes.

Assenti com a cabeça. Steve ficou um pouco mais, falando algumas palavras de ânimo.Segui assentindo com a cabeça, mas por dentro estava vazia.

Dei-lhe sua roupa e meu número de celular. Ele disse que trataria de

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conseguir a roupa de MerryMan em um número menor para Jeremyo quanto antes possível.

—Ficará bem amanhã? —perguntou-me. Assenti com a cabeça, mas não estava certa. Ele abaixou-se e me deu um beijo de despedida e então sim,

senti que ficaria bem. Depois de tudo, era a garota viva com maissorte.

As coisas iriam bem amanhã. Teriam que ir bem.

Capítulo 17

Não fui à escola na sexta-feira. Queria ir ao hospital com minhafamília e além disso, meus pais pensavam que seria melhor que euevitasse a escola até que as pessoas deixassem de falar dasfotografias que o Entertaintment Tonight havia mostrado junto comuma entrevista com Karli Roller que que me culpava de sua rupturacom Steve Raleigh. “Sabia que havia alguém mais em sua mente.Uma mulher sempre sabe”.

Correto. Duvidava que ela pudesse dizer que direção ela estavasem utilizar um elevador.

Foi Madison que me avisou de que a entrevista estava natelevisão, mas algumas amigas me ligaram depois disso.

A conversa foi assim: Elas: Ouça, as fotografias de Steve Raleigh com uma garota

misteriosa que se parece muito com você, estão aparecendo na tv. Eu: Sério? Elas: Sim, sem levar em conta o cabelo castanho, ela poderia

ser sua irmã gêmea. Eu: (fazendo uma nota mental da necessidade de clarear meu

cabelo de loiro antes de ver qualquer amiga): Sério? Porque não tinha a intenção de dizer a nenhuma delas a

verdade. Não queria que elas ficassem loucas ou começassem a me

incomodar para que apresentasse Steve e certamente não queriarepetir o espetáculo com os paparazzi. É obvio, isto não significavaque não desejasse que Steve me levasse ao baile de graduação,porque, ouça... que genial seria isso?

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Meus pais observaram a entrevista com expressão preocupada.Acredito que eles esperavam mais ou menos que os repórteresligassem para nossa casa. Não ligaram, para decepção de Leah. Elaestava mais que disposta a ir à televisão e dar uma exclusiva sobre avisita de Steve.

—As pessoas deveriam saber a verdade sobre o maravilhosohomem que ele é —disse.

—Jeremy não —Eu disse. E isso foi o final da discussão. Todosconcordamos em que jamais diríamos nada de nosso encontro com ofamoso ator.

Mamãe solicitou a uma de suas amigas que era estilista, quetingisse meu cabelo. Quando terminou, estava mais loiro, mas nãocomo antes. Meu cabelo, aparentemente, necessitaria de maistempo para recuperar-se.

Na sexta-feira pela manhã toda a família partiu para Las Vegas,em direção ao Hospital para Meninos Sunrise. Antes de ir para aescola, Madison havia passado por nossa casa com um ursinho depelúcia para Jeremy e um abraço para mim. Seu cabelo já haviaretornado a sua cor natural. Dava para perceber que estava com ocabelo de sempre. Invejei a forma com que ela voltou a sua vidanormal.

Durante a viagem para Las Vegas, joguei cartas com Jeremy,tentando roubar um par de momentos mais de normalidade antesque chegássemos ao hospital.

—Nunca terminou a história —me disse ele—. O que ocorreudepois dos corvos?

Sim, o quê? Ele não acreditou em nenhum de meus intentossobrenaturais para escapar. Decidi optar pelo óbvio.

—Decidimos escalar. Recorda às vezes em que escalamos asmuralhas? As paredes do escarpado do inferno eram iguais a essas.Bom, na verdade eram bem maiores.

—Então por que todos não as escalam? —Porque as paredes do escarpado são tão íngremes e tão altas

que a maioria das pessoas cedem depois de um tempo. Mas você nãose renderá, não é verdade?

Ele me olhou com seus olhos sérios e não respondeu. —Me prometa que jamais se renderá, está bem? Seus olhos continuaram sérios. —A morte não tenta apanhar as pessoas que tratam de subir?

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—Eu a distrairei enquanto você escala. Ficará bem. Deixei-o ganhar o jogo. Depois deixei que ele ganhasse outra

vez. Talvez isso não fosse bom. Depois de ganhar o terceiro jogo,olhou-me criticamente e sussurrou: —percebo que está feliz… eudesejei isso.

—Algumas vezes leva um pouco de tempo para que o desejotorne-se realidade —disse eu.

—Como quando Robin Hood não veio imediatamente? —perguntou ele.

—Exato. Justamente isso. —Muito bem. Mas logo ficará feliz … não é? —Estarei feliz se você não ceder —disse. Chegamos ao hospital e meus pais assinaram a entrada de

Jeremy. Então esperamos. Meus pais ingressaram em uma sala

posterior para revisar os papéis do seguro enquanto Leah e eu lemosem turno histórias para ele. De vez em quando, sua voz ficavaobstruída em sua garganta, e isso fazia com que a situação ficassemais dolorosamente real. Era a única na família que ficou calmadurante o tratamento de Jeremy e agora ela estava rompendo-se .Tomei sua mão e a apertei, justamente como fazia quando éramosmeninas.

Meus pais saíram e esperamos outra vez. O hospital havia ditoque estivéssemos aqui às onze e meia: duas horas antes da cirurgia.Aparentemente esse tempo era necessário para realizar toda apapelada. Retornamos para a sala pré-operatória e a enfermeiratomou a pressão sanguínea dele, controlou seu peso, essa classe decoisas. Então, Jeremy vestiu o pijama do hospital e ficou jogandoNintendo enquanto a enfermeira fazia algumas perguntas para meuspais. Esperamos um momento mais. Um especialista em crianças veioe explicou o procedimento a Jeremy. Um anestesista falou com ele efez mais algumas perguntas.

Perguntei-me como todos pareciam tão normais, tão alegres,quando isto era tudo, menos alegre.

Finalmente saímos para o corredor, demos um último abraçoem Jeremy e eles o levaram.

—Continua escalando —sussurrei, mas ele estava muito longepara me ouvir.

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Vinte e oito pessoas estavam sentadas na sala de espera.Contei-as, muitas vezes, entre as vezes que olhava para o nada emascava minha goma de mascar tão forte que minha mandíbula ficoudoendo. Finalmente joguei fora a goma de mascar.

Mamãe e papai falavam entre eles em voz baixa. Leah revisavaas páginas de uma revista sem ler nenhuma delas.

Esperamos, esperamos e esperamos. Disse a meus pais que precisava esticar minhas pernas. Deixei a

sala e caminhei lentamente pelo corredor. Estranhos circulavamjunto a mim, passando a meu lado como escombros em um riacho.Não sabia aonde ir.

Eventualmente terminei na capela. Olhei fixamente a porta,mas não a abri. Quando não estamos em bons termos com Deus, nãonos deixa entrar na casa Dele. Provavelmente não estava felizcomigo.

As pessoas continuavam passando a meu lado, mas não mexium músculo.

Realmente, depois de olharmos todas as coisas horríveis nomundo, que evidência tinha que um Deus ou um mundo espiritualexistissem?

Mas inclusive enquanto pensava nesta possibilidade, nãoconseguia acreditar.

As pessoas não eram bombinhas que estalavam no céu noturnocom brilho e glória e um momento depois desapareciam em umnada. Nossas almas tinham que ser mais duradouras que isso.

Pensei —quase disse as palavras em voz alta— Deus, se meama, embora seja só um pouquinho, faça com que extraiam todo otumor. Faça com que meu irmão fique bem. Então recordei que tinhaorado exatamente da mesma maneira antes da primeira ressonânciamagnética de Jeremy.

E nada havia saído bem; obviamente já sabia a resposta de queseDeus me amava ou não. Mesmo assim, fechei meus olhos esussurrei: —Por favor, faça com que ele melhore. —Então caminheide volta pelo corredor, escutando meus pés arrastarem-se contra ochão.

Retornei à sala de espera e observei os ponteiros do relógioavançar. Escutei o roçar das páginas ao serem viradas, como folhassecas rangendo contra o pavimento. Finalmente o médico apareceu

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na sala e pediu para falar com meus pais em um dos quartosparticulares anexos.

Leah e eu não fomos convidadas para a conversa, mas nãoimportava, eu já sabia quais eram as notícias, assim que vi o rostocansado do médico.

Alguma coisa não correu bem. Sentei-me e fiquei imóvel, quase como se pudesse deter o

tempo desta maneira, como se pudesse manter as más notícias adistância se me convertesse em pedra.

Depois de vinte minutos meu pai reapareceu na sala de espera,seus olhos estavam vermelhos. Fez um gesto para que Leah e eu oseguíssemos até a sala. Quando entramos, mamãe não nos olhou.

—Eles não puderam remover todo o tumor —disse papai—.Está muito conectado. Já está em partes vitais de seu cérebro…

Não disse mais nada, mas nós sabíamos o que ele quis dizer. Ocâncer eventualmente ganharia esta batalha. Não pude perguntarquanto tempo restava para Jeremy. Eram meses? Semanas?

Estava equivocada sobre o de não ser capaz de chorar. Porqueas lágrimas chegaram, instantaneamente, implacavelmente. Nãopude detê-las. Meu papai me abraçou, mas isso não ajudou. Dei umpasso para trás, me afogando com a emoção. Não podia controlarnada disso.

Finalmente eu disse: —Vou à caminhonete. —Porque não queria desmoronar-me

desta maneira na frente de minha família. Não caminhei, corri através do hospital. Nenhum de meus esforços fez diferença. Deus não escutou

nenhuma de minhas orações. Não continuarei, pensei. Não o farei. Lançarei minha alma ao

vento e explodirá em um milhão de pedaços. Vou me afogar emalgum lugar desbotado e desprovido de vida. Vou me deixar mirrarao sol até que eu seque e fique como a areia.

Não tenho certeza de quanto tempo fiquei na caminhonete. Osuficiente para que minhas costelas doessem pelo pranto e aslágrimas deixassem de cair. Meus pensamentos não se acabaram tãofacilmente. Fechei meus olhos, tentando apagar a frase que ressoavadentro de minha mente: Deus, por que não me ama?

Escutei a porta abrir. Imaginei que fosse papai, mas quandolevantei o olhar, era Steve que estava entrando.

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—Você voltou —eu disse. Foi tudo o que pude pronunciar. Ele deslizou para o meu lado, seus olhos cheios de consolo. —Rum programou um voo para mim, lembra-se? Eu recordava, mas imaginei que Steve mudaria os planos já que

esteve com Jeremy ontem. —Trouxe para Jeremy as coisas do MerryMan. O departamento

de vestuário costurou esta roupa logo depois que eu disse para queas necessitava. — Estendeu a mão e acariciou meu cabelo—Seus paisme contaram sobre a cirurgia. Sinto muito.

Não respondi. Só me inclinei em sua direção, e ele me abraçou. Nenhum dos dois falou durante um momento. Quando se afastou de mim, disse: —Sua família está na sala de recuperação com Jeremy. Quando

ele despertar vai gostar de ver você lá. —Não posso. —As palavras emergiram de minha garganta—.

Sei que acha que eu devo ser forte e que eu continue de algummodo, mas não quero fazer isso. Jamais. Quero estar ressentida efuriosa e destruir coisas. — Não disse o resto, onde eu diria quequeria ferir a Deus. Soava como uma tarefa impossível, tãoimpossível como escapar da morte.

Steve passou sua mão por minhas costas. —Ontem me perguntou qual é o propósito da vida. Pensei nisso

após ter saído. Penso que é fazer o bem sem importar o que a vidacoloque adiante, é não deixar que a dor nos deixe amargurados. Éalgo que temos que aprender, algo que temos que nos converter.

—O que há sobre as crianças que morrem? Qual é seupropósito então?

—As crianças não têm que aprender. Já sabem. —Steve pôs suamão sobre a minha—. Você não ficará amargurada porque Jeremyquer que seja feliz. Para isso utilizou seu último desejo. Ao menostem que tentar.

Não respondi, nem sequer olhei para ele. Sabia que estava coma razão, mas não podia vestir a felicidade como se fosse um suéter oualgo assim.

—Pensa em uma coisa pela qual seja feliz. Só uma coisa. —Enquanto ele dizia isto, percebia que falava por experiência. Ele haviapassado através da devastação em algum ponto, e agora estavapassando seu conselho de sobrevivência.

—Mas nada compensa isto —disse.

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—Sei, mas pode encontrar algo para ser feliz a cada dia. Ele aama, isso é algo grande. Então percebi que a briga com sua família foia devastação que sofreu.

Era mais fácil falar sobre eles que sobre Jeremy. Minha vozficou mais estável.

—Seus pais sim, o amam. Quando eu fui embora, sua mãe medeu um abraço e me disse que cuidasse bem de você.

As sobrancelhas dele se elevaram. —Ela abraçou você? Nem sequer me abraça . —Talvez fizesse isso se não tivesse saído daquela maneira. Então ele inclinou a cabeça, analisando meu rosto. —O que você contou? Quando retornei para casa, haviam

deixado uma mensagem na secretária eletrônica. Minha mãe disseque esperava que eu tivesse feito uma boa viagem, e meu pai estevemuito perto de desculpar-se por seu temperamento durante minhavisita. Não soava nada como eles.

—Não disse nada que não fosse realidade, ou ao menosverdade.

—Uh-huh. —Percebi que não havia acreditado em mim, masele sorriu assim mesmo.

Dei um forte aperto na mão dele. —Estou feliz que tenha vindo. Steve olhou seu relógio. —E é melhor que eu vá me trocar. Robin Hood tem que

entregar as roupas. —Por favor, diga a meus pais que entrarei assim que meus

olhos desincharem. Não quero que Jeremy me veja desta forma. Ele assentiu. —Direi. Eu o observei atravessando o estacionamento e entrar no

hospital. Tentei pensar em todas as coisas que tinha para estar feliz.

Uma família que me amava. Mais tempo com Jeremy, embora fosseapenas um tempo reduzido. Não pude pensar em nada depois dissoporque comecei a chorar outra vez.

Não poderia entrar no hospital a este passo. Meia hora depois, Steve apareceu vestido em seu disfarce de

Robin Hood, atraindo a atenção de todas as pessoas noestacionamento.

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—Jeremy está acordado e perguntando por você. —Não posso entrar assim —disse, mas saí da caminhonete—.

Nem sequer serei capaz de falar de forma coerente. —Para ele isso não importa —disse Steve.

***Quando entramos na sala, tudo o que eu pensava era o quanto

Jeremy estava pequeno na cama do hospital. Gazes brancas envoltasao redor de sua cabeça, cobrindo a ferida.

Viu-me e levantou a cabeça um pouco. Isto deve ter causadodor porque abaixou imediatamente outra vez. Fez um gesto para queeu me aproximasse. A medicação entorpecia sua voz, mas aindapodia sentir sua emoção.

—Annika, já não tem que continuar preocupando-se pelahistória. Já sei como termina.

Meu coração parou. Não conseguia falar. O que é que lhedisseram sobre sua condição?

—Sonhei com isso —disse—. Fui ao inferno e escalei as paredescomo você me disse.

Suas palavras pintaram uma imagem imediata em minhamente. Podia ver os escuros escarpados e a pequena figura deJeremy pressionado contra eles, escalando. Andrajosos picos seelevavam sobre ele, imponentes, apresentado uma tarefa impossível.

—Não a vi, não vi ninguém. Estava completamente sozinho,mas sabia que a morte estava me esperando no fundo e eu nãoqueria ficar com ela.

Vi os dedos de Jeremy arranhando para encontrar asas na friamuralha de rocha, mas estava deslizando. Não seria capaz de agarrar-se e eu sabia que não poderia ajudá-lo.

—Sinto tanto —disse. —Pensei que fosse cair —disse— mas então uma enorme luz

apareceu e Deus me pegou pela mão. Disse que não tinha quecontinuar escalando porque podia voar.—Jeremy soava bastanteorgulhoso por saber algo que eu não sabia.— Então não tem quepreocupar-se sobre como sair do inferno. Deus encarrega-se disso.

Então eu vi também, vi Jeremy rodeado de luz e por ummomento senti que Deus voltou-se para me olhar… não comrecriminação e sim com um sorriso de amor.

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Então retornei minha consciência para a sala do hospital, semfôlego e piscando.

—Essa é uma história linda —disse, tanto para mim como paraJeremy—E esse é exatamente o final perfeito.

A meu lado Steve apertou minha mão. Segurei a mão dele masmantive meus olhos em Jeremy.

—Vou contar para você muitas histórias quando chegarmos emnossa casa.

—Conte algumas sobre mim como um MerryMan —disse. —Oh, você é o melhor MerryMan. Tem um montão de

aventuras. Robin Hood o leva para todos os lados e seus tiros sãomelhores que de qualquer pessoa.

—Bem. —Ele deixou escapar um suspiro feliz e olhou paraSteve e para mim com um sorriso ardiloso—. Não se preocupe —sussurrou—. Não direi lady Marion sobre você.

—Obrigada —eu disse. Então me inclinei e dei um beijo emJeremy.

Fim