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APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO.RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ABORDAGEM POLICIAL. AGENTES QUE DESFEREM GOLPES NO ROSTO DA VÍTIMA QUANDO INDAGADOS SE PODIAMBAIXAR AS ARMAS. POSTERIOR PRISÃO EENCAMINHAMENTO AO JUIZADO ESPECIAL PARA LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO POR DESACATO QUANDO A VÍTIMA MANIFESTA AINTENÇÃO DE DENUNCIÁ-LOS. ABUSO DE AUTORIDADE CARACTERIZADO. USO DE ALGEMAS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DE SEUUSO. SÚMULA VINCULANTE Nº 11, DO STF. HUMILHAÇÃO INDEVIDA. VÍTIMA QUE EM MOMENTO ALGUM DESACATOU OS AGENTES POLICIAIS OU MANIFESTOU A INTENÇÃO DE RESISTIR À PRISÃO.DEVER DE INDENIZAR. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MORAL REDUZIDO PARA QUINZE MIL REAIS. PRECEDENTES DESTA CÂMARA E DO STJ. HARMONIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

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Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OEO documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br

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APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO No

675.046-9, DA 1ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE FOZ

DO IGUAÇU.

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ.

APELADO: MILCEU PEREIRA DOS SANTOS.

RELATORA: DESa. DULCE MARIA CECCONI. APELAÇÃO CÍVEL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ABORDAGEM POLICIAL. AGENTES QUE DESFEREM GOLPES NO ROSTO DA VÍTIMA QUANDO INDAGADOS SE PODIAM BAIXAR AS ARMAS. POSTERIOR PRISÃO E ENCAMINHAMENTO AO JUIZADO ESPECIAL PARA LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO POR DESACATO QUANDO A VÍTIMA MANIFESTA A INTENÇÃO DE DENUNCIÁ-LOS. ABUSO DE AUTORIDADE CARACTERIZADO. USO DE ALGEMAS. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DE SEU USO. SÚMULA VINCULANTE Nº 11, DO STF. HUMILHAÇÃO INDEVIDA. VÍTIMA QUE EM MOMENTO ALGUM DESACATOU OS AGENTES POLICIAIS OU MANIFESTOU A INTENÇÃO DE RESISTIR À PRISÃO. DEVER DE INDENIZAR. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM INDENIZATÓRIO MORAL REDUZIDO PARA QUINZE MIL REAIS. PRECEDENTES DESTA CÂMARA E DO STJ. HARMONIA. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. REEXAME NECESSÁRIO. JUROS MORATÓRIOS E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. PRECEDENTES DO STJ. JUÍZO A QUO QUE FIXOU O TERMO INICIAL DE SUA INCIDÊNCIA NA DATA DA SENTENÇA. MODIFICAÇÃO PARA ATENDIMENTO DO ARTIGO 398, CC. IMPOSSIBILIDADE, EM RAZÃO DA MAIOR ONEROSIDADE À FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA 45, DO STJ. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

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Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível

nº 675.046-9, da 1ª Vara Cível de Foz do Iguaçu, interposta pelo ESTADO DO PARANÁ, contra a r. sentença que julgou procedente a Ação de Indenização que lhe move MILCEU PEREIRA DOS SANTOS.

Na inicial o autor aduziu, em síntese que: a) no dia 01 de

abril de 2008 dirigiu-se à casa do Senhor Tradutor Oficial da região; b) em frente à residência, foi abordado por policiais militares armados e sob ordens, acatadas, de que ficasse imóvel, submeteu-se a revista pessoal; c) após a revista, o autor tentou argumentar que não era bandido, obtendo resposta ríspida sob os seguintes dizeres: “cala boca seu lixo, nego sujo, não te perguntei nada” (fl. 04); d) houve abuso de autoridade e desrespeito ao cidadão; e) cessadas as ofensas ao autor, um dos policiais (Sd. Miranda) atirou os documentos do autor no chão a fim de aumentar a humilhação já sofrida, fazendo-o juntá-los; f) inconformado com o tratamento recebido, disse aos policiais que iria apresentar reclamação contra eles junto ao Quartel da Polícia; g) em razão disso, foi imobilizado para receber tapas no rosto, desferidos pelo Sg. Henri, Sd. Miranda e Sd. Alexandre e, na seqüência, conduzido à viatura para que os policiais solicitassem informações sobre seus antecedentes; h) com a informação de que o autor encontrava-se “sub judice” (fl. 04), os agentes voltaram a agredi-lo, desta feita com socos e pontapés, já algemado dentro da viatura; i) com o fim das agressões, o autor foi levado ao Fórum, para lavratura de Termo Circunstanciado por desacato e resistência à prisão; j) ainda no Fórum, onde ficou algemado por cerca de 2 (duas) horas, sofreu pressão psicológica e ameaças, sob o argumento de que jamais ganharia uma causa contra oito policiais; k) as câmeras de segurança da casa do Senhor Tradutor flagraram as cenas da abordagem até o momento da imobilização; l) o autor “ainda está respondendo Processo Criminal no Juizado Especial Criminal como se tivesse agido contrariamente à lei(...)” (fl. 05); m) a dignidade da pessoa humana foi ferida, uma vez que o autor foi tratado como um criminoso; n) o fato de constar prévios antecedentes em seu nome não autorizava os policiais a agirem daquele modo; o) foi violado o art. 5°, inc. X, da Constituição Federal; p) as humilhações sofridas provocaram-lhe profundo abalo emocional; q) o Estado deve ser responsabilizado pelo dano, vez que a pessoa jurídica de direito público é quem deve responder pelos danos causados por seus agentes.

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Pugnou, ao final, a procedência do pedido, requerendo o

arbitramento da indenização em 500 (quinhentos) salários mínimos, ou então, em valor condizente, fixado pelo magistrado.

Em contestação, o réu defendeu, em resumo, que: a) os

policiais não abordaram o autor já com armas empunhadas; isso apenas aconteceu após este tê-los desacatado, proferindo as seguintes palavras: “peemezinhos de merda, não tem o que fazer, vão abordar bandido (...) vocês vão se fuder, pois meu advogado é amigo do promotor” (fl. 89); b) os agentes apenas agiram no cumprimento do dever legal, em decorrência da atitude suspeita do autor; c) não houve a ofensa relatada pelo autor em nenhum momento da abordagem, bem como não foram jogados ao chão seus documentos; d) também não aconteceu agressão física ao autor e a utilização de algemas fez-se necessária em razão da iminência de agressão aos policiais; e) o espaço reservado na viatura impede agressão física dos servidores ao suspeito; f) no fórum o autor continuou com palavras de desacato, sem ninguém lhe usurpar do direito de se expressar; g) a conduta dos agentes não foi arbitrária, vez que agiram no âmbito da razoabilidade em função da resistência e desacato do autor; h) “a prisão do autor foi regular, não houve qualquer ofensa a direito de personalidade, senão estrito cumprimento do dever legal, a concluir que a ação policial foi permeada pela observância da razoabilidade e proporcionalidade para fazer frente ao desacato” (fl. 94); i) não cabe reparação ao particular quando da ocorrência do exercício regular do direito; j) o valor pedido é incompatível com as finalidade da indenização de cunho moral.

Houve impugnação a contestação às fls. 102/103. Por ocasião da audiência de instrução e julgamento, foram

ouvidas duas (2) testemunhas (fls. 129/131), e o réu trouxe aos autos cópias dos depoimentos prestados na esfera penal (fls. 133/137).

O Ministério Público, em parecer de Primeiro Grau, opinou

pela procedência do pedido, levando-se em conta as condições das partes, evitando abusos na fixação dos valores.

Sentenciando, o Juízo a quo ditou a procedência da

demanda, condenando o réu ao pagamento de indenização por danos morais ao autor no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

O requerido apelou da decisão, argüindo, em síntese, que:

a) os policiais agiram no exercício regular do “direito de abordagem de pessoas

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suspeitas” (SIC, fl. 162); b) o Ministério Público ofereceu denúncia contra o autor em razão do crime de desacato por ele praticado; c) o CD utilizado como prova não merece crédito, por possuir apenas vídeo, sem conteúdo do áudio; d) a denúncia oferecida pelo Parquet se fundamenta em indícios de autoria e materialidade do delito; e) as circunstâncias da abordagem não foram levadas em consideração quando da prolação da sentença; f) o Juízo a quo violou os princípios do dispositivo, da igualdade e da comunhão das provas, pois deixou de considerar os depoimentos dos agentes em sua decisão, em favor do contido apenas na imagem, sem qualquer resquício de som; e) a gravação contida no CD anexo aos autos demonstra a expressão de insatisfação do apelado em relação às autoridades policiais, caracterizando, portanto a continuidade de ofensas aos agentes; f) a utilização das algemas foi determinada apenas após a verificação por parte dos servidores de que o apelado não cessaria seus desacatos; g) não há prova de agressão ao autor, tampouco de que teve seus documentos jogados no chão; h) “houve apenas revide imediato da autoridade policial ante as atitudes do apelado, o que negou-se a apresentar documentos e ofendeu a credibilidade de toda a corporação da Polícia Militar” (fl. 165); i) é imperiosa a redução do valor da indenização estabelecido, vez que não houve prova inconteste sobre a ocorrência de ilícito; j) o valor fixado a título de indenização é excessivo, pois desproporcional à gravidade do fato e ao dano sofrido; k) o valor dos honorários também deve ser reduzido, pois fere o princípio da equidade e da proporcionalidade.

O apelado apresentou contrarrazões às fls. 172/176. Chamada a se manifestar, a D. Procuradoria Geral de

Justiça, em parecer de lavra do Doutor Procurador de Justiça Luiz Carlos Lima Vianna, entendeu pela desnecessidade de intervenção do Ministério Público no processo.

É o relatório.

VOTO

No tocante ao recurso voluntário, de rigor seu conhecimento, eis que presentes os requisitos de admissibilidade e, no mérito, seu provimento parcial.

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Inicialmente, convém narrar como se deu a abordagem pelos policiais militares, tal como registrado pela câmera de segurança da casa na frente da qual ocorreu.

Os policiais militares vinham caminhando pela rua, no meio

da pista de rolamento e, quando terminavam de passar na frente da casa, chegou o apelado de moto, atrás deles, no mesmo sentido.

Chegando em frente ao portão, o apelado estacionou, tirou

o capacete, já sendo recebido pelo funcionário do tradutor juramentado. Antes do portão ser aberto, contudo, os policiais retornaram

e o abordaram, alguns com armas em punho, sendo que no mesmo instante o apelado, sem manifestar nenhuma resistência, levou as mãos à cabeça e soltou o capacete no chão.

Enquanto os policiais permaneciam com o recorrido em

mira, um deles procedeu a sua revista pessoal, nada sendo encontrado, passando, então, a verificar os documentos que lhe foram apresentados.

Durante a conferência dos documentos, um dos agentes

policiais desfere 2 (dois) bofetões no rosto do apelado (15:40:21 do vídeo). Inicia-se, então, uma discussão entre o apelado e os

policiais, que dura cerca de 30 (trinta) segundos, quando aquele que portava os documentos os atira a cerca de 2 (dois metros) de distância.

O recorrido fica nitidamente indignado com o gesto e passa

a apontar para os documentos caídos ao chão, até que os apanha, quando então 3 (três) policiais o imobilizam e o levam à viatura, saindo, portanto, do campo de visão da câmera. Em momento algum, antes ou depois de ser algemado, durante os cerca de 4 (quatro) minutos de duração do vídeo, o apelado levantou as mãos ou fez qualquer gesto de ameaça ou resistência aos policiais.

Não obstante o vídeo não tenha áudio, o que possibilitaria

identificar o motivo pelo qual o apelado levou o primeiro tapa, a testemunha Sandrei de Melo, justamente o funcionário do tradutor juramentado que veio recebê-lo no portão, afirmou que a discussão teve início quando a vítima pediu aos policiais que baixassem as armas.

Convém colacionar a integralidade do depoimento dessa

testemunha:

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“que trabalha no escritório do tradutor Jonh Michel Burt há quatro anos; que já tinha visto duas viaturas paradas na esquina, porém sem policiais; posteriormente viu os policiais vindo da favela; algum tempo depois o autor passou ao lado dos policiais e parou em frente ao portão; que o depoente então desceu para atender Milceu; que os policiais estavam quase passando em frente do escritório quando um deles virou, olhou em direção ao depoente e o autor e gritou “mãos na cabeça”; que então o depoente se assustou e deu um passo para trás e ficou observando; que o autor então soltou o capacete e colocou as mãos na cabeça; que os policiais se aproximaram e enquanto um revistava o autor os outros ficaram com as armas apontadas para eles; que como estava na direção do autor, as armas também estavam apontadas para o depoente; que a polícia então pediu a documentação do autor; o autor deu a documentação; que depois de verificada a documentação, os policiais perguntaram para o autor o que ele estava fazendo lá e o autor disse que era cliente do escritório e tinha deixado uma documentação; que nesse ponto os policiais começaram a se alterar, que os policiais perguntaram para o depoente o que era aquela residência e o depoente respondeu que era um escritório de tradução; e os policiais disseram ‘mas aqui embaixo’; que ainda continuaram com as armas apontadas; que Milceu disse então ‘podem abaixar a arma?”; que então os policiais mandaram o autor calar a boca e ficar quieto; que um dos policiais xingou o autor de negro sujo; Milceu respondeu que era trabalhador; que um dos policiais entrou no meio e deu um tapa na cara de Milceu e mandou ele calar a boca; depois disso outro policial apontou a arma para o depoente e mandou ele entrar na casa; o depoente então subiu a escada e continuou olhando; os policiais então jogaram os documentos de Milceu no chão e foram saindo; que o autor então pediu para entregar o documento dele na mão, já que tinha entregado o documento na mão; que então outro policial voltou e deu outro tapa na cara do autor, que os demais policiais voltaram para cima do autor de novo, e o autor falou que era trabalhador, que aquilo não estava certo e que ia denunciar os policiais na TV; o policial que bateu no autor disse que era para o autor ir lá denunciar; que esse policial ainda bateu no peito e mostrou o nome; que Milceu continuou dizendo que iria denunciar porque eles não estavam certos; foi então que dois policiais algemaram o autor e torceram o braço dele para trás e abaixaram o autor e foram levando o autor; deixaram a moto e o capacete jogados no chão; foi nessa hora que o chefe do depoente saiu no portão; que John perguntou o que estava acontecendo e o policial perguntou o que o autor era de John, John respondeu que era cliente há muito tempo e o policial falou que iam levar o autor; que John perguntou da moto e o policial perguntou se poderia guardar a moto; o depoente abriu o portão e pegou a moto e o capacete; nisso Milceu já estava na viatura (...) que o autor não xingou ou bateu em qualquer policial (...) que o autor foi levado embora dentro da viatura, na parte de trás.” (fl. 131).

Veja-se que, após passar pela revista pessoal, os policiais já

tinham ciência de que o apelado estava desarmado e, por isso, não havia motivo para continuarem com as armas em punho. O pedido do recorrido, portanto, para que as guardassem, provavelmente porque estava intimidado por elas, era razoável e sem nenhum fundo de desacato.

A resposta dos policiais, contudo, veio na forma de

agressões verbais, xingamentos, bofetões e outros comentários desarrazoados, em evidente abuso de autoridade.

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Quando o apelado afirmou que iria denunciá-los, os agentes

resolveram prendê-lo por desacato, agravando ainda mais o desvio de conduta, algemado-o sem o menor indício de que haveria resistência.

Frise-se: nada justificava a condução do apelado à viatura

policial para maiores averiguações, tampouco o uso de algemas, que só tem cabimento diante de situações excepcionais, tal como orienta a Súmula Vinculante nº 11, do Supremo Tribunal Federal:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.” Nesse quadro, entendo que o apelado comprovou à

saciedade o abuso policial do qual foi vítima, sendo que as cópias dos depoimentos prestados pelos policiais perante o Juizado Especial Criminal (fls. 133/137) não têm o condão de descaracterizar a ilegalidade.

Primeiro, porque tais depoimentos foram prestados

justamente pelos policiais que praticaram as agressões e apontaram as armas indevidamente para o autor.

Segundo, porque suas afirmativas não estão em harmonia

com os demais elementos constantes dos autos. A título de exemplo, veja-se que os policiais consideraram

suspeita a atitude do apelado apenas e tão somente porque parou em frente a um escritório e desceu rapidamente:

“no momento em que os policiais saiam da favela o acusado chegou em uma moto, parando-a e descendo rapidamente com vistas a entrarem [sic] em um escritório” (PM Ricardo Alexandre Siba, fl. 134)

Ora, não há absolutamente nada de suspeito no fato de uma

moto parar em frente a um escritório, seu condutor descer e ser recebido por um funcionário junto ao portão. Esse fato é absolutamente corriqueiro no cotidiano de todas as empresas que funcionam no país.

Essa mesma testemunha afirmou que o apelado não

atendeu, num primeiro momento, a abordagem policial, tendo sido necessário

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que o Sargento Henry repetisse a ordem mais de uma vez, “tentando inclusive mobilizá-lo”.

O PM Edson Alves do Nascimento, que se apresentou como

“vítima” do apelado, e por isso deixou de prestar compromisso, também afirmou que este se recusou a atender a voz de abordagem.

Nada mais absurdo, uma vez que se vê claramente do vídeo

que o recorrido prontamente atendeu ao comando policial, em nenhum momento se recusando a ser revistado ou a apresentar os documentos.

Erlon Luiz Miranda, por sua vez, também foi ouvido como

informante, na qualidade de “vítima” do desacato do apelado. Afirmou, perante o Juizado Especial Criminal, que “no momento em que se retiravam do local [favela] aproximou-se o acusado conduzindo uma moto, tendo titubeado ao avistar os policiais, que mesmo ante a voz de abordagem, o acusado continuou por mais 50 metros aproximadamente; que os policiais correram atrás e ao abordá-lo o acusado passou a xingá-los” (fl. 135).

A versão é inverossímil, pois o recorrido chegou por trás dos

policiais, e nenhum deles precisou persegui-lo, justamente porque estacionou ao lado de dois dos agentes, na rua, como também se vê do vídeo encartado aos autos.

O depoimento mais fantasioso, contudo, foi o do Sg. Henry

Francis Gianina Lamy, merecendo transcrição: “Numa atividade de rotina nos deparamos com um motoqueiro e achamos por bem de abordá-lo. Ocorre que o cidadão parou a moto e foi logo falando impropérios para os policiais, meus colegas. Pedi que agisse com calma. O cidadão continuou a falar palavrões, pelo que fui conversar com ele e explicar que, se tudo estivesse em ordem, eu o liberaria. Aí ele me disse: ‘seu sargento de merda, você vai se foder’ e levantou os braços como em posição de ataque. Então segurei os seus braços e na sequência os meus colegas policiais o algemaram. Não conhecia o cidadão e nada foi constatado contra ele. Posteriormente fui entender porque procedeu daquela forma. É que parou na frente da residência de seu advogado, onde sabia existir câmeras de segurança, certamente esperando que o agredíssemos, para tirar proveito disso”. (fl. 137).

As inverdades desse depoimento são inúmeras. Em primeiro lugar, porque o apelado ao descer da moto,

não passou a ofender nenhum dos policiais.

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A verdade é que, ao descer da moto, ele retirou o capacete e se dirigiu para o portão do escritório, iniciando uma conversa com o funcionário do lado de dentro.

Na seqüência, quando abordado, o recorrido prontamente

acatou a ordem policial, se posicionando para revista. A postura do recorrido era de absoluto respeito e submissão aos policiais.

Em segundo lugar, porque em momento algum o apelado

levantou os braços para atacar os policiais nos momentos que precederam sua imobilização. Pelo contrário, os braços do apelado permaneceram abaixados e seu corpo estava inclinado para baixo no momento em que os policiais se dirigiram para colocar-lhe as algemas, pois tinha acabado de pegar os documentos do chão (15:41:25 do vídeo).

A ponderação final do Sargento não passa de devaneio. O

apelado parou a moto em frente ao escritório de tradução (e não advocacia) porque era seu cliente, e não para tentar ser ofendido e, depois, buscar indenização. Mesmo porque até estacionar a moto e descer dela sequer fazia idéia de que seria abordado.

Nesse quadro, percebe-se que os policiais tentaram

distorcer a realidade dos fatos para ocultar o abuso de autoridade que cometeram contra o apelado.

A procedência do pedido indenizatório, portanto, foi medida

acertada, devendo ser mantida a sentença proferida em primeiro grau. Com efeito, o excesso na abordagem policial, as

humilhações e ofensas verbais que foram dirigidas ao apelado configuram situação vexatória e constrangimento caracterizadores de dano moral, merecendo a devida reparação.

Nesse sentido, os seguintes precedentes do Superior

Tribunal de Justiça: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGENTES POLICIAIS MILITARES. ABUSO DE AUTORIDADE. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. DANOS MORAIS. PEDIDO GENÉRICO. POSSIBILIDADE. APLICABILIDADE DO ART. 515, § 3º, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REVISÃO. INVIABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.” (REsp 926.628 / MT, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ 18.06.2009, original sem destaque).

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“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. PRISÃO ILEGAL. QUANTIFICAÇÃO DO DANO. CONTROLE PELO STJ. POSSIBILIDADE. CRITÉRIO DA EXORBITÂNCIA OU IRRISORIEDADE DO VALOR. 1. Ação de indenização por danos morais sofridos em decorrência de prisão ilegal e de lesão corporal praticada por policiais civis. 2. Na hipótese dos autos, conforme consta no aresto recorrido, os agentes públicos "agiram de modo temerário e negligente com o autor, que injustamente o preenderam, conduziram-no em viatura até a Central de Polícia e desferiram-lhe golpes que lhe provocaram lesões". 3. A indenização por dano moral não é preço matemático, mas compensação parcial, aproximativa, pela dor injustamente provocada. In casu, é mecanismo que visa a minorar o sofrimento da vítima. Objetiva também dissuadir condutas assemelhadas dos responsáveis diretos, ou de terceiros em condição de praticá-las futuramente. 4. O montante indenizatório dos danos morais fixado pelas instâncias ordinárias está sujeito a excepcional controle pelo Superior Tribunal de Justiça, quando se revelar exorbitante ou irrisório. Precedentes do STJ. 5. A título de danos morais, o Juízo de 1º Grau fixou o valor em R$ 12.000,00 (doze mil reais). O Tribunal local, ao dar parcial provimento à Apelação interposta pelo Estado, reduziu a referida indenização para R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais). 6. Caracteriza-se a especial gravidade dos fatos, decorrência da atuação violenta e criminosa de agentes do Estado, pagos pelo contribuinte para defender a sociedade, e não para aterrorizá-la. 7. Considerando as peculiaridades da demanda, o apelo deve ser provido a fim de restabelecer a sentença. 8. Recurso Especial parcialmente provido.” (REsp 631.650 / RO, 2ª T., Rel. Min. Hermann Benjamin, DJ 15.12.2009, original sem destaque). “ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANO MORAL. ABUSOS COMETIDOS POR POLICIAIS. INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA 326/STJ. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MULTA. NÃO-INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ.” (REsp 848508 / SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 13.02.2009, original sem destaque). “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AGRESSÃO PROMOVIDA POR POLICIAIS MILITARES. CONFIGURAÇÃO DO ATO ILÍCITO, DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ. QUANTUM INDENIZATÓRIO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA NÃO-CARACTERIZADA. SÚMULA 326/STJ. RECURSO DESPROVIDO. 1. O julgamento da pretensão recursal - seja para entender inexistente o ato ilícito, seja para afastar a configuração do nexo causal e, assim, julgar improcedente a pretensão condenatória – pressupõe, necessariamente, o reexame dos aspectos fáticos da lide, atividade cognitiva vedada na via do recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ. 2. Em regra, não é cabível, nesta via especial, o exame da justiça do valor reparatório, porquanto tal providência depende da reavaliação de fatos e provas. O Superior Tribunal de Justiça, por essa razão, consolidou entendimento no sentido de que a revisão do valor da indenização somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Essa excepcionalidade, contudo, não se aplica à hipótese dos autos, em que a indenização foi fixada, no

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Apelação Cível e Reexame Necessário no 675.046-9 - fl. 11 de 17

montante de vinte mil reais (R$ 20.000,00), com bom senso, dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade. 3. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que, "na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca" (Súmula 326/STJ). Isso, porque a procedência do pedido de indenização por danos morais não está diretamente ligada à expressão econômica da demanda, e sim ao direito material a ele vinculado, mormente porque não há critério legal para a fixação do quantum indenizatório. 4. Recurso especial desprovido.” (REsp 890804 / RR, 1ª T., Rel. Min. Denise Arruda, DJ 12.11.2008, original sem destaque). “RESPONSABILIDADE DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONSTRANGIMENTO. AUTOR CONFUNDIDO COM ASSALTANTE. REDUÇÃO DO QUANTUM. SÚMULA 7/STJ. I - Trata-se de ação ajuizada contra o ESTADO, visando ao recebimento de indenização por danos morais decorrente de abordagem policial, com disparos efetuados contra o veículo do autor, que foi equivocadamente reconhecido como assaltante e encaminhado à delegacia policial. II - Na hipótese dos autos não há como se rever a fixação do valor indenizatório fixado pelo Tribunal a quo, tendo em vista que os elementos fáticos utilizados como base da fixação não estiveram presentes no âmbito do acórdão recorrido. Incide na hipótese o comando inserto na súmula 7/STJ. III - Recurso não conhecido.” (REsp 1070230 / RN, 1ª T., Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 17.09.2008, original sem destaque).

Desta Corte, registro os seguintes julgados: “APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DANOS MORAIS. ABUSO DE AUTORIDADE. POLICIAIS MILITARES. ELEMENTOS PROBATÓRIOS COLIGIDOS PELOS AUTORES. SUFICIÊNCIA À DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA ILÍCITA. CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE REPARAÇÃO. CULPA CONCORRENTE DAS VÍTIMAS. INOVAÇÃO RECURSAL. VALOR ARBITRADO PARA A INDENIZAÇÃO. REDUÇÃO. JUROS DE MORA. TERMO A QUO A SER CONSIDERADO. DATA DO ARBITRAMENTO. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO. Recurso voluntário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido, mantendo-se no mais a sentença em sede de Reexame Necessário, conhecido de ofício.” (AC 648.551-8, 1ª C.C., Rel. Des. Ruy Cunha Sobrinho, DJ 10.08.2010, original sem destaque). “APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRESSÃO COMETIDA POR POLICIAL MILITAR EM SERVIÇO. UTILIZAÇÃO DE FORÇA DESNECESSÁRIA. RESPONSABILIDADE CONFIGURADA. DEVER DE INDENIZAR. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 945 DO CÓDIGO CIVIL. REDUÇÃO DO VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO. TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA. JUROS DE MORA NA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. SÚMULA 54 STJ. RECURSO PROVIDO PARA REDUZIR O VALOR DA INDENIZAÇÃO. SENTENÇA MODIFICADA EM PARTE.” (AC 592.567-5, 1ª C.C., Rel. Juiz Fernando César Zeni, DJ 12.08.2010, original sem destaque).

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“DIREITO ADMINISTRATIVO ­ AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ­ ABORDAGEM DE FORMA VIOLENTA POR POLICIAIS MILITARES ­ ABUSO DE PODER ­ DANO MORAL E NEXO DE CAUSALIDADE CONFIGURADOS ­ INDENIZAÇÃO DEVIDA ­ QUANTUM ADEQUADO ­ CORRETA A FIXAÇÃO DE JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA ­ MANUTENÇÃO DO VALOR FIXADO A TÍTULO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ­ RECURSOS NÃO PROVIDOS. A abordagem de forma violenta por policiais militares representa mais do que meros dissabores ao cidadão. O tratamento ofensivo, expondo a pessoa à situação degradante, supõe o abalo psíquico e dele decorre a obrigação de indenizar. O dano moral puro prescinde de prova, podendo ser definido como a lesão ao patrimônio jurídico materialmente não apreciável de uma pessoa. A indenização deve ser suficiente para compensar a vítima e também para se converter em fator de desestímulo ao infrator, mas não pode ocasionar enriquecimento ilícito do ofendido. Assim, para sua aferição, deve o julgador atentar ao caso concreto, a fim de que seja a mais justa possível.” (AC 643.736-1, 3ª C.C., Rel. Juiz Espedito Reis do Amaral, DJ 10.06.2010, original sem destaque). “RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. POLICIAIS MILITARES. UTILIZAÇÃO DESMEDIDA DA FORÇA POLICIAL. EXCESSO CONFIGURADO. NEXO CAUSAL COMPROVADO. REDUÇÃO DO DANO MORAL FIXADO EM RELAÇÃO A UMA DAS VÍTIMAS. LESÃO DE MENOR INTENSIDADE. RECURSO PROVIDO EM PARTE, MANTENDO-SE NO MAIS A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO.” (ACRN 666.251-1, 2ª C.C., Rel. Des. Lauro Laertes de Oliveira, DJ 23.06.2010, original sem destaque).

No tocante ao quantum indenizatório, fixado pelo Juízo a

quo em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), entendo que é excessivo e está a merecer redução.

Esta Câmara, quando do julgamento da Apelação Cível nº

648.551-8, acima transcrita, da relatoria do eminente Desembargador Ruy Cunha Sobrinho, fixou a indenização moral em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em caso similar, orientação esta que deve ser observada também no presente caso.

Este valor se aproxima daquele fixado pelo Superior

Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 631.650, também já transcrito, mas por ter provocado lesões, foi fixado em quantia pouco superior: R$ 12.000,00 (doze mil reais).

Ora, a indenização deve ser fixada de forma razoável,

servindo de lenitivo à dor e humilhação que a vítima experimentou, mas sem proporcionar-lhe um enriquecimento excessivo.

De outro lado, entendo que o valor de R$ 15.000,00 (quinze

mil reais) ora arbitrado reflete a gravidade da conduta dos policiais, sendo proporcional à extensão do abalo moral que causaram ao apelado.

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No tocante aos honorários advocatícios, o magistrado fixou-

os em 18% (dezoito por cento) sobre o valor da condenação, o que totaliza R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), com a redução do valor do dano moral, quantia esta que reflete o zelo do procurador nos autos, o tempo de tramitação do feito e a complexidade da matéria.

Depois, nada impede que a fixação de honorários em face

da Fazenda Pública seja feita em percentual sobre a condenação, desde que fruto de apreciação equitativa do juiz, presente no caso.

Acerca do assunto, colaciono o seguinte precedente: “É perfeitamente possível fixar a verba honorária entre o mínimo de 10% e o máximo de 20%, mesmo fazendo incidir o § 4º do art. 20 citado, com base na apreciação equitativa do juiz. Fixação do percentual de 10% (dez por cento) de verba honorária advocatícia sobre o valor da causa (já que não houve condenação) (STJ – 1ª T., AI 954.995-AgRg, Min. José delgado, j. 18.3.08, DJU 23.4.08).” (NEGRÃO, Theotônio. GOUVÊA, José Roberto F. in Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 41ª ed., Ed. Saraiva, 2009, p. 158).

O apelo, portanto, merece parcial provimento para reduzir o

valor da indenização moral para R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

REEXAME NECESSÁRIO Conheço do Reexame Necessário, eis que o valor da

condenação da Fazenda Pública ultrapassa o limite previsto no § 2º, do artigo 475, do Código de Processo Civil.

Com efeito, considerando que, à data da prolação da

sentença, 60 (sessenta) salários mínimos correspondiam a R$ 27.900,00 (vinte e sete mil e novecentos reais), e tendo o quantum indenizatório sido fixado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), impõe-se proceder ao reexame da sentença.

Nessa seara, conveniente apreciar a legalidade dos juros

moratórios e correção monetária fixados pelo Juízo a quo, verba que integrou a condenação mas não foi objeto de insurgência recursal voluntária.

A Lei Federal nº 11.960/2009 alterou a redação do artigo

1º-F, da Lei 9.494/97, que agora passou a dispor: Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e

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compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Essa modificação, contudo, não pode alcançar a presente

demanda, pois foi ajuizada em momento anterior à alteração, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, fixado quando da alteração do mesmo dispositivo, pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001.

Colho, a título de exemplo, os seguintes precedentes: “DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AÇÃO AJUIZADA ANTES DA EDIÇÃO DA MP 2.180-35/01. JUROS MORATÓRIOS. 12% AO ANO. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça com fundamento no art. 543-C do CPC firmou compreensão segundo a qual o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97, que fixou em 6% ao ano os juros moratórios sobre as condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, é aplicável apenas nas ações ajuizadas após a entrada em vigor da MP 2.180-35/01, ou seja, 24/8/01 (REsp 1.086.944/SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA). 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1069739 / RS, 5ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 10.05.2010, original sem destaque). “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. JUROS DE MORA. AÇÃO PROPOSTA ANTES DA VIGÊNCIA DA MP. Nº 2.180-35/01. PERCENTUAL DE 12% AO ANO. I - É vedado, em sede de agravo regimental, ampliar a quaestio trazida à baila no recurso especial, colacionando razões não suscitadas anteriormente. II - Os juros moratórios devem ser fixados no percentual de 12% ao ano nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias a servidores públicos, no caso de demanda ajuizada antes do início da vigência da Medida Provisória n.º 2.180-35/2001, que acrescentou o art. 1º-F à Lei n.º 9.494/97. Agravo regimental desprovido” (AgRg no REsp. 1.147.353/RS, 5ª T., Rel. Min. Felix Fischer, DJ 10.05.2010, original sem destaque).

Como a redação anterior do artigo 1º-F era aplicável apenas

às ações envolvendo verbas remuneratórias de servidores públicos, os juros nas condenações da Fazenda Pública em sede de responsabilidade civil seguiam então a regra do artigo 406, do Código Civil:

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

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No âmbito da Fazenda Nacional, os juros moratórios são fixados pela taxa SELIC, a qual inclui, no seu bojo, também a correção monetária do período.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendido pela

necessidade de aplicação da taxa SELIC nessas situações: “PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MORTE DE MENOR POR POLICIAIS. "CHACINA DA BAIXADA". INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. VALOR IRRISÓRIO OU ABUSIVO. NÃO CONFIGURADO.PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. (...) 7. Desta feita, tratando-se de fato gerador que se protrai no tempo, a definição legal dos juros de mora deve observância ao princípio do direito intertemporal segundo o qual tempus regit actum. 8. Os juros hão se ser calculados, a partir do evento danoso (Súmula 54/STJ) à base de 0,5% ao mês, ex vi artigo 1.062 do Código Civil de 1916 até a entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001). 9. A partir da vigência do Novo Código Civil (Lei nº 10.406/2001) os juros moratórios deverão observar a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (artigo 406). Taxa esta que, como de sabença, é a SELIC, nos expressos termos da Lei nº 9.250/95. Precedentes: REsp 688536/PA, DJ 18.12.2006; REsp 830189/PR, DJ 07.12.2006; REsp 813.056/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007; REsp 947.523/PE, DJ 17.09.2007;REsp 856296/SP DJ 04.12.2006; AgRg no Ag 766853/MG,DJ 16.10.2006.” (REsp 1.124.471 / RJ, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 01.07.2010, original sem destaque). “RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR MORTE DE DETENTO EM CASA PRISIONAL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. CONDENAÇÃO DO ESTADO AO PAGAMENTO DE PENSÃO MENSAL À FAMÍLIA DO FALECIDO APESAR DO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO COM IDÊNTICO FATO GERADOR. IMPOSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL SEM PEDIDO EXPRESSO NA INICIAL. DECISÃO ULTRA PETITA. TAXA DE JUROS MORATÓRIOS E TERMO INICIAL. BALIZA DO CÓDIGO CIVIL POR TRATAR DE ATO ILÍCITO. (...) 3. Os juros moratórios incidem à taxa de 6% ao ano, nos termos do art. 1.062 do CC/1916, até o início da vigência do Novo Código Civil, quando deverão se submeter à taxa Selic, nos termos da Lei 9.250/95 (art. 406 da Lei 10.406/01). Precedentes do STJ. 4. Recurso Especial parcialmente provido para a) excluir a indenização de danos materiais, b) limitar o quantum dos danos morais ao pedido inicial e c) fixar a taxa de juros moratórios, a partir do evento danoso, na alíquota de 0,5% ao mês, até a entrada em vigor do Novo Código Civil, quando então deverá ser observada a taxa Selic.” (REsp 1125195 / MT, 2ª T., Rel. Min. Hermann Benjamin, DJ 01.07.2010, original sem destaque).

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Assim, o correto é a aplicação da taxa SELIC ao valor da condenação, abarcando não apenas a correção monetária como os juros moratórios.

O Juízo a quo, contudo, determinou a aplicação de juros de

1% ao mês e correção monetária pelo INPC, ambos a partir da data da sentença (26.11.2009).

A aplicação da taxa SELIC, contudo, é mais vantajosa, posto

que entre dezembro de 2009 e agosto de 2010, seu acúmulo foi de 6,03% (seis inteiros e três centésimos percentuais), enquanto o INPC com juros de 1% (um por cento) somou, no mesmo período, 11,69% (onze inteiros e sessenta e nove centésimos percentuais).

Impõe-se, diante disso, a reforma da sentença em sede de

Reexame Necessário, a fim de que o valor da condenação seja acrescido apenas da taxa SELIC.

Em se tratando de responsabilidade civil por ato ilícito,

como no caso, os juros moratórios devem incidir a partir do evento danoso, nos termos do artigo 398, do Código Civil, e não a partir da sentença, como decidiu o magistrado.

Entendo, contudo, que na ausência de inconformismo da

parte autora nesse particular, a reforma desse item da sentença não pode se dar em sede de reexame necessário, haja vista que agravaria a condenação em face da Fazenda Pública, e esta evidentemente não era a finalidade que o legislador tinha em vista ao editar a regra do artigo 475, do Código de Processo Civil.

Daí a edição da Súmula nº 45, do Superior Tribunal de

Justiça: “No Reexame Necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública”.

CONCLUSÃO

Por tais motivos, o meu voto é no sentido de: 1) dar parcial

provimento ao recurso de apelação, para reduzir o quantum indenizatório moral para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), e 2) alterar a sentença em sede de Reexame Necessário, para determinar que o valor da condenação seja corrigido monetariamente pela taxa SELIC, que abrange também os juros de mora, mantido o termo inicial de sua incidência a data da sentença.

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Proponho, ao lado disso, que seja oficiado ao Comando

Geral da Polícia Militar e ao Ministério Público, comunicando-se o ato ilícito praticado pelos Policiais Militares Ricardo Alexandre Silva, Erlon Luiz Miranda, Edson Alves do Nascimento e Henry Francis Gianina Lamy, ofícios estes que deverão ser instruídos com cópias do presente acórdão e do CD que encontra-se encartado aos autos.

DECISÃO ACORDAM os Magistrados integrantes da Primeira Câmara

Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar parcial provimento ao apelo, reformar a sentença em sede de reexame necessário e determinar a expedição de ofício ao Comando Geral da Polícia Militar e Ministério Público, nos termos do voto relatado.

Participaram do julgamento os Excelentíssimos Senhores

Desembargadores RUY CUNHA SOBRINHO e RUBENS OLIVEIRA FONTOURA. Curitiba, 19 de outubro de 2010. DULCE MARIA CECCONI – Relatora.