apego positivo em crianÇas em situaÇÃo de ...ter me blindado de tantas situações desagradáveis...
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UniSALESIANO
Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium
Curso de Psicologia
Caroline Pereira da Silva
Mariana Pivato da Rocha Galenti
APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO: PERSPECTIVA A PARTIR DO
VÍNCULO AFETIVO COM OS CUIDADORES
LINS – SP 2018
CAROLINE PEREIRA DA SILVA
MARIANA PIVATO DA ROCHA GALENTI
APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO:
perspectiva a partir do vínculo afetivo com os cuidadores
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, graduação em Psicologia, sob a orientação da Prof.ª Esp. Melissa Fernanda Fontana e orientação técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni.
LINS – SP 2018
Silva, Caroline Pereira da. Galenti, Mariana Pivato da Rocha. Apego positivo em crianças em situação de acolhimento: perspectiva a partir do vínculo afetivo com os cuidadores / Caroline Pereira da Silva; Mariana Pivato da Rocha Galenti. – Lins-SP, 2018.
107p. il. 31cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico
Salesiano Auxilium – UniSALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2018.
Orientadores: Jovira Maria Sarraceni; Melissa Fernanda Fontana
1. Institucionalização. 2.Casa Lar 3.Instituição de Acolhimento 4.Apego Positivo. 5. Cuidadores. I Título.
CDU 159.9
S579a
Nenhuma forma de comportamento é
acompanhada por sentimento mais forte do que o
comportamento apego. As figuras para os quais
ele é dirigido são amadas, e a chegada delas é
saudada com alegria.
Johh Bowlby in Apego: A natureza do vínculo
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que de alguma forma estiveram presentes nesta etapa de grande
importância em minha vida. A começar por Deus, que em todo esse tempo de
graduação me deu discernimento e sabedoria para enfrentar todos os desafios. À
minha família, que esteve sempre presente em todos momentos da graduação,
agradeço também por me fortalecerem quando eu queria desistir e por me dar todo
apoio em tudo que realizei até aqui. Agradeço a todos os professores que com
sabedoria partilharam os seus conhecimentos, a fim de nos transformarem em
profissionais excelentes. Com um sentimento de gratidão, à minha orientadora
Melissa que com toda a sua experiência na área escolhida para realização do nosso
trabalho contribui de forma grandiosa em nossa pesquisa e execução desse projeto.
Agradeço também aos responsáveis da Instituição Casa Lar de Lins que nos deu total
abertura e apoio para a realização deste trabalho.
Caroline Pereira da Silva
Agradeço às pessoas queridas que estiveram presentes e deram muito de si para que
esse meu sonho pudesse ser realizado. A começar por Deus que colocou essas
pessoas maravilhosas em meu caminho, por ter me fortalecido a cada dia, por ter me
dado saúde, força e direcionamento para concluir mais esta etapa de minha vida. Na
sequência agradeço de coração ao meu querido marido Walter por todo apoio e por
ter me blindado de tantas situações desagradáveis para eu pudesse dar continuidade
ao meu curso. Ao meu filho Waltinho, pela compreensão da minha tão frequente
ausência nesses 5 anos. Agradeço também aos meus pais, Regina e Sidnei, a minha
sogra Ana Maria e ao meu sogro Benedito, por toda a dedicação para cuidarem do
meu filho enquanto eu estava ausente durante incontáveis noites, a minha cunhada
Camila e ao meu cunhado Wagner por terem me socorrido por vários sábados nos
primeiros anos de curso e a minha ajudante Sirleide, por ter cuidado tão bem da minha
casa enquanto eu me dedicava ao curso de Psicologia. Envio um agradecimento
carinhoso à minha orientadora Melissa pelo seu empenho, aos responsáveis pela
Casa Lar Abrigo de Lins por me atenderam prontamente sempre que precisei e a todos
aqueles que de alguma forma me ajudaram para que fosse possível trilhar essa
caminhada. Quero agradecer, também, a todos os meus professores do curso que
direta ou indiretamente contribuíram para a realização deste projeto.
Mariana Pivato da Rocha Galenti
RESUMO
O presente trabalho buscou verificar as possibilidades do estabelecimento de apego positivo em crianças institucionalizadas, tendo como respaldo uma pesquisa sob a perspectiva da vinculação entre as crianças e seus cuidadores. Participaram do estudo, 4 crianças (duas duplas de irmãos), com idades compreendidas entre 5 e 10 anos. Foram entrevistados três cuidadores, um assistente social e uma psicóloga. O trabalho foi dividido em três etapas: inicialmente, explorou-se a história da institucionalização no Brasil, mostrando como as mudanças que aconteceram ao longo dos tempos são atravessadas por processos históricos, sociais e políticos, apontando, para tanto, os efeitos da implementação da medida de proteção de abrigo pós-ECA e o seu impacto no modo de acolhimento atualmente conhecido por Casa Lar Abrigo. Na sequência, foi abordada a teoria do apego de acordo com John Bowlby, Donald Woods Winnicott e Mary Ainsworth entre outros autores, e foi apresentada, no final do trabalho, uma pesquisa de campo realizada na Casa Lar Abrigo de Lins. Essa pesquisa de campo consistiu em entrevista semi-estruturada com a psicóloga e assistente social responsáveis pela instituição, com os cuidadores, análise dos prontuários e observação das crianças com os cuidadores e demais moradores. A pesquisa possui caráter qualitativo. Utilizaram-se como meios para fundamentar o estudo, os modelos de pesquisas, bibliográfica, que utiliza estudos já realizados, exploratória, visando maior conhecimento sobre o assunto abordado e a descritiva, levando a observação da análise, estabelecendo os fatos sem manipulá-los. Os dados coletados foram, analisados através do método de Bardin (1977) e contou com o referencial teórico psicanalítico. A partir desse trabalho de pesquisa foi possível compreender melhor os efeitos das mais variadas privações vivenciadas pelas crianças institucionalizadas bem como averiguar a importância do abrigamento e dos cuidadores na vida de cada um dos moradores da Casa Lar Abrigo de Lins.
Palavras chave: Institucionalização. Casa Lar. Instituição de acolhimento. Apego positivo. Cuidadores.
ABSTRACT
The present study sought to verify the possibilities of establishing positive attachment in institutionalized children, with the support of a research from the perspective of the relationship between children and their caregivers. Four children (two sibling pairs) aged between 5 and 10 years participated in the study. Three caregivers, a social worker and a psychologist were interviewed. The project was divided into three stages: initially, the history of institutionalization in Brazil was explored, showing how the changes that have occurred over the time are crossed by historical, social and political processes, pointing to the effects of the implementation of the post-ECA shelter protection measure and its impact on the shelter mode currently known as Casa Lar Abrigo. Next, the attachment theory was approached according to John Bowlby, Donald Woods Winnicott and Mary Ainsworth among other authors, and at the end of the study, a field survey that took place at Lins Casa Lar Abrigo was presented. This part of the project consisted of a semi-structured interview with the psychologist and the social worker, both responsible for the institution, and with the caregivers; an analysis on the files of the 4 children who were observed in this project and also an observation of the relationship among those four children, their caregivers and the other residents. The research has a qualitative nature. The means used to support this study consisted in the following research models: bibliographical, that uses studies already carried out; exploratory, aiming a greater knowledge of the subject addressed; and descriptive, leading to an observation of the analysis, establishing facts without manipulating them. The collected data were analyzed using the Bardin method (1977) and counted on the theoretical psychoanalytic reference. From this research work on, a better understanding of the most varied deprivations experienced by institutionalized children was possible, as well as to ascertain the importance of shelter and caregivers in the life of each of the residents of Lins Casa Lar Abrigo Keywords: Institutionalization. Casa Lar. Host institution. Positive attachment. Caregivers.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: tipos de instituições no Brasil....................................................................20
Quadro 2: Motivos do abrigamento de crianças e adolescentes.................................21
Quadro 3: Identificação dos cuidadores......................................................................55
LISTA DE SIGLAS
ECA: Estatuto da Criança e do Adolescente
PNBEM: Política Nacional de Bem-Estar do Menor
FUNABEM: Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
SEDH: Secretaria Especial dos Direitos Humanos
SPDCA: Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente
CONANDA: Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente
CNAS: Conselho Nacional de Assistência Social
CRAS: Centro de Referência de Assistência Social
CAPS: Centro de Atenção Psicossocial
TA: Teoria do Apego
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
CAPÍTULO I - INSTITUCIONALIZAÇÃO.................................................................. 16
1 A HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL...................................... 16
1.1 A institucionalização a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ... 22
1.2 Serviço de acolhimento Casa Lar ........................................................................ 26
CAPÍTULO II - A TEORIA DO APEGO .................................................................... 29
1 AS ORIGENS DA TEORIA DO APEGO ................................................................ 29
1.1 Conceitos básicos e desenvolvimento do apego ................................................. 31
1.2 Crianças em situação de abrigo e o vínculo afetivo com seus cuidadores.......... 40
CAPÍTULO III - A PESQUISA REALIZADA NA CASA LAR DE LINS .................... 44
1 METODOLOGIA DE PESQUISA ........................................................................... 44
2 PROCEDIMENTO .................................................................................................. 44
3 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ......................... 46
4 PARECER FINAL .................................................................................................. 64
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO.............................................................................. 61
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 69
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 72
APÊNDICES ............................................................................................................. 77
ANEXOS ................................................................................................................. 104
11
INTRODUÇÃO
O tema desta pesquisa, apego positivo em crianças institucionalizadas, surgiu
como relevante e motivador para as autoras deste trabalho depois de terem atuado
como estagiárias em escolas e instituições públicas. Nesses estágios, notou-se que
grande parte das crianças haviam sido afastadas do convívio familiar total ou
parcialmente ou sofriam de privação, em níveis variados, dos cuidados de mãe ou
mesmo da mãe substituta. Percebeu-se, nessas crianças, uma grande dificuldade de
criação de vínculo e de apego, bem como grande prejuízo sócio emocional, uns em
grau mais acentuado, outros, mais leves. Buscou-se, então, com esse trabalho,
averiguar se as crianças institucionalizadas conseguem ou não desenvolver apego
positivo pelos seus cuidadores.
Para tanto, as autoras viram-se interessadas em aprofundar os estudos sobre
apego positivo, e relacioná-lo com as informações obtidas na Casa Lar de Lins, cujo
serviço é direcionado a crianças e adolescentes do Município de Lins na faixa etária
de 0 a 18 anos incompletos, afastados do convívio familiar por meio de medida
protetiva, vítimas de violação de direitos ocasionados em grande parte por: violência,
negligência, abandono, falta de cumprimento do dever de sustentação, guarda e
educação dos filhos, conforme preconizado pelo artigo 22 do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA).
A história das crianças em situação de abrigo tem algo em comum: todas
sofreram violação de seus direitos e, por terem sido afastadas do convívio familiar,
passaram a ter na instituição abrigo sua casa, e os cuidadores passaram a
desempenhar a função de pais.
Siqueira e Dell’Aglio (2006) ressaltam que a instituição de abrigo para as
crianças e adolescentes passa a ser a fonte de apoio social mais próxima e organizada
e acaba por desempenhar um papel essencial para o seu desenvolvimento, capaz de
proporcionar uma expansão do mundo social das crianças e adolescentes abrigados
a partir da convivência desses com seus cuidadores.
Mas para que o resultado dessa interação entre crianças afastadas do convívio
familiar e abrigo seja satisfatório, é necessário que a instituição forneça recursos para
que essas crianças abrigadas enfrentem os eventos negativos provenientes tanto de
suas famílias quanto do mundo externo, além de proporcionarem modelos
identificatórios positivos, segurança e proteção. (SILVA; GERMANO, 2015)
12
Autores como Bowlby, Winnicott e Ainsworth, utilizados nessa pesquisa e
ligados à abordagem psicanalítica, produziram obras de grande importância para a
compreensão de como se consolida o vínculo afetivo na vida do ser humano, bem
como os efeitos perniciosos na vida daqueles que sofreram de privação em seus
variados níveis. Apresentam-se a seguir algumas dessas ideias que serviram de base
para esta pesquisa.
Paiva (2015) explica que quando a relação e o cuidado materno estabelecidos
nos primeiros anos de vida, que são essenciais para assegurar a saúde mental do
bebê, são favoráveis, esse bebê amplia sua habilidade de estabelecer
relacionamentos saudáveis e de desenvolver sentimentos. “A qualidade do contato
com a figura materna influenciará fortemente as imagens e as ideias sobre o mundo
externo que serão criadas e sedimentadas na estrutura psíquica.” (JUSTO;
BUCHINERI, 2010, p. 119).
Mas se o contrário permear na vida do indivíduo e ao invés de cuidados
adequados, ele passar por privação, que pode ser de grau parcial ou total, várias
consequências surgirão ao longo de sua vida. Bowlby (2002), aponta que os efeitos
perniciosos da privação variam de acordo com o seu grau. Caso passe pela privação
parcial, o indivíduo sofrerá de angústia, uma exagerada necessidade de amor, fortes
sentimentos de vingança e, em consequência, culpa e depressão. Na privação total,
os efeitos têm maiores impactos sobre o desenvolvimento da personalidade, podendo
acabar totalmente com a capacidade de estabelecer relações com outras pessoas.
Segundo Justo e Buchineri, (2010, p. 119), “os quadros mais graves, como as
psicoses infantis, estão relacionados com privação”.
Diante dessas informações, esta pesquisa visa ser útil e relevante à instituição
Casa Lar de Lins, ao passo que, depois de finalizada, poderá trazer maior
conhecimento aos cuidadores sobre a importância dessa instituição na vida dessas
crianças, aos administradores da instituição Casa Lar de Lins, que poderão fazer uso
das informações e conclusões aqui contidas para lhes ajudar a fazer mudanças que
sejam relevantes ao bem estar físico e emocional dessas crianças enquanto
moradoras do abrigo, bem como no preparo delas e de suas famílias, para que tenham
a chance de se compreenderem e, caso essas voltem a reaver a guarda de seus filhos,
para que saibam lidar com comportamentos inesperados.
Poderá ser útil, também, a futuros pesquisadores que queiram se aprofundar
no tema aqui abordado, famílias adotantes e à sociedade, que poderá compreender
13
melhor a importância de uma casa lar abrigo.
O trabalho está desenvolvido em três capítulos. Depois da introdução, o
capítulo um teve como objetivo abordar a história das instituições no Brasil e mostrar
o que esse percurso proporcionou para o conceito de acolhimento nos dias de hoje.
No capítulo dois expõe-se a teoria do apego, usando como base autores de referência
como John Bowlby, Donald Woods Winnicott e Mary Ainsworth.
No capítulo três apresenta-se a pesquisa de campo realizada na Casa Lar Abrigo de
Lins, feita com o intuito de verificar se essas quatro crianças observadas, cujas idades
variam de 5 a 10 anos conseguem, com base na relação estabelecida com seus
cuidadores, desenvolver o apego positivo por eles. Todas as quatro crianças
apresentam dificuldade de aprendizado, mau comportamento escolar e, em alguns
momentos, fortes explosões de raiva na escola ou no acolhimento. Três delas fazem
uso de medicamento para melhorar a atenção, o aprendizado escolar e diminuir a
agitação. A única criança não medicada tem apenas 5 anos e por esse motivo não
recebe ajuda medicamentosa, segundo a psicóloga e a assistente social. Duas dessas
quatro crianças (uma dupla de irmãos) foram devolvidos 6 vezes por casais adotantes
e apresentam, além das dificuldades já apontadas, também na motricidade e na fala.
Essa pesquisa foi desenvolvida por meio de entrevistas com os cuidadores, a
psicóloga e a assistente social da casa e, ainda, por meio de conhecimento do
prontuário das crianças e observação delas.
Foi possível verificar, a partir das pesquisas realizadas nesse trabalho, que
existem alguns fatores que interferem diretamente na qualidade da relação entre
crianças e seus cuidadores. Esses fatores podem ser tanto internos – vivências,
internalizações e nível de resolução dos conflitos internos – quanto externos, que são
as regras impostas pela institucionalização – horário de trabalho dos cuidadores,
número de moradores da instituição, existência ou não de apoio psicológico para os
cuidadores, rotatividade de cuidadores –, para citar os mais marcantes. Ressalta-se
que um cuidador que tenha condições de dar às crianças e adolescentes abrigados
um acolhimento de forma contínua e intensa proporcionará a eles chances de
cicatrizar parte da ferida causada pelas vivências emocionais de abandono a partir do
desenvolvimento do apego positivo nessa relação criança/adolescente e cuidador.
Considerando a visão do cuidador em relação ao apego positivo em crianças
em situação de acolhimento, usou-se como referencial teórico a abordagem
psicanalítica. Psicanálise é um campo clínico e de investigação teórica
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da psique humana e que tem origem na Medicina. Para Figueiredo (2004, p.81), a
psicanálise é “o feliz encontro entre as ferramentas conceituais do analista – pulsão e
objeto, por exemplo – e as contingências de uma história, produzindo um caso e, no
melhor dos casos, um novo sujeito”. Buscou-se, neste trabalho, verificar a
possibilidade de formação de vínculos das crianças acolhidas com os seus
cuidadores. Para tanto, foi feito um levantamento da história da institucionalização no
Brasil, análise da teoria do apego na visão dos autores Bowlby (1989, 2002, 2004),
Winnicott (1996), Ainsworth (1962, 1978), entre outros, e por fim, buscou-se conhecer
a história de vida das crianças institucionalizadas citadas nesse projeto.
Para o levantamento desses dados, utilizou-se a pesquisa qualitativa, que é
aquela capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como
inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais (BARDIN, 1977). Buscou-se
através deste método de pesquisa, captar por meio do estudo o fenômeno a
perspectiva dos indivíduos nele envolvidos, considerando-se todos os pontos como
relevantes.
A pesquisa teve cunho bibliográfico, elaborada por materiais já publicados,
como livros, jornais, teses, dissertações e anais de eventos científicos. Como
proposito geral para pesquisa utilizou-se o método descritivo que, segundo Gil (2017),
tem como objetivo descrever as características de determinada população. Tem
também caráter exploratório, por buscar conhecer o assunto com maior profundidade,
tornando-o mais claro e construindo questões importantes para o desenvolvimento da
pesquisa.
A Teoria do Apego evidencia a importância da ligação emocional que se
desenvolve entre o bebê e a figura materna (mãe ou mãe substituta), entendida como
aquela pessoa que desempenha regular e constantemente o cuidado com o bebê e
na qual ambos encontrem satisfação e prazer. A criança passa a desenvolver apego
em relação a essa figura, sente-se segura e protegida. Essa ligação é importante para
orientar o desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessa criança e o apego torna-
se a base para a identificação e a determinação de relações posteriores duradouras
e mútuas.
Conforme a criança cresce, ela começa a passar por experiências que
desenvolverão seu lado emocional e que a constituirão como indivíduo saudável,
porém, concomitantemente a esse crescimento, essas mesmas crianças passarão por
experiências como as rupturas de vínculos, que são inevitáveis, embora haja a
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possibilidade de crescimento, ainda que a formação de novos laços afetivos dependa
de como essas experiências de ruptura forem vivenciadas e elaboradas (LEWIS,
2000, apud DALBEM, DELL’AGLIO, 2005).
No caso de crianças observadas, que foram vítimas de privações das mais
variadas formas e tiveram, portanto, seus direitos violados, poderão ser levadas à
Casa Lar, que é uma instituição de abrigo. Lá, terão os cuidados de pais/mães sociais
que estarão numa posição de quem representa uma figura de referência que
favorecerão a construção do vínculo afetivo dessas crianças.
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CAPÍTULO I
INSTITUCIONALIZAÇÃO
1 A HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO NO BRASIL
A institucionalização tem emergido como uma medida alternativa de prestação
de cuidados em percursos de vida marcados por diversas situações adversas
associadas à orfandade, maus-tratos, negligência e/ou abandono.
Os abrigos ou orfanatos, educandários e casas-lares são locais para onde vão
crianças e adolescentes que correm algum risco por não serem cuidados
adequadamente ou mesmo quando são abandonados por seus responsáveis. Essas
instituições são responsáveis por zelar pela integridade física e emocional dessas
crianças e adolescentes. (SILVA; AQUINO, 2005).
Rizzini e Rizzini (2004) complementam dizendo que ainda hoje vão para os
abrigamentos crianças que, por motivos de descuido ou abandono, perderam ou viram
enfraquecer as relações com suas famílias ou comunidade. São direcionadas a essas
instituições, também, aquelas crianças que ora estão em suas casas, ora estão nas
ruas, ora estão nos próprios abrigos.
Quando estão abrigados, essas crianças e adolescentes ficam sob a guarda do
responsável pelo abrigo e são acompanhados pelas autoridades competentes. Para
que seus direitos sejam assegurados de acordo com a legislação brasileira, é lhes
oferecida uma atenção especial. Estão incluídos nesses direitos a convivência familiar
e comunitária. (SILVA; AQUINO, 2005).
Sabe-se que instituições como estas são procuradas quando crianças ou
adolescentes são negligenciados e têm seus direitos básicos, fundamentais para a
sobrevivência e desenvolvimento, violados. Essas instituições têm o papel de
proporcionar a esses indivíduos o que lhes foi privado.
Estudos realizados sobre a história da institucionalização no Brasil possibilitam
perceber que desde o período colonial já era possível detectar instituições que
possuíam pequenas semelhanças com as atuais, bem como outras que tinham visões
e objetivos bastante diferentes.
Para obtenção da história da institucionalização de crianças e adolescentes no
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Brasil, é possível recorrer a documentos históricos. Algumas das primeiras instituições
que surgiram no Brasil foram direcionadas aos meninos e eram de cunho educativo.
Elas foram criadas no Brasil colonial pelos jesuítas, que implantaram escolas
elementares (de ler, escrever e contar) para crianças pequenas das aldeias indígenas
e vilarejos. Criaram também colégios para a formação de religiosos e instrução
superior de filhos das camadas mais abastadas da população (RIZZINI; RIZZINI,
2004).
Outro acontecimento importante foi o sistema das Rodas dos Expostos, que
prestava atendimento de longa duração a bebês abandonados. Mesgravis (1975),
aponta que a primeira "roda" surgiu em Lisboa em meados do século XVII, porém as
municipalidades já tinham a responsabilidade de amparar os expostos conforme
regiam as Ordenações.
Ainda segundo Mesgravis (1975), a roda dos expostos era por onde frades ou
freiras recebiam cartas, alimentos, remédios e também as crianças que fossem
rejeitadas. Essa roda era um aparelho mecânico formado por um cilindro, fechado por
um dos lados, que girava em torno de um eixo, e ficava embutida nos muros dos
conventos.
A roda dos expostos recebia bebês e crianças rejeitadas por suas mães que
não queriam sofrer as injúrias de gerar um filho ilegítimo ou mesmo os filhos de mães
que não tinham condições de criá-los. Isso evitou que muitos bebês fossem
abandonados nas ruas e nas portas das igrejas (RIZZINI; RIZZINI, 2004).
No Brasil, seu surgimento foi no período colonial (séculos XIV, XV, XVI e início
do XVII), por iniciativa da Santa Casa de Misericórdia e somente extinto na República
(final do sec. XVII e início do XVIII). Posteriormente, no século XVIII, Salvador, Rio de
Janeiro e Recife instalaram as suas Casas de Expostos, que recebiam bebês
deixados na Roda, mantendo no anonimato o autor ou a autora do abandono.
(RIZZINI; RIZZINI, 2004).
Para Mesgravis (1975), as primeiras "rodas" foram instaladas em Salvador e
no Rio de Janeiro por serem, essas duas, as únicas localidades com características
urbanas e que mereciam, por isso, o nome de cidade. Durante o século XVIII, o
número de expostos cresceu bastante e eles passaram, então, a substituir o trabalho
dos índios, quase extintos, e dos negros, muito caros para a capitania que pouco
produzia para exportação.
O número de “rodas” foi aumentando com o passar dos anos. “Até o século
18
XIX, outras dez Rodas de Expostos surgiram no país, tendo o sistema persistido até
meados do século XX”. (MARCILIO, 1997, p.52 apud RIZZINI; RIZZINI, 2004, p. 23).
Ainda sobre os séculos XIX e XX, Rizzini e Rizzini (2004) nos trazem que os
documentos históricos sobre a assistência à infância mostram que as famílias em
condição de pobreza ou que por algum outro motivo não tinham condições de criarem
seus filhos, ao buscarem apoio do Estado, tinham seus filhos encaminhados para
instituições, assim como acontecia com as crianças órfãs ou abandonadas.
Com esses estudos, é possível perceber que desde muito cedo existiu uma
preocupação relacionada a crianças abandonadas, ou até mesmo famílias que não
possuíam condições para criar seus filhos e acabavam por entregá-los a instituições
como estas citadas. É possível perceber, também, que essa preocupação tinha um
caráter diferente do atual, e que a mudança na atenção e cuidado com as famílias e
principalmente com as crianças e adolescentes, foi acontecendo de acordo com as
questões históricas, sociais, políticas e econômicas da época bem como as
conquistas e lutas da população.
Figueiró (2012) mostra que, a partir do século XIX, a criança deixou de ser de
interesse apenas de âmbito privado e das instituições religiosas para se tornar uma
questão de cunho social, que deveria ser administrada pelo Estado. Mostra também
que no final do século XIX, tendo o Brasil se tornado uma nação, a infância pobre
passou a ser vista como algo que requeria muito cuidado, e uma atenção especial
deveria ser voltada àqueles que possuíam o “gene da pobreza”, ou seja, crianças que
faziam parte da classe social menos favorecida.
Até o final da década de 1980, essas instituições para crianças ou adolescentes
eram denominadas de “internatos de menores” ou “orfanatos” e funcionavam nos
moldes de asilos, mesmo que a maior parte dessas crianças tivesse família.
Com o tempo, foi sendo enraizada no Brasil a “cultura da institucionalização” e
isso se deu pelo fato de que desde os anos de 1900 a internação de crianças aparece,
principalmente na literatura jurídica, como o “último recurso” a ser adotado. (PILOTTI
e RIZZINI, 1995 apud RIZZINI; RIZZINI, 2004)
Segundo Azevedo (s/d), em 12 de Outubro de 1927 foi criado O ‘Código Mello
Mattos’, pelo Decreto 17.943-A. Ele tinha 231 artigos e foi assim chamado em
homenagem a seu autor, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, que foi
nomeado 1° juiz de Menores do Brasil em 02 de fevereiro de 1924. Esse código foi
elaborado exclusivamente para o controle da infância abandonada e dos delinquentes
19
de ambos os sexos, menores de 18 anos (art.1°). Esse foi o primeiro documento legal
a dar um tratamento mais sistemático e humanizador à criança e ao adolescente,
consolidando normas que anteriormente eram soltas e prevendo, pela primeira vez, a
intervenção do Estado na realidade da classe social menos privilegiada.
Em 1964, no mesmo ano em que ocorreu, no Brasil, o golpe civil-militar foi
estabelecida a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), executada pela
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM), que existiu de 1972 a 1986
e tinha como objetivo dar atenção às crianças e aos adolescentes (FIGUEIRÓ, 2012).
Nesse período, houve o estabelecimento de leis para a regulamentação dos direitos
de criança e adolescentes, trazendo uma maior intervenção do Estado nessa questão.
A partir da década de 1980, ocorreram as principais conquistas no campo dos
direitos sociais de crianças e adolescentes no Brasil. A queda do regime militar
proporcionou uma abertura democrática que resultou em uma reforma do contexto
constitucional em 1988. Essas mudanças colocaram o país em sintonia com o que
existia de mais avançado internacionalmente, em termos de legislação de proteção a
crianças e adolescentes, o que resultou no ECA, aprovado em 1990, e que visava
uma doutrina de proteção integral (FIGUEIRÓ, 2012).
Foi a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA (Lei 8.069 de 13 de
julho de 1990), que o atendimento institucional passou por grandes mudanças.
Exemplo disso são os orfanatos que caíram em desuso. No entanto, a “cultura da
institucionalização”, que há muito começou a ser enraizada, ainda resiste.
Rizzini e Rizzini (2004) apontam que essa resistência tem a ver com a longa
tradição de internação de crianças e jovens em instituições asilares no Brasil. Mesmo
filhos de famílias ricas passaram pela experiência de serem educados longe de suas
famílias e comunidades. De acordo com a época, diferentes instituições com caráter
educacional e assistencial foram sendo criadas desde o período colonial. Exemplos
de instituições são: colégios internos, seminários, asilos, escolas de aprendizes
artífices, educandários e reformatórios.
Outro fato importante que corrobora para a difícil mudança dessa cultura, como
trazem Rizzini e Rizzini (2004), foram que as demandas que levaram um número
inestimável de crianças brasileiras aos internatos dos séculos XIX e XX e que não
foram devidamente enfrentadas ao nível das políticas públicas, ou seja, apesar de
alterações terem sido feitas, não foram o suficiente para sanar o problema.
Para melhor ilustrar a realidade das crianças assistidas por algum tipo de
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entidade abrigo, Silva (2005), fez uso de um levantamento realizado pelo Ipea em
2003 e promovido pela então Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH) da
Presidência da República, por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da
Criança do Adolescente (SPDCA) e do Conselho Nacional de Direitos da Criança e
do Adolescente (Conanda).
O levantamento incluiu cerca de 20 mil crianças e adolescentes atendidos em
589 diferentes entidades de abrigo brasileiras assim classificadas:
Quadro 1: Tipos de instituições no Brasil
Não governamentais 68,3%
Públicas 30,0%
Tem orientação/vínculo religioso 67,2%
Católicos 62,1%
Evangélicos 22,5%
Espíritas 12,6%
Anteriores a 1990 41,4%
Posteriores a 1990 58,6%
Fonte: IPEA/CONANDA (apud Silva, 2005, p.187)
Os dados levantados mostraram que se tratava, na maioria, de meninos (58,5%) afrodescendentes (63%) e com idade entre 7 e 15 anos (61,3%). Pouco mais da metade dos abrigados vivia nas instituições há mais de dois anos, enquanto 32,9% estavam nos abrigos por um período entre dois e cinco anos, 13,3%, entre seis e dez anos, e 6,4%, por mais de dez anos. Curiosamente, a grande maioria dessas crianças e adolescentes (86,7%) tinha família, sendo que 58,2% mantinham vínculos com os familiares e apenas 5,8% estavam impedidos judicialmente de ter contato com eles. Esses meninos e meninas viviam, portanto, a paradoxal situação de estar juridicamente vinculados a uma família que, na prática, já abrira mão, havia algum tempo, da responsabilidade de cuidar deles, principalmente por causa da pobreza. O resultado desta situação era que apenas 10,7% deles estava judicialmente em condições de serem encaminhados para a adoção. (SILVA, 2005, p. 188)
Nessa mesma pesquisa encontrou-se sobre os principais motivos que levam
crianças e adolescentes a ingressarem no abrigo e a frequência que ocorrem, estes
estão ilustrados no Quadro 2:
21
Quadro 2: Motivos do abrigamento de crianças e adolescentes
Motivo do ingresso no abrigo Frequência (em%)
Carência de recursos materiais da
família/responsável 24,1
Abandono pelos pais/responsáveis 18,8
Violência doméstica 11,6
Dependência química dos
pais/responsáveis 11,3
Vivência de rua 7,0
Orfandade 5,2
Outros 22,0
TOTAL 100
Fonte: IPEA/CONANDA (apud Silva, 2005, p. 188)
Rizzini e Rizzini (2004) alegam que a ida dessas crianças e adolescentes aos
abrigos parece ser provocada por fatores ligados ao contexto de violência urbana no
país, principalmente ao narcotráfico e acrescentam que:
[...] no presente lidamos, majoritariamente, com crianças e adolescentes que saíram de suas casas e viveram experiências de vida pelas ruas, e que têm passado por várias instituições [...] e que apesar de valorizarem a ideia de família e idealizarem, sobretudo, as mães, muitas das crianças que entrevistamos afirmaram que não desejam ou não podem voltar para casa – seja por conflitos familiares ou por envolvimento com o universo do tráfico de drogas. (p.16).
Os motivos que levam as crianças e adolescentes aos abrigos são vários, como
apontados acima. É necessário, portanto, que o serviço oferecido pelos abrigos seja
de qualidade e garanta o bem-estar físico-psíquico-social dessas crianças. Valente
(2013) diz que essas instituições precisam de espaço físico adequado para atender
às necessidades de cada uma dessas crianças e adolescentes. Esse espaço físico
refere-se ao espaço físico individual que a criança e adolescente possa chamar de
seu e que irá favorecer seu desenvolvimento e segurança necessários e também ao
espaço coletivo, em que seja possível o reconhecimento do “nós” e que possibilite a
autonomia para a vivência em comunidade.
Ainda como uma necessidade nas instituições para que essas estejam
22
devidamente preparadas para receber e atender as diversas necessidades das
crianças e adolescentes, encontra-se a prática cotidiana nos serviços de acolhimento.
É preciso uma gestão humanizada, que leve em consideração os sujeitos envolvidos,
no ato de cuidar e também no oferecimento de espaços de reconhecimento do
necessário encontro de subjetividade. (VALENTE, 2013).
1.1 A institucionalização a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
O fim do século XX, no Brasil, é marcado por um novo conjunto de ações na
proteção aos direitos de crianças e adolescentes. Valente (2013) aponta que na
década de 1990, o acolhimento que antes era realizado informalmente no Brasil,
passa a ser respaldado por uma política pública. Para ela, essa conquista está
relacionada ao compromisso brasileiro com a promoção de desenvolvimento humano
e social, conseguido com a aprovação da Constituição da República Federativa do
Brasil em 1988 e que tornou possível a aprovação do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Segundo o Ministério da Saúde, o referido estatuto iniciou-se com o decreto da
Constituição de 1988 e foi, sem dúvida, um grande avanço na legislação brasileira.
Seu surgimento se deu a partir da luta da própria sociedade e tem como finalidade a
garantia de todos os direitos às crianças e adolescentes. Direitos esses que vão desde
o tratamento com atenção, proteção, até todos os cuidados necessários para se
desenvolverem e se tornarem adultos conscientes e participativos do processo
inclusivo (BRASIL, 2008).
A designação da medida protetiva prevista no artigo 101 do ECA tem sido
alterada ao longo dos anos: de orfanato para abrigo e deste para entidade de
acolhimento. Ao se utilizar o termo abrigo, França ([s/d] p. 2) invoca as definições no
Dicionário Houaiss para que se perceba o termo como algo que enfatiza a dimensão
espacial e que “a primeira acepção do termo é ‘local que serve para abrigar’”. Apenas
por extensão ou figurativamente, o termo assume a acepção de “tudo aquilo que possa
significar amparo ou acolhimento”. França [s/d] ainda complementa trazendo a ideia
de que o termo acolhimento, que é o ato ou efeito de acolher e proteger, prioriza o
reconhecimento da existência de dois sujeitos: um que acolhe e ou outro que é
acolhido, passando a valorizar a dimensão relacional que se estabelece entre os
sujeitos e não mais a espacial.
23
A alteração na perspectiva da medida protetiva mencionada, mostra o
reconhecimento de que a maioria das crianças e adolescentes que ali viviam não era
órfã, mas que, ao contrário, tinha família. Esse reconhecimento, por sua vez, permitiu
que se visse com atenção a realidade dessas famílias e a necessidade imperiosa de
promover ações que permitissem o retorno dessas crianças e adolescentes à sua
família de origem.
A partir da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente muitas
mudanças positivas foram possíveis, trazendo novas possibilidades, como a
brevidade e a excepcionalidade na aplicação da medida de abrigo. O abrigo passa a
ser uma medida de caráter provisório e excepcional de proteção para crianças quando
essas se encontram em situações consideradas de risco pessoal e social. A
internação de adolescentes em instituições, passa a ter um caráter de medida sócio-
educativa de privação de liberdade. Em ambos os casos, a lei buscará a garantia dos
direitos da criança e do adolescente (RIZZINI; RIZZINI, 2004).
O conceito de família se torna mais amplo e elas passam a ser corresponsáveis
por suprir as necessidades das crianças e dos adolescentes e, para isso, passam a
ter o direito de receber orientação socio-familiar e ter acesso a serviços públicos de
apoio. O poder público, por sua vez, reconhece sua responsabilidade em desenvolver
políticas públicas para suprir as necessidades básicas de manutenção das famílias
das crianças e dos adolescentes em medida de proteção.
O Estatuto da Criança e do Adolescente contribuiu efetivamente para as
instituições de assistência e para suas configurações, tornando-as espaço de
socialização e de desenvolvimento. Como aponta Figueiró (2012), o acolhimento tem
como objetivo a reintegração da criança ao convívio social, e não a sua exclusão,
como acontecia com o modelo de abrigamento anterior.
Elage et al. (2011) ressaltam que esse processo fez com que os profissionais
dos abrigos transformassem as antigas práticas dos orfanatos e passassem a investir
no reordenamento e profissionalização desse serviço. Foi dada uma atenção especial
ao atendimento personalizado a cada uma das crianças e adolescentes, na
elaboração de um projeto técnico de atendimento e na efetivação do direito à
convivência familiar e comunitária.
Outros cuidados que Elage et al. (2011) apontam que as entidades que
desenvolvam programas de acolhimento familiar ou institucional passaram a ter após
o ECA são: as crianças e os adolescentes devem ser acolhidos em residências ou
24
unidades pequenas, e não em grandes instituições; busca-se a preservação dos
vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; integração em família
substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família natural ou
extensa; atendimento personalizado e em pequenos grupos; desenvolvimento de
atividades em regime de coeducação; não desmembramento de grupos de irmãos.
Um olhar diferente passa a ser direcionado às transferências para outras
entidades de crianças e adolescentes abrigados, que agora passam a ser evitadas,
assim como quando há necessidade de encaminhamento para outras unidades, esse
deve ser sempre de caráter excepcional e provisório. Começa a ser vista como
importante a participação dessas crianças e adolescentes na vida da comunidade,
bem como a participação de pessoas da comunidade no processo educativo delas.
Vê-se como necessária uma preparação gradativa para o desligamento dessas
crianças e adolescentes das instituições de abrigo e os irmãos passam a permanecer
juntos.
Em resumo, juntamente com medidas específicas que visam assegurar os
direitos da criança e adolescente nos termos do princípio da proteção integral, o ECA
assegura os direitos fundamentais da criança e do adolescente previstos nos artigos
7º até o artigo 69: direito à vida e à saúde; direito à liberdade, ao respeito e à
dignidade; direito à convivência familiar e comunitária; direito à educação, à cultura,
ao esporte, ao lazer, direito à profissionalização e à proteção no trabalho (MACHADO,
2011).
Silva (2004) acredita que o tempo de permanência de uma criança ou
adolescente em um abrigo deve ser curto e que eles só devem ser retirados do
convívio familiar quando essa for uma medida inevitável. Aponta ainda que mesmo
que as crianças estejam longe de suas famílias, o abrigo deve zelar pela conservação
e pelo fortalecimento desses vínculos.
De acordo com Siqueira e Dell’Aglio (2006), no atendimento a crianças e
adolescentes em situação de abandono o ECA preza pela desinstitucionalização, ou
seja, uma modificação no funcionamento das instituições de abrigo através da
valorização da família, ações locais e parcerias no desenvolvimento de atividades de
atenção.
Rizzini e Rizzini (2004) descrevem que, de modo geral, houve diversos avanços
para a implementação da lei, bem como inúmeros desafios. Um estudo realizado
recentemente avaliou os dez anos do Estatuto e apresenta que:
25
A institucionalização do ECA avançou, já tomou conta de quase todo o país em termos de conselhos implementados. É preciso, no entanto, que funcionem adequadamente, que se lhes garantam condições efetivas. Enquanto os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente estão implementados em 80% dos municípios, os Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente estão implementados em aproximadamente 34% deles (SILVA; MOTTI, 2001, p.194 apud RIZZINI; RIZZINI, 2004, p.48).
Porém mesmo após anos de aprovação da lei, ainda é possível deparar-se com
crianças sendo encaminhadas para instituições que se aproximam dos antigos
orfanatos, grandes são as dificuldades e tímidas as mudanças encontradas por esse
órgão que preza pelas crianças e adolescentes.
Encontra-se no Estatuto da Criança e do Adolescente (Capítulo II, Seção I,
Artigo 92) que:
As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios: I - preservação dos vínculos familiares; II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem; III - atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V - não desmembramento de grupos de irmãos; VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados; VII - participação na vida da comunidade local; VIII - preparação gradativa para o desligamento; IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo.
De acordo com Silva (2004), através da análise das ferramentas contidas no
estatuto, é possível constatar que a legislação possui princípios que, se cumpridos,
podem evitar a prática de institucionalização de crianças e adolescentes presente na
história do Brasil, mas que é necessário, para isso, que os responsáveis e executores
de sua aplicação tenham um amplo conhecimento do estatuto e também partilhem de
seus objetivos.
Na ausência da família e da comunidade, a instituição de acolhimento torna-se
a única referência afetiva e de apoio para as crianças e adolescentes acolhidos.
Contudo, apesar de terem o dever de desempenhar um papel fundamental na vida
dessas crianças e adolescentes, os serviços de acolhimento institucional apresentam
falhas gritantes, que prejudicam ou mesmo impedem que esse desempenho aconteça
de forma satisfatória.
Figueiró (2012) traz, como uma das grandes dificuldades pelas quais passam
26
esses serviços, a falha na estrutura, como o ambiente físico inadequado, o despreparo
dos profissionais que trabalham na instituição, reduzido número de funcionários,
precária socialização oferecida pelo serviço, grande rotatividade de funcionários,
quando o atendimento não preza pelo acolhimento e proteção de fato, dificuldade de
integração com as outras instituições importantes para a reintegração social da
criança e do adolescentes, como escola, serviço de saúde, conselho tutelar, família e
comunidade.
Nessa direção, ressalta-se que todas as pessoas com quem o indivíduo
estabelece relações, como família, amigos, escola, abrigo, entre outros, podem
assumir o papel de fornecer apoio. (SIQUEIRA, BETTS e DELL´AGLIO, 2006).
Um importante cuidado que as instituições devem ter é com relação aos
adolescentes que passaram muitos anos institucionalizados. Se o serviço de
acolhimento se tornar a única rede de apoio social, fica comprometida a desvinculação
desses adolescentes ao abrigo posterior à maioridade. Outro cuidado importante é
com relação ao respeito e fortalecimento da autonomia de crianças e adolescentes,
devendo ser escutados quanto a suas decisões e participações na sociedade,
opiniões, respeito a sua integração familiar ou desligamento do serviço de
acolhimento, promovendo a criatividade delas, oferecendo cuidados e proteção para
que ela possa ressignificar as situações adversas pelas quais estão passando.
(FIGUEIRÓ, 2012).
1.2 Serviço de acolhimento Casa Lar
Os abrigos institucionais na modalidade Casa Lar surgem a partir da
regulamentação da lei 7644 de 18 de dezembro de 1987, com o objetivo de oferecer
um espaço às crianças e adolescentes institucionalizados em medida de proteção,
que se assemelhe ao máximo a um ambiente familiar, proporcionando atitudes de
autonomia juntamente com interações sociais.
Segundo Farias (2012), tendo em vista o cuidado para que a instituição Casa
Lar se assemelhe ao máximo a um ambiente familiar, no ano de 2004 foi criado o
projeto de lei de número 2971, aprovado somente em 2008. Esse projeto visa a
regulamentar a existência de um pai social, que passa a ser tão importante quanto a
mãe social, que só pode ser aceita mediante alguns critérios de aprovação e se define
por uma pessoa que se dedica aos cuidados de crianças e adolescentes na Casa Lar
27
Abrigo.
Para um melhor cuidado e preservação da integridade física e psicológica de
crianças e adolescentes, quando afastadas de sua família de origem, essas têm direito
aos serviços de acolhimento. Esses serviços prezam “cuidados e condições
favoráveis ao seu desenvolvimento saudável, devendo-se trabalhar no sentido de
viabilizar a reintegração à família de origem ou, na sua impossibilidade, o
encaminhamento para família substituta” (CONANDA; CNAS, 2009, p. 61).
Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os termos utilizados
para definir os serviços de acolhimento eram “orfanato” e “internato”. A partir do ECA,
no ano de 1990, passou-se a utilizar o termo “abrigo”; e, a partir do documento
Orientações Técnicas, a expressão “serviços de acolhimento” passa a se referir às
quatro modalidades propostas: Abrigo Institucional, Casa Lar, República e Família
Acolhedora. (ELAGE et al., 2011).
O serviço de acolhimento Casa Lar, que é o foco principal do presente trabalho,
foi definido como serviço de acolhimento temporário que se caracteriza em unidades
residenciais, que oferecem cuidados a um grupo de crianças e adolescentes
afastados do convívio familiar. As casas lares têm como público alvo crianças e
adolescentes entre 0 a 18 anos incompletos, sob medida protetiva de abrigo e devem
conter pelo menos uma pessoa ou um casal como educador/cuidador residente
(CONANDA; CNAS, 2009). Por serem estruturadas como residências privadas,
devem localizar-se em áreas residenciais, seguir o padrão sócio econômico da região
onde estão implantadas e receber supervisão técnica.
Os serviços oferecidos por estas instituições devem estar de acordo com os
preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente, priorizando um ambiente próximo
ao de uma rotina familiar, proporcionando vinculo estável das crianças e adolescente
com o educador/cuidador, favorecendo o convívio familiar e comunitário (CONANDA;
CNAS, 2009). Outro cuidado é quanto ao sigilo. As casas não são identificadas nem
as crianças são rotuladas como sendo da casa lar. Elas são identificadas por seus
nomes.
A grande diferença das casas lares, comparadas a outras formas de abrigo, é
a sua característica residencial, sua organização e a presença de um
educador/cuidador residente, que tem como objetivo “contribuir para o fortalecimento
dos vínculos familiares, favorecendo o processo de reintegração familiar ou o
encaminhamento para família substituta, quando for o caso” (CONANDA; CNAS,
28
2009, p. 71)
Enfim, a modalidade de acolhimento Casa lar, vai em busca de oportunizar às
crianças e adolescentes que necessitem do espaço protetivo a vivência de um modelo
de relações que possibilite o resgate da autoestima, hábitos e atitudes de autonomia
e de interação social com as pessoas da comunidade, e a construção de um projeto
de vida.
29
CAPÍTULO II
A TEORIA DO APEGO
1 AS ORIGENS DA TEORIA DO APEGO
Como nos informa John Bowlby (1989), as origens desta teoria vêm desde os
anos 1930 e 40, quando um certo número de clínicos observou efeitos doentios no
desenvolvimento da personalidade devido a cuidados institucionais ou então à
constante troca da figura materna nos primeiros anos de vida. Mesmo com a aceitação
de muitos daqueles que trabalhavam com psiquiatria e psicologia infantil e com
trabalhos sociais e alguns que atuavam na pediatria e enfermaria infantil, havia muitas
controvérsias que surgiam com as primeiras publicações e filmes. Diversos
profissionais envolvidos na área de psiquiatria e psicologia criticavam a falta de provas
e ausência de explicações adequadas de como essas experiências poderiam ter
ligação com os efeitos apontados no desenvolvimento da personalidade, mas, ainda
assim, as pesquisas continuavam. Diversos estudos importantes foram publicados
causando influências consideráveis para este tema, porém ele ainda permanecia
como um assunto incerto e com dúvidas a serem esclarecidas.
Dalbem e Dell’Aglio (2005) apontam que alguns autores ainda muito estudados
atualmente pela psicologia fizeram significantes contribuições para a Teoria do Apego.
É o caso de John Bowlby, especialista em psiquiatria infantil, que teve sua atenção
voltada ao estudo dos efeitos do cuidado materno sobre as crianças em seus primeiros
anos de vida a partir das observações sobre o cuidado inadequado na primeira
infância e o desconforto e a ansiedade de crianças pequenas relativos à separação
dos cuidadores.
Interessado particularmente nas consequências das rupturas do vínculo entre
o bebê e seus pais nos casos de hospitalização prolongada, morte ou
institucionalizações, John Bowlby identificou, em suas obras dedicadas ao apego,
como em sua trilogia “Apego”, “Perda” e “Separação”, a criança como ser social, cuja
necessidade primordial é estar em relação com o outro. Em sua obra escrita no ano
de 1989, “Uma base segura: Aplicações clínicas da teoria do apego” o autor busca
explicar o aparecimento e desaparecimento esporádicos do comportamento de apego,
30
bem como os apegos de maior durabilidade, que crianças e outros indivíduos
estabelecem com o outro em especial.
Esses estudos foram de grande importância para a conceitualização da então
Teoria do Apego (TA). “Os conceitos de Bowlby foram construídos com base nos
campos da psicanálise, biologia evolucionária, etologia, psicologia do
desenvolvimento, ciências cognitivas e teoria dos sistemas de controle” (DALBEM e
DELL´AGLIO, 2005, p.14).
Bowlby foi em busca de alternativas que estivessem embasadas
cientificamente para se defender dos reducionismos teóricos. Ele enfatizou, em seus
estudos, os mecanismos de adaptação ao mundo real, assim como às competências
humanas e a ação do indivíduo em seu ambiente (WATERS, HAMILTON &
WEINFIELD, 2000 apud DALBEM E DELL´AGLIO, 2005).
Outra grande influência para a teoria do apego foi uma importante publicação
realizada pela Organização Mundial da Saúde, contendo uma coleção de artigos que
tratavam da “privação dos cuidados maternos”, na qual um dos artigos mais completos
foi o da autora Mary Ainsworth (1962). Ela investigou fatores determinantes da
proximidade-intimidade expressa no comportamento de interação de crianças com
suas mães. Com isso, foram realizados outros estudos com a mesma temática
trazendo diversas questões relacionadas à privação dos cuidados maternos.
(BOWLBY, 1989).
Winnicott, pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista, também proporcionou
grandes contribuições para a teoria do apego. No início de sua formação, ainda muito
ligado às formulações freudianas e desconhecendo o pensamento de teóricos como
Melanie Klein e Anna Freud, Winnicott, diante de inúmeras histórias clínicas de
neurose, psicose, distúrbios psicossomáticos e antissociais, encontrava dificuldades
emocionais em seus pacientes que pareciam ter se iniciado nos primeiros dias de vida
e que não conseguiam ser explicadas pela teoria do complexo edipiano, a psicanálise
de Freud. Segundo ele, “algo estava errado em algum lugar.” (WINNICOTT 1965va
[1962], apud ARAÚJO, [s/d]).
Assim, ao definir a sua teoria do amadurecimento pessoal, ou teoria do
desenvolvimento emocional do ser humano, Winnicott enfatizou que “esta inclui a
história total do relacionamento individual da criança até seu meio ambiente
específico.” (WINNICOTT 1990, p. 14). É uma história que compreende o crescimento
emocional do bebê e da pessoa cuidadora desse bebê, daquela que atende às suas
31
necessidades específicas, ou seja, da mãe como “ambiente suficientemente bom” – a
pessoa responsável pelas condições facilitadoras para que o crescimento do bebê se
efetive. Desse modo, essa teoria acaba por compreender, também, o que acontece
diante das interferências que dificultam ou impedem a suficiência do ambiente e,
consequentemente, o crescimento do bebê.
No decorrer desse trabalho serão apontados alguns dos principais autores que
fizeram estudos importantes para o desenvolvimento da teoria do apego, bem como
uma melhor compreensão de seus pontos de partida e o desenvolvimento de suas
teorias.
1.1 Conceitos básicos e desenvolvimento do apego
A Teoria do Apego evidencia a importância da ligação emocional que se
desenvolve entre o bebê e a figura materna (mãe ou mãe substituta), entendida como
aquela pessoa que desempenha regular e constantemente o cuidado com o bebê, em
uma relação na qual ambos encontrem satisfação e prazer e por quem a criança passa
a desenvolver apego, com quem se sente segura e protegida. “O comportamento de
apego foi definido como a busca e a manutenção da proximidade de um outro
indivíduo” (BOWLBY, 2002, p. 240). Essa ligação é importante para orientar o
desenvolvimento afetivo, cognitivo e social dessa criança e o apego torna-se a base
para a identificação e a determinação de posteriores relações duradouras e mútuas.
Essa teoria afirma que a construção de vínculos afetivos é natural dos seres humanos
e que ao longo do tempo esses vínculos podem tornar-se insubstituíveis. Explica-se
assim a necessidade que bebês humanos, que nascem e são condicionados a uma
extrema vulnerabilidade fisiológica, têm de alguém que forneça os cuidados
primordiais para a sobrevivência (SABLE, 2008 apud GOMES, 2011)
A relação construída com esse cuidador primeiro, visto que ao longo do
tempo vai adquirindo importância, torna-se um modelo para os vínculos posteriores
que serão desenvolvidos. Assim sendo, uma vez estabelecidos, a qualidade, a
segurança e a estabilidade desses laços associam-se fortemente com o bem-estar e
com a saúde emocional dos indivíduos ao longo do curso de vida (SABLE, 2008 apud
GOMES, 2011).
Bowlby (1979, 1997 apud RAMIRES; SCHNEIDER, 2010) aponta que no
relacionamento com a figura de apego, a segurança e o conforto experimentados na
32
sua presença permitem que seja usado como uma “base segura”, a partir da qual
poderá se explorar o resto do mundo e ressalta ainda (BOWLBY, 2002), que a relação
calorosa, íntima e contínua com a mãe ou mãe substituta permanente é essencial à
saúde mental do bebê e da criança pequena.
Uma diferença importante entre “apego” e “comportamento de apego” é que se
o “comportamento de apego pode, em circunstâncias diferentes, ser mostrado a uma
variedade de indivíduos, um apego duradouro ou laço de apego é restrito a muito
poucos” (BOWLBY, 1988, 1989, p. 40 apud RAMIRES e SCHNEIDER, 2010, p. 26).
O papel do apego na vida dos seres humanos envolve o conhecimento de que
uma figura de apego está disponível e oferece respostas, proporcionando um
sentimento de segurança que é fortificador da relação e torna o indivíduo claramente
identificado, tornando-o apto para interagir com o mundo. “O apego tem sua própria
motivação interna, distinta da alimentação e do sexo, como postulado pela teoria
freudiana, e de igual importância para a sobrevivência”. (BOWLBY, 1988/1989 apud
RAMIRES; SCHNEIDER, 2010, p. 26).
Desde a concepção no útero materno até ao momento em que morre, o ser
humano vive num processo caracterizado por constantes mudanças. Esse processo
de mudança, que “resulta da interação entre as características biológicas de cada
indivíduo e os fatores contextuais onde o indivíduo se encontra inserido (sociedade e
cultura), é denominado por desenvolvimento humano” (MATTA, 2001; NÚÑEZ, 2005;
PAPALIA et al., 2001; PORTUGAL, 2009; TAVARES et al., 2007 apud DIAS,
CORREIA, MARCELINO, [s/d], p.10.)
Sendo um processo holístico e contextualizado que ocorre ao longo de toda
vida, o desenvolvimento humano acarreta mudanças progressivas, contínuas e
cumulativas provocando, no indivíduo, reorganizações constantes ao nível das suas
estruturas físicas, psicológicas e sociais que evoluem num contínuo faseado e
integrativo (NÚÑEZ, 2005; TAVARES et al., 2007 apud DIAS, CORREIA,
MARCELINO, [s/d]).
Stern (1992, 1997 apud ABREU, 2003) aponta algumas das mudanças
qualitativas, que são de características organizadoras pelas quais passam os bebês
e crianças durante a sua vida, a começar pelos primeiros meses. Até os 2 meses e
meio é o período em que acontece a primeira percepção do bebê de que ele e sua
mão são fisicamente separados, portanto, distintos. “As tarefas dessa idade que mais
favorecem as trocas emocionais entre mãe e bebê são as atividades de alimentação,
33
os ritmos de sono e vigília e os ciclos de atividades diárias” (ABREU, 2003, p.17). Dos
2 meses e meio aos 5 meses e meio, o bebê mostra suas plenas capacidades sociais
e afetivas nas atividades de jogo facial. Dos 5 meses e meio aos 9 meses, “a criança
adquiriu uma coordenação óculo-manual e bimanual adequada e, com ela, uma
grande curiosidade pelo mundo dos objetos inanimados” (p. 18).
Esse vínculo, chamado apego, através do comportamento (sorrir, chorar, sugar
o polegar, olhar em direção à mãe, buscar proximidade, contato físico) tem a finalidade
de atrair a mãe para perto deles, no caso dos bebês recém-nascidos (BOWLBY, 1990
apud ALEXANDRE; VIEIRA, 2004).
Até os 12 meses o bebê percebe que existem outras pessoas além de sua
cuidadora. Inclui intenções e sentimentos, reconhecendo-os como permeados por
relacionamentos e acontecimentos do mundo físico. “Por essa razão é que até o fim
do primeiro ano a criança manifesta de uma forma muito clara as condutas de
vinculação e de separação dos primeiros progenitores, uma vez que já consegue
vincular-se muito bem nas suas interações” (ABREU, 2003, p.18).
Ainda de acordo com Stern (1992, 1997 apud ABREU, 2003), por volta dos 15
aos 18 meses, o bebê é capaz de perceber que o eu e o outro possuem um
conhecimento e um registro das experiências do mundo individuais. E, finalmente dos
18 aos 24 meses a criança percebe a linguagem como uma forma de interação entre
ela e seus pais.
Atualmente, as inúmeras pesquisas disponíveis trazem informações concretas
e comprovadas sobre a importância do desenvolvimento na primeira infância,
“especialmente entre zero e os três anos de idade, pois sabe-se que é na infância que
se lançam as bases do desenvolvimento nos seus diversos aspectos físicos, motores,
sociais, emocionais, cognitivos, linguísticos, comunicacionais, etc. (PORTUGAL,
2009, p.7 apud DIAS, et al. [s/d], p.10)
Desde o nascimento, os processos emocionais do bebê estão ativos e eles
experienciam sentimentos que são utilizados para construir uma noção ou senso
pessoal consciente de si. “Um determinante principal da construção do si mesmo é
sua experiência intersubjetiva com aqueles que dele cuidam e suas próprias reações
emocionais automáticas” (ABREU, 2003, p.19).
O senso de self de um indivíduo é primordialmente organizado ao redor de esquemas emocionais formados em relacionamentos de
34
apego primário onde a regulação do afeto desenvolve-se com a maturidade, mas também através da maneira pela qual os que cuidaram da criança reagiram frente a suas emoções. Tais experiências determinam o sentido de self, uma vez que se baseiam na qualidade de afeto recebido. (ABREU, 2003, p. 19).
Uma criança que tem pais afetivos e vive em um lar bem-estruturado, no qual
encontra conforto e proteção, consegue desenvolver um sentimento de segurança e
confiança em si mesma e em relação àqueles que convivem com ela (BOWLBY,
2004).
Valente (2013) aponta que uma criança precisa de sustentação para olhar o
seu mundo e ter coragem de experimentar, de sair e de voltar tantas vezes quantas
necessárias, pois o espaço de proteção a acompanha, livrando-a dos perigos da vida
e encorajando-a a buscar o novo e o aprendizado. A autora ainda reforça que uma
criança, para continuar um desenvolvimento harmonioso após o seu nascimento,
precisa encontrar um ambiente de aconchego, de continência às suas necessidades,
onde ela possa sentir-se o ser mais importante do mundo, e que apesar dos limites
necessários ao seu crescimento, exista disposição e cuidado nas relações cotidianas.
Caso ocorra o contrário, se uma criança cresce afastada do convívio familiar,
pressupõe-se que sua base de segurança tende a desaparecer e isso pode prejudicar
suas relações com os outros, havendo, assim, prejuízos nas demais funções de seu
desenvolvimento (BOWLBY, 2004).
Bowlby distinguiu os fatores que, na visão dele, podem interferir na ativação do
sistema de comportamento do apego: os relacionados às condições físicas e
temperamentais da criança e os relacionados às condições do ambiente. Ambos
dependem, de certa forma, da estimulação do sistema de apego (DALBEM E
DELL´AGLIO, 2005). Para ele, o sistema de comportamento de apego, que é bastante
complexo, influencia diretamente nas respostas afetivas e no desenvolvimento
cognitivo por envolver uma representação mental das experiências da infância
relacionadas às percepções do ambiente, de si mesmo e das figuras de apego
(DALBEM E DELL´AGLIO, 2005).
Bowlby (1989) utilizou o termo working models (modelos de funcionamento)
para “descrever as representações ou expectativas que guiam o comportamento
próprio, e que servem como uma base de predição e interpretação do comportamento
de outras pessoas às quais se é apegado” como nos trazem Dalbem e Dell´Aglio
(2005, p. 15). Eles são relacionados aos sentimentos de disponibilidade das figuras
35
de apego, com a probabilidade de recebimento de suporte emocional em momentos
de estresse e, de maneira geral, com a forma de interação com essas figuras
(BOWLBY, 1989 apud DALBEM e DELL´AGLIO, 2005).
Ramires (2003 apud DALBEM e DELL´AGLIO, 2005, p. 16) ressalta a
importância da cognição social na formação do modelo de funcionamento interno. “A
cognição social reconhece a criança como ativa e interativa em seu mundo, atribuindo
a ela um papel construtivo no seu desenvolvimento”. Ainda segundo o autor, estados
de angústia e depressão que se manifestam na idade adulta, assim como condições
psicopáticas, podem ser associados a estados de angústia, desespero e desapego
que facilmente se manifestam sempre que uma criança se separa por largos períodos
de sua figura materna, sempre que espera uma tal separação ou, como as vezes
acontece, quando perde a mãe definitivamente
Bowlby (2002), traz o termo “privação da mãe” para evidenciar uma situação
em que a mãe ou a mãe substitua é incapaz de proporcionar os cuidados amorosos
que a criança pequena precisa, mesmo vivendo em sua casa, ou quando por qualquer
motivo, a criança é afastada dos cuidados de sua mãe. Ele ainda destaca que quando
uma criança é privada dos cuidados maternos, o seu desenvolvimento é quase
sempre retardado – física, intelectual e socialmente. O autor divide a privação em dois
tipos distintos, sendo um a privação parcial e o outro, a privação quase total. A
privação parcial é aquela em que a criança foi, por algum motivo, afastada do convívio
com mãe, mas que passa a ser cuidada por alguém que ela já conhece ou até mesmo
por uma estranha (o que pode acentuar os efeitos da privação), mas ainda assim,
essas situações, de alguma maneira, dão à criança alguma satisfação.
Na privação parcial, os efeitos na criança seriam angústia, uma exagerada
necessidade de amor, fortes sentimentos de vingança e, em consequência, culpa e
depressão.
Uma criança pequena, ainda imatura de mente e corpo, não pode lidar bem com todas essas emoções e impulsos. A forma pela qual ela reage a estas perturbações em sua vida interior poderá resultar em distúrbios nervosos e numa personalidade instável. (BOWLBY, 2002, p. 4)
A privação quase total é considerada como tendo efeitos mais perniciosos para
a criança, definida como aquela em que “a criança não dispõe de uma determinada
pessoa que cuide dela de forma pessoal e com quem ela possa sentir-se segura”
36
(BOWLBY, 2002, p. 4.). O autor aponta que esse tipo de privação é bastante comum
nas instituições, creches residenciais e hospitais e que seus efeitos têm um alcance
ainda maior no desenvolvimento da personalidade da criança, podendo mutilar
totalmente a capacidade de estabelecer relações com outras pessoas.
Bowlby (2004) traz uma explicação concisa e clara a respeito do processo pelos
quais passa uma criança que é separada da figura materna. O primeiro sentimento
apresentado pela criança que é separada da figura materna (figura por quem a criança
já desenvolveu apego), sem desejar, é aflição, e esse sentimento tende a se
intensificar ainda mais caso a criança seja colocada em um ambiente estranho e
cuidada por pessoas desconhecidas.
A criança, então, tentará, de todas as formas que lhe sejam possíveis,
recuperar sua mãe e, posteriormente, irá desesperar-se em recuperar essa mãe, mas
ainda espera que ela retorne. Posterior a isso, a criança demonstra desinteresse pela
mãe, tornando-se emocionalmente desapegada. Bowlby (2004, p.14) aponta que “o
desapego é típico no reencontro com a mãe, quando a criança que dela se separou
torna a vê-la, sendo muito menos evidente no reencontro com o pai”.
Caso a separação com a figura materna não aconteça por um período
demasiadamente extenso, esse desapego também não se prolongará
indefinitivamente e quando a criança retorna ao convívio com a mãe, o apego volta a
manifestar-se. Contudo, durante vários dias, semanas ou até mesmo por mais tempo,
dependendo da criança, ela insiste em permanecer ao lado da mãe, demonstrando
muita angústia ao suspeitar que voltará a perder essa mãe.
O autor ainda acrescenta que a criança passa a ter um comportamento
ambivalente, de modo que chore sua ausência mas torne-se hostil, rejeite ou desafie
os pais quando há um reencontro. O determinante quanto à duração desse período
de ambivalência é o tipo de reação da mãe, que depende de vários fatores, entre eles,
ponderar de se deve ser rígida perante o comportamento de hostilidade de seu filho
ou se deve tratá-lo com carinho.
Para que haja, gradativamente, a diminuição da intensidade do sofrimento na
criança, ela deve ser tratada com sabedoria, embora, não se possa deixar de lado a
possibilidade real de ficarem feridas na psique (BOWLBY, 2002). Em um estudo
descrito em seu livro, Bowlby (2004) traz que, além da ausência da figura materna,
outras variáveis como a idade dessas crianças, as condições em que foram separadas
de seus pais, o ambiente em que essas crianças permanecerão, se serão ou não
37
cuidadas por pessoas estranhas e os procedimentos dolorosos pelas quais elas terão
que passar, aumentam seu grau de perturbação.
No decorrer do primeiro ano de vida, surge a busca de proximidade física da
mãe e a exploração do ambiente, e permanecem intensas durante a primeira infância.
Aos três ou quatro anos, esses comportamentos vão diminuindo e sua forma de
expressão se modifica (AINSWORTH & COLS., 1978 apud PONTES et al., 2007).
Assim sendo, o risco de dano a ser causado na psique da criança por falta de
cuidados maternos ainda é sério entre os três e cinco anos de idade, embora muito
menos do que antes, já que entre três e cinco anos, a criança já pode falar e
compreender mais facilmente a mãe substituta e já possui maior noção de tempo e,
mesmo que vagamente, consegue compreender que sua mãe voltará em algum
momento (BOLWBY, 2002). No entanto, vale reforçar que a sabedoria e compreensão
do adulto ao lidar com a situação pode reduzir muito os efeitos da separação na
criança.
Entre as variáveis que colaboram para diminuir a intensidade dessa
perturbação sentida por crianças separadas de suas mães, destacam-se a presença
de uma pessoa conhecida e/ou objetos familiares e os cuidados maternos de uma
mãe substituta, que seria qualquer outra pessoa para a qual a criança está disposta,
provisoriamente, a dirigir seu comportamento de apego.
O autor constata, ainda, a partir de seus estudos, que as únicas crianças que
pareceram não perturbar-se nessas situações de separação, foram as que jamais
tiveram uma figura a quem se pudesse afeiçoar ou que já haviam experienciado
repetidas e prolongadas separações, tornando-se, portanto, mais ou menos
permanentemente em desapego e que as condições intrínsecas, que seriam as
condições nas quais a criança recebe cuidados quando afastada de sua mãe e a
qualidade da relação que ela teve com seus pais antes da separação, serão
determinantes para a recuperação, ou não, da criança, após o período de separação
(BOLWBY, 2004).
Além da privação, que ocorre no período de dependência absoluta do ser (do
nascimento aos 6 meses de vida), a deprivação, que também é algo comum em
crianças em situação de acolhimento, ocorre pela “perda de algo bom que havia sido
positivo na experiência da criança e que lhe foi retirado, no período de dependência
relativa” (JUSTO; BUCHINERI, 2010, p.120). Nessa fase de dependência relativa, que
vai dos 6 meses aos 2 anos de vida, já há uma percepção da mãe, da “mãe objeto”,
38
uma noção de estar sendo cuidada, uma certa diferenciação entre o “eu e o não-eu”.
Essa perda ou retirada de algo é uma falha ambiental e se estende por um período de
tempo maior do que aquele durante o qual a criança consegue manter viva a
recordação da experiência.
Quando ocorre uma deprivação, acontece uma desorganização mental na
criança. “Suas ideias e seus impulsos agressivos perdem sua espontaneidade e a
ansiedade torna-se tão grande que o ato de experimentar sua agressividade acaba
sendo impossível, entrando num estado de resignação” (JUSTO; BUCHINERI, 2010,
p.124). Assim sendo, por meio da conduta antissocial, a criança passa a sentir alguma
esperança de retorno à segurança, exercendo a sua agressividade.
As crianças e adolescentes privados de afeto e de pertencimento familiar e
social tendem a buscar referências que não puderam ser construídas no seio familiar,
nas ruas ou com pessoas inadequadas, apropriando-se, muitas vezes, de uma
identidade antissocial.
Outros autores também fizeram suas contribuições para a formulação da Teoria
do Apego (TA). Mary Ainsworth, assim como Bowlby, concluiu que um dos
pressupostos básicos da TA é de que as primeiras relações de apego, estabelecidas
na infância, afetam o estilo de apego do indivíduo ao longo da vida do sujeito, ou seja,
o modelo de apego que um indivíduo desenvolve durante a primeira infância é
profundamente influenciado pela maneira como ele foi cuidado por seus cuidadores
primários (pais ou pessoas substitutas) e que depois se generalizará nas expectativas
sobre si mesmo, dos outros e do mundo em geral, com implicações importantes na
personalidade em desenvolvimento. Mary Ainsworth ressaltou, ainda, as influências
ligadas a fatores temperamentais e genéticos (DALBEM E DELL´AGLIO, 2005).
Para melhor investigar e classificar em categorias o apego, Ainsworth (1978)
desenvolveu o método experimental denominado Situação Estranha, em que as
reações da criança na interação com seu cuidador são observadas, em detalhe, em
uma situação de separação. Esse método deu origem ao primeiro sistema de
classificação do apego entre o cuidador e a criança, sendo as categorias organizadas
em: padrão seguro, padrão ambivalente ou resistente, padrão evitativo e padrão
desorganizado ou desorientado (DALBEM E DELL´AGLIO, 2005)
O padrão seguro corresponde ao relacionamento cuidador-criança provido de
uma base segura, na qual a criança pode “explorar seu ambiente de forma
entusiasmada e motivada e, quando estressadas, mostram confiança em obter
39
cuidado e proteção das figuras de apego, que agem com responsividade”. As crianças
seguras incomodam-se quando separadas de seus cuidadores, mas não se abatem
de forma exagerada (AINSWORTH, 1978 apud DALBEM E DELL´AGLIO, 2005 p.16)
O padrão resistente ou ambivalente é composto por aquela criança que “antes
de ser separada dos cuidadores, apresenta comportamento imaturo para sua idade e
pouco interesse em explorar o ambiente, voltando sua atenção aos cuidadores de
maneira preocupada” (DALBEM E DELL´AGLIO, 2005, p.17). Essas crianças, quando
separadas de seus cuidadores ficam incomodadas e não se aproximam de pessoas
estranhas. No retorno do cuidador, elas têm seu comportamento dividido entre o
contato e a braveza.
Ainsworth (1978) sugere que, em alguns momentos, essa criança recebeu cuidados de acordo com suas demandas e, em outros, não obteve uma resposta de apoio, o que pode ter provocado falta de confiança nos cuidadores, em relação aos cuidados, à disponibilidade e à responsividade (DALBEM e DELL’AGLIO, 2005, p.17)
O grupo de crianças pertencentes ao padrão evitativo se refere a “crianças
menos propensas a procurar o cuidado e a proteção das figuras de apego quando
vivenciam estresse” (AINSWORTH 1978 apud DALBEM E DELL´AGLIO, 2005, p.17).
Essas crianças deixam de procurar os cuidadores após terem sido rejeitadas, de
alguma maneira, por eles e que quando são reunidas aos cuidadores, elas mantêm
distância e não os procuram para obter conforto. São crianças que brincam de forma
tranquila, interage pouco com os cuidadores, mostra-se pouco inibidas com estranhos
e chegam a se engajar em brincadeiras com pessoas desconhecidas durante a
separação dos cuidadores. “A hipótese sugerida para a compreensão dessas crianças
é de que tenham sido rejeitadas quando revelaram suas necessidades, aprendendo a
ocultá-las em momentos relevantes (CORTINA & MARRONE, 2003 apud DALBEM E
DELL´AGLIO, 2005, p. 17).
Por fim, o grupo categorizado como de padrão desorganizado ou desorientado
é composto por crianças que tiveram experiências negativas para o desenvolvimento
infantil adaptado. São crianças que, durante a Situação Estranha, apresentavam
comportamento contraditório e/ou estratégias de coping incoerentes para lidarem com
a situação de separação. Antes da separação, ainda na presença dos cuidadores
essas crianças “exibem um comportamento constante de impulsividade, que envolve
apreensão durante a interação, expressa por braveza ou confusão facial, ou
40
expressões de transe e perturbações”. (DALBEM e DELL´AGLIO, 2005, p.17)
No entendimento de M. Main e E. Hesse (1990, apud DALBEM e DELL´AGLIO,
2005), as crianças que compõem o grupo categorizado como de padrão
desorganizado ou desorientado vivenciam um conflito sem ter condições de manter
uma estratégia adequada para lidar com o que as assusta, como em situações de
abuso, fatores de risco e maus-tratos infantil. Pode-se incluir, também, transtorno
bipolar nos pais ou uso parental de álcool.
Assim, a partir das teorias apontadas, é possível pensar que as relações de
apego têm uma função-chave na transmissão de características transgeneracionais
em relacionamentos entre cuidadores e suas crianças. Nesse sentido, as relações
parentais e rupturas de vínculos primários por perda ou abandono têm um impacto
transcendente ao desenvolvimento individual, pelo fato de que instauram um padrão
internalizado de funcionamento e de interação (FONAGY, 1999 apud DALBEM e
DELL’AGLIO, 2005).
Winnicott (1996) afirma que qualquer criança apresenta dependência marcada
por diversos tipos de experiências significativas que podem ser positivas ou negativas
para o seu desenvolvimento. Uma criança que possui uma assistência satisfatória
possuirá, no futuro, capacidade de reagir às exigências feitas pelo meio em que vive.
Portanto, para encerrar estas reflexões, pode-se pensar que durante o ciclo
vital, as rupturas de vínculos são inevitáveis, mas que a possibilidade de crescimento
e a formação de novos laços afetivos dependerão de como essas experiências de
ruptura foram vivenciadas e elaboradas. (Lewis, 2000 apud DALBEM, DELL’AGLIO,
2005).
1.2 Crianças em situação de abrigo e o vínculo afetivo com seus cuidadores
Para que um ser venha a se constituir como humano é imprescindível que um
outro ser humano dele se ocupe. Todos nascemos “uma massa de impulsos” que seria
fome, frio, sede, necessidade de amparo. O bebê não possui qualquer equipamento
para lidar com esses impulsos, que devem ser, portanto, recebidos e traduzidos pela
mãe (ambiente). Quanto mais bem percebidos, recebidos e filtrados esses impulsos,
maior a chance de se tornarem prazer e satisfação. O contrário disso seria uma fonte
de desconforto para o bebê.
O bebê que encontrou de maneira sadia bons cuidados corporais e emocionais,
41
traz a marca de uma criança esperançosa, aberta em relação ao professor, ao
amiguinho, ao novo. Traz, também, uma grande curiosidade. O “outro” é uma fonte de
prazer e ela sabe considerar e amar. Um bebê ou mesmo uma criança necessita de
um outro que cuide dele, e não apenas no que se refere às necessidades básicas para
sobrevivência, como na alimentação, mas de alguém que lhe dê amor, que estabeleça
um forte vínculo. Ao terem seus direitos violados e sofrerem privações das mais
variadas formas que os impeçam de receber esses cuidados corporais e emocionais
tão importantes, os bebês, crianças e mesmo os adolescentes podem ser levados a
uma entidade de acolhimento.
A entidade de acolhimento, em suas várias modalidades (casa de passagem,
casa-lar, abrigo institucional para pequenos grupos), deve operar efetivamente como
um espaço de proteção que dê especial atenção à qualidade do vínculo entre
profissional e criança. “Uma das tarefas fundamentais no âmbito da entidade de
acolhimento, senão a mais fundamental delas, é a de possibilitar o estabelecimento
desse vínculo que permitirá à criança aumentar a sua resiliência” (FRANÇA, [s/d], p.
3).
Dentre as funções profissionais existentes em uma Casa Lar, destaca-se a de
cuidador. Antigamente, em sua maioria, esses cuidadores eram pessoas voluntárias,
com ênfase na formação religiosa, com prioridade no acolhimento e cuidados básicos,
não havendo maiores preocupações com questões psicológicas e educacionais
(TOMÁS; VECTORE, 2012). Contudo, com as mudanças advindas de movimentos
sociais e consolidadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, foi instaurada uma
política de atendimento institucional que prioriza a convivência familiar e comunitária,
bem como os aspectos peculiares de desenvolvimento. Desse modo, os profissionais
que atuam em programas de abrigo “passam a ter o papel de educadores” (SILVA,
2004, p.103 apud TOMÁS; VECTORE, 2012, p. 579), o que exige não apenas
profissionalização na área, mas também seleção adequada e contínua capacitação.
O profissional que tem maior responsabilidade com a educação dos moradores
da casa lar é o cuidador ou pai/mãe social. Esse “é o profissional que reside com um
grupo de crianças e que deve orientá-las, além de administrar a casa, conforme
esclarece Lima (2009 apud TOMÁS; VECTORE, 2012, p. 579).
Como toda pessoa, os cuidadores também trazem consigo, além da
responsabilidade de cuidar das crianças acolhidas, fatores internos que facilitam ou
dificultam esse cuidado a partir da qualidade de sua interação com elas. Os
42
cuidadores devem estar atentos para reconhecer as necessidades de cada morador
da casa, bem como estarem disponíveis e terem condições internas para dar a eles
um olhar diferenciado. O cuidador deve também compreender que, além de aspectos
internos, as vivências de cada uma das crianças irão interferir na forma de se
relacionar com ele e com os demais moradores da casa. Estar atento a esses
detalhes, torna o relacionamento mais possível bem como o acolhimento mais efetivo.
Segundo Ainsworth et al. (1978 apud ABREU, 2003) as crianças que
desenvolveram um bom apego em sua infância, conhecido por apego seguro,
conseguem ter relações mais tranquilas e de confiança em seus cuidadores. Essas
crianças também demonstram ter mais facilidade para lidar com o inesperado e
apresentam mais serenidade para lidar com situações de embaraço e desconforto
emocional. Ao contrário disso, um bebê que não encontrou esse básico cuidado
corporal e emocional, traz comportamento de desinteresse ou mesmo interesses
“compulsivos”. Procura se esquivar da relação, quase numa alienação. O contato com
o seu corpo é precário. Seu interesse é em “coisas” que distraem ou que alimentam.
Já o bebê que encontrou cuidados corporais, mas não o amor “tradutor” de suas
necessidades e desejos, tende a ser uma criança arredia, que se amedronta ou se
irrita frente ao novo. Com um baixíssimo limiar de tolerância a frustração, oscila do
arredio ao Rei, da indiferença à disputa desesperada por algum objeto.
Sendo assim, esses dois últimos tipos de situações apontadas, que são as
vividas pelas crianças acolhidas nas Casa Lar ou em alguma outra instituição de
acolhimento, necessitarão de um olhar atento a seu estado de espírito, sua realização,
seu movimento de relacionar-se. Precisará de um adulto que se ocupe dessa criança,
de uma proximidade que narre as ações e que fique íntimo a ponto de traduzir alguns
sentimentos. Esse acolhimento, esse olhar atento e intimidade ajudarão a criança a
reconstruir ou mesmo construir uma presença dentro de seu mundo interno que
contém um grande vazio ao invés da presença materna.
É possível perceber também, através de leituras e dados reais obtidos na Casa
Lar de Lins, que as crianças que passaram por privações intensas, ou seja, não
tiveram o já citado cuidado corporal e emocional, precisam de um aparato psicológico
e medicamentoso, caso contrário, as chances de recuperação são quase nulas. É
necessário levar em consideração, também, além das privações, as questões internas
individuais que cada criança apresenta para lidar com elas, o que justifica o fato de,
entre irmãos, um precisar de medicamento e o outro, não.
43
No caso da criança que teve cuidados corporais, mas não o cuidado emocional
obtido a partir da constância de um adulto, no caso da Casa Lar, um cuidador que
realmente esteja com ela de uma forma contínua e intensa, essa criança terá chances
de cicatrizar parte da ferida causada pelas vivências emocionais de abandono. Daí a
importância de se fazer boas escolhas quanto aos profissionais que acompanham
essas crianças, que devem ser pessoas que tenham condições internas para dar a
elas esse olhar atento. É importante, também, que não haja alta rotatividade de
cuidadores, para que as crianças tenham a chance de formar vínculo com eles.
O adulto que irá acompanhar essas crianças deve ter intuição, intimidade com
a criança e capacidade de observar e reconhecer as necessidades essencias que não
foram supridas. Ele deve ser uma nova lente a enxergar essas crianças, que
proporcionará novos registros que poderão fortalecer a potencialidade que habita em
cada uma delas.
44
CAPÍTULO III
A PESQUISA REALIZADA NA CASA LAR DE LINS
1 METODOLOGIA DE PESQUISA
No presente trabalho, estudou-se a população de uma instituição de
acolhimento chamada Casa Lar, situada no município de Lins - SP, tendo como
amostra duas unidades de casa, assistente social, psicóloga, três cuidadores (sendo
2 do sexo feminino e 1 do sexo masculino) e quatro crianças de 5 a 10 anos. Os
instrumentos utilizados para a coleta de dados foram entrevistas semiestruturadas que
tiveram por objetivo obter informações “a respeito de determinado assunto, mediante
uma conversação de natureza profissional” (LAKATOS e MARCONI 2010, p. 178). As
entrevistas com os cuidadores foram realizadas individualmente, já com a psicóloga e
assistente social, por questão de pouca disponibilidade de tempo, foi feita em
conjunto. Todas as entrevistas e gravações foram autorizadas pelos participantes e a
gravação do áudio se deu por meio de aparelho celular pertencente às autoras do
trabalho. Como instrumento de coleta de dados também foi realizada uma observação
nas casas que, de acordo com Marconi e Lakatos (2010, p.174) “obriga o investigador
a um contato mais direto com a realidade”.
Para análise dos dados coletados, utilizou-se uma análise temática, que
segundo Bardin (1977), é uma das formas que melhor se adequou a investigações
qualitativas. Como propõe o mesmo autor, três etapas constituem a aplicação dessa
técnica de análise: (1) Pré-análise; (2) Exploração do material; (3) Tratamento dos
resultados obtidos e interpretação.
2 PROCEDIMENTO
A pesquisa foi realizada pelas autoras, alunas do 10º semestre do curso de
Psicologia pelo Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium de Lins como
trabalho de conclusão de curso. O trabalho foi orientado por uma professora do
referido curso. Inicialmente, foi estabelecido o contato com a Instituição responsável
pela Casa Lar de Lins, para apresentação do projeto e possibilidade de autorização
45
para sua realização.
Após a autorização da instituição para a realização do projeto que atendeu à
Resolução 466/12 e 510/16, ele foi submetido à Plataforma Brasil do Ministério da
Saúde e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do UniSALESIANO, parecer
consubstanciado nº 2.749.559 de 02/07/2018 e constante no Anexo A, ao final deste
trabalho. Todos os termos solicitados foram providenciados e assinados, tais como
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE A) e Termo de
Assentimento (APÊNDICE B). Com isso, tanto os cuidadores quanto as crianças
observadas aceitaram participar da pesquisa, o que está documentado nesses
termos.
Foram agendadas as primeiras visitas para coleta de dados e, no total, foram
necessários três encontros para a realização das entrevistas. Em dois encontros,
delimitados em 120 minutos, foram feitas as entrevistas com os três cuidadores, e em
um encontro, também delimitado em 120 minutos, foram feitas as entrevistas com a
psicóloga e com a assistente social. Foram realizados mais dois encontros delimitados
em 120 minutos, um para acesso e leitura dos prontuários das crianças, e outro para
observação delas.
Na entrevista com a psicóloga e assistente social enfocaram-se as seguintes
perguntas: Qual a importância da casa lar para as crianças? Os cuidadores são
qualificados? Qual a importância dos cuidadores? Quais são os principais cuidados
tomados pela instituição? Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser
melhor? Qual o envolvimento da comunidade? Como nosso projeto pode ser útil? No
intuito de perceber como estas profissionais observam e compreendem a relação dos
acolhidos com os cuidadores, e também como elas auxiliam na instituição.
Já para os cuidadores as perguntas foram as seguintes: Trabalha na instituição
desde quando? Qual horário? Quem trabalha junto com você no seu horário? Qual a
sua formação/nível escolar? Tem filhos? Quantos? Idade? Qual o seu estado civil?
Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura materna/paterna
para a criança? Emocionalmente, como você se sente para cuidar das crianças?
Como você percebe a aproximação dessas crianças a você? Como é a sua relação
com as crianças na instituição? Como você percebe a relação entre as crianças e
adolescentes moradores dessa instituição? Você consegue relacionar de alguma
maneira o comportamento apresentado pelas crianças com as vivências delas
enquanto estavam com suas famílias? Para através das respostas compreender o
46
fenômeno que ali se apresenta e assim analisar os dados coletados para obtermos
um resultado da pesquisa.
Após a coleta de todos os dados, realizou-se a pré-análise que, segundo Bardin
(1977, p. 95) “tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de
maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações
sucessivas, num plano de análise”. Nessa etapa, praticou-se a leitura flutuante, a fim
de estabelecer um contato com os documentos que se buscava analisar e conhecer.
Depois desse processo, executou-se a escolha de documentos procurando, desse
modo, selecionar os documentos susceptíveis de fornecer informações (BARDIN,
1977). Através da pré-análise, buscou-se explorar conteúdos que se identificam com
os objetivos do trabalho, ou seja, relação de apego positivo de crianças em situação
de acolhimento com os cuidadores. Após esse processo, foram estabelecidas
categorias tanto para entrevista da psicóloga e assistente social quanto dos
cuidadores. Já com a categorização, foi realizada a preparação do material no qual as
entrevistas gravadas foram transcritas e as gravações conservadas. A transcrição
das entrevistas está disponível no apêndice D deste trabalho. Com a fase da análise
já percorrida, procedeu-se com a exploração do material e, depois disso, o tratamento
dos resultados obtidos e discussão deles.
3 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Realizadas a pré-análise e a exploração do material juntamente com as
categorias já estabelecidas, foi possível analisar os resultados e discuti-los. Essa
etapa consistiu em analisar todo o material coletado, estabelecendo as relações
observadas, tanto nas entrevistas quanto nas observações, no que se refere aos
objetivos do trabalho, ou seja, que fazem alusão ao tema relação de apego positivo
de crianças em situação de acolhimento com os cuidadores e, ao mesmo tempo,
confrontando esses dados analisados com a literatura.
Na entrevista realizada com a psicóloga e com a assistente social responsáveis
pela instituição, foram estabelecidas duas categorias: (a) Importância do serviço e dos
cuidadores para as crianças em situação de acolhimento e (b) Cuidados e melhoras
futuras para a instituição de acolhimento. Já nas entrevistas realizadas com os
cuidadores, as categorias evidenciadas foram: (a) Percepção das crianças quanto à
figura do cuidador, (b) Emoção versus competência técnica e (c) Percepção quanto à
47
relação entre os moradores.
As perguntas e respostas dessa entrevista com a psicóloga e assistente social
se encontram, na íntegra, no apêndice D.
Abaixo serão destacadas as principais falas das entrevistadas, de acordo com
a categoria da pergunta. A resposta de cada uma delas está especificada, sendo que
a da psicóloga está referida por um “P”, e a da assistente social por um “AS”.
Na categoria A, elas foram questionadas sobre a Importância do serviço Casa
Lar e dos cuidadores para as crianças em situação de acolhimento. Sobre a
importância do Serviço Casa Lar, que é um tipo de instituição de acolhimento, Siqueira
e Dell’Aglio (2006) afirmam que as instituições ocupam um lugar central na vida das
crianças e adolescentes abrigados, e que, por conta disso, é necessário investir nesse
espaço de socialização para que haja interações mais estáveis e afetuosas nesse
ambiente. Faz-se necessário que a instituição ocupe uma rede de apoio social e
afetivo, que possibilite recursos para o enfretamento de eventos negativos. Somente
assim o ambiente será propicio para o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo das
crianças e adolescentes desse contexto.
P: Eu penso que a importância da casa lar, né, que de forma
temporária ela vem substituir uma condição de um lugar tanto
interno quanto externo para permitir com que haja um espaço
tanto físico quanto mental para se desenvolver condições para
essas crianças se sentirem um pouco mais seguras e
protegidas, então a casa lar, ela vai ficar nessa função de uma
casa como se fosse a minha, porém o que prevalece é o coletivo
e não o individual.
AS: O acolhimento é como se fosse um resgate, né? Ele vai
mostrar para a criança situações que eles não conhecem com a
família, o que é o cuidado, o que é a proteção, o que é levar para
escola, o que é dar comida no horário certo porque quando eles
chegam para nós, eles têm uma cultura completamente diferente
do que a gente está adaptado, então para eles também é muito
assustador. Então a importância do acolhimento, não é a
importância da Casa Lar, é a importância do acolher, de receber
48
a criança no momento da vitimação, né?
Percebe-se que é de grande importância o serviço de acolhimento para seus
moradores, já que foram, por motivo de direitos violados, afastados de seu convívio
familiar. Uma vez que passam a conviver em uma instituição de acolhimento, essa
passa a fazer a vez da família, se responsabilizando pelo desenvolvimento cognitivo,
social e afetivo das crianças e adolescentes desse contexto e, para isso, é necessário
que o ambiente seja favorável e acolhedor, trazendo condições estruturais, sociais e
afetivas adequadas para que o sofrimento dessas crianças e adolescentes seja
reduzido e para que o serviço de acolhimento passe a, de fato, ocupar o lugar central
na vida deles.
Em relação ao questionamento sobre a importância dos cuidadores, (BOWLBY,
1969; 1984; AINSWORTH et al., 1978 apud PEREIRA, 2008), visam a manutenção
da proximidade, ou seja, a resolução adaptativa do sentimento de segurança e
proteção. “A figura de vinculação constitui-se assim como a base segura do
Desenvolvimento e Relações de Vinculação na Infância, a partir da qual a criança volta
para a exploração do mundo” (AINSWORTH, 1967, apud PEREIRA, 2008, p. 33)
P: Eles vão exercer nessa relação, essa maternagem, essa
paternagem. Então assim, eles vão estar nessa função do pai,
da mãe. Não serão os pais nem as mães, mas vão exercer essa
função, que é tão importante, então assim, ser esse pai, essa
mãe, no contexto do serviço, do acolhimento, dentro da casa, é
o que vai possibilitar também à criança, poder compreender que
ela tem o direito ali de extravasar a raiva, o ódio, chorar, que tem
dias em que ela pode estar mais triste, assim também como ela
vai poder experimentar a alegria na relação com esse cuidador,
com esse educador, né? Ser essa pessoa de referência, como
figura de autoridade e de afeto, realmente é a pessoa que vai
estar ocupando esse lugar. Essa figura precisa ser internalizada
de um jeito bom
AS: Concordou com as respostas da psicóloga e não
acrescentou nada.
49
Para os moradores das instituições de acolhimento, esta passa, por um período
indeterminado, a ser seu novo lar e é necessário que essas crianças e adolescentes
tenham a possibilidade de se vincular a alguma figura, que passe a ser seu referencial
e que traga segurança e proteção. É fundamental que possam estabelecer vínculo
com essa pessoa e que ela seja internalizada como algo bom para eles.
Quando se refere à categoria B (cuidados e melhoras futuras para a instituição
de acolhimento), foi perguntado sobre a qualificação dos cuidadores. Fernandes e
Goellner (2015), afirmam que, para exercer a função de pai e mãe social, é necessário
submeter-se a um processo seletivo e treinamentos específicos por um período de até
60 dias, sendo um estudo teórico e prático, sob a forma de estágio, como determinado
por lei. Para a contratação de um pai e uma mãe social é necessário que eles
cumpram alguns critérios: a idade mínima deve ser de 25 anos, ter uma boa sanidade
física e mental, possuir Ensino Fundamental completo, ser aprovado em treinamento
e estágio, ter boa conduta social, ser aprovado nos testes psicológicos específicos.
P: Geralmente os cuidadores não têm uma formação especifica,
não trazem em si essa bagagem, são pessoas com pouca
escolaridade, pessoas que têm uma vivência, que trabalharam
de certa forma com crianças, adolescentes, idosos. Essa pessoa
também tem que estar dentro de um perfil, porque para estar
dentro da casa lar, essa pessoa tem que ter um funcionamento
um pouco mais calmo e tranquilo no sentido de ter um
funcionamento mais continente, conseguir ter uma certa
continência, um autocontrole. A gente precisa saber que ela
consegue tolerar, também, enquanto adulto, frustrações, porque
muitas vezes a criança vai projetar o tempo todo nela muitas
emoções intensas, fortes, como a raiva, o ódio, o movimento
também da ambivalência, então, assim, essa escolha, quando
acontece, na verdade da contratação, as pessoas são
contratadas pelas características, mas não assim porque ela
vem já sendo um cuidador, né? Então assim, quando ela entra,
aí é que o serviço vai poder desenvolver a partir daí uma
capacitação. Essa capacitação até então é desenvolvida pela
equipe técnica. O cuidador precisa, quando entra, sentir-se
50
aberto, propenso a construir uma identidade também de
cuidador, assim como nós, que sempre temos que lidar com o
novo.
AS: Isso é interessante porque a gente já fez experiência de
colocar pessoas que já vinham com experiência, com bagagem,
até mesmo de trabalhar em outros acolhimentos, de já ter uma
experiência profissional e não deu certo. A própria pessoa que
veio com toda essa experiência, não deu conta. Aqui a gente
valoriza muito o trabalho dos cuidadores. A gente até prefere
pegar alguém “cru” e ensinar, do que alguém que vem com uma
bagagem e muitas vezes não vai nem aceitar o que a gente está
dizendo, por achar que já sabe.
Os autores citados, Fernandes e Goellner (2015), apontam a necessidade de
que o cuidador passe por um processo seletivo e treinamento específico para que
esteja apto para assumir a função de educador, também conhecido como pai/mãe
social. Diferentemente da colocação dos autores, a psicóloga e assistente social
entrevistadas encontraram uma melhor maneira de formação desses educadores, a
própria vivência na instituição e capacitações mensais com temas específicos que os
auxiliem a lidar com as mais variadas situações que podem ocorrer e apontaram,
ainda, que melhor do que o profissional chegar pronto, é ele estar aberto a construir
sua identidade de cuidador. Ambos, autores e entrevistadas, concordaram sobre a
necessidade de que o candidato à vaga de cuidador tenha um bom funcionamento
psíquico.
Sobre o questionamento relacionado aos cuidados tomados pela instituição, as
orientações técnicas do Conanda (CONANDA; CNAS, 2009) apontam que os serviços
oferecidos por estas instituições devem estar de acordo com os preceitos do Estatuto
da Criança e do Adolescente, priorizando um ambiente próximo ao de uma rotina
familiar, proporcionando vínculo estável das crianças e adolescentes com o
educador/cuidador, favorecendo o convívio familiar e comunitário.
P: A questão do sigilo. As casas, vocês vão perceber quando
forem lá, não têm identificação, começa por aí. A Casa Lar é
51
identificada através da sede. As crianças também, quando vão
para a escola, para os atendimentos, também existe esse
cuidado de não ser rotulada como a fulana da Casa Lar, não.
Aquela criança tem nome, tem identidade, está acompanhada
de um cuidador, que está ali como educador, como uma
referência, está na função, naquele momento, como se fosse a
mãe, como se fosse o pai, então é o acompanhante dela naquele
momento. Cuidado com a capacitação. Nos atendimentos de
escuta qualificada, apoio, suporte para os cuidadores e crianças.
AS: Então, além de todos esses cuidados que a psicóloga já
disse e que se aplicam mais à rotina da casa, nós aqui devemos
ter o cuidado de cuidar do processo, de agilizar o processo, de
cuidar dessa criança para que não institucionalize, para que não
fique, dentro dela, concretizado o acolhimento, a
institucionalização, porque uma criança institucionalizada, se
priva de muita coisa, ela se priva da vida, ela se priva da
autonomia, ela acha que tudo vem e nada vai. O cuidado é a
todo momento. Em tudo a gente tem que ter cuidado. Cuidado
de acolher, cuidado na hora que as crianças já estão dentro da
casa, com as crianças, com o cuidador, com o processo, com as
famílias, com as famílias de apoio, com as famílias que entram
para não invadirem o espaço, com o desligamento através de
festa de despedida e preparo das crianças antes e durante sua
saída, bem como o acompanhamento depois de sua saída.
Temos que ter cuidado também, nesse momento, com os que
ficam na casa, porque é muito angustiante para eles.
As informações contidas nas orientações do Conanda (CONANDA; CNAS,
2009), bem como os dados obtidos na entrevista com a psicóloga e assistente social,
mostram a necessidade de que a instituição de acolhimento Casa Lar seja para as
crianças o mais próximo possível do que é encontrado em uma rotina familiar, sendo
que, na entrevista, foi possível verificar ainda que a instituição deve priorizar a
individualidade de seus moradores (algo que é comum em casas de família) e que
52
eles devem entender que, a partir do momento que a instituição passa a ser a casa e
a família deles, ali eles terão momentos bons e ruins, como em qualquer outro meio
familiar. O documento de orientações do Conanda (2009) aponta, ainda, a importância
de proporcionar um vínculo estável das crianças e adolescentes com o
educador/cuidador, algo que favoreça o convívio familiar e comunitário. A psicóloga e
assistente social trazem ainda como requisito para o bom funcionamento da casa e,
consequentemente, do convívio dos moradores com os cuidadores, o cuidado com os
cuidadores por meio de capacitações, escuta qualificada e orientações, bem como o
cuidado com os moradores da instituição, não apenas enquanto estiverem residentes
no lugar, mas também no preparo deles para a saída e o acompanhamento após a
saída.
Sobre as melhorias futuras da instituição, a resposta da psicóloga e da
assistente social referiu-se às seguintes mudanças:
AS: Em resumo, seria interessante a melhora na parte física da
casa, um aumento no número de cuidadores, não para virar um
abrigo, mas para poder dar mais atenção às crianças, porque
tendo dois cuidadores, para eles seria o essencial, porque
seriam dois para olhar os 10 acolhidos.
P: O que eu sinto que existe dentro da rede é uma dificuldade
de articulação entre todos os equipamentos, seja da assistência,
seja da saúde mental, do judiciário. A gente sente que ficam
muitas lacunas, muitas brechas, então fica uma falha na
comunicação, então a Casa Lar não trabalha sozinha, o trabalho
da Casa Lar, para poder, desligar uma criança, acolher uma
criança, a manutenção da vivência na permanência dessa
criança, até o seu desligamento, não é só a Casa Lar, e muitas
vezes a sensação que a gente tem é “toma que o filho é seu”.
Foram apontadas como possíveis melhorias para a Casa Lar abrigo de Lins:
adequação estrutural para que pudesse atender às exigências de acordo com o
número de moradores, aumento no número de funcionários para que ao menos dois
cuidadores trabalhassem no mesmo turno, proporcionando maior atenção às crianças
53
moradoras da instituição e evitando que esse tipo de acolhimento se assemelhe às
instituições anteriores, que eram abrigos onde o número de abrigados era muito
grande para poucos cuidadores, o que impossibilitava a essas crianças e
adolescentes receberem a atenção devida. Na modalidade abrigo, além desse, outro
fator também se tornava grande dificultador do estabelecimento de vínculo entre essa
criança e/ou adolescente institucionalizado e cuidador. A grande rotatividade desses
cuidadores. Foi apontada, ainda, como pertinente, a contratação de mais um “volante”
permanente, ou seja, uma pessoa que estaria sempre disponível para cobrir férias ou
ausência de um dos cuidadores e melhor comunicação entre a rede, que inclui a área
da saúde mental, conselho tutelar e judiciário.
Quanto à questão relacionada ao envolvimento da comunidade, é possível
notar que esse envolvimento ainda é tímido. Estudos têm apontado diferentes tipos
de apoio percebido. Para Wills, Blechman e McNamara (1996, apud SIQUEIRA et al.
2009, p. 179), os mais relevantes são o emocional, instrumental e informacional. O
apoio emocional está relacionado à disponibilidade de conversar e dividir problemas,
por meio de uma relação de confiança, sendo considerado o mais efetivo para reduzir
os efeitos negativos de uma situação adversa. O instrumental está associado à ajuda
e à assistência em tarefas, tais como oferecer transporte, dinheiro e auxílio nas tarefas
escolares. E, por último, o apoio por meio de informações se refere à disponibilidade
de orientação e informação a respeito dos recursos da comunidade.
P: Existe uma participação da comunidade dentro da “família de
apoio”, que acontece por busca ativa, a gente vai tentar fazer a
captação do maior número de famílias, ou essas famílias
chegam até nós de maneira espontânea, também através do
“apadrinhamento afetivo” que é um projeto que ainda está
engatinhando. Temos também procura por pessoas que têm
interesse em fazer um trabalho voluntário, mas isso acontece
com maior frequência em datas comemorativas como dia das
crianças e natal. O próprio trabalho que vocês estão
desenvolvendo está dentro desse aspecto da comunidade,
vocês vão estar prestando um serviço, né?
AS: Percebe-se, então, uma falta de conhecimento da
54
comunidade sobre a responsabilidade que ela tem, o porquê o
próprio ECA trazer que a responsabilidade é do Estado, da
família e da comunidade, portanto, nós, enquanto cidadãos,
temos obrigações dentro do município, e as nossas obrigações,
nossas responsabilidades também é auxiliar as entidades, como
cidadão. As pessoas não conseguem entender a participação
delas porque eles culpam as famílias e o Estado. Então, a gente
percebe que na comunidade ainda falta muito preparo para ela
entender o que é o serviço de acolhimento, para que que serve,
confundem muito com Fundação Casa, que não tem nada a ver,
confundem também com outros tipos de serviços que não têm
nada a ver, pensam que são crianças revoltadas e dizem: - Eu
não quero esse tipo de criança na minha casa! Mas não
conhece, não sabe quem é. Então a gente diz que cria-se um
pré–conceito. Não conhece aqui, e julga.
Tanto na citação dos autores Wills, Blechman e McNamara (1996) apud
SIQUEIRA et al. 2009, p. 179), quanto em dados obtidos a partir da entrevista, foi
possível verificar que ambos concordam em dizer que o apoio emocional/afetivo é o
mais importante para os moradores de uma instituição de acolhimento. Os autores
citam ainda outros dois tipos de apoio existentes que são o instrumental e
informacional e as entrevistadas complementam dizendo que a falta de informação da
comunidade sobre sua responsabilidade para com as crianças acolhidas, no auxílio
as entidades, a impede de ser mais ativa.
E, por fim, quando perguntado sobre a importância deste trabalho no que ele
será útil para a instituição, a resposta da psicóloga e da assistente social foi que:
AS: Dentro do trabalho de vocês, se for possível realmente
explanar tudo isso, o que é o acolhimento, quem são essas
crianças, o porque elas estão ali, qual a importância disso tudo,
qual é o papel de cada um, tanto dos cuidadores, quanto da
equipe técnica, coordenação e comunidade, para fazer com que
as pessoas entendam o que é isso, tenham uma maior clareza
do que é isso e entendam de uma outra forma, de visões de
55
outras pessoas, então, assim, eu acho que o trabalho de vocês,
voltado a esse tipo de situação, pode contribuir com que as
pessoas abram a questão da visão para poder conhecer,
ampliar, e poder participar disso, porque o serviço de
acolhimento é aberto, a sede está aberta para a gente receber a
população, a comunidade, mas as pessoas não vem e não
buscam.
P: Concordou com a resposta da assistente social e não fez
colocações.
Os dados obtidos na entrevista trouxeram como principais benefícios desse
trabalho para a instituição Casa Lar de Lins: esclarecimento para a sociedade sobre
o que é de fato esse serviço de acolhimento, sua importância e seu papel, bem como
desmistificar quem são as crianças ali acolhidas que são vítimas de preconceito por
essa sua condição. E, por fim, enfatizar que a instituição está aberta para receber a
comunidade.
Na entrevista com os cuidadores, foi realizado um quadro com a identificação
de cada cuidador:
Quadro 3: Identificação dos cuidadores.
CUIDORES Flor de Liz Girassol Gérbera
Tempo de
atuação 6 meses 1 ano e 3 meses 5 anos
Carga horaria 48 por 48 48 por 48 48 por 48
Formação
Curso técnico e
superior
incompleto
Ensino médio
Ensino médio e
superior
incompleto
Possui filhos Sim (1) Sim (1) Sim (4)
Estado civil Em relação
estável Divorciada Casada
Fonte: elaborado pelas autoras, 2018
56
Realizou-se, também, entrevista semiestruturada com cada um dos três
cuidadores da Instituição Casa Lar Abrigo de Lins. Na categoria A (Percepção das
crianças quanto à figura do cuidador), foi perguntado sobre a figura do cuidador, se
eles acham que representam uma figura materna/paterna para as crianças do
acolhimento. De acordo com Pereira (2008, p. 33), a criança passa então a
estabelecer uma relação distinta e privilegiada com essa figura, que é quem lhe
fornece os cuidados básicos e quem assegura a sua sobrevivência. A relação
estabelecida com os monitores desempenha papel central na vida das crianças e dos
adolescentes abrigados, à medida que serão estes adultos que assumirão o papel de
orientá-los e protegê-los, constituindo, neste momento, os seus modelos
identificatórios (SIQUEIRA E DELL’AGLIO, 2006).
Flor Liz: Sim, pois eles se espelham em nós. Eles não têm outro
referencial. (cuidador)
Girassol: Sim, sentem como pai e mãe, é uma coisa muito forte
eles conseguem ficar tão à vontade que eles expõem qualquer
sentimento, eles também xingam a gente, eles respondem mal,
eles têm liberdade assim como se fosse pai e mãe mesmo, eles
choram com a gente, tem momentos que eles querem nosso
colo, nosso carinho. Não me considero uma cuidadora, me
considero uma mãe de verdade, porque você sofre junto, você ri
junto, você brinca junto, na hora dos “pegas” você está junto,
então eu acho que é muito mais uma presença de pai e mãe é o
que eles buscam na gente é isso. (cuidador)
Gérbera: Sim, principalmente quando eu permanecia na casa
com eles de Segunda a Sábado. Hoje, como eu te falei, eles
ainda têm um carinho comigo, mas não mais a mesma afinidade
que tínhamos antes. (cuidador)
Os três cuidadores concordam ao afirmar que eles representam uma figura
materna/paterna para os acolhidos, de modo que Girassol trouxe relatos em sua fala
de que os moradores da instituição têm liberdade com ela, bem como momentos bons
57
e ruins, como em uma relação de pai/mãe e filho. Os autores citados, Siqueira e
Dell’Aglio (2006), vão ao encontro da resposta dos cuidadores ao apontar que o
cuidador, ao passo que traz segurança e cuidados básico para a criança, passa a se
tornar a figura identificatória, com quem essa criança constrói uma relação distinta e
privilegiada.
Na categoria B (Emoção versus competência técnica) a pergunta foi sobre
como os cuidadores se sentem emocionalmente para desenvolverem seu trabalho. As
pessoas que cuidam, sejam elas profissionais ou familiares, acabam por sofrer um
grande desgaste emocional, porém passam a ideia de que cuidam também de si
mesmas (FERNANDES et al., 2003 apud DAMAS, MUNARI e SIQUEIRA, 2004, p.
275). Ninguém pode dar ao outro o que não tem, diz um antigo provérbio, é fato, por
conseguinte, que seremos mais eficazes na nobre tarefa de cuidar se nos
dispusermos a promover o bem estar do outro sem esquecermos do nosso próprio
(DAMAS, MUNARI e SIQUEIRA, 2004, p.275).
Flor Liz: Eu me preparei para entrar aqui. Eu fui contratado
como “volante”, pessoa que cobre férias ou a ausência de algum
dos cuidadores, mas quando eu fui chamado, já vim com a
função efetiva de cuidador. Eu li o prontuário de cada uma das
crianças para saber o que eu iria encontrar quando chegasse
aqui. Então eu não me apego, cuido dou carinho, mas eu não
me apego, sei que uma hora eles vão embora, então eu me
preparei dessa forma, acho que é por isso que eu estou aqui até
hoje, porque é bem difícil. (cuidador)
Girassol: Assim, eu tenho uma dificuldade muito grande porque
eu me apego muito, muitas vezes eu não consigo me desligar, e
isso vai desgastando assim, então tem dias que eu estou mais
cansada, tem dias que estou mais tranquila. Tem horas que eu
gosto de conversar e quando eu converso, me sinto aliviada e
os momentos que eu tenho para descansar, eu descanso para
estar bem para eles. Hoje estamos sem atendimento, acho muito
importante ter este atendimento. (cuidador)
58
Gérbera: Me sinto bastante cansada, estafada. É muita carga
que eles colocam para cima da gente e, no fundo, você não tem
onde depositar isso. Eu já falei para a psicóloga responsável
pela Casa Lar que nós precisamos de atendimento psicológico,
porque nós temos muitos problemas deles estourando,
explodindo. Toda emoção forte que eles têm de ausência da
mãe ou problemas na escola, no projeto, estoura aqui na casa e
eu ouço antes de qualquer outra pessoa. E onde eu coloco tudo
isso? Tem uma hora que temos que limpar, esvaziar o balde
para as goteiras começarem a cair de novo, senão vai
derramando. Eu sinto dor de cabeça todo dia. Eu sinto uma dor
forte na nuca que tem dia que eu não penteio o cabelo, você
acredita? (cuidador)
Dos três cuidadores, Gérbera foi a que se mostrou mais cansada para o
trabalho de cuidador, mas tanto ela quanto Girassol, apontaram a importância de se
sentirem cuidadas e trazem como sugestão para isso um acompanhamento
psicológico. Essa colocação de Gérbera e de Girassol foi ao encontro da de Damas,
Munari e Siqueira, sobre a necessidade de cuidar de si mesmo, citada no parágrafo
anterior à citação acima. A colocação de Gérbera, de que se sente estafada no seu
papel de cuidador, bem como a fala de Girassol, ao dizer que muitas vezes não
consegue se desligar e isso a desgasta, concordam com a colocação de Fernandes
et al. (2003, apud DAMAS, MUNARI e SIQUEIRA, 2004, p. 275), de que “quem cuida
acaba por sofrer um grande desgaste emocional”. Flor de Liz respondeu que
encontrou como forma para se manter emocionalmente bem não se envolver
emocionalmente com as crianças e adolescentes moradores da instituição.
Acrescentou, ainda, que já assumiu a função conhecendo a história de vida de cada
um dos moradores através de seus prontuários. Essa fala pode ser vista como
reprodução da segunda parte da citação de Fernandes et al. (2003), que coloca que
“quem cuida sofre um grande desgaste emocional, porém passam a ideia de que
cuidam também de si mesmas”
Quanto à pergunta sobre como o cuidador vê a aproximação das
crianças/adolescentes a eles, Bowlby (2002) diz que o apego é uma disposição para
buscar proximidade e contato com uma figura específica, e seu aspecto central é o
59
estabelecimento do senso de segurança e os comportamentos de apego, por sua vez,
são observáveis e organizados nas interações das crianças com seus cuidadores,
permitindo que a criança consiga ter e manter a proximidade.
Flor Liz: É gradativa. Elas vão se aproximando aos poucos,
conforme sentem confiança. (cuidador)
Girassol: A gente assim, quando eles chegam aqui chegam
assustados, carentes sabe, casa nova tudo novo eles ficam tudo
meio pelo cantinho, você tem que ir fazendo eles interagirem
com as crianças, você tem que dar apoio, segurança, falar “Não,
aqui agora é o nosso lar a nossa casa!” Como se eles não
estivessem entrando em um abrigo, eles estivessem convivendo
assim em uma família, então a gente tenta assim, não que deixa
os outros de lado, mas focar muito ali neles que chegaram até
você perceber que eles estão mais à vontade. Então como a
gente já sabe se está aqui já está sofrendo né? Deixou a família,
já veio com problemas. A gente tem que dar muito amor, muito
carinho, se dedicar mais ali até ele se enturmar. Se enturmou
um pouquinho, tem criança que sofre mais tempo tipo um mês,
quinze dias e tem criança que chega no outro dia e já está
brincando. (cuidador)
Gérbera: Então, como eu te disse. A aproximação antes era
mais, agora nem tanto, mas tem alguns moradoras daqui, com
quem eu já tive algumas desavenças grandes que ainda assim
quando eu chego abre o portão para mim, me cobram para ir na
formatura deles, e assim vai, mas... são próximos, mas não tanto
mais. Quando eu permanecia na casa a semana toda, a
aproximação das crianças a mim, o vínculo que tínhamos era
muito maior, pois elas sabiam que eu estaria aqui todos os dias.
Eles realmente me viam como mãe. Era eu que resolvia tudo.
Agora não, eu não sinto mais essa afinidade das crianças por
mim que antes era tão forte. Eles têm um carinho por mim, mas
60
não como era antes. Atualmente, se eles precisam dar algum
recado, eles anotam na lousa, pois hoje eu estou aqui, mas
passado dois dias será outra cuidadora. (cuidador)
Nas falas de Flor de Liz e de Girassol, fica clara a mesma colocação do autor
Bowlby (2002), que afirma que a aproximação da criança ao cuidador está diretamente
ligada à aquisição de segurança na figura específica, o cuidador. Na fala de Gérbera
é possível perceber a proximidade das crianças a ela, mas fica evidente que essa
proximidade depende da permanência dela na casa e que, ao ser introduzido um
rodízio de turnos para os cuidadores da Casa Lar, isso acabou por enfraquecer o
vínculo de proximidade que havia sido criado entre ela e as crianças moradoras da
instituição.
Sobre a pergunta que envolve a relação dos cuidadores com os moradores da
instituição, a teoria do apego evidencia a importância da ligação emocional que se
desenvolve entre a criança e seu cuidador, para orientar o desenvolvimento afetivo,
cognitivo e social dela. Bowlby (2002, 2004) define o vínculo como uma ligação
composta por uma rede de comportamentos que tem relação com a proteção natural
da espécie. Para o autor, o vínculo afetivo entre a criança e o seu cuidador se
estabelece de forma natural, dadas as devidas condições.
Flor Liz: Nossa relação é boa. Eu procuro não me envolver tanto
emocionalmente, pois sei que a qualquer momento eles podem
sair daqui. Não quero ficar como alguns cuidadores, chorando
por uma semana por sentir falta de alguma criança ou
adolescente. Eu fico feliz por eles quando eles saem daqui.
(cuidador)
Girassol: É como se fosse uma relação de pai e mãe mesmo,
como se fosse uma família, alguns têm mais facilidade de falar
comigo, outros têm mais facilidade de falar com o Flor de Liz e é
assim. (cuidador)
Gérbera: É boa, mas não tão próxima quanto antes, como eu te
disse. Eles dizem que eu sou brava, mas sou como uma mãe
61
mesmo, tenho que cobrar e dar bronca quando necessário, mas
quando eles têm algum problema, uma dor de barriga, eles vêm
chamando “ô tia”. Tem uma moradora daqui, por exemplo, que
chegou a me dizer que tem saudade da mãe, mas que muitas
coisas que ela gostaria de falar para a mãe, ela conversa
comigo, mas no fundo no fundo a gente sabe que não é só isso,
ne? Que eles sentem muita falta da mãe. (cuidador)
A teoria do apego evidencia que a ligação emocional que se desenvolve entre
a criança e seu cuidador é importante para orientar o desenvolvimento afetivo,
cognitivo e social da criança. A reposta de Flor de Liz, apesar de apontar que sua
relação com as crianças é boa, enfatiza o contrário, a busca do cuidador pelo não
envolvimento emocional com as crianças para poupar o seu próprio sofrimento
quando essa criança não estiver mais ali na instituição.
Bowlby (1973, 2004) aponta que o vínculo acontece de forma natural dadas as
condições necessárias e a fala de Girassol vai ao encontro dessa colocação, ao dizer
que a relação é de pai e mãe (algo natural) e que são respeitadas as escolhas das
crianças quanto a com qual cuidador eles tem maior proximidade para conversar, o
que também é algo natural de uma família em que os filhos escolhem se querem falar
com o pai ou com a mãe sobre determinado assunto.
A fala de Gérbera também evidencia esse vínculo estabelecido de forma
natural, quando ela diz que ela é como se fosse uma mãe, mas fica também
evidenciado que essa relação era maior quando o tempo de contato dela com as
crianças era mais parecido com o de uma mãe com um filho (diariamente).
Sobre a relação das vivências anteriores que tiveram os moradores do
acolhimento com o comportamento apresentado por eles atualmente, Bowlby (2004)
destaca que a aflição e a angústia que são enormes e provocadas quando filhotes de
animais e crianças são afastadas de uma figura a que se apegam e colocados junto a
estranhos.
Segundo Ramires (2003), estados de angústia e depressão que se manifestam
na idade adulta, assim como condições psicopáticas, podem ser associados a estados
de angústia, desespero e desapego que facilmente se manifestam sempre que uma
criança se separa por largos períodos de sua figura materna, sempre que espera uma
tal separação ou, como às vezes acontece, quando perde a mãe definitivamente.
62
Flor Liz: Sim. Eles chegam buscando confiança. Se você
promete alguma coisa aqui, tem que cumprir. Teve uma vez que
eu prometi algo e não consegui cumprir; eles ficaram um mês
dizendo que eu prometo e não cumpro. Outra questão que
interferia muito no comportamento delas era a alta rotatividade
de cuidadores que tinha aqui. (cuidador)
Girassol: Acho que tudo isso tem uma ligação com o que elas
passaram, porque o que eles passaram eles aplicam aqui, a
gente que vai conversando tentando mostrar que não é.
(cuidador)
Gérbera: Tem momentos que sim, você entendeu? Porque aí
fala assim “ah, mas ele viveu muito assim, com briga, isso e
aquilo”, mas tem criança que já está aqui há 2 anos. Então é que
nem eu falo, você está dando amor, está dando atenção, você
está dando carinho, está dando suporte, então quer dizer, o
comportamento já não vem mais nem do que viveu atrás, já vem
assim da formação mesmo de caráter, de opinião, porque já tem
opinião formada sobre isso. Então, assim, não é só pelas
vivências anteriores. Aí vai dizer que não aprendeu nada? Que
você não ensinou nada? Mentira, né? É uma mudança de vida e
às vezes eles têm uma pequena mudança, assim, e já
transtorna, já causa. Por mais que eles tenham de tudo aqui,
geladeira cheia, freezer cheio, almoço, janta, café, não é isso
que eles querem. Eles querem comer arroz e feijão com a mãe,
é isso que eles querem. Eles não querem nada mais do que isso
e aí surge uma revolta e eles dizem que não querem estar ali,
que não gostam daqui. Mas não é que eles não gostam, não é o
lugar que eles querem ficar. (cuidador)
Os autores Bowlby (2004) e Ramires (2003) apontam alguns dos
comportamentos que podem ser evidenciados por crianças que foram afastadas do
convívio com a mãe, como angústia, aflição, depressão e quadros psicopáticos. Os
63
cuidadores entrevistados não entraram em detalhes quanto ao tipo de comportamento
apresentado pelas crianças do acolhimento, mas Girassol afirmou que o
comportamento apresentado por elas tem ligação com o que passaram antes de
estarem ali, e que ela vai explicando para essas crianças que a partir daquele
momento seu comportamento não precisa ser mais aquele. Flor de Liz trouxe
informações de que as crianças chegam buscando confiança, o que dá a entender
que é algo que foi perdido nas suas relações anteriores à instituição, o que também
condiz com a colocação de Girassol. Gérbera também concordou que o
comportamento das crianças têm a ver com suas vivências anteriores, mas enfatizou
que, ao passo que elas começaram a receber carinho, amor, atenção e suporte ali na
Casa Lar e o comportamento não mudou, ele não pode mais ser visto como reflexão
do que essa criança viveu atrás, e sim com algo que vem da formação mesmo de
caráter, de opinião, porque essa criança já tem opinião formada sobre isso.
Na categoria C (Percepção quanto à relação entre os moradores) os
entrevistadores foram questionados sobre a relação entre os moradores. Siqueira e
Dell’Aglio (2006) apontam que, na medida em que as relações afetivas são positivas
e recíprocas no início, sendo cada vez mais positivas, é possível que aumente o ritmo
e melhorem os processos de desenvolvimento. Dessa forma, as instituições de abrigo
devem considerar o afeto presente nas relações entre seus integrantes, tanto entre as
crianças e adolescentes quanto entre estes e seus monitores.
Flor Liz: São como “cão e gato”, como uma grande família. Em
um minuto estão bem e no outro já estão se “pegando”.
(cuidador)
Girassol: É assim, cada criança é de um jeito. Tem criança que
tem um desempenho melhor, brinca, aceita mais, tem criança
que tem disputa, esse é meu, esse é seu. Tem crianças mais
abertas que gostam de conversar, tem outras mais fechadas.
Entre eles o relacionamento é bom, é um cuidando do outro. Se
você ficar aqui, conviver aqui, é como se fosse uma família
mesmo. (cuidador)
Gérbera: É boa, mas eu tenho que tomar vários cuidados para
64
que a relação seja a melhor possível. O que eu cobro muito deles
é o respeito, para que eles se vejam como uma família, como
irmãos, para que não haja paquera entre eles e para que eles
aprendam que apesar de suas diferenças, um deve proteger o
outro, pois essa é a nova família deles. (cuidador)
Os autores Siqueira e Dell’Aglio (2006), apontam a importância da relação entre
os moradores da instituição, bem como da relação entre moradores e cuidadores, pois
essas boas relações podem até mesmo melhorar os processos de desenvolvimento
das crianças. Os três cuidadores relataram que a relação entre os moradores da
instituição é boa e natural, como a de uma família em que eles brigam mas depois se
entendem, cada integrante com uma personalidade diferente, sendo uns mais
extrovertidos e outros mais introvertidos, uns com maior facilidade de dividir seus
brinquedos e outros, nem tanto. Gérbera relata que a relação entre eles é boa e
apontou cuidados que ela tem para que essa relação seja cada vez mais positiva,
como, por exemplo, o cultivo do respeito entre eles.
4 PARECER FINAL
Por meio do estudo realizado, percebe-se que as quatro crianças
institucionalizadas conseguiram, com base na relação estabelecida com seus
cuidadores, desenvolver o apego positivo por eles. Apesar das dificuldades no
estabelecimento de vínculos afetivos no contexto de acolhimento institucional, eles
são possíveis, desde que haja disponibilidade para o contato afetivo e para lidar com
as incertezas, dificuldades e limitações inerentes a esse contexto.
Como uma das dificuldades para esse estabelecimento de vínculo, pode-se
apontar o grande número de abrigados para apenas um cuidador, bem como as
vivências internalizadas por cada um dos moradores da instituição. Sabe-se que o
número de moradores de uma Casa Lar Abrigo é bem menor do que nas instituições
existentes anteriormente, como as de abrigamento, por exemplo, mas, ainda assim,
quando se trata de crianças acolhidas, fala-se de seres humanos que sofreram os
mais variados tipos e graus de privação, e que precisam, portanto, de atenção
especial, o que não é possível com apenas um cuidador na casa.
Outro limitador é a estrutura física das casas, que por não terem sido projetadas
65
para funcionar como uma Casa Lar, levando em conta o número e perfil dos acolhidos
(idade, necessidades físicas) e a rotina diária da casa, não possibilitam maior
individualidade em meio ao coletivo, que é um dos objetivos desse tipo de
acolhimento.
Um terceiro fator é o reduzido número de funcionários no setor administrativo.
Se esse número fosse aumentado, seria possível, por exemplo, que acontecessem
encontros mais constantes dos psicólogos e assistentes social com os cuidadores das
Casa Lar. Dessa forma, seria possível um maior apoio emocional e informativo para
que a relação entre cuidadores e moradores pudesse ser mais efetiva e o vínculo,
estabelecido com maior facilidade e maior enraizamento.
Apesar de todos esses pontos que, se corretamente endereçados, poderiam
contribuir grandemente para a melhora do sistema de abrigo Casa Lar, foi possível
constatar, por meio da entrevista com os cuidadores e da observação da relação das
crianças com eles, que existe aproximação das crianças entre si e dessas com seus
cuidadores.
Foi possível ver que as relações no ambiente Casa Lar se aproximam de um
sistema familiar comum, onde os integrantes brigam, mas também se protegem, têm
suas diferenças, seus gostos particulares, seu funcionamento psíquico único, como
no caso das duas duplas de irmãos observados. Foi possível perceber, também, um
respeito pela característica de cada um pertencente à instituição. Enquanto alguns
gostavam mais de interagir, outros preferiam ficar quietos assistindo seu programa de
TV ou lendo uma revista. Notou-se diferenças de comportamento e também alguma
dificuldade motora e na fala, bastante evidente nos dois irmãos que foram devolvidos
6 vezes por casais adotantes, conforme já apresentado no início do trabalho.
É possível associar esse déficit na fala, bem como de aprendizagem (notado
na observação das crianças e confirmado pelos cuidadores), a questões emocionais,
já que cada pessoa internaliza suas vivências de uma forma. Além das privações
sofridas enquanto em contato com sua família de origem, duas dessas crianças já
foram devolvidas 6 vezes por casais adotantes, como já foi colocado, além, é claro,
da interferência, de medicamento psiquiátricos usado por um desses dois irmãos. Das
quatro crianças observadas, apenas uma não faz uso de medicamento psiquiátrico
devido à sua pouca idade (5 anos), insuficiente para que o psiquiatra faça qualquer
prescrição medicamentosa desse tipo, segundo a psicóloga responsável pela
instituição.
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Os cuidadores tentam dar carinho e atenção ao passo que se dividem com
todos os moradores e afazeres domésticos, e às vezes devem ser mais enérgicos, já
que estão incumbidos da responsabilidade de educar. Foi notado, ainda, que cada
cuidador, assim como as crianças moradoras da instituição, tem sua personalidade e
vivências internalizadas, que o possibilita ter maior ou menor facilidade ao acesso às
crianças
Ficou clara, também, a conquista que foi o modo de institucionalização Casa
Lar, se comparada aos modelos anteriores. Para citar algumas das melhorias, tem-se
a questão do sigilo. Tem-se prezado pelo sigilo do espaço físico das Casas Lar e
também das crianças, para que não sejam estigmatizadas como “um abrigado”, mas
que tenham suas identidades preservadas. O cuidado com o individual, mesmo em
meio ao coletivo, para que esse tipo de acolhimento consiga oferecer espaço para que
as crianças se desenvolvam física, mental e emocionalmente, tendo sempre as suas
individualidades respeitadas e para que essa instituição se assemelhe, o máximo
possível, a uma casa de família. Outro fator importante foi a redução do número de
acolhidos e de rotatividade de cuidadores, que favoreceu uma maior aproximação
entre os moradores e os cuidadores, proporcionando, assim, aumento da
possibilidade de estabelecimento de vínculo entre eles.
Enfim, foi percebido, através de todas as etapas deste trabalho, a importância
e grande conquista que é possível através de um acolhimento efetivo, bem como os
efeitos perniciosos caso ele não seja adequado. Ficou evidente, também, o quanto a
sociedade e as políticas públicas precisam evoluir para se darem conta do poder que
têm para ajudar e transformar vidas sem que para isso seja necessário primeiro que
essas crianças passem por tanto sofrimento.
67
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
Por meio deste projeto, foi possível perceber a necessidade de algumas
mudanças que proporcionem um melhor funcionamento dessa instituição de
fundamental importância social que é a Casa Lar. Uma primeira proposta de
intervenção estaria baseada na necessidade de acompanhamento psicológico para
todos os acolhidos e também para todos os funcionários. É sabido que alguns dos
moradores já recebem atendimento psicológico semanal, mas a partir do
conhecimento da importância de um bom trabalho terapêutico, e também da melhora
significativa no desenvolvimento das crianças que já têm essa oportunidade, seria de
grande valia que todos tivessem esse espaço.
Os cuidadores necessitam de um apoio especializado para receberem um
suporte para escuta de seus anseios, medos e projeções recebidas das crianças e
adolescentes acolhidos, que, também, com frequência descarregam suas emoções
mais intensas como raiva, ódio e indignação nesses cuidadores. Esse espaço
destinado a esses profissionais poderia ser útil, também, para sanarem dúvidas
quanto a sua atividade prática e facilitar a criação de vínculo entre eles e os acolhidos.
Os atendimentos aqui poderiam ser individuais e também através de rodas de
conversa coletiva. Já as crianças necessitam desse apoio psicológico para
aprenderem a lidar com situações novas e a ressignificar grandes sofrimentos
vivenciados.
Outra melhora que propomos diz respeito à parte estrutural das casas. Seria
necessário que a casa fosse grande o suficiente para comportar as crianças e
adolescentes com mais conforto; que possuísse quartos maiores, mas que, ao mesmo
tempo, não fugisse da realidade das crianças e adolescentes que moram na
instituição. O ideal, que poderia facilitar o processo de acolhimento, seria a construção
de casas adaptadas à realidade e necessidade da Casa Lar de Lins.
Melhoras significativas seriam possíveis, também, com a contratação de mais
funcionários para atender à demanda de acordo com o número de acolhidos. Se
aumentado o número de funcionários, o trabalho desses profissionais seria mais bem
desempenhado e as crianças seriam os maiores beneficiados, pois receberiam mais
atenção melhores cuidados. Atualmente, a Casa Lar de Lins conta com dois
cuidadores que se revezam em turnos de 48h por 48h (cada um deles trabalha dois
dias e folga dois) e um auxiliar que trabalha diariamente das 8h às 16h. Os cuidadores
68
são responsáveis pelo cuidado com os moradores e o auxiliar, pelos cuidados com a
casa. A instituição está sem alguém para ocupar o cargo de “volante”, que é a pessoa
que cobre férias e ausências de cuidadores bem como aquela que pernoita com
alguma criança no hospital, quando necessário. A sugestão aqui seria de dois volantes
disponíveis e dois cuidadores trabalhando juntos em cada turno.
Outra melhora significativa ocorreria no sistema Casa Lar como um todo se
houvesse uma maior articulação do setor de acolhimento com os diversos outros
setores, tais como o judiciário, assistência, saúde mental, CRAS e CAPS. Essa seria
mais uma boa proposta de intervenção, pois a melhora na comunicação entre esses
órgãos implicaria melhora no acolhimento dos moradores da Casa Lar e rapidez no
processo de adoção ou restituição familiar desses acolhidos.
Projetos que visem desmistificar as instituições de acolhimento, bem como as
crianças acolhidas também se fazem necessários, pois, dessa forma, a comunidade
passaria a ter informações a respeito desse tipo de serviço, o que facilitaria o acesso
das pessoas à instituição de acolhimento Casa Lar e também um maior
comprometimento e compreensão da responsabilidade que todos temos, enquanto
cidadãos.
Um bom início para as divulgações seria partir dos programas já existentes,
como as “famílias de apoio”, que são famílias que acolhem crianças e adolescentes,
de forma temporária, até a reintegração deles com a sua própria família ou seu
encaminhamento para família substituta. Outra sugestão seria a propalação do serviço
de “apadrinhamento afetivo”, ação voluntária desenvolvida por pessoas que
disponibilizam tempo e afeto em prol do desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Enfim, todas as propostas de intervenção aqui apontadas têm como objetivo
principal melhor cuidado, atenção e afeto às crianças acolhidas na Casa Lar de Lins,
visando diminuir seu sofrimento e dar a elas condições de terem seus direitos
garantidos e uma vida digna e plena. Além da contribuição para o indivíduo, essa
caracteriza também uma contribuição à sociedade, uma vez que será formada por
cidadãos que estejam em melhores condições de vida.
69
CONCLUSÃO
A função de um cuidador substituto na vida das crianças que se encontram
desamparada sem o olhar familiar ou materno é de extrema importância, pois, como
aponta Abreu (2003), as figuras de vinculação desempenharão um papel central e
unificador dos vários aspectos das experiências já vividas” p.10. Responder a tais
expectativas, porém, não é algo fácil de alcançar, pois no contexto institucional
existem questões que alteram o significado dessa relação. Inicialmente, a perspectiva
de um ambiente que acolhe crianças é a proteção da integridade física e a
manutenção de um local acolhedor e isso, a princípio, já influencia a forma como se
recebe a criança, pois antes mesmo dela chegar à instituição, as regras e limitações
da função de cuidadora já estão lá, impostas.
É imprescindível, ainda, que o profissional, além de estar ciente de suas
funções e responsabilidades com as crianças, tenha um conhecimefanto sobre si
mesmo e das angústias que lhe cercam por causa de seu trabalho. É importante que
percebam a necessidade de preservar e manter um vínculo afetivo com as crianças,
proporcionando-lhes a capacidade de se aproximar e de se relacionar com outros
indivíduos, pois o acolhimento dessa criança num ambiente sadio e que facilite a
construção de vínculos afetivos positivos é essencial para estabelecer a sua
capacidade funcional do ego e do senso de self.
Mas para que seja possível esse cuidado adequado e profundo do cuidador
para com a criança, é preciso que esse cuidador também seja cuidado. Lidar com
intensos sentimentos de diversas crianças e adolescentes diariamente faz com que
seus próprios conflitos pessoais não resolvidos venham à tona; se faz necessário,
portanto, um acompanhamento psicológico individualizado ou mesmo um grupo de
apoio psicológico para esses cuidadores. Contar com esse suporte para se sentir
melhor psicologicamente, beneficiaria, não apenas o cuidador, mas sim todos os
moradores da Casa Lar.
Assim, concluímos que, a partir desse trabalho foi possível compreender
melhor os efeitos das mais variadas privações vivenciadas pelas crianças
institucionalizadas. No caso das quatro crianças observadas neste trabalho, foi
possível ver a existência do vínculo estabelecido entre elas e os seus cuidadores, que
ocorreu de forma gradativa, mediante a construção de uma relação de confiança.
Quanto ao comportamento dessas crianças, como já apontado na introdução do
70
trabalho, todas as quatro apresentam dificuldade de aprendizado, mau
comportamento escolar e, em alguns momentos, fortes explosões de raiva na escola
ou no acolhimento. Das quatro crianças em questão, três fazem uso de medicamento
para melhorar a atenção, o aprendizado escolar e diminuir a agitação. A única criança
não medicada tem apenas 5 anos e por esse motivo não recebe ajuda
medicamentosa, segundo a psicóloga e a assistente social.
Foi possível perceber, também, o quanto um bom acompanhamento
psicológico pode ser valioso para os acolhidos. Foi trazido pela psicóloga, durante sua
entrevista, a busca da instituição Casa Lar por atendimento psicológico para os
moradores dali. Para isso, se uniram a um grupo de psicólogos da cidade, coordenado
por duas psicanalistas, onde psicólogos voluntários atendem algumas das crianças e
recebem, semanalmente, supervisão de uma dessas psicanalistas. Esses
atendimentos têm trazido melhoras significativas no desenvolvimento das crianças
que estão sendo atendidas.
Ficou bastante clara a importância do abrigamento e dos cuidadores na vida de
cada um dos moradores da Casa Lar Abrigo de Lins. Um cuidador que tenha
condições de dar às crianças e adolescentes abrigados um acolhimento de forma
contínua e intensa proporcionará a eles chances de cicatrizar parte da ferida causada
pelas vivências emocionais de abandono, porém, existem alguns fatores que
interferem diretamente na qualidade da relação entre crianças e seus cuidadores.
Esses fatores podem ser tanto os internos – vivências, internalizações e nível de
resolução dos conflitos internos – quanto externos, que são as regras impostas pela
institucionalização, como horário de trabalho dos cuidadores, número de moradores
da instituição, existência ou não de apoio psicológico para os cuidadores, rotatividade
de cuidadores, para citar os mais marcantes.
A partir das entrevistas com os cuidadores foi possível ver a presença desses
fatores supracitados. A entrevistada Gérbera, por exemplo, deixou bem evidente na
sua entrevista o quanto a mudança de horário de trabalho dos cuidadores, que antes
era de segunda a Sábado e passou a ser 48h por 48h, prejudicou na relação dela com
as crianças, deixando claro que quando ela passava a semana toda na casa, o vínculo
era mais forte. O cuidador Flor de Liz afirmou que não se envolve emocionalmente
com as crianças para se poupar de sofrimentos posteriores, quando algum deles
precisar sair da casa. Outra informação a esse respeito, obtida na entrevista com a
cuidadora Gérbera, foi o quanto ela se sente esgotada para desempenhar seu
71
trabalho de cuidadora por não saber o que fazer com tantas emoções fortes que são
lançadas sobre ela, para citar algumas das informações obtidas.
Por fim, a pesquisa realizada, tanto bibliográfica quanto a de campo,
corroboraram sobre a importância do apego positivo para as crianças
institucionalizadas. Me diante isso, e, considerando os apontamentos realizados,
salienta-se que é preciso evitar a rotatividade de cuidadores para que as crianças
tenham a chance de formar vínculo com os mesmos e, ainda, atender, também, as
necessidades emocionais desses cuidadores, olhar para eles de uma forma especial,
colocando-o como sujeito no processo de cuidados, dando-lhe suporte para escuta de
seus anseios e medos e as dúvidas enquanto a sua atividade prática. Esse cuidado
pode se dar através de acompanhamentos individuais constantes com psicólogo, roda
de conversa em grupos e mesmo visitas às casas para que seja possível “sentir” como
está a relação do cuidador com os moradores. Esse olhar é fundamental, porque quem
cuidada também demanda cuidado.
Os profissionais que acompanharão as crianças e adolescentes acolhidos
institucionalmente precisam ter condições internas para lhes proporcionar esse olhar
atento e conseguir contribuir com o suporte necessário para a ressignificação de suas
histórias de vida.
72
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77
APÊNDICES
APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado (a) como voluntário(a) a participar da pesquisa: Apego
positivo em crianças em situação de acolhimento: perspectiva a partir do vínculo
afetivo com os cuidadores.
A JUSTIFICATIVA, OS OBJETIVOS E OS PROCEDIMENTOS: O motivo que nos
leva a propor este estudo é que o apego positivo em crianças em situação de
acolhimento tem se mostrado um tema relevante visto que crianças que são afastadas
do convívio familiar total ou parcialmente ou sofrem de privação, em níveis variados,
dos cuidados amorosos da mãe ou mesmo da mãe substituta, possuem uma grande
dificuldade de criação de vínculo e de apego, bem como grande prejuízo sócio
emocional, uns em grau mais acentuado, outros, mais leves. Através disso surge o
interesse em aprofundar os estudos sobre apego positivo, e relacioná-lo com as
informações obtidas na Casa Lar Abrigo de Lins. A pesquisa se justifica portanto pela
utilidade e relevância que esse projeto pode trazer à instituição Casa Lar Abrigo de
Lins, ao passo que após feita a pesquisa, vinculada à teoria, poderá adicionar
conhecimento aos cuidadores sobre o porquê de alguns comportamentos tido como
problema, importância do papel desses cuidadores na instituição, formas mais
eficazes de tentar conseguir vínculo com crianças que apresentem essa dificuldade e
a importância de se tentar um olhar individualizado à cada uma das crianças
moradoras desse abrigo. O objetivo desse projeto é descobrir se as crianças em
situação de acolhimento desenvolvem o apego positivo pelos seus cuidadores e como
esse vínculo acontece. Os procedimentos de coleta de dados serão da seguinte
forma: através de entrevistas semi estruturadas com os cuidadores da Casa Lar
Abrigo, observação da relação das crianças moradoras da instituição com seus
cuidadores em um dia comum de rotina e entrevista com os responsáveis pela
instituição.
DESCONFORTOS, RISCOS E BENEFÍCIOS: A sua participação neste estudo pode
78
gerar algum tipo de desconforto quanto, apreensão por medo de que as informações
possam ser passadas aos seus superiores, timidez ou vergonha para se expressar,
os riscos são: expor a instituição e os participantes em situações indesejáveis; passar
informações errôneas sobre a instituição com receio de que as mesmas sejam
expostas e esquivar-se em responder questões sobre temática apego, vínculo afetivo,
família entre outros. As medidas para minimiza-los são: esclarecer ao máximo que os
dados ali coletados são de extrema importância para a realização da pesquisa, e que
não prejudicarão a instituição; explicar que a função da pesquisa é trazer maiores
benefícios para a instituição e criar uma relação de vínculo para que sintam-se
seguros em compartilhar e falar sobre temas que muitas vezes causa angústia. Os
benefícios esperados são que através desta pesquisa haja uma colaboração aos
administradores, cuidadores, futuros pesquisadores, possíveis adotantes e também
as crianças moradoras dessa instituição, por meio das informações teórica e dados
coletados nesse trabalho.
FORMA DE ACOMPANHAMENTO E ASSISTÊNCIA: Caso você apresente algum
problema em seus exames clínico, preventivos, de rotina, etc. Você será
acompanhado (a) e encaminhado (a) para tratamento adequado ao tipo de doença da
seguinte maneira: para o Serviço de Psicologia do UniSALESIANO.
GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE
SIGILO: Você poderá solicitar esclarecimento sobre a pesquisa em qualquer etapa do
estudo. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou
interromper a participação na pesquisa a qualquer momento, seja por motivo de
constrangimento e/ou outros motivos. A sua participação é voluntária e a recusa em
participar não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios. Os
pesquisadores irão tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Os
resultados da pesquisa serão enviados para você e permanecerão confidenciais. Seu
nome ou o material que indique a sua participação não será liberado sem a sua
permissão. Você não será identificado (a) em nenhuma publicação que possa resultar
deste estudo. Este consentimento está impresso e deve ser assinado em duas vias,
uma será fornecida a você e a outra ficará com o pesquisador responsável. Se houver
mais de uma página, tanto o pesquisador quanto o participante deve rubricar todas as
páginas.
79
CUSTOS DA PARTICIPAÇÃO, RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO: A participação
no estudo, não acarretará custos para você e será disponibilizado ressarcimento em
caso de haver gastos com transporte, creche, alimentação, etc, tanto para você,
quanto para o seu acompanhante, se for necessário. No caso de você sofrer algum
dano decorrente dessa pesquisa você tem direito à assistência integral e gratuita no
Serviço de Psicologia do UniSALESIANO e deverá procurar os pesquisadores
responsáveis; Melissa Fernanda Fontana, Caroline Pereira da Silva ou Mariana Pivato
da Rocha Galenti.
DECLARAÇÃO DO PARTICIPANTE OU DO RESPONSÁVEL PELO
PARTICIPANTE
Eu,___________________________________________________________
___________fui informado (a) dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e
detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar
novas informações e ou retirar meu consentimento. Os responsáveis pela pesquisa
acima, certificaram-me de que todos os meus dados serão confidenciais. Em caso de
dúvidas poderei chamar o estudante Caroline Pereira da Silva - End. Rua dos
Manacás, 27 - Jardim Bom Viver - Fone: (14)981334485 ou Mariana Pivato da Rocha
Galenti - End. Rua Osni Pinto da Costa, 288 - Residencial Fortaleza - Fone:
(14)982130004 e o pesquisador responsável Melissa Fernanda Fontana - End. Rua
Avanhandava, 207 - Garcia - Fone: (14) 3523-6016 ou ainda entrar em contato com o
Comitê de Ética em Pesquisa do UniSALESIANO, localizado na Rodovia Teotônio
Vilela, Bairro Alvorada – Araçatuba-SP Fone:(18)3636-5252, 08:00 às 14:00. O
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um colegiado composto por pessoas
voluntárias, com o objetivo de defender os interesses dos participantes da pesquisa
em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa
dentro de padrões éticos. O CEP – UniSALESIANO de Araçatuba é diretamente
vinculado ao Centro Universitário Católico Auxilium de Araçatuba-SP/Missão
Salesiana de Mato Grosso.
Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma via deste termo
80
de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer
as minhas dúvidas.
Assinatura do participante de pesquisa ou impressão dactiloscópica (se necessário).
Assinatura:
Nome legível:
Data _______/______/______
................................................................................
Assinatura do (a) pesquisador (a) responsável
Data _______/______/______
Impressão dactiloscópica
Im pr es s ã o
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81
APÊNDICE B – Termo de Assentimento
TERMO DE ASSENTIMENTO (TA)
Utilizado quando o participante da pesquisa for maior de cinco anos e menor de 18
anos ou para pessoa com deficiência intelectual ou incapaz
Eu, Melissa Fernanda Fontana, estou convidando você para participar da
pesquisa que tem o nome de APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE
ACOLHIMENTO: PERSPECTIVA A PARTIR DO VINCULO AFETIVO COM OS
CUIDADORES.
Você já participou de alguma pesquisa? Por exemplo pesquisas que as pessoas
fazem para saber quantas pessoas moram naquela casa e qual a idade delas, ou na
escola quando a professora pergunta qual a comida favorita dos alunos. Para
fazermos esta pesquisa precisamos saber como é a rotina de vocês e como é o
relacionamento que você têm com os seus cuidadores. Por isso convidamos crianças
e cuidadores para participarem dessa pesquisa. Eu sou a pessoa responsável pela
pesquisa e já conversei com seu responsável Flávia Golmia e ela nos deu autorização
para que você participe. Seu responsável pode mudar de ideia e não deixar que você
continue a participar da pesquisa a qualquer momento.
Junto comigo teremos outras pessoas que também são pesquisadores. O nome
delas são Caroline Pereira da Silva e Mariana Pivato da Rocha Galenti.
Estamos fazendo essa pesquisa para saber qual é a relação que você tem com
os seus cuidadores.
Outras cinco crianças também irão participar desta pesquisa. Elas têm de 06 a
10 anos de idade. A participação de todas as crianças é voluntária, isto é: não tem
nenhum presente e nem mesmo recebe algum dinheiro para participar.
Eu estou conversando com você para explicar como a pesquisa será realizada.
Nós (Melissa, Caroline e Mariana) vamos nos encontrar aqui na sua casa (Casa Lar
Abrigo), onde realizaremos uma observação das brincadeiras de vocês. Não haverá
interrupções, e ninguém além de nós vai ficar olhando e ouvindo, onde você e as
outras crianças irão brincar e desenvolver as demais atividades do dia a dia como de
costume. Esta pesquisa não haverá custo para ninguém. E caso ocorra algum
problema que possa ser resolvido no Serviço de Psicologia do Unisalesiano, toda a
assistência será dada de forma gratuita.
82
A pesquisa é feita de forma que não aconteça nada que possa prejudicar
ninguém, por isso dizemos que é uma pesquisa segura. Caso alguma coisa aconteça
de errado (chamamos de risco) como sentir vergonha ou algum tipo de incomodo
relacionado a nossa presença, seu responsável será avisado imediatamente e
encerraremos a observação naquele dia. Ele também pode nos procurar pelos
telefones (Mariana (14) 98213 0004; Caroline (14) 98133 4485 e Melissa (14)
991355227) e também entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do
UniSALESIANO Araçatuba-SP, Rodovia Teotônio Vilela, Bairro Alvorada, Araçatuba -
SP, Fone:(18) 3636-5252. O Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) é um grupo de
pessoas que deve existir nas instituições que realizam pesquisas envolvendo seres
humanos, criado para defender os interesses dos participantes da pesquisa e para
contribuir no desenvolvimento da pesquisa de acordo com as normas existentes. O
CEP do UniSALESIANO é diretamente ligado ao Centro Universitário Católico
Auxilium de Araçatuba-SP/Missão Salesiana de Mato Grosso.
Essa pesquisa vai trazer benefícios para pessoas que (cuidam do
funcionamento dessa casa, as pessoas que cuidam de vocês administradores,
cuidadores, outros pesquisadores, famílias que possam voltar a cuidar de seus filhos
que estão morando aqui, pessoas que queiram adotar alguma criança e/ou
adolescente que mora aqui).
Você e todas as outras crianças podem desistir de participar da pesquisa se
não quiser. Não tem nenhum problema, é um direito que você tem e ninguém ficará
chateado ou vai brigar com você.
Ninguém, além de seu responsável saberá que você está participando da
pesquisa; não falaremos a outras pessoas, nem falaremos o que for observado aqui.
É como se fosse um segredo.
Quando acabarem as observações e os outros trabalhos, teremos os resultados
da pesquisa. (Os resultados da pesquisa vão ser divulgados em um trabalho escrivo
que montaremos e quem tem o nome de trabalho de conclusão de curso (TCC) e que
ficará disponível na bliblioteca do Unisalesiano de Lins, mas sem mostrar os nomes e
endereços das crianças e dos cuidadores que participaram).
Eu____________________________________________________________
_____,
83
Entendi as coisas boas e as coisas ruins que podem acontecer.
Entendi que posso dizer “sim” e participar e se eu não quiser mais, eu posso dizer “não” e que
ninguém vai ficar chateado ou vai brigar comigo, mesmo que eu já tiver começado.
Melissa Fernanda Fontana me explicou tudo direitinho e respondeu ao que eu perguntei.
Melissa Fernanda Fontana já me disse que meus pais deixaram que eu participe da pesquisa.
Melissa Fernanda Fontana e eu, lemos juntos o documento.
Eu, _________________________________________aceito participar da pesquisa
APEGO POSITIVO EM CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO:
PERSPECTIVA A PARTIR DO VINCULO AFETIVO COM OS CUIDADORES.
Recebi uma via deste documento que tem o nome de Termo de Assentimento.
Local, ____de _________de __________.
Assinatura do(a) menor ou impressão dactiloscópica.
Assinatura do(a) pesquisador(a) responsável
Data _______/______/______
Impressão dactiloscópica
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APÊNDICE C – Roteiro de entrevista Semiestruturada com Psicóloga e
Assistente Social.
1 Qual a importância da casa lar para as crianças?
2 Os cuidadores são qualificados?
3 Qual a importância dos cuidadores?
4 Quais são os principais cuidados tomados pela instituição?
5 Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser melhor?
6 Qual o envolvimento da comunidade?
7 Como nosso projeto pode ser útil?
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APÊNDICE D – Transcrição da entrevista com a Psicóloga (P) e com a Assistente
Social (AS).
Pergunta: Qual a importância da Casa Lar para seus moradores?
P:: Eu penso que a importância da casa lar ne que de forma temporária ela vem
substituir uma condição de um lugar tanto interno quanto externo para permitir com
que haja um espaço tanto físico quanto mental para se desenvolver condições para
essas crianças se sentirem um pouco mais seguras e protegidas, então a casa lar, ela
vai ficar nessa função de uma casa como se fosse a minha, porém o que prevalece é
o coletivo e não o individual. Mesmo tendo como referência o cuidador, esse cuidador
ele vai estar podendo desenvolver, lançar um olhar, mas esse olhar ele vai prevalecer
no coletivo, mas fica nessa condição de cuidado, então, é um cuidado, é um lugar,
mas é toda essa dimensão, então assim, é necessário se pensar que seja temporário.
Esse acolher, esse primeiro olhar, é até a questão mesmo da necessidade fisiológica,
básica, que vai desde oferecer um prato de alimento, um banho, um abraço, porque
geralmente eles chegam muito assustados, com medo, porque vão chegar num
ambiente onde já está prevalecendo um número de outras crianças e adolescentes,
então, quando chega, vão se deparar com outros acolhidos, esses acolhidos também
vão estranhar a presença de um novo recém chegado , então isso, tumultua bastante
o ambiente em si, mas assim, esse primeiro acolher, ele precisa também ser sentido
como satisfazer essas necessidades primeiras, que tem a ver mesmo com essa
questão do leite em si, da alimentação, de um banho, de um abraço, de uma
contenção, enfim, de todo esse contorno.
AS: O acolhimento é como se fosse um resgate, né? Ele vai mostrar para criança
situações que eles não conhecem com a família, o que é o cuidado, o que é a
proteção, o que é levar para escola, o que é dar comida no horário certo porque
quando eles chegam para nós eles tem uma cultura completamente diferente do que
a gente está adaptado, então para eles também é muito assustador. Então assim, é
importante, prevalece sempre o coletivo porque o individual nunca vai ser acolhimento
nenhum por mais que seja diferente de abrigo, por ser uma casa, com quantidade
menor, que são até dez para um cuidador, então assim, cria-se vínculo, pois não são
vários cuidadores, não tem tanta rotatividade, não tem nada disso, que é diferente do
abrigo, ne? Aí a gente consegue resgatar algumas situações, algumas coisas das
crianças, né? Então assim, tudo muito temporário, teria que ser, temporário, mas
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quando entra, dificilmente sai, por conta da burocracia do judiciário. É muito
burocrático para a criança sair da casa. Então a importância do acolhimento, não é a
importância da Casa Lar, é a importância do acolher, de receber a criança no momento
da vitimação, ne? Porque ela sofreu alguma coisa para poder estar aqui, ela não está
porque o pai e a mae não quis, a criança, eu digo, não está porque o pai e a mãe
simplesmente abriu mão e não quer mais, é porque alguma coisa está acontecendo.
Ou essa criança sofreu alguma negligência, um abuso, maus tratos, chegou com
algum tipo de violência ou física ou psicológica, então essa criança chega em um nível
que a gente tem realmente que acolher. Então, qual é a importância da acolhida para
essa criança, para esses acolhidos? Tem até um livro que chama “Cada caso é um
caso”, não sei se vocês conhecem, e que fala muito sobre isso, sobre o acolher, como
acolher, e que se você não acolher corretamente, esquece que o resto também não
vai dar certo, entendeu? Então tudo começa ali, na porta de entrada. E esse livro fala
que cada caso é um caso, cada criança é de um jeito, então não tem como ter uma
regra, quando a criança chegar vai ter que fazer isso, isso, isso e isso. Não existe isso,
porque cada criança vai chegar de um jeito, né? Então cada caso sempre vai ser
único.
Pergunta: Os cuidadores que trabalham na Casa Lar são qualificados para o
trabalho?
P: Essa é uma parte que fica mais com a coordenação, a equipe técnica também
corrobora, auxilia quando necessário, por exemplo na questão de entrevista para a
seleção. Geralmente os cuidadores não tem uma formação especifica, não trazem em
si essa bagagem, são pessoas com pouca escolaridade, pessoas que tem uma
vivência que trabalharam de certa forma com crianças, adolescentes, idosos. Fui
cuidador, fala a palavra cuidador, fica até uma forma mais generalizada, né? Então aí
a pessoa vem traz curriculum, e diz não é porque eu adoro criança, e traz aquela
idealização de uma possibilidade de vir a ser um cuidador. Quando a pessoa chega,
então assim, a gente vai pensando que essa pessoa também tem que estar dentro de
um perfil, porque para estar dentro da casa lar, essa pessoa tem que ter um
funcionamento um pouco mais calmo e tranquilo no sentido de ter um funcionamento
mais continente, conseguir ter uma certa continência, um auto controle, a gente
precisa saber que ela consegue tolerar, também, enquanto adulto, frustrações, porque
muitas vezes a criança vai projetar o tempo todo nela, muitas emoções intensas,
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fortes, como a raiva, o ódio, o movimento também da ambivalência, então assim, essa
escolha, quando acontece, na verdade da contratação, as pessoas são contratadas
pelas características, mas não assim porque ela vem já sendo um cuidador, né? Então
assim, quando ela entra, aí é que o serviço vai poder desenvolver a partir daí uma
capacitação. Essa capacitação até então é desenvolvida pela equipe técnica, que tem,
vamos dizer, uma perna curta, pra poder fazer um trabalho que a gente consegue
fazer mensal, onde a gente trabalha com eles, os cuidadores, temas específicos como
a importância do não gritar, enfim, vários temas que a gente vai sentindo dentro da
questão ali da rotina, de ambas as casas porque cada casa tem um perfil, um tipo de
funcionamento, uma dinâmica, tanto das crianças quanto do cuidador, então assim, a
capacitação vai acontecer depois. Num primeiro momento os profissionais não vem
prontos, eles vão precisam ser construídos. A gente consegue proporcionar isso, em
parceria a isso existe também um trabalho encabeçado por uma psicanalista aqui de
Lins, junto com todos os outros psicólogos que atendem várias crianças de forma
voluntária, e essa psicanalista teve sempre, por muitos anos, teve sempre muito
cuidado de também organizar capacitações para os cuidadores, receber esses
cuidadores com outros grupos de psicólogos dentro da clínica dela junto com uma
outra psicanalista, fazer mesmo, estudar o desenvolvimento infantil, as fases
psicossocial de Freud, enfim, vários temas, de elaboração de apostila, então, assim,
o serviço Casa Lar vai buscando, mas não dá para a gente falar para vocês que o
cuidador chega pronto. O cuidador precisa, quando entra, sentir-se aberto, propenso
a construir uma identidade também de cuidador, assim como nós, que sempre temos
que lidar com o novo.
AS: Isso é interessante porque a gente já fez experiência de colocar pessoas que já
vinham com experiência, com bagagem, até mesmo de trabalhar em outros
acolhimentos, de já ter uma experiência profissional e não deu certo. A própria pessoa
que veio com toda essa experiência, não deu conta. Aqui a gente valoriza muito o
trabalho dos cuidadores, eles vem aqui, a gente ouve, a gente chama as crianças, a
gente dá autoridade para os cuidadores, a gente não tira a autoridade de cuidador e
caso a gente perceba que o cuidador está tendo um comportamento errado perante
as crianças, a gente se contém para não tirar a autoridade dele e depois trabalhamos
isso com eles nas capacitações. Mas tudo isso é feito depois que o cuidador é
contratado, depois que ele já teve a vivência das variada demandas que serão
exigidas deles. A gente até prefere pegar alguém “cru” e ensinar, do que alguém que
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vem com uma bagagem e muitas vezes não vai nem aceitar o que a gente está
dizendo, por achar que já sabe, que infelizmente tem pessoas assim, que acha que
sabe tudo e eu sempre falo que a gente não sabe nada, que a gente está sempre
aprendendo. Quanto mais a gente sabe que acha, mas a gente tem que aprender. É
assim que funciona. Damos respaldo diário para os cuidadores. Tem dia que eles
ligam de manhã, de tarde e de noite, tem dia que ligam só para desabafar.
Pergunta: Qual a importância dos cuidadores?
P: Eles vão exercer nessa relação, essa maternagem, essa paternagem. Então assim,
eles vão estar nessa função do pai, da mãe. Não serão os pais nem as mães, mas
vão exercer essa função, que é tão importante, então assim, ser esse pai, essa mãe,
no contexto do serviço, do acolhimento, dentro da casa, é o que vai possibilitar
também à criança, poder compreender que ela tem o direito ali de extravasar a raiva,
o ódio, chorar, que tem dias em que ela pode estar mais triste, assim também como
ela vai poder experimentar a alegria na relação com esse cuidador, com esse
educador, né? Porque, acontece muitas vezes, principalmente com os adolescentes,
aquela coisa da onipotência em que dizem: - Você não é meu pai, você não é minha
mãe, você não manda em mim! Então assim, chega esse momento, e enquanto é
criança, o cuidador vai podendo ajudar, nessa função, a delimitar essa questão de
introjetar as regras, compreender o porque do sim, o porque do não, a importância de
precisar esperar, que aquele não é não naquele momento, mas que pode vir a ser um
sim, mas que vai ter que esperar um pouquinho. É claro que a criança não tem
nenhuma questão cerebral estrutural formada para aguentar esperar, mas muitas
vezes é isso que faz parte do desenvolvimento, então o cuidador está nesse lugar,
está nessa função também, ajudar a se sentir seguro, tranquilo, a ser essa pessoa de
referência, como figura de autoridade e de afeto, realmente é a pessoa que vai estar
ocupando esse lugar. Essa figura precisa ser internalizada de um jeito bom.
AS:
Pergunta: Principais cuidados tomados pela instituição?
P: A questão do sigilo. As casas, vocês vão perceber quando forem lá, não tem
identificação, começa por aí. A Casa Lar é identificada através da sede. As crianças
também quando vão para a escola, para os atendimentos, também existe esse
cuidado de não ser rotulada como a fulana da casa lar, não. Aquela criança tem nome,
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tem identidade, está acompanhada de um cuidador, que está ali como educador,
como uma referência, está na função, naquele momento, como se fosse a mãe, como
se fosse o pai, então é o acompanhante dela naquele momento. Então essa questão
do sigilo, da preservação da identidade, de garantir a ela esse direito que ela tem de
ir e vir como uma pessoa “comum”, como uma pessoa como todas nós, o cuidado de
por mais que prevaleça, como já foi dito, o coletivo, fazer com que eles possam
usufruir, da melhor, maneira, o individual, cada um tendo os seus pertences como
roupas, calçados, produtos de higiene, brinquedos, a sua própria cama, poder, muitas
vezes, escolher aquilo que quer. Muitas vezes os adolescentes, os maiores já são
levados nas lojas para escolher aquilo que tem vontade de usar, como deseja se
vestir, se maquiar, então tudo isso faz parte dessa construção. Cuidado com a
capacitação. Nos atendimentos de escuta qualificada, apoio, suporte para os
cuidadores e crianças. Os atendimentos acontecem aqui na sede. Se o adolescente
tem condições ele vem a pé, se é uma criança mais nova, o motorista busca. Os
atendimentos acontecem aqui, justamente para descaracterizar essa coisa de ele
estar acolhido, então ele vem pra cá para receber um espaço para receber um
atendimento, se for algo mais específico com o atendimento social, o atendimento é
feito com a responsável, se for da psicologia, é comigo. Se a gente sente a demanda,
as duas fazem a intervenção juntas
AS: Tem crianças e adolescentes que criam vínculo, então a gente tem um cuidado
de perceber isso, cuidado de identificar com quem a criança se identificou melhor, se
comigo ou com a psicóloga, então a gente tem que ter o cuidado de observar isso, e
poder manter isso. Então além de todos esses cuidados que a psicóloga já disse e
que se aplicam mais à rotina da casa, nós aqui devemos ter o cuidado de cuidar do
processo, de agilizar o processo, de cuidar dessa criança para que não
institucionalize, para que não fique, dentro dela, concretizado o acolhimento, a
institucionalização, porque uma criança institucionalizada, se priva de muita coisa, ela
se priva da vida, ela se priva da autonomia, ela acha que tudo vem e nada vai. Nós
temos crianças aqui hoje que está cristalizado, que não dá mais para tirar. Cristalizou
a instituicionalização, que são os dois irmãos que está aqui há 11 anos. Eles acham
que tudo eles tem que ganhar, que tudo tem que vim, que tudo tem que ser dado, e
não é isso, família não é passeio, família não é estar alí somente para ter um momento
de lazer, família também tem discussões, momentos ruins, família também tem outras
situações, que não são só coisas boas. Como veio de uma situação de
90
institucionalização há muitos anos, e institucionalização, querendo ou não, as pessoas
tratam com dó, com cuidado, querendo dar tudo para suprir aquilo que falta, pelo
menos abrigo era assim, então, quando passam a viver a realidade de uma família,
eles sofrem, porque eu não quero, porque é doloroso, porque eu tenho que esperar e
eu não quero esperar, eu vou ter que trabalhar para ter. E isso não é culpa dele, é
culpa do sistema e isso já foi cristalizado nele. E agora para tirar? É difícil. É com a
gente diz:-Nós trabalhamos aqui com cultura, cada um tem a sua cultura, cada um
tem seu modo de pensar. Eu não posso colocar o meu modo de pensar, o meu jeito
de ser, nos meus atendimentos. Eu venho como técnica que está aqui sentada para
ouvir. Então a gente tem que ter muito cuidado também com isso e o tempo inteiro,
para a gente não colocar nossos conceitos, a nossa moral, o nosso jeito de agir, nas
situações que vem aparecendo. O cuidado é a todo momento. Em tudo a gente tem
que ter cuidado. Cuidado de acolher, cuidado na horas que as crianças já estão dentro
da casa, com as crianças, com o cuidador, com o processo, com as famílias, com as
famílias de apoio, com as famílias que entram para não invadirem o espaço, com o
desligamento através de festa de despedida e preparo das crianças antes e durante
sua saída, bem como o acompanhamento depois de sua saída. Temos que ter cuidado
também, nesse momento, com os que ficam na casa, porque é muito angustiante para
eles.
Pergunta: Em quais aspectos o serviço de acolhimento poderia ser melhor?
AS: A começar pela parte estrutural. Seria importante que as casas de acolhimento
fossem casas construídas, porque não existe em Lins, casas com quartos suficientes
para poder atender as crianças. Seria o ideal, nós estamos pensando aqui no que nós
sonhamos, tá? Como a gente queria que fosse, idealizado. Então teria que ser uma
casa construída com quartos maiores, porque as casas em Lins, infelizmente, são
quartos pequenos e agente não pode fugir da realidade dessas crianças, então a
gente não pode ir lá e alugar uma mansão em Lins, como que a gente muda a
realidade, é um choque, não dá, né? Não é porque eles não mereçam, não é isso, é
que de fato é um choque muito grande, e eles não aceitam e a nossa realidade de
aluguel também tem que ser dentro da realidade que a prefeitura possa pagar, que a
gente está falando de dinheiro nosso, público, é a gente que paga imposto, então é a
gente que paga o aluguel da Casa Lar. Então assim, dentro de Lins não existe um
aspecto estrutural pronto. Então se não for construída, a gente não vai chegar perto
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do ideal. E a questão também de funcionário. A gente acha sempre que precisa de
mais, pelo menos mais um, porque se acontecer de um cuidador adoecer, o que a
gente faz com um “volante”? E no momento estamos ainda sem “volante”, então o que
a gente faz? Por que o “volante” tem a função de cobrir férias, atestado e caso
necessário, estar no hospital acompanhando alguma criança e nós temos duas casas,
como um volante vai dar conta de duas casas? Teoricamente parece que o volante
não vai fazer nada durante um período, mas ele tem uma função muito importante.
Dentro da casa se tivéssemos dois o dia inteiro trabalhando, além do auxiliar que cuida
da limpeza da casa e da comida, nossa, seria ótimo. Então em resumo, seria
interessante a melhor na parte física da casa, um aumento no número de cuidadores,
não para virar um abrigo, mas para poder dar mais atenção às crianças, porque tendo
dois cuidadores, para eles seria o essencial, porque seriam dois para olhar os 10
acolhidos.
P: O que eu sinto que existe dentro da rede é uma dificuldade de articulação entre
todos os equipamentos, seja da assistência, seja da saúde mental, do judiciário. A
gente sente que ficam muitas lacunas, muitas brechas, então fica uma falha na
comunicação, então a Casa Lar não trabalha sozinha, o trabalho da Casa Lar, para
poder, desligar uma criança, acolher uma criança, a manutenção da vivência na
permanência dessa criança, até o seu desligamento, não é só a Casa Lar, e muitas
vezes a sensação que a gente tem é “toma que o filho é seu”. Uma vez que entra na
Casa Lar é isso, “toma que o filho é seu”, some todo mundo, então, se a Casa Lar não
fica em cima, buscando os demais equipamentos, fica difícil. A gente até brinca que
as vezes temos que fazer papel de detetive. Então, quando a criança entra, você tem
que, muitas vezes, o próprio conselho tutelar não nos dá o embasamento necessário
para saber em que escola aquela criança estava estudando, os documentos daquela
criança que não vem, então você tem que providenciar o RG, você tem que descobrir
em qual escola ela está matriculada, se faz uso de medicação, se está fazendo algum
tratamento, como de dentista. Então, você tem que virar detetive.
Pergunta: Qual o envolvimento da comunidade?
P: Existe uma participação da comunidade dentro da “família de apoio”, que acontece
por busca ativa, a gente vai tentar fazer a captação do maior número de famílias, ou
essas famílias chegam até nós de maneira espontânea, também através do
“apadrinhamento afetivo” que é um projeto que ainda está engatinhando. Temos
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também procura por pessoas que tem interesse em fazer um trabalho voluntário, mas
isso acontece com maior frequência em datas comemorativas como dia das crianças
e natal. O próprio trabalho que vocês estão desenvolvendo está dentro desse aspecto
da comunidade, vocês vão estar prestando um serviço, né?
AS: Percebe-se, então, uma falta de conhecimento da comunidade sobre a
responsabilidade que ela tem, porque o porquê o próprio ECA traz que a
responsabilidade é do Estado, da família e da comunidade, portanto, nós, enquanto
cidadãos, temos obrigações dentro do município, e as nossas obrigações, nossas
responsabilidades também é auxiliar as entidades, como cidadão. As pessoas não
conseguem entender a participação delas, porque eles culpam as famílias e o Estado,
e eu? Eu estou aonde nisso tudo? Essa questão do apadrinhamento afetivo é muito
importante, mas as pessoas tem muito preconceito, eles não conhecem, não sabem
o que é e não tem interesse. Então, a gente percebe que na comunidade ainda falta
muito preparo para ela entender o que é o serviço de acolhimento, pra que que serve,
confundem muito com Fundação Casa, que não tem nada a ver, confundem também
com outros tipos de serviços que não tem nada a ver, pensam que são crianças
revoltadas e dizem: - Eu não quero esse tipo de criança na minha casa! Mas não
conhece, não sabe quem é. Então a gente diz que cria-se um pré – conceito. Não
conhece aqui, e julga. O apadrinhamento afetivo, não sei se vocês conhecem, mas
são pessoas que vão dar aquilo que está faltando para a criança, que é o afeto.
Existem outros tipos de apadrinhamento como o financeiro, o voluntário, mas o que a
gente quer mesmo é o afetivo e é esse compromisso que a gente quer da comunidade.
Pergunta: Como o projeto pode ser útil?
P:
AS: Dentro do trabalho de vocês, se for possível realmente explanar tudo isso, o que
é o acolhimento, quem são essas crianças, o porque eles estão ali, qual a importância
disso tudo, qual é o papel de cada um, tanto dos cuidadores, quanto da equipe técnica,
coordenação e comunidade, para fazer com que as pessoas entendam o que é isso,
tenham uma maior clareza do que é isso e entendam de uma outra forma, de visões
de outras pessoas, então, assim, eu acho que o trabalho de vocês, voltado a esse tipo
de situação, pode contribuir com que as pessoas abram a questão da visão para poder
conhecer, ampliar, e poder participar disso, porque o serviço de acolhimento é aberto,
a sede está aberta para a gente receber a população, a comunidade, mas as pessoas
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não vem e não buscam. Buscam somente no momento que precisam aliviar uma
culpa, depois não mais. O ser humano é assim, infelizmente. Então o trabalho de
vocês vai contribuir bastante nesse sentido de mostrar de fato o que é isso aqui
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APÊNDICE E – Roteiro de Entrevista semiestruturada com os cuidadores.
Dados de identificação
Trabalha na instituição desde quando: _______________________________
Qual horário: ___________________________________________________
Quem trabalha junto com você no seu horário: _________________________
Qual a sua formação/nível escolar: __________________________________
Tem filhos, quantos e sua Idade: ___________________________________
Qual o seu estado civil: ___________________________________________
1 Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura
materna/paterna para a criança?
2 Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?
3 Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?
4 Como é a sua relação com as crianças na instituição?
5 Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores dessa
instituição?
6 Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento apresentado
pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas famílias?
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APÊNDICE F – Transcrição das entrevistas individuais com os cuidadores.
Entrevista semiestruturada com o cuidador ficticiamente chamado de Flor de
Lis (FL). Entrevista realizada no dia 26/09/2018
Pergunta: Trabalha na instituição desde quando? Qual horário?
FL: Desde Abril desse ano. Trabalho 2 dias inteiros e folgo 2 dias inteiros. Aqui
dizemos que trabalhamos 48 por 48.
Pergunta: Quem trabalha junto com você no seu horário?
FL: Só a Rosa. Quando ela vai embora eu fico sozinho com as crianças e
adolescentes.
Pergunta: Qual a sua formação/nível escolar?
FL: Curso técnico completo em administração e curso superior incompleto. Fiz 3 anos
de faculdade e tranquei.
Pergunta: Você tem filhos? Quantos? Idade?
FL: Tenho 1 filho de 2 anos e 6 meses de idade.
Pergunta: Qual o seu estado civil?
FL: Amasiado.
Pergunta: Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura
materna/paterna para a criança?
FL: Sim, porque eles se espelham na gente né, porque eles não têm uma figura para
se espelhar então eles procuram na gente. É complicado porque alguns ainda tem a
presença do pai, alguns ainda tem contato com os pais.
Pergunta: Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?
FL: Eu me preparei para entrar aqui. Eu era “volante”, eu não trabalhava todos os
dias, não trabalhava em termos porque eu já entrei com a cuidadora machucada,
então no primeiro dia eu já assumi a casa toda, mas antes disso eu li o prontuário de
todos para saber o que eu ia encontrar aqui na casa para lidar com cada um, então
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eu já vim preparado que eles iam sair qualquer hora, porque te cuidador que fica uma
semana chorando, eu não fico até contente que está indo, que vai para uma família.
Então eu não me apego, cuido dou carinho, mas eu não me apego, sei que uma hora
eles vão embora, então eu me preparei dessa forma, acho que é por isso que eu estou
aqui até hoje, porque é bem difícil.
Pergunta: Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?
FL: É a gente vai conquistando eles aos poucos, alguns demoram bem mais eu estou
aqui vai fazer sete meses tem alguns que estão se abrindo agora.
Pergunta: Como é a sua relação com as crianças na instituição?
FL: Nossa relação é boa. Eles falam para os outros que gostam muito de mim.
Pergunta: Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores
dessa instituição?
FL: São como “cão e gato”, uma hora está tudo bem de repente começam a brigar, é
como uma família normal, são muitas crianças juntas né muita diferença de idade.
Mas de um modo geral eles mantem uma relação muito boa.
Pergunta: Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento
apresentado pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas
famílias?
FL: Sim. Eles chegam buscando confiança. Se você promete alguma coisa aqui, tem
que cumprir. Teve uma vez que eu prometi algo e não consegui cumprir; eles ficaram
um mês dizendo que eu prometo e não cumpro. Outra questão que interferia muito no
comportamento delas, era a alta rotatividade de cuidadores que tinha aqui.
Entrevista semi-estruturada com o cuidador ficticiamente chamado de Girassol
(G). Entrevista realizada no dia 28/09/2018
Pergunta: Trabalha na instituição desde quando? Qual horário?
G: Faz um ano e três meses. Esquema de 48 por 48.
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Pergunta: Quem trabalha junto com você no seu horário?
G: Só a rosa.
Pergunta: Qual a sua formação/nível escolar?
G: Fiz até o terceiro colegial.
Pergunta: Tem filhos? Quantos? Idade?
G: Tenho um de 29 anos.
Pergunta: Qual o seu estado civil?
G: Divorciada.
Pergunta: Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura
materna/paterna para a criança?
G: Sim, sentem como pai e mãe, é uma coisa muito forte eles conseguem ficar tão à
vontade que eles expõem qualquer sentimento, eles também xingam a gente, eles
respondem mal eles tem liberdade assim como se fosse pai e mãe mesmo eles
choram com a gente, tem momentos que eles querem nosso colo, nosso carinho não
me considero um cuidadora me considero uma mãe de verdade, porque você sofre
junto você ri junto você brinca junto, na hora dos “pegas” você está junto então eu
acho que é muito mais uma presença de pai e mãe é o que eles buscam na gente é
isso.
Pergunta: Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?
G: Assim, eu tenho uma dificuldade muito grande porque eu me apego muito sabe,
como se fosse mãe, por exemplo, está com febre da o meu horário de ir embora eu
vou mas não consigo me desligar ai meu deus será que melhorou será que dormiu
bem será... e eu tenho que me desligar que eu preciso descansar também se não isso
fica sufocado, então eu tenho isso comigo então vai desgastando sim, tem dias que
eu estou mais cansada tem dias que estou mais tranquila só que a gente se sente
tanto em uma situação de mãe que você busca forças. Tem horas que a gente chora
também, tem horas que a gente cada um tem sua maneira de pôr para fora tem hora
que gosto de conversar e quando eu converso eu me sinto aliviada forte e essa ida
para casa eu volto renovada. E os momentos que eu tenho para descansar eu
descanso para estar bem para eles. Então eu busco uma forma de descarregar é difícil
98
é sim mexe muito com o emocional da gente, então a gente tem que estar forte para
eles.
Pergunta: Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?
G: A gente assim, quando eles chegam aqui chegam assustados, carentes sabe, casa
nova tudo novo eles ficam tudo meio pelo cantinho você tem que fazendo eles
interagirem com as crianças você tem que dar apoio segurança falar não aqui agora
é o nosso lar a nossa casa, como se eles não estivessem entrando em um abrigo,
eles tivessem convivendo em uma família, então a gente tenta assim, não que deixa
os outros de lado, mas focar muito ali neles que chegaram até você perceber que eles
estão mais à vontade. Então como a gente já sabe se está aqui já está sofrendo ne
deixou a família já veio com problemas a gente tem que dar muito amor, muito carinho,
se dedicar mais ali até ele se enturmar se enturmou um pouquinho tal, tem criança
que sofre mais tempo tipo um mês quinze dias e tem criança que chega no outro dia
seguinte já está brincando conversando.
Pergunta: Como é a sua relação com as crianças na instituição?
G: Cada cuidador fala do seu modo né porque é muito difícil igual a gente procura
trabalhar do mesmo modo, mas é bem diferente é bem difícil, tem hora que até nas
atitudes eu faço de um jeito e Flor de Liz de outro porque é diferente né, eu estou a
mais tempo as vezes eles até brincam em falar que somos mãe e pai. Eu sou mais
paciente, sou mais de diálogo gosto de conversar, conversar e conversar. É como se
fosse uma relação de pai e mãe mesmo, como se fosse uma família, alguns tem mais
facilidade de falar comigo outros tem mais facilidade de falar com o Flor de Liz e é
assim.
Pergunta: Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores
dessa instituição?
G: É assim cada criança é de um jeito tem criança que tem um desempenho melhor
brinca aceita mais, tem criança não que tem disputa esse é meu esse é seu, tem
crianças que é mais aberta que gostam de chegar conversar com a gente contar as
coisas, tem outras mais fechada que fica no quarto você que tem que procurar
tentando tirar devagar porque ela não está bem. Entre eles o relacionamento é bom é
um cuidando do outro, tirando as crianças que brigam por causa de brinquedos essas
coisas, mas entre o relacionamento se você ficar aqui conviver assim é gostoso parece
99
uma família é um cuidando do outro.
Pergunta: Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento
apresentado pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas
famílias?
G: Acho que tudo isso tem uma ligação com o que elas passaram, porque o que eles
passaram eles aplicam aqui, a gente que vai conversando tentando mostrar que não
é.
Entrevista semi-estruturada com o cuidador ficticiamente chamado de Gérbera
(GB). Entrevista realizada no dia 04/10/2018
Pergunta: Trabalha na instituição desde quando? Qual horário?
GB: Eu sou a única que está aqui desde o começo, desde que virou Casa Lar.
Trabalho aqui há 5 anos. Comecei na instituição com o cargo de “volante” (que cobre
falta ou férias dos cuidadores) depois fui promovida ao cargo de “auxiliar” (responsável
pelos cuidados com a casa) e depois como “mãe social”. Já está indo para três anos
que trabalho aqui como mãe social (cuidador). Quanto ao horário de trabalho, há 2
meses atrás foi estipulado o rodízio de 48h por 48h para cada um dos 2 cuidadores,
ou seja, trabalhamos 2 dias e folgamos 2 dias. Antes dessa mudança no nosso horário
eu entrava para trabalhar na Segunda feira as 8h e saía somente no Sábado por volta
das 10h.
Pergunta: Quem trabalha junto com você no seu horário?
GB: Um auxiliar que é responsável pelos cuidados com a casa. Ele fica das 8h às 16h
todos os dias.
Pergunta: Qual a sua formação/nível escolar?
GB: Concluí o ensino médio e fiz 2 anos de “processamento de dados”.
Pergunta: Você tem filhos? Quantos? Idade?
GB: Tenho 4 filhos. As idades são: 23, 20, 15 e 13.
100
Pergunta: Qual o seu estado civil?
GB: Casada
Pergunta: Você percebe que de algum modo o cuidador representa uma figura
materna/paterna para a criança?
GB: Sim, principalmente quando eu permanecia na casa com eles de Segunda a
Sábado. Hoje, como eu te falei, eles ainda tem um carinho comigo, mas não mais a
mesma afinidade que tínhamos antes.
Pergunta: Emocionalmente como você se sente para cuidar das crianças?
GB: Me sinto bastante cansada, estafada. É muita carga que eles colocam para cima
da gente e no fundo você não tem onde depositar isso. Por exemplo, eu tive um dia
difícil, com muita briga aqui na casa, eu tive que apartar dois adolescente que estavam
se pegando e você não tira o seu problema, coloca na gaveta e vai deitar e dormir,
ainda mais quando você se envolve emocionalmente, por ter vínculo, afeto. Aí quando
eu vou para a minha casa são outros problemas que eu tenho que lidar, outras coisas
que eu tenho que resolver e mesmo que eu não tenho conseguido resolver as coisas
da minha casa eu tenho que voltar pra cá, porque já deu meu dia de voltar, aí aquele
problema que houve aqui há três dias atrás volta a tona de novo... não é uma coisa
que vai passando igual água. Nós precisamos de atendimento psicológico, porque nós
temos muitos problemas deles estourando, explodindo. Toda emoção forte que eles
tem de ausência da mãe ou problemas na escola, no projeto, estoura aqui na casa e
eu ouço antes de qualquer outra pessoa. E onde eu coloco tudo isso? Tem uma hora
que temos que limpar, esvaziar o balde para as goteiras começarem a cair de novo,
senão vai derramando. Eu sinto dor de cabeça todo dia. Eu sinto uma dor forte na
nuca que tem dia que eu não penteio o cabelo, você acredita? Então, são coisas muito
forte que nós vamos recolhendo e eu não sou muito de falar. Eu chego em casa, por
exemplo, e vou comentar o que aconteceu. Eu não consigo, porque eles não vão ver
da mesma forma que eu, porque eles não tem vínculo com as crianças. Tem dias que
eles daqui da casa chegam nervosos por problemas que tiveram e me xingam de tudo
quanto é nome, porque a mãe é sempre Santa, então, descarregam em mim. Imagina
se eu for contar um negócio desses da minha casa, eles não vão querer mais que eu
continue trabalhando aqui, dizendo que isso não é serviço para mim, então, tem coisas
que não é bom nem eu ficar falando.
101
Pergunta: Como você percebe a aproximação dessas crianças a você?
GB: Então, como eu te disse. A aproximação antes era mais, agora nem tanto, mas
tem alguns moradoras daqui, com quem eu já tive algumas desavenças grandes que
ainda assim quando eu chego abre o portão para mim, me cobram para ir na formatura
deles, e assim vai, mas... são próximos, mas não tanto mais. Quando eu permanecia
na casa a semana toda, a aproximação das crianças a mim, o vínculo que tínhamos
era muito maior, pois elas sabiam que eu estaria aqui todos os dias. Eles realmente
me viam como mãe. Era eu que resolvia tudo. Agora não, eu não sinto mais essa
afinidade das crianças por mim que antes era tão forte. Eles tem um carinho por mim,
mas não como era antes. Atualmente, se eles precisam dar algum recado, eles
anotam na lousa, pois hoje eu estou aqui, mas passado dois dias será outra cuidadora.
Pergunta: Como é a sua relação com as crianças na instituição?
GB: É boa, mas não tão próxima quanto antes, como eu te disse. Eles dizem que eu
sou brava, mas sou como uma mãe mesmo, tenho que cobrar e dar bronca quando
necessário, mas quando eles tem algum problema, uma dor de barriga, eles vem
chamando “ô tia”. Tem uma moradora daqui, por exemplo que chegou a me dizer que
tem saudade da mãe, mas que muitas coisas que ela gostaria de falar para a mão, ela
conversa comigo, mas no fundo no fundo a gente sabe que não é só isso, ne? Que
eles sentem muita falta da mãe.
Pergunta: Como você percebe a relação entre as crianças e adolescentes moradores
dessa instituição?
GB: É boa, mas eu tenho que tomar vários cuidados para que a relação seja a melhor
possível. O que eu cobro muito deles é o respeito, para que eles se vejam como uma
família, como irmãos, para que não haja paquera entre eles e para que eles aprendam
que apesar de suas diferenças, um deve proteger o outro, pois essa é a nova família
deles.
Pergunta: Você consegue relacionar de alguma maneira o comportamento
apresentado pelas crianças com as vivências delas enquanto estavam com suas
famílias?
GB: Tem momentos que sim, você entendeu? Porque aí fala assim “Ah, mas ele viveu
muito assim, com briga, isso e aquilo, mas tem criança que já está aqui há 2 anos.
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Então é que nem eu falo, você está dando amor, está dando atenção, você está dando
carinho, está dando suporte , então quer dizer, o comportamento já não vem mais
nem do que viveu atrás, já vem assim dá formação mesmo de caráter, de opinião,
porque já tem opinião formada sobre isso. Então, assim, não é só pelas vivências
anteriores. Aí vai dizer que não aprendeu nada? Que você não ensinou nada? Mentira,
ne? Por que até mesmo quando você vai para um lugar, uma república, você morou
a vida toda com a sua mãe, que deu a hora está ali com o suquinho para você tomar,
lanchinho para você comer e ir para a faculdade, aí de repente você se vê em uma
outra cidade, dentro de uma república, você tendo que fazer tudo para você, porque
você precisa estudar, não é? Você não vai se adequar àquilo alí? Ou você vai esperar
o seu colega chegar e fazer o suco para você? Não, você mesmo vai ter que se virar,
você fazer, ne? É uma mudança de vida e as vezes eles tem uma pequena mudança,
assim, e já transtorna, já causa, mas eu acredito que conviver num ambiente onde o
outro te respeita, onde você não precisa agredir, eu creio que tem grandes mudanças
sim, mas aqui, na verdade, por mais que você diga assim : - Você não precisa agredir
o seu amigo, porque você precisa do seu amigo que está aqui na casa, porque hoje
você pode não estar precisando, mas amanhã você precisa. Aí eles dizem: - Não, não
vou precisar desse louco aí, que não sei o que, não sei o que. Aí eu explico que as
vezes a gente pensa tanto que precisa da família, que quer conviver com a família,
mas os que estão perto de você e você ainda não percebeu, são os que tem tudo para
te dar, te levantar e pôr para a frente, ne? Então é esse tipo de coisa que vou tentar
fazer eles ver para perceberem que não precisa ser parente, não precisa ser o tio, não
precisa ser o irmão, o pai a mãe, as vezes uma pessoa que eles menos espera está
alí por eles. E por mais que eles tenham de tudo aqui, geladeira cheia, freezer cheio,
almoço, janta, café, não é isso que eles querem. Eles querem comer arroz e feijão
com a mãe, é isso que eles querem. Eles não querem nada mais do que isso e aí
surge uma revolta e eles dizem que não querem estar ali, que não gostam daqui. Mas
não é que eles não gostam, não é o lugar que eles querem ficar.
103
APÊNDICE G - Histórico de vida das crianças participantes da pesquisa
História de Vida de dois irmãos, que atualmente tem 5 e 8 anos. Iremos
nomeá-los, ficticiamente, de João (J) e Carlos (C), respectivamente.
A primeira denúncia de maus tratos a essas crianças (J e C) aconteceu no ano
de 2012 e eles dois e uma irmã mais velha, Margarida (M) foram levadas à Casa Lar
no ano de 2014. A mãe é usuária de drogas e sua história com as drogas no período
aqui relatado oscilou entre não aceitar o tratamento e posteriormente, em aceitar mas
não aderir ao mesmo. O pai dos meninos já havia saído de casa e alegava não
aguentar mais a situação da atual esposa que já havia vendido tudo de dentro de casa
para manter seu vício. O pai dizia, ainda, não ter condições de ficar com as crianças.
No ano de 2016, uma tia materna conseguiu a guarda provisória de J, C e M,
mas essa tia alegou, um tempo depois, que não teria mais condições de ficar com as
crianças. No ano de 2017 as três crianças foram acolhidas novamente na Casa Lar
de Lins.
O vício da mãe com as drogas chegou a ponto de ela vender o filho que ela
gerava em seu ventre e que estava com 8 meses, a um traficante em troca da
mercadoria. Ao ficar sabendo, o Conselho tutelar entrou em contato com a Santa Casa
para alertar sobre a situação e um dia após o nascimento desse bebê, ele foi levado
à Casa Lar e posteriormente foi adotado.
Mediante toda a situação conflitiva e de privação sofrida por essas crianças,
nesse ano de 2018, os pais foram destituídos de seu poder familiar e os três aguardam
por uma família adotante. Ao serem destituídos, tanto os pais quanto a tia materna
perderam o direito de visitá-los.
História de Vida de dois irmãos, que atualmente tem 6 e 8 anos. Iremos nomeá-
los, ficticiamente de Isac (I) e Alberto (A), respectivamente.
A data do acolhimento dos irmãos foi em 13 de Fevereiro de 2014, os direitos dos dois
estavam sendo negligenciados por seus responsáveis. E então como previsto pelo
ECA foram acolhidos na instituição Casa Lar do município de Lins. Os responsáveis
pelas crianças faziam uso de substancias químicas tanto na gestação dos irmãos
quanto após ela, então não possuíam mais condições adequadas de cuidados. Os
dois garotos foram recebidos com saúde frágil, comprometimento motor e na fala.
Esses irmãos foram adotados e devolvidos para a instituição cerca de 6 vezes.
104
ANEXOS
ANEXO A - APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
105
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