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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICAS – CCSJ CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Políticas Públicas COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO APATIA POLÍTICA: A participação das elites na constituição da cultura política a partir de Florestan Fernandes e Raymundo Faoro Carlos Eduardo Bastos Itajaí, novembro/2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICAS – CCSJ

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Políticas Públicas

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

APATIA POLÍTICA:

A participação das elites na constituição da cultura política a partir de

Florestan Fernandes e Raymundo Faoro

Carlos Eduardo Bastos

Itajaí, novembro/2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICAS – CCSJ

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Políticas Públicas

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

APATIA POLÍTICA:

A participação das elites na constituição da cultura política a partir de

Florestan Fernandes e Raymundo Faoro

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como requisito para

obtenção do grau de Bacharel em

Ciências Sociais na Universidade do

Vale do Itajaí, sob a orientação do

Professor Guillermo Alfredo Johnson.

Carlos Eduardo Bastos

Itajaí, novembro/2008

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURIDICAS – CCSJ

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – Ênfase em Políticas Públicas

COORDENAÇÃO DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

APATIA POLÍTICA:

A participação das elites na constituição da cultura política a partir de

Florestan Fernandes e Raymundo Faoro

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado como requisito para

obtenção do grau de Bacharel em

Ciências Sociais na Universidade do

Vale do Itajaí, sob a orientação do

Professor Guillermo Alfredo Johnson.

Banca Examinadora

Prof. Guillermo Alfredo Johnson

Presidente – Orientador

Prof. Ivann Carlos Lago

Membro

Profª. Neusa Sens Bloemer

Membro

Carlos Eduardo Bastos

Itajaí, novembro/2008

Agradecimentos

Os trabalhos de produção intelectual, sejam eles acadêmicos ou

simples romances, costumam ser apresentados sempre no seu formato final.

Esconde-se assim, a síndrome da folha branca, a falta de inspiração, a preguiça da

leitura, e até mesmo os momentos da loucura de produção que se configuram pelo

êxtase de um parágrafo considerado maravilhoso, ao desespero de não saber o que

fazer, para onde ir e quando terminar.

Não foi diferente com esse trabalho, também não será diferente com outros

que virão; mas, sem dúvida, esse trabalho marcou a minha vida, não só pelo

descrito acima; mas, principalmente, pelos incentivos múltiplos que partiram de

todos os lados, principalmente daqueles que não acreditaram que um dia eu

conseguiria.

Chego até aqui, com o sentimento de dever cumprido, mas não satisfeito.

Pois o desejo do conhecimento martela a minha mente. Sendo assim, reservo a

mim, o direito de vôos maiores.

Agradeço a minha família, em especial à minha mãe, Rose, que não mediu

esforços para que eu chegasse até aqui. À minha companheira, Carla, que nos

últimos tempos acompanhou toda a minha ansiedade e angústia. A ela, mais do

que nunca, peço desculpas pela ausência. À minha cunhada, Carine, que

disponibilizou do seu tempo para fazer as correções ortográficas desta

monografia.

Aos amigos que me distanciei, não por vontade, mas por necessidade. Aos

amigos de graduação. Aos colegas de corredor. Em especial, aos amigos de

parceria intelectual: Tomás, Thay e Aura.

A todos os professores e mestres que fizeram da minha vida acadêmica uma

construção do saber. Em especial, ao meu orientador Guillermo: Amigo,

Professor, Mestre, Doutor e Orientador, que me guiou com muita confiança até

aqui.

Obrigado a todos,

Até!

Dedicatória

Dedico este trabalho a:

Laércio Antônio Bastos (in Memorian)

Saudades!

Epígrafe

Aquele que aprendeu, é o que aprendeu que não

aprendeu nada.

Não existe um bocado de coisas que dizem que existe. O

que existe está aí e nós não vemos.

Para mim as pessoas mais importantes são as crianças

(porque representam o futuro). Porém se forem mal

orientadas ficarão perdidas, como nós, no meio das

mentiras.

Tim Maia (1977)

Resumo

Buscamos com esse trabalho compreender como surgiu a apatia

política na sociedade brasileira. Usamos como modelo teórico a Teoria da Cultura

Política que abrange uma perspectiva multidisciplinar, atendendo assim as nossas

expectativas acerca do objeto pesquisado.

Realizamos uma investigação teórico-histórica abordando autores clássicos

da Sociologia e da Ciência Política brasileira, como Raymundo Faoro (1925-

2003) e Florestan Fernandes (1920-1995). Com o propósito de trazermos a

discussão para os dias atuais, empregamos ainda, o diálogo com estudiosos da

Ciência Política atual como: Baquero (2001; 2003), Borba (2005; 2008) e Jonhson

(2006; 2008).

Assim, analisamos a criação das estruturas políticas no Brasil, descendente

direta dos costumes portugueses; as transformações ocorridas dentro das elites que

se alternaram no poder do Estado; a incorporação de novos membros (imigrantes)

à elite brasileira; a negação participativa da política institucionalizada para as

massas; a crise das instituições representativas; o descrédito com os representantes

políticos e o surgimento da apatia política.

Como resultado, a pesquisa nos revelou uma trajetória histórica da

dominação política por elites que se alternam no poder e que produzem no interior

das estruturas do Estado, políticas legalizadas que beneficiam suas demandas,

negando a participação popular e dificultando o acesso das massas ao processo

participativo e deliberativo. Somado a isto, a constante denuncia de corrupção

política e o distanciamento das instituições representativas da sociedade atrelada

ao fator histórico, produziu no imaginário do povo brasileiro o descrédito com o

público, a desconfiança, a insegurança e o desejo de se afastar dos fenômenos

políticos, caracterizando o que se chama de apatia política.

Sumário

Introdução .................................................................................................... 10

CAPÍTULO I ............................................................................................... 13

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS ESTRUTURAS DO ESTADO

BRASILEIRO E DA CULTURA POLÍTICA ..........................................

13

1 A reforma do estado de Avis, o espurgo do Clero e o início da Autocracia 14

1.1 A Colonial brasileira: uma extensão da estrutura portuguesa .................. 19

1.2 A metamorfose de uma elite Colonial, Imperial e Republicana .............. 24

1.3 A elite tradicional versus o imigrante: uma união de poder e de traição

ao ideal de liberdade ......................................................................................

30

1.4 A República e as novas classes sociais .................................................... 37

CAPÍTULO II .............................................................................................. 42

TEORIA DA CULTURA POLÍTICA E AS PARTICULARIADES

BRASILEIRAS .............................................................................................

42

PARTE I ........................................................................................................ 42

1 CONSTRUÇÃO TEÓRICA SOBRE A TEORIA DA CULTURA

POLÍTICA ....................................................................................................

42

1.1 Teoria da Escolha Racial – TER e a Democracia Minimalista ................ 42

1.2 Teoria da Cultura Política ........................................................................ 45

1.3 A segunda fase da produção intelectual da Teoria da Cultura Política .... 49

1.4 Cultura Política no Brasil: um desenvolvimento Antropológico paralelo

a Ciência Política ...........................................................................................

50

PARTE II ...................................................................................................... 56

2 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: CONSIDERAÇÕES GERAIS E AS

PARTICULARIDADES BRASILEIRAS ..................................................

56

2.1 A crise das representações políticas ......................................................... 56

2.2 Confiança nas instituições políticas ......................................................... 63

CAPÍTULO III ............................................................................................. 73

TEORIA DA CULTURA: PERCEPÇÕES DE UMA CRISE

REPRESENTATIVA ..................................................................................

73

1 A questão da educação ............................................................................... 74

1.1 Instabilidade democrática ........................................................................ 79

1.2 O contexto Latino Americano .................................................................. 92

Considerações finais ..................................................................................... 102

Referências .................................................................................................... 105

10

Introdução

Nossa abordagem busca explicar o surgimento da apatia política na

sociedade brasileira. O tema “apatia política” faz parte das análises de diversos

autores que estudam a questão da participação política nas Ciências Sociais.

Porém, o tema não é uma categoria de análise. Quando apresentado, na maioria

das vezes, é evidenciado como mero ator coadjuvante, não importando como

surge, mas como algo que está dado, personificado e instaurado na realidade

social e política de um grupo ou nação.

A bibliografia atual revela teorias que tentam dar conta de explicar o que

estamos pesquisando, tendo como foco “a participação”. Todavia, na contramão

dessas análises, escolhemos por trabalhar a “apatia política”. Entendemos que,

dessa forma, poderíamos ajudar na discussão a respeito da participação; não

simplesmente pontuando a “apatia política” como um diagnóstico, mas como um

fator de compreensão para se entender também a participação.

Grande parte das explicações é feita por produções teóricas estrangeiras que

buscaram relatar e interpretar dados empíricos de realidades distintas em outras

nações. Escolhemos para este trabalho a teoria da Cultura Política como base para

nos ajudar a moldar as nossas elucubrações teóricas acerca do tema. Desde já

esclarecemos a existência de outras teorias. Porém, é a Teoria da Cultura Política

que mais se assemelha a nossa perspectiva teórica, tentando buscar uma

compreensão multidisciplinar para a explicação do fenômeno da participação

política e conseqüentemente da não participação. Levando em consideração esses

pressupostos, confirmamos aqui a escolha da Teoria da Cultura Política.

Nosso estudo estará ancorado em uma abordagem teórica das bibliografias

clássicas da Sociologia e da Ciência Política brasileira com autores como

Raymundo Faoro (1925-2003) e Florestan Fernandes (1920-1995). Tentaremos

ainda ao longo do trabalho estabelecer um diálogo teórico mais atual com

intelectuais como Baquero (2001; 2003), Borba (2005; 2008) e Jonhson (2006;

2008). E, por fim, tentaremos cruzar dados empíricos já estudados por estes

autores que aplicaram como método de investigação o emprego de surveys.

11

O conceito referencial de “apatia política” será o de Bobbio (1995). Assim,

“O termo Apatia significa um estado de indiferença, estranhamento, passividade e

falta de interesse pelos fenômenos políticos. É um comportamento ditado muitas

vezes pelo sentimento de ALIENAÇÃO [...]1” (BOBBIO, 1995, p. 56).

Há de se ressaltar também, que toda a análise empreendida acerca do tema

se dá na perspectiva da participação institucionalizada. Não sendo assim,

abordada a questão da “participação” ou da “apatia política” que, por ventura,

possa se manifestar em uma dimensão não institucionalizada.

Daí as indagações: Como surge a apatia política no Brasil? Quem a produz?

Sem dúvida, a noção de cidadania ou de cidadão para o Estado brasileiro

mudou muito desde a chegada dos portugueses até a Constituição vigente. Nossa

jornada nos mostrou a construção das estruturas e o personalismo das relações

sociais entre as estruturas de poder do Estado e a sociedade.

Tanto Faoro (1925-2003) como Fernandes (1920-1995), revelaram uma

realidade histórica e cultural ainda atual das relações entre as estruturas políticas

de governo e a sociedade. Essas relações produziram uma cultura política

hierárquica e autoritária gerada de cima para baixo, marginalizando grupos

sociais, segregando diferenças, impedindo sonhos, interrompendo trajetórias de

vida, desmotivando a participação política, o sonho de mudança, naturalizando2 o

hábito social3 e promovendo a sensação de inércia entre povo e Estado. Essa

trajetória parece ter desencadeado na sociedade brasileira o desinteresse pela coisa

pública, o repúdio pelo político e pelas instituições políticas. Os vários fenômenos

políticos da historiografia brasileira justificam a presença de uma população

desconfiada em meio a uma crise da representatividade entre eleitores e

instituições políticas. Baquero (2001) confirma e afirma que isto sempre foi

assim.

1 A palavra “alienação” em destaque na citação foi transcrita conforme o original. 2 Para “naturalização”, usamos o conceito de Pierre Bourdieu (2007), que entende a “naturalização” como um fenômeno que transforma as ações dos indivíduos no dia-a-dia em repetições acríticas à realidade vivenciada, ou seja, os indivíduos se tornariam meros autômatos. 3 Entendemos por “hábito social” a vida cotidiana de uma determinada sociedade que engloba não só as ações corriqueiras como comer, dormir, trabalhar, estudar, como também, as ações políticas de um individuo ou grupo social. O termo “hábito social” por nós aqui empregado esta intimamente relacionada ao conceito de habitus proposto por Pierre Bourdieu (2007).

12

São com essas dúvidas e hipóteses que nos próximos três capítulos desta

monografia tentaremos explicar o surgimento ou a presença da “apatia política”

no Brasil.

CAPÍTULO I

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS ESTRUTURAS DO

ESTADO BRASILEIRO E DA CULTURA POLÍTICA

As mudanças jurídicas e os resquícios de uma política restritiva de

negação ao ensino crítico e a participação popular continuam latentes até os dias

atuais. Não é difícil escutarmos hoje que a política é para quem tem estudo; que o

pobre deve trabalhar para garantir seu sustento e, que a política deve ser tratada

por aqueles que disponibilizam de tempo. Ou, que a política não serve para nada,

pois se um político for eleito ou não, o trabalho de quem vota continua o mesmo

sem mudanças, ou seja, não é o político que irá mudar a vida do trabalhador, do

agricultor, do cidadão médio ou do pobre; e sim, o próprio cidadão que deverá

suprir suas necessidades. Portanto, a política está longe do cidadão comum. Para

quem vive em um estado de pobreza, as ações políticas são quase que

imperceptíveis no seu cotidiano. Este discurso é latente, está impregnado nas

mentes desde nossos antepassados e reproduzido por seus descendentes, chegando

até nós como verdadeiro. Assim, política é para político, para “homens” que tem

estudo porque estes têm “qualidades” que nenhum outro cidadão dispõe.

Poderíamos apontar, segundo a historiografia vigente, um marco inicial para

tentarmos compreender como a participação da sociedade na política brasileira

teria sido fortemente solapada por ações coercitivas e de restrição ao processo

democrático. Precisamos então recorrer não apenas a análise histórica do Estado

brasileiro, mas também fazer uma análise de como iniciou a formação das

estruturas políticas do Estado português. Neste contexto, iniciaremos nossa

abordagem com dois teóricos. Raymundo Faoro (1925-2003), representante da

teoria culturalista que dialoga em alguns momentos com o nosso segundo teórico

Florestan Fernandes (1920-1925), crítico contumaz da Teoria da Dependência.

14

1 A reforma do Estado de Avis, o expurgo do Clero e o início da Autocracia

Para se caracterizar uma autocracia se faz necessário que um império

absolutista não seja de direito divino. Assim, o Marques de Pombal (Sebastião

José de Carvalho e Melo [1699-1782]) desde julho de 1750, Ministro de D. José I,

foi o homem responsável pela reforma do Estado português, afastando a Igreja do

centro das tomadas de decisões, transformando Portugal em um Estado laico.

Em meio a uma gigantesca crise estrutural4 em 1807 e as vésperas de uma

invasão já anunciada por Napoleão ameaçando destituir a casa de Bragança,

Portugal vivia momentos de agonia. A Europa experenciava outro momento do

qual Portugal não compartilhava – O Iluminismo - o título de Império agora

pertencia à Inglaterra. Já que o título de Império não guarnecia mais a posição em

que o país se encontrava (Portugal), a Monarquia portuguesa que fora restaurada

no ano de 1640,5 sofria com as constantes pressões realizadas por intelectuais que

exigiam o fim do modelo manuelino (FAORO, 2007). Os “espirituosos”

intelectuais (a maior parte composta por poucos privilegiados membros da classe

do “povo” ou nobres que tiveram a chance de estudar fora das muralhas do

Império de Avis) que Portugal dispunha, agitavam mudanças.

A lista dos inovadores é longa, particularmente vivaz nos séculos XVI e XVII: “Luís Mendes de Vasconcelos, Duarte Ribeiro Macedo, José Acúrcio da Neves, Alexandre de Gusmão, d. Luís da Cunha, José Vaz de Carvalho, Manuel Almeida e Carvalho, entre outros” (SÉRGIO, 1924, apud in FAORO, 2007, p. 64).

Assim, “contribuem para a crítica os nacionais ou “castiços” e os

“estrangeirados”, todos hostis ao isolamento cultural, ao domínio da escolástica e

ao controle inquisitorial” (FALCON, 1982, p. 204, apud in FAORO, 2007, p. 64).

Mas é na figura do Marques de Pombal que intelectuais, economistas e alguns

reformistas da Monarquia encontrariam a força motriz para implementar

4 Segundo Gomes (2007) em seu livro: “1008”, a crise por qual Portugal passava tinha duas explicações. A primeira de caráter demográfico e econômico e a segunda política e religiosa. 5 Entre os anos de 1580 e 1640, Portugal foi comandado pela Espanha, o chamado assim governo da casa de Habsburgo era uma monarquia dualista da Dinastia Filipina. Filipe II de Espanha, neto do rei português D. Manuel I. Invadiu Portugal Durante esse período o governo dualista da Espanha/Portugal teve três reis espanhóis que governaram Portugal. Foram eles: Filipe I, Filipe II e Filipe III. Madrid se tornou a capital do Império e Lisboa foi rebaixada a Província da Espanha.

15

mudanças. Sua proposta foi a de inserir Portugal no pensamento Iluminista

europeu; quebrar com a escolástica; promover a abertura do ensino crítico

(Filosofia e Ciência) para um número maior de pessoas; afastar o alto Clero das

tomadas de decisão do Estado, ou seja, promover um Estado laico; reavivar a

economia com o incentivo à agricultura; modernizar a indústria interna; cortar

gastos desnecessários. Mas, havia um problema:

A dificuldade, na renovação, não estaria em adotar um ou outro tópico da cultura européia. Tratava-se como percebeu Verney, de reorganizar todo o código mental do país, no seu sistema. [...] Não havia em Portugal o veemente estímulo social para fechar o desacerto entre a história e o pensamento. Em plena indigência mental, o Reino mergulhou no Iluminismo pela mão de um ministro, à força, com espanto e surpresa (FAORO, 2007, p.62, grifos meus).

Essas mudanças, apesar de reformistas, tinham por objetivo retirar Portugal

do seu estado de atraso não só comercial e político, mas principalmente de sua

paralisia intelectual, reforçando o enfraquecido e corrompido Estado português.

“O absolutismo [...] libertou-se de suas travas históricas, desarmando a fidalguia

sem liquidá-la. Os impedimentos culturais removeram-se a partir da exclusão dos

jesuítas (1759), com a renovação do ensino e do modelo universitário” (FAORO,

2007, p.66).

Mas não seria ainda desta vez que o Absolutismo estaria erradicado da

Coroa portuguesa. Retirar o Clero das tomadas de decisão do Estado – como o fez

Pombal – serviu para retirar das estruturas do Estado um peso que gerava altos

gastos para os cofres do governo, além do que o sistema de ensino encontrava-se

retrógrado em meio às transformações já ocorridas em toda a Europa. Mudar o

sistema educacional significava, naquele momento, promover um novo

pensamento crítico para as mudanças tecnológicas escassas na ciência portuguesa.

Isso representaria ao Estado português um corpo técnico mais qualificado e capaz

de produzir tecnologias industriais que contribuíssem para a estabilidade nacional

e econômica de acordo com os interesses da Coroa portuguesa.

O plano pombalino repousa sobre uma contradição, que se expandirá em uma ambigüidade. O Estado, o agente reformador, utilizava, sem permitir-lhe autonomia, a burguesia comercial, posta ao lado da aristocracia vigiada. A reforma dessa maneira, incide, de modo principal, sobre os delegados

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estatais, universitariamente reequipados. A ideologia, orientada pelo poder público, subordina o pensamento político, impedindo que ela se liberte para freqüentar o espaço liberal (FAORO, 2007, pp. 66,67).

Apesar de ser uma reforma capaz de libertar o Estado da escolástica, estava

longe de ser liberal, ela ainda limitava aos poucos novos estudantes (uns poucos

nobres, membros da classe média e alguns membros do clero) a possibilidade de

voarem mais alto. Desse modo a censura continuava, mas agora na mão do

Estado. A Real Mesa Censória continuaria a proibir livros e idéias considerados

pelo governo como perigosas, é o caso, por exemplo, dos pensamentos filosóficos

e revolucionários advindos da França e da onda iluminista que se abatia em toda a

Europa. Ainda ficava isolado deste pensamento “crítico” todo o resto da sociedade

portuguesa: “[...] O absolutismo não permitia a extinção dos instrumentos da

repressão ideológica, a censura e a Inquisição, “remodelados e postos sob direta

dependência do trono, que governa de ciência certa e vontade esclarecida”

(SARAIVA & LOPES, 1968 apud FAORO, 2007, p. 67). Percebemos a reforma

do Estado português, a nobreza e a classe média – leia-se a elite burguesa –

reestruturando todo seu corpo técnico, capacitando no sentido mais lato da palavra

uma estrutura de governo e de organização social que se encontrava desgastada e

obsoleta desde o início da dinastia de Avis. Ficaram então de lado todo o restante

da sociedade, aqueles que não poderiam pagar pelos estudos, os marginalizados,

os excluídos, ou seja, a massa que compõe o grande número do contingente

populacional de um Estado: o povo.

Cria-se o Colégio dos Nobres (1761) [...]. Os estudos menores e preparatórios serão reformulados, [...] alcançando setores das classes médias, para cujo sustento se criou um tributo, o subsídio literário. [...] criam-se cadeiras autônomas de latim, grego, retórica e filosofia [...]. O ensino comercial se faz na Aula de Comércio. [...] As reformas principais no campo da cultura serão: Colégio dos Nobres (1761), a Lei da Boa Razão (1769), a criação da Mesa Censória (1768), a Reforma da Universidade (1772), a abolição entre cristão-novos e cristão-velhos (1773) e o novo regime da Inquisição (1774) (FAORO, 2007, p. 67).

Porém, o governo de Pombal não duraria para sempre, com a morte de D.

José I, assume o poder D. Maria I (1777), destacando-se como a primeira mulher

17

da história portuguesa a assumir o trono. Esta, por sua vez, uma conservadora das

práticas de Avis, tenta novamente submeter toda a Coroa ao antigo sistema.

Com a queda de Pombal e seu espírito reformador, Portugal se via novamente prisioneiro de seu próprio destino: o de um país pequeno, rural e atrasado, incapaz de romper com os vícios e tradições que o prendiam no passado, dependente de mão-de-obra escrava, intoxicado pela riqueza fácil e sem futuro da produção extrativista de suas colônias (GOMES, 2007, p. 65).

Mas os vinte e sete anos do governo de Pombal formariam uma nova massa

crítica que negaria e combateria a retomada do “Reino Cadaveroso”. “A elite se

renovara – a elite era quase tudo” (FAORO, 2007, p.69). Então, a já extinta

dinastia de Avis não se sustenta, a renovação pombalina se fixara, mas não se

libertara totalmente do Clero em virtude da tentativa de D. Maria I tentar reanimar

a extinta dinastia de Avis. O Estado Português se prolongaria configurado neste

misto de Estado laico absolutista com recaídas clericais inquisitórias por mais dois

séculos até atingir o ápice do liberalismo, iniciado segundo alguns especialistas

pelas reformas de Pombal.

O que se segue da alavanca reformista dará o contorno do pensamento político português, com imediata e duradoura influência no Brasil. Influência que se projetou pela via ideológica, com a renovação cultural, no preparo das elites que viriam decidir os destinos da Colônia e do nascente Império. [...] O pequeno e limitado círculo que a universidade alimentaria, afirmar-se-ia no futuro português e no futuro brasileiro. A reforma seria, ausente a nova hegemonia política, mais do que uma pincelada ornamental, menos do que uma mudança revolucionária (FAORO, 2007, pp.65 à 69).

O Marquês de Pombal ao transformar o Estado português em um Estado

laico, apenas reduziu a influência exercida pela Igreja nas estruturas do Estado e

das elites. No mais, manteve a mesma retórica para poder manter seu estado de

autoridade ao restante da população. Retirar a Igreja das decisões do Estado não

significou excluir definitivamente a Igreja da vida política lusitana; afinal, essa

ainda garantia a ele o direito Divino de estar no poder. Da mesma forma que,

retirar da população as raízes que sustentavam o cotidiano popular português seria

praticamente impossível após quase quatro séculos de pensamento hegemônico.

Isso fica evidente na tentativa de reavivar a dinastia de Avis pelas mãos de D.

Maria I. Mas, fica também evidente a possibilidade que o ensino crítico (ainda

18

que limitado) tende a proporcionar àqueles que dele bebem: um lastro maior de

possibilidades. A possibilidade de se organizarem, de reivindicarem suas

conquistas já estabelecidas. Isso fica mais evidenciado pela organização realizada

por intelectuais que negaram o retorno do “Reino Cadaveroso” pelas mãos de D.

José I e, mais a frente, com as tentativas beatas de D. Maria (FAORO, 2007). Isso

poder-se-ia caracterizar como uma organização das elites lusitanas que luta para

romper o domínio eclesiástico. Tal poder dificultava a participação dos poucos

instruídos e letrados que pertenciam às elites, o que entendemos como promoção

da apatia política promovida pela igreja da época.

Por ser uma monarquia absolutista, todas as tomadas de decisão e de

participação na vida política de Portugal e de suas Colônias dependiam única e

exclusivamente de quem estivesse no poder. Assim, durante o Governo de Avis,

todas as decisões do reino eram guarnecidas a ele por ser ele o único representante

divino de Deus. Foi da interpretação do famoso jurista João das Regras ao se

debruçar sobre a linhagem sucessória real com a finalidade de legitimar Avis

como tendo direito ao trono e analisando os escritos sagrados da doutrina paulina

que se chegará à legitimidade das eleições e da posse de Avis enquanto

Imperador. É na Bíblia Sagrada - de acordo com os juristas da época - que todos

os atos sucessórios estão legitimados. Segundo Romanos, Capítulo 13, versículo

1: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há

autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele

instituídas”. Foi também assim, no reinado de D. Maria I. Somente com D. José I

e tendo o Marques de Pombal como aliado que tal perspectiva mudaria

parcialmente, pois como vivos anteriormente, diminuiu-se o poder da Igreja, mas

as ações de Pombal continuaram restritivas no que tangia a abertura ao

pensamento revolucionário iluminista.

Porém, torna-se evidente, que a partir do momento que uma parcela da

população (neste caso, a elite) recebe ou promove um ensino de qualidade,

compreendendo não apenas um ensino formal, mas, incentivando a construção do

saber, possibilita-se a transformação do meio social e político; uma vez que as

disputas pelo poder do Estado estão se dando na esfera institucional.

19

A idéia do ensino crítico promotor de conhecimentos é, aqui mencionada,

como uma ferramenta capaz de instrumentalizar aqueles que não dispõem de

conhecimentos legais de uma superestrutura político-administrativa que

possibilite uma transformação social institucionalizada.

Excluem-se, então, aqueles que não conhecem os procedimentos da

dinâmica política e do funcionamento do Estado. “Mistifica-se”, dificultando o

acesso que deveria ser claro para a sociedade como as leis, os direitos e os

deveres. As burocracias, os jargões técnicos, as complexidades normativas,

afastam as massas da vida “pública” e política.

O que se percebe é um sistema viciado e carregado de intransigências,

exportado para as Colônias, principalmente para a brasileira. Assim, se constrói o

pensamento político português e, conseqüentemente, o brasileiro. A participação é

limitada a poucos, pois são poucos os que possuem títulos, Letrados, Advogados,

Juristas, Juizes e Doutores (principalmente nos dias de hoje), o mesmo ocorre com

a educação. Ser cidadão neste período, não é apenas nascer em solo português ou

brasileiro, mas pertencer a uma família que tenha dinheiro e prestígio. Somente

com a ampliação dos direitos civis, com o passar dos séculos, que a condição de

cidadão e de povo viria a ter outro significado. Porém, como já questionou

Verneys: “como reorganizar todo o código mental do país, no seu sistema”?

Afinal, o estrago já estava feito.

1.1 A Colônia brasileira: uma extensão da estrutura portuguesa

Ao analisarmos a trajetória do Estado português percebemos fortes indícios

da interferência das elites na construção do sistema de governo. As falhas

estruturais6 do modelo de governo, representaram a queda de um sistema; porém,

tal queda não representou a mudança radical do pensamento da maioria da

população. Sendo assim, estas mesmas características da organização social foram

transferidas para as Colônias portuguesas, não sendo diferente também no Brasil.

Assim, como Faoro (2007) admite esta importação do modelo estrutural e mental

das práticas políticas e sociais, Fernandes (2006) concorda e analisa tal 6 Tais falhas estruturais já foram apontadas anteriormente com Gomes (2007), também em nota de rodapé.

20

perspectiva investigando o surgimento do burgo em solo brasileiro. Nas suas

investigações, Fernandes (2006) admite a existência do burguês na sociedade que

está se construindo em terras que viriam se chamar Brasil. O autor argumenta que

uma estrutura organizacional de governo colonial e escravocrata é transplantada

de Portugal para essa nova terra (Brasil). Fernandes (2006) diverge daqueles que

afirmam que os senhores de engenho seriam os predecessores do atual burguês,

desmentindo tal posição.

Para o senhor de engenho, o processo reduzia-se, pura e simplesmente, à forma assumida pela apropriação colonial onde as riquezas nativas precisavam ser complementadas ou substituídas através do trabalho escravo. Nesse sentido, ele ocupava uma posição marginal no processo de mercantilização da produção agrária e não era nem poderia ser o antecessor do empresário moderno (FERNANDES, 2006, p. 32).

O papel do senhor de engenho era o de um administrador capaz de organizar

uma produção agrícola com o trabalho coletivo de escravos. Cabia então aos

negociantes comercializar a produção agrícola que poderia ser endereçada para a

Coroa Portuguesa ou então escoar diretamente para as potências européias pois,

nesse momento, Portugal já se encontrava endividada (no caso mais especifico ao

império da época: Inglaterra). O que sobrava da produção não era caracterizado

como lucro, haja vista o modelo econômico da época (colonial escravocrata).

Assim, o senhor de engenho tinha uma posição confortável no que tangia a

política administrativa da Colônia e da Metrópole, onde essa cometia a

expropriação das terras daquela passando aos senhores de engenho à apropriação

colonial, ficando assim conhecido como patrimonialismo. Como já vimos em

Faoro (2007), a situação do senhor de engenho não era das melhores quando o

assunto era riqueza financeira. O que de fato este agente histórico tinha, era o

poder de manter suas terras pela força e a possibilidade de usar o excedente de

produção para trocar ou negociar escravos. Conseguia assim, não o lucro de fato,

no que tange a matéria do capital financeiro, mas engendrado no sistema

colonialista o senhor de engenho, dispunha de “privilégios” que nenhum outro

agente histórico poderia ter na Colônia. Não era a riqueza financeira que lhe dava

o poder e sim, as garantias de apropriação de terras e a troca ou compra de

escravos que o sistema lhe oferecia como garantia de poder. Obviamente, que tal

21

sistema configurava um tipo de poder econômico. Mas tal poder econômico não

era encarado pelo senhor de engenho como capital segundo o pensamento

marxiano. Assim, não estava em jogo o poder da moeda ou o acumulo dela e sim

os benefícios que a Coroa podia proporcionar aos fazendeiros da época.

Portanto, o sistema colonial dava ao senhor de engenho o suporte necessário

não só para sua existência como também uma utilidade, ou seja, como

administrador de uma lavoura que rendia material de troca entre a Colônia e a

Metrópole. A grande quantidade de senhores de engenho espalhados por toda a

Colônia formava o que veio a ser conhecida como “aristocracia agrária”. A

ligação direta entre a aristocracia agrária e a Coroa produzia um elo estrutural

capaz de impedir o crescimento do burguês. Como o próprio Faoro (2007) afirma,

o modelo Pombalino rompera com o clero, mas a união entre a Monarquia e a

elite mercantilista possibilitava a dominação dos povos colonizados escoando a

produção das Colônias para Portugal. O papel do senhor de engenho se

caracterizava como sendo de extrema importância, não havendo distanciamento

entre a política Pombalina e o sistema colonial em ação. Assim, o papel do senhor

de engenho nada tinha a ver com o burguês que de fato conhecemos hoje, ou seja,

um homem do comércio, industrial ou fabril, que explora a mão-de-obra de um

trabalhador e em troca lhe paga as horas trabalhadas. Como o próprio autor

argumenta: “Na verdade, assim como não tivemos um “feudalismo”, também não

tivemos o “burgo” característico do mundo medieval” (FERNANDES, 2006,

p.34).

Porém, como já dissemos, Fernandes (2006) admite a existência do burgo na

Colônia. Como afirma o autor:

O burguês já surge, no Brasil, como uma entidade especializada, seja na figura do agente artesanal inserido na rede de mercantilização da produção interna, seja como negociante (não importa seu gênero de negócios: se vendia mercadorias importadas, especulava com valores ou com o próprio dinheiro; as gradações possuíam significação apenas para o código de honra e para a etiqueta das relações sociais e nada impedia que o “usuário”, embora mal quisto e tido como encarnação nefasta do “burguês mesquinho”, fosse um mal terrivelmente necessário) (FERNANDES, 2006, p. 34).

22

Como podemos perceber, o sistema colonial impede o crescimento do

burgo, porém não o nega. Isso não impede o seu crescimento fora do sistema

colonial. Enquanto as relações internas entre Colônia e Metrópole continuam a se

perpetuar, é nas estruturas fora do sistema colonial que a figura do burgo ganha

força. O burguês para o restante da Europa é o agente histórico que vai

desapropriar o mercantilismo como organização de troca de mercadorias e

aprimorar as relações entre produtor e o comprador; assim, ele, o burguês

dinamiza a primeira forma de capitalismo, o comercial. A função do burguês no

papel colonial (especificamente nas terras que se chamaria Brasil) é apenas o de

despachar as mercadorias da Colônia para a Metrópole. Isto significa dizer que o

seu papel neste universo é praticamente nulo, para não dizer, puramente

operacional. Recebe a carga e a envia pelas companhias marítimas. “Ele nunca

seria, no cenário do Império, uma figura dominante ou pura, com força

socialmente organizada, consciente e autônoma” (FERNANDES, 2006, p.36).

A voracidade das nações européias em acumular mais riquezas transformou

Portugal em um mero coadjuvante na ralação entre Colônia, Metrópole e Credores

internacionais. Portugal com todo o seu atraso estrutural, político e econômico,

invertera seu papel na relação de dependência com a Colônia. A Metrópole

tornara-se dependente do Brasil, mas controlava a mãos de ferro toda a produção

no Brasil permitindo somente o atracamento de navios portugueses nos portos da

Colônia.

Em 1501 com tem inicio o extrativismo do Pau-Brasil, já em 1532 surgem

as plantações de cana-de-açúcar e o primeiro engenho de açúcar, logo em seguida

as plantações de cacau, fazendo-se necessário o incremento de escravos negros

que chegaram em 1549 para suprir a falta de mão-de-obra (uma vez que a

escravidão indígena não se firmara). Entre 1700 e 1800 a população7 na Colônia

dobra em virtude do descobrimento de ouro. Segundo Gomes (2007, p. 123)

estima-se que “Só de Portugal, entre meio milhão e 800 mil pessoas mudaram-se

para o Brasil [...]”.

7 Segundo dados apresentados por Gomes (2007, p. 122) estima-se que a população do Brasil antes da descoberta de ouro era de aproximadamente 300 000 habitantes, atingindo em 1800 uma população de 3 milhões de habitantes.

23

Nessa relação de dependência, os maiores beneficiados eram os senhores de

engenho porque continuavam produzindo para exportar. Isso garantia para a

aristocracia agrária a manutenção do poder em relação às demais classes,

aumentando o excedente produtivo que obviamente ficava na Colônia e

conseqüentemente nas mãos dos senhores de engenho. O aumento da produção

exigia a presença do burguês, pois a modalidade de exportação exigia a

qualificação de uma mão-de-obra capaz de garantir tal serviço. Assim, a

necessidade do comerciante se tornava cada vez mais importante, o que garantia a

fortificação do capitalismo comercial e guarnecia, mesmo sem a devida malícia,

aos senhores de engenho a possibilidade de aumento econômico. “Em outras

palavras, o capitalismo comercial provocou o aparecimento e exigia o incremento

da produção colonial” (FERNANDES, 2006, p. 41).

Esse processo resulta na negação forçada dos senhores de engenho em ceder

às mudanças econômicas, comerciais e tecnológicas que vinham de fora. A

mentalidade da aristocracia agrária não acompanhava as mudanças latentes do

cenário mundial da época, o que em muitos momentos tornava-se confuso para os

próprios senhores de engenho, isto é, perceber o seu real papel no sistema

decadente que estava presente na transição do Império para a República.

Em alguns momentos, eram verdadeiros produtores e exportadores; em

outros, meros senhores coloniais. Isso não só ocasionava uma gigantesca dor de

cabeça para a aristocracia, como também começava a dar sinais de divisão entre

os membros desta classe. Alguns, davam sinais de desgaste do modelo, ao não

conseguirem acompanhar as mudanças; outros, não abriam mão da condição

colonial e, por fim, outros transitavam politicamente entre ser leal a Coroa ou ao

capitalismo comercial que se fortalecia.

Percebemos então, um período de transição que vai da crise do sistema

colonial, passando pela estruturação do capitalismo comercial, fortalecendo o

burguês enquanto agente histórico capaz de organizar o sistema de trocas de

capitais, até chegarmos ao processo de Independência do Brasil. É importante

percebermos que esta transformação se dá por motivos políticos e econômicos que

surgiram de fora para dentro da Colônia. Enquanto um sistema fechado era

administrado dentro da Colônia para a Metrópole, outro era gestado e vinha

24

ganhando força sufocando assim, o sistema colonial de Portugal. Com a

Independência do Brasil, os senhores de engenho são forçados a mudar de

posição. Ao contrário do que muitos acham, a aristocracia agrária não desaparece,

mas muda por completo sua forma de organização. Se antes – no sistema colonial

– o que dava poder para o senhor de engenho era o sistema que viabilizava e dava

condições deste agente histórico se perpetuar pela exploração do trabalho escravo,

agora sua única saída seria se profissionalizar enquanto produtor, diminuindo

custos e contratando mão-de-obra livre para poder fazer valer o título de produtor

agrário. Neste novo contexto, mudam as relações de organização estrutural da

Colônia que se torna Independente em 1822 sob o comando de D. Pedro I, um ano

após o retorno de D. João VI e sua corte para Portugal em 1821.

1.2 A metamorfose de uma elite Colonial, Imperial e Republicana

Fernandes (2006) explica que o processo de transição do modelo colonial

para a Independência da Colônia, não fora um fato que tenha interferido na ordem

social, ou seja, não contou com a mobilização de massas. Por este motivo, diz

Florestan (2006, p.49): “Muitos estudiosos, [...], não lhe atribuem o valor histórico

e sociológico que ele possui”. Mas o autor contesta tal veracidade ao tentar refutar

esta argumentação ao mostrar que o simples fato, ainda que isolado e, tendo sido

concebido na sua maior parte dentro da aristocracia agrária, foi o processo de

Independência que terminou o status colonial e propiciou mais a frente a

independência da Colônia. Fernandes (2006) entende ser esta transição um ato

revolucionário, pois tal movimento reconfigurou todo um modelo político e

econômico de uma Colônia que passou a ser um Estado-Nação.

A Independência acrescenta-lhe o início de um novo tipo de autonomia política: com ela, instaura-se a formação da sociedade nacional. É nesta conexão que está o aspecto verdadeiramente revolucionário e que transcendia os limites da situação de interesses da casa reinante (FERNANDES, 2006, p. 49, grifos no original).

O processo que levará ao cume da transição se dava pelas transformações

econômicas e culturais da transição do mercantilismo para o capitalismo

econômico que, neste momento, tinha como maior expoente, a Inglaterra, como

25

potência hegemônica. As pressões que vinham de fora forçavam a Colônia

portuguesa a se adequar às novas regras do mercado internacional. A Metrópole,

no caso Portugal, não tinha mais condições estruturais, tecnológicas e políticas

para administrar a riqueza gerada pela sua Colônia. Como se não bastasse, a

Coroa portuguesa, neste momento, encontrava-se afundada em dívidas devido aos

seus extravagantes gastos com futilidades, sem falar na corrupção que se

encontrava no interior do governo. Toda a exploração da Colônia servia para

pagar a conta dos gastos portugueses, tal situação levou o sistema Colonial a

entrar em colapso.

A pressão externa forçava a mudança. No interior da Colônia os vários

senhores de engenho que formavam a aristocracia agrária, se dividiam entre

apoiar a Independência ou continuar com o status quo. Esta divisão ocorria

porque o sistema colonial propiciava aos senhores de engenho todos os meios para

sua existência e poder de que necessitavam, porém outro movimento começava a

surgir e este minava as bases da aristocracia agrária. Os burgueses, ou seja, os

comerciantes de todos os tipos queriam a ascensão econômica e política, mas para

isto acontecer precisavam mudar a ordem vigente colonialista para a “sociedade

nacional”. Com o intuito de arregimentar novos adeptos, muitos burgueses

começavam a formar alianças com alguns senhores de engenho nativos da região,

ou seja, estes não eram mais portugueses e sim descendentes que já tinham algum

tipo de identidade com a terra. Como discurso, os burgueses demonstravam a

perda que aqueles (os senhores de engenho) tinham com o sistema escravocrata,

como suas potencialidades políticas e econômicas se limitavam, primeiramente

com as barreiras impostas pela Coroa e segundo porque toda a sua produção era

desviada para a Europa. Dessa forma, o excedente que ficava nas mãos dos

senhores de engenho era muito pouco se comparado com os possíveis lucros caso

suas produções pudessem ser comercializadas diretamente com a Europa sem a

necessidade de passar pelo crivo da Coroa.

Sob essa perspectiva, a ruptura do estatuto colonial converteu-se numa inegável “necessidade histórica”, que teria culminado em movimentos de grande violência coletiva se as coincidências não favorecessem a transferência da Corte e uma secessão quase pacífica, na qual antes transpareceu a impotência da antiga Metrópole que qualquer vocação passiva da ex-Colônia. A maneira pela qual as coisas se passaram

26

contribuiu ainda mais para manter o caráter de “revolução encapuçada” de todo o processo (FERNANDES, 2006, p. 50, aspas do autor).

Essa revolução não se dá pelas massas, e sim pela elite agrária. É obvio que

o caráter revolucionário que a maioria esquerdista reivindica é o do movimento

das massas. Porém, não podemos negar que esta foi uma revolução de uns poucos

e bem preparados membros da sociedade da época. Portanto, uma revolução de

elite e não de massa. Temos, então, a participação revolucionária da elite e a

apatia política das massas. Como sugere Fernandes (2006, p. 50): “As elites

nativistas não se erguiam contra a estrutura da sociedade colonial. Mas contra as

implicações econômicas, sociais e políticas do estatuto colonial, pois este

neutralizava sua capacidade de dominação em todos os níveis da ordem social”. O

fato que se segue é que a elite agrária lutou apenas pelos seus interesses, negando

ao resto da população o direito de usufruir ou de pelo menos tentar conseguir os

mesmos benefícios dos quais a elite lutava. Não foi, portanto, uma revolução

“liberal republicana” e sim uma revolução de exclusão social, ou seja, uma

“revolução encapuçada” desvelando o próprio termo empregado por Fernandes

(2006). De certa forma, como podemos observar, manteve-se o caráter senhorial,

pois se perderam os escravos negros, ganhando outros escravos: os imigrantes e

novamente os escravos, agora ex-escravos, considerados como mão-de-obra

desqualificada. Portanto a revolução da elite agrária pontuou duas questões de

cunho político que resumem o descrito até aqui: “a internalização definitiva dos

centros de poder e a nativização dos círculos sociais que podiam controlar esses

centros de poder” (FERNANDES, 2006, p. 50).

O que impressiona é o caráter dual de tal evento. Ao mesmo tempo em que

soa “liberal” e “revolucionário” é “conservador’ e extremamente “elitista”.

Liberal porque propunha a participação; revolucionário porque a proposta mudava

a ordem vigente; conservador porque não abria mão do poder e elitista porque

continuava a separar e a segregar aqueles que não dispunham da mesma condição.

“Portanto, a Independência foi naturalmente solapada como processo

revolucionário graças ao predomínio de influências histórico-sociais que

confinavam a profundidade da ruptura com o passado” (FERNANDES, 2006, p.

27

51). Neste contexto, a “República Inacabada” aponta claramente como este

paradoxo é possível na historiografia brasileira. Basta lembrar como se deu o

processo que desencadeou a Revolução da dinastia de Avis.

Outro aspecto que chama a atenção não está necessariamente contida na

obra de Fernandes (2006) como argumentação contra a “Revolução Burguesa”,

muito pelo contrário, o que chama a atenção, é certo toque de “confidência” ou de

“humildade” em afirmar que o “(...) o liberalismo exerceu influências sociais

construtivas em várias direções concomitantes” (FERNANDES, 2006, pp. 53 e

54). Esta reflexão do autor nos mostra um alto grau de sobriedade em sua linha de

raciocínio, nos mostra principalmente, que o problema maior não seria o

liberalismo político e ou econômico e sim o agente histórico no caso a aristocracia

agrária, que impele por meio da coerção e do suborno a participação da massa. O

teor revolucionário sempre esteve presente para os liberais, porque estes queriam

se livrar da Coroa. O sonho nacionalista liberal rondava as mentes e se propunha a

um projeto nacionalista para o futuro da nação. O problema observado era quem

iria se apropriar do discurso liberal histórico para então forjar e edificar não o

projeto liberal histórico da Revolução Francesa e sim uma simbiose moldada para

as facetas de uma elite agrária e viciada.

Fernandes (2006) se aproxima de Faoro (2007) no que concerne a

perspectiva de um problema estrutural criado não pela ação da massa, mas pela

impossibilidade desta participar. Portanto, a apatia política seria uma

conseqüência histórica da exclusão das massas nos processos participativos

imposto pela elite patrimonialista, que com maior preparo instrumental consegue

se sobressair em relação à sociedade de massa, pois é ela (a elite) que em última

instância organiza o cenário jurídico e político. As ações tomadas pela elite

colonialista e depois pela elite que se tornará brasileira são tidas como legal, ou

seja, foram usados instrumentos jurídicos de aplicação legal que possibilitava a

tomada de decisões e consequentemente de poder. De quem partia tais investidas?

Das elites que possuíam o mínimo possível de conhecimento legal e jurídico, ou

seja, os poucos que dispunham da possibilidade de usufruírem do estudo. Há de se

registrar que quando afirmamos que a elite possuía “estudo”, não estamos nos

referindo apenas ao estudo formal escolar, mas na possibilidade de uma elite

28

intelectual que possuía os instrumentos capazes de gerar o conhecimento

científico, legal e, portanto, o status de verdadeiro para o restante das massas.

Uma opressão classista, conservadora e autorizada pela justiça.

Quando a matéria tratada coloca em pauta o liberalismo pelos

simpatizantes(para o processo da Independência), ele se revela como um ótimo

instrumento que aniquila o status colonial e estratifica o processo de

Independência. Entendemos assim, que o liberalismo em questão não é o

liberalismo ideológico, isto porque ele não nasce nas massas e sim se reproduz

nos altos escalões sociais e em conseqüência de uma reestruturação que solapava

as estruturas internas advindas do exterior, ou seja, este era de fato um liberalismo

de cunho econômico. Com a Independência já proclamada, as organizações

seriam outras, mas nada que afetasse de fato a ordem social, ou seja, as massas.

Para essas, a Independência não passara de um ato administrativo, que poucos

tinham a noção do que de fato havia ocorrido. A grande mudança está na nova

ordem que se criará. O senhor de engenho deixa de ter este status de nobreza, com

a Independência passa a ser um “cidadão”, não muito diferente como na dinastia

de Avis. Este novo cidadão passa agora a se organizar de acordo com os novos

ditames da “Monarquia constitucional”. Assim como na dinastia de Avis, a

burguesia comercial se aliara com a Coroa e o Clero, séculos mais tarde com o

sufocamento atribuído a Igreja, a “revolução” Pombalina exila o Clero das

tomadas de decisão da coroa portuguesa com a finalidade de não sucumbirem com

a escolástica. Na ex-Colônia (Brasil), o processo não fora diferente. Na verdade

tanto na dinastia de Avis, como na revolução Pombalina, todas foram tomadas

como “revoluções democráticas e liberais”, para o Brasil isto também se encaixou

perfeitamente. Assim como nas experiências anteriores que foram herdadas na

Colônia e na ex-Colônia, o que se chamava e se denominava como “povo”, eram

uns poucos que dispunham de privilégios legalmente autorizados pelas suas

Constituições. “(...), esse fato também explica como as formas de poder político,

criadas através da implantação de um Estado nacional, foram assimiladas pelos

estamentos senhoriais e convertidas, desse modo, em dominação estamental

propriamente dita” (FLORESTAN, 2006, p. 59).

29

Assim, a referência de “povo” (leia-se cidadão, compreenda-se elite) estava

distante da referência de “massa”. O “povo”, está no centro, está na metrópole, o

“povo” é quem representa a nação. A “massa”, está na periferia, é marginal é

escrava. A democracia é do “povo”, para o “povo”; para a “massa”, cabe seguir

sendo manobrada. Assim, o “povo” é a elite, a “massa” é o escravo. O “povo”

domina, a “massa” obedece. O “povo” participa, a “massa” é apática. Portanto o

“povo” é a sociedade civil, a sociedade organizada e o resto que compõe a Nação,

e só o resto, essa, é a “massa”.

Termos ou expressões como “povo”, “nação”, “opinião pública”, “o povo exige”, “o povo aguarda”, “o povo espera”, “interesses da nação”, “a segurança da nação”, “o futuro da nação”, “a opinião pública pensa”, “a opinião pública precisa ser esclarecida”, “a opinião pública já se manifestou contra” (ou “a favor”) etc. indicavam pura e simplesmente que os diversos estratos das camadas senhoriais deviam ser levados em conta nos processos políticos, desta ou daquela maneira. (...). A democracia não era uma condição geral da sociedade (FERNANDES, 2006, p. 63).

Podemos concluir assim, que a sociedade civil tornara-se naquele momento

o berço que abarcara a elite patrimonialista estamental na nova ordem social e

econômica que compunha a “Monarquia constitucional”. A democracia se

restringia aos poucos que participavam da sociedade, ou seja, o povo legalmente

ativo. Desta forma, o ex-senhor de engenho que se tornara cidadão legal, fazia

parte da sociedade civil e continuava com o poder debaixo dos panos. Surgia

assim, a corrupção pública no Brasil. O poder político condicionado ao poder

econômico do “povo” e, conseqüentemente, da sociedade, condicionava toda uma

organização de poder que queria manter mesmo às duras penas (se fosse

necessário) a sua posição legitima de poder. O “povo”, ou seja, a sociedade civil

se auto-gestava organizando-se em todas as estruturas da Nação; paralelamente, o

Estado organizava-se pelas Leis com a finalidade de garantir sua soberania.

Assim: “(...) os estamentos dominantes precisavam do aparato administrativo,

policial, militar, jurídico e político inerente à ordem legal” (FERNANDES, 2006,

p. 64).

A Independência do Brasil, mais do que uma transformação estrutural na

forma de governo, foi também uma mudança de posição política, econômica,

30

social, psicológica e cultural que afetaram principalmente as classes dirigentes

desta nova nação. Resumidamente, o processo mudou todos os comportamentos e

obrigou um sistema elitista a se auto-programar para poder quebrar o paradigma

colonial. Isto possibilitou a entrada definitiva do capitalismo na nação brasileira,

fortalecendo o capital, aumentando a desigualdade, promovendo a apatia política

nas massas.

1.3 A elite tradicional versus o imigrante: uma união de poder e traição ao

ideal de liberdade

Com a Independência consumada em 1922, a preocupação da aristocracia

agrária era de, o mais rápido possível, retirar do Brasil a imagem marginal de ex-

Colônia para o mercado externo e se fortalecer como uma Nação de fato.

Obviamente que, as potências européias haviam percebido que o caminho estava

aberto para novas negociações, sendo assim, a facilidade dos arranjos comerciais

entre o Brasil e outros países foi facilitada em decorrência da extinção da Colônia.

O que se segue é um mar de exportações da matéria prima brasileira para

todos os cantos do mundo, não que isso não acontecesse anteriormente, mas

agora, a diferença é que a ex-Colônia tornara-se Nação. Porém a nova Nação

sofria com alguns problemas internos. Estava desqualificada internamente na sua

estrutura industrial e fabril. Era uma jovem nação exportadora de grãos, mas uma

péssima produtora de bens de serviço e consumo. Sendo assim, o mercado e a

balança comercial brasileira regularam suas exportações em produtos primários e

as importações em produtos industrializados. Esta política de importação e

exportação ficou conhecida como o “crescimento econômico dependente”. Pois,

“Um país cuja economia se especializa na produção agrícola e obtém os

excedentes de que precisa por meio da exportação depende do mercado externo e

possui um mercado interno forçosamente débil” (FERNANDES, 2006, p. 110).

Com a Independência consumada, os primeiros passos do capital estrangeiro foi o

de fortificar suas relações com o Brasil. Aos poucos, firmas inteiras começaram a

aparecer graças ao capital estrangeiro surgiram também filiais de empresas,

agências marítimas, armadores marítimos, bancos, uma verdadeira reestruturação

31

comercial e de mercado que alavancou uma reorganização cultural dos costumes

brasileiros. As agências marítimas fortaleciam cada vez mais a estrutura

organizacional das operações de importação e exportação, os bancos

solidificavam uma nova forma de tratar o capital que antes era demasiadamente

expurgada e controlada de fora para dentro. O Brasil se organizara timidamente

não por suas próprias mãos, mas na crisálida da experiência estrangeira. Ao

mesmo tempo em que este processo ocorrera, não podemos esquecer que a nossa

linha temporal demarca o período da Independência, e o sistema de governo é a

Monarquia. Para este momento, em especial, apesar da reestruturação social e

política do país, duas figuras históricas serão de suma importância no futuro do

país: o produtor de café e o imigrante.

O produtor de café, ou como Fernandes (2006) prefere chamar, “o

fazendeiro de café”, é justamente o ex-senhor de engenho, agora adaptado a sua

nova posição social, não como senhor, mas como “cidadão”, segundo a nova

legislação. Devemos lembrar que neste período, ainda não temos a abolição da

escravatura. Portanto, a exploração do trabalho escravo era exercida “livremente”

nas diversas fazendas do país. Como podemos perceber, a mudança que levara o

Brasil a Independência, fora uma aliança de cunho político e ao mesmo tempo de

cunho econômico, gerada por um colapso no sistema colonial em detrimento da

reorganização política e econômica das relações européias de mercado. Em

virtude destas mudanças no cenário internacional e, consequentemente, no cenário

nacional, a aristocracia agrária se vê forçada “legalmente” (pelo fato da nova

Constituição) a receber o título de cidadão. Percebemos como o senhor de

engenho e sua nova posição social lhe atribuía o título de “fazendeiro”. Porém,

sua relação com a produção (seja ela do café, do cacau, do algodão, da cana-de-

açúcar etc.) continua a mesma, ou seja, uma relação de exploração escravocrata. O

que de fato muda é apenas o desaparecimento da intervenção portuguesa nos

processos de mercantilização da produção que agora passara a ser brasileira. O

título de “cidadão”, “fazendeiro” apenas esconde a real posição deste agente

histórico. São estas artimanhas no processo histórico que encobrem o real motivo

da Independência, um jogo político e econômico que visava a manutenção do

32

poder de uma aristocracia agrária aliada a Monarquia. Mudaram apenas os nomes,

mas os agentes históricos permaneceram os mesmos.

No começo do processo, ele renegava o “elemento burguês” do seu status para afirmar-se como aristocracia agrária, monopolizar o poder e organizar um Estado nacional independente. No fim do mesmo processo (ou seja, no último quartel do século XIX, em particular na década de 80), ele se viu compelido a repudiar o próprio status senhorial, para salvar-se, através do “elemento burguês” de sua situação (FERNANDES, 2006, p. 130. Grifos do autor).

O que fica claro é que os “fazendeiros de café”, mais do que preocupados

em conseguir o lucro e, neste caso, o lucro burguês, deixaram de representar uma

figura que sempre os satisfez, a de senhor de engenho. Antes de desejarem o

lucro, desejam o título e o poder do senhor que domina centenas de escravos. É a

mudança de cenário que os obriga a ceder um pouco, o lucro do modelo burguês é

uma conseqüência da virada do sistema do qual os senhores de engenho não

estavam querendo fazer, mas que se obrigou para não perderem todo o poder que

tinham. Humilhados, porém não mortos, eles cederam às exigências da nova

ordem, se adaptaram às novas estruturas e assimilaram uma nova posição no

cenário nacional. “Doutro lado, esse fato também explica como as formas de

poder político, criadas através da implantação de um Estado nacional, foram

assimiladas pelos estamentos senhoriais e convertidas, desse modo, em

dominação estamental propriamente dita” (FERNANDES, 2006, p. 59). De fato, o

“espírito burguês” nunca esteve presente no senhor de engenho. Sua cognição era

incapaz de imaginar e entender como os elementos burgueses poderiam ampliar

suas riquezas. Para os senhores do engenho a única possibilidade de se manterem

no poder era o de continuar com o trabalho escravo, por este motivo eles apoiaram

a Independência, com a certeza de que a escravidão não retiraria deles a única

forma que entendiam e compreendiam de possuírem poder.

Paralelo ao mundo dos fazendeiros de café, o mundo comercial continuava a

crescer, o comércio cada vez mais se solidificava. A industrialização atrasada

toma fôlego, os escritórios, os bancos e as repartições públicas faziam-se mais

freqüentes nas áreas urbanas, a lavoura apesar de forte já não era a única fonte de

renda. Com o comércio de importação e exportação crescendo o fazendeiro se via

33

cada vez mais pressionado a produzir em grande quantidade, o que o obrigou a

reorganizar o sistema de plantio e colheita com a finalidade de diminuir os gastos.

Era a força do capital que teimava em malograr o sistema escravocrata.

Foi nessa situação que alguns fazendeiros do Oeste paulista, mais envolvidos nas atividades e funções do capital comercial e financeiro, compreenderam o que estava em jogo [...]. Tiveram a coragem de romper com o bloqueio estamental [...]. Procuraram intensificar o trabalho escravo ou combiná-lo ao trabalho livre, [...] eliminaram todos os custos diretos e indiretos, [...]; aperfeiçoaram as técnicas agrícolas; ao mesmo tempo, modernizaram os transportes; e separaram o lar senhorial da unidade de produção [...] (FERNANDES, 2006, p. 135).

As conseqüências destes atos foram a modificação de muitos hábitos,

principalmente no que tange à organização da lavoura. Esta deixa de ser um

domínio senhorial e passa a ser de agora em diante uma “unidade especializada

em produção agrária” (FERNANDES, 2006, p. 135). É nesse momento, quando

os ex-senhores de engenho (do sistema colonial), agora fazendeiros de café (do

processo de Independência), tomam a devida proporção do cenário que se abate

diante de seus olhos, que a encarnação do “espírito burguês” toma posse das suas

mentes. É a nova mentalidade econômica incorporada por este grupo de

fazendeiros que veio a se espalhar por todo o país e que possibilitou a virada do

fazendeiro de café à “[...] “homem de negócios”, que esteve à testa dessa

transformação estrutural, [...]. Então já se cumprira seus papéis de agente histórico

da Revolução Burguesa e erigia em rotina o que antes fora um momento crucial

de opção” (FERNANDES, 2006, p. 146).

A transformação que ocorrera na forma como o fazendeiro dirigia sua

lavoura, mudara apenas para com o cenário do mercado. Internamente, dentro dos

vínculos agrários, sua posição continuava a mesma, não se abolira a escravatura,

pelo menos não neste momento. As relações de dominação senhorial

continuavam. Portanto, a mudança social no interior das lavouras demorou a

chegar. A opressão, a marginalização do trabalho escravo continuou a existir. A

dominação nos leva a crer que tal situação poderia forçar a exercer a apatia social

e política por parte daqueles que integravam o sistema escravocrata, ou seja, os

escravos. Assim para o comércio o fazendeiro teria se tornado um homo

34

economicus, já que no interior das fazendas continuava a ser um senhor de

engenho tradicional.

Mesmo assim, o sistema capitalista continuava a exigir a qualificação dos

serviços e de uma mão-de-obra especializada da qual a Nação não dispunha. Com

a necessidade do bom andamento de seus negócios em terras Tupiniquins, as

direções de muitas das empresas e filiais que aqui se instalaram, começaram a

mandar profissionais habilitados a exercerem funções para qual o povo brasileiro

não tinha condições de exercer. Inicia-se assim, por volta de 1824, o processo de

migração dos europeus após a Independência do Brasil. A vinda destes imigrantes

simbolizava a possibilidade de enriquecimento diante de um novo mundo que

precisava ser lapidado de acordo com os conhecimentos que dispunham. Não só

para as funções burocráticas e ou comercial, mas os imigrantes de fato vieram

muitos deles, para atuar nas lavouras. O sistema capitalista comercial forçava tal

situação. A presença do imigrante simbolizava, neste momento, o avanço do

capitalismo em uma Nação que acabara de nascer. Este, o imigrante, simbolizaria

para Fernandes (2006) o segundo grande agente histórico que propiciaria e

sacramentaria a instituição do sistema capitalista no Brasil. Há de se observar que

muitos dos imigrantes que aqui chegaram vieram com o intuito de dias melhores,

haja vista o infortúnio que viviam em seus países de origem, onde a pobreza e a

miséria vitimava-os a saírem. Isto ficou claro quando aqui chegaram, não

reconheciam o Brasil ou qualquer outro país como sua terra mãe, ou como

expressa Fernandes (2006): “pátria de adoção”. O estranhamento cultural era

evidente, o propósito do emigrante era enriquecer, o que de fato o sistema

capitalista precisava para alavancar a economia dependente do Brasil. Os

pequenos grupos de imigrantes fechavam-se com o intuito de se fortalecerem

enquanto grupo, isolavam-se assim dos demais grupos brasileiros e procuravam

com o pouco material tecnológico (ainda assim, tecnologia superior ao dos

brasileiros) que dispunham a seu favor para construir um futuro promissor. Os

imigrantes que aqui chegaram não dispunham de privilégios financeiros e não

podiam adquirir escravos por três motivos: não dispunham de dinheiro suficiente;

na grande maioria destes países a escravidão já havia sido extinta; os fazendeiros

viam os imigrantes como ameaça aos seus negócios e por isso não pretendiam

35

comercializar com eles seus escravos. Mas o que de fato ocorrera é que os

imigrantes trabalhavam para si, eram donos de pequenas porções de terra.

Organizavam-se de forma a produzirem sua subsistência e o excedente

comercializavam entre si e com a cidade. Logo estabeleceram uma organização de

comércio entre as colônias e a cidade. Fortaleceram o elo do campo com a cidade

e aos poucos foram tomando a importância que o sistema capitalista lhes atribuía:

“[...] o imigrante seria o nosso humano que encarnaria de modo mais completo a

concretização interna da mentalidade capitalista e iria desempenhar os principais

papéis econômicos que estruturaram e dinamizaram a evolução do capitalismo no

Brasil” (FERNANDES, 2006, p. 168). Diferente do fazendeiro brasileiro, que

estava usufruindo da posição de destaque do momento, no caso a colheita de café,

o imigrante se propunha não somente a essa posição agrária, mas também

procurava atuar em outros segmentos como já vimos acima. Enquanto o

fazendeiro brasileiro era motivado pelo poder estamental agrário que o sistema lhe

oferecia, o imigrante era motivado pela concorrência do mercado. Trabalhar e

acumular, eis a diferença entre fazendeiros e imigrantes. O fazendeiro se

preocupava com o sistema que lhe garantisse o poder, o imigrante se preocupava

com o crescimento econômico que lhe garantiria sustento, não era apegado a

títulos e sim, a resultados. Fica clara a motivação do fazendeiro e a motivação do

imigrante, ambos possuíam construções de valores bastante distintas entre a noção

de riqueza e poder.

Nesse primeiro momento, o fazendeiro de café está intimamente ligado pela

política, sua preocupação é com títulos e o poder, já para o imigrante sua

preocupação é estritamente econômica, pois precisa se fixar em terras estranhas.

Isso obriga o imigrante, a se estruturar enquanto agente histórico no sistema

capitalista comercial brasileiro, figurando como o agente capaz de dar uma

reviravolta na construção social e política do Brasil, mesmo porque não há

nenhum vínculo que o obrigue a se corromper diante de uma sociedade da qual

ainda não participava. Seu trabalho para conseguir o reconhecimento foi duro e

tortuoso, mas quando o conseguiu, necessitou de ferramentas para manter o que

havia conquistado. Se em um primeiro momento a preocupação do imigrante era a

de se fixar economicamente, a segunda foi o de garantir politicamente tudo que

36

havia conquistado. O imigrante “dá uma rasteira” na sua condição de agente

histórico do liberalismo comercial e se alia a aristocracia conservadora existente

no Brasil.

Convertendo-se ao “liberalismo” das elites tradicionais, incorpora-se, de fato, aos círculos conservadores e passa compartilhar formas de liderança e de dominação políticas variavelmente conflitantes ou inconsistentes com a consolidação da ordem social competitiva e com o que isso teria de representar com o plano econômico (predomínio do capital industrial; reforma agrária; aceleração do desenvolvimento econômico e constituição de uma economia de mercado integrada em escala nacional; formação de um regime capitalista independente.) (FERNANDES, 2006, p. 175).

Desta forma, o imigrante, que poderia ser um agente capaz de lutar por

mudanças na estrutura do sistema brasileiro, aliou-se a seus principais

concorrentes e em uma verdadeira “puxada de tapete” se vira contra o processo

democrático do jogo político brasileiro. A apatia se revela neste momento, não

que se esperava que o imigrante fosse o salvador da pátria, muito pelo contrário,

este nunca considerou o Brasil como sua terra. Na verdade a única relação deste

com o Brasil após a sua chegada foi a de se fixar, obter lucro e estabilidade. Pois

essa era a única maneira de sobreviver em terras estranhas. Quando a conseguiu,

tratou de mantê-la.

[...] o imigrante preferiu identificar-se com as ideologias das elites nativas no poder e procurou absorver, com relativa rapidez assim que se interessou pela participação nas estruturas de poder da sociedade brasileira, as técnicas sociais de dominação política empregadas por aquelas mesmas elites (FERNANDES, 2006, p. 175).

Quando dizemos que o processo de apatia política se manifesta nesta

referência, queremos dizer que a mentalidade e a percepção de mundo do

imigrante que poderia ter sido o promotor de transformações sociais e políticas

são vencidos pelo desejo de se perpetuar no poder. A aliança entre fazendeiros e

imigrantes simboliza isso. A apatia poderia, portanto, ser construída de forma

proposital. Nega-se o confronto de poder entre lideranças (fazendeiros e

imigrantes), ou seja, nega-se o princípio básico da participação ou diálogo. Sem

diálogo, ou seja, sem o confronto de idéias ou de disputa de poder entre os

37

fazendeiros e os imigrantes, grandes frações populacionais8 no Brasil deixaram de

assistir e de participar de um processo de tomadas de decisões que poderia ter sido

importante para o amadurecimento da ação participativa no país.

1.4 A República e as novas classes sociais

A concretização da revolução burguesa se dá no processo de liberdade dos

escravos e conseqüentemente com a Proclamação da República. Esses dois

eventos marcam esta transposição do sistema escravocrata para o sistema liberal

que emprega a mão-de-obra livre ou assalariada, no caso da abolição da

escravatura e o fim do Império para o início da República. Os rompimentos com

essas antigas formas de governo colocam o Brasil na era moderna da sociedade

internacional. Houve todo um rearranjo estrutural histórico ocorrido no Brasil. O

senhor de engenho, tornara-se fazendeiro de café, que se tornara “cidadão” e

inserido no mercado de capitais ganha o status de homem econômico. O imigrante

de agente potencializador da economia interna transformou as suas colônias em

terras de grande produção agrícola, as indústrias e comércios por eles

administrados fortaleceram-se e se tornaram potências industriais.

Ao redor das grandes lavouras surgem pequeninas cidades, e

conseqüentemente comércios. Os burgueses firmam residência. Vindos das

classes baixas da população, promovem o comércio de beira de estrada,

agarraram-se nas primeiras oportunidades que tiveram para se fortalecerem

enquanto classe. Diferente das classes burguesas européias e americanas que

constituíam associações com o intuito de se organizarem e fortalecerem o

comércio das indústrias que reivindicavam do Estado as necessidades que lhes era

devida, no Brasil ocorre o inverso. Os pequenos comerciantes infiltram-se nas

arenas políticas municipais, estaduais e federais, espalham-se por todos os setores

da política, com a finalidade de se utilizarem do Estado em benefício próprio.

Muitos desses novos burgueses que surgem com o advento da Proclamação da

República em nada se diferenciam dos ex-senhores de engenho e de alguns grupos

8 Poderíamos incluir nessa fração populacional, pequenos comerciantes, trabalhadores, negros, brancos, mestiços, poetas, intelectuais e etc.

38

imigrantes que uniram forças, ou seja, corromperam-se com o poder do Estado,

formando assim, novas Oligarquias.

Em conseqüência, a oligarquia não perdeu a base de poder que lograra antes, como e enquanto aristocracia agrária; e encontrou condições ideais para enfrentar a transição, modernizando-se, onde isso fosse inevitável, e irradiando-se pelo desdobramento das oportunidades novas, onde isso fosse possível (FERNADES, 2006, p. 240).

Os burgos que por algum motivo não fechavam com as oligarquias

produziam as mesmas relações de mandonismo no interior de seus comércios, de

suas vidas privadas e círculos de amizades.

Mas a República não trouxera apenas os novos burgueses para o cenário

brasileiro. Com o fim da escravidão e o início da mão-de-obra livre, logo uma

nova classe de fato nasce em terras brasileiras, o trabalhador. Se no período

Colonial e Imperial a manutenção da apatia política se fazia por negar o

conhecimento às massas e principalmente instituir a opressão e a escravidão para

os afro-descendentes negando-lhes a liberdade, com a República instaurada e com

o surgimento de novas classes sociais, isto não seria mais possível. Com um

gigantesco número de ex-escravos e o crescimento da mão-de-obra livre, surgiram

os primeiros conflitos por melhores condições.

As oligarquias, pouco acostumada a ceder às reivindicações dos

trabalhadores, encontraram-se acuadas no primeiro momento, porém:

A burguesia mostrou as verdadeiras entranhas, reagindo de maneira predominantemente reacionária e ultraconservadora, dentro da melhor tradição do mandonismo oligárquico (que nos sirva de exemplo o tratamento das greves operárias na década de 1910, em São Paulo, com puras “questões de polícia”; ou, quase meio século depois da repressão às aspirações democráticas das massas) (FERNANDES, 2006, p. 242,).

Dada esta perspectiva, agora há novas classes e se a repressão por meio da

escravidão não existia mais, a saída encontrada pela burguesia e

conseqüentemente pelas oligarquias foi, mais uma vez, utilizar as forças legais do

Estado em benefício próprio. Mobilizar a repressão por meio da estrutura policial,

utilizando-se das Leis vigentes para frear e calar a massa de trabalhadores e

simpatizantes que teimavam em incomodar foram ferramentas de importante

39

persuasão. Percebemos aqui, o início de uma participação das massas que começa

a lutar por condições de melhorias nas relações mantidas entre trabalhador e

empregador. O desejo das elites era o de promover a riqueza de suas próprias

oligarquias, o avanço tecnológico era restrito aos poucos, não havia sequer o

intuito de melhorar a condição tecnológica para as maiorias. O crescimento

econômico brasileiro se dava pelas mãos de uma autocracia que sambava e

tripudiava em cima da grande desigualdade social e tecnológica que se fazia já

naquela época (1930) entre os pobres e ricos.

Apesar de o Brasil estar se reorganizando internamente já sob o comando do

então Presidente Getúlio Vargas, o que acarretaria uma modernização econômica

e tecnológica com bases sólidas, o sistema viciado e ainda dominado pelas

oligarquias freava a possibilidade de se praticar de fato as mudanças necessárias

para elevar o avanço econômico e tecnológico que as maiorias não dispunham.

Portanto, a dominação burguesa se associava a procedimentos autocráticos, herdados do passado ou improvisados no presente, e era quase neutra para a formação e a difusão de procedimentos democráticos alternativos, que deveriam ser instituídos (na verdade, eles tinham existência legal ou formal, mas eram socialmente inoperantes.) (FERNANDES, 2006, p. 243).

Pode parecer estranho, mas encontramos aqui a produção de apatia política.

É obvio que há nesse momento a participação dos trabalhadores que em forma de

greves, manifestações e por parte dos imigrantes os movimentos anarquistas,

estavam reivindicando seus direitos de cidadãos e trabalhadores. Porém, a questão

é o arranjo político exercido pelas oligarquias que, infiltrados nas camadas do

Governo, reorganizavam legalmente pelo sistema jurídico suas ações e

coercitivamente pelo aparelho repressivo policial. Desvela-se assim um esquema

desigual entre elites e povo.

Ora, as elites brasileiras não estavam preparadas para as duas transformações concomitantes. Acomodaram-se de modo mais ou menos rápido à primeira diferenciação, [...]. No entanto, viram os efeitos da segunda diferenciação como um desafio insuportável, [...]: as reservas de opressão e de repressão de uma sociedade de classes em formação foram mobilizadas para solapá-la e para impedir que as massas populares conquistassem, de fato, um espaço político próprio “dentro da ordem” (FERNANDES, 2006, p. 244, aspas do autor).

40

A primeira transformação diz respeito à Independência do Brasil, onde o

sistema continuaria a ser o escravocrata. Neste momento, apesar da mudança de

ex-Colônia para um Império independente, as mudanças foram apenas jurídicas na

questão da reformulação do Estado. As oligarquias ou os senhores de engenho

continuavam a exercer o seu poder pelo fato de ainda possuírem os escravos,

sendo que a organização social permanecia a mesma. A segunda transformação

revela o surgimento e o rompimento com o sistema escravocrata. O Brasil é

obrigado externamente, a romper com este modelo, obrigando as elites a se

reorganizarem estruturalmente para poderem se manter no poder. Com a

República instaurada mais uma classe vem a existir, a dos trabalhadores, e outra

muito importante no sistema escravocrata, se extingue: o escravo. Portanto, toda a

segurança que o ex-regime (escravocrata) assegurava às elites deixa de existir. A

necessidade de assegurar o poder da elite agora necessitava de um rearranjo e, este

rearranjo da elite foi o de justamente se infiltrar no seio do sistema político e

partidário que se consolidava com a República.

O comportamento dos burgueses republicanos brasileiros e das oligarquias

revela uma forte ligação com o modelo Pombalino, em outro contexto.

Viveríamos agora uma República. Porém, os meios tomados para se garantir o

poder destas se comparam aos passos do Marques de Pombal. A elite brasileira

detentora do poder se infiltra no Estado e legitimamente se apropria do poder

pelas mãos do judiciário. Reprime as manifestações com a repressão policial.

Difama a classe manifestante como baderneira e no significado mais chulo da

palavra “anarquia” intitula os movimentos trabalhadores de desordeiros. Essa

tática da elite teve em longo prazo o sucesso esperado, garantindo assim o

controle da massa, contribuindo para o nosso objeto de estudo, a apatia política.

Seria esse então, um comportamento altamente retrógrado aos moldes de uma

República, altamente conservador, corrupto e opressor.

Cedendo terreno ao radicalismo dos setores intermediários e à insatisfação dos círculos industriais, ela praticamente ditou a solução dos conflitos a largo prazo, pois não só resguardou seus interesses materiais “tradicionais” ou “modernos”, apesar de todas as mudanças, como transferiu para os demais parceiros o seu modo de ver e de praticar tanto as regras quanto o estilo de jogo (FERNANDES, 2006, p, 246, grifos do autor).

41

A apatia política se revela na capacidade de coerção da elite, na

impossibilidade de participação dos trabalhadores e conseqüentemente do povo de

conseguir reivindicar com sucesso seus desejos e anseios por um canal

institucional e legal. Após os diversos confrontos que se seguiram nas décadas de

1910 e 1920 entre trabalhadores e simpatizantes da causa contra o sistema que

teimava em não garantir direitos sociais ao povo, a apatia se consolidaria pela

repressão policial e pela estagnação do Estado em resolver tais questões, ou seja,

o Estado estava impregnado por agentes sociais representantes da burguesia e das

oligarquias que lutavam contra os trabalhadores.

Tal processo viria a se arrastar pelas próximas décadas. Tendo o seu auge no

período do governo militar de 1964 a 1985. É a partir de 1988, com o processo de

redemocratização, que surgiriam algumas mudanças políticas e de participação

popular, como exemplo, o sufrágio universal. Porém, mesmo assim, resquícios do

patrimonialismo e das atitudes clientelísticas viriam ser diagnosticadas na

democracia brasileira. Um misto de autoritarismo, clientelismo e corrupção.

CAPÍTULO II

TEORIA DA CULTURA POLÍTICA E AS

PARTICULARIDADES BRASILEIRAS

PARTE I

1 CONSTRUÇÃO TEÓRICA SOBRE A TEORIA DA

CULTURA POLÍTICA

Para iniciarmos a abordagem da teoria da Cultura Política se faz

necessário uma breve contextualização que tem início com os teóricos da

Democracia Minimalista e da Teoria da Escolha Racional (TER). No projeto de

monografia buscamos evitar a discussão da melhor hipótese teórica do que seria

uma democracia perfeita, mas fomos obrigados, ainda que superficialmente,

abordar o tema da democracia como componente básico, pois consideramos

importante estudar as questões relacionadas a participação política e suas

conseqüências práticas para a estrutura do Estado.

1.1 Teoria da Escolha Racional – TER - e a Democracia Minimalista

A Teoria da Escolha Racional – TER – originou-se com estudos na

Economia. Nas Ciências Sociais, a TER ganhou destaque com a Ciência Política,

sendo apresentada pela Economia, “como resultado dos trabalhos pioneiros de

Anthony Downs, James Buchanan, Gordon Tullock, George Stigler e Mancur

Olson” (FEREJONH e PASQUINO, 2001, p. 5). Segundo esses teóricos, as

escolhas feitas pelos eleitores ou pelos cidadãos na esfera política estaria

condicionada a uma soma, ou melhor, a um cálculo racional probabilístico de

obter sucesso de acordo com a matéria a ser decidida. Os cálculos ocorreriam na

medida em que o ator social percebe as possibilidades de ganhos ou perdas diante

de uma situação de decisão.

43

A idéia é simples: tomando o indivíduo portador de racionalidade estratégica como fundamento, é possível deduzir as preferências dos atores sociais. Em qualquer estudo inspirado pela teoria da escolha racional, as preferências não são tematizadas; elas estão dadas (BORBA, 2008, p. 4).

Essa teoria foi muito bem aceita pela corrente da Democracia Minimalista.

A argumentação dos teóricos da democracia minimalista é a tese de que os

modelos de governo devem ser modelos de procedimento e não de substância, ou

seja, os modelos democráticos devem funcionar para atender às demandas

técnicas para problemas técnicos. Porém, este caminho converge para uma espécie

de “autoridade política” onde o que está em jogo e na ponta da caneta são a

representatividade e o poder de decisões dos representantes que desconsideram

assim a relação com o social e o econômico.

Somado a isto, Anthony Downs (2000) sugere que a decisão de um ator

social de participar ou não (no caso mais específico do voto) dos processos

democráticos é um cálculo por ele feito que compreenda ganhos e perdas. Assim,

a apatia política seria um direito a ser respeitado dentro do conceito minimalista

de democracia e uma escolha racional do indivíduo junto ao jogo político. Pois, ao

perceber o não ganho em determinado momento ele (o eleitor) poderia se abster

do processo político não participando, como um direito individual e

consequentemente a não participação política.

Duras críticas foram traçadas ao modelo teórico de Downs e de seus colegas

que de uma forma ou de outra contemplaram a gênese da TER e da democracia

minimalista para fundamentar seus trabalhos. Luis Felipe Miguel (2005, p.p. 9-12)

sintetiza as críticas ao pensamento da Democracia Minimalista e a profunda

relação com a TER. Miguel (2005) aponta duas críticas a esta teoria. A primeira

estaria condicionada ao “isolamento da esfera política em relação ao restante do

mundo social”; a segunda pontuação se faz na idéia de que todo o cidadão estaria

amplamente preparado a participar do jogo político, fazendo assim sua

participação eficaz e concisa perante suas necessidades (MIGUEL, 2005, p.12).

O que se observa na teoria é justamente o que a primeira crítica apontada por

Miguel (2005) desvela, a participação política fica condicionada meramente a uma

participação de “procedimentos”. O eleitor participa apenas para a escolha do seu

44

representante, depois fica a cabo das decisões dos representantes que podem ficar

de 4 a 5 anos no poder, sem que o eleitor tenha voz ativa, ou seja, sem que este

possa deliberar em seu favor ou da coletividade. Daí a noção de isolamento. Cria-

se assim o distanciamento, a inoperância por parte do eleitor que desarmado e

insatisfeito não participa. Apontamos aqui talvez a mais dura crítica a TER. Como

sugere Dahl, a escolha de participar é do eleitor, mas o que podemos ver na

própria teoria é o inverso, são as estruturas que influenciam o afastamento do

cidadão nos processos participativos.

Atualmente na América Latina, a teoria minimalista ou institucionalista tem

sido refutada por teóricos contrários ao modelo minimalista, pelo fato de esta não

ser somente uma teoria nascida, aplicada e exportada dos países centrais para os

países periféricos, mas principalmente por não ter demonstrado o sucesso

esperado. Sua performance tem se configurado demasiadamente ineficaz e

insustentável na medida em que não atendem aos anseios biosocioecônomicos das

populações. O fato ocorre de forma manifesta na América Latina, onde o abismo

social cresceu assustadoramente nos últimos vinte anos. Como se não bastasse,

acompanhado a isto, houve também o aumento da violência em grande parte

reflexo do narcotráfico, crescimento desordenado das periferias, combate a

violência e a tolerância zero contra as populações marginalizadas, como sugere

Loïc Wacquant9.

Essas perspectivas sobre democracia têm sido questionadas, particularmente no que diz respeito à América Latina, onde, por exemplo, segundo Camp (2001, p.9) “o que mais distingue a versão latino-americana de democracias daquela dos Estados Unidos é a ênfase na igualdade econômica e social e no progresso” (BAQUERO, 2003, p. 87, grifos do original).

Para os teóricos da Teoria da Cultura Política isso acarreta uma verdadeira

desorganização estrutural, promovendo o distanciamento da sociedade para a

esfera política e acarretando uma crise de legitimidade institucional. “Esse

movimento é relativamente recente, pois o enfoque predominante na Ciência

política era, e é, institucionalista e de procedimentos ou a chamada democracia

9 Sobre o tema da violência e os processos de repressão com as comunidades periféricas, sugerimos a leitura: WACQUANT, Loïc. (2001).

45

minimalista” (BAQUERO, 2003, p. 87), Vejamos agora o que compreende a

teoria da Cultura Política.

1.2 Teoria da Cultura Política

A teoria da Cultura Política abrange uma perspectiva multidisciplinar.

Alguns estudiosos elencam como os primeiros teóricos, autores como Sólon,

Montesquieu, Rousseau e Tocqueville. Mas na teoria atual, três são os nomes que

expressam a desenvoltura no que veio a ser considerada como Cultura Política,

seus nomes são Almond e Verba (1963 e 1980) e Pye e Verba (1965) (cf.

KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999).

Como já mencionamos, a Cultura política possui um caráter interdisciplinar

no que tange as ciências que tentam juntas explicar os fenômenos da Cultura

Política. Ela busca elementos que visam valorizar a subjetividade política

encontrada nas famílias, escolas e no trabalho dos atores sociais, ou seja, a teoria

busca elementos sociais capazes de mensurar o significado simbólico das relações

de poder entre os diversos atores sociais e sua estrutura no cotidiano social. A

teoria ainda concebe a comunicação com a História, a Filosofia, a Psicologia

Social, a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política na busca do

entendimento de como se forma a compreensão nas tomadas de decisões dos

atores sociais para com os fenômenos da política. Diferentemente da TER, que se

preocupa em mensurar como um ator social calcula os ganhos e perdas no jogo

político, a Cultura Política tenta entender e interpretar as ações do ator social que

não estaria isolado do meio político como sugere a TER mas, estaria sim em um

conjunto de relações que promoveriam suas percepções quanto ao jogo político.

Assim,

Ao contrário do que propõem os modelos básicos da teoria da escolha racional, hoje dominante na Ciência Política, as respostas se dão através de orientações medidas pela avaliação subjetiva que o ator realiza destas situações sociais (cf. Eckestein, 1988; Wilson, 1992; Scwartzman, 1997: 45-s, e thompson, Ellis e Wildavsky, 1990, entre outros, apud KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 2).

46

É importante ressaltar, que os maiores expoentes da Cultura Política –

Almond e Verba (1963, 1980) – tiveram como base para formalizar seus estudos

os trabalhos antropológicos da Escola de Cultura e Personalidade, desenvolvida

nos Estados Unidos entre a década de 20 e fim da década de 60 do século passado.

Suas influências diretas estiveram atreladas aos trabalhos antropológicos

desenvolvidos por: Edward Sapir, Margaret Mead, Ruth Benedict e Franz Boas

tentando compreender o caráter nacional10.

Dentro desta perspectiva, a observação etnográfica foi apontada como o método, por excelência, capaz de elucidar as motivações, emoções e valores que dão significado aos comportamentos individuais de uma determinada cultura. [...] A compreensão do comportamento individual partia do princípio de que indivíduos e sociedade reforçam-se mutuamente, não constituindo entidades distintas (BENEDICT, 1934 apud KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 2, grifos do original).

Kuschnir e Carneiro (1999) afirmam que estes trabalhos, principalmente

com enfoque no caráter nacional, iriam exercer influência decisiva nos trabalhos

de Almond e Verba. Desta forma, o conceito de Cultura Política apropriado por

Almond e Verba (1963) viria da antropologia cujo sentido denomina “orientação

psicológica em relação aos fatos sociais” (apud KUSCHNIR e CARNEIRO,

1999, p. 4). Porém, devemos ressaltar que apesar do conceito de Cultura Política

usado por Almond e Verba terem raízes na antropologia, o significado estrutural

para ambas as áreas do conhecimento (Antropologia e Ciência Política) modifica-

se por um único aspecto. Enquanto para os antropólogos o significado de cultura

passa a noção de “relativização”, para os autores da Teoria da Cultura Política a

percepção de cultura estaria atrelada a conquistas adquiridas pela sociedade

ocidental. Assim, podemos distinguir basicamente a diferença da abordagem do

estudo referente à Cultura Política na abordagem antropológica e na abordagem da

Ciência Política.

Como o nosso foco neste momento se baseia na perspectiva analítica da

Ciência Política, vejamos a distinção de três tipos de orientação política sugeridos

por Almond e Verba (1989) na teoria da Cultura Política: 10 No Brasil, umas das obras que tentaram esclarecer o caráter nacional do povo brasileiro é a obra do Psicólogo Social Dante Moreira Leite ([1954] 2006), cujo título não poderia ser diferente: “O caráter Nacional brasileiro”.

47

1) a “orientação cognitiva”, que significa o conhecimento do sistema político e a crença nele, nos seus papéis e nos seus titulares, seus inputs e outputs; 2) a “orientação afetiva”, que se traduz pelos sentimentos sobre o sistema político, seus papéis, pessoas e desempenho; e 3) “a orientação relativa”, significando o julgamento e as opiniões sobre os objetos políticos, que tipicamente envolvem a combinação de padrões de valor, bem como de critérios de valor com informações e sentimentos (ALMOND e VERBA apud BORBA, 2005, p. 149).

A partir daí, os autores traçam três tipos distintos de Cultura Política, são

elas: a cultura política paroquial; a cultura política da sujeição e a cultura política

da participação.

A cultura política paroquial seria basicamente uma cultura primária das

estruturas políticas, sem um Estado ativo, um grupo religioso definido e políticas

efetivas. A participação política seria praticamente nula ao ponto de os cidadãos

não perceberem sequer as próprias estruturas políticas. Já a cultura política de

sujeição, observamos naquelas culturas caracterizadas pelos eleitores submissos

ao tecnocratismo estatal extremo, onde a voz do povo seria na verdade a voz do

governo, ou seja, não haveria voz ativa, apenas concordariam com o exposto. E,

por fim, a cultura política da participação, seria onde os níveis de participação

política teriam níveis equilibrados de ação governamental e de fiscalização ou de

participação nos processos democráticos, o chamado input e output.

As críticas mais freqüentes a Teoria da Cultura Política são oriundas dos

teóricos da escolha racional que elencam como pontos negativos a incapacidade

da Teoria da Cultura Política perceber os reais motivos que levam os atores

políticos a competirem pelo poder e, consequentemente, não conseguindo prever a

probabilidade lógica da ação de um ator social. Outra forte argumentação que

nega os estudos da cultura política aponta para a “importância de fatores sócio-

econômicos na definição da performance das instituições democráticas como

regime político” (KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 7, grifos do original). As

obras que comungam desta crítica na primeira fase da cultura política são: “Lipset

(1981, 1990), Lipset e Rokkan (1967), Dahl (1971) e Linz (1978), na versão

latino-americana encontramos: O’Donnell, Schmitter e Whitehead (1986),

48

O’Donnell (1998), Stepan (1986) e Reis (1988)” (KUSCHNIR e CARNEIRO,

1999).

Outras críticas formuladas pelos teóricos da TER aos trabalhos de Almond e

Verba fundamentam-se na idéia da teoria não definir as relações entre cultura

política e instituições públicas. Também como críticas à teoria podemos apontar a

construção de uma tipologia dos sistemas. Isso acarretaria uma espécie de

determinismo culturalista.

Observa-se então, uma luta de teorias, onde a teoria da escolha racional

propõe um determinismo – ancorado no raciocínio lógico para as definições dos

problemas e, o determinismo culturalista baseando-se na subjetividade política das

relações sociais, proposta pela Teoria da Cultura Política. Analisando esta

dualidade determinista das correntes teóricas, Borba (2005, p. 150) usa da citação

de Moisés (1995, p.94) para fundamentar e interpretar esta crítica. Borba (2005)

entende que a luta pela melhor definição teórica pode até ser sadia, porém ele

percebe a armadilha teórica que ronda as duas teorias, uma cilada metodológica: o

determinismo. Assim ao sairmos de um determinismo metodológico estaríamos

caindo em outro, trocando metodologicamente seis por meia dúzia. Portanto,

[...] processos clássicos de democratização sugerem que, mesmo admitindo-se a existência de certa margem de autonomia na sua formação, valores, atitudes e procedimentos políticos se reforçam a partir da interação entre o comportamento e o funcionamento das instituições políticas, algo que implica. tanto ressocialização política induzida pela experiência, mas ambos sedimentam-se com o passar do tempo e com a continuidade dos processos que constituem os sistemas políticos (MOISÉS, 1995 apud BORBA, 2005, p. 150).

Com o objetivo de não caírem nesta armadilha metodológica, os autores,

como sugere Borba (2005), propõem uma abordagem capaz de fazer da Cultura

Política um instrumento analítico que possibilite a interpretação das crenças, dos

valores e dos diferentes grupos que podem compor uma sociedade. Desta forma, a

Cultura Política não cairia no viés de um esquema classificatório, mas

possibilitaria analisar grupos distintos e assim interpretar suas possíveis crenças

no que tange o jogo político.

49

1.3 A segunda fase da produção intelectual da Teoria da Cultura Política

Almond e Verba, nesta primeira fase dos estudos da Cultura Política,

projetaram seu foco para identificar as relações políticas da democracia nas

estrutura políticas com a sociedade em geral. Segundo estes teóricos, a

inexistência destas relações em um Estado cujas estruturas fossem democráticas e

não havendo uma relação direta com a sociedade, a democracia bem como as

estruturas políticas e a própria sociedade, apresentariam uma crise de legitimidade

no sistema vigente.

Já para o segundo momento, os teóricos da cultura política contaram com

autores como Putnam (1997), onde o foco das pesquisas herdaria a performance

das instituições democrática mensurando o maior ou o pior desempenho das

instituições políticas, não analisando, tão somente, os aspectos subjetivos das

escolhas, como também, os aspectos objetivos que pudessem influenciar as

performances institucionais. Outro aspecto deste segundo momento é a predileção

da cultura política, ou seja, é através do comportamento e das possíveis escolhas

dos indivíduos que daria a possibilidade de uma macro visão, de como se

configuraria a cultura política em um determinado local. Esta mudança teórica do

objeto político se caracteriza pelos trabalhos de Putnam (1997), na Itália e com

Inglehart (1971, 1977, 1988, 1990, 1997), sendo este último o responsável por

elaborar surveys com a proposição de tentar identificar elementos da cultura e dos

valores políticos das sociedades investigadas.

Os estudos recentes sobre Cultura Política privilegiam a análise das condições que afetam o desempenho das instituições públicas e a maior ou menor eficiência no atendimento ao interesse público. O estudo de Putnam avalia a performance das instituições democráticas segundo um conjunto diversificado de indicadores que não envolvem apenas as atitudes subjetivas, mas também indicadores objetivos da performance institucional (KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 11, grifos do original).

Já Inglehart (1990), “[...] utilizou um índice composto pelas variáveis

confiança interpessoal, bem-estar subjetivo e percentual de apoio à mudança

revolucionária para explicar a estabilidade democrática em diversos países”

(KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 11, grifos do original). A autora chegou à

50

conclusão de que as sociedades que estiverem mais propensas a apoiarem ações

revolucionárias encontrar-se-iam com maiores debilidades democráticas, ou seja,

o regime destes países estaria mais fragilizado apresentando um quadro de

instabilidade institucional.

Kuschnir e Carneiro (1999) citam ainda: Lieberson (1992), Laitin (1995),

Nisbett e Cohen (1996) como produtores ativos da teoria da Cultura Política. Para

Lieberson (1992), há a necessidade de se recorrer a diversas fontes de dados para

que se possa mensurar uma possível performance democrática das instituições,

bem como tentar mensurar como a sociedade as percebe. Esta percepção

metodológica de várias fontes de dados é considerada por Lieberson (1992) de

extrema importância, pois trabalhar estatisticamente com dados de uma única

fonte tende a dificultar a interpretação do objeto investigado impossibilitando

metodologicamente os problemas teóricos de serem resolvidos (KUSCHNIR e

CARNEIRO, 1999).

Já Laitin (1995), Nisbett e Cohen (1996) comungam de linhas de

pensamento muito próximas. Latin (1995) trabalhara o conceito de triangulation

of methodological approaches, este modelo une a interpretação estatística e a

análise histórica descrevendo, por exemplo, os trabalhos de Putnam (1997).

Nisbett e Cohen (1996) como já fora dito, desenvolveram seus trabalhos com um

foco próximo ao de Latin (1995). Seus estudos focaram a violência, usaram como

modelo de tabulação das informações o que eles chamaram de panoply of

methods, cujo modelo tem por objetivo fazer o cruzamento e a análise de dados

históricos, etnográficos e a aplicação de surveys.

Na próxima seção, veremos como estes trabalhos influenciaram a produção

intelectual e científica no Brasil na década de 90 do século passado e como se

apresentam os estudos sobre Cultura Política na primeira década do século XXI.

1.4 Cultura Política no Brasil: um desenvolvimento Antropológico paralelo a

Ciência Política

Na Ciência Política brasileira, a produção intelectual esteve intimamente

ligada aos conceitos de Almond e Verba e fortemente influenciada pelos

51

desdobramentos que vieram com Putnam e seus contemporâneos. No Brasil,

Cientistas Políticos como: Carvalho (1987-1990), Lamounier e Souza (1991),

Santos (1993), Lima e Cheibub (1994), Lima e Boschi (1995) e Reis e Cheibub

(1995) comungaram desta corrente de pensamento. Promoveram no Brasil

investigações que buscavam diferenciar a elite da massa de acordo com suas

condutas de ética e valor bem como tentaram traçar o perfil dos valores

democráticos que caracterizariam a importância da existência das instituições

políticas no Brasil.

Amparado na História Política encontramos a obra intelectual de Carvalho

(1987-1990). Este autor expõe como as instituições políticas formadas no Brasil

sofreram forte influência das elites, compilando assim, a História da Cultura

Política no Brasil. Lamounier e Souza (1991), por exemplo, comparam pesquisas

de opinião pública com surveys aplicadas nas elites políticas diante da mudança

constitucional de 1988, com o objetivo de perceberem as rápidas mudanças que

vieram e que poderiam vir a ocorrer em um curto espaço de tempo em decorrência

da mudança constitucional. Já Santos (1993), embasa11 sua teoria apontando para

uma cultura cívica que rejeita as instituições políticas do Estado. As principais

instituições políticas que receberiam a rejeição da sociedade seriam o judiciário,

incumbido de julgar os crimes e o aparelho policial repressor, incumbido de

manter a paz e a ordem devendo fazer valer a Lei (KUSCHNIR e CARNEIRO,

1999).

Enquanto a Ciência Política concentrava seus estudos nas sociedades

contemporâneas e principalmente no sistema de organização política destas

sociedades, a Antropologia se aproximava cada vez mais das sociedades tidas

como “primitivas”. A Antropologia entendia (e entende) e percebia (e percebe)

que a maneira pela qual a Ciência Política tratava e classificava o sistema

organizacional das sociedades tidas como primitivas, denegria a imagem destas,

atribuindo uma imagem de desorganização social e política a qual não existe. Na

verdade, as sociedades primitivas em alguns casos possuíam (e possuem) sistemas

11 Segundo Kuschnir e Carneiro (1999), os instrumentos que apontaram esta trajetória teórica de Santos (1993) foram os acessos a diversos dados empíricos, desde surveys que tinham por objetivo mensurar a participação política e associativa, as taxas de recursos para a política, indicadores de urbanização, indicadores econômicos e muitos outros dados que ajudaram a Santos (1993) defender sua tese.

52

de organização político tanto ou mais complexos do que algumas das sociedades

tidas como contemporâneas. Essa visão é considerada pela Antropologia como

sendo etnocêntrica, cuja perspectiva julgava apenas um modelo político e não

considerava a existência de outros, principalmente não sendo estes outros

considerados eficientes por não compartilharem de uma “estética” igual ou similar

a das sociedades contemporâneas. “Os antropólogos recusavam-se a classificar as

sociedades primitivas pela negatividade, preferindo buscar em outras dimensões

da vida social os meios de conformação da sua organização política”

(KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 13).

Diferentemente da Ciência Política, a Antropologia consegue compreender a

existência organizacional de uma Nação (Bororo, Tupinambá, Xokleng, Guarani e

outras) sem a necessidade de haver a formação de um Estado clássico e de suas

instituições. Por este motivo, o trabalho etnográfico se faz tão importante para os

antropólogos em geral e também para os antropólogos que vêm discutindo a

Antropologia Política. Tentar entender como se dão as relações sociais entre os

membros de uma comunidade de forma a explicitar mensurar como se dá a

organização social de uma comunidade, de um bairro, de uma cidade, de um

Estado-membro ou de uma Nação tem sido um aspecto importante para estes

estudiosos. Nesta linha da abordagem antropológica encontramos autores como:

Evans-Pritchard (1961), Leach (1996), Turner (1974), Swartz (1968), Pierre

Clastres (1982-1980-1988-1974), entre outros.

Evans-Pritchard, em 1940, escreveu uma monografia a respeito do sistema

político Nuer. Seu trabalho revela a forma organizacional política deste grupo.

Sua organização se dava pelo parentesco, desconsiderando assim, um sistema

clássico de governo. A teoria de Pritchard (1940) aborda o que vai chamar de

“equilíbrio contínuo”. São das relações parentais estruturadas e de “antagonismos

persistentes e equilibrados, expressos em guerras com povos vizinhos, mas

próximos culturalmente”, que ocorreria a estabilidade social e política no grupo

(KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p. 14).

Na contramão de Pritchard (1940), Leach (1996) em sua monografia sobre

os Kachin entendia que não havia um “equilíbrio contínuo” nas sociedades e sim

que estas eram mutáveis. A percepção do equilíbrio estaria camuflada apenas no

53

trabalho etnográfico. Esse pensamento mudaria a abordagem do campo e reveria

os conceitos a serem empregados mais a frente nos novos trabalhos da Cultura

Política pela Antropologia. Turner (1974), por exemplo, realiza pesquisas levando

em conta a dimensão subjetiva dos atores sociais. Seu trabalho considerou

diversas dimensões, desde a percepção coletiva, as disputas individuais, as noções

de ordem e desordem e estabilidade. Swartz (1968) sai da percepção interna do

ator social e abrange também a sua percepção quanto aos valores e significados

externos a ele (KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999).

[...] uma das preocupações centrais desses antropólogos era ampliar o conceito de atividade política para além das fronteiras das esferas de atuação do Estado. No caso das sociedades africanas, particularmente, tratava-se de rediscutir o papel do Estado colonial e nas repercussões desse modo de dominação na cultura e na organização social dos grupos locais (KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p.15).

Segundo Kuschnir e Carneiro (1999)12, o trabalho que causaria maior

impacto na Antropologia e na forma de estudar a noção da política seria a de

Pierre Clastres (1982-1980-1988-1974). O autor entende que o poder político não

está centralizado no Estado isolado da sociedade, o exercício do ato político pode

ser exercido sem a necessidade de reprimir um outro grupo. Ele percebe isto nas

sociedades primitivas americanas, onde o poder não significa a imposição da

vontade do chefe (político, elites, Estado, partidos políticos..., se mensuramos um

paralelo com as sociedades contemporâneas) sobre o grupo e sim, a vontade do

grupo como um todo.

Para Clastres, são as relações de poder e, portanto, a esfera da política, que estruturam as relações. [...] a idéia de que as relações de poder são intrínsecas às relações sociais, de um modo geral, é um dos temas fundamentais da antropologia que tem se dedicado à análise sobre a política (KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p.16).

Na década de 1990, os antropólogos brasileiros produziram largo conteúdo

acerca do tema. Muitos dos trabalhos concentraram pesquisas etnográficas em

localidades de áreas rurais, pequenos centros urbanos e até mesmo em grandes

12 Confessamos que para a confecção desta parte da monografia abusamos dos referencias teóricos de Kuschnir e Carneiro (1999), principalmente neste parágrafo, porém percebemos e entendemos a importância teórica e histórica que esta referência nos trouxe acerca da temática tratada.

54

centros populacionais. Seu caráter principal foi de buscar através de análises

comparativas não a imagem negativa, tendo como referencial o conceito de

política para as sociedades contemporâneas e sim, perceber nos moradores destas

localidades o que seria a política em si para eles. Esta abordagem tenta

desmistificar o que a própria Ciência criou como “modelo perfeito” do que seria

política.

Muitos dos trabalhos sobre política de abordagem antropológica realizados

no Brasil se deram e se dão pelo NuAP – Núcleo de Antropologia da Política -

com sede no Museu Nacional no Estado do Rio de Janeiro. Segundo Kuschnir e

Carneiro (1999), os autores brasileiros responsáveis pela produção teórica na

década de 1990 vinculados ao NuAP no ano de 1991 foram: Palmeira; no ano de

1993: Palmeira e Heredia; no ano de 1995: Palmeira e Heredia; no ano de 1996:

Palmeira e Goldman; no ano de 1998: Palmeira, Barreira, I., Barreira, C., Bezerra,

Teixeira, Chaves, Coradini, Comerford, Scotto; no ano de 1999: Bezerra,

Coradini. Desvinculados do NuAP, porém com produção na área temos Lanna

(1995) e Viegas (1997).

Com o objetivo de exemplificarmos os referenciais teóricos citado acima,

optamos por apresentar de forma sucinta o pensamento de alguns. Comecemos

por Palmeira (1991). Sua teoria marcaria a Antropologia da Política por defender

que as ações políticas tidas como “tradicionais” e “clientelísticas” seriam as

responsáveis por promoverem uma participação que não mensuraria a dimensão

individual e racional de um grupo e sim, a dimensão que tange a necessidade de

um indivíduo se sentir acolhido, ou melhor, de ser identificado como membro de

um grupo dentro do processo eleitoral. Esta “adesão” como sugere Kuschnir e

Carneiro (1999) não estaria limitada ao individuo, mas esta necessidade estaria

intimamente ligada a sua família e a todo o seu mundo social, não sendo

desconsiderados os possíveis conflitos que poderiam surgir de acordo com o

contexto.

Ainda Palmeira e Heredia (1993, 1995) discutem o termo “tempo da

política”, cuja expressão faz correspondência direta a forma como a população

percebe a política, ou seja, a sazonalidade dos períodos eleitorais, no qual seria o

único período em que o povo brasileiro perceberia de fato a existência da vida

55

política atrelada ao meio social. Goldman, em trabalho conjunto com Sant’Anna

(1996), percebe a necessidade de não isolar fatos e elementos de uma cultura

política para investigá-los separadamente. Os dois entenderam a importância de

considerar as diversas relações dos diversos elementos que compõem uma cultura

política. Nada estaria desconexo, tudo estaria interligado.

Bezerra (1995-1999) e Teixeira (1998) elaboraram trabalhos para analisar as

relações sociais e políticas fora do período eleitoral. “Os conceitos são

desenvolvidos em sua positividade, isto é, através de seu significado para atores

sociais e não em comparação a modelos teóricos que fundamentam o sistema

político” (KUSCHNIR e CARNEIRO, 1999, p.18). Esta percepção de

positividade é encarada como uma visão intrínseca das relações sociais e políticas

de um grupo, ou seja, são as relações de um grupo que, em última instância,

formariam as estruturas políticas e não ao contrário.

Atualmente, os estudos ancorados na teoria da Cultura Política vêm

crescendo na América Latina e conseqüentemente no Brasil. Com as constantes

críticas aos teóricos da TER e aos teóricos da Teoria Minimalista, a discussão

sobre novas formas de se compreender as relações sociais e políticas ganha espaço

e com ela a Cultura Política tem se tornado referência como ponto de discussão e

de referencial teórico.

CAPÍTULO II

PARTE II

2 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: CONSIDERAÇÕES GERAIS E

AS PARTICULARIDADES BRASILEIRAS

2.1 A crise das representações políticas

Atualmente no Brasil, a democracia tem servido como papel de parede

para referenciar aos cidadãos um sentimento de “liberdade” e de “igualdade”

positivada pela Carta Magna - a Constituição. O que se observa com um olhar

mais atento é certo tipo de crédito à democracia e de repúdio para com as

instituições representativas. Baquero (2001, p.101) cita Schmitter (1994), motivo

pelo qual ele percebe esta relação paradoxal entre aceitar a democracia e reprovar

as instituições políticas. Nesta linha de raciocínio podemos perceber que na

perspectiva teórica de Schmitter (1994) (bem como para Baquero [2001])

encontramos a sociedade brasileira em meio a uma crise de legitimidade

representativa, ou seja, uma crise não apenas política, mas na estrutura do sistema

político, mesmo assim a democracia ainda que precária tem se sustentando em

meio às adversidades. Sob certos aspectos, poderíamos sugerir que tal perspectiva

proporciona o desinteresse pelo público promovendo apatia política.

Segundo os nossos estudos, alguns fatores poderiam ser apontados como

motivadores para o atual cenário do descrédito e de falta participativa dos

cidadãos para com o modelo político vigente. Entre estes fatores, figurariam o

modelo neoliberal econômico, o já identificado personalismo político e um velho

conhecido nosso, o clientelismo.

O liberalismo para a democracia brasileira teria promovido o aumento da

concentração de renda para a elite, o aumento da exclusão social e da pobreza para

as massas, “transformando a sociedade brasileira não numa sociedade de

interesses, mas numa nação de necessidades” (BAQUERO, 2001, p. 101).

57

Na medida em que o liberalismo avançou na sociedade brasileira, dois

antigos costumes da cultura política brasileira têm se perpetuado no cenário da

representação política. É nesse contexto que se tem repetido o ciclo vicioso de

personalidades políticas, promovendo uma característica ímpar – o voto

personalista – negando-se e desconhecendo o princípio ideológico de uma

determinada corrente e favorecendo a imagem de um único símbolo de liderança,

o político.

Somado a isto, o clientelismo ainda hoje se faz presente não só no

imaginário da mente do eleitor e do político brasileiro, como continua sendo uma

prática, na qual a “moeda” de troca para alguns eleitores que submetem o voto à

da promessa do político. Assim, ao preservarmos o voto personalista e

consequentemente o clientelismo, afastamo-nos do que normalmente pontuamos

por democracia, ou seja, o clientelismo atua como foco de resistência ao processo

democrático, desregulando o sistema, impondo vontades particulares e

desrespeitando a coletividade. Este conjunto de relações clientelísticas entre

eleitores e políticos deu-se ao longo do tempo com certo ar de naturalidade e de

notoriedade entre os atores sociais. Para aqueles mais ortodoxos, isso significa(va)

o desvio dos princípios, da diferenciação entre o público e o privado.

Os quinhentos anos desta jovem Nação foram marcados pelo desrespeito

pela coisa pública e pela a proteção dos interesses privados. São resquícios da

herança portuguesa, do patrimonialismo que se instaurou nesta Nação juntamente

com a Administração Imperial. Neste sentido, “Atualmente, por exemplo, fala-se

muito na existência de um clientelismo de coalizão no governo federal”

(AVRITZER, 2001, apud BAQUERO, 2001, p. 101), onde pequenos grupos da

elite, aliados uns aos outros e com interesses distintos estariam se ajudando

mutuamente, entrelaçados nas mais diversas áreas econômicas, políticas e sociais,

protegidos legalmente pelas estruturas constitucionais para salvaguardarem seus

interesses.

Como conseqüência, Baquero (2001) entende ser isso uma relação de

“perversão” nas estruturas, minando o bom andamento da democracia,

deslegitimando os partidos políticos, os próprios políticos e as instituições

políticas em geral.

58

Em média, nos últimos 15 anos, os partidos são avaliados negativamente por mais de 60% da população brasileira. O resultado é o distanciamento e a crise permanente das instituições políticas, levando ao fortalecimento do personalismo como instrumento de governabilidade. Na verdade, vivemos numa democracia permanentemente instável (BAQUERO, 2001, p, 102).

Esse déficit político brasileiro é apontado por Baquero (2001) como sendo o

fruto da falta da ruptura histórica que não ocorrera entre as elites dominantes de

forma a modificar os padrões políticos vigentes, fazendo com que esta lógica

(clientelística e personalista) se perpetuasse no poder mesmo com o advento do

capitalismo nas suas mais diversas roupagens.

Aqui surge um outro ponto da cultura política brasileira a ser considerado. Estabeleceu-se uma relação causal entre estabilidade econômica e estabilidade social e democrática, desmentida pela realidade. A maior parte dos países do mundo em desenvolvimento, onde se alcançou a estabilidade econômica, está longe de ser modelo de estabilidade social, se por estabilidade social se entende a crença dos cidadãos na democracia e nas instituições em virtude de elas serem capazes de solucionar os problemas sociais básicos (transporte, educação, emprego e saúde) (BAQUERO, 2001, p. 103).

Percebemos assim, que as nossas instituições não foram capazes de

solucionar os nossos problemas sociais básicos. Criou-se uma falsa relação entre a

estabilidade econômica e social, como se de fato ela existisse, ou seja, de acordo

com este pensamento é como se um país emergente conseguisse conciliar sem

perdas, os ganhos reais entre economia e sociedade, o que na verdade é uma

mentira. Percebemos isso ao compararmos o crescimento vertiginoso dos lucros

das instituições bancarias muitas vezes auxiliado por pacotes econômicos dos

governos que produzem políticas de incentivo ao consumo, como o da atual crise

deflagrada em 2008 nos Estados Unidos e que tem atingido todo o globo. Em

contra partida assistimos a diminuição dos recursos e das políticas sociais em

setores como educação, segurança e saúde. Serviços esses que tem ao longo dos

anos deixado muito a desejar em países emergentes como o Brasil. Como vimos

na citação acima, o país que atinge a estabilidade econômica atinge também a

instabilidade social.

59

Esta crise entre as estruturas políticas e governamentais em relação à

sociedade fez surgir no Brasil grupos paralelos ao Governo estatal. O

neoliberalismo com seu modelo representativo e suas políticas abriu portas para o

avanço e a solidificação de grupos paraestatais, tais como os cartéis do tráfico. A

violência tem crescido de acordo com o distanciamento social. A cidadania perdeu

o sentido, se é que algum dia significou algo para o cidadão que vive a margem da

sociedade. Se em uma ponta encontramos a elite bem nutrida e com excesso de

bens materiais, na outra, encontramos a maior parte da população desprotegida

pelo sistema. “Pesquisas realizadas na área antropológica mostram adolescentes

que matam por um par de tênis porque consideram ser um ato de manifestação de

cidadania” (BAQUERO, 2001, p. 103). Diante desta situação, alguns governantes

da ala liberal entendem esta situação inevitável e de conseqüência natural diante

do desenvolvimento da sociedade.

Roberto DaMatta (1993) ilustra bem esse ponto ao observar que as pessoas, quando se sentem ameaçadas, aumentam a altura das grades das suas residências, em vez de pressionar o Estado na busca de soluções para o problema da violência. Na área da educação pública, que conta com recursos materiais, quando insatisfeitos com a qualidade de ensino, não lutam por melhores escolas mas transferem seus filhos para escolas particulares (BAQUERO, 2001, p. 103).

Configura-se assim, um típico reflexo do que nossa sociedade vem

vivenciando nas últimas duas décadas: o descrédito para com o público e a

exaltação para com o privado. Assim, quando o ensino público falha, a primeira

atitude das famílias com maiores recursos financeiros é transferir seus filhos para

o ensino particular. Essa prática da transferência poderia ser caracterizada como

apatia política, pois os pais responsáveis pelos seus filhos e, portanto,

responsáveis também pela educação, não lutam por melhorias na educação

pública, simplesmente transferem a obrigação e a qualidade do ensino para a

esfera privada, transferindo assim a responsabilidade da educação. Encontramos

aqui um elemento que expressa por parte da sociedade brasileira, pode-se aferir

essa atitude de apatia política como uma crise de legitimação estatal.

O que podemos perceber em nosso estudo até aqui é não só o estudo formal

como promotor do conhecimento que deve ser levado para toda a população

60

através do Ensino Básico, Fundamental, Médio e do Ensino Superior, mas muito

mais do que isto, deve-se promover um ensino que contemple a capacitação

política. Não, não se está sugerindo uma lavagem cerebral do que se entende por

política, muito menos promover uma corrida ideológica de massificação. O que se

propõe, segundo Baquero (2003), é encontrar uma forma para promover o estudo

com a finalidade de se construir uma cultura política não apenas na dimensão

histórica, mas também participativa. Porém, antes mesmo que consigamos isto, é

preciso modificarmos a estrutura do ensino no Brasil e seus números que

revelados por Baquero (2003) são assustadores.

Pesquisa realizada e divulgada pela UNESCO em julho de 2003 e assinada

por Abramovay & Castro (2003) mostra os baixos números de rendimento escolar

para as crianças regularmente matriculadas em escolas brasileiras. Os níveis de

rendimento que veremos a seguir são estipulados pela UNESCO.

Cinqüenta por cento - 50% - dos alunos brasileiros na faixa de 15 anos estão

abaixo do nível 1 de alfabetização. Para complementar este número, a Revista

Terceiro Setor (2003) informa que o Brasil quando comparado a 41 países do

globo no quesito compreensão e leitura, ocupa a 37ª posição na América Latina,

ficando apenas à frente do Peru (BAQUERO, 2003, p.92).

Neste ponto, ao qual abordamos o tema da educação, recorremos a Dante

Moreira Leite (1983). Leite (1983) cita um autor considerado o predecessor da

Sociologia contemporânea no Brasil. Muito criticado em sua época (Bomfim

[1905]), seus trabalhos foram ridicularizados e a organização de suas idéias

intelectuais foi colocada em cheque pelo fato de serem consideradas até certo

ponto: românticas, sonhadoras e “demasiadamente erudita para ser compreendida

por leigos” (LEITE, 1983.p.276.).

Mas o nosso interesse em Bomfim (1905)13 não é nos aprofundarmos em

suas obras, mas fazermos um recorte que nos leva a educação da sociedade

13 Leite (1983) nos revela serem as obras de Manoel Bomfim(1905) uma produção intelectual muito à frente de seu tempo. Manoel Bomfim (1905), segundo Leite (1983), teria sido o primeiro ensaísta brasileiro a fazer interpretações do passado brasileiro utilizando-se de idéias marxistas de cunho economicistas para explicar a situação brasileira no cenário nacional e internacional. Bomfim (1905) buscava conciliar assim o socialismo e o nacionalismo para fazer suas análises. Para Leite (1983), a maior obra produzida por Bomfim (1905) seria: “A América Latina: Males de Origem”, editado em 1905. Essa obra buscava atacar o pensamento que decorrera dos europeus em ralação aos sul-americanos. “Observa que políticos e jornalistas europeus, embora discordem em

61

brasileira. Bonfim (1905) irá justificar o baixo investimento em educação do povo

brasileiro ao revelar uma tese que irá servir de álibi para os portugueses e os

espanhóis.

Bomfim (1905) menciona o “parasitismo”, que os povos portugueses e

espanhóis teriam adquirido ao manterem contato com os mouros. Tal contato teria

atribuído a estes colonizadores noções e atributos que levariam essas nações

colonizadoras a estar sempre motivadas à conquista, ao espírito guerreiro e à

dominação. Assim, para a construção da América Latina, os governos seriam

vistos não como organizadores do bem estar social, mas promovedores da

insatisfação social reprimindo os anseios das diversas comunidades e cobrando

altas taxas de imposto para manutenção de seus exércitos. Investir na educação

significa elucidar a população dos seus direitos motivando os mesmos a

exercerem sua cidadania plena, o que resultaria cobrar dos governantes mediadas

mais expressivas com o intuito de melhorar as condições de vida das

comunidades.

Porém como sabemos a criação das escolas no período do Brasil Colônia

tinha por objetivo atender aos filhos de fazendeiros e a catequização dos indígenas

como forma de dominação tentando assim impedir a continuidade da cultura

nativa na tentativa de inseri-los no pensamento cultural português.

Manoel Bomfim (1905) faz então uma análise do orçamento do Brasil em

1903, o que revelou surpreendentes 25% da receita investida nas forças armadas e

apenas pouco mais de 1% na educação. Bomfim (1905) afirma serem estes

números o reflexo da política adotada daquele período, sendo esses números

justificados pelo Governo brasileiro da época como necessárias para a defesa de

ataques estrangeiros e para manter a ordem interna no país, evitando assim uma

revolução ou algum tipo de manifestação contrária à ordem vigente. O resultado

da falta de investimento em educação também pode ter contribuído para a apatia

política do brasileiro. Quanto menos compreendemos o que lemos e escrevemos,

menos nos interessamos pelo estudo. Nossa confiança está abalada na medida em

que não conseguimos nos livrar destas amarras seculares que nos prendem as

oligarquias de um modelo centralizador e autoritário. A erosão política que nos várias coisas, estão sempre de acordo ao dizer que a América Latina é uma região atrasada, povoada por mestiços indolentes e degenerados” (LEITE, 1983.p.277.).

62

atinge, está ligada principalmente, ao discurso da legitimidade que conferimos aos

representantes em atitudes consideradas clientelistas e paternalistas, na medida em

que o nosso grau de confiança esta muito mais ligado apenas aos laços familiares

e quando muito distante a um número insignificante de “amigos” do que aos

nossos representantes. O setor público é tido como inexistente ou então como

ineficiente e sem crédito, o que fortalece mais ainda as ações clientelistas e

paternalistas. A cultura política é retratada por essas experiências vivenciadas ao

longo dos séculos pela sociedade brasileira. Esse comportamento

“esquizofrênico” ao sistema institucional legal é tido aparentemente como normal,

o que assusta os intelectuais e estudiosos como o próprio Baquero (2003). É essa

cultura política promovida pelas oligarquias, somada ao aparente descompromisso

político por parte da sociedade brasileira, que se tem como resultado “a ausência

de política de inclusão social e uma tendência a desestimular a participação

cidadã” (BAQUERO, 2003, p. 92).

Apenas relembrando Faoro (2007), as oligarquias governam o país por

meios jurídicos legais, ou seja, pela Constituição. Mas as tomadas de decisão se

dão por grupos patrimonialistas que assumem o poder legalmente nos pleitos

eleitorais e depois de eleitos asseguram o bem da minoria e não da maioria. Dessa

forma, não estamos construindo uma “cultura política participativa e democrática

e sim, uma cultura política fragmentada, individualista e com pouco capital

social” (BAQUERO, 2001, p. 103).

Isso tem gerado a desconfiança do setor público pelo cidadão, como

resultado:

[...], constata-se o surgimento de um eleitor individualista e pragmático, cujo comportamento político se guia por princípios de eficácia administrativa e capacidade gerencial e não por princípios ideológicos (BAQUERO, 2001, p. 103).

A crise de legitimidade, portanto, não é apenas uma crise representativa, mas

também uma crise estrutural das instituições públicas que, amarradas às tradições

seculares, promoveram no inconsciente do cidadão moderno brasileiro o descrédito

com o público, a desconfiança com as instituições políticas contribuindo para a negação

participativa caracterizando a apatia política.

63

2.2 Confiança nas instituições políticas

Instituições criadas de cima para baixo inviabilizam o processo democrático

e neutralizam a população em relação à sua participação social. As instituições só

serão bem aceitas quando atuarem em favor do cidadão de forma coletiva.

A crise da democracia formal pode ser identificada por quatro fatores que

aqui apresentados de forma simétrica, segundo Hirst (2002, pp. 412-414 apud

BAQUERO, 2001, p. 85):

a) Diminuição da sociedade participante dos processos políticos gerando

alienação política; b) O Estado perde a capacidade de governar para o bem

comum. Acredita-se ser um reflexo da globalização e os processos de privatização

transferindo serviços considerados públicos para o setor privado, uma

característica neoliberal; c) O distanciamento social por culturas tradicionalmente

ligadas por fortes vínculos de aproximação física, como reuniões familiares,

amigos e interesses coletivos tem sido reduzidos ou substituídos por inovações

tecnológicas como a informática (comunicação eletrônica), distanciando as

pessoas; d) O crescimento do trabalho voluntário é uma característica de

sociedades organizadas. Essa, promove o distanciamento da sociedade civil que

deveria fiscalizar os setores públicos, substituindo o caráter crítico (da sociedade

civil) por um caráter eminentemente assistencialista, promovendo a passividade

da população. Para fins de dominação social um sucesso, para fins de ação

política um desastre.

Isso se agrava muito mais quando o associativismo e o trabalho voluntário

são implementados em países em desenvolvimento como o Brasil, por exemplo,

onde necessidades básicas materiais são precárias e, por vezes, são supridas por

organizações da sociedade civil.

Essa participação paralela da sociedade civil é chamado resiliênci e ocorre

quando o Estado (no caso brasileiro) deixa de suprir as necessidades básicas,

assim,

O resultado tem sido o de que as pessoas têm começado a inventar e encontrar mecanismos informais de transmitir suas demandas sociais e, cada vez mais, tentam resolver essas reivindicações sem a ingerência do Estado. (...) novas formas de mobilização cultural e formas alternativas de construção de

64

identidades e participação coletivas no contexto da precariedade do Estado, necessárias para a sobrevivência dos excluídos, em condições de carência, privação e desigualdade (BAQUERO, 2003, pp. 85-86).

Com o intuito de contribuirmos com a discussão teórica acerca da noção do

distanciamento do Estado para com as causas sociais, reportamos a Montaño

(2007). Esse autor tece uma crítica ao Terceiro Setor que consideramos pertinente

para o que propomos analisar no presente trabalho. Na sua visão, o afastamento

do Estado para os assuntos sociais é na verdade uma reorganização do capital

frente ao sistema neoliberal.

Assim, como na educação, como vimos anteriormente, o sistema público

estaria em descrédito, pode-se ampliar este descrédito à “Seguridade Social –

constituída pela Previdência, Saúde e Assistência” (MONTAÑO, 2007, p. 188).

Além destas instituições, pode-se incluir, também, a segurança e o sistema

carcerário, segundo Wacquant (2007).

A reestruturação do capital diante do neoliberalismo teria, segundo Montaño

(2007), estagnado o processo tecnocrático de políticas universalistas do Welfare

State e criado uma nova mentalidade para se fazer políticas públicas no modelo

neoliberal. Nesta perspectiva as instituições políticas deixam de atender as

necessidades básicas sendo substituídas por novos setores; neste caso, as

chamadas ONGs (Organizações Não Governamentais).

A crítica de Montaño (2007) se justifica na medida em que o autor denuncia

a saída estatal da esfera da prevenção e da manutenção do auxilio à questão social.

A reorganização do capital frente ao modelo neoliberal transpassa a idéia de um

sistema público falido e inoperante. A saída mais plausível, portanto, para essa

questão é a privatização destes serviços estatais, agora focados para a esfera do

privado. Como num jogo de cartas, o que mais interessa são as cartas de alto

valor, nesse caso:

[...] a privatização de políticas sociais só interessa na medida em que se possam ser convertidas em processo econômico rentável (cf. Laurell, 1995: 167); aquelas atividades e serviços sociais ou funções assistenciais que não representam um lucro interessante para a “iniciativa privada” serão mantidos no Estado, serão transferidas para o “terceiro setor” ou diretamente eliminadas (MONTAÑO, 2007, p. 190, grifos no original).

65

Nesse contexto, o associativismo exposto por Baquero (2003) revelaria uma

lógica perversa do atual modelo que, negando o serviço social de qualidade ao

cidadão brasileiro, estaria negando os princípios básicos de segurança, saúde e

educação. Como se não bastasse, podemos observar que as únicas ONGs de

destaque no cenário nacional são àquelas que têm como mantenedoras grandes

corporações e ou possuem um forte vínculo com o setor estatal.

A sociedade menos favorecida na tentativa de salvaguardar seus interesses

não correspondidos pelas políticas públicas promove ações particulares na

tentativa de amenizar ou erradicar suas debilidades estruturais. São ações que

revelam o descrédito com o público produzindo, na grande maioria da população,

iniciativas de caráter individual que priorizam suas necessidades.

As estruturas político-estatais, ao produzirem essa imagem negativa,

distanciam a sociedade do setor público e criam uma crise de legitimidade

institucional, promovendo um comportamento que poderia ser identificado como

apatia política. Poderíamos assim, sugerir que o associativismo da população

atrelado ao o que é conhecido por terceiro setor,

[...] numa perspectiva crítica e de totalidade, refere-se a um fenômeno real, ao mesmo tempo inserido e produto da reestruturação do capital, pautado nos (ou funcional aos) princípios neoliberais: um novo padrão (nova modalidade, fundamento e responsabilidades) para a função social de respostas à “questão social”, seguindo os valores da solidariedade local, da auto-ajuda e da ajuda mútua (MONTAÑO, 2007, p. 186).

Transfere-se assim, para o cidadão a obrigatoriedade de se organizar para

poder usufruir de suas garantias sociais. O cidadão deverá, acima de tudo,

produzir para se manter economicamente equilibrado para bancar as necessidades

relativas à educação, segurança e saúde.

Neste sentido, as organizações de associativismo têm gerado, grandes

oportunidades para a reorganização estrutural de algumas comunidades que se

encontram abandonadas. Apesar de criticarmos as ações do Estado que impedem a

participação dos menos favorecidos, percebemos no associativismo a

66

oportunidade de transformar uma simples comunidade, antes considerada apática,

em uma comunidade fortemente organizada e participativa.

Como propostas de combate ao modelo neoliberal surgem os

associativismos, caracterizados pela união das famílias na comunidade unindo-se

para o bem comum destas. Esse modelo, ainda que atuante de forma

microlocalizada, diferencia-se do plano neoliberal que limita as ações do Estado

em políticas universalistas e incentiva o mercado. O associativismo promove a

“busca a expansão da governança democrática e da sociedade civil”, o que

conhecemos por accountability (BAQUERO, 2003 p. 86).

Nos últimos tempos, surgiram grupos em localidades especificas que lutam

por direitos sociais, políticos, econômicos e ambientais nas mais diversas esferas

sociais. Suas estruturas organizacionais nascem de uma mistura entre o público e

o privado, não sendo nem uma coisa nem outra, são as ONGs que, neste contexto,

criam um clima de unidade social. Essas são mais flexíveis, estão próximas das

comunidades, às vezes, nascem na própria comunidade. Aparentemente, sob todas

as formas de participação ou de mobilização as Organizações Não

Governamentais – ONGs – têm se mostrado mais eficaz quando atuam

construindo captar capital social.

Neste contexto, Baquero (2003) cita Smuloviz e Peruzzotti (2000), isto

porque eles,

Propõem o conceito de “accountability societal” como complementar ao de “accontability horizontal” que ocorre dentro do Estado, como mecanismo que possibilita o controle e a fiscalização dos gestores públicos, por meio de recursos não institucionais e cuja efetividade está baseada em sanções simbólicas (SMULOVIZ e PERUZZOTTI [2000] apud BAQUERO [2003, p. 87]).

A falta de empowerment condiciona as sociedades com baixa cultura política

a se envolverem e a se tornarem reféns de discursos populistas, tornando-se

facilmente massa de manobra, configurando parte do nosso objeto de estudo.

Porém, a atual teoria dos procedimentos democráticos minimalistas começa

também a afetar os países centrais. A crise da legitimidade das instituições hoje é

também está presente na União Européia (mundialmente conhecida como pólo de

criações teóricas de intelectuais renomados e de participação política ativa da

67

sociedade), onde o desgaste da imagem política e do descontentamento da

população com os representantes públicos mostra sinais de avanço à antipatia

pelas instituições democráticas.

A atual situação tem influenciado a América Latina na contraposição ao

atual modelo democrático. As influências negativas dos países centrais e,

principalmente, as próprias experiências em terras latino-americanas demonstram

que o atual modelo tem negligenciado os direitos dos povos, em um efeito

cascata. As atuais políticas promovem cartilhas de orientação para os países

periféricos que, por sua vez, promovem ações para cumprir as demandas externas

e, assim, garantem a estabilidade econômica de pequenos grupos. Tais políticas

agravam as relações sociais, desestruturando o capital social, desencorajando a

formalidade representativa e encorajando meios alternativos para garantir a

legitimidade da maioria excluída.

Cabe ressaltar que tal comportamento é o resultado não de uma predisposição dos cidadãos em privilegiar a informalidade, a apatia ou a alienação, mas da atual desordem política, econômica, social e cultural que caracteriza a sociedade contemporânea (BAQUERO, 2003, p. 88).

Baquero (2003) lembra ainda, O’ Donnel (1994), que chamando a atenção

para as “democracias delegativas”.

Na “democracia representativa”, os governantes eleitos representam os eleitores, enquanto na “democracia delegativa” os governantes, uma vez eleitos, fazem prevalecer sua vontade particular em detrimento da comunidade em um sentido amplo (BAQUERO, 2003, p.88).

A gama de autores citados por Baquero (2003) é grande quando se propõe a

discutir modelos de democracia. Com a finalidade de estabelecermos uma

discussão sobre esta temática, recorremos a Baquero que nos chama a atenção

para algo que Joshon (2001)14 já havia nos atentado: alertando para a diminuição

dos discursos e ou das idéias quanto ao monólogo que se tornou o discurso

democrático representado pelo imperialismo norte-americano. A inexistência ou a

14 Recomendamos a leitura: JOHNSON, G. A. A quimera democrática sob o processo de recolonização política e econômica da América Latina - O Brasil sob o Império. Tese de Doutorado em Sociologia Política – Curso de Pós-Graduação em Sociologia Política. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.

68

diminuição das perspectivas contra-revolucionária é o que Baquero (2003) chama

de retrocesso. A corrupção no processo democrático, não pode ser resolvida com

meras leis que coagem a infração por grupos distintos (políticos corruptos, grupos

e lideranças que financiam e ou se apropriam de verbas públicas). Ou seja, não é

apenas com jogadas técnicas da democracia minimalista, ou melhor, dizendo não

apenas pela via dos “procedimentos” burocráticos, muito embora que estes sejam

necessários, mas a incorporação de medidas “substanciais” ou de “substância”,

com a inserção e a participação de grupos excluídos que possa de alguma forma

mostrar sua presença. A negação a esse elemento caracteriza o que conhecemos

como o abandono pelo público o desconforto com os procedimentos democráticos

gerando a apatia política.

Apesar das duras críticas promovidas à “democracia de procedimentos”,

entendemos que ao negá-la, os processos democráticos estariam ainda piores.

Mas, o consenso que se chega é que nem por uma via contra-revolucionária

radical e, nem com o fim da democracia minimalista, conseguiremos promover

uma democracia com o capital social sonhado. Para Baquero (2003), achar que

isto não é importante é o mesmo que assumir uma posição ingênua para o atual

cenário. Afinal, estamos em busca de um modelo que contemple a maioria e não

na escalada de uma única verdade, mas das diversas verdades que contemplam

todo o conjunto. Assim, “é necessário superar o mito que reduz a democracia ao

processo técnico, sem examinar seu verdadeiro conteúdo, que é o resultado da

soma de valores éticos e culturais historicamente determinados“ (VALDES, 2002,

apud BAQUERO, 2003, p. 88).

Como exemplo prático desta concepção, olhemos para o Brasil após o

processo de reabertura democrática. Por mais que nossa estrutura conceba um

modelo poliárquico, as influências do autoritarismo não se erradicaram das

estruturas políticos sociais. Muito pelo contrário, ao invés dos gestores públicos

promoverem ações que contemplassem o coletivo, esses (os gestores) se fecharam

e delegaram suas decisões para grupos menores, acarretando o distanciamento

com o povo. Podemos até nos perguntar o que tem a ver a poliarquia com a

questão da participação política. No contexto da teoria política, o modelo

poliárquico contribui para a divisão dos poderes tradicionais, retirando o

69

pensamento religioso dos processos de decisão, promovendo um ambiente

racional nas tomadas de decisões. Ao mesmo tempo, tem como característica

promover o empowerment das pessoas que neste modelo se caracteriza pelo

processo máximo realizado com os pleitos eleitorais. É aqui que encontramos um

dos problemas que contribuem para gerar a apatia política. A atual política

participativa brasileira, em seu atual modelo, não garante ao eleitor, ao cidadão,

ou melhor dizendo, não estimula a sociedade a participar. Isso se dá pelo fato da

limitação representativa do modelo que, aliado a democracia minimalista com

uma “democracia delegativa”, anula o cidadão. A não concretização dos sonhos

coletivos, da melhora significativa dos anseios cidadãos tem gerado por este

modelo a desconfiança nas instituições e seus representantes. Quanto maior o

número de notícias que a imprensa vincula na mídia (o que achamos de suma

importância para se fazer a justiça social) a respeito de desvios de verbas, CPIs

entre tantos outros assuntos negativos que transcorrem no meio político e de suas

instituições, a sociedade brasileira se nega a acreditar na eficácia das instituições e

seus representantes. O descrédito e a desconfiança da sociedade, somados à

decepção da não realização e ou do atendimento mínima de suas necessidades

básicas, tem acarretado o surgimento e o agravamento do quadro de apatia

política.

Os grupos sociais que vêm sentindo na pele o descaso político institucional

têm se articulado de forma independente. Sem o auxílio institucional, grupos com

a mesma necessidade, têm se organizado e numa tentativa de garantir seus direitos

e fazer valer sua posição enquanto cidadão na perspectiva de valorizar o seu

capital social, tem promovido mobilizações que em alguns casos recebem o

descrédito da opinião pública.

Por exemplo, o movimento de Chiapas no México, o movimento indígena no Equador, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no Brasil, além das milhares de iniciativas documentadas em relação a grupos da sociedade que se organizam espontaneamente em prol do objetivos comuns (Revista do Terceiro Setor, 2003 apud BAQUERO, 2003, p. 89).

O fato é que tais mobilizações correspondem a um número ínfimo dos que

lutam por justiça social. São os chamados grupos invisíveis que, quando saem da

70

invisibilidade, estampam as primeiras páginas dos jornais e as manchetes dos

telejornais como arruaceiros, violentos e sem respeito pelo patrimônio público,

um agravante que camufla ou impede drasticamente o real motivo da ação destes

grupos, gerando assim, o descrédito desses movimentos. O jogo de poder e de

manipulação das informações que chegam para o restante da sociedade é editado e

massificado de acordo com o interesse daqueles que mantêm seus latifúndios

inoperantes, quando se trata do Movimento dos Sem Terra – MST. Essa prática

retórica das oligarquias tem marginalizado esses grupos que têm se mobilizado ao

longo do tempo para pressionar o Estado para que este possa demandar respostas

o mais rápido possível para atender as demandas sociais, historicamente negadas a

essas pessoas. Na maior parte das vezes, esses procedimentos adotados pelos

grupos não estão inclusos nos procedimentos democráticos minimalistas, ou seja,

na democracia de procedimentos. Na verdade, esta foi à única forma que estes

grupos encontraram para se fazerem ouvir, esta foi à única forma de expressarem

o capital social que possuíam. Retiramos daqui um exemplo prático do que seria

promover uma democracia maximalista, ou melhor, dizendo, como poderíamos

discutir a “substância” democrática. Não que as ações de valorização do capital

social tenham que se fazer no espectro das mobilizações marginalizadas, muito

pelo contrário, essa deve ser inserida no jogo político de forma a garantir o poder

de reivindicação e delegação de suas necessidades, não ficando restrita apenas a

bancada dos Sem Terra, mas para todas as bancadas marginalizadas pela atual

representação política.

Neste sentido, BAQUERO (2003) entende que o empowerment e o

acconutability da sociedade teriam um melhor rendimento se fossem analisadas e

ampliadas a representação social por meio da descentralização do poder tentando

eliminar os processos de clientelismo existentes atualmente no cenário nacional.

O problema, entretanto, é o pressuposto da descentralização que visualiza o cidadão comum como um ator social com poder capaz de fazer prevalecer seu ponto de vista, em um contexto de deliberação, o que está longe da realidade, pois, de maneira geral, a maior parte da população não vê nos mecanismos de deliberação, por não estar preparada, uma saída para seus problemas. (BAQUERO, 2003, p. 90).

71

Percebemos então uma característica que se perpetua na maior parte dos

discursos e ou dos teóricos que tentam explicar à participação política a questão

da educação, relativa à cultura política capaz de agremiar os mais diversos atores

sociais.

Tal situação estimulou na Ciência Política um redirecionamento para pesquisas de cultura política, que assumem posicionamento ontológico claro de que a cultura é fundamental na compreensão dos fenômenos políticos. (...). A esse respeito, Inglehart (1998, p. 1223) argumenta que está, cada vez mais, evidente a precariedade dos modelos que ignoram os aspectos culturais (BAQUERO, 2003, p. 91).

Dando continuidade à abordagem e ressaltando a importância de se estudar a

cultura política para se compreender as tomadas de posição da sociedade, Baquero

(2003) cita Almond e Verba (1965) que estudaram e compararam dados colhidos

em cinco países diferentes. Suas análises e comparações mostraram que os

cidadãos percebem as instituições e os representantes de acordo com o que é

vivenciado e com as atitudes tomadas pelos representantes em diferentes

situações. Essas experiências formariam uma espécie de histórico que

possibilitaria o eleitor a deduzir ou a escolher qual seria a melhor atitude a ser

tomada na qual implicaria em reivindicação ou de acomodação.

Este foco de análise busca, em última instância, avaliar a estabilidade de um

processo democrático. Quando as ações políticas dos representantes convergem

para uma delegação contrária aos anseios coletivos, a imagem que se tem é a de

descrédito dos representantes e conseqüentemente o deterioramento da autoridade

legítima outorgada pelos eleitores. O princípio de instabilidade se dá justamente

na medida em que os representantes deixam de cumprir o papel de representação

coletiva. A legitimidade de suas ações é colocada à prova na medida em que os

eleitores promovem a evasão ou o aumento de votos nulos e ou brancos,

demonstrando o descontentamento com o poder público. O que se entende nesta

teoria é que o Estado e a sociedade estão interligadas pela representatividade

política outorgada aos representantes políticos pelos eleitores nas eleições. Os

partidos seriam os responsáveis por apresentarem à sociedade os seus

representantes cabendo aos eleitos representar a coletividade da melhor forma

possível. O não cumprimento desta simples regra condicionaria a sociedade a

72

vivenciar uma cultura política pobre, sem motivação e com descrédito nas

instituições. Baquero (2003) revela algumas pesquisas deste gênero realizadas no

Brasil por ele mesmo no ano de 2001; por Lamounier & Souza, no ano de 1991 e,

Moisés no ano de 1995.

Tais pesquisas constataram que o legado histórico tem uma influência fundamental na compreensão das razões que levaram o surgimento e manutenção de uma cultura política fragmentada e silenciosa no Brasil. Como conseqüência, estabelece-se a importância de reconhecer as singularidades de sua cultura com vistas a buscar respostas eficientes aos seus problemas (BAQUERO, 2001, p. 91).

E continua:

Segundo a teoria política, a confiança nas instituições políticas são pré-condições para a formação de associações secundárias que, por sua vez, podem agir como promotoras da participação política e, consequentemente, no aperfeiçoamento da democracia. Para o bom funcionamento das instituições políticas é imperativa a confiança dos cidadãos nelas. (BAQUERO, 2003, p. 910).

Isto é o que estaremos tentando apresentar no próximo capítulo, ou seja,

com a interpretação de alguns dados de surveys aplicados tanto por

Latinobarometro (2007), como por Baquero (2003), Borba (2008) e Johnson

(2008), que tentam dimensionar a credibilidade das instituições políticas bem

como a percepção da sociedade para com as instituições públicas.

CAPITULO III

TEORIA DA CULTURA POLÍTICA: PERCEPÇÕES DE UMA

CRISE REPRESENTATIVA

Tentaremos neste capítulo unir e comparar resultados obtidos em

diferentes pesquisas cujo instrumento da coleta dos dados foi realizado através de

surveys. Duas dessas pesquisas estão alocadas no panorama da América Latina,

outra a nível nacional (Brasil) e uma quarta em nível local, regional (Porto

Alegre/RS). A primeira, relativa à América Latina foi realizada pelo Corporación

Latinobarómetro, uma ONG chilena com sede em Santiago e há 12 anos vem

medindo o grau de confiança da democracia na América Latina comparando e

interpretando os números que tentam refletir a realidade social e econômica dos

latino-americanos. A segunda, também referente à América Latina, é apresentada

por Johnson (2008) que revela dados do PNUD publicados em 2004 identificando

quem de fato possui o poder na América Latina. O que chama a atenção para tal

pesquisa é o grupo que fora entrevistado, líderes políticos de diversas instituições

representativas Latino-americanos. A terceira, desenvolvida no Brasil, é uma

análise realizada por Borba (2008) que tenta medir o nível de alienação eleitoral

no Brasil, cujos dados apresentados foram reunidos por Nicolau, J. Dados

Eleitorais do Brasil e no Eseb (2002). Para a pesquisa de nível regional

encontramos as pesquisas eleitorais realizadas em Porto Alegre/RS15.

Até aqui apresentamos as possíveis formas de como percebemos a apatia

política. Assim, fizemos uma viagem histórica da Colônia passando pela

construção do patronato brasileiro, à criação da República brasileira onde

encontramos dados históricos capazes de fortalecer as nossas suspeitas de como se

constituiu e ainda constitui a apatia política no Brasil.

Com o auxílio da Teoria da Cultura Política poderíamos afirmar que a

própria cultura política brasileira é um reflexo da história e das atitudes tomadas

pelos diversos atores sociais que escreveram, vivenciaram e ainda constroem fatos

15 As fontes de consulta são de Baquero (2003) e por pesquisas realizadas pelo NUPESAL-UFRGS em pesquisas eleitorais e uma tabela do Robteutcher 2000.

74

que contribuem para a formação de tal cultura. Isto ocorre em um contexto

cultural e histórico, ou seja, faz parte da memória do cidadão, da memória do

político e das ações empreendidas por ambos que juntos construímos as estruturas

políticas do país. Diante destes fenômenos e durante nossas investigações

acabamos por abordar temas que ainda hoje são comuns no cotidiano brasileiro.

Vejamos agora quais são eles.

1 A questão da educação

Merece destaque especial no presente texto, o tema da educação. Nas tabelas

que serão apresentadas a seguir tentaremos interpretar dados que possam

comprovar a falta da educação, como possível promotora da alienação e,

consequentemente, da apatia política. Para isso, neste primeiro, momento,

usaremos as tabelas apresentas por Borba (2008) em um estudo cujo tema é: “As

bases sociais e atitudinais da alienação eleitoral no Brasil” apresentado no 6º

encontro da ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política - realizado em

Campinas/SP.

Neste trabalho, Borba (2008) apresenta padrões comportamentais ligados

aos sentimentos, crenças e valores políticos empreendidos pelos eleitores e

mapeados pelos trabalhos de cunho da Teoria da Cultura Política em um survey

pós-eleitoral pelo ESEB 2002. A análise compreende a “Não Abstenção (NA)”;

“Abstenção (A)”; “Votos Válidos (VV)”; e votos “Brancos e Nulos (BN)” para as

eleições presidenciais no ano de 2002.

Para compreender a interpretação dos dados, realizados por Borba (2008),

apresentamos ao leitor a metodologia e a base de interpretação por ele

empreendida.

Em termos metodológicos, adotamos os seguintes procedimentos: num primeiro momento, fizemos uma classificação do comportamento alienado, considerando suas expressões nos votos brancos, votos nulos e abstenções. Seguindo a orientação da literatura, organizamos os dados de forma a separar as abstenções, dos votos brancos e nulos. Tais dados foram organizados com base nas respostas às perguntas, (1) se o eleitor votou nas eleições de 2002, e (2) ao voto para Presidente no I turno em 2002 (BORBA, 2008, p. 12).

75

Seguindo com a metodologia o autor apresenta a questão das variáveis

independentes, sendo elas divididas em dois blocos. No primeiro, as sócio-

econômicas e no segundo, as atidudinais16.

Para o primeiro bloco, utilizamos dados relacionados à idade, sexo, escolaridade, população econômica ativa e renda familiar. Para o segundo bloco, construímos cinco índices: o índice de satisfação com as instituições políticas, o índice de eficácia política, o índice de satisfação com a democracia, o índice de informação e o índice de clientelismo (BORBA, 2008, p. 12 e 13).

Para a análise sócio-econômica, o autor fez o cruzamento de cada uma das

variáveis independentes com seus respectivos testes de associação. O mesmo

procedimento foi utilizado para os índices, aplicando assim a análise de variância

“ANOVA”, com o intuito de checar a congruência dos dados analisados.

Borba (2008) ainda faz uma ressalva no que tange à análise dos dados

correspondentes aos votos brancos, nulos e abstenções como sendo menores aos

resultados eleitorais. O ESEB 2002 apresentou números correspondentes a 1,70%

e 1,0% para nulos e brancos; já os números oficiais das eleições correspondem a

3,0% e 7,4% para estes mesmas variáveis. Segundo o autor, isto se deve à

realização da pesquisa pós-eleições possibilitando a racionalização do eleitor em

relação ao seu voto.

Vejamos agora a interpretação de Borba (2008) e como ela nos ajuda a

perceber a apatia política.

Tabela 1. As bases sócio-econômicas da alienação eleitoral em %.

16 A citação que segue não está com os referências de notas de rodapé como informados no original. Achamos melhor não apresentar aqui de forma a tornar a explanação o mais sucinta possível. Aconselhamos a leitura no original.

76

Elaborado por: Borba (2008).

Diante dessa tabela17, Borba (2008) entende que há associações

significativas no que tange ao cruzamento das variáveis: idade, renda e

escolaridade. Para o autor, as variáveis renda e escolaridade apresentaram

informações importantes para a participação ou à abstenção do voto pelo eleitor.

Ao observarmos a tabela 1, poderemos perceber que na variável escolaridade,

quanto maior o grau de instrução menor foi o índice de abstenção, seguindo esta

mesma linha de raciocínio o autor percebe que quanto maior o poder aquisitivo,

maior a presença do eleitor nas urnas e, conseqüentemente, para definir o seu

17 A bibliografia apresentada por Borba (2008) remete a Costa (2007), como um pesquisador que elaborou o estudo sobre a alienação nas eleições presidenciais de 1989 a 2002. Costa (2007) faz uso da análise de regressão linear pelo método dos mínimos quadrados. Seu método usa quatro variáveis independentes que são: Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região e do Estado, o Índice de Exclusão Social (IES), a extensão territorial, e a densidade eleitoral.

77

representante. Aliado a esta informação, a variável idade revela que os eleitores na

faixa etária de idade entre 25 e 34 anos correspondeu a um percentual de 13,8%

daqueles que não comparecera às urnas. Para os eleitores com idade superior a 60

anos, os números indicam 22,8% de abstenção, algo relativamente explicável

segundo Borba (2008) pela não obrigatoriedade do voto para eleitores nesta faixa

etária.

Ao somarmos os percentuais dos que estão em idade de voto obrigatório

com aqueles eleitores com idade superior a 60 anos e que, portanto não tem a

obrigação de votar, totalizamos um percentual de 36,08% dos eleitores que

deixaram de escolher um representante. De acordo com a Teoria da Cultura

Política isto pode ser identificado como uma crise das instituições políticas que

não atendem às expectativas do eleitor, o descrédito ao sistema eleitoral, e ainda,

desconfiança do eleitor entre outros fatores.

Se levarmos em consideração o grau de escolaridade, a renda e a idade

daqueles que não participaram do pleito eleitoral, poderíamos afirmar que estes

dados efetivamente colaborariam para a alienação eleitoral e para promoção da

apatia política. Ao observarmos mais atentamente a tabela 1 poderemos perceber

que a variável escolaridade fica em segundo lugar na abstenção dos votos com

12,9% dos eleitores com escolaridade até a 8ª série, e com 10,9% de abstenção

dos eleitores com escolaridade até o 2º grau. Estes números ficam apenas atrás da

variável idade entre 25 e 34 anos que está em primeiro com 13,8%.

Ao creditarmos tal variável – a educação - e ao elevarmos a sua importância

devida para a esfera da construção do saber, a mesma acabaria por fortalecer a

nossa teoria de que quanto maior o nível de escolaridade da população de um país,

maior é a capacidade de cognição e consequentemente de compreensão do que

representa o seu voto.

Por mais que alguns discursos fortalecem a teoria de um provável protesto

quanto à abstenção e ou pelo voto nulo, o fato é que a variável escolaridade revela

uma probabilidade maior de interferência no processo de escolha de um

representante pelo eleitor.

Porém,

Questões relacionadas à exclusão social, distância do local de votação e ao deslocamento (e seus custos) são explicativas do

78

porquê em regiões mais pobres, mais extensas e com menor densidade demográfica as taxas de abstenção são relativamente maiores que em contextos de maior urbanização e menor exclusão social (COSTA, 2007 apud BORBA, 2008, p. 17).

Assim, na tabela 2, a suposta afirmação sustentada até aqui de que a falta da

educação para a sociedade poderia ser uma forte aliada da promoção da alienação

e da apatia política é drasticamente reduzida a uma mera especulação filosófica se

considerada isoladamente.

Tabela 2. Atitudes políticas e alienação eleitoral em %.

Elaborado por: Borba (2008).

Os números desta segunda tabela apontam para uma abstenção caracterizada

muito mais para uma dimensão sócio-demográfica do que para qualquer um dos

índices criados.

79

Em suma podemos concluir através destes dados que a educação compõe

apenas um dos fatores que podem promover a alienação e a apatia política. Ao

relacionarmos as variáveis: escolaridade, renda e localidade haverá uma grande

chance de segundo Borba [2008] e Costa [2007], como indicam os dados

analisados que estas variáveis podem construir um ambiente confortável para o

surgimento da alienação e da apatia política podendo assim influenciar na

participação política, mas não são determinantes.

1.1 Instabilidade Democrática

Outra questão ressaltada no presente trabalho é a confiança do cidadão nas

instituições políticas e públicas, por vezes decorrente de um conservadorismo

histórico presente nas estruturas políticas e sociais no Brasil. Para esta análise,

Baquero (2003) empreende uma análise circunstancial na tentativa de relacionar

elementos da democracia, da cultura política e do capital social. O autor entende

que a relação destas três categorias caracteriza um tipo de cultura política híbrida

existente no Brasil, dando assim, a origem estrutural da organização política

brasileira ao que o mesmo autor entende como danoso para o fortalecimento

democrático brasileiro. Para a elaboração do artigo, intitulado: “Construindo uma

outra Sociedade: O Capital Social na estruturação de uma cultura política

participativa no Brasil”, Baquero (2003) recorreu a, pesquisas quantitativas e

qualitativas no período correspondente a 1974 e 2000, sendo os dados coletados

no Rio Grande do Sul.

80

Elaborado por: Baquero (2003).

Para Baquero (2003), o cidadão que está desconfiado das ações políticas de

um ou mais candidatos tem grandes chances de não querer se envolver com o

processo participativo. Quanto maior for a indiferença dos partidos políticos com

as causas coletivas, ou seja, quanto maiores forem as promessas que não se

convertem em ações efetivas concretas para a realidade do coletivo, maior será o

descrédito com as instituições políticas acarretando o distanciamento e a

negligência do cidadão com o processo participativo. Para piorar a situação, a

existência de um aparelho repressor como o policial, que não cumpre o seu papel

e um judiciário moroso, contribuem para o descrédito do servidor público e das

instituições públicas. “Essas condições tem criado o que se denomina de um

“mercado de desencanto”, particularmente com a política e com os políticos”

(BAQUERO, 2003, p. 93, grifos do original).

Enquanto o clientelismo e o patrimonialismo se perpetuam pelas entranhas

da democracia brasileira, revelando a presença do caráter individual das ações do

brasileiro que descrente dos serviços públicos procura pelo já famoso “jeitinho

brasileiro” para resolver suas demandas. “Embora esse desencanto não tenha

produzido tolerância pelo autoritarismo, tem gerado sociedades desmobilizadas e

apáticas” (BAQUERO, 2003, p. 93).

81

Refletindo sobre a tabela, os números apresentados configuram esta linha de

pensamento.

O que está evidente nesse resultado é a prevalência de opiniões preponderantes hostis em relação às três instituições mencionadas e que são consideradas essenciais na democracia representativa (na média 72% para a atividade política, 69% para os partidos políticos e 70% para o governo). Em relação ao item democracia (...) (média 84% de respostas positivas) (BAQUERO, 2003, p. 93).

A cultura política brasileira passa por um processo de transição onde os

antigos moldes tradicionalistas estão sendo atingidos por novas óticas de se

perceber o campo político. Apesar dessas evidencias constata-se entre os jovens,

uma desconfiança brutal para com as instituições e os representantes políticos. No

Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, a tolerância para com o autoritarismo

é baixíssima, o que pode refletir o grau de autonomia que os jovens têm para

decidir o que lhes convêm como prioridade, o que nos últimos 20 ou 30 anos foi

negado pelo sistema político vigente no país. Mas essa autonomia vem causando

defasagem na participação política, o que é grave e pior ainda, esta atitude

individualista pode estar ancorada em relações pessoais de base clientelista e

patrimonialista. Nesta relação desconsidera-se o público e as relações de poder,

preserva-se o direito de possuir o que é público sem considerar a divisão coletiva

do bem público. Na verdade, tal ação “coletiva” funciona como uma inversão dos

padrões de coletividade, ou seja, o bem público tornou-se individual na medida

em que o cidadão comum se apropria do bem público em beneficio próprio,

correspondendo às praticas utilizadas por políticos e instituições de representação

coletiva. Assim, o bem público deixa de atender à coletividade e passa a ser objeto

de desejo particular daqueles que podem de alguma forma barganhar benesses.

Percebe-se então, o jogo desleal do público para o privado, do privado para o

público onde se considerarmos as variáveis apontadas por Costa (2007)18 somente

os mais bem instruídos e capacitados, com poder financeiro e que possuem as

18 Análise feita na seção anterior que tratou da falta de educação como fonte promotora de alienação e apatia política, desmentida se analisada isoladamente. Como referencial de modelo metodológico para a análise de alienação e apatia política deve-se ler Borba (2008) cuja análise remete ao trabalho de Costa (2007) para o qual os fatores que compõem o sócio-econômico são construídos pela escolaridade, renda e localidade.

82

ferramentas necessárias para participar do jogo político podem usufruir deste

benefício.

Para as sociedades carentes, a caracterização desta desordem do público para

o privado e do privado para o público se dá nas relações de baixa intensidade

clientelística19. Somadas as inúmeras necessidades sociais, os cidadãos acabam

por se envolver com a corrupção priorizando os interesses individuais,

sustentando, assim, uma prática desleal. A troca de um favor muitas vezes tem um

valor insignificante para o político, mas é de grande necessidade para o eleitor.

Tal desordem fica evidenciada quando essas relações de baixa intensidade

clientelística estão incutidas no histórico social e político do povo brasileiro. Um

exemplo simples é a venda do voto de um ator social, venda essa, fruto de

experiências passadas desse tipo de relação experimentadas pelo próprio ator

social, ou de um parente, ou de um conhecido. Um ditado muito comum dessa

prática é a famosa frase: “isso sempre foi assim”.

Essa compra do voto ou da participação se dá para o eleitor na medida em

que este percebe o real ganho materializado de um recurso do qual ele não tem

provimento. O clientelismo, o personalismo ocorre nestas circunstâncias, quando

o candidato se aproveita da condição miserável do eleitor para barganhar um voto.

Para este cidadão a cultura política por ele vivenciada é nada mais, nada menos do

que, a troca de favores, clientelista, personalista. A partir daí, no seu imaginário e

na sua compreensão, o dever público se resolve falando direto com o político

eleito e não participando dos meios legítimos de representação, perpetuando na

nossa cultura política, práticas que remetem ao período colonial20.

Romper com esta dimensão personalista seria, segundo Baquero (2003),

uma saída. Respeitar a individualidade sim, porém, mais do que isso precisamos

produzir no indivíduo um sentimento de coletividade e de respeito à diversidade, 19 Entendemos como baixa intensidade clientelística a troca do voto ou de favores entre políticos e eleitores cuja soma que compõe o preço do voto ou do apoio político configure um valor insignificante para o político, mas de extrema necessidade para o eleitor. Como exemplo citamos: uma carrada de barro, um sacolão, uma pequena causa jurídica, um favor de favorecimento para um emprego etc. 20 Por mais que este exemplo soe uma explicação da TER, não podemos esquecer que a Teoria da Cultura Política formulada por Almond e Verba (1989), admite a “orientação avaliativa” de uma situação que em algum momento terá de ocorrer uma decisão seja objetiva ou subjetiva. Porém os autores complementam que a Teoria não se limita apenas a essa perspectiva de análise e acrescenta ainda a “orientação cognitiva” e a “orientação afetiva” como elemento para a avaliação de uma situação que compreenda decisões na esfera política.

83

entender que o público é de todos e que as atitudes personalistas e individualista

de apropriação do bem público devem ser combatidas. Para isso, o estímulo deve

ser fomentado pela vontade política principalmente dos governantes e com o

apoio das lideranças locais.

Esta dimensão histórica nos mostra, de acordo com a tabela 2, como o

cotidiano das relações de clientelismo, do personalismo e do patrimonialismo

podem promover um ambiente social e político de desconfiança.

Elaborado por: Baquero (2003)21.

Baquero (2003) aponta para um dado que deve ser levado em conta, quando

a referência da tabela demonstra um descrédito com as instituições políticas em

pleno período democrático. O autor salienta que “quando menos de 20% da

população confia nas suas instituições (de 1996 a 2002), é difícil falar em

“consolidação política”” (BAQUERO, 2003, p. 97, grifos do original).

Com a finalidade de complementarmos estes dados consultamos agumas das

tabelas do Latinobarómetro 2007 que questionou os entrevistados sobre o grau de

satisfação com a democracia no seu país. Participaram desta pesquisa 18 países

Latino-americanos. O instrumento de coleta foi um survey. A amostra no Brasil

foi coletada pelo IBOPE e levou em consideração a população brasileira sendo

21 Devemos observar mais atentamente ao que está escrito na “nota” da tabela, pois essa se referencia a pouca ou nenhuma confiança dos entrevistados nas instituições políticas. Assim, por mais que os anos de 2000 e 2002 apresentem números que dão sinais de crescimento, esses sinais não dizem respeito a confiança nas instituições e sim a desconfiança dos entrevistados para com as instituições.

84

uma amostra probabilística modificada em três etapas e por cotas na etapa final. O

número da amostra é de 1204 entrevistados com erro amostral (e) de +/- 2,8% e

intervalo de confiança de 95% correspondendo a 100% da população brasileira.

Os dados da tabela revelam o grau de insatisfação com a democrácia no

Brasil. Dos 18 países participantes da pesquisa, o Brasil obteve a 16ª e 17ª posição

empatado com a Guatemala, ficando o grau de satisfação na frente apenas do Peru

com 17% e do Paraguai com 9 %. A média Latino-americana foi de 37% quanto

às respostas de “muito satisfeito” e “satisfeito”.

Apesar dos números do Latinobarómetro serem de 2007 e os números

analisados por Baquero (2003) fazerem correspondência ao período de 1996 à

2002, os resultados revelaram um intervalo que nos leva a crer que a insatisfação

com a democracia e consequentemente com as instituições políticas só

aumentaram durante estes anos. E o pior, não é algo restrito ao Brasil (mais

especificamente ao RS), está presente em toda a América Latina.

Seguindo nesta mesma linha de análise, a tabela número 3 apresentada por

Baquero (2003), faz menção à identificação partidária no Rio Grande do Sul.

Iremos observar na tabela apresentada por Baquero (2003) uma estagnação e a

dificuldade enquanto à capitação e a identificação dos partidos por parte dos

eleitores gaúchos. O autor conclui que os partidos políticos têm encontrado

dificuldades em produzir capital social simbólico na medida em que cresce a

85

desconfiança dos atores sociais para com as instituições políticas. Segundo

Baquero (2003, p. 100), “a democracia sem confiança não sobrevive”.

Com a finalidade de aprimorarmos estes dados cruzamos estas informações

com outra tabela do Latinobarómetro 2007 que identifica na população Latino-

americana o seu posicionamento ideológico referente à direita e à esquerda.

Elaborado por: Baquero (2003)22.

O partido cuja maior identificação partidária foi mencionada pelos eleitores

no período que compreende 1994 a 2000 foi o Partido dos Trabalhadores (PT).

Diferente dos demais, o PT foi o único partido que obteve um ganho significativo

para o acumulo de capital social. Em contrapartida, seus adversários amargaram

um quase esquecimento como no caso do PDT, PMDB, PTB, PFL (atual DEM) e

PCdoB. Já o PSDB para a maioria dos eleitores caiu no completo esquecimento. 22 Após consultar outras impressões referentes a esse artigo de Baquero (2003), constatamos que o duplo aparecimento do partido PFL na tabela deva ser provavelmente um erro de construção na tabela, porém não interferindo nos resultados obtidos.

86

Apesar de estes números corresponderem somente aos anos de 1974 a 2000,

a atual conjuntura política do Estado do Rio Grande do Sul demonstra uma

realidade inversa quanto ao ano de 2000 indicadas pelos números. Obviamente a

tabela corresponde à identificação partidária daquele período, o que de certa

forma nos atrapalha para o fenômeno que vamos descrever a seguir.

Atualmente, a atual Governadora Yeda Crusius é filiada ao PSDB e tem

como base de apoio os partidos de centro e direita, dentre eles os mais expressivos

estão o PMDB e parte do PDT. Os resultados das eleições de 2006 elegeram Yeda

Crusius a primeira governadora da história do Rio Grande do Sul, derrotando

Olívio Dutra do PT (atualmente presidente do PT gaúcho) no segundo turno, com

3.377.973 (53,94% dos votos válidos). Algo inusitado e de difícil previsão se

considerados apenas os dados até o ano de 2000.

Porém, o nosso maior interesse não está no fato da virada partidária para o

Governo gaúcho e sim, tentar explicar o esvaziamento de capital social dos

partidos políticos. Afinal, como suposição teórica não é difícil mensurar uma

troca partidária do eleitor apoiada na noção personalista de um candidato

carismático. Uma segunda suposição teórica de grande influência é a transferência

de filiação partidária de um partido para o outro, levando-se em consideração o

jogo político de beneficiamento individual do político, levando consigo seus

correligionários. Esta proposição poderia explicar a virada do PSDB em cima do

PT, sinalizando não uma capacidade do PSDB de mobilizar novo capital social,

mas, apenas, de captar o capital social já existente para si.

Voltando a analisar a tabela 3 de Baquero (2003) constata-se a dificuldade

de captar capital social pelos partidos políticos. Segundo o autor, os eleitores

procuram por outras formas para envolverem-se politicamente.

A hipótese na literatura é que a participação em associações produz capital social relevante, o que significa que promove e facilita o engajamento político. Esse tipo de capital social é produzido como conseqüência da experiência política e da informação que é regularmente comunicada dentro da rede de relações sociais do indivíduo (BAQUERO, 2003, p.p 99-100).

A possibilidade associativa impressa pelas ONGs, ou por associações

comunitárias, ou religiosas introduzem no imaginário e no cotidiano do cidadão

uma participação coerente, dadas às condições de poderem deliberar e de

87

participarem de forma mais ativa na sua comunidade. “O teorema é de que quanto

mais a pessoa participa de associações, maior a tendência a solidificar um civismo

público e, consequentemente, o fortalecimento da democracia” (BAQUERO,

2003, p. 100).

Para Baquero (2003), a pergunta que se faz é: até que ponto a participação

em grupos favorece uma construção de cooperação coletiva, não beneficiando

apenas um dos grupos e sim, uma coletividade. Somado a isso, o autor entende

que grupos promotores de capital social personalizado, como os grupos de

guerrilha, fanáticos religiosos, máfias entre outros grupos de caráter criminoso,

não produzem capital social público, ou seja, aquele capital social que tem por

objetivo produzir um bem comum na coletividade, desenvolvendo assim, a

democracia de um país.

Vejamos agora a tabela do Latinobarómetro 2007 que faz uma análise do

percentual de escala entre direita e esquerda na América Latina.

O Brasil é um país de conservadores. Isto é o que revela a pesquisa do

Latibarómetro 2007 (p.76), Quando perguntado: “P. En política se habla

normalmente de "izquierda" y "derecha". En una escala dónde “0" es la izquierda

y “10" la derecha, ¿dónde se ubicaría Ud.? * Aquí solo ‘Promedio’.

88

O brasileiro atingiu uma média de 5,13% em 2007, desde que o

Latinobarómetro iniciou esta pesquisa em 1996, o pico esquerdista no Brasil foi

em 1997 com 4,8% e o pico direitista no ano de 2001 com 5,7% o que aponta um

perfil centrista. Agora, se analisarmos qual destas duas linhas ideológicas tem se

mantido à frente, apesar da pouca diferença, a direita se destaca. Durante os 11

anos de realização da pesquisa, a direita permaneceu na frente em 9 anos, 1 ano

somente para a esquerda sendo que os centristas se revelaram também em um

único ano (2000), com a pontuação 5.

O cruzamento dos dados da tabela de Baquero (2003) com a do

Latinobarómetro 2007 servem para fazermos dois apontamentos. O primeiro, fica

comprovado tanto na tabela de Baquero (2003) como na do Latinobarómetro: o

pico de esquerdismo no Rio Grande do Sul, no ano de 1997, em que se registra

este índice. O segundo apontamento revela a virada de posicionamento ideológico

dos gaúchos, ainda que modesto demonstrasse um perfil mais centrista. Os

números revelam um posicionamento de centro-direita. Se, levarmos em

consideração que o PSDB pode ser identificado com um partido de centro-

esquerda e que no estado gaúcho este recebeu o apoio de partidos de centro e de

direita, então os resultados do Latinobarómetro 2007 confirmam esta tendência

centrista com leve inclinação direitista no perfil eleitoral brasileiro do Rio Grande

do Sul.

Seguindo com as análises, Baquero (2003) faz uma interpretação do grau de

associativismo em Porto Alegre. Levando em consideração os anos de 1974

(isolado) com um intervalo de 24 anos e considerando os anos de 1998 e 2000.

89

A tabela 4 de Baquero (2003) revela um número expressivo para o

associativismo em 1974 e um declínio considerável para os anos de 1998 e 2000.

Com o intuito de mapear qual seria o grau de associativismo do cidadão porto-

alegrense, Baquero (2003) cruzou a variável associativismo com o tipo de

associação da qual o cidadão fazia parte. Os números revelaram que no ano de

1974, 76% dos entrevistados que responderam faziam parte de algum tipo de

associação, pertenciam às associações religiosas. Porém, como a própria tabela

informa, estes números caíram consideravelmente em 1998 para 57% e em 2000

para 51%. Este resultado é explicado por Baquero (2003), lembrando que a partir

de 1974, tem-se o início da crise das instituições democráticas brasileiras. Assim,

como observamos na virada do PSDB em relação ao PT na tabela 3, fica difícil

afirmar que, neste caso (tabela 4), tenha havido uma migração associativa dos

membros de associações religiosas para outro tipo de associação, seja partidária,

esportiva, comunitária e etc. Contudo, Baquero (2003) explica que a ausência de

informações neste contexto, dificulta o mapeamento da transição atitudinal dos

associativistas de forma a não conseguirmos mensurar o real motivo de

interromperem a sua participação e a de não migrarem para outras formas de

associativismo, caracterizando assim a presença de apatia política. A hipótese

levantada por Baquero (2003), neste caso, é de que o associativismo religioso é

um tipo “formal e obrigatório”, dada as perspectivas históricas que moldaram o

perfil religioso no Brasil. Isso acarretaria uma ineficiência de captar capital social

público, pois a relação entre Igreja e fiel se daria numa dimensão particular,

dificultando assim a migração associativista religiosa para outro tipo qualquer de

associativismo. O que explicaria, por exemplo, a diminuição do número de

associativistas nas Igrejas e a não migração destes para outras formas de

associativismo caracterizando então, certo tipo de lealdade a este tipo de

instituição.

Outra hipótese levantada por Baquero (2003) é justamente a possibilidade de

relações mais democráticas no qual o associativista se encontra, ou seja, um

ambiente mais acolhedor, mais próximo da sua realidade conferindo para o

90

associativista maior credibilidade e poder de decisão no que tange às suas

necessidades particulares e coletivas dentro do grupo.

A associação, por outro lado, quando espontânea e voluntária, ao contrário de obrigatória, possibilita conhecer outras pessoas, aumentando não só a possibilidade de mais discussões políticas, como aumenta a percepção do indivíduo do que está ocorrendo na sociedade e a maneira dominante e aceita da forma de pensar e agir (BAQUERO, 2003, p. 101).

Porém Baquero (2003) cita Portes (1998) com a finalidade de alertar a algo

um tanto quanto inusitado. A questão levantada por Portes (1998) se dá na

dimensão de se reavaliar as relações entre associações e o bom governo. Isto

significa dizer que se o associativismo imprime um bom relacionamento entre o

grupo e o seu próprio governo, possibilitando a confiança os membros em relação

ao Governo estatal, corre-se o risco deste tipo de relação limitar a expansão do

associativismo para outras comunidades. Isso poderia ser considerado uma forma

de apatia política. Pois, apesar de no interior do grupo haver a participação

política, essa se restringiria a si mesma, fechando-se assim para uma ação de

caráter universal impossibilitando o crescimento de um sentimento democrático

para com outras comunidades, que de alguma forma comungariam das mesmas

necessidades. Isso impediria, segundo Baquero (2003), uma promoção de capital

social público, pois se restringe a solucionar e ou a gerir somente as demandas de

um grupo ou de uma determinada localidade.

[...], apesar da existência de centenas de associações informais e voluntárias que organizam-se em torno de objetos comuns, elas parecem não gerar redes associativas mais amplas, pois seus membros centram-se em questões particulares. Esse, por exemplo, tem sido o problema do orçamento participativo em Porto Alegre (GENRO, 2001; RICCI, 2001, apud BAQUERO, 2003, p. 101).

Com o intuito de aprofundarmos esta questão, trazemos novamente a tabela

do Latinobarómetro 2007 que nos ajudará a compreender os dados apresentados

por Baquero (2003). A próxima tabela a ser interpretada mostra o grau de

participação política e social dos países da América Latina. Vejamos o que esta

tabela nos informa:

91

Mais uma vez, ao cruzarmos os resultados de Baquero (2003) com os dados

do Latinobarómetro 2007, podemos comprovar e entender o ocorrido em Porto

Alegre. A tabela do Latinobarômetro 2007 informa que 15% dos entrevistados

brasileiros do Rio Grande do Sul dizem participar de alguma instituição política,

mas o maior número está na participação social, onde o número revela 24% dos

entrevistados, e 40 % revelou nunca ter participado de uma organização política

ou social. Se comparamos com a média Latino-americana, no que diz respeito à

participação política, identificamos os gaúchos dentro da média, ou seja, com

exatos 15% conforme mostra a tabela acima. Porém, mesmo assim o percentual de

participação social é muito mais expressivo do que o da participação política com

15%, dando ao Brasil uma média superior ao da América Latina que tem como

percentual 21% e o Brasil 24% de participação social.

Estes dados contribuem para afirmarmos o que a Teoria da Cultura Política

vem denunciando, ou seja, estamos enfrentando uma crise de legitimidade perante

o sistema institucional político.

Dito de outra forma, em um contexto em que o Estado é ineficiente e com pouca credibilidade, as redes sociais podem

92

aumentar o desenvolvimento do conflito tanto na atividade econômica como nas instituições públicas em uma dimensão negativa, levando à apropriação de recursos políticos e consequentemente à institucionalização de relações pautadas por clientelismo e paternalismo. Esse parece o caso do Brasil contemporâneo (BAQUERO, 2003, p. 101).

Neste contexto, Baquero (2003) leva em consideração que as instituições

governamentais não estimulam a produção de capital social público, ao contrário,

produzem apenas fragmentação social e apatia política.

1.2 O contexto Latino Americano

Não poderíamos deixar de fazer uma análise no que tange aos ditames da

América Latina. Para nos ajudar a compreender melhor este panorama buscamos

por Johnson (2008) em seu artigo intitulado “Autocracia e Democracia na

América Latina” 23.

Johnson embasa sua crítica na Teoria da Dependência inicialmente proposta

por Fernandes (1975; 1976; 1979; 1981a; 1981b; 1995). Para justificar seu teor

teórico, Johnson (2008) está pautado em dados empíricos extraídos dos resultados

obtidos pelo Latinobarómetro 2007 e apresentados nas seções anteriores.

Para que possamos melhor desenvolver o nosso trabalho, é necessário que

façamos algumas observações. Primeiro, o termo: “Estado autocrático-burguês”

que de acordo com Johnson (2008) significa um desdobramento das suas

principais características. Tais características compõem uma tríade de

componentes, são elas: democracia, autoritarismo e fascismo.

Trata-se de uma composição que visa duas coisas: aprofundar e aumentar a duração da contra-revolução; e na passagem da guerra civil a quente para a guerra civil a frio, garantir a viabilidade de uma ‘institucionalização, pela qual a contra-revolução continuaria por outros meios (FERNANDES, 1979 apud JOHNSON, 2008, p. 7, grifos do original).

De acordo com o referencial teórico marxista, os problemas atuais da

democracia estariam pautados pela opressão aos trabalhadores, e para as classes

23 Este trabalho foi apresentando e debatido no 6º encontro da ABCP – Associação Brasileira de Ciência Política – realizado no ano de 2008 na Unicamp, Campinas/SP.

93

mais pobres, sendo agravada pela disputa desleal promovida pelas elites

dominantes que degladeiam-se para obter o poder do Estado. Assim o Estado

autocrático-burguês estaria impedindo a sociedade de se organizar de forma a não

conseguir mobilizar o que Baquero (2003) chama de capital social.

O Estado autocrático-burguês é uma configuração que privilegia a proteção dos interesses das classes privilegiadas. Isto faz com que as forças conservadoras resguardem esse tipo de Estado quanto possível for, a despeito das contínuas disputas inter-burguesas, assim como pelo arrefecimento da força organizativa dos trabalhadores (JOHNSON, 2008, p. 8).

Identificamos uma lógica perversa tão criminosa quanto à de grupos

paraestatais. Essa lógica inibe o capital social público, reificando as crenças do

modelo autocrático-burguês, ceifando a participação da massa, promovendo a

apatia política. Essa lógica cria (já vimos nas cessões anteriores) a crise das

instituições políticas e representativas, favorecendo o clientelismo, o

paternalismo, o individualismo, acabando por solapar qualquer perspectiva de um

amadurecimento ou de uma renovação democrática e cívica. Observamos que tal

situação não é exclusiva do Brasil, e sim, se encontra em toda a América Latina,

compreendida por meio da Teoria da Dependência, que caracteriza as relações de

submissão e de exploração dos países pobres e emergentes, como é o caso dos

países Latino-americanos, uma dependência em relação aos países desenvolvidos.

Assim, as massas populacionais das sociedades nacionais subdesenvolvidas

industrialmente não estariam apenas a mercê das grandes potências

industrializadas, mas também submissas às elites conservadoras e patrimonialistas

que dominam os Estados subdesenvolvidos, pois estes compactuariam com o

subdesenvolvimento em troca das garantias e dos privilégios seculares de outrora.

Johnson (2008) ainda traça o que ele acredita ser os “traços indicativos dos

regimes autocráticos”. Na sua concepção, o processo que veio instaurar e

legitimar as autocracias-burguesas na América Latina se deu principalmente pela

extinção do chamado “socialismo real”, que figurou durante quase meio século

uma bipolarização ideológica, política e econômica entre EUA e URSS. Com a

extinção do “socialismo real” e a conseqüente queda do império Soviético, as

metas-narrativas teriam se acabado, e o fim da história haveria de chegar,

relembrando Fukuyama (1989; 1992). Neste sentido, o capitalismo haveria de ter

94

vencido o socialismo, como imaginara Hegel, contemplando o equilíbrio da

humanidade pela ascensão do liberalismo e da igualdade por intermédio do

Direito.

Operou-se então o restabelecimento, desde suas origens nos dias do republicanismo cívico, de conceitos medulares na matriz política cotidiana, tais como cidadania e sociedade civil. No campo das ciências sociais contemporâneas – a despeito da investida fragmentária pós-moderna em voga –, estamos presenciando não a morte das grandes narrativas, senão ao renascimento em grande escala das narrativas da modernidade (JOHNSON, 2008, p. 12).

Observamos uma inversão, onde na verdade, não ocorre a morte das grandes

narrativas, mas o surgimento de uma nova narrativa concebida em uma

Modernidade de mão única, ou seja, uma meta-narrativa que propõe um

monólogo, o discurso neoliberal. Esse discurso contempla o chamado “Estado

mínimo” que dá sinais de grave crise estrutural e econômica.

No começo, as mudanças nas estruturas dos Estados rapidamente

promoveram o crescimento e aceleraram a economia dos grandes capitais. As

críticas ao sistema Neoliberal revelariam sua fragilidade no que concerne à saúde

financeira das maiorias, o enriquecimento de poucos e um crescimento inverso na

qualidade de vida da maior parte da população se comparado com as práticas do

Estado de Bem Estar Social. Esta situação se torna o foco para as manifestações

de correntes contrárias ao Neoliberalismo.

O que se observou, principalmente após a queda do Muro de Berlim e do

fim da URSS, foi simplesmente a estagnação de novas correntes teóricas que

conseguissem manter uma disputa em pés de igualdade com o capitalismo. Assim,

a ex-batalha bipolar entre capitalistas e socialistas teria se reduzido a uma disputa

de egos entre correntes capitalistas, liberais e social-democratas.

O fato a ser registrado é que ao invés de reduzir a desigualdade, o

Neoliberalismo provocou o crescimento abrupto do abismo social, não só dentro

do Brasil como principalmente afastou mais ainda a diferença entre os países ricos

e pobres do globo. Os países do centro como: EUA, Inglaterra, Alemanha e

França, têm lançado campanhas de ação neoliberal para os países periféricos, ou

seja, estimulando e incentivando, cada vez mais, as políticas de privatização em

95

massa e a redução de barreiras econômicas para os seus produtos. Os países do

centro têm promovido para si certo tipo de retrocesso na campanha neoliberal

interna, no que concerne a políticas assistencialistas de recuperação focalizada das

mazelas sociais de seus países.

Isto fica evidenciado no Brasil e na América Latina. Apesar da América

Latina ser um agrupamento de países de características periféricas e de uma

economia dependente, o Brasil detêm o posto de líder econômico no continente.

As políticas assistencialistas iniciadas no Governo FHC e mantidas pelo atual

Governo Lula deflagram o processo de desenvolvimento às avessas de uma

política do Estado de Bem Estar Social, ou seja, ao contrário das políticas

universalizantes que têm por objetivo atender as demandas sociais por um crivo

de igualdade social, as atuais políticas se caracterizam por uma lógica focalizada.

Como exemplo destas políticas focalizantes podemos citar os programas de

combate a fome. Esse tipo de programa tem como crivo, ou melhor, dizendo como

foco, uma parcela da sociedade que não se encontra com capacidade de prover

recursos suficientes para consumirem o mínimo desejável pela política Neoliberal.

Como saída, o Governo oferece um tipo de ajuda de custo, “esmola”, que não está

ligada ao auxílio material (comida, água, roupa), mas sim, ligada a prática de

distribuir dinheiro para esta parcela da sociedade “decidir” o melhor destino do

uso desta moeda de troca. Na verdade, tal política objetiva, primeiramente, inserir

este pequeno consumidor no mercado. Usando de uma lógica Neoliberal, o ator

social, ou seja, o indivíduo é, em último caso, o detentor de suas necessidades,

portanto, é ele quem decide o melhor emprego do recurso proveniente do

assistencialismo Estatal.

Há, uma mudança nos hábitos e nas práticas dos Estados nacionais. A

política ideológica e econômica estaria tomando novos rumos. A radicalidade no

Neoliberalismo estaria até certo ponto se abrindo a novas formas de gerir uma

crise do capital. Garantir que pobres comecem a possuir poder de compra dentro

dos seus Estados nacionais (USA, Inglaterra, França, Brasil), aparentemente com

o financiamento estatal disponibilizando linhas de crédito com programas como o

“Bolsa Família”, tem até certo ponto se mostrado uma saída paliativa para a crise

96

do Neoliberalismo que está prestes a se deflagrar (ou já se deflagrou) em todo o

globo.

Como exemplo, o Jornal Nacional noticiou no dia 23 de junho de 2006 a alta

no poder de compra dos brasileiros. Detalhe, o poder de compra estaria na classe

“E”, atributo este ligado diretamente ao aumento do salário mínimo

(características de programas universalistas) e de programas como o “Bolsa

Família” (características de programas focalizados). A manchete era: “Diminui a

desigualdade de renda no Brasil. Em seis regiões metropolitanas do país, a

desigualdade salarial entre os trabalhadores caiu 7%, conseqüência do aumento do

salário mínimo e de programas como o ‘Bolsa Família’”. Esta pesquisa teria sido

realizada pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), e que viria a confirmar

uma outra informação, também noticiada pelo portal de noticias eletrônicas da

Rede Globo, referente ao mês de janeiro no dia 22 de fevereiro de 2007, em

pesquisa proveniente de outro órgão de pesquisas do Estado, o Instituto Brasileiro

de Geografia e Estatística (IBGE). Essa por sua vez, afirmava o aumento de

compra dos trabalhadores com carteira assinada residente em domicílios fixos

excluindo-se aposentados, pensionistas, diaristas e parentes de diaristas. A

manchete: “IBGE: PODER DE COMPRA DAS FAMÍLIAS AUMENTA EM

JANEIRO”.

Como podemos perceber, as políticas para fora dos Estados nacionais que

possuem certo tipo de poder hegemônico em relação a seus “parceiros”

econômicos é o de tentar fazer com que este continue o processo de liberalização

de suas economias com a finalidade de garantir o sucesso de suas exportações e

mercados de consumo. No que tange às políticas internas, a necessidade de

garantir o poder de compra por aqueles que não a detém, por aqueles grupos

sociais que se encontram estagnados na economia interna, parece ser uma saída de

curto prazo que revela certa nostalgia maquiada como “Novo

Desenvolvimentismo”. O fato é que as Ciências Sociais bem como a Ciência

Economica percebem um novo momento nas economias e nas políticas de ação

dos Estados nacionais do final desta primeira década do Século XXI. Um novo

momento, uma nova fase dá sinais de início. Qual será ela?

97

Concluímos então, que o “Estado mínimo” não é tão mínimo quanto parece

ser. Diante desta crise, o mercado não estaria tão à vontade, muito pelo contrário,

os fortes lobbys promovidos pelos grupos da elite financeira inserida nas mais

diversas camadas dos Estados nacionais têm promovido verdadeiras manipulações

de acordo com os interesses corporativos que têm se alternado no poder. Garantir

a circulação econômica tornou-se de suma importância para o equilíbrio e a

manutenção das elites. Conferir poder de compra para as classes menos

favorecidas é, na verdade, uma tomada de decisão desesperada das elites que

manipulam o poder centralizado dos Estados nacionais. A exemplo disto vivemos

às vésperas de uma das maiores intervenções do Estado norte-americana na ordem

de US$ 200 bilhões para livrar as empresas de hipotecas e dos bancos da crise de

capitais que assola o globo e atinge a estabilidade econômica norte-americana.

O Jornal folha Online, do dia 19/09/08, anuncia a seguinte manchete:

“Intervenção em mercados é essencial para conter crise, diz Bush”. São palavras

do presidente: "Devemos agir agora para proteger a saúde econômica de nossa

nação", “acompanhado pelo secretário do Tesouro americano, Henry Paulson, e o

presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Ben Bernanke”.

Diante de dados tão factuais torna-se difícil não acreditar que a posição

financeira não seja um fator de análise importante. Ora, compreendemos e

entendemos a importância da perspectiva teórica marxista, só não a consideramos

como a única explicação para a atual crise e consequentemente para a análise da

apatia política. O que percebemos é que tanto a Teoria da Cultura Política

abordada por Borba (2005; 2008) e por Baquero (2001; 2003), bem como a

própria Teoria do Capital Social (também levantada por Baquero[2003]) e a

Teoria da Dependência, levada em consideração por Johnson (2008), possuem

canais de comunicação (ainda que pequenos entre a Teoria da Cultura Política, da

Teoria do Capital Social para com a Teoria da Dependência) capazes de nos

auxiliar nas nossas investigações. O diálogo entre estas teorias, nos permitem

identificar as características históricas da construção das estruturas políticas dos

Estados moldadas pela perspectiva das oligarquias, do clientelismo e do

patrimonialismo, ou seja, por uma perspectiva culturalista; a crítica ao sistema

98

Neoliberal e o contra-ponto ao estado de democracia minimalista e a Teoria da

Escolha Racional.

Voltando para as análises de Johnson (2008) que compreendem os

resultados obtidos pelo Latinobarómetro 2007 na América Latina para estabelecer

uma crítica formal aos Estados autocráticos-burgueses, este autor aponta para uma

permanência das práticas autoritárias dos governos aliados a uma política de união

perversa com os setores econômicos. Esta união impede o crescimento

participativo crítico e, consequentemente, o progresso democrático e cívico das

camadas mais carentes, caracterizando um retrocesso político e, promovendo o

descrédito para com as instituições políticas gerando a apatia política para as

maiorias.

Johnson (2008) apresenta uma tabela como resultado de uma pesquisa

realizada pelo PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento –

entre os anos de 2002 e 2003 e publicada no fim do ano de 2004, na qual foram

entrevistadas 231 lideranças latino-americanas. Fizeram parte deste universo de

231 lideranças, líderes comunitários, líderes sindicalistas, ex-presidentes e

presidentes.

A maioria dos depoimentos teceu elogios aos avanços democráticos, ao mesmo tempo em que consideraram indispensável destacar as causas declaradas que limitam as democracias latino-americanas. Sob a denominação de poderes fáticos, que se referem às instituições que desempenham realmente o poder decisório em âmbito nacional, para além da ordem democrático-institucional (JOHNSON, 2008, p.18).

Vejamos a tabela:

99

Podemos observar que as instituições privadas exercem o poder sobre os

Estados, de acordo com a opinião dos próprios líderes políticos naquela ocasião. É

preciso destacar que este resultado provém das percepções dos dá pelos líderes

Latino-americanos, e que teoricamente se constitue a elite intelectual da região.

Estes números contribuem para reafirmamos o já citado por Faoro (2001;

2006) neste trabalho. Neste caso, o componente socioeconômico influi

diretamente nas tomadas de decisões empregadas pelo Executivo que respaldado

pelas Leis garantem as ações tidas como legais e democráticas. Como sugere

Johnson (2008, p. 16):

Na tentativa de construir uma concepção que reflita as dificuldades das democracias latino-americanas, propôs a denominação de “democracia delegativa”, considerado um estágio intermediário entre os regimes autoritários e uma “democracia institucionalizada consolidada”. Essa modalidade particular se caracteriza pela “baixa densidade institucional”, fortemente influenciada pelo clientelismo, patrimonialismo e corrupção (traços consagrados da cultura política da região em estudo).

Essas medidas consideradas democráticas e legítimas, por estarem

positivadas em forma de Lei, são na verdade o que Faoro (2001; 2006) considera

como ações coercitivas de cunho oligárquico, clientelista e patrimonialista. Na

verdade, seriam essas ações tomadas por decisões unilaterais de grupos

100

econômicos que teriam em suas mãos canais de comunicação efetivas dentro dos

poderes Executivo e Judiciário dos Estados, agindo na contramão de uma política

participativa e coerente.

Os meios de comunicação de massa contribuiriam ainda para a massificação

de informações tidas como “restritas” com a finalidade de pressionar (chantagem)

autoridades, forçando muitas vezes, a tomarem decisões que beneficiem certos

grupos. Um exemplo claro no Brasil poderia ser descrito pela brecha legal e

constitucional exercido com as MPs – Medidas Provisórias – onde o Executivo

legisla sem a intervenção do próprio legislativo, direcionando assim a política de

prioridade para o “Governo”.

Cruzando estas informações com o que a Teoria da Cultura Política propõe,

consideramos que os dados apresentados pelo Latinobarómetro 2007 caracterizam

uma desconfiança acentuada da sociedade para com os Poderes Judiciários,

Partidários e para com os Congressos, caracterizando uma crise de legitimidade

institucional. Vejamos a tabela do Latinobarómetro 2007 que revela a confiança

da população Latino-americana nas Instituições.

Nesta análise, podemos comprovar que apesar de instituições como

Bombeiros 75%, Igreja 74%, e surpreendentemente as Forças Armadas 51%

liderarem o ranking de confiança dos entrevistados, podemos perceber a vantagem

101

que as instituições de mídia (Rádio 56%, Televisão 47%, Periódicos 45% e as

Empresas Privadas 41%) levam no que tange a confiança da sociedade diante das

instituições como o Governo 39%, Tribunal Eleitoral 38%, Poder Judiciário 30%,

Congresso 29% e Partidos Políticos 20%.

Johnson (2008) considera esses números uma prova irrefutável do exercício

de coerção para com a sociedade e para com as estruturas do Estado imposto pelos

lobbys empresariais que tentam ditar as regras do mercado de acordo com os

interesses comerciais.

A involução democrática também reside na crescente influência do mercado nas políticas nacionais, configurando uma tirania dos mercados, em que os oligopólios, empresariais e financeiros, cotidianamente direcionam os governos, enquanto a população vota a cada dois ou três anos. Isto, por sua vez, relaciona-se à tendência dominante de apatia política, que conduz ao retraimento individualista. No âmbito dos meios de comunicação de massas e da indústria cultural, vivencia-se uma concentração oligopolista que dita a agenda e os conteúdos veiculados (JOHNSON, 2008, p. 18).

Por fim, Johnson (2008) conclui suas argumentações afirmando que tais

situações históricas têm debilitado os Estados Latino-americanos para consolidar

a democracia em seus territórios, sendo estas argumentações compartilhadas

também por Borón (1994) e por Baquero (2001). Johnson (2008) ainda destaca

que tais atitudes organizadas pelas corporações empresárias restringem o controle

do Estado pelas estruturas convencionais gerando o que Borón (2002) classifica:

“accountability dos governos”.

102

Considerações finais

Nosso trabalho acerca da apatia política contribui para desvelarmos a

construção histórica do patronato brasileiro, bem como a formação do Estado, das

elites e das massas populacionais, hoje, chamada de povo. A investigação

promoveu uma análise a nível institucionalizado das relações participativas entre

massas, elites e Estado.

Faoro (2001; 2007) contribui para traçarmos a descendência dos costumes

políticos da Coroa portuguesa que viriam a se manifestar entre as elites brasileiras

com o objetivo de se perpetuarem no poder. O autor, também, mostrou-nos a

lógica da dominação legal promovida pelas elites brasileiras, que infiltradas no

interior do Governo (Colônia, Monarquia e República) têm promovido leis que

beneficiam seus interesses (suas necessidades), dificultando assim, o acesso dos

menos favorecidos aos processos democráticos.

Fernandes (2006) mostrou-nos a lógica do poder, da dominação da Coroa

portuguesa, dos senhores de engenho, dos imigrantes. Contribuiu para nos

esclarecer que a primeira lógica de dominação no Brasil Colônia, praticado pelos

senhores de engenho, não era a econômica e sim a do poder simbólico. Apresenta

ainda, o mesmo autor, o processo de estagnação do modelo escravocrata,

indicando o novo rumo que o país iria tomar, largando as amarras históricas que

figurava o senhor de engenho, para a lógica da economia dependente, passando

assim o senhor de engenho a cidadão, a produtor agrário. Fernandes (2006)

mostrou ainda a importância do imigrante europeu na formação industrial e da

participação do imigrante como novo membro de uma elite que segregava as

massas. Fernandes (2006), ainda contribui para explicar a existência do burgo no

Brasil desde os tempos de Colônia, que exercia um papel intermediário nesse

período e que logo após o fim da escravidão e da independência no Brasil viria a

ocupar um papel de destaque na sociedade brasileira ao aliar-se à elite já existente.

Baquero (2001; 2003), Borba (2005; 2008) e Johnson (2006; 2008), nos

auxiliaram a identificarmos a apatia política nas atuais relações de poder que se

manifestam na sociedade e no Governo brasileiro. Assim, dois fatores apontam a

existência da apatia política na atualidade brasileira.

103

O primeiro, o fator histórico, o legado, a herança portuguesa da dominação

imperial e das elites que vieram a se formar no Brasil. O segundo, a crise de

legitimidade representativa que se instaurou no Brasil. Um reflexo histórico da

desconfiança que se formou no imaginário do brasileiro que desencadeou a atual

crise de legitimidade representativa dos políticos e das intuições políticas para

com a sociedade.

Como prova dessas hipóteses, Faoro (2001; 2007) e Fernandes (2006), nos

dão suporte suficiente para apresentarmos, sistematicamente, o contexto histórico,

em parte, responsável pela crise de legitimidade representativa no Brasil e, pelo

desinteresse das massas no processo participativo, desencadeando assim, a apatia

política.

Baquero (2001; 2003), Borba (2005; 2008) e Johnson (2006; 2008),

identificam essa crise da seguinte forma. Johnson (2006; 2008), aponta que tal

crise representativa não é uma exclusividade brasileira, mas um fenômeno

mundial e particularmente característico na América Latina por sermos uma

Nação de economia dependente. Suas análises, realizadas com base nos dados do

PNUD, revelaram que grande parte da população latino-americana confia mais

nas instituições privadas do que nas instituições públicas, estas constituídas pelos

Partidos Políticos, Senado e Executivo.

Baquero (2001; 2003), sinaliza para uma crise de legitimidade política, onde

o indivíduo desmotivado e decepcionado com as políticas participativas estaria

buscando novas formas de fazer valer suas vontades. O autor mostra o alto grau

de associativismo que veio crescendo em Porto Alegre, porém os dados por ele

apresentado mostram a dificuldade em se promover capital social para a

participação política, seja para instituições comunitárias como ONGs, religiosas e

que se agrava quando o foco recai sobre instituições políticas.

Borba (2005; 2008) nos possibilitou estabelecer uma relação entre a

educação e a apatia política. Afirmamos, no decorrer desta análise que a falta de

políticas educacionais seria um fator decisivo para a promoção ou não da apatia

política. Não se pode deixar de mencionar, entretanto, que o fator educação é

apenas um dos fatores que podem contribuir para a promoção da apatia política,

mesmo assim, a falta de políticas educacionais não simboliza e não representa o

104

desejo participativo dos eleitores no processo democrático. Seus dados nos

indicaram ainda, que a participação de letrados e não letrados pode recair também

na condição material de acesso ao local de participação do que propriamente a

pouca escolaridade.

Por fim, consideramos que nossa caminhada nos levou ao esclarecimento de

que as ações empregadas, muitas vezes, de forma coercitiva pelas elites detentoras

do poder, promoveram um estado de vigilância para com aqueles que tentassem

usurpar o poder de suas mãos. Na verdade, tal ameaça por parte das massas nunca

se concretizou, mas as relações das elites nacionais experimentaram diversas

relações de acomodação embaladas pelas oscilações da conjuntura internacional.

Revelou-se ainda, uma política discriminatória das elites para com as massas, que

marginalizadas pelos diversos códigos legais sofrem com o distanciamento do

público promovendo o desinteresse participativo.

Em síntese, pode-se afirmar que a promoção de capital social demanda

acima de tudo vontade política. O atual quadro de crise para com as instituições

representativas tem mostrado que a sociedade se organiza, muitas vezes, de forma

não institucional, ou seja, não pelas mãos do Estado, mas em regimes de

associativismo, buscando assim, o reconhecimento de suas necessidades pelo

Estado. Configura-se assim, uma mudança de hábito político, que apesar de

representar pouco capital social tem se mantido. Esperamos que os poucos

movimentos e reações aglutinem forças e que a vontade participativa descambe

para uma inebriante comoção coletiva dos direitos sociais e políticos mais

igualitários, rompendo com o atual estado de apatia política que se instalou em

nossa sociedade.

105

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