ao se - universidade de são paulo · para curtir um filme. 0 cinema me ... na fabrica de sapatos....

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Darcy Ribeiro e antrop61ogo e romancista. Foi 0 criador da Universidade de Brasilia e Ministro da Educac;ao. E autor do romance Maira, onde nos da sua visao da problematica do indio brasileiro. Apesar de extrema mente ocu- pado, acedeu ao nosso pedido de entre vista, levado por seu profundo interes- se pela educac;ao do povo brasileiro. o meu curso primario, no grupo escolar, foi muito bom. Eu tive profes- sores muito competentes. Mas 0 curso ginasial foi pessimo! Eram uns padres bel gas que davam aulas, recrutando gente da terra, todos auto-didatas. Eu fiz 0 curso ginasial em Montes Claros, minha cidade, uma cidadezinha de 5 mil habitantes, naquelas eras pris- cas em que eu era crianya e 0 que eu me lembro das aulas de Ciencias e na- da. Naquela epoca nao havia enfase em Ciencias, ainda nao havia a valori- zayao que a gente da hoje a Ciencia. Na verdade, eu aprendi Ciencias no ci- nema. Apesar de ser cinema mudo e em branco e preto. Mas 0 cinema foi uma janela que me mostrou 0 mundo. Eu ia encantado! Fazia qualquer coisa para curtir um filme. 0 cinema me mostrava paixoes humanas, coisas in- confessaveis, dramas .. 0 cinema me ensinou muito mais do que 0 meu curso ginasial. Eo que a escola era muito ruim mesmo. Realmente eu s6 fui ter conheci- mento de Ciencias, enfrentar Ciencias, quando fui fazer 0 Pre-Medico, para a Faculdade de Medicina de Minas Ge- rais, e que era equivalente aos dois ul- timos anos do secundario dehoje. Ai sim, eu tive bons professores e guardo daquela epoca uma serie de nOyoesde Biologia, de Genetica, de Quimica, Fi- sica, assim como guardo horror a Ma- tematica. Porque eu tomava bomba em Matematica todo ano. Nesse tempo eu tinha 19 anos e queria me suicidar. Eu tenho um diario e, em cada tres pagi- nas, esta escrito assim: "Eu nao decidi que ia nascer, agora tenho que decidir se vou viver". Ter 19 anos e um perigo. o sentimento tragico da vidaea capa- cidade de fazer coisas fatais e total! E eu ate sabia que era mais inteli- gente que os meus colegas e eles pas- savam de ana e eu nao passava. Mas acontece que eu tinha vindo do interior e estava descobrindo 0 mundo. Eu ti- nha descoberto, por exemplo, depois de pouco tempo que eu cheguei a Belo Horizonte, com 17 anos, que na Grecia tinha gente muito mais inteligente que em Montes Claros e ate que em Belo Horizonte. Entao eu comecei a estudar. Fui fazer cursos na Faculdade de Filo- sofia, fazia curso na Faculdade de Di- reito, escrevi um romance de 300 pagi- nas e, como estudante de Medicina to- mava bomba e queria me suicidar. o ensino de Ciencias que eu tive no ginasio foi nada. Mas 0 do Pre-Me- dico foi importante na minha vida. A nOyaoque eu tenho de Ciencia, 0 apre- yO que tenho pela Ciencia, 0 meu em- penho em fazer uma Universidade para a Ciencia, que foi a Universidade de Brasilia, a minha identificayao com a SBPC, tudo se deve a esse periodo. Nada me lembro do periodo anterior, que foi ha muitos anos atras, pois eu me formei em 1938. Mas eu creio que a escola pode ser boa. Eu organizei 0 ClEM de Brasi- lia. Quando eu formava a Universidade de Brasilia pensei numa Faculdade de Educayao que tivesse como objetivo recuperar a educayao, preparar pro- fessores decentes. E gente como 0 Isaias Raw me ajudou bastante e muita gente mais. Essa Faculdade de Educa- yao tinha por base uma escola prima- ria e media experimental, que era uma escola de demonstrayao: 0 ClEM - Centro Integrado de Educayao Media. Esse centro foi organizado pelo Lauro de Oliveira Lima, que eu importei do Ceara. Ele estava interessado em ensi- no de nivel medio e sabia fazerisso, pois organizou uma escola de nivel medio com excelente ensino de Cien- cias, excelente ensino em geral. E sac escolas como essa que faltam no Bra- sil: escolas de demonstrayao. Porque Educayao, principal mente 0 ensino de Ciencias, nao pode ser um discurso de dizer como se faz. Tem que mostrar fa- zendo. 0 menino tem que ver, fazer ex- perimentos e 0 professor tem que aprender com outro professor. Ciencia e 0 ultimo oficio artesa- nal do mundo. 0 cientista tem varias caracteristicas especiais: e uma profis- sao recente, doida, porque noventa por cento dos cientistas vive da fama e do prestigio da Ciencia, mas nao dao nada para ela. E isso e da natureza da Cien- cia, que e 0 ultimo reino da irracionali- dade. Ela, por natureza, e irracional. S6 um louco tomaria por tarefa organi- zar a pesquisa cientifica: 25 mil vao es- tudar cancer, 47 mil vao estudar enfar- te do miocardio. Entao, tem que deixar todo mundo fazendo coisa duplicativa, porque voce nao sabe nunca onde e que vai estar 0 saito do conhecimento. E nao importa tambem que nao descu- bram nada. 0 que importa e que se faz pesquisa aprendendo com outro pes- quisador. Antigamente s6 se formava sapateiro quem aprendesse com outro sapateiro durante uns oito anos. Tinha que aprender a curtir 0 couro, costurar o couro, etc. Hoje em dia, cada um aprende a fazer uma parte do sapato na fabrica de sapatos. Mas, com Cien- cia, nao se pode fazer isso. Entao Cien- cia e 0 ultimo oficio artesanal do mun- do: um aprende com 0 outro. Eo s6 ver os Premios Nobel de Ciencia: fulano foi discipulo de fulano, beltrano foi disci- pulo de beltrano. No fundo, fazer Cien- cia e uma atividade pouco imaginativa, o cientista fica concentrado durante ho- ras em uma coisa muito pequenina. Mas isso e da natureza da Ciencia, vo- ce nao sabe nunca onde e que vai sal- tar 0 conhecimento.

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Darcy Ribeiro e antrop61ogo e romancista. Foi 0 criador da Universidadede Brasilia e Ministro da Educac;ao. E autor do romance Maira, onde nos dasua visao da problematica do indio brasileiro. Apesar de extrema mente ocu-pado, acedeu ao nosso pedido de entre vista, levado por seu profundo interes-se pela educac;ao do povo brasileiro.

o meu curso primario, no grupoescolar, foi muito bom. Eu tive profes-sores muito competentes. Mas 0 cursoginasial foi pessimo! Eram uns padresbelgas que davam aulas, recrutandogente da terra, todos auto-didatas.

Eu fiz 0 curso ginasial em MontesClaros, minha cidade, uma cidadezinhade 5 mil habitantes, naquelas eras pris-cas em que eu era crianya e 0 que eume lembro das aulas de Ciencias e na-da. Naquela epoca nao havia enfaseem Ciencias, ainda nao havia a valori-zayao que a gente da hoje a Ciencia.Na verdade, eu aprendi Ciencias no ci-nema. Apesar de ser cinema mudo eem branco e preto. Mas 0 cinema foiuma janela que me mostrou 0 mundo.Eu ia encantado! Fazia qualquer coisapara curtir um filme. 0 cinema memostrava paixoes humanas, coisas in-confessaveis, dramas .. 0 cinema meensinou muito mais do que 0 meu cursoginasial. Eo que a escola era muito ruimmesmo.

Realmente eu s6 fui ter conheci-mento de Ciencias, enfrentar Ciencias,quando fui fazer 0 Pre-Medico, para aFaculdade de Medicina de Minas Ge-rais, e que era equivalente aos dois ul-timos anos do secundario dehoje. Aisim, eu tive bons professores e guardodaquela epoca uma serie de nOyoesdeBiologia, de Genetica, de Quimica, Fi-sica, assim como guardo horror a Ma-tematica. Porque eu tomava bomba emMatematica todo ano. Nesse tempo eutinha 19 anos e queria me suicidar. Eutenho um diario e, em cada tres pagi-nas, esta escrito assim: "Eu nao decidique ia nascer, agora tenho que decidirse vou viver". Ter 19anos e um perigo.o sentimento tragico da vida e a capa-cidade de fazer coisas fatais e total!

E eu ate sabia que era mais inteli-gente que os meus colegas e eles pas-savam de ana e eu nao passava. Masacontece que eu tinha vindo do interiore estava descobrindo 0 mundo. Eu ti-nha descoberto, por exemplo, depoisde pouco tempo que eu cheguei a BeloHorizonte, com 17 anos, que na Greciatinha gente muito mais inteligente queem Montes Claros e ate que em BeloHorizonte. Entao eu comecei a estudar.Fui fazer cursos na Faculdade de Filo-sofia, fazia curso na Faculdade de Di-reito, escrevi um romance de 300 pagi-nas e, como estudante de Medicina to-mava bomba e queria me suicidar.

o ensino de Ciencias que eu tiveno ginasio foi nada. Mas 0 do Pre-Me-dico foi importante na minha vida. AnOyaoque eu tenho de Ciencia, 0 apre-yO que tenho pela Ciencia, 0 meu em-penho em fazer uma Universidade paraa Ciencia, que foi a Universidade deBrasilia, a minha identificayao com aSBPC, tudo se deve a esse periodo.Nada me lembro do periodo anterior,que foi ha muitos anos atras, pois eume formei em 1938.

Mas eu creio que a escola podeser boa. Eu organizei 0 ClEM de Brasi-lia. Quando eu formava a Universidadede Brasilia pensei numa Faculdade deEducayao que tivesse como objetivorecuperar a educayao, preparar pro-fessores decentes. E gente como 0Isaias Raw me ajudou bastante e muitagente mais. Essa Faculdade de Educa-yao tinha por base uma escola prima-ria e media experimental, que era umaescola de demonstrayao: 0 ClEM -Centro Integrado de Educayao Media.

Esse centro foi organizado pelo Laurode Oliveira Lima, que eu importei doCeara. Ele estava interessado em ensi-no de nivel medio e sabia fazer isso,pois organizou uma escola de nivelmedio com excelente ensino de Cien-cias, excelente ensino em geral. E sacescolas como essa que faltam no Bra-sil: escolas de demonstrayao. PorqueEducayao, principal mente 0 ensino deCiencias, nao pode ser um discurso dedizer como se faz. Tem que mostrar fa-zendo. 0 menino tem que ver, fazer ex-perimentos e 0 professor tem queaprender com outro professor.

Ciencia e 0 ultimo oficio artesa-nal do mundo. 0 cientista tem variascaracteristicas especiais: e uma profis-sao recente, doida, porque noventa porcento dos cientistas vive da fama e doprestigio da Ciencia, mas nao dao nadapara ela. E isso e da natureza da Cien-cia, que e 0 ultimo reino da irracionali-dade. Ela, por natureza, e irracional.S6 um louco tomaria por tarefa organi-zar a pesquisa cientifica: 25 mil vao es-tudar cancer, 47 mil vao estudar enfar-te do miocardio. Entao, tem que deixartodo mundo fazendo coisa duplicativa,porque voce nao sabe nunca onde eque vai estar 0 saito do conhecimento.E nao importa tambem que nao descu-bram nada. 0 que importa e que se fazpesquisa aprendendo com outro pes-quisador. Antigamente s6 se formavasapateiro quem aprendesse com outrosapateiro durante uns oito anos. Tinhaque aprender a curtir 0 couro, costuraro couro, etc. Hoje em dia, cada umaprende a fazer uma parte do sapatona fabrica de sapatos. Mas, com Cien-cia, nao se pode fazer isso. Entao Cien-cia e 0 ultimo oficio artesanal do mun-do: um aprende com 0 outro. Eo s6 veros Premios Nobel de Ciencia: fulano foidiscipulo de fulano, beltrano foi disci-pulo de beltrano. No fundo, fazer Cien-cia e uma atividade pouco imaginativa,o cientista fica concentrado durante ho-ras em uma coisa muito pequenina.Mas isso e da natureza da Ciencia, vo-ce nao sabe nunca onde e que vai sal-tar 0 conhecimento.

A Cii'mcia tem uma importanciadecisiva para a vida humana. A Iingua-gem da civilizac;ao moderna e a Cii'm-cia e quem nao domina essa lingua-gem esta marginalizado. No passado,a voz da Universidade era a Teologia.Hoje e a Ciencia. E e 0 diabo um paiscomo 0 Brasil em que a Ciencia estafalsificada: 0 professor faz de contaque ensina e 0 aluno faz de conta queaprende. E uma brincadeira perigosaporque, nao dominando a Ciencia e aTecnologia, que sac os principais ace-leradores da hist6ria, nosso pais estacondenado a ser um pais de segundaclasse, sempre. E isso nos preocupamuito. E a Ciencia nao e importante s6na Universidade. Ela e tambem impor-tante no primeiro grau, no segundograu.

Quando eu era Ministro da Educa-c;ao,0 Isaias Raw e que me orientava.Foi quem promoveu a publicac;ao dosprimeiros livros de boa qualidade parao ensino de Ciencias no secundario noBrasil. Um ensino voltado para a expe-rimentac;ao, que e essencial para a for-mac;aodo cientista. Porque 0 cientistae alguem treinado para trabalhar nafronteira do saber e pode fazer coisasgeniais. Em geral torna-se infecundodepois dos 28 anos, porque, em Cien-cias e Matematica, a criatividade de-cresce muito cedo. Depois disso, elepode aprender erudic;ao, pode pensar,pode ensinar. Ciencia e assim em nos-sa civilizac;ao. Assim como era a Teo-logia no passado, embora a Teologiativesse uma posic;ao etica um pouqui-nho melhor. Ambas sao atividades"master" de civilizac;6es.

Agora, no ensino de 1° grau -que nunca jamais deveria ter oito se-ries, isso e uma besteira, ninguem de-mora tanto tempo para aprender aque-la bobagem toda (esse ensino deveriater primeiro seis series, dos 6. aos12 anos, e depois mais 6 series, dos 12aos 18 anos, formando dais blocos ter-minais) - as professores deveriamdar, no primeiro bloco, uma ideia domundo e a descric;ao do mundo queexiste hoje e a descriyao da Ciencia.Ela tem que ser dada primeiro num ni-vfll, para as seis primeiras series e de-pois em um nivel um pouco mais alto,nas seis series seguintes. E esse dis-curso da Ciencia e necessario devido aum atraso· nosso. Eu YOU explicar.Olha, a sua camisa, par exemplo. Elatem 14 mil anos, isto e, a tecnica detecer tem essa idade. Agora, a coisamais velha que temos e a Iinguagem.

As Iinguas tem 100 mil anos com a es-trutura que conhecemos. E a lingua e 0principal impedimenta de pensar, por-que ela e arbitraria. A palavra paramesa podia servir para mao, a palavrapara mae podia servir para bunda. En-tao e uma loucura. Temos que pensarcom um instrumento muito ruim. Emcada lingua, as coisas tem nomes dife-rentes. Cada arvore, um pe de pau, umbicho, tem nomes diferentes. Agora, aCiencia precisa dar nomes as coisas.Entao e precise aprender esses na-mes, e preciso ter a capacidade de no-minar a mundo, atuar no mundo e sa-ber das reac;6es que se pode esperarde cada ayao sabre a natureza. Issotem que ser dado num nivel terminal,ate a 6" serie e, em outro nivel, ate a12" serie.

Entao, todo esforc;o que n6s fize-mos junto com a Isaias Raw, com publi-cac;6es e valorizando a experimenta-c;ao,foi no sentido de mostrar 0 mundocomo objeto de fazimento, de desafio ede compreensao. Ciencia e a tecnicade resolver problemas. Entao, vocetem que ter a capacidade de formularproblemas e tentar resolver 0 proble-ma, nao por especulayao mental, mastentar na observayao do mundo eatuando sobre 0 mundo. Isso e que eatividade cientifica. E criar pessoas ca-pazes de fazer isso, despertar nelas ainteresse por isso, e 0 que e a ativida-de basica da Educac;ao.Acho que issoe feito no Brasil, mas 0 diabo e que aescola brasileira e uma escola classis-ta, e uma escola particular, para as ri-

cos que conseguem ir para a Universi-dade, de grac;a. Agora, a escola publi-ca e uma escola de merda, que caiu aum nivel tremendo. Mas n6s podemosdar a educac;ao popular a qualidadeque a escola dos ricos tem. E a que ten-tamos fazer com os Centros Integradosde Educac;ao Popular no Rio de Janei-ro. 0 que se pretende com esses cen-tros e dar a escola brasileira a que to-das as crianc;as do mundo tem. E taosomente isso. Nos paises desenvolvi-dos, as crianc;as entram na escola demanha e saem a tardinha: comem naescola, brincam na escola, fazem es-porte, tomam banho e tambem estu-dam na escola. Ninguem sup6e queelas vao estudar em casa, que elas po-dem fazer exercicios em casa. 0 gran-de defeito da educayao brasileira, a ta-ra da educac;ao brasileira, e que ela

~ esta aferida para 0 menino de classe.g' media, que nao precisa da escola e ela~ e considerada como nao pr6pria para a::;: .menino popular. Entao, a educac;aojo-a: ga fora 80% da sua clientela, e ainda

acusa a crianya pobre do seu fracassona escola, porque essa educac;ao naose adapta a ela. Essa educac;ao quen6s temos se adapta as crinayas que javem de casa muito bem preparadas eque, a rigor, nem precisariam da esco-la.

A finalidade maior da escola nasseis primeiras series seria a de ensi-nar a ler e escrever. Na Franc;a,ha 4 a 5horas de frances para 1 hora de qual-quer outra coisa, incluindo Matematicae Ciencias. A crianc;a francesa sai daescola sabendo ler um anuncio de jor-nal e escrever cartas. Entao, voce temque alcanc;ar esse objetivo, que e amodo da crianc;a se adequar a uma so-ciedade letrada onde a comunicac;aose da por escrito. Quem sabe ler numafabrica, progride, quem nao sabe ficavarrendo calc;ada. Portanto, um objeti-vo e esse: ensinar a ler e escrever. Aescola tem tambem outros objetivosnas seis primeiras series. Por exem-plo, fazer com que a crianc;a alcanceuma coordenac;ao motora atraves deexercicios. Outro objetivo e dar ascrianc;as uma informac;ao rica, comple-ta, em cada setor. 0 menino deve teruma imagem do mundo, que, atual-mente, e a cientifica. Essa imagem temque ser comunicada naquele nivel.

As descobertas cientificas impor-tantes se difundem em torno da lingua-gem. Os micr6bios foram descobertospor Pasteur no seculo passado e hojetodo mundo sabe a que e um micr6bio,Entao, essas noc;oesfundamentais po-dem ser comunicadas. E importante

dar uma ideia funcional das coisas, sa-ber 0 que sac vacinas, por exemplo, is-so a escola pode muito bem. Agora,nos CIEPS nao tem laborat6rio. Issoseria demais para as crian<;:as. Naoprecisa laborat6rio. 0 que precisa etem, sac conjuntos que permitem aoprofessor dar certas no<;:oes,0 que pre-cisa sac objetos, Iivros, revistas, figu-ras, para que a crian<;:aaprenda. Ago-ra, pode ter um microsc6pio para que acrian<;:aveja 0 infinitamente pequenoou uma luneta, para ver 0 distante, ouuma caixinha com reagentes quimicose outras coisas. Esses sac macetesbons para interessar a crian<;:a.

Nos CIEPS nao tem "pesquisa"nenhuma. Para mim e uma mania dospares da CiElnciade s6 quererem falarem pesquisa. Ate os meninos de nivelprimario fazem "pesquisa" recortandofigurinhas de revista para colar numpapel. Isso e besteira! Pesquisa e paraquem e capaz de formular problemas,capaz de imaginar estrategias para re-solver os problemas. Estudar e umapalavra mais simples mas, como aCiElncia tem um certo prestigio, todomundo cai na onda de brincar de fazer"pesquisa" com a crian<;:ada escolaprimaria.

Meu recado final e uma coisa in-tempestiva. E uma ideia que guardo nopeito comigo, que eu tenho toda con-vic<;:aointelectual que e uma verdade,embora talvez muitos nao .concordemcomigo. Eu acho que ha perfis intelec-tuais diferentes. Ha pessoas que temum perfil mais compreensivel, que saccapazes de tratar de coisas que exi-gem compreensao, enquanto outrastem pendor literario ou artistico, outrasum pendor matematico. Entao eu achoque e uma barbaridade que 0 professorde Matematica possa ser um ditador naescola e que possa estragar a vida deuma crian<;:a.Acho isso uma barbarida-de! E terrivel que a crian<;:atenha queter uma media para passar e que exi-jam uma nota minima em Matematica.Eu acho que cada menino deve "co-mer" 0 que pode "comer", nas seisprimeiras series. Ele poderia estar na6' serie em Portugues, por exemplo,fazendo a 2' serie em Matematica ouao contra rio, tanto faz. Porque a crian-<;:ade vez em quando tem um estalo eaprende as coisas ou entao tem umbloqueio e ninguem sabe por que ca-minho se da 0 estalo. Eu acho que naopode haver essa ditadura da Matemati-ca. 0 professor de Matematica geral-mente e muito severo, muito fechadoem suas equa<;:oese 0 menino que nao

aprendeu aquilo pra ele nao presta,nao serve. Eu proibiria os professoresde darem bomba. Porque isso matamuita gente de talento e tem ate 0 po-der de paralizar uma carreira. Eu tenhouma convic<;:aomuito grande disso.

Eu, como Ministro da Educa<;:ao,estimulei muito a Matematica modernae com isso estragou-se uma gera<;:aoou duas de meninos tentando aprenderessa Matematica que ja foi abandona-da na Fran<;:ae nos Estados Unidos. Foiuma Matematica que virou moda, comovirou moda tirar as amigdalas de todomundo. Porque 0 ensino e muito sujeitoa modas. Entao a Matematica Modernae uma moda que me arrependo de terincentivado, de ter dado estimulo comoautoridade. Acho que era muito melhora tabuada, melhor as outras formas deensi no, pergunte ao professor IsaiasRaw. Ainda bem que ajudei 0 Isaias apublica tambem um bom livro de Mate-matica.

o utra coisa que eu acho e 0 se-guinte: a Ciencia e eticamente irres-ponsavel, e amoral. Voce nao pode pe-dir a Ciencia que s6 aceite como co-nhecimento 0 que e decente. Ao cien-tista e que cabe ter etica e, aparente-mente, ele nao tem etica nenhuma, ha-ja vista a quantidade de cientistas queaceitam emprego para fazer bombasquimicas. 0 cientista, entao, e que de-ve ser chamado a pensar em seus de-veres para com a comunidade. A Cien-cia nao. A Ciencia e uma forma comque a humanidade conta para definirproblemas e encontrar estrategias pa-ra resolver os problemas. Isso e Cien-cia. E toda resposta da Ciencia e provi-s6ria pela sua natureza.

Ainda que um menino nao venhaa ser cientista, ele pode aprender a re-solver problemas, porque 0 metodocientifico e um instrumento que todospodem aprender. Ele pode aprender emedir, aferir, e importante todos terem'esses instrumentos de qualifica<;:ao equantifica9ao.

Infelizmente nossa escola ainda eruim. E uma escola contra 0 povo. Issoporque n6s temos uma classe domi-nante atrasada. N6s fomos 0 ultimopais do mundo a abolir a escravidao. Aessa classe media de descendentes desenhores de escravos, se somou umcorpo de gerentes de empresas es-trangeiras. Nossa classe dominantenao tem nenhum interesse em educa-<;:aopopular.

Hermano Penna,cineasta, autor devarios documentarios sobre a proble-matica indigenista e sobre a culturabrasileira. Dirigiu os fUmes "SargentoGetulio" e "Fronteira das Almas", pre-miados em varios paises. Filho da Uni-versidade de Brasilia, onde adquiriuconhecimento amplo e diversificado, eestudioso e divulgador da cultura bra-sileira e dos problemas do nosso povo,temas de seus inumeros trabalhos.

As recorda90es pessoais que te-nho das aulas de Ciencias no 19 e 29

graus sac pessimas. Acho que fui viti-ma de um colegio onde 0 ensino deCiencias era muito maltratado. Ja asCiencias Humanas nao, as aulas eramboas e eu gostava muito. Mas, as Cien-cias Exatas, eram relegadas.

Desde 0 ginasio, as aulas de Bio-logia, Fisica e Quimica, ja eram sepa-radas e uma nao tinha nada a ver comas outras. Quimica e Fisica nao entra-yam na minha cabe<;:a.Era teoria pura,sem um unico experimento, nada emque os alunos pudessem ver um feno-meno e refletir sobre ele. 0 que apren-diamos eram equa90es infernais, f6r-mulas matematicas, problemas e r:naisproblemas cabeludos que a gente tinhaque resolver, e 0 professor nunca saiadisso. Eu ficava furioso por nao conse-guir penetrar nessa area que eu acha-va que tinha tudo a ver com 0 mundo,tinha toda uma rela<;:aocom as coisasda vida. Isso acontecia com todos osmeus colegas e acredito que era devi-do ao ensino. A comunica<;:aodos pro-fessores com os alunos era extrema-mente dificil. 0 professor de Biologia,por exemplo, usava um Iivro de cento e-tantas paginas que ele acompanhavaliteral mente e tinha que chegar a ulti-ma pagina no fim do ano. Entao ele cor-ria disparado, era uma corrida contra 0tempo. Um dia era raiz, 0 outro eracaule, tudo muito estanque e abstrato.

Talvez 0 meu colegio em particu-lar fosse assim. Eu me lembro quehouve tentativas de mudan<;:a.Uma vezentrou para lecionar no colegio umprofessor que pediu pra gente trazerplantas para a classe. Trazer flor, folhi-nha, raizes, frutos. Ai foi uma anarquiageral. 0 colegio inteiro comeyou a falarque era bicha e 0 apelido do coitadoficou Professor Rodoficia. Ele pediu pragente trazer plantas uma vez e nada,duas vezes e nada, tres vezes. Ai agente resolveu levar tudo 0 que encon-trow e cobrimos a mesa com folhas debananeira, raizes de mandioca, cachosde banana, etc. Eusei que em outro co-legio ele fazia esse' trabalho direitinho.Ele ate mostrou os albuns dos alunoscom as folhas coladinhas no papel.Mas, no meu colegio, foi pura perda detempo.

Eo assim, que eu lembro do ensinode Ciencias. So lamento que, desse jei-to, ficou completamente perdido paramim esse magnifico instrumento que eo conhecimento do mundo natural. E eusinto muito a falta desse conhecimen-to.

E claro que, como consequencia,o estudo de Ciencias nao teve nenhumpapel na minha vida. De Fisica e Qui-mica nao ficou absolutamente nada. Enem de Biologia, tando que nao seinem localizar um orgao no meu corpo.Isso e uma tragedia, porque nao consi-go falar com 0 medico. E olhe que umavez eu fiquei de 2· epoca em Biologiae, e claro, cai na praia em Salvador.Perto da prova, decorei 0 livro todo etirei nota 10. So que, um mes depois,eu nao sabia mais nada. Entao da nissoai; como e que pode uma pessoa, naminha idade, nao saber se comunicarcom 0 medico? Ele pergunta: "Ooi 0 fi-gado?" e eu nao sei se 0 figado fica dolade esquerdo ou direito.

o ensino de Ciencias e Impor-tante, eu sei que e importante para quese possa entender 0 Universo, 0 fun-cionamento da maquina humana. Eo im-portante para se ter uma formac,:aoarespeito da materialidade das coisas edos fenomenos e saber que estamosenvolvidos nisso tudo, que depende-mos da natureza. Eo muito importantesaber que 0 homem faz parte da natu-reza, isso e fundamental. Eu acreditoque uma das dificuldades das pessoasestarem no mundo hoje e 0 medo, quetalvez fosse superado com essa visaoda ligac,:aodo homem com a natureza.Eo precise compreender que a historiahumana e uma pequena parte de umahistoria mais ampla, a historia natural.

Eu acho que faz muita falta esse conhe-cimento. Ela traz consequencias para avida, para 0 comportamento dos ho-mens. 0 desprezo a natureza, 0 des-prezo a vida, 0 desconhecimento doque significa 0 que fazemos com os re-cursos naturais, tudo isso e falta de for-mac,:aoem Ciencias. A Ciencia, na es-cola, e passada (ou era) como uma coi-sa total mente sem importancia para avida.

o homem e um ser que busca,que luta contra 0 acaso, que se revoltacontra seus limites naturais, contra amorte. Os gregos tentaram criar umacultura em que 0 homem aceitasse 0limite do humano; para os gregos,quando 0 homem tenta chegar ao limi-te do divino, que e a eternidade, ele eIiquidado pelos deuses ou enlouquece.Mas 0 homem jamais deixou ou deixa-ra de ser urn rebelde e 0 conhecimentopode ajudar a superar a angustia, 0acaso. Eo precise que todos entendamque a vida e uma das forc,:asmais fra-geis do Universo que pode muito bempassar sem ela. A eliminac,:aodo senti-mento neurotico sobre a morte podeser conseguida at raves do conheci-mento, inclusive 0 cientifico. A neurosedo envelhecimento e da morte e umadas neuroses grandes da nossa cultu-ra. 0 indio nao tern essa angustia, poisurn velho bororo, quando chega um de-terminado momento, sabe que vai mor-rer e vai morrer dentro da floresta. Te-mos que superar as nossas perdas denao viver mais na f10restae isso so se-ra possivel atraves do conhecimento.

Acho necessario repensar 0 en-sino de Ciencias ever 0 que se quercom ele. Eo so conhecimento que sequer ou deveriamos atingir a propriarelac,:ao do homem com a vida, seu

comportamento, sua compreensao glo-bal de seu estar no mundo? Nao e pos-sivel que um professor de Fisica naoconsiga mostrar que a Fisica transfor-mou a relac,:aodo homem com 0 mun-do. A gente precisa ler livros comple-xos para saber isso e isso deveria es-tar no dia-a-dia das pessoas..0 conhe-cimento cientifico mudou tudo nos ulti-mos anos e parece que isso nao cheganunca a escola.

o ensino de Ciemcias no Brasil,atualmente, e vital. Justamente porsermos um pais de analfabetos e po-bres, devemos fazer um esforc,:omuitogrande para repensar 0 significado doensino e modificar as relac,:6esde ensi-no-aprendizagem.

Por que e que se queimam flores-tas neste pais, principal mente na Ama-zonia? Eo porque 0 homem que esta ladesconhece 0 que significa a florestaem termos economicos, nao sabe 0 va-lor das arvores. Eu entrevistei um ho-mem que estava cortando uma casta-nheira e ele nem sabia que arvore eraaquela. Pra .ele e tudo a mesma coisa,todas as arvores impedem que eletransforme a floresta num campo igual-zinho ao do Rio Grande do SuI. Ele medisse: "0 Senhor pode voltar aqui da-qui a tres anos e vai ver isso aquiigualzinho ao sitio que eu tinha noSui". Esse e 0 homem que esta naAmazonia.

Acho que desde a infancia e im-portante aprender Ciencias. Se 0 ensi-no for bem feito, ajudara a crianc,:aacompreender 0 mundo em que ela vive.A cultura projeta 0 futuro. A Ciencia,quando tratada como cultura 0 imaginae projeta 0 futuro e cria as utopias. En-tao, e claro que ela e fundamental des-de a infancia.

E precise lembrar que a Ciencianao e feita so de observac,:aodos feno-menos naturais. E feita de muita cria-c,:aoe e tambem muito poetica. Oifereda Arte porque precisa de comprova-c,:ao,enquanto que a Arte goza de umcerto estatuto de irresponsabi 1idadeperante 0 real. 0 conhecimento cienti-fico e fundamental, para todo mundo,ate mesmo para 0 artista. A Arte temraizes na Ciencia. Ela muda conformea Ciencia muda.

Se bem feito, 0 ensino de Cienciassem duvida trara consequencias so-ciais, porque um homem capaz de sesituar perante a natureza com certezatrara novos rumos para a sociedade.Mas esse ensino tem que ter relac,:aocom a vida. 0 erro foi desligar a Cien-cia da vida. Acho que religar e 0 pro-grama.

Jose Leite Lopes e diretor doCBPF - Centro Brasileiro de Pesqui-sas Fisicas, no Rio de Janeiro. A/em dese dedicar a pesquisa em Fisica, es-creveu varios livros que analisam aCiencia no Brasil frente a sua realida-de atua/ e a sua Hist6ria. Foi 0 profes-sor na antiga Universidade do Brasil,no Rio de Janeiro e na Universidade deEstrasburgo, Frant;a.

Tenho recordayoes muito boasdo meu curso secundario. 0 curso pri-mario eu fiz em casa. Foi em 1930 queiniciei 0 secundario, que terminei em1934, eu acho, ja nao me lembro direi-to. Estudei em Recife, num colE3giodeIrmaos Maristas, 0 ColE3gioSao Luiz,que, na epoca, era muito bom, dava aoestudante uma formayaO humanisticaexcelente. Tenho otimas recordayoesdesse tempo. Me lembro que gostavaimensamente do professor de Portu-gues. Adorava gramtltica historica.Mas quem mais me atraiu foi 0 profes-sor de Quimica, um velhinho chamadoIrmao Pacemio. Ele dava aulas teoricase fazia experiencias que me encanta-vam e me atrairam, atraves da Quimi-ca, para as ciencias da natureza. Eramexperiencias com tubinhos, reayoesquimicas e eu achava gostosissimo verum tubo com um Iiquido transparente eoutro tubo com outro Iiquido e, quandoele juntava os dois Iiquidos, saia aque-Ie tloco e precipitava vermelho. Tam-bem ficava encantado com as cores,com aquele azul do sulfato de cobre. Aieu comecei a comprar produtos quimi-cos e tambem consegui muitos produ-tos com meu tio, que tinha uma farma-cia. Entao montei um pequeno labora-torio de Quimica em casa. Depois, eutive conhecimento, atraves do meu pai,de uma revista de Quimica de Sao Pau-lo, acho que era Quimica e Industria 0nome dessa revista, onde eu ate publi-quei um artigo chamado "Filosofia doAtomo".

Quando eu terminei 0 curso se-cundario, decidi fazer 0 curso de Qui-mica Industrial que havia no Recife. 0Estado de Pernambuco e uma zona ca-navieira, com muitas usinas de ayucar,e havia uma lei que obrigava as usinasa terem um quimico. Entao, fazendo 0curso de Quimica, eu pensava que logoteria um emprego. Mas, nesse curso,logo no primeiro ano, eu tive um pro-fessor de Fisica extraordinario, um dosmelhores do Brasil, 0 Professor LuizFreire e ai fui atraido pela Fisica. Jaestava, entao, com 17para 18anos.

Mas, no secundario, eu tambem ti-ve muita atrayaO por pedras, que euachava fabulosas. Vivia levando pe-dras para casa: 0 granite granatifero,um granite cheio de pontinhos lindos;as hematitas de ferro e os quartzos ro-seos, tudo eu levava para casa e de-pois para a escola. 0 professor Pace-mio classificava, me dizia 0 que era.Entao, eu gostava mesmo de Quimica ede pedras. Biologia eu nao gostavamuito.

Por tudo 0 que contei ate agora,acho que nao ha duvidas de que 0 estu-do de Ciencias foi um fator decisive naminha vida, Matematica tambem, eugostava muito, apesar do professornao ter side particularmente espetacu-lar. Mas eu sempre tive sede de culturae, ao lade da Ciencia, eu gostava muitode Historia. Assim, sai do secundariocom uma formayao humanistica que euguardo ate hoje.

Na minha opiniao, 0 objetivomaior do ensino de Ciencias e dar aojovem estudante uma formayaO basica,nao especializada. Eo necessario dar osfundamentos das disciplinas. Agora, 0professor precisa ser um pouco ator deteatro e eu aprendi isso com Feyn-mann, que foi um grande fisico. 0 pro-fessor tem que dar aulas facilitando, fa-

zendo gestos, comparayoes, paraatrair 0 estudante. Ao mesmo tempo,deve intercalar observayoes de caratergeral, humanisticas. Entao, eu achoque 0 estudante tem que ter, ate mes-mo na Universidade, uma formayaO ba-sica que inclua Filosofia, Sociologia,Politica, junto com os fundamentos daCiencia. Mesmo porque, profissio-nalmente, se voce se especializa numso setor e depois para, voce nao sabemudar para outro. Nao se pode ficarespecializado numa s6 area, s6 fazertrabalhos na sua tese e dali nao sair.Eu acho isso um absurdo. No Brasil,como na Franya, ha um grande precon-ceito entre os cientistas de so valorizara pesquisa, mas eu acho que a pesqui-sa e indissociavel do ensino porquenao se pode a vida inteira ter ideias no-vas, sem conversar com jovens que fa-zem perguntas e abrem novos cami-nhos. Eo uma beleza dar um curso, enri-quece a gente.

o professor secundario deve, por-tanto, ter como meta dar ao estudanteuma base fundamental ampla. 0 pro-fessor de Ciencias tem que ligar aCiencia com 0 mundo. Tem que abrir acabeya das crianyas e dos jovens parao mundo, dar ao individuo uma forma-yaO para que ele saiba 0 que estaacontecendo e saiba interpretar 0 mun-do. Agora, eu sei que os professoresenfretam serios problemas para ensi-nar Ciencias. Um deles e a falta de la-borat6rios. Isso nao e problema so noBrasil, e tambem na Franya, e em ou-tros paises. Acho que, no Brasil, deve-ria haver, em varias regioes, grandeslaborat6rios onde os professores se-cundarios pudessem fazer estagios du-rante as ferias, e aprimorar sua forma-yao. Esses laboratorios poderiam tam-bem fabricar equipamentos simples eos professores aprenderiam como u-sa-Ios.

E necessario pensar que 0 estu-do das Ciencias e fundamental no Bra-sil, hoje. Nao basta saber ler. Um mini-mo de Ciencias todo mundo tem quesaber, para interpretar 0 mundo noqual vivemos. Saber, por exemplo, quea materia e a mesma em toda parte doUniverso, saber que existem atomos,moleculas. Ha muitas coisas interes-santes que podemos ensinar e que, in-clusive, atraem os estudantes.

Infelizmente os professores sacmal pagos. Isso e grave. Se voce naopaga bem uma pessoa, como ela podese dedicar ao trabalho? 0 salario eFUNDAMENTAL!

Desde 0 nivel primario, os profes-sores tem que ser bem pagos. 0 pro-blema da educayao no Brasil e 0 pro-

blema numero 1. Alias, e 0 numero ZE-RO, 0 resto vem depoi·s. 0 primeiroataque deve ser a Educac;:ao.Precisa-mos lutar para que, daqui a dez anos,todas as crianc;:as do Brasil estejamaprendendo a ler, escrever, estejamcomendo bem. Mas acontece que amaio ria da elite, dessa nossa classemedia, diz que investir em educac;:aopopular sai muito caro.

Outra coisa: as Universidades temque se preocupar em formar professo-res. Nao se pode so pensar em pesqui-sadores e em investigac;:aode ponta.

Eu acho que 0 momenta para ini-ciar 0 ensino de Ciencias e a infancia.Por exemplo, 0 grande Feynmann foi 0que foi grac;:asao pai, que era um co-merciante de tecidos. Era 0 pai que le-vava Feynmann para a floresta e dizia:"Veja esta folha aqui, meu filho. E olheeste parasita crescendo sobre esta ar-vore. A natureza e assim." Entao, 0 im-portante e isso. Observar as coisas,saber de onde vem, para preservar.Agora, nao e importante saber que amosquinha da fruta se chama Drosofila"genesinsita" nao sei das quantas. ~precise despertar e cultivar a curiosi-dade das crianc;:as.Os professores temque pegar os meninos e levar para 0Jardim Botanico, 0 Zoologico, sempreexplicando as coisas com simplicida-de, atraindo a aten<;:aoda meninadapara as coisas da natureza, do mundo.~ precise conhecer a natureza para de-fende-Ia.

Agora, o. nosso corpo cientifico,a nossa elite, deve olhar tambem parabaixo, para a grande base da piramidee contribuir para que ela melhore ca-da vez mais. E tambem nas Universida-des e precise ampliar 0 conhecimentodos estudantes. Todos deveriam co-nhecer a Historia da Ciencia; fisicos ematematicos deveriam fazer cursos deSociologia e Filosofia; sociologos de-veriam conhecer um pouco de Fisica eMatematica. Na Europa, a educac;:aohumanistica e maior. Aqui no Brasiltambem era, mas a massificac;:ao doestudo ainda nao daquiriu qualidade.

Nos somos 0 que somos hoje, noBrasil, pelo peso que carregamos doregime colonial repressive portuguesque, ate 1808, proibia que houvesseimprensa. Aqui era so exportar ouro,ac;:ucar,pedras preciosas, para pagaras dividas de Portugal com a Inglater-ra. So! Nao se podia nem mesmo fabri-car palitos de fosforo! Esse peso histo-rico carregamos ate hoje. Tudo issoesta analisado no meu livro "Ciencia eLibertac;:ao" da Editora Paz e Terra.

Oswaldo Frota-Pessoa e bi6logo, geneticista do Instituto de BiocU~nciasda Universidade de Sao Paulo e coordenador do Departamento de Genetica daAssociatyao Brasileira de Psiquiatria Biol6gica. Foi professor visitante da Uni-versidade de Wisconsin, nos Estados Unidos. Destaca-se como divulgador daCiencia, como autor de livros didaticos e por seu incansavel trabalho deorientatyao aos professores de Ciencias e Biologia.

Descobri a Ciencia aos 11ou 12anos, grac;:asa uma excelente profes-sora, D.Yolanda Goffi - veja que naoesqueci seu nome - no Colegio MalletSoares, no Rio de Janeiro. Ainda melembro dela esquentando, com um ma-c;:arico,um litro de leite vazio, daquelesde boca larga, para fazer um ovo cozi-do atravessar 0 gargalo. Ela fazia ex-periencias e depois discutia muito bemo que tinha acontecido. D.Estefania, adiretora do Colegio, e que nos ensina-va Matematica, de modo excelente emoutros aspectos, mas querendo educaro nosso pensamento. Ela dizia: "Olha,para resolver um problema, voces temde escrever 0 enunciado, depois a in-c6gnita - 0 que voce quer descobrir-depois a analise e no rim 0 resultado".A analise era 0 raciocinio que nos de-veria levar as contas. Acontece que in-vertiamos 0 processo: antes de maisnada, resolviamos 0 problema. Feitoisso, restava a chatice de escrever aanalise. Foi essa a primeira lic;:aoqueeu tive de como nao se deve ensinarMatematica. Nao se pode burocratizaro pensamento. 0 formalismo mata ainspirac;:ao,embora, as vezes, 0 racio-cinio consiga salvar-se escapando pe-la tangente ...

No ginasio, que acumulava, nomeu tempo, as func;:oesde 5" a 8" e de29 grau, quem ensinava Ciencias era 0Professor Ernani de Brito, no ColegioArte e Instruc;:ao,do Rio. Em sua pri-meira aula, embora puramente teorica,ele nos abriu um universe: 0 do pen-samento cuidadoso e organizado. Eleera um farmaceutico inquiridor, quesabia muito de tudo, Dava grande aten-c;:aoaos alunos interesssados. Um do-mingo, apareceu em minha casa e pas-seou comigo, em torno do quintal gran-de e descuidado, apresentando-me asplantas, pelo nome, propriedades usae adaptac;:oes.Nesse dia nasceu 0 bo-tanico que cheguei a ser por algumtempo. De nossa turma de uns vinte,quatro tornaram-se biologos profissio-nais por sua causa. 0 caminho que es-colhemos foi entrar em Medicina, queera a coisa mais parecida com Biologiaque havia na epoca. Em 1935, quandoja tinhamos feito 0 vestibular de Medi-cina, Anisio Teixeira fundou a Universi-dade do Distrito Federal, na qual, entreoutros cursos, havia 0 de Historia Natu-ral. Fui da primeira turma do curso deHistoria Natural, ao mesmo tempo emque fazia Medicina. Resultado: levei aMedicina de qualquer jeito, porque osmetodos de ensino do curso de HistoriaNatural, centrados nos alunos, era fas-cinante. 0 professor Lauro Travassoscomec;:ou sua primeira aula assim:"Voces vao fazer uma colec;:aode inse-tos devidamente montados, etiqueta-dos e classificados, para me apresen-tarem daqui a um mes, junto com lami-nas de aparelho bucal e de asas de deztipos de insetos e seus desenhos emcamara clara. Ate logo." So 0 vimos denovo no dia da entrega do material. Agente olhava um para 0 outro e se per-guntava: e agora? Felizmente os moni-tores nos orientaram: "Olha, as bara-tas mortas estao ali: e melhor vocescomec;:arem logo a dissecar e dese-nhar:" Domingo seguinte, ja estava-mos no mate com redes e cianeto paramatar os insetos. Aprendemos as tec-nicas entomologicas pela necessidadee interesse. No dia marcado, Travas-sos conferiu 0 trabalho de cada aluno eso ai deu sua primeira aula expositiva,

com projec;:oes das pr6prias laminas demicrosc6pio. Foi uma beleza, porque agente ja tinha visto e desenhado muitacoisa.

Como havia uma tradic;:ao pedag6-gica e de escrever em minha familia,juntei isso com meu fascinio pela Ciem-cia, tornei-me professor secundario ecomecei a fazer divulgac;:ao cientificanos jornais. Ao longo de minha carrei-ra cientifica, nunca mais deixei de es-crever livros didaticos, dar cursos dereciclagem para professores e traba-Ihar em outros problemas de educa-c;:ao.Grac;:as ao metodo de projetos queimperava no curso de HIst6ria Natural,publiquei meu primeiro trabalho cienti-fico antes da graduac;:ao.

Hoje vejo a escola brasileira en-calacrada. Suspeito que, no mundo in-teiro, a escola de adolecentes, comotal, vai desaparecer, pois nao vai con-seguir sair do formalismo que 0 ensinoimpoe.

Devemos educar 0 adolecente pa-ra sua pr6pria plenitude e, 0 adulto, pa-ra, alem disso, servir, a comunidade.Por isso, 0 terceiro grau, que forma 0profissional, tera sempre de exigir de-sempenho, avaliar e qualificar. A esco-la nao profissionalizante, posta a servi-c;:odo jovem de 11 a 15 anos, deve, aocontrario, oferecer tudo, sem nada exi-giro

Daqui a muitos decenios, quandomorrer 0 preconceito de que todos osjovens devem aprender as mesmascoisas ao mesmo tempo, eles passa-rao a desenvolver-se, com alegria erendimento, levados exclusivamentepela motivac;:ao, em instituic;:oes maisdo tipo dos CIEPS do Rio e da Estac;:aoCiencia de Sao Paulo, que serao enor-mes centros de atividades - clubes deesporte, ciencia e cultura - onde cadajovem faz 0 que quer, quando e en-quanta quiser. Ai havera professores,mas nao para dar aulas, e sim paramotivar, orientar e ajudar os jovens noplanejaento das atividades que deseja-rem desenvolver, para coordenar se-minarios e discussoes e incentivar pro-jetos. 0 que 0 professor nunca poderaou desejara fazer na escola livre do fu-turo sac chamadas, provas e exames.o aluno que completou a escola prima-ria s6 deve estudar 0 que ardentemen-te deseja: s6 assim pode adquirir averdadeira cultura geral que permiteescolher, dentre varios temas aqueleque sera 0 seu tema de vida: um poucocomo os guris que vemos hoje ficaremfanaticos por computadores porque aescola ainda nao teve tempo de estra-gar 0 assunto com cursos formais eobrigat6rios.

Nao se trata de primeiro ensinare depois aplicar ao social. 0 bom ensi-no ja e social em sua pr6pria contextu-ra: ele examina, com cuidado 0 que es-ta acontecendo, examina cientifica-mente, ao alcance do aluno, tanto 0que e cientifico como 0 que nao e. As-sim, trata de assuntos de interesse so-cial ou individual dos alunos, comosaude, profissao, trabalho, consumis-mo, curandeirismo, astrologia, criacio-nismo, intoxicac;:ao pelo mercuric nosgarimpos, destruic;:ao da Amazonia,agrot6xicos, AIDS, crise energetica,produc;:ao industrial e agricola, capita-lismo, explosao populacional, religiao,arte, politica, grupos de jovens, namo-ro, sexo, amor, reproduc;:ao, relac;:oesfamiliares, drogas, crime. Isso e maisimportante do que os assuntos dos pro-gramas convencionais.

o importante e levar os alunos apensarem e discutirem, com cuidado,os mais diversos assuntos, desde queIhes interessem vivamente. Nisto con-siste a estrategia basica para a forma-c;:aocientifica. Sendo 0 ensino, em me-dia, de qualidade mediocre, fica preju-dicado 0 estimulo aos que, por teremvocac;:ao, poderiam tornar-se cientistase aos que, nao estando nesse caso,deixam de perceber a interac;:ao crucialque a Ciencia tem hoje com 0 povo.

Como a frac;:ao dos profissionaisda Ciencia e, e deve mesmo ser, pe-quena, nao fica muito prejudicada aformac;:ao de cientistas, porque, numavisao otimista, podemos dizer que es-capam do mau ensino uma parte de jo-yens talentosos que, por paus ou porpedras, conseguem conquistar a posi-c;:aoque almejam. Mais grave e a deca-dencia da cultura cientifica do povo.

o advento da Ciencia foi 0 fenome-no mais transcedente da hist6ria dahumanidade. Atraves da tecnologia,ela transfigurou nossa vida e isso estaapenas comec;:ando. Ora, a Ciencia epropulsionada por um crescente nume-ro de pessoas que retem potencial-mente um enorme poder, mas que sacuma infima minoria da populac;:ao total.o fossa que existe entre os cientistas eos nao cientistas esta se aprofundandorapidamente como a observac;:ao mes-mo superficial deixa perceber. Enquan-to 0 entendimento da natureza e 0 po-der de transformar a natureza crescevertiginosamente entre os cientistas,seria indispensavel que 0 povo esti-vesse cada vez mais preparado paraatuar nos destinos do planeta como lei-gos esclarecidos. Mas 0 contrario esta

ocorrendo, como mostra a explosao daastrologia, das medicinas alternativasde eficacia nao comprovada, da parap-sicologia e da pseudociencia. Isso tudomostra que a educa<;:ao cientifica for-mal e a divulga<;:ao cientifica nao estaodesempenhando bem sua tarefa. Essacisao da humanidade num pequenogrupo cientifico cheio de poder e numagrande maioria desorientada a respei-to da Ciencia, abre uma perspectivacheia de perigos dificeis de preyer e deprevenir,a nao ser at raves de uma ver-dadeira cruzada de recuperac;:ao daqualidade da forma<;:ao cientifica atra-yes de uma escola regenerada e umadivulga<;:ao cientifica isenta de sensa-cionalismo e mercantilismo.

o espirito cientifico existe e deveser desenvolvido na crianl(a, no ado-lescente e no pesquisador, mas emmodalidades e graus diferentes. Naose deve transferir para 0 primario pro-blemas e analises de 5° a 8· series. Acrianc;:a pequena desenvolve-se cienti-ficamente lidando com ambientes e se-res variados, sem que a atormentemoscom problemas, experimentos e solu-c;:oes 'de nossa lavra. Isso tudo surgeespontaneamente na cabec;:a das crian-c;:as, se as coisas estao a seu nivel edespertam interesse. Nosso papel e in-direto: enriquecer 0 ambiente e deixara conversa rolar.

Sergio de Almeida Rodrigues eprofessor do Departamento de Ecolo-gia do Instituto de Biociencias, da Un;-versidade de Sao Paulo. Sua area depesquisa e a Biologia Marinha, comespecial dedicat;ao a um grupo de at-tr6podos que vivem em galerias feitasnas areias da praia. Tem sido assiduocolaborador da nossa revista e acabade publicar 0 livro "Destruit;ao e Equi·librio - 0 homem e 0 ambiente no espa·t;0 e no tempo", da Editora Atual.

Tenho recordac;;oes pessoaismuito boas sobre as minhas aulas deCiencias no 1° e 2° graus. Tive a sortede ter um professor extraordinario, quese chamava Albrecht Tabor. Ele eraprofessor do Liceu Corac;;ao de Jesus edo Colegio Porto Seguro, aqui em SaoPaulo. Era alemao, com forma<;:ao natu-ralista aperfeic;;oada na Alemanha e foia pessoa que real mente me deu ossubsidios mais importantes para 0 de-senvolvimento dos meus estudos de

Historia Natural. A capacidade de le-cionar desse homem era tao grandeque, quando comecei a lecionar, tenteiseguir 0 mesmo esquema que ele se-guia. Mas, no fim das aulas, eu ficavamuito cansado e 0 rendimento nemsempre era a metade do que ele con-seguia. Muitos dos temas de Zoologiaa Botanica que ele abordou foram taocompletos que, mesmo no meu primei-ro ana do curso da Faculdade, eu ja ti-nha mais informay5es. Esse professorera real mente extraordinario.

o Professor Tabor viveu como pro-fessor secundario. A cada periodo deferias, ele viajava e visitou lugaresmuito importantes, como as IIhas Gala-pagos, reservas da Africa e, ja com 76anos, foi para as florestas de Sri-Lan-ka, onde desapareceu e nunca mais foiencontrado.

o segredo da capacidade de lecio-nar do Prof. Tabor era sua vitalidadefora do comum. Ele tinha uma energiainterna muito grande, Explicava cadaassunto com detalhes, ao mesmo tem-po que estabelecia relay5es, fazia de-senhos no quadro-negro e por fim, fa-zia um resumo. Assim, 0 mesmo as-sunto era explicado tres vezes. Um tipode aula muito tradicional, mas comuma energia muito grande. Sempreque possivel ele fazia trabal hos decampo. Por exemplo, a gente ia comele a feira, onde ele mostrava os pei-xes, as barracas de flores, as diversas

familias de plantas que ali estavam re-presentadas. As vezes, durante sua ex-plicay5es sobre plantas na sala de au-la, ele dizia: "Na Rua Barflo de Limei-ra, na esquina com a rua tal, voces po-dem encontrar uma casa e, no jardim,tem uma especie de carvalho comumno Norte da Europa. E no Jardim daLuz, bem no meio da rua principal, per-to de um chafariz, existe uma planta -a Gincko biloba - Uma especie quepode ser chamada de f6ssil vivo." As-sim, embora ele nao fosse com a gentenesses lugares, ele sempre dava indi-cay5es de onde encontrar exemplosdaquilo de que ele estava falando.

Essas sao as recorday5es do meuprofessor de Historia Natural. Quanto aMatematica, as lembranyas sumiram.Meu professor ate que era interessante- 0 Professor Nicolau D'Ambrosio. Noginasio eu era um bom aluno, mas noColegial, me desinteressei. Com a Fisi-ca e a Quimica, tive serios problemas.Nao pela falta de compreensao do quetratava 0 assunto, mas pela operacio-nalidade. Acho que isso se deve agrande dificuldade que sempre tive defazer contas e quando comeyava aque-la historia de transformayaO de siste-ma MKS para CGS, grau Celsius paraFarenheit e eu tinha que fazer uma por-yaO de contas (naquele tempo nao ha-via calculadoras), ai eu me atrapalhavatodo. Errava muito. E os professores fi-cavam um tempao nisso, tanto na Fisi-ca como na Quimica, com todos aque-les calculos estequiometricos. Hoje emdia, com as calculadoras, melhoroumuito. Alem do mais, muitos proble-mas de discalculia hoje podem ser de-tectados e corrigidos na infancia, atemesmo no pre-primario. Naquele tem-po nem eu sabia 0 que era discalculia,que e a dificuldade de fazer contas.

Astronomia eu sempre gostei,mas, mesmo assim, havia sempre anecessidade de se colocar as coisasem termos exatos e isso me desesti-mulava.

Nao e facil responder que papelteve na minha vida 0 estudo da Cienciano primeiro e segundo graus. Creioque, para mim, esse estudo foi maisuma ressonancia de alguma coisa queja existia em mim desde pequeno.Sempre tive interesse por animais, pe-la historia de natureza. Eu sempre gos-tei muito das historias do RobinsonCrusoe e do Tarzan, 0 que para, algunspsicologos,significa um desejo de fuga

das condiy5es comuns e rotineiras dasociedade. Realmente eu gostava dis-so e a Historia Natural era uma possi-bilidade de retorno a natureza, de umabusca da natureza e um distanciamen-to da rotina. Eu acredito que 0 estudoda Ciencia, em particular das CienciasNaturais, veio ao encontro dessas as-piray5es que ja existiam desde muitocedo dentro de mim. Acho que 0 meugosto pelas Ciencias Naturais nao veioda escola. E gosto mesmo, que a esco-la por vezes estimulou.

A Ciencia, seja ela natural ouexata, esta, hoje, intimamente ligada atudo 0 que se passa no planeta, sejapelas consequencias da atividade hu-mana, seja pela propria compreensaode como funciona 0 planeta como umtodo,o grande ecossistema planetario.Esse tipo de conhecimento e funda-mental para a sobrevivencia da nossacivilizayao, da nossa cultura, para queela nao desemboque num grande de-sastre. Para isso, e importante a com-preensao dos fen6menos que regem 0planeta e a influencia do homem sobreeles. Acho esse 0 fundamental objetivodo ensino de Ciencias.

A compreensao ampla que a Cien-cia pode dar a cada individuo pode,mais seguramente, fazer cada pessoacompreender seu proprio papel dentroda sociedade e, talvez, ate leva-Ia a to-mar decis5es e caminhos que seraoimportantes para toda a sociedade epara ela propria.

o ensino de Ciencias no Brasil,atualmente, tem grande importanciapara que a gente possa se colocar emuma posiyao de mais destaque nomundo e faya um esforyo para superaro tal chamado subdesenvolvimento.Em segundo lugar, e importante para apropria compreensao da nossa posi-yaO no planeta, pois 0 Brasil e um paismuito grande que necessita de todosos conhecimentos cientificos possiveispara melhor gerir os seus recursos.

Acho que 0 ensino de Cienciasdeve comeyar com as crianyas. E im-portante lembrar que a Ciencia partesempre de uma observayao que e rea-lizada sobre 0 mundo que nos cerca. 0,desenvolvimento e aprimoramento dosenso de observayao deve ser iniciadomuito cedo. Esse senso ja existe laten-te na crianya, nela ja existe uma incli-nayaO que, se for estimulada desdecedo, podera dar frutos mais depres-sa.