antonio de menezes vasconcellos de drummond ......denominada “biografia dos brasileiros distintos...
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* Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Mestre e doutorando pelo
Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade de São Paulo (USP).
Antonio de Menezes Vasconcellos de Drummond: aproximação preliminar à trajetória
de um personagem transatlântico (1794-1874)
DANIEL CARVALHO DE PAULA*
Apresentação
Nossa pesquisa de Mestrado nos levou a conhecer um personagem que, apesar do
importante papel desempenhado na história que ali contávamos, quedou em segundo plano,
não sendo o objeto daquela dissertação. Todavia, nos ficou claro que a trajetória daquele
homem carecia ser melhor estudada e poderia contribuir para lançar mais luz sobre os eventos
em que esteve envolvido (PAULA, 2017; PAULA, 2016; MEGIANI & PAULA, 2013). No
desenvolvimento de um trabalho de Doutoramento, voltamos àquele homem que elegemos
como objeto. Nosso objetivo presente é fazer uma aproximação preliminar à trajetória de vida
de Antonio de Menezes Vasconcellos de Drummond.
Conselheiro de Sua Majestade Imperial D. Pedro II e Diplomata do Império,
Vasconcellos de Drummond (1794-1874), foi um dos fundadores e redator do jornal O
Tamoyo, em cujas páginas defendeu a causa da Independência, rendendo à publicação
perseguições que procuraram cercear a liberdade de imprensa. Obteve o hábito da Ordem de
Cristo em 1810, aos quinze anos, por serviços na Chancelaria do Reino (BLAKE, 1970: 265-
267), em início precoce de sua carreira na burocracia portuguesa. Foi reputado como maçom,
o que negou veementemente em suas anotações à sua biografia (DRUMMOND, 1890).
Escreveu muitos textos e notas que desejou serem usadas a serviço da História. Foi membro
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, bem como de outras prestigiosas academias
europeias. Publicou periodicamente no jornal La France Chrétienne, além de figurar entre os
membros fixos do Journal de Voyages.
Um personagem transatlântico, cuja vida transcorreu entre Brasil, Portugal e França.
Drummond é uma personagem de tipo médio cuja trajetória deverá ser capaz de oferecer
alguma contribuição ao estado da arte sobre as relações do Brasil nascente com a antiga
metrópole portuguesa. Não queremos, contudo, cumprir esse fim minorando nosso
personagem diante dos contextos históricos mais amplos, ou tomando-o, somente, por mero
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pretexto. Interessa-nos, pois, nos debruçar sobre o homem e sua época, procurando
compreender o seu lugar na cultura intelectual e política da sua época.
Drummond – Sócio do IHGB
Nosso contato com esse personagem começou através da análise de um documento
publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, para onde foi eleito em
19 de janeiro de 1839, na condição de sócio correspondente, e para a de honorário em 1842. O
documento analisado era um parecer do ano de 1874, redigido pelo 1º secretario do Instituto,
o Cônego Dr. J. C. Fernandes Pinheiro, a respeito de duas caixas de papéis deixadas à
instituição pelo Conselheiro Drummond. Entre os documentos mencionados pelo parecer está
o manuscrito a que nos dedicamos na dissertação de Mestrado: o “Diccionario das
antiguidades de Portugal para servir a intelligencia da historia antiga d'estes Reinos”1. Foi no
Instituto, portanto que tomamos contato com Drummond e sua atuação como homem de letras
e participante nos esforços daquela casa em “inventar” a Nação.
As relações dele como sócio do IHGB são uma das veredas pelas quais deveremos
caminhar a fim lançar luz sobre sua biografia. O letrado fez grandes contribuições para o
acervo documental do Instituto Histórico, copiando e oferecendo várias obras manuscritas à
instituição fundada em 1838. O Instituto promoveu a busca de documentação útil à História
do Brasil nos arquivos europeus e do próprio Império, funcionando como instituição de
guarda e construção da memória nacional “[...] que se ocupe em centralizar imensos
documentos preciosos, ora espalhados pelas províncias do Império [...]” (Revista do IHGB,
1839). Segundo Arno Wehling:
“A coleta de documentos e de informações para a constituição do acervo do Instituto foi feita
a partir do momento imediato à fundação. Livros raros ou não, manuscritos, peças museológicas
foram buscadas no Brasil e no exterior, pois logo o governo apoiou o plano de uma missão para a
identificação e cópia de documentos importantes para o Brasil nos arquivos portugueses. Também
as nascentes missões diplomáticas passaram a ter esse encargo e o Diplomata-Historiador
Francisco Adolfo de Varnhagen [também Vasconcellos de Drummond] teve desde a juventude,
ainda na década de 1840, um importante papel na reunião desse material. Por isso, desde cedo o
1 Esta referência nos foi dada pelo Prof. Tiago dos Reis Miranda, a quem agradecemos a generosidade. “Parecer
do 1º secretario do Instituto Histórico acerca dos documentos legados pelo Conselheiro Drummond”. “8.ª Sessão
em 11 de setembro de 1874. Honrada com a ilustre presença de S. M. o Imperador”. In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, no 37, 2ª parte, pp. 424-432, 1874.
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Instituto concentrou uma biblioteca, um arquivo e um museu, este último o mais antigo do Brasil,
criado em 1851.” (WEHLING, 2012: 10-11)
Poderíamos identificar quatro objetivos principais do Instituto quando da sua criação sob a
tutela do jovem D. Pedro II, a saber: liderar a construção da nacionalidade brasileira e
despertar a “consciência” nacional num Império de partes tão refratárias; ser a cabeça da
produção do conhecimento sobre os territórios, as gentes e os acontecimentos passados do
Brasil; desenvolver um discurso legitimador da monarquia brasileira como elemento de
coesão nacional. Por último, o IHGB seria um dos espaços privilegiados dentro dos quais se
formariam intelectualmente os quadros letrados e burocráticos da nação (SCHWARCZ, 1993;
SCHWARCZ, 1998; WEHLING, 2010; WEHLING, 2012; GUIMARÃES, 2012).
Segundo Lucia Guimarães, na percepção dos intelectuais dessa instituição, ao fim e ao
cabo, ela fora vencedora no seu projeto:
“A paz fora garantida e a unidade das províncias preservada. A turbulência política e o perigo da
fragmentação do Império, tal como ocorrera às Repúblicas vizinhas, sucessoras das antigas
colônias espanholas, passaram ao largo da Terra de Santa Cruz. O ‘Príncipe Perfeito’, pupilo
predileto dos fundadores da ‘Casa’, cumprira o seu papel de monarca conciliador e amante das
letras. A Memória vencera definitivamente a História.” (GUIMARÃES, 201: 156)
Ao tratar desse papel fundamental desempenhado pelo Instituto e seus quadros para a
construção da história e memória da nação, e de como a escrita da história foi privilegiada
como caminho para alcançar tal objetivo, José Honório Rodrigues no seu A Pesquisa histórica
no Brasil assevera que Antonio de Menezes Vasconcellos de Drummond:
"(...) foi um dos poucos diplomatas que atendeu aos apelos do Instituto Histórico de colher
documentos brasileiros na Europa. Na sua correspondência com o Instituto, lida nas sessões e
publicadas na Revista, vê-se o interesse que dava à história e à pesquisa. Ofereceu ao
Instituto inúmeras cópias, colecionou ainda maior número e doou a Melo Morais grande parte
dos originais e cópias que adquiriu e extratou na Europa. Esta coleção consta não só de
segundas vias de despachos e minutas de ofícios e notas, cujos originais devem fazer parte do
Arquivo do Ministério das Relações Exteriores, como também de cartas particulares e
documentos sobre a Independência e revolução de 1824." (RODRIGUES, 1982: 41)
José Honório Rodrigues vai além, afirmando que Drummond e Francisco Adolfo de
Varnhagen, consócios no IHGB, eram os mais proeminentes investigadores da história
imperial brasileira. No número 37 da Revista do IHGB, ano de 1874, na sua segunda parte,
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diz-se que o Instituto aprovou o parecer “minucioso” redigido pelo 1º Secretário da
instituição, Fernandes Pinheiro, sobre os documentos manuscritos doados e entregues ao
IHGB pelo Conselheiro Drummond, que falecera havia 9 anos, em 1865. Ali também consta
publicada a lista de documentos que se encontravam nas duas caixas doadas pelo Conselheiro,
entre eles figurava o Diccionario das Antiguidades de Portugal. Esses documentos não
partilhavam a mesma origem, possuindo tipologias variadas. A Revista do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro traz, como vimos, notícias de documentos legados, discursos lidos e
cartas de Drummond, tanto de seu tempo na corte brasileira, como correspondente em Lisboa.
Os membros do Instituto presentes na sessão de leitura do parecer supracitado chegaram à
conclusão de que os tais documentos deveriam ser guardados junto ao arquivo da instituição e
que poderiam ser publicados pela Revista aqueles que merecessem, como era o costume
daquele periódico a divulgação de obras manuscritas inéditas desde a sua fundação em janeiro
de 1839 – “[...] jamais interrompida, que faz deste o periódico científico mais antigo editado nas três
Américas” (WEHLING, 2012: 3).
“A Revista, publicada regularmente à custa do governo, além dos artigos temáticos
passou a publicar documentos relevantes para a história do Brasil, além de possuir uma seção
denominada “biografia dos brasileiros distintos por letras, armas e virtudes”, que evidenciava
o desejo de erigir literariamente um Pantheon que reforçasse a consciência e a identidade
nacional.” (WEHLING, 2012: 11)
Fernandes Pinheiro, 1º secretário do IHGB, ao redigir seu parecer, revela que a
motivação e expectativa em relação aos maços de documentos contidos nas caixas era de
poder lançar luz sobre os processos que se deram no tocante à independência do Brasil, visto
ter sido Drummond uma personagem notável em tal empresa. Esperava encontrar ali
documentos preciosos e inéditos que lhe permitisse contribuir para a história daqueles
episódios. Entretanto, decepcionou-se ao encontrar somente cópias da comunicação entre o
falecido sócio e o governo imperial sobre as missões que cumpriu em cidades hanseáticas
entre os anos de 1838 e 1852, quando do seu serviço junto à secretaria dos negócios
estrangeiros como diplomata do Brasil nas Cortes de Lisboa. Parte do conteúdo daqueles
documentos seria, segundo o parecer, impublicável, tratando até mesmo de crimes, como de
contrabando e falsificação de moedas, entre outras “indiscrições” cujos envolvidos teriam
escapado às reprimendas da lei. Fernandes Pinheiro também assevera que seria imprudente
publicar o conteúdo das correspondências por estarem ainda vivos os envolvidos em episódios
vexatórios em que se envolvera Drummond junto a outros frequentadores das Cortes em
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Portugal, situação na qual o Conselheiro do Imperador do Brasil teria sido acusado de
interferir indevidamente nos assuntos portugueses de governo, por possuir tendências
beligerantes, o que não ficava bem, tendo em vista sua posição de diplomata. Trata também
das cartas pessoais que ali se encontravam, estimáveis somente como autógrafos que eram,
sem valor histórico, na opinião do parecerista. Recortes de jornais do Rio de Janeiro que
haviam sido remetidos a Lisboa também figuravam entre os documentos encontrados nas
caixas e atestariam os afetos que Drummond, como representante do Brasil em Portugal,
nutria pela sua pátria. A série de cartas figurativas de gabinete foi reputada importantíssima,
visto que única no acervo do Instituto, que não possuía outras epístolas desse gênero. Os
únicos documentos de verdadeiro valor histórico existentes nas duas caixas seriam, segundo o
Cônego Fernandes Pinheiro, registros diplomáticos que tocavam às questões da fronteira entre
o Império do Brasil e a Guiana Francesa, assunto caríssimo ao IHGB2 e mesmo a Drummond
que escreveu uma Dedução dos direitos do Brasil a propriedade e posse da sua atual linha de
fronteira do Norte do Império do Brasil pelo conselheiro Antônio de Menezes Vasconcelos de
Drummond (DRUMMOND, 1859: 5-18). Sobre o Diccionario do qual nos ocupamos em
nossa dissertação de mestrado, diz-se: “Existe ainda outro volume manuscripto d’um
diccionario das antiguidades de Portugal sem nome d’autor e de somenos importancia”
(Revista do IHGB, 1874: 426). O parecer termina com uma “Relação dos papeis que se
acharam nas duas caixas de folha depositadas no archivo do Instituto Histórico pelo Exm. Sr.
conselheiro Antonio de Menezes Vasconcellos de Drummond, e abertas depois do seu
falecimento, conforme recommendára” (Revista do IHGB, 1874: 426).
Drummond – Conselheiro de Estado
A referência do seu posto como Conselheiro aparece um tanto dúbia entre as notícias
biográficas encontradas, porém, foi possível localizar o seguinte documento que parece
resolver a questão:
“Decreto nº 970, de 25 de Agosto de 1858 Approva a pensão annual de 1.200$000
rs., concedida por Decreto de 20 de Outubro de 1857 ao Conselheiro Antonio de Menezes
Vasconcellos de Drummond. (...) em remuneração dos bons serviços por elle prestados ao
Estado na Carreira Diplomatica. (...) O Marquez de Olinda, Conselheiro d`Estado, Presidente
do Conselho de Ministros, Ministro e Secretario d`Estado dos Negocios do Imperio, assim o
2 F. A. Varnhagen dedicou-se ao assunto enquanto diplomata e publicou As primeiras negociações diplomáticas
respectivas ao Brasil, na Revista do IHGB, sessão de 15 de dezembro de 1842.
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tenha entendido e faça executar. Palacio do Rio de Janeiro em vinte cinco de Agosto de mil
oitocentos cincoenta e oito, trigesimo setimo da Independencia e do Imperio. Com a Rubrica
de Sua Magestade o Imperador. Marquez de Olinda”. (Coleção de leis do Império do Brasil,
1858: 21)
O Conselho de Estado, instituição à qual serviu Drummond, ou Menezes, como é
alcunhado pelos irmãos Andrada em sua correspondência particular (ANDRADA, J. B.;
ANDRADA, M. F.; ANDRADA, A. C., 1890), também desempenhou papel central na
construção identitária do Império do Brasil e conformação da burocracia política de equilíbrio
desejável e disputas reais entre os poderes estatais. O Conselho foi criado após a
Independência em caráter oficial, contudo, sua existência constitucional tomou lugar apenas
em 1824 com a promulgação da Carta Outorgada. Segundo Maria Fernanda Martins, a
instituição representaria no seu nascimento uma sobrevivência do Antigo regime europeu,
português, mais especificamente, e empregava o tradicionalismo da vitaliciedade dos cargos e
das práticas administrativas. A existência do primeiro Conselho é intimamente atrelada a D.
Pedro I, desde 1823, e sobreviverá a abdicação, sendo que sua consulta era obrigatória em
todas as ações do poder Moderador, exceto na atribuição da escolha de ministros. Este
também não possuía seções, como será o caso do Conselho de Segundo Reinado, portanto, os
ministérios não consultavam os conselheiros. A extinção da instituição se dará no “conjunto
das medidas de caráter liberal presentes na reforma constitucional de 1834, foi restabelecido
em 1841 como expressão dos esforços de reforma e pacificação do país e manutenção da
ordem pública após os conturbados anos das regências” (MARTINS, 2006: 179; ver também
GARNER, 1987 e DANTAS, 2010: 19-58).
Ao considerarmos o âmbito principal de ação do Conselho de Estado no Segundo
Reinado, percebe-se claramente que os conselheiros se ocupavam das questões políticas,
produzindo pareceres sobre constitucionalidade de leis provinciais, esforços de guerra,
questões diplomáticas, como as de zonas de fronteira. Drummond possuía expressiva
expertise neste assunto, pois, como vimos, servira na diplomacia desse 1829 e produzira
vários documentos sobre as fronteiras do Império, que estavam em constante disputa à época.
A formação dos Conselheiros é um caminho para a compreensão da Instituição, uma vez que,
em sua maioria, foi composta por experientes funcionários de Estado, com trajetórias na
administração pública, tanto provincial (como Presidentes e Deputados), como na Corte,
servindo nas câmaras baixa e alta e gabinetes ministeriais. Também havia entre eles homens
de armas e de letras, uma elite intelectual com formação superior, primordialmente em
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Direito, podendo ocupar cargos na magistratura e diplomacia. Drummond fez carreira desde
muito jovem na burocracia, primeiro portuguesa e depois brasileira. A relevância do Conselho
para a organização do Estado pode ser percebida no seu rol de membros, que “reuniu os mais
importantes representantes da política imperial, aqueles que possuíam o poder da tomada de
decisões como membros do alto escalão da administração pública (MARTINS, 2006: 184).
Drummond – Notável da Independência
O Conselheiro Vasconcellos de Drummond deixou de próprio punho uma das obras
mais importantes para nosso presente estudo: Annotações à sua biografia, publicadas no
volume XIII dos Anais da Biblioteca Nacional. O documento consiste de comentários
corretivos e aumentativos a uma biografia sua que fora publicada em 1836 na Biographie
Universelle et Portative des Contemporains, na França. Drummond explica que suas
anotações se referem à versão resumida de sua biografia e que a versão completa saíra
publicada na França em 1826, contudo, ele não pode consultar esta primeira e mais completa
versão e afirma não conhecer quem teria sido seu autor. A primeira edição de 1826 da
Biographie Universelle et Portative des Contemporains contou com a colaboração de
Drummond, que afirma ser autor das entradas sobre os três Andradas. Sobre a biografia de
José Bonifácio, seria a “mais completa” disponível, segundo o conselheiro. Ali encontramos a
versão subjetiva de diversos eventos históricos em que esteve envolvido e elucidações sobre
passagens acaloradas do período da Independência do Brasil em relação a Portugal. Ele, como
partidário da separação, declara sobre um desafeto realista, Vilela Barbosa, futuro Marquês de
Paranaguá, que:
“(...) não se distinguiu nas côrtes senão pela oposição que fez aos projectos de
separação do Brasil e pela defesa da justiça com que Portugal o pretendia tiranisar. Chegou
ao excesso de dizer em um discurso que tinha vergonha de ter nascido no Brasil, e que era tal
a sua raiva que estava pronto, posto que velho, a marchar, ainda que fôsse a nado, com a
espada na boca, para castigar os degenerados brasileiros que queriam a separação”
(DRUMMOND, 1836).
Vilela Barbosa irá gozar de grande prestígio junto a corte de D. Pedro I, figurando
entre os redatores da Carta de 1824 (DANTAS, 2010: 19-58).
As disputas em torno da Independência são muitas, tanto à época, como na
historiografia posterior, contudo, podemos seguir com segurança pelo caminho que aponta
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que seu “aparecimento era a prova mais cabal do esgotamento da possibilidade de consenso
entre os interesses dos diversos grupos surgidos de um e outro lado do hemisfério, e do qual
resultaria a desagregação da estrutural imperial lusitana na América” (SLEMIAN, 2009: 18).
Drummond conhecia bem os debates liberais na corte portuguesa e pode, de perto,
acompanhar a atuação dos deputados. Havia transitado entre instituições importantes da
administração lusitana e o resultado da sua experiência foi ser partidário da Independência,
revolução percebida como restauração de algo que estava sendo colocado em cheque; o
caminho para o Brasil era o Liberalismo, e essa trajetória não poderia ser interrompida pela
“ação despótica da Metrópole” (MATTOS, 1994: 53). Feita a emancipação, Drummond
julgou que ela “respeitou todos os direitos, mal ou bem adquiridos. Não há exemplo que em
nenhum outro país acontecesse outro tanto no meio de uma revolução” (FALCON &
MATTOS; 1972: 339). N’O Tamoyo, advogou a causa nacional sem se filiar
espontaneamente a nenhum partido político (MARZON, 1980: 31), mas defendendo
abertamente a causa revolucionária, que uma vez feita lhe renderia o exílio por ser
considerado como demasiadamente radical na defesa das instituições liberais frente ao poder
do Monarca.
Drummond – Amigo dos Andrada
A veracidade do testemunho do Conselheiro sobre Vilela Barbosa pode ser
questionada, sua biografia revela a acidez com que tratava seus desafetos. Esse exemplo do
conteúdo de suas Annotações revela pontos de encontro de uma rede de intelectuais luso-
brasileiros entre finais do século XVIII, adentrando profundamente no século XIX. Estando a
independência do Brasil ainda em gestação, Drummond, que nascera no Rio de Janeiro em
1794, se encontrava no Reino e participava nas Cortes, onde teve contato com o futuro
Marques de Paranaguá, entretanto, uma vez feita a separação com Portugal, o Conselheiro é
recebido no Rio de Janeiro e mandado por D. Pedro I a Pernambuco. Como fica patente das
notícias, cartas e outros documentos pertinentes à sua biografia, Drummond possuía ligações
as mais estreitas com os irmãos Andrada e suas filiações políticas e, dissolvida a Constituinte
pelo Imperador, com eles foi processado e condenado ao exílio, em Paris, voltando para o
Brasil só em 1829. Antônio Carlos teve participação na revolução pernambucana de 1817, de
caráter republicano e separacionista, Drummond era seu amigo íntimo e também foi acusado.
Sendo bem relacionado e de família importante em Pernambuco, não sofre maiores
retaliações, porém foi levado a deixar a província rumo a Santa Catarina. Martim Francisco e
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José Bonifácio eram mais moderados. Salta aos olhos o pragmatismo de Bonifácio, que teria
secundarizado suas convicções antiescravistas em nome de um projeto imperial para o Brasil.
Era um “típico burocrata esclarecido, conhecedor das realidades da política internacional da
época” (CARVALHO, 1998: 162). Como se vê, as intersecções nas trajetórias dos quatro
amigos ficam patentes e o perfil de liberais, defensores da soberania brasileira, se delineia ao
acompanharmos as vicissitudes pelas quais atravessaram.
Considerações finais
As experiências de Drummond no exterior e sua larga formação acadêmica o ajudaram a
entrar para o corpo diplomático brasileiro, sendo enviado como Cônsul Geral na Prússia.
Depois, passa por temporada mediterrânea, cuidando de negócios do Brasil na Sardenha,
Roma e Toscana. O ápice de sua carreira veio com a nomeação a Ministro Residente e,
depois, Ministro Plenipotenciário em Portugal. Sua aposentadoria chegou em 1862, e indo
fazer tratamento médico em Paris, lá faleceu em 1865 (BLAKE, 1970: 265-267).
Sobre esse aspecto das trajetórias dos membros da elite política imperial e seus
círculos formativos, Maria Fernanda Martins, afirma que:
“A convivência nos salões da moda, nos grandes eventos sociais, nos bancos
escolares, nos órgãos da administração, nas diretorias de empresas públicas e privadas
aproximava naturalmente o grupo. Tal processo de integração tinha continuidade nas
Faculdades de Direito de Olinda, São Paulo ou Coimbra, uma formação acadêmica comum
que lhes havia proporcionado uma identidade intelectual e cultural que complementava as
relações provenientes de uma origem ou convívio cada vez mais estreitos, intensificando os
laços de amizade e parentesco que se desenvolveriam na vida profissional. (...) Portanto, a
convivência social torna-se o ponto de partida para a análise dos diferentes laços que uniam o
grupo” (MARTINS, 2006: 186)
Essas redes transatlânticas que se evidenciam na trajetória de Drummond não
aparecem desencarnadas, ou ocupando somente o campo das ideias. Elas possuem um modus
vivendi cortesão e se valeram dos aparatos institucionais, formais e informais, encampados
pela elite brasileira. Essas personagens circulam entres esses espaços de sociabilidade de corte
e ambientes burocráticos, que frequentemente se confundem, tornando-os em loci da
produção intelectual e debate político. A vida de Drummond parece, pois, nos oferecer
importantes subsídios explicativos sobre o passado que pretendemos narrar, uma janela pela
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qual será possível enxergar uma faceta dessa realidade distante que ora empreendemos
desvelar.
Fontes e Referências bibliográficas
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