antonio cordeiro feitosa

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A ZONA COSTEIRA E O LITORAL NA ILHA DO MARANHÃO, ESTADO DO MARANHÃO - BRASIL. *Antonio Cordeiro Feitosa NEPA-DEGEO/UFMA [email protected] Eixo temático: Geografia Física Resumo A zona costeira se constitui em ambiente de alta complexidade, devido ao grande conjunto de agentes envolvidos em sua modelagem, que conformam ambientes diferenciados e de grande importância para o homem por sua potencialidade como fonte de recursos, posição estratégica e salubridade natural para a vida, entre outras. Na ilha do Maranhão, localizada no Golfão Maranhense, as condições geográficas modelaram uma zona costeira com estrutura geológica sedimentar com baixo grau de consolidação, em zona de relevo baixo com morfologia predominante plana a suavemente ondulada, submetida a: um clima quente e úmido, grandes descargas fluviais e à hidrodinâmica de macro-marés. Com o presente estudo, se análise as características e os atributos dos ecossistemas costeiros mais representativos da ilha do Maranhão, diferenciando os ambientes típicos da costa e do litoral com as respectivas potencialidades. A metodologia utilizada compreendeu estudo teórico e de campo com orientação dos métodos dedutivo e indutivo. No estudo teórico foram abordadas as questões conceituais referentes aos sistemas ambientais, através da documentação bibliográfica, e levantada a documentação cartográfica e de sensores remotos disponíveis. Os estudos de campo foram realizados com auxílio dos documentos cartográficos para identificar, delimitar e caracterizar os principais ecossistemas do litoral e da costa emersa e submersa. A zona litoral tem sua dinâmica marcada pela ação das macro-marés conformando ambientes amplos e de grande extensão, sendo identificados como predominantes os ambientes de praias, nas zonas norte e leste da ilha, e de manguezais nas zonas sul e oeste. Ao longo das praias e dos manguezais ocorrem variações conforme o padrão dos sedimentos, sendo encontradas praias de areia fina a muito-fina, e com elevada porcentagem de silte. Na zona de manguezal a sedimentação é predominante de argila e silte cujos sedimentos são modelados pela dinâmica das marés nos estuários, conformando braços-de-mar, e nas enseadas, sendo bem diferenciadas as zonas de mangues e as de vasas. Em ambas as zonas se identifica a ocorrência pontual de afloramentos de rochas areníticas cuja fragmentação resulta em arrecifes configurados em “cangas”. No litoral são identificados, em pequena proporção, ambientes de: lagunas, pântanos salobros, falésias, cordões litorâneos e apicuns. A costa emersa é marcada pela ocorrência de: dunas, restingas, falésias, paleodunas e tabuleiros, enquanto na costa submersa são identificados canais de maré e bancos de areia. Em todos os ambientes identificados se evidencia a morfodinâmica acelerada, decorrente da atividade dos agentes climáticos e oceanográficos, enquanto nas zonas com maior densidade de ocupação e de atividades humanas, a dinâmica é comandada pela ação antrópica. Palavras chaves: zona costeira, litoral, ilha do Maranhão, Estado do Maranhão - Brasil.

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Page 1: Antonio Cordeiro Feitosa

A ZONA COSTEIRA E O LITORAL NA ILHA DO MARANHÃO, ESTADO DO MARANHÃO -

BRASIL.

*Antonio Cordeiro Feitosa – NEPA-DEGEO/UFMA [email protected]

Eixo temático: Geografia Física

Resumo A zona costeira se constitui em ambiente de alta complexidade, devido ao grande conjunto de agentes envolvidos em sua modelagem, que conformam ambientes diferenciados e de grande importância para o homem por sua potencialidade como fonte de recursos, posição estratégica e salubridade natural para a vida, entre outras. Na ilha do Maranhão, localizada no Golfão Maranhense, as condições geográficas modelaram uma zona costeira com estrutura geológica sedimentar com baixo grau de consolidação, em zona de relevo baixo com morfologia predominante plana a suavemente ondulada, submetida a: um clima quente e úmido, grandes descargas fluviais e à hidrodinâmica de macro-marés. Com o presente estudo, se análise as características e os atributos dos ecossistemas costeiros mais representativos da ilha do Maranhão, diferenciando os ambientes típicos da costa e do litoral com as respectivas potencialidades. A metodologia utilizada compreendeu estudo teórico e de campo com orientação dos métodos dedutivo e indutivo. No estudo teórico foram abordadas as questões conceituais referentes aos sistemas ambientais, através da documentação bibliográfica, e levantada a documentação cartográfica e de sensores remotos disponíveis. Os estudos de campo foram realizados com auxílio dos documentos cartográficos para identificar, delimitar e caracterizar os principais ecossistemas do litoral e da costa emersa e submersa. A zona litoral tem sua dinâmica marcada pela ação das macro-marés conformando ambientes amplos e de grande extensão, sendo identificados como predominantes os ambientes de praias, nas zonas norte e leste da ilha, e de manguezais nas zonas sul e oeste. Ao longo das praias e dos manguezais ocorrem variações conforme o padrão dos sedimentos, sendo encontradas praias de areia fina a muito-fina, e com elevada porcentagem de silte. Na zona de manguezal a sedimentação é predominante de argila e silte cujos sedimentos são modelados pela dinâmica das marés nos estuários, conformando braços-de-mar, e nas enseadas, sendo bem diferenciadas as zonas de mangues e as de vasas. Em ambas as zonas se identifica a ocorrência pontual de afloramentos de rochas areníticas cuja fragmentação resulta em arrecifes configurados em “cangas”. No litoral são identificados, em pequena proporção, ambientes de: lagunas, pântanos salobros, falésias, cordões litorâneos e apicuns. A costa emersa é marcada pela ocorrência de: dunas, restingas, falésias, paleodunas e tabuleiros, enquanto na costa submersa são identificados canais de maré e bancos de areia. Em todos os ambientes identificados se evidencia a morfodinâmica acelerada, decorrente da atividade dos agentes climáticos e oceanográficos, enquanto nas zonas com maior densidade de ocupação e de atividades humanas, a dinâmica é comandada pela ação antrópica. Palavras chaves: zona costeira, litoral, ilha do Maranhão, Estado do Maranhão - Brasil.

Page 2: Antonio Cordeiro Feitosa

INTRODUÇÃO

As zonas costeiras são espaços historicamente apropriados pelo homem. Inicialmente

como fonte de recursos para a sobrevivência, em função da disponibilidade e da variedade de

recursos oferecidos e, posteriormente, em face de formas mais elaboradas de ação como as

estratégias de defesa e as possibilidades econômicas, utilizadas como vias de transporte para a

circulação de pessoas e de riquezas.

Quando o objeto conhecido é um segmento do espaço natural, a motivação para sua

denominação é referenciada a fontes do universo cultural dos indivíduos envolvidos, podendo

receber uma denominação simples ou composta, se associada a objeto relacionável ou se

tratando de homenagem a pessoas e lugares. Um dos primeiros exemplos dessa prática é

encontrado na denominação das constelações do zodíaco, pelos gregos.

Relativamente aos segmentos do espaço geográfico, as primeiras denominações

foram motivadas pela configuração dominante como as formas gerais nomeadas em

associações simples como: planalto, planície, depressão, morro, monte, montanha, maciço,

vertente e normalmente adjetivadas com qualificativos do tipo: grande, pequena, alto, baixo,

forte, fraco, profundo, íngreme, entre outros.

Nos ambientes de interface terra-mar, as primeiras denominações são anteriores à

invenção da escrita, desde o período pré-homérico na Grécia Antiga, pois essas áreas são

descritas como ocupadas pelas primeiras civilizações. Embora não houvesse preocupação em

descrever as características específicas desses lugares, nas traduções dos périplos há

recorrência ao emprego de termos atualmente muito usados.

As primeiras referências toponímicas relativas a áreas costeiras do Ocidente foram

registradas na Antiguidade e constam de relatos de viagens, com destaque para os périplos em

que constavam croquis de viagens com os topônimos dos lugares de referência conforme os

objetivos a que se destinavam: expedições exploradoras, expedições colonizadoras, rotas de

comércio, entre outros. Em tais documentos constavam os roteiros de viagens realizadas através

dos mares, pois os grandes riscos desses ambientes ainda eram menores do que os das

viagens por terra.

Apesar da apropriação de muitos segmentos do espaço costeiro ter se constituído ora

princípio ora fim de muitas disputas entre os povos, suas características e sua dinâmica não

receberam a mesma atenção e não motivaram grande interesse, exceto aquelas que despertam

sentimentos fortes de admiração e de “espanto” mediante a beleza de suas formas e a

magnitude de sua energia.

Page 3: Antonio Cordeiro Feitosa

Os primeiros sentimentos despertados pelas áreas costeiras, nos seres humanos,

remetem à atribuição de nomes aos lugares, enquanto objetos, uma das primeiras atividades

desenvolvidas pelo homem, independente do seu nível intelectual, visando sua discriminação no

conjunto dos elementos visualizados ainda que não haja relação direta destes com suas

atividades.

Apesar da crescente ocupação e dos diferentes usos dos ambientes costeiros, ao

longo da história do homem, não houve interesse pela investigação de sua estrutura e

funcionalidade dos seus elementos, como era próprio das comunidades de então que buscavam

apenas os recursos que a natureza provia nesses espaços. Com a evolução do conhecimento,

esta condição perdurou mesmo entre os naturalistas e, posteriormente, entre os geógrafos e

geólogos.

O maior interesse pelo estudo das zonas costeiras surgiu mediante a necessidade de

conhecimento detalhado dessas áreas para o desembarque das tropas e dos equipamentos

movimentados pelos exércitos em conflito, tendo despertado grande atenção dos estudiosos das

relações espaciais partir de então. Contudo, tais espaços ainda são objeto de controvérsias

especialmente quanto ao emprego dos termos “costa” e “litoral”, ditos e escritos como sinônimos,

mas que encerram características e funcionalidades particularmente diferenciadas.

Ao longo do perímetro dos continentes, os ambientes costeiros possuem visível

diferenciação em termos da: natureza e composição da litologia; amplitude, forma e

características da topografia, comportamento dos agentes oceanográficos atuantes no modelado

e frequência e magnitude das forças que se conjugam na modelagem de zonas com paisagens

homogêneas e heterogêneas. Na área de estudo, esse conjunto de fatores convergem para

configurar uma paisagem com dinâmica expressivamente diferenciada.

Apesar de decorridos cerca de quatrocentos anos da ocupação europeia, ainda não foi

realizado um estudo com abordagem desta temática para toda a ilha do Maranhão,

discriminando os segmentos ambientais individualizados pela própria natureza e os que

resultaram das interferências do homem como agente modelador da paisagem. Salienta-se que

a contribuição das intervenções do homem na organização do espaço local já representou a

eliminação de muitas características naturais da zona costeira e do litoral da ilha.

Com o presente estudo, pretende-se despertar o interesse da comunidade de

estudiosos para a solução das controvérsias existentes quanto à nomenclatura utilizada para

denominar as áreas selecionadas para estudo, com maior propriedade, identificando de termos

mais apropriados para designá-las conforme suas características físicas e formas de uso pelas

populações que as ocupam e exploram.

Page 4: Antonio Cordeiro Feitosa

METODOLOGIA

Considerando a natureza do trabalho, a metodologia aplicada para o seu

desenvolvimento foi baseada nos métodos dedutivo e indutivo, com apoio da fenomenologia,

considerando a perspectiva teórica da literatura utilizada e as características estruturais da área

estudada.

Dentre os procedimentos metodológicos utilizados na pesquisa, constam:

Levantamento e a análise de fontes bibliográficas utilizadas pela geografia, geologia e

ciências afins, incluindo-se obras de caráter geral, com destaque para dicionários, livros técnicos

e artigos científicos, constituindo uma amostra expressiva dos conceitos utilizados de forma

corrente. Do conjunto de obras consultadas constam referências dos principais idiomas utilizados

pelos estudiosos da geografia e das ciências afins;

Levantamento e análise da documentação cartográfica e de sensores remotos para

composição dos dados e das informações mais relevantes para o estudo;

Visitas a diferentes pontos das áreas costeira e litorânea da ilha do Maranhão, para

obtenção de dados e de informações de campo como subsidio à elaboração e apresentação do

trabalho. As visitas, programadas e esporádicas, possibilitaram a observação das alterações

mais representativas, ao longo das duas últimas décadas.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Embora utilizadas desde os tempos primitivos, os primeiros registros de informações

sobre as zonas costeiras são os périplos elaborados como relatórios de viagens de

circunavegação realizadas pelos fenícios, gregos e romanos, a partir do século VI a. C.

Inicialmente com o propósito de conhecer e ocupar as terras livres e com muitos recursos

apropriáveis e, posteriormente, de conquista e ocupação. Dentre os périplos merecem citação os

de: Ulisses, Hanno, Píteas de Massília, além de outros realizados através dos mares: Egeu,

Vermelho, Negro, Mediterrâneo, e pelas costas da África e da Europa.

Para Feitosa (1989) no transcurso da história, as zonas litorâneas sempre

desempenharam papel importante para a humanidade. Desde a Antiguidade, como fonte de

alimento, e na época dos grandes descobrimentos marítimos, nas guerras e conquistas de novas

terras, os seres humanos estabelecem relações na e com a zona de contato terra-mar.

Segundo Houaiss e Vilar (2001) o vocábulo Costa, como utilizado pela geografia e

aplicado à zona de contato da terra com o mar, parte litorânea do continente, é conhecido desde

o século XIII, enquanto o termo Litoral passou a ser conhecido desde 1836, para denominar a

faixa de terras emersas, localizadas à beira-mar, sinônimo de Costa.

Page 5: Antonio Cordeiro Feitosa

Durante o período dos descobrimentos marítimos, os movimentos de embarque

desembarque eram realizados em águas costeiras abrigadas das correntes mais intensas, com

auxílio de canoas a remo. Contudo, a pequena quantidade de tropas e as condições da época

não exigiam infraestrutura complexa e não despertavam interesse pelo estudo das

características das zonas costeiras, pois mesmo nas maiores aglomerações humanas, os riscos

ambientais ainda não comprometiam a integridade e a qualidade de vida da população.

A reduzida percepção da influência do meio físico sobre o homem produzia, neste, a

falsa impressão de domínio da natureza, e mesmo quando os fenômenos naturais impunham

severos danos às comunidades, poucos indivíduos se empenhavam em investigar detidamente

suas causas e avaliar as consequências.

A falta de empenho em investigar as particularidades da zona costeira é atestada por

Zenkovich (1967, p. 05) ao afirmar que foram necessários cerca de cem anos de pesquisa

hidrológica para revelar os caracteres básicos do trabalho das águas correntes sobre o relevo, e

isto não poderia ser feito para as zonas costeiras ainda que os oceanógrafos não tivessem

voltado sua atenção para as águas profundas e os geólogos e geógrafos não tenham aventurado

um só passo no estudo da linha litorânea.

No início do século XX, emergiu a consciência dos problemas ambientais em geral e

dos ambientes urbanos, particularmente nas cidades localizadas nas áreas costeiras,

notadamente em função da densidade de ocupação, da extensão das áreas ocupadas e do tipo

e volume de material descartado.

A primeira publicação inteiramente dedicada à abordagem de ambientes costeiros foi

apresentada por Johnson (1919) seguindo-se muitas outras dentre as quais podem ser destacas

as de Zenkovich (1967), Derbyshire, Gregory e Halls (1881), Bird (1984) e Pethyck (1984).

Abordando especificamente a zona costeira do Brasil, inúmeros estudos foram

realizados e publicados sob a forma de dissertações, teses, artigos científicos e capítulos de

livros, sendo mais acessíveis os livros técnicos de autores como Silveira (1968), Cruz (1974 e

1998), Christofoletti (1980), Muehe (1994 e 1998).

O primeiro estudo focalizando aspectos do litoral maranhense foi publicado por

Raimundo Lopes em 1916 e posteriormente reeditado, Lopes (1970) reconhecendo a extensa

planície do norte maranhense e a evolução do litoral. Abreu (1939) publicou a estudo sobre a

“Guiana Maranhense”, seguindo Ab’Saber (1960), Barbosa e Pinto (1973), Feitosa (1983, 1988,

1997), IBGE (1984) e Feitosa e Trovão (2006). Lopes (1970) analisou o papel do mar, através

dos seus agentes, na elaboração do perfil litorâneo destacando a ação das vagas na

decomposição das estruturas rochosas e o avanço do mar pelos vales dos rios.

Page 6: Antonio Cordeiro Feitosa

O estudo publicado por Ab’Saber (1960) expôs a primeira classificação geomorfológica

de todo o território do Estado do Maranhão contemplando a evolução do Golfão Maranhense e

regiões circunvizinhas, com destaque para as superfícies sublitorâneas de Bacabal e

Barreirinhas.

Em mapeamento no âmbito do Projeto RADAM, Barbosa e Pinto (1973) discriminaram

sete unidades de relevo no território maranhense, numa classificação aproximada da de

Ab’Saber, sendo destacadas a Planície Fluviomarinha do Golfão Maranhense a Costa de “rias” e

a Costa de Dunas.

No Atlas do Maranhão, IBGE (1984) foram individualizadas cinco unidades

geomorfológicas no território maranhense, salientando-se Golfão Maranhense, Lençóis

Maranhenses e Litoral em “Rias”.

Segundo Feitosa (1983, p. 93), cerca de 60% do território maranhense correspondem à

planície, onde se identificam quatro ambientes com morfoesculturas diferenciadas em função

dos processos geomorfológicos: Planície Sublitorânea, Litorânea, Costeira e Fluvial (FEITOSA,

2007).

Cotejando parte da literatura e da base publicada com foco na zona de interface terra-

mar, a nomenclatura dominante prioriza o termo costa para designar a zona costeira concebida

com uma extensão emersa e submersa apropriada por uma definição legal que desconsidera as

características próprias dos diferentes segmentos ambientais encontrados nesta interface.

No Estado do Ceará (CEARÁ, 2006), segundo a Lei nº 58/2006, que instituiu a Política

Estadual de Gerenciamento Costeiro, a Zona Costeira é concebida como “o espaço geográfico

de interações do ar, do mar e da terra, incluindo seus recursos renováveis ou não, abrangendo

uma faixa marítima que se estende por 12 milhas náuticas compreendendo a totalidade do mar

territorial”, em uma faixa que abrange os limites dos municípios que sofrem influência direta dos

fenômenos ocorrentes na zona costeira, defrontantes e não com o mar, caracterizados nos

termos da legislação federal.

Segundo Moraes (1996, p. 113), a zona costeira pode ser definida como “uma faixa de

20 quilômetros em terra, a partir da preamar, e 12 milhas náuticas no mar (depois reduzida para

6 milhas), a qual deveria ser esquadrinhada na escala de 1 para 100.000, e estudada e

cartografada tematicamente, gerando diagnóstico que fundamentaria uma proposição de uso

desejado”.

Para a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM, 1997 apud

GRUBER et al., 2003, p. 82), a “Zona Costeira é o espaço geográfico de interação do ar, do mar

e da terra, incluindo seus recursos ambientais, abrangendo as seguintes faixas: faixa marítima: é

Page 7: Antonio Cordeiro Feitosa

a faixa que se estende até as 12 milhas náuticas estabelecidas de acordo com a Convenção das

Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Faixa terrestre: é a faixa do continente formada pelos

municípios que sofrem influência direta dos fenômenos ocorrentes na zona costeira”.

Conforme o Plano Nacional para o Gerenciamento Costeiro II (PNGC II, 1996 apud

MORAES, 1998, p. 128) a porção marítima da zona costeira “é a faixa que se estende mar afora

distando 12 milhas marítimas das linhas de base estabelecidas de acordo com a Convenção das

Nações Unidas sobre o Direito do Mar, compreendendo a totalidade do Mar Territorial”.

Pode-se arguir que uma parcela significativa da base conceitual referida se apoia em

dados e informações de natureza conjectural e pontos de vistas pessoais, desconsiderando as

condições geográficas locais. O referencial teórico tem origem em interpretações que atribuem

condições iguais para significantes e significados diferentes. Esta assertiva para fundamentada

nas zonas costeiras de micro marés, com litologia cristalina e relevo elevado em que a diferença

entre os níveis de preamar e baixa mar não denotam condições geográficas dignas de análise.

Nas zonas costeiras de relevo baixo e plano, com litologia sedimentar, submetidas a

condições de médias ou macro marés, como ocorre na Costa Equatorial brasileira, as amplitudes

das marés expõem extensas superfícies de terras na baixa mar e alagam estas mesmas terras,

durante a preamar alternando condições que podem se constituir em grande potencial de

exploração pelo homem, gerando imensos recursos. Em tais áreas, definidas como Litoral, os

recursos oferecidos e as formas de apropriação pelo homem são particularmente diferentes das

comuns na costa emersa ou submersa adjacente.

No território maranhense e na ilha do Maranhão (Figura 1), a hidrodinâmica da costa

submersa e o fluxo e refluxo das marés em associação com o trabalho eólico, modelam uma

Planície Litorânea dominada por processos marinhos e fluviomarinhos que dão origem às praias,

mangues, vasas, apicuns, lagunas e falésias, enquanto na área de fluxo indireto ocorrem os

pântanos. Neste ambiente podem ser destacadas como grandes unidades ambientais: Costa e

Litoral Ocidental, o Costa e Litoral do Golfão Maranhense e Costa e Litoral Oriental.

Considerada apenas a parte submersa da costa, com a abrangência referida na

literatura, as condições geográficas e as potencialidades totalmente diferenciadas o mesmo

ocorrendo com a área emersa adjacente ao litoral. Enquanto a Costa Submersa potencializa

atividades econômicas de pequena envergadura como a navegação de pequenas embarcações,

a pesca e as práticas esportivas que dependem de forte apoio de equipes e estruturas

disponibilizadas em terra firme. Por suas condições diferentes, a Costa Emersa potencializa

outros recursos e diferentes usos como a construção de residências e de empreendimento

destinados à indústria do turismo entre outros.

Page 8: Antonio Cordeiro Feitosa

Figura 1 – Área de estudo Fonte: Imagens Landsat 2010

O litoral corresponde à faixa de terras banhadas periodicamente pela água do mar,

durante os movimentos de fluxo e refluxo, sendo delimitada pelas linhas de preamar e de baixa-

mar, enquanto a Costa compreende as áreas contíguas ao litoral, podendo ser discriminada a

Costa Emersa e Costa Submersa. Ambas possuem largura variável, dependendo das

características geomorfológicas da região.

Golfão Maranhense – abrange a reentrância delimitada, a oeste, pela ponta do Guajuru,

município de Cedral, e a leste, pela ilha de Santaninha, no município de Humberto de Campos,

tendo, ao centro, a ilha Upaon-Açu, mais conhecida como ilha do Maranhão ou ilha de São Luís,

além das ilhas do Medo, Pequena, Livramento, Carangueijos, Duas Irmãs, Tauá-Redonda, Tauá-

Mirim e Ponta Grossa e compreendendo as baías de Cumã, São Marcos, São José e Tubarão.

As baías de São Marcos e de São José são consideradas as mais importantes da zona

costeira do Maranhão tanto pelos aspectos fisiográficos, por serem desaguadouros dos maiores

rios do estado e apresentarem intensa dinâmica da paisagem, quanto pela densidade das

atividades humanas e a circulação de riquezas.

Segundo Feitosa (1990), a denominação de Upaon-Açú para a ilha onde se situa a

cidade de São Luís constitui uma homenagem a um povo que não tem mais qualquer

representação na toponímia local, sendo mais apropriada a de ilha do Maranhão, por sua

importância histórica e econômica atual.

Page 9: Antonio Cordeiro Feitosa

No Golfão Maranhense, desaguam os maiores rios genuinamente maranhenses como o

Mearim, o Grajaú e o Pindaré, na baía de São Marcos, e o Itapecuru e Munim, na baía de São

José. Estas duas baías se comunicam através do estreito dos Mosquitos, onde foram

construídas a ponte rodoviária e as pontes férreas, que favorecem o acesso à cidade de São

Luís.

Na margem oriental da baía de São Marcos, encontra-se instalado o complexo portuário

do Estado do Maranhão, formado pelos portos do Itaqui, da Vale do Rio Doce e da ALUMAR,

que são responsáveis por todas as exportações do Estado. Dentre os produtos exportados,

salientam-se os derivados de ferro e alumínio e os produtos do setor primário como soja e

derivados de babaçu.

A proximidade do Equador e a configuração do relevo favorecem a amplitude das marés

que alcançam até 7,2 m com média em torno de 6,6 m (FEITOSA, 1989) e penetram os leitos

dos rios causando influências até cerca de 150 km do litoral. No rio Mearim, a influência das

marés desencadeia o fenômeno da pororoca, cuja importância motiva a realização de

campeonatos de Surfe na Pororoca, no município de Arari.

A Costa e o Litoral da ilha do Maranhão possuem características geomorfológicas

comuns aos demais segmentos desses ambientes no Estado, apresentando largura variável,

sendo mais ampla na área das reentrâncias. Nesta faixa de terras, podem ser identificados os

seguintes ecossistemas: apicuns, falésias, lagunas, manguezais, pântanos salinos e salobros,

praias e vasas.

Devido à ausência de afloramentos de rochas cristalinas, não são encontrados costões

rochosos. Entretanto, o solapamento das estruturas sedimentares dá origem à formação de

barreiras localizadas que conformam falésias cuja dinâmica dos processos erosivos acarreta o

recuo da barreira e o consequente avanço da linha da costa contribuindo para a retificação do

litoral.

A dinâmica da paisagem costeira na ilha do Maranhão é facilitada pela fragilidade das

estruturas geológicas, por sua exposição aos agentes modeladores do relevo como os de origem

climática, hidrológica e oceanográfica, e pela intensa atividade eólica, marinha e fluviomarinha,

gerando ondas e correntes que modelam o maior conjunto de falésias do litoral do Maranhão, e

pelo aporte de sedimentos continentais carreados pelos rios.

A cidade de São Luís polariza o desenvolvimento urbano e regional. Com população

aproximada de 1 milhão de habitantes e ultrapassando esta cifra com a soma da população dos

demais municípios da ilha, São Luís oferece mão-de-obra para atender à demanda do mercado

na indústria e nas demais atividades econômicas. Em consequência das altas taxas de

Page 10: Antonio Cordeiro Feitosa

crescimento populacional e de alguns tipos de indústrias instaladas na área, a intensidade e a

magnitude das atividades humanas, notadamente na faixa litorânea da ilha do Maranhão,

impõem grande vulnerabilidade à paisagem.

A atividade dos agentes morfogenéticos contribui para a retificação do litoral,

particularmente nas embocaduras dos rios aonde a deposição das areias vem obstruindo o fluxo

normal e deslocando a foz no sentido oeste. Na faixa litorânea não são encontradas

características marcantes do litoral de reentrâncias, exceto as praias que apresentam amplitude

média em torno de 150 metros.

A Costa emersa corresponde à zona emersa adjacente à Planície Litorânea, com

influência direta e indireta dos agentes oceanográficos. A influência direta se manifesta nas

áreas contíguas à linha da costa, através da umidade e da salinidade transportada pelo vento

diminuindo com o afastamento desta. Integrando esta unidade geoambiental podem ser

discriminados três subsistemas ambientais: Costa de Dunas e Restingas e Tabuleiros Costeiros.

As Dunas e Restingas são formações superficiais exclusivamente arenosas com

ausência de cobertura vegetal ou com cobertura parcial. Na área de Curupu, ilha do Maranhão,

conformam dunas móveis e fixas intercalas por lagoas de origem pluvial, contendo água doce. A

proximidade do mar influi, indiretamente, sobre grande parte dos processos de modelagem do

ambiente dando origem aos campos de dunas fixas e móveis, paleodunas, restingas e falésias.

O avanço das dunas é provocado pela ação do vento, sendo mais intenso durante o

período seco, quando há deficiência hídrica local e as lagoas perdem parte de sua massa líquida

pela evaporação e percolação, e o ar se mantém mais seco. Durante o período chuvoso, o

excedente hídrico mantém a umidade das areias, dificulta o deslocamento dos grãos pelo vento

e as lagoas aumentam o volume de água. Contudo, quando ocorrem estiagens com períodos

superiores a 5 dias, a evaporação da umidade dos grãos de areia possibilita a remoção destes

pelo vento (FEITOSA, 1996).

Os Tabuleiros são formas de relevo tabulares e subtabulares que ocorrem na área

emersa adjacente à faixa litorânea com níveis topográficos superiores aos da baixada, em geral

não ultrapassando os 100 metros de altitude. Os tabuleiros ocorrem contíguos no Golfão

Maranhense modelados em rochas sedimentares das formações Itapecuru e Barreiras, sendo

evidentes nos município de São Luís e São José de Ribamar.

CONCLUSÃO

As informações analisadas na literatura publicada sobre o tema apresentam certa

controvérsia quanto à apropriação conceitual para nomear os segmentos do ambiente costeiro

do Maranhão. Algumas publicações e pessoas ainda afirmam a existência do Litoral Norte

Page 11: Antonio Cordeiro Feitosa

embora a configuração geográfica não evidencie tal denominação, pois não é possível identificar

sua oposição binária: o litoral sul.

Considerando uma interpretação mais coerente, propõem-se a divisão em três unidades

geoambientais: Costa e Litoral Ocidental e Costa e Litoral Oriental, segmentados pela Costa e

Litoral do Golfão Maranhense, sendo apresentadas as respectivas delimitações.

Relativamente ao ambiente costeiro, propõe-se a discriminação entre Litoral e Costa,

uma vez que tais ambientes totalmente diferenciados por seus ecossistemas embora se

encontrem completamente imbricados pelos fluxos de energia que determinam suas

características dinâmicas.

Do ponto de vista social, os ambientes costeiros e litorâneos são completamente

diferentes na for de uso como se evidencia nos sistemas litorâneos: praias, mangues, lagunas,

vasas, mangues, apicuns e pântanos, em oposição aos sistemas costeiros: dunas e paleodunas,

restingas, tabuleiros e lagoa entre outros.

REFERÊNCIAS

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Geomorfológica. Campinas: 3(5): 35-45, abr. 11960.

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Geografia. Rio de janeiro: I(4): 25-50, out. 1939.

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