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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA CURSO DE HISTÓRIA ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música Popular (1950-1956) São Luís 2015

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Page 1: ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR · ... prefiro acreditar como o escritor que o sonho jamais acaba. ... meu amor, saiba que eu te amo ... pois preocupou-se com o estudo da

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO

CENTRO DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA

CURSO DE HISTÓRIA

ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR

A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA

POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música

Popular (1950-1956)

São Luís

2015

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ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR

A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA

POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música

Popular (1950-1956)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de História da Universidade Estadual

do Maranhão, como requisito para obtenção

de grau em História Licenciatura.

Orientação: Prof. Ms. Yuri Costa.

São Luís

2015

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Ribeiro Junior, Antonio Carlos Araújo

A experiência do jazz na construção da música popular brasileira: uma análise de

discursos na Revista da Música Popular (1950-1956) / Antônio Carlos Araújo

Ribeiro Júnior. – São Luís, 2015.

109 f.

Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do

Maranhão, 2015.

Orientador: Prof. Me. Yuri Costa.

1.Jazz. 2.Música Popular. 3.Identidade Nacional. 4.Revista da Música Popular. I.

Título

CDU: 784.4(81): 781.161 “1950 a 1956”

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ANTONIO CARLOS ARAUJO RIBEIRO JUNIOR

A EXPERIÊNCIA DO JAZZ NA CONSTRUÇÃO DA MÚSICA

POPULAR BRASILEIRA: uma análise de discursos na Revista da Música

Popular (1950-1956).

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

ao curso de História da Universidade Estadual

do Maranhão, como requisito para obtenção

de grau em História Licenciatura.

Orientação: Prof. Ms. Yuri Costa.

Aprovada em: ___/___/______

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________

Prof. Ms. Yuri Costa

(Orientador)

_________________________________________________

1º Examinador

________________________________________________

2º Examinador

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À minha família, minha noiva e meus amigos. E

também a algumas almas que, mesmo habitando as

regiões mais incógnitas da existência, continuam

cantando, cantarolando, solfejando ou assobiando

uma canção.

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AGRADECIMENTOS

O escritor americano Edgar Allan Poe exprimiu, certa vez em um de seus poemas

intitulado Um sonho dentro de um sonho, que tudo o que se vê, ou se apresenta como a

realidade, pode ser apenas um sonho. E mais: pode ser apenas um sonho dentro d’outro. Apenas

uma camada mais funda de irrealidade, uma epiderme onírica que nos confunde os sentidos e

nos constrange ao ponto de sobrar nada além de um último esforço: a aceitação. A – nada

simples - aceitação de que nunca chegaremos ao fundo deste sonho, ou ao encontro do que há

atrás do véu. Outro escritor que confirmou isso foi o argentino Jorge Luís Borges, em O sonho

de Coleridge. Um ensaio em que o autor busca encontrar o cordão umbilical que une o sonho

de um poeta inglês do século XVIII, chamado Samuel Taylor Coleridge, ao sonho de um

imperador Mongol do século XIII. Luís Borges persegue o fio de Ariadne até perceber que os

dois sonharam o mesmo sonho em tempos e lugares deveras distintos. Uma assombrosa

coincidência? Uma interpretação apressada ou um sonho dentro de um sonho? Se a última

opção estiver correta, se realmente as sublimes imagens inconscientes daqueles indivíduos se

entrelaçaram, prefiro acreditar como o escritor que o sonho jamais acaba.

Este trabalho começou como um sonho de um baterista apreciador de jazz, blues e

rock n’ roll que tomou a forma escrita de um trabalho acadêmico de História, uma de minhas

tantas paixões. E por falar em paixão, para que isso tudo fosse possível contei com a ajuda

primeiramente da minha noiva Isabelle Myzmann Santos da Silva que me apoiou desde o início

nesta audaciosa empreitada. Ela esteve ao meu lado, me ajudando como pôde em todo o

processo e me incentivando a não desistir do meu desejo de pesquisar sobre essa temática.

Obrigado, meu amor, saiba que eu te amo muito. Agradeço aos meus amigos, Luís Fernando

Pinheiro, Paulo Arouche, Crysthian Sousa, Ronny Pereira, William Braga e outros tantos da

turma de História 2010.2, que acompanharam a evolução desta pesquisa desde o momento em

que me deparei com um livro sobre jazz do Eric Hobsbawm na biblioteca do curso, mas que

pertencia ao curso de Arquitetura. Como músico e estudante de história foi um contato

fundamental. Ali, naquele momento, um germe investigativo já estava se manifestando, com

toda certeza. Alguns nomes do curso de História foram igualmente importantes em minha

formação e não poderia deixar de citá-los nesses agradecimentos. Refiro-me ao amigo e poeta

de mão cheia Paulo Freyre, com quem compartilhei de minhas aventuras literárias. Lucas

Parreão, amigo desde os tempos da escola e um guitarrista com muita musicalidade, junto dele

tive oportunidade de tocar em vários palcos, inclusive em eventos do curso. Em alguns desses

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eventos, estávamos ao lado de Erick Leandro e Thaynara Luzo, pessoas que também merecem

ser mencionadas aqui.

Aos amigos de palco e companheiros da vida, Iomar Phillip, Rodolfo e Felipe

Nunes, músicos excepcionais que tocam comigo na banda Savagez. Durante a escrita desta

monografia estávamos gravando nosso primeiro EP que tenho certeza que será muito bem

recebido pelo público da cidade de São Luís e outros tantos cantos Brasil a fora. É uma grande

honra tocar ao lado deles, sem dúvida alguma.

Agradeço profundamente aos amigos e vizinhos, João Ricardo, Lauro Martins,

Marcus Vinícius e Afonso Natan, pela grande ajuda, prestatividade e interesse no meu trabalho.

Vocês são realmente grandes amigos. Agradeço ao professor Dr. Gustavo Alonso, por ter me

orientado no começo da pesquisa e ter se esforçado para fazer o máximo que pôde enquanto

esteve no Maranhão. Guardo com muito carinho seu livro sobre o Simonal autografado em

minha biblioteca e também, ótimas lembranças. Agradeço imensamente ao Horácio Figueiredo,

e sua namorada Maria Santos por me ajudarem com as questões técnicas do trabalho. Eles

tiveram papel fundamental nesse processo, também. Obrigado pelas madrugadas mal dormidas,

amigos!

Gostaria de agradecer especialmente ao professor Yuri Costa por sua dedicação ao

assumir a orientação deste trabalho, e pelo empenho como professor. E aos professores Marcelo

Cheche Gaves, Mônica Piccolo, e Henrique Borralho exemplos de compromisso e perspicácia.

Agradecimentos especiais aos pesquisadores de jazz, Marilia Berguenmayer Giller, de Curitiba,

e a Augusto Pellegrini pelo suporte e palavras de motivação. Espero contribuir tanto quanto

eles para essa história ainda obscura, que é a história do Jazz no Brasil e alhures.

Por último, mas não menos importante, quero agradecer aos meus pais por todo o

suporte que dedicaram, e a preocupação veemente com os meus estudos durante toda a minha

trajetória no curso de História. Sei bem do esforço que fizeram para que tudo isso fosse possível.

Sem eles realmente nada disso teria sido possível. São exemplos de responsabilidade, esforço,

dedicação, amor e sacrifício. Eles sabem das minhas noites regadas de trabalho, preocupação e

desejo de produzir um trabalho acadêmico de qualidade. Obrigado, senhor Antônio Carlos

Araújo Ribeiro, senhora Rosinete Santos Nunes e minha irmã, Ana Carolina. Vocês são mais

que especiais, são meus maiores exemplos de vida. Podem acreditar.

Enfim, agradeço a todos que direta, ou indiretamente contribuíram para que os

resultados deste trabalho fossem possíveis e também aos que não acreditaram que fosse possível

falar de jazz e história no Maranhão. É exatamente no silêncio que o historiador pode escutar

nitidamente um som, nem que seja um ruído sequer. No mais, se eu pudesse e a memória

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permitisse, incluiria o nome de outras tantas pessoas envolvidas nesta minha empreitada.

Felizmente, todo historiador sabe que o trabalho sempre segue e espero poder em outros

trabalhos poder agradecer a mais pessoas, pois o sonho jamais termina.

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As diversas partes vivem suas vidas separadas; elas

se tocam, seus caminhos se cruzam, combinam-se um

instante para criar o que parece uma harmonia final

e perfeita, — mas somente para tornarem a separar-

se mais uma vez. Cada uma é sempre só, separada e

individual.

(Contraponto – Aldous Huxley)

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RESUMO

Este trabalho visa analisar os discursos sobre música popular brasileira e jazz da Revista da

Música Popular, periódico carioca que circulou entre os anos de 1954 e 1956. De maneira

central, busca-se investigar as diferentes apropriações do jazz no ambiente de (des)construção

da noção de música popular brasileira e identidade nacional ao longo da década de 1950. O

periódico serve como pedra angular para essas discussões, pois preocupou-se com o estudo da

música popular em seus mais variados aspectos, uma vez que a revista reuniu diversos

intelectuais como colaboradores. O trabalho analisará os discursos sob a ótica da polifonia e do

dialogismo de Mikhail Bakhtin, por se tratar de conceitos que se manifestam na relação entre

diversas vozes no discurso. Por meio desta metodologia, pretendo analisar as ambiguidades no

trato com o jazz em meio ao projeto de autenticação da música popular defendido na revista.

Palavras-chave: Jazz. Música Popular. Identidade Nacional. Revista da Música Popular.

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ABSTRACT

This work aims to analyze the discourses on Brazilian popular music and jazz of the Magazine

of Popular Music, a magazine from Rio de Janeiro that circulated among the years 1954 and

1956. Centrally, I seek to investigate the different jazz appropriations in the environment (de)

construction of the notion of Brazilian popular music and national identity, over the decade to

1950. The magazine serves as a cornerstone for these discussions, it was concerned with the

study of popular music in its various aspects. Since the magazine brought together many

intellectuals as collaborators, this work will examine the speeches from the perspective of

polyphony and dialogism of Mikhail Bakhtin, because these concepts are manifested in the

relationship between diverse voices in the speech. Through this methodology, I intent to analyze

the ambiguities in dealing with jazz in the middle of authentication project of popular music

defended by the magazine.

Key-words: Jazz. Popular Music. National Identity. Popular Music Magazine

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Jazz Band Bico Doce.

Imagem 2 – Os Oito Batutas, 1922.

Imagem 3 – Jazz Band O cruzeiro (Porto Alegre).

Imagem 4 – Partitura musical do Jazz Band Sul-Americana publicada pela Casa Wehrs.

Imagem 5 – Segundo disco da parceria Francisco Alves e Aurora Miranda com o famoso

fox trot “Você só... mente” composto por Noel Rosa e Hélio Rosa em 1933.

Imagem 6 – Capa da edição de número quatorze com Orlando Silva.

Imagem 7 – Capa da primeira edição com Pixinguinha ao sax.

Imagem 8 – Edição especial: “Choram a morte de Carmen Miranda”.

Imagem 9 – Livro Pequena História do Jazz, Sérgio Porto.

Imagem 10 – Obra Jazz Panorama (primeira edição).

Imagem 11 – Livro Jazz & Co. (2013) Vinícius de Moraes.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Músicos em destaque do período de 1946 a 1957.

Tabela 2 – Primeiro Bloco: A influência do jazz e as primeiras jazz bands brasileiras.

Tabela 3 – Segundo Bloco: As jazz bands e os grandes cantores da Era do Rádio.

Tabela 4 – Terceiro Bloco: Jazz e Bossa Nova.

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SUMÁRIO

p.

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 14

1. JAZZ E MISTURA MUSICAL NO BRASIL ................................................ 24

1.1 As jazz bands nacionais no início do século XX ............................................. 24

1.2 Síncopes e contratempos na Era do Rádio ...................................................... 37

2. POLIFONIA NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR ................................ 46

2.1 A Bossa Nova da Imprensa Musical ................................................................ 46

2.2 Um projeto para a música popular .................................................................. 55

2.3 Os silêncios e os sons da memória musical brasileira .................................... 66

3. JAZZ: ATRAÇÃO E REPULSA ..................................................................... 73

3.1 No balanço do Jazz ............................................................................................ 73

3.2 Um tipo de jazz .................................................................................................. 77

3.3 Dissonâncias e contrapontos na Revista da Música Popular ........................ 86

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: REVERBERAÇÕES E

AMPLIFICAÇÕES NA DÉCADA DE 60 ......................................................

95

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 101

ANEXO 1 – Listas de músicas selecionadas para uma pequena discografia

sobre o Jazz no Brasil (CD-ROM) ..................................................................

106

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INTRODUÇÃO

Ler, ouvir e escutar são verbos que pressupõem formas diferentes de acesso a

determinado conteúdo, mas são também formas distintas de se conceber a História. Assim, para

entender as formas como uma sociedade em um determinado momento concebeu, vivenciou ou

mesmo produziu certas sonoridades, optar por analisar apenas o que foi dito pode não ser o

suficiente, sendo necessário, nesse sentido, ter acesso aos mesmos sons do passado; à trilha

sonora de um determinado contexto para que o trabalho do historiador possa ser cada vez mais

elucidativo e satisfatório.

À luz do título deste trabalho A experiência do jazz na construção da música

popular brasileira: uma análise de discursos na Revista da Música Popular (1950-1956), busco

compreender os debates sobre o processo de construção da ideia de identidade nacional, de

música popular brasileira e sua curiosa relação de atrito com o jazz. Mas viso também ter acesso

a esses sons e ao que foi dito sobre esses sons, pois compuseram a trilha sonora do recorte

selecionado. Portanto, aqui pretendo estabelecer uma relação entre som e escrita do passado.

Neste trabalho, optei pelo jazz, justamente por ser elemento alienígena, isto é, fator

externo que se apresenta como elemento de diferenciação. Ademais, o gênero musical possuía

forte apelo comercial junto a uma nascente cultura de massa (NAPOLITANO, 2002, p. 9) e

vasta difusão na América Latina, sobretudo no Brasil1, o que resultou em uma fricção musical,

e de forma subsequente, em uma aglutinação à música brasileira. Esse processo, como viso

demonstrar, fomentou debates em torno da ideia de brasilidade na música produzida no Brasil.

Nesse sentido, o objetivo central deste trabalho é investigar as diferentes

apropriações do jazz no ambiente de (des)construção da noção de música popular brasileira ao

longo da década de 1950. O recorte se justifica porque a década de 1950 foi, por vezes,

considerada por alguns historiadores como um momento “que interrompeu o fluxo linear de

progresso criativo e desenvolvimento autônomo de nossa ‘autêntica música popular nacional”

(MORAES, 2010, p. 256). Mas também é um momento em que, segundo Maria Clara

Wasserman (2008), havia bastante espaço para diversos gêneros musicais brasileiros, até mais

do que músicas estrangeiras.

Ainda assim foi recorrente a noção de que a música brasileira estava em caminhos

de uma “decadência” na década de 1950 por conta das influências estrangeiras, uma “crise”

1 O historiador destaca o contexto entre guerras como sendo crucial para a difusão do material jazzístico em nível

global, fosse por intermédio dos aparelhos de gramofone, fosse pelas gravadoras, rádios, pelo cinema ou pelas

apresentações promovidas pela indústria cultural. Após a Segunda Guerra, a influência americana se tornou mais

evidente por meio da Política de Boa Vizinhança.

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que, segundo os colaboradores da Revista da Música Popular (RMP), deveria ser combatida,

conclamando as rádios e os leitores que voltassem sua atenção para os músicos de vanguarda,

sendo estes vistos como “puros”, ou seja, os mais autênticos músicos brasileiros.

Nesse sentido, é necessário investigar primeiramente o ambiente de recepção do

jazz no Brasil. Assim, no primeiro capítulo Jazz e mistura musical no Brasil, a partir do tópico

As primeiras jazz bands nacionais, o foco será analisar a influência do jazz nas bandas regionais

e orquestras tradicionais, originando as primeiras bandas de jazz brasileiras. Pretendo entender

porque essas bandas adotaram o rótulo “jazz band”, sendo os primeiros registros dessa

influência datados do início do século XX.

As décadas 1930 e 1940 já apontam para uma necessidade de formular o que de

fato era “nacional”, devido ao investimento do Estado Novo em selecionar, censurar conteúdos

e privilegiar a imagem de outros artistas que passavam a carregar a alcunha de “vozes do brasil”.

Valter Krausche identifica esse Estado como “disciplinador” e “musical” (KRAUSCHE, 1983,

p.51), que absorvia as manifestações populares e que se preocupava com sua difusão, tanto no

espaço nacional quanto internacional.

Em idos da década de 1940, os acordos diplomáticos gerados pela Política de Boa

Vizinhança reacenderam novas influências do jazz na música brasileira e uma nova mistura. “A

voz musical da América tornava-se uma referência na ‘mistura’ musical do Brasil, entrava

definitivamente na rede do ‘grande abraço’” (KRAUSCHE, 1983, p. 59). Essa troca cultural,

afetou justamente os artistas de renome nacional que viriam a compor a Era de Ouro da música

popular brasileira por fazerem parte da Era do Rádio.

Assim, ainda no capítulo 1, no tópico Síncopes e contratempos na Era do Rádio, o

objetivo é perceber a continuação dessas bandas de jazz em importantíssimas gravações

realizadas por cantores famosos das décadas de 1930 e 1940, sendo a maioria destes associados

à Época de Ouro da música popular2, mas também destacar o nascimento de vozes dissonantes,

contrárias à influência do jazz na música brasileira.

Em síntese, é necessário pontuar que o jazz chegou ao Brasil em meio às discussões

sobre música e identidade nacional, estabelecidas primeiramente pelos intelectuais folcloristas.

Esses debates se baseavam, grosso modo, em motivações de cunho identitário, nacionalista,

colecionista e memorialista.

Identitário porque desde os primeiros estudos de Mário de Andrade, Renato de

Almeida e Silvio Romero sobre a música brasileira se creditou às canções folclóricas a principal

2 Denominação cunhada por Ary Vasconcelos referindo-se ao cenário da produção musical dos anos 1930.

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herança cultural do país. Nacionalista porque tal herança seria resultante do encontro das três

raças formadoras da nação: a portuguesa, a indígena e a negra africana. Colecionista pela

necessidade de preservar de toda e qualquer influência “impura” as peças folclóricas3, e

posteriormente memorialista, pelo exercício da primeira geração de historiadores da música

popular urbana de preservar, valorizar e pesquisar a história da música brasileira e suas raízes

por meio da memória individual.

Há um silêncio nos estudos folclóricos sobre esse primeiro contato com o jazz, pois

a preocupação com o resgate da música folclórica era de preservar os gêneros musicais

“brasileiros”, como o maxixe, o lundu, as modinhas e os sambas, do modelo de modernização

europeu que se queria aplicar no Brasil pelas elites no início do século XX, espécie de

branqueamento da cultura brasileira baseado nos padrões da Belle Époque (CONTIER, 1998,

p. 3). Naquele momento, as elites carioca e paulista projetavam no Brasil uma varredura da

cultura popular, isto é, daquilo que significava algo atrasado e não-civilizado. Essa postura tinha

relação com a concepção europeia de cultura, que naquele momento estava no centro dos

debates nacionalistas.

Segundo Ciro Flamarion (1997), a noção de cultura aos moldes franceses estava

relacionada com a ideia de civilização, e esta ideia denotava a superação da barbárie, dos

aspectos não-civilizados do homem. Em outros termos, uma “alta cultura” afastada e tolhida de

toda e qualquer selvageria. A noção de cultura popular para os alemães, pelo contrário, enaltecia

as raízes folclóricas e os valores do campo como reduto da verdadeira nacionalidade devido à

sua lentidão nas mudanças estruturais, em contraposição à vida urbana, esta última mal vista

pelos folcloristas alemães.

Dessa forma, os modernistas, influenciados pelas ideias nacionalistas e folcloristas,

começavam a pensar o Brasil pelo Brasil. Os pioneiros a tratarem das peças musicais brasileiras

influenciados pelo ideal alemão de cultura popular foram Renato de Almeida, Oneyda

Alvarenga e Mário de Andrade. Renato Almeida chegou a afirmar na II Semana Nacional do

Folclore que “abandonar o folclore é contribuir para desnacionalizar, é cometer o mesmo crime

que desflorestar as nossas terras4” (VILHENA, 1997, p. 194). Já Mário de Andrade afirmava

que “a música popular brasileira é a mais completa, mais totalmente nacional, mais forte criação

da nossa raça até agora” (ANDRADE, 1962, p. 24).

3 É importante destacar que para este grupo de estudiosos da música popular, composto por pesquisadores

folcloristas, a música urbana não poderia ser autenticamente brasileira por causa de sua facilidade de mistura com

outros estilos no momento de sua difusão por intermédio das rádios e outros meios de comunicação, estabelecendo

uma função meramente comercial à música. 4 Segundo o autor, essa fala tem mais ligações com a atração do que pela repulsa das influências externas.

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É possível que a apatia em relação às bandas de jazz nacionais tenha se dado devido

ao fato desses folcloristas modernistas não terem visto com bons olhos a música urbana, sendo

esta, para eles, mais propícia à comercialização e à mistura com influências estranhas, essa

opção foi em boa parte por conta do ideal nacionalista em voga na época.

O próprio Mário de Andrade afirmou em Ensaio Sobre a Música Brasileira (1962)

que “todo artista brasileiro que no momento atual fizer arte brasileira é um ser eficiente com

valor humano”, mas também afirma que “o que fizer arte internacional ou estrangeira, se não

for gênio, é um inútil, um nulo. E é uma reverendíssima besta” (ANDRADE, 1962, p. 19). Isto

é, mesmo valorizando um tipo de músico – aquele que executa um repertório de músicas

brasileiras –, Mário de Andrade fala da possibilidade de músicos executarem também o

repertório estrangeiro, caindo sobre estes a responsabilidade de o fazer de maneira satisfatória.

Não estava claro, portanto, se havia ou não uma repulsa por parte dos folcloristas

em relação à música estrangeira. A clássica fala de Mário de Andrade, ao se deparar com um

maxixe intitulado Aruê de Chango, de João da Gente, é um exemplo fundamental. O

pesquisador afirmou não perceber na peça musical ameaça alguma do jazz a sua musicalidade,

pelo contrário, diz que “os processos polifônicos e rítmicos de jazz que estão nele não

prejudicam em nada o caráter da peça. É um maxixe legítimo. De fato, os antepassados

coincidem” (ANDRADE, 1962, p. 222).

Em relação aos interessados na música urbana, que foram encabeçados por

Almirante, Mariza Lira, Jota Efegê e Lúcio Rangel, entre outros, era necessário valorizar ambas

as manifestações culturais brasileiras5. Essa corrente – surgida dentre as décadas 1930 e 1940

– visava valorizar a música popular urbana que havia sido marginalizada em prol de um projeto

folclorista em vigência.

Se por um lado esses novos pesquisadores bebiam nos moldes da pesquisa

folclórica, por outro se distanciavam da apatia desses estudos em relação às peças musicais

urbanas, pois, como afirma José Geraldo, “na época tanto para os historiadores de ofício como

para os intelectuais preocupados com a preservação e a difusão da cultura nacional, a música

popular urbana não tinha nenhuma importância cultural ou social” (MORAES, 2010, p. 1).

É possível localizar em ambos os grupos de historiadores que se debruçaram sobre

a música popular e a identidade nacional um discurso obscuro, ambíguo sempre que se tratava

do local da música estrangeira na música brasileira. Como o próprio Mário de Andrade analisou

5 Segundo Paulo Vilhena, pode-se considerar um movimento folclórico no Brasil entre 1947 e 1964, quando do

enfraquecimento dos estudos folclóricos por causa do Golpe. Portanto, folcloristas urbanos e tradicionais

coexistiram nesse meio tempo.

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em suas pesquisas, a música brasileira era híbrida, misturada, um encontro de povos de cultura

e raça distintas, portanto deveria sempre lidar de maneira inteligente, com os elementos

musicais de outros povos, “sem preconceito”. Porém, não poderia ser “nem exclusivista, nem

unilateral”, e deveria ter uma reação a essa influência, ou seja, deveria utilizar

“espertalhonamente” o elemento estrangeiro, “pela deformação e adaptação dele. Não pela

repulsa” (ANDRADE, 1962, p. 26).

É justamente por causa dessa metodologia que o discurso dos folcloristas urbanos

ou heterodoxos6 será o principal foco deste trabalho, uma vez que parecem dar mais atenção do

que os primeiros folcloristas à questão da influência do jazz e outros gêneros na música

brasileira. Essa influência estrangeira na música brasileira – que se tornou cada vez mais notória

entre 1940 e 19507 – resultou em um apelo de alguns desses historiadores a uma memória

musical baseada na Era de Ouro da música popular.

A necessidade de rememorar, divulgar e valorizar as músicas do passado, somada

à necessidade de coletar dados e promover pesquisas sobre as raízes da música brasileira, se

fizeram presentes na Revista da Música Popular, influente periódico da década de 1950 que

reuniu diversos intelectuais e artistas a favor do mesmo projeto, e que constitui principal fonte

deste trabalho.

Portanto, após estabelecer um conhecimento prévio da presença do jazz e seu

reflexo na música popular no Brasil no início do século XX, o trabalho seguirá para a análise

dos discursos presentes na Revista da Música Popular. Por isso, no capítulo 2, no tópico A Bossa

Nova da Imprensa Nacional, a preocupação será analisar a RMP, a começar pela a estrutura da

revista, o perfil de seus colaboradores e suas funções no periódico, seguindo uma narrativa mais

contextual.

Assim, ainda no segundo capítulo, após estabelecer um conhecimento sobre o

periódico irei iniciar a análise dos discursos, a partir dos tópicos Um projeto para a música

popular e Os silêncios e os sons da memória musical brasileira, proponho analisar a forma de

tratamento da revista em relação aos músicos da Época de Ouro e os ditos “imitadores”, termo

6 Denominação utilizada para se referir aos estudiosos da música brasileira da década de 1950 que foram

influenciados pelo método de pesquisa folclorista. 7 Intensificou-se o consumo de bens estrangeiros e a troca cultural entre americanos e latinos no pós-guerra com a

Política de Boa Vizinhança. Criada no governo do presidente Franklin Delano Roosevelt em 1930, essa estratégia

político-econômica visava superar os ditames da Doutrina Monroe, a fim de estabelecer laços econômicos fortes

com a América Latina. No artigo A Política de Boa Vizinhança e a influência cultural estadunidense na América

Latina, Guilherme Augusto do Nascimento e Jonatas Pinto Lima afirmam que, entre as décadas de 1930 e 1940,

um órgão intitulado Office of the Coordinator of the Inter-American Affairs (OCIAA), depois chamado de Office

of the Inter-American Affairs, foi responsável por promover a produção e a exibição de conteúdos da cultura norte-

americana, como produções cinematográficas, conteúdo musical e artes em geral.

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recorrente no periódico, geralmente associado aos músicos que flertaram com o jazz e que,

segundo os colaboradores da revista, compactuavam com a “decadência” da música brasileira.

No terceiro e último capítulo, intitulado Jazz: atração e repulsa, pretendo discutir

a relação ambígua do periódico em relação ao jazz, pois percebo que, mesmo com um projeto

de “reavivamento” da música brasileira e da tentativa de arquivar, pesquisar e valorizar os mais

diversos sons originalmente brasileiros, em todas as quatorze publicações havia artigos,

discografias, crônicas e reportagens a respeito do gênero musical americano, fato que não

aconteceu com os demais estilos estrangeiros.

Além disso, alguns dos críticos musicais do periódico foram os responsáveis pela

produção das primeiras obras de jazz nacionais, que também apresentarei neste trabalho. Em

outras palavras, pretendo analisar a forma como o jazz e seus referenciais de musicalidade,

estilo e expressão cultural são debatidos pelos críticos da Revista da Música Popular, a fim de

perceber a relação entre música popular, jazz e identidade nacional no periódico estudado.

Nesse sentido, no capítulo 3 pretendo prosseguir na análise dos discursos presentes

na RMP, com o foco nos artigos relacionados ao jazz e seus elementos de expressão e

musicalidade. O objetivo é analisar as formas como o jazz é debatido pelos críticos musicais no

periódico e as razões para tal interesse. À priori, essa análise será feita sob a concepção de

polifonia, que para Mikhail Bakhtin pressupõe uma produção textual em que os sujeitos

possuem vozes distintas e independentes. A polifonia é composta por “sujeitos de seus próprios

discursos” (BEZERRA, 2012, p. 195), isto é, é uma forma de representar a pluralidade de vozes

no texto, agindo de maneira independente, com características discursivas próprias8.

Para além disso, a polifonia serve como metáfora, na medida em que se manifesta

não apenas na linguística, mas também na música, sendo, grosso modo, uma forma de canto

forjada por várias vozes e sendo utilizada também no jazz, no qual era “aplicada ao emprego

simultâneo de várias melodias ou linhas contrapontísticas” (SCHULLER, 1968, p. 444).

Há algumas questões fundamentais que permeiam os capítulos 2 e 3, como por

exemplo, a forma como foi discutida a “música popular” na RMP. Estariam esses debates

vinculados a uma tentativa de formatação da noção de “identidade nacional” na época?9 Se

8 Sabendo que há a possibilidade dessas vozes dialogarem tanto com a bibliografia de jazz estrangeira quanto entre

si, poderá surgir a necessidade de utilizar o conceito de dialogismo, ou intertextualidade, pois nesta representação

os sujeitos dialogam, sem necessariamente chegar a uma noção estanque de verdade ou autenticidade. O

dialogismo é portanto, segundo Paulo Bezerra (2012), um “processo de comunicação interativa” de onde se

manifesta a polifonia, isto é, a multiplicidade de vozes. 9 Segundo Marcelo Ridentti (2000), as décadas de 1950 e 1960 foram profundamente marcadas por essas

discussões de cunho identitário. Na década de 1950, a busca da identidade nacional vivia o dilema da

“modernização” e da necessidade de manutenção das tradições culturais brasileiras. Em fins dos anos 1950, houve

um recrudescimento do combate à influência político-cultural dos Estados Unidos e a manifestação de uma busca

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havia um combate contra as influências externas, por que houve a preocupação com a

autenticidade e apreciação do jazz no periódico? Por que a escolha do jazz e não de outro ritmo

estrangeiro? Quais foram as razões para tal ambiguidade? Em que medidas esses debates

influenciaram a música popular brasileira na década de 50? São questões de significativa

relevância que este trabalho visa se debruçar e analisar.

Parece haver uma continuidade na concepção folclorista na década de 1950, por

causa do grande prestígio que o Movimento Folclórico obteve na sociedade, chegando a

influenciar outros pesquisadores da classe média, advindos dos grandes centros urbanos, dentre

eles Lúcio Rangel, principal diretor da Revista da Música Popular e aficionado por jazz. Nesse

sentido, se não estava claro o lugar da música internacional na música brasileira nos estudos de

Mário de Andrade e de outros folcloristas tradicionais, muito menos claro estava no discurso

dos colaboradores da revista que buscavam enaltecer a música popular urbana.

A escolha da fonte se justifica pelo período em que a RMP circulou de 1954 a 1956,

e também pelo significado que a década de 1950 assumiu na historiografia da música popular:

um lugar um tanto marginalizado e estigmatizado para alguns historiadores, que sob essa ótica

a veem como um tipo de “idade das trevas” da música brasileira, menos importante do que as

décadas de 1930, quando há a necessidade de construção da imagem de artistas nacionais e a

de 1960, quando nasce a chamada “música de protesto”.

Por conta dessas discussões que repercutiram no cenário musical da época, o

objetivo principal é analisar os debates estabelecidos sobre música brasileira na Revista da

Música Popular e, após, o local do jazz nas discussões sobre o que significa música popular no

Brasil na década de 1950 e só então tentar entender o espaço do jazz no debate sobre identidade

nacional.

Por fim, farei algumas breves considerações sobre a década de 1960, tendo em vista

uma continuidade das discussões sobre jazz e música brasileira, e sendo o jazz dessa vez

completamente rechaçado por uma corrente radical de críticos nacionalistas, a exemplo de José

Ramos Tinhorão. Marxista, Tinhorão combateu a influência estrangeira de maneira veemente

em quase todas as obras que produziu sobre música popular. Compactuam com sua visão Vasco

Mariz e Ary Vasconcelos, formando um grupo de historiadores preocupados com a total pureza

da música brasileira e temerosos pela influência imperialista do jazz.

vinculada à idealização dos homens do campo, como redutos da pureza nacional. Para o pensamento intelectual

de esquerda, era necessário repensar a cultura brasileira com vistas nas raízes populares. O que pode explicar em

parte a idealização dos colaboradores da RMP pela Velha Guarda, que embora fosse formada por músicos

populares das rádios, era tratada de maneira romantizada, folclórica.

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A década de 1960, contudo, traz à tona uma série de questões que extrapolam os

limites deste trabalho, ficando a cargo de uma posterior e mais cuidadosa análise. É necessário

apenas identificar no fim do ISEB, e surgimento do CPC – Centro Popular de Cultura10 – uma

nova concepção de cultura popular que repudia principalmente o jazz como produto alienante

e imperialista. Estas questões estarão presentes, de maneira sucinta, nas considerações finais,

de título Reverberações e amplificações na década de 60.

Assim, a bibliografia utilizada neste trabalho se baseia na historiografia da música

popular, mas também na historiografia sobre jazz, na qual pude coletar informações sobre esse

gênero, a fim de entender melhor sua linguagem e de estabelecer um raciocínio crítico sobre o

momento de encontro entre ele e a música popular brasileira.

Em virtude do exposto, o trabalho segue sobre uma concepção de análise que busca

relacionar a escrita e a escuta, apresentando, além da discussão historiográfica, possibilidades

de análise e acesso ao material fonográfico selecionado11. Tal necessidade se justifica ainda

pelo contato com discursos que insinuavam uma ligação umbilical entre o jazz e a música

tradicional, como no caso de Mário de Andrade, que chegou a afirmar que o jazz e o maxixe

Aruê Chango têm origens comuns.

Portanto, é necessário que o historiador tenha contato com os sons do passado para

melhor compreender as discussões sobre eles dentro do recorte estudado. Como este trabalho

tem por interesse a análise da mistura musical e suas resultantes do ponto de vista crítico e

artístico no Brasil, o repertório selecionado para a escuta deve começar exatamente pelas

primeiras jazz bands nacionais12.

O primeiro bloco resulta da coleta e da escuta de peças gravadas por essas bandas

de jazz nacionais. O segundo bloco é de canções representativas, que fizeram sucesso entre as

décadas de 1930 e 1940 e que tinham de certa forma um flerte com o jazz em suas orquestrações,

as chamadas “fox-canções”. Essas músicas eram interpretadas por cantores famosos do rádio e

gravadas em conjunto de jazz bands brasileiras.

O terceiro e último bloco se refere à escuta dos músicos que pensaram em

modernizar o samba, inserindo nele elementos jazzísticos de maneira lapidada e que por isso

10 Instituição vinculada a UNE – União de Estudantes – em 1961, extinta apenas na época do Regime Militar. 11 A escolha por esta metodologia não é simplesmente estética ou apenas para proporcionar uma experiência fruída.

O material fonográfico foi coletado justamente para fundamentar o debate historiográfico e a análise dos discursos.

Nesse sentido, segundo José Geraldo Vinci de Moraes, o uso de tal metodologia “[apontaria] para a possibilidade

e, principalmente, a viabilidade do historiador tratar a música e a canção popular como uma fonte documental

importante para mapear e desvendar zonas obscuras da história, sobretudo aquelas relacionadas com os setores

subalternos e populares” (MORAES, 2000, p. 203). 12 No corpo do texto pretendo apresentar também imagens de algumas dessas bandas de jazz, para fins de uma

melhor visualização de sua formação instrumental.

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foram iniciadores do movimento Bossa Nova, estilo musical pelo qual os colaboradores da

Revista da Música Popular nutriam certo repudio. Essas gravações se iniciaram no final da

década de 1950.

Sendo assim, o texto monográfico vai acompanhado de um CD contendo uma

divisão em três blocos de gravações raras para ser escutado e analisado juntamente com este

texto. A proposta é oferecer maior proximidade com o material de gravação do período e do

objeto em questão, facilitando o acesso à paisagem sonora13 que será aqui discutida. As canções

foram escutadas, analisadas e separadas ao longo da pesquisa.

As principais fontes utilizadas para a coleta foram os sítios Chiadofone, página

virtual que reúne um significativo banco de canções raras gravadas em discos de 76 e 78rpm14,

o programa A canção no tempo da Rádio Batuta, baseado na obra de Zuza Homem de Mello e

Jairo Severiano, e que conta com um acervo de canções de sucesso do começo do século XX

até o fim da década de 1970. Essa página virtual foi de extrema relevância para a pesquisa, pois,

por meio dela pude fazer a escuta de gravações do período de 1920 a 1960, bem como

acompanhar os debates sobre música popular lá estabelecidos.

Ainda na programação da Rádio Batuta, contei com o programa Jazz, apresentado

por Reinaldo Figueiredo, especificamente, os blocos Jazz no cinema e Muito além da Bossa

Nova, que somaram bastante aos meus conhecimentos sobre jazz e música brasileira.

Documentários como Lúcio Rangel e o Jazz, Lúcio Rangel e o choro e Lúcio Rangel e o samba,

presentes na mesma rádio e apresentados por João Máximo, também foram de fundamental

importância para a pesquisa.

Fiz ainda consultas e realizei a escuta de peças musicais de jazz bands brasileiras

na página virtual do Instituto Moreira Sales (IMS), e no sítio Música Chiado, que apresenta o

mapeamento de 40.000 gravações, em meio a esse número mais de 416 gravações raras, dentre

dobrados, frevos, maxixes, schottisches e foxes gravados pelas jazz bands brasileiras. Lá pude

localizar datas de gravações, nomes de compositores e outras gravações de bandas de jazz ou

orquestras que se propuseram a tocar jazz com ou sem interpretes.

Além disso, pude realizar a escuta de gravações realizadas pelos grandes cantores

da Época de Ouro. Algumas destas canções pude encontrar no youtube.com com bastante

dificuldade, sendo estas disponibilizadas em diferentes canais de entusiastas da música popular

13 Ou soundscape, termo cunhado pelo compositor e ambientalista R. Murray Schafer para estudar os sons naturais

e seu impacto na sociedade. José Geraldo Vinci de Moraes se vale desse conceito para entender as nuances,

vicissitudes e questões envoltas na produção musical de determinado contexto histórico. 14 Discos de setenta e seis e setenta e oito rotações por minuto. Discos que antecederam os LPs no início século

XX.

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brasileira. A fim de me certificar a respeito dos dados referentes a essas gravações, fiz

constantes consultas à página virtual do Instituto Memória Musical Brasileira.

Igualmente, realizei consultas e coleta de informações sobre variadas jazz bands

brasileiras nos blogs Arquivo Histórico e Bacanelli História, em que pude ter contato com o

cenário musical de localidades na cidade de São Paulo – como Ribeirão Preto e Catanduva –

no começo do século XX, bem como a utilização de imagens de algumas dessas bandas.

Por tudo isso, a presente pesquisa é resultado de meus questionamentos em relação

ao trato com a música durante a graduação no curso de História Licenciatura da Universidade

Estadual do Maranhão e de minhas atividades como bolsista de fomento PIBIC/CNPq. Por meio

da bolsa de pesquisa pude trabalhar entre agosto de 2013 e julho de 2014 no projeto intitulado

Iniciação à Pesquisa em Música Popular, tendo o Professor Dr. Gustavo Alonso como

orientador e o professor Ms. Yuri Michael Pereira Costa como co-orientador, no que resultou

em apresentações orais e confecção de relatórios.

Ao longo de pouco mais de um ano de pesquisa pude reunir numerosa bibliografia

sobre jazz e música popular brasileira. Pude ter acesso também aos 14 números da Revista da

Música Popular, bem como às primeiras publicações nacionais sobre jazz, ambas as fontes

oriundas do início da década de 1950. Essas fontes foram analisadas e, no caso da revista,

digitalizados alguns de seus artigos.

Em meio às leituras e análise das fontes, foram estabelecidos alguns encontros com

o orientador por meio dos quais os rumos da pesquisa foram tomando forma, uma vez que, de

uma proposta ampla – música popular brasileira –, chegou-se a um recorte e um local específico

de estudo, resultando em satisfatórias apresentações orais no Seminário de Iniciação Científica

e elaboração de relatórios para o CNPq.

O professor Ms. Yuri Costa à frente da orientação, além de ter tido contato com a

historiografia da música popular, também propiciou uma retomada da discussão desenvolvida

na disciplina optativa História da música no Brasil, ministrada por ele na Universidade Estadual

do Maranhão, o que somou bastante no fomento à qualidade deste trabalho. Nesse longo

processo, foram articuladas reuniões, questionamentos, debates sobre as fontes e os dados

coletados, bem como o incentivo à pesquisa, principalmente, no que tange o seu caráter teórico-

metodológico. Portanto, o texto que se segue pretende minimamente expor de forma elucidativa

os resultados obtidos.

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1 JAZZ E MISTURA MUSICAL NO BRASIL

1.1 As jazz bands nacionais no início do século XX

Realiza o Brasil Esporte Club, no próximo dia 18, no Salão do Conservatório,

um festival musical e dançante. Tomam parte nessa festa os aplaudidos

musicistas Vicente de Lima, João da Costa Aguiar, Francisco Lerosa e

Guilherme Mignone. Tocará, durante as danças, que se seguirão à parte

musical, o jazz-band sob a direção do Sr. José Maria. Na secretaria do Club

estão desde já, à disposição dos sócios, os respectivos convites15.

Eis o anúncio de um festival de música patrocinado pela agremiação Brasil Esporte

Club da cidade de São Paulo, presente na seção “Vida Social” do jornal Folha da Manhã de

quatro de julho de 1925. O texto fala sobre uma “jazz-band” nacional contratada para tocar

enquanto os convidados dançassem em um salão particular. A presença dessas bandas de jazz

no Brasil, porém, não ficou restrita a associações privadas como pode parecer ao ler o texto

supracitado, mas como afirma Jair Paulo Labres, “na medida em que os anos passam pela

década de 1920, mais e mais jazz bands aparecem em anúncios de bailes carnavalescos, em

clubs e associações no Rio de Janeiro” (LABRES FILHO, 2014, p. 10).

Antes de adentrar na questão do jazz no Brasil é necessário fazer um sucinto

preâmbulo sobre o surgimento do jazz nos Estados Unidos, nas primeiras décadas do século

XX, a fim de situar melhor seu significado enquanto fenômeno social e musical. Após esse

resumo retomarei o contexto de inserção do gênero musical no Brasil16.

Em primeiro lugar, é possível admitir que o gênero foi uma evolução das canções

de trabalho, das canções espirituais e do blues17, esse último oriundo da relação cultural do

negro e do europeu, em fins do século XIX, isto é, já no término da escravidão nos Estados

15 Vida Social, Folha da Manhã, São Paulo, p. 4, 04/05/1925. 16 A intenção é nortear sobre os pontos principais de surgimento e proliferação do jazz de forma rápida e sintética,

haja vista o interesse maior neste trabalho ser de fato sua chegada no Brasil. Algumas obras para os interessados

em aprofundar os conhecimentos sobre a história do jazz podem ser a História Social do Jazz de Eric Hobsbawm,

que utilizo neste trabalho, e que traz uma análise histórica e social sobre a trajetória do jazz de sua “pré-história”

– como chama o historiador – até sua “Idade moderna”, entre as décadas de 60 e 70. Para entendimento dos

referenciais musicais, da formação musical a partir de elementos da cultura africana e europeia, há o livro O velho

Jazz de Gunther Schuller e sobre a questão mais voltada para sua contribuição no território norte-americano o livro

Jazz e sua influência na cultura americana de Leroi Jones. Para um melhor entendimento dos vários estilos de

jazz que se desenvolveram recomendo o livro O jazz do rag ao rock de Joaquim E. Berendt. 17 As canções de trabalho, ou work songs eram canções folclóricas cantadas nas plantações de algodão, ou outros

serviços nos tempos da escravidão, enquanto as canções espirituais, ou spirituals eram cantadas nas igrejas pelos

negros convertidos ao protestantismo. O blues é uma forma de canto, geralmente de doze compassos, no formato

de canto-resposta, uma das novidades trazidas da África. Esses cantos individuais, porém, tinham muita influência

da cultura europeia, pois modificava a escala comum e dava elementos rítmicos diferenciados, não subtraindo,

porém, as características europeias harmônicas, mas inserindo a blue note, isto é, um elemento melódico

bemolizado. Segundo Roberto Muggiati (1999, p. 24), essa modificação melódica constituía uma forma de

resistência aos padrões europeus de musicalidade impostos ao negro e que mantinha aspectos da escala europeia

apenas para que não soasse estranho ao colono.

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Unidos. Quanto ao significado da palavra jazz, o pesquisador Roberto Muggiati destaca

diversas possibilidades18, dentre as quais jaser, do francês “tagarelar, ou jasz, monossílabo da

África Ocidental que quer dizer “coito”, ou mesmo da gíria elisabetana jass, significando

“entusiasmo” ou “vibração” (MUGGIATI, 1999, p. 8).

Geralmente os historiadores de jazz mais tradicionais apontam como centro desse

desenvolvimento a cidade de Nova Orleans, embora alguns estudos mais recentes tentem

demonstrar que, na verdade, em diversas regiões também se faziam presentes manifestações

musicais semelhantes que dariam forma ao jazz, como por exemplo o blues. Entre algumas

dessas regiões destaco a cidade do Alabama, no Sudeste do país, e Saint Louis, localizada no

estado de Missouri. Entretanto o mais provável é que a cidade de Nova Orleans tenha

proporcionado um maior desenvolvimento ao jazz devido à sua localização geográfica e ao

ambiente propicio à mistura cultural.

Somente no começo do século XX esse estilo de música migraria para os grandes

centros urbanos ao norte dos Estados Unidos, como Chicago e Nova York, e lá encontraria

quem se interessasse em gravá-lo. O mercado de discos emergente e a grande demanda de

músicos negros, que saía da condição de pobreza do Sul em direção ao Norte, em busca de

emprego facilitou essa enorme difusão musical, surgindo os dois estilos tradicionais de jazz:

Dixieland e New Orleans19.

Entre os anos 1920 e 1930 há o surgimento de um mercado propício às bandas de

jazz. A partir deste momento, “o jazz tornou-se mais ‘popular’ do que nunca. As grandes bandas

negras de dança, nos anos seguintes a 1930, foram um entretenimento nacional”, portanto “essas

bandas também foram a influência mais forte sobre a música popular e o entretenimento dos

americanos, por vinte anos seguidos” (JONES, 1963, p. 168). Por conta desta comercialização

e da rápida proliferação do jazz, sua popularização se tornou possível fora dos Estados Unidos.

18 Essa origem obscura do sentido real da palavra jazz pode estar relacionada com a mistura racial em que se deu

seu surgimento, pois foi um gênero que se desenvolveu de maneira lenta por intermédio da intersecção de negros

africanos, espanhóis, franceses, e ingleses ainda nos tempos do regime escravocrata. Talvez por isso cada

significado e grafia tomem formas em línguas distintas, podendo se tratar de algum tipo de disputa por sua

paternidade. 19 Segundo os historiadores de jazz, essa migração aos centros urbanos foi de extrema relevância para as adaptações

que o jazz sofreu através dos anos. Os dois primeiros estilos de jazz eram basicamente chamados de estilo New

Orleans, ou tradicional – por conta da formação instrumental e da forma de tocar dos negros sulistas – e estilo

Dixieland, estilo diferenciado de executar o jazz tradicional inventado pelo conjunto de jazz Original Dixieland

Jazz Band. Eric Hobsbawm (2011) comenta que o estilo de Nova Orleans era composto por uma corneta e, na

década de 1920, o trompete, clarineta, trombone, tuba, e depois adição do tarol (caixa) e bumbo, o banjo e o

saxofone. O estilo Dixieland era uma tentativa de imitação do estilo Nova Orleans por parte dos músicos brancos,

porém a forma de execução do gênero musical rumou para uma “maior finesse instrumental e rítmica e a um maior

individualismo” (HOBSBAWM, 2011, p. 138).

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Somente depois da Segunda Guerra foram desenvolvidos novos estilos de jazz,

forjados no ambiente urbano. A partir de então, músicos mais habituados às questões sociais,

alguns vindos dos setores médios e muitos universitários, direcionaram o jazz a problemáticas

comuns à época, enfocadas em questões raciais e políticas, criando assim um estilo de jazz que

ia de encontro aos estilos comerciais (como o estilo swing, ou jazz clássico). Alguns desses

estilos modernos ficaram conhecidos como bebop¸ cool, sweet, e free jazz. Sobre alguns desses

estilos e a sua chegada ao Brasil abordarei com mais detalhes no tópico Dissonâncias e

contrapontos na Revista da Música Popular, localizado no capítulo III.

Nesse sentido, retornando ao início do século XX no Brasil, foi durante as décadas

de 1920 e 1930, em meio a um processo crescente de urbanização e modernização, que cidades

como Belém e Curitiba viram surgir diversas bandas com interesse pelo jazz, por influência

sobretudo das programações das rádios. Essas bandas, no entanto, também tocavam no seu

repertório outros ritmos, “incluindo tangos, marchas, choros e sambas” (COSTA; VIEIRA,

2011, p. 137). Em relação a Curitiba, segundo Maria Giller, “no Paraná dos anos de 1920, o

jazz surge e as formações jazz band aparecem com maior frequência nos salões de clubes, nos

teatros e cinemas, nas sociedades artísticas” (GILLER, 2013, p. 3).

Analisando a cena musical de Porto Alegre também pude localizar uma forte

influência das bandas de jazz e sua relação com a modernidade20. Assim, se referindo à

paisagem sonora de Porto Alegre entre as décadas de 1930 e 1940, Hardy Vedana21 afirma que

“o rádio propaga muito rapidamente os grandes band leaders norte-americanos cultores da nova

música, o jazz”, e a respeito das sensações que as bandas de jazz suscitavam, chega a declarar

em tom memorialista:

O efeito produzido era magnetizante, não deixava ninguém quieto. Também

eram usadas com frequência, em vez de instrumentos de sopro, imitações de

vozes, tanto humanas como de animais. A característica principal desse tipo

de música era a improvisação coletiva, bem como pequenos solos criados

pelos músicos nos breaks deixados pelo conjunto. O solista, na hora da

improvisação, criava uma segunda melodia, baseada naquela inicial ou, em

outros casos, no embasamento harmônico (VEDANA, 1987, p. 65).

20 Na página virtual Fragmento Musicais, do Núcleo de Estudos da Música do Paraná, a pesquisadora Marília

Giller afirma em um texto intitulado Nos rastros das jazz bands que, após o período de apresentações da Gordon

Stretton Jazz Band no Rio de Janeiro, foi a vez de Porto Alegre mostrar uma experiência instrumental inovadora

que proporcionada pela diversidade sonora e rítmica. A autora também comenta que por volta do decênio de 1920

diversas bandas brasileiras optaram por esse estilo musical diferenciado. Disponível em:

http://curitibafragmentosmusicais.blogspot.com.br/search/label/Jazzband 21 Nascido em Erechim, se tornou músico de jazz no final dos anos 1940. Fundador e primeiro presidente de um

clube de jazz na cidade de Porto Alegre, foi presidente do Sindicato dos Músicos e possui gravações da década de

1960 ao lado do conjunto musical Bandinha dos Carijós, com a qual se apresentou em diversas cidades do país. O

tom memorialista do autor é utilizado, exatamente, devido à experiência que o mesmo teve como músico e

pesquisador do cenário musical em Porto Alegre na primeira metade do século XX, chegando a ter contato com

diversas bandas, salões, rádios e casas de eventos da época.

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Ao analisar as primeiras bandas de jazz no Brasil e a bibliografia escassa sobre a

temática, o pesquisador Carlos Calado chega a comentar sobre a obra de Hardy Vedana, que

“apesar da ingenuidade de sua análise, além da abordagem em geral preocupada apenas com os

músicos e seus instrumentos, passando ao largo da própria música” é um importante

levantamento que “coloca em xeque a verdade estabelecida de que o jazz teria se desenvolvido

apenas no Rio de Janeiro e São Paulo” (CALADO, 1990, p. 234).

Assim, nas primeiras décadas do século XX, houve bastante espaço no Brasil para

o jazz e seus derivados, como o fox trot, o swing, o charleston, e o boogie woogie22. Nesse

sentido, os salões de dança, que se tornaram mundialmente populares – e um mercado cada vez

mais evidente após a Primeira Grande Guerra –, tiveram importante papel para a divulgação

desse repertório musical, bem como de gêneros musicais brasileiros como o samba, o maxixe

e o lundu, e também de ritmos argentinos como o tango, o bolero e a rumba, os quais tinham

como principal característica o aspecto rítmico e dançante23. Isso porque havia uma nova

perspectiva do ponto de vista dos costumes no pós-guerra, sobretudo na função da música

popular, pois “é um período de formação de novos gêneros musicais e implantação de inventos

tecnológicos relacionados com a área do lazer” (SEVERIANO; MELLO, 1997, p. 49).

Sobre o cenário internacional, o historiador Marco Napolitano afirma que esse tipo

de entretenimento, baseado em uma cultura de massa, começou a ser pensado antes, desde o

fim do século XIX, quando do advento do rádio, da indústria cultural em fase embrionária e

também quando “paralelamente, ocorre o desenvolvimento rápido das indústrias de gramofones

(Victor-EUA e Gramophone Co, UK)” (NAPOLITANO, 2002, p. 9).

Por intermédio desse mercado de gramofones, somado aos interesses de mercado

das gravadoras de discos, surgiram as primeiras gravações de bandas de jazz americanas,

impulsionadas pela indústria fonográfica que surgiu após a Primeira Guerra Mundial. A mais

simbólica dessas gravações foi a da Original Dixieland Jazz Band, tendo como principais

fonogramas Livery Stable Blues e One Step, pela Victor, gravadas em 1917. Um ano depois, a

22 O fox trot foi um estilo de dança surgido pouco antes da Primeira Guerra Mundial e foi comum em salões. Trata-

se de uma dança mais sofisticada, geralmente acompanhada por bandas de jazz. Boogie woogie foi um estilo de

tocar o blues de maneira sincopada, com pulsação forte e foi muito executado por pianistas negros dos Estados

Unidos entre 1930 e 1940. O charleston foi uma dança nascida depois da Primeira Guerra, geralmente ao som de

jazz. O swing é um estilo de tocar o jazz com balanço. Há a Era do Swing, localizada entre 1930 e 1940, quando

havia a predominância das grandes bandas de jazz, ou Big Bands. 23 Em um artigo intitulado Uma possível história da dança Jazz no Brasil (2005), Ana Carolina da Rocha Mundim

afirma ter sido na década de 1930 que houve a forte influência do jazz nos salões de dança, devido à recém-chegada

moda do sapateado.

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Original Creole Jazz band gravaria a peça Tack ‘em down, e outras tantas bandas começariam

a surgir e utilizar o termo jazz24.

Assim, ao longo das décadas de 20 e 30, assistimos à consolidação histórica

de um campo “musical-popular”. Alguns fatores, tecnológicos e comerciais,

foram fundamentais para a consolidação deste processo, sobretudo as

inovações no processo de registro fonográfico, como a invenção da gravação

elétrica (1927), a expansão da radiofonia comercial no Brasil (1931-1933) e o

desenvolvimento do cinema sonoro (1928-1933). A partir destes três veículos,

a linha evolutiva do music-hall-Tin Pan Alley-Broadway-Hollywood,

dominante no mercado norte-americano e, em seguida, no mercado

internacional, vai se diversificando, tornando-se mais plural. Nasciam os

gêneros musicais modernos, que marcaram o século XX (NAPOLITANO,

2002, p. 13).

Portanto, não é gratuito o fato de Hardy Vedana fazer referência ao jazz como uma

“nova música25” para tentar explicar como o jazz era concebido pelo público por meio da

influência das ondas dos rádios, pois foram verdadeiras fontes criadoras de pontes e misturas

culturais. O jazz contou também com as lojas de discos26 que o apresentavam nos grandes

centros urbanos como um formato moderno de música, tanto na questão estética quanto

instrumental27, e o próprio cinema28 que empregava bandas para tocar nos intervalos dos

filmes29.

24 Alguns historiadores acreditam ter sido exatamente a partir da ODJB (Original Dixieland Jazz Band) e seu disco

de 78rpm (78 rotações por minuto) intitulado Livery Stable Blues – Fox Trot (Original Dixieland ‘Jass’ Band) que

pela primeira vez o termo “jass” foi mencionado em sua forma escrita até, finalmente, essa que foi uma das

primeiras bandas a integrar músicos brancos e negros assumir a escrita “jazz”, sinalizando uma mudança na

pronúncia da palavra. Na lógica desses historiadores, portanto, essa gravação é o marco inicial da adesão à palavra

jazz como estilo musical comercial, resultando posteriormente na apropriação por outras bandas de forma

contundente. 25 António Ferro, escritor, jornalista, político português e um dos percussores do movimento Modernista em

Portugal, escreveu sobre esse aspecto moderno que a música das jazz bands carregavam por conta das experiências

do pós-guerra. O autor chegou a escrever um livro intitulado A idade do Jazz Band em 1923, lá afirma que “o jazz-

band é o triunfo da dissonância, é a loucura instituída em juízo universal, essa caluniada loucura que é a única

renovação possível do velho mundo” (FERRO apud RODRIGUES, 1995, p. 100). 26 A gravação elétrica se aperfeiçoou a partir de 1925 com a presença da amplificação, microfones e gravadores

de eletroímã. No Brasil essa tecnologia chegou por meio do lançamento do primeiro suplemento de bolachas que

a gravadora Odeon promoveu. 27 Em História Social da Música Popular Brasileira (1998, p.198) José Ramos Tinhorão comenta que essas bandas

já demonstravam algumas influências do jazz desde o começo do século XX, apresentando, por exemplo o uso do

saxofone. 28 Nas primeiras décadas do século XX o sistema de gravação Vitaphone, que pela primeira vez permitia ao cinema

ter um som sincronizado foi crucial para a proliferação de gêneros musicais americanos por todo o mundo. O filme

O cantor de Jazz de 1927 estrelado por Al Johnson foi o primeiro a ter tal tecnologia. Era o fim do cinema mudo

e a música estava presente nessa ruptura. A partir daí alguns filmes começam a inserir músicos de jazz como atores.

Exemplo disso é a produção Black and Tan Fantasy de 1929, que mostra o músico Duke Ellington e sua orquestra.

A associação do jazz com os tempos modernos e com a era das inovações tecnológicas era inevitável. 29 O teatro de revista, ou apenas Revista, foi um gênero de teatro popular que entre as duas guerras fomentou a

apresentação de musicais, sobretudo de jazz bands. No Brasil foi nesse tipo de teatro que se fizeram conhecidos

os compositores Dorival Caymmi, Noel Rosa, Assis Valente, entre outros.

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29

Por isso no Brasil muitas bandas ditas “orquestras” mudavam seu naipe de

instrumentos para se adaptar aos novos repertórios exigidos pelo público. Muitas dessas bandas

trocaram o termo “regional” ou “orquestra” por “jazz band”, inserindo a bateria, o saxofone e

o banjo, instrumentos tipicamente americanos e comuns nas bandas de jazz estrangeiras, bem

como novas formas de tocar o piano30. Dessa forma:

No Brasil, as primeiras evidências de grupos jazz band aparecem por volta de

1920 quando as orquestras de baile e os conjuntos regionais, estes compostos

basicamente por instrumentos como flauta clarinete, bandolim, cavaquinho,

violão, e percussão, foram substituídos por uma nova formação à base de

instrumentos de sopro, bateria, banjo e piano. No entanto, não se deve

considerar jazz bands necessariamente como bandas cujo repertório era

estritamente tocado na linguagem jazzística (GILLER, 2013, p. 2).

Para alguns historiadores, esse período ficou conhecido como “Era do Jazz” ou The

roaring years, denominação que se popularizou nos Estados Unidos após o sucesso de um dos

livros de Scott Fitzgerald31, intitulado Contos da Era do Jazz, publicado em 1922, com textos

que ilustravam o comportamento e os hábitos da sociedade norte americana no pós-guerra

(LABRES FILHO, 2014, p. 16).

O pesquisador Roberto Muggiati afirma que essa associação só iria acontecer pouco

mais tarde, em 1931, com o lançamento, pelo mesmo escritor, de um ensaio chamado Echoes

of the Jazz Age. Uma das frases destacadas pelo autor é a que afirma ser “a palavra jazz em seu

progresso para a respeitabilidade significou primeiro sexo, depois dança, depois música”. A

palavra jazz também “é associada com um estado de estimulação nervosa, não muito diferente

daqueles das grandes cidades atrás das trincheiras de uma guerra” (MUGGIATI, 1999, p. 40).

A opinião de Eric Hobsbawm soa como uma nota dissonante em relação ao período

de expansão do jazz, ao considerar que entre 1917 e 1929, “quando o jazz ‘estrito’ se expandiu

muito pouco, mas evoluiu muito rapidamente, e quando uma infusão altamente diluída veio a

ser a linguagem dominante na música de dança ocidental urbana e nas canções populares”

(HOBSBAWM, 2010, p. 75).

Nesse sentido, como o próprio Eric Hobsbawm afirma, não foi um formato

tradicional ou puro de jazz que se espalhou pelo mundo, mas um formato diluído, híbrido, única

e exclusivamente exportado através do mercado dos salões de dança32. Por isso mesmo o autor

30 Exemplo: Ragtime – forma de tocar jazz ao piano com arranjos de blues originado no final do século XIX - e o

boogie woogie, anteriormente citado.

32 Jair Labres Filho entende que a historiografia estadunidense da década de 1950 não deu muita atenção a esse

jazz híbrido que tomou forma na América Latina, por conta de uma maior preocupação com a busca das raízes

negras do Jazz.

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30

considera inadequada a expressão “Era do Jazz”, por causa da ligação desse jazz mais dançante

com o grande negócio industrial33 e do ambiente de trocas culturais que começava a se

fortalecer na Europa e na América Latina.

O jazz-híbrido se espalhou com uma rapidez incrível por todo o mundo,

ajudado pelo gramofone, pela moda das classes altas de adotar anglo-

saxonismos e americanismos (por exemplo, Le Five-o’clock, the tea-dance),

e pelo prestígio e terrível fascínio dos EUA, dos dias de glória de Henry Ford,

da Wall Street, de Lindbergh e da Lei Seca (HOBSBAWM, 2010, p. 88-89).

No Brasil, o início do século XX é marcado também pela forte influência do

pensamento modernista inaugurado no país com a Semana de Arte Moderna, na cidade de São

Paulo, em 1922. O movimento sinalizava uma necessidade de valorização da cultura brasileira

em um período de intensa injeção de bens de consumo americanos e europeus, mas também

uma necessidade de estar dentro dos padrões modernizantes, no campo da tecnologia e das

artes, sobretudo no quesito musical.

Assim, essa primeira experiência do pensar a nacionalidade brasileira na música

popular e a integração com a cultura estrangeira, associada à modernidade musical, resultou em

um interessante caldo no campo da música popular brasileira, “que, naquela época,

correspondia à soma das diversas manifestações regionais do país” (BESSA, 2010, p. 167).

No campo musical, a absorção do jazz pelos conjuntos musicais proporcionou em

primeiro lugar uma mudança na proposta instrumental e no repertório dessas bandas, que por

consequência assumiram o título de jazz bands. No entanto, essa permuta não eliminou as

demais bandas que seguiam com o título de orquestras ou conjuntos, apenas apontava para um

formato ainda orquestral e, às vezes, com menor número de músicos. Esses grupos passaram a

adicionar também instrumentos que eram associados ao jazz de forma automática.

As primeiras evidências da penetração do jazz no Brasil surgem no início deste

século, ao que parece simultaneamente em várias regiões do país. Mais ainda

que um novo gênero musical foi uma nova formação instrumental que se

implantou: o jazz band. O modelo para os novos conjuntos vinha do jazz New

Orleans e Dixieland: trompete (ou pistão), clarinete e trombone (além do

saxofone, às vezes, formando a seção solista), mais violino, banjo, piano e

bateria (seção rítmica) (CALADO, 1990, p. 234).

Portanto, as bandas eram compostas entre sete e dez músicos, tendo a presença

imprescindível da bateria, do piano e do banjo, além de instrumentos de sopro, como sax,

33 A visão marxista de Hobsbawm quanto a esse momento, porém, não chega a ser de repulsa ao comercialismo

musical, como se fez mais notório na voz dos criadores do termo “indústria cultural”, Adorno e Horkheimer, que

acreditavam não haver mais certo purismo no jazz. Hobsbawm vislumbra na Europa e nos Estados Unidos um

cultivo desse jazz puro ainda nesse período mais comercial.

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31

trombone ou flauta, e violino ou violão. Essa mudança permitiu uma maior diversidade do

repertório e na forma de tocá-lo, isto é, sambas e marchinhas com arranjos jazzísticos e vice-

versa34. Em outras palavras, uma verdadeira mistura musical na paisagem sonora do início do

século XX no país35.

Ao analisar o período de 1917 a 1928, Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello

chegam a afirmar que nesse momento as empresas fonográficas têm como predileção o

repertório de músicas tocadas por jazz bands brasileiras e que isso caracterizou menos interesse

pela música popular brasileira, como os choros e sambas (SEVERIANO; MELLO, 1998, p.50).

Se for verdade que “com as empresas fonográficas entrando na onda da música

americana, cai o número de gravações de bandas e conjuntos de choro, proliferando as das

chamadas jazz-bands” (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 50), é provável que esse mesmo

repertório tipicamente brasileiro fosse tocado também por essas bandas de jazz36.

Tal hipótese se reforçou à medida em que tive contato com a trilha sonora em voga

na época. Nesse sentido destaco a canção Café com leite37, um maxixe carnavalesco gravado

em 1926 pela Jazz Band Sul Americana Romeu Silva em parceria com o cantor Fernando. As

canções Nosso Ranchinho, composição de Donga e De Chocolat e o samba Corta Saia (É lá)38

34 As marchinhas sofreram bastante influência rítmica do fox trot e do charleston norte-americanos a partir de

1925. A partir de 1926 há algumas gravações bastante representativas como Pinta, pinta Melindrosa, marcha de

Freyre Júnior cantada por Fernando de Albuquerque, que recebeu o rótulo de “marcha carnavalesca-ragtime”, por

causa de suas influências jazzísticas e da manutenção da letra bem-humorada, típica das marchinhas brasileiras. É

também nesse período que nasce a marchinha Zizinha, interpretada também pelo cantor Fernando, de autoria de

José Francisco de Freitas, Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes (Disco Odeon122942 1926). Destaco também

a canção O cantor de Jazz, um fox trot gravado por Francisco Alves ao lado da Simão Nacional Orquestra, em

1929 pela Parlophon. A canção era uma referência instrumental ao filme estrelado por Al Johnson e que só dois

anos depois foi apresentado no cinema brasileiro. Em 1929, o cantor gravou a versão em português de um jazz

chamado That’s you baby pela Odeon em conjunto com a Orquestra Pan American. 35 O historiador Jair Labres Filho utiliza uma interessante metodologia para entender esse cenário de intensa

influência do jazz no Brasil. Considera o fato das jazz bands serem tratadas no feminino “as jazz bands” apenas

para as orquestras que reproduziam e se denominavam “jazz bands”, e no masculino “o jazz band” como um

sentido mais comercial, associado a uma ideia de modernidade. Neste trabalho, entendo que os dois sentidos se

completam quando o foco deixa de ser o jazz original (criado por negros no sul dos Estados Unidos), mas o jazz

híbrido misturado com a música brasileira. Se autodenominar “jazz band” não queria dizer necessariamente que

as orquestras tocariam apenas jazz de maneira imitada, tampouco que não tocariam mais músicas regionais. Muito

pelo contrário, havia essa coexistência. 36 Outras gravações representativas desse período podem ser escutadas na página virtual da Rádio Batuta, onde

podem ser encontrados divididos por blocos os áudios das canções. Baseado no livro dos pesquisadores Jairo

Severiano e Zuza Homem de Mello, o sítio reuniu um precioso acervo que abarca quase um século de composições

importantes para a música popular brasileira. Lá, há não apenas as canções, mas também comentários narrados e

textos que sintetizam os blocos. Disponível em: http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/47 37 Composição de Freire Júnior. É um maxixe que faz referência à Política do Café com Leite. Disco Odeon/Casa

Edison, número 122984. 38 Disco Odeon - 12294.

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composto por Sinhô (José Barbosa da Silva). Esse samba foi gravado em 1925 também pela

Jazz Band Sul Americana Romeu Silva com o interprete Fernando de Albuquerque39.

Há também gravações feitas pela American Jazz Band Sílvio de Souza, como a

primeira versão do samba Morro de Mangueira, que em 1926 foi regravado tendo Pedro

Celestino40 como interprete. Destaco ainda o maxixe Papagaio no poleiro de Sinhô41 e o fox

trot Navalha composto por Abel Teixeira em 192642. Por fim, há a canção Sútil composta por

Ernesto Nazareth43 e gravada pela Jazz Sinfônica Pan American em 1928. No mesmo ano a

banda gravou também uma versão do hino nacional.

Outra importante jazz band brasileira se chamou Jazz Band dos Fuzileiros Navais,

“que se constituía de uma imitação perfeita dos congêneres norte-americanos44” (BERNARDO,

2004, p. 121). A banda possuía o famoso bandolinista Aristides Júlio de Oliveira, conhecido

como Moleque Diabo45. Outras bandas que podem ser mencionadas são a Orquestra Ideal Jazz

Band, a Carlito Jazz, fundada em 1926, a Jazz Manon, a Jazz band Andreozá, a Jazz band

República, a Jazz band Cârafu e a Jazz band Saívans.

Imagem 1: Jazz Band Bico Doce

Fonte: Blog Arquivo Histórico46

39 Gravada em 1925, também ao lado de Fernando, a canção Chuá Chuá, uma composição de Pedro de Sá Pereira

e Ari Pavão. Fernando foi um dos cantores mais representativos da década de 1920 no Brasil, de igual modo a Jazz

Band Sul Americano Romeu Silva. 40 Gravadora Odeon/Casa Edison número 123029.

42 Gravadora Odeon/Casa Edison, n° 123150. 43 Gravadora Odeon, lado A, 78 RPM 1928. 44 Em “Notas Complementares”, nº 4. 45 Pouco tempo depois o bandolinista comporia algumas bandas de jazz advindas do órgão de Correios e

Telégrafos. 46 Disponível em: http://arquivohistorico.blogspot.com.br/2011/07/conjuntos-musicais.html

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Assim, destaco também a Jazz Band Imperador, de São Paulo. De Pernambuco, se

destacam, a Jazz Band Scala e a Jazz band Acadêmica. Desta última, o frevo-canção Tenho uma

coisa para lhe dizer, gravada pela RCA Victor, demonstra bem a amplitude do repertório

musical das jazz bands brasileiras47. Essa canção foi gravada para o carnaval de 1935, e ainda

que não esteja localizada na década de 1920, simboliza a permanência do rótulo “jazz band” e

do repertório musical variado.

Há também comprovações da existência de jazz bands no interior da cidade de São

Paulo, como a Jazz Band Bico Doce e a Jazz Band Catanduva, surgidas entre 1910 e 1920 e

que embalavam os bailes no município de Catanduva48.

Herbert Carvalho destaca outras bandas que atuavam longe dos centros urbanos em

seu texto No tempo das Big Bands, como por exemplo a Orquestra Continental de Jaú, a

Orquestra Tupã, a Orquestra Guararapes e a Orquestra Capelozza. No que se refere as cidades

em que os conjuntos tocavam, o autor menciona o Espírito Santo do Pinhal, Franca, Guararapes,

Jaboticabal, Jaú, Rio Claro, São José do Rio Preto e Tupã, e também confirma a recorrente

presença nessas bandas do nome “jazz band” ou “orquestra” acompanhados, ás vezes, de algum

termo indígena49.

Essas bandas, formadas geralmente por músicos eruditos, ajudaram a construir o

palco musical do início do século XX em bailes de carnaval, salões de dança, cinemas, casas

de festa, além de trabalharem em gravações que traduziam bem o repertório exigido pelo

público: fox trot, charleston, shimmy, peças de jazz, marchinhas, frevos, sambas, maxixes,

lundus, valsas, tangos, dentre outros gêneros requisitados pelos ouvidos do público50.

Nesse sentido, percebo que a modernidade musical não estava apenas no fato de se

tocar músicas estrangeiras, mas de utilizá-las dentro dos moldes da música brasileira. As jazz

bands brasileiras, portanto, representaram um momento de anseio por inovações culturais, e seu

repertório variado, nada mais foi, que a tentativa de manter os ritmos tipicamente brasileiros -

por fazerem parte das tradições regionais - e, simultaneamente, de adicionar arranjos, ou peças

musicais que flertassem com o jazz.

47 Matriz - 79833. 48 Disponível em: http://baccanellihistoria.blogspot.com.br/2012/02/jazz-band-bico-doce.html. 49 Disponível: http://www.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/8432_NOS+TEMPOS+DAS+BIG+BANDS. 50 Em uma entrevista pulicada em 12 de setembro de 2013 e cedida para a TV Uninter, Marília Giller chegou a

afirmar: “desacredito que eles tivessem um ‘swing’ que caracteriza o jazz...”, se referindo às jazz bands de Curitiba

no início do século XX. A pesquisadora fala especificamente sobre a típica sonoridade dessas bandas. Entrevista

disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kgvCinLEt4I.

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Imagem 2: Os Oito Batutas, 1922

Fonte: Sítio Obvious51

Um grupo que também representa esse momento de mistura e surgimento das

primeiras jazz bands nacionais foi o conjunto carioca liderado por Pixinguinha, Os Oito Batutas,

que embora não possuísse o título de jazz band fez viagens para a Europa, divulgando a música

brasileira, e consequentemente sendo influenciado pela sonoridade do jazz52. Segundo Rafael

Bastos, “foi a partir dessa jornada que Pixinguinha começou a criar vínculos musicais e

compatibilizar sua música com o jazz, que na época se encontrava em franco processo de se

estabelecer como o novo universal da música popular” (BASTOS, 2005, p. 179). O exemplo

dos Oito Batutas é fundamental e ajuda a entender a voga das intensas trocas musicais.

Contudo, após a turnê parisiense, os Batutas buscaram explicitar aquela

proximidade, forjando uma outra imagem, representativa de um novo tempo

marcado pelo ruído, pela valorização do primitivo, pela ruptura com os antigos

valores [...]. Essa percepção se refletiu, por exemplo, no repertório do grupo,

que passou a incluir gêneros estrangeiros em suas apresentações, tais como o

foxtrote, o shimmy, e o ragtime. A mudança transpareceu, ainda, na vestimenta

dos músicos, que abandonaram definitivamente os trajes nordestinos,

aderindo aos ternos escuros e ao smoking. Novos instrumentos foram

adicionados ao antigo regional, entre eles, a bateria de João Tomás, o banjo

de China e o saxofone de Pixinguinha, todos provenientes da música de jazz

ouvida em Paris. A performance também foi alterada, os músicos se

posicionando mais e descontraída e informalmente no palco53 (BESSA, 2010,

177).

51 Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/o_obtuso_e_o_obliquo/2012/04/post.html. 52 José Ramos Tinhorão afirma em sua obra O samba agora vai... A farsa da música brasileira no exterior (1969)

que em fins da década de 1920 o conjunto mudaria o nome para Orquestra Típica dos Oito Batutas (TINHORÃO,

1969, p. 33). 53 A historiadora também ressalta nesse parágrafo que “em Paris, os brasileiros notaram que sua música era

consumida como exótica – e, portanto, também como moderna” (BESSA, 2010, p. 177).

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Em Porto Alegre, no período entre 1920 e 1930, se fizeram notáveis as bandas Jazz

Band Espia Só, primeira banda de jazz da região, sendo fundada em 1927, a Jazz Tupinambá,

a Jazz Venezianos, o Royal Jazz Band, a Jazz Carris, a Jazz Real, a Jazz do Joca, a Jazz Pica

Pau. Todas essas bandas, além das já citadas, incorporaram o jazz híbrido, fazendo uso de

instrumentos típicos do jazz.

Tal como se deu com o conjunto musical Os Oito Batutas, após retornar da turnê

na Europa, outro quesito que sinalizava a influência do jazz nesses conjuntos foi a estética.

Nesse sentido, a postura, as roupas, o modo de se apresentar, faziam referência, como já

mencionado, às bandas famosas de jazz norte-americanas, como por exemplo as já mencionadas

Original Creole Jazz Band e Original Dixieland Jazz Band.

Portanto, no Brasil, ao menos nesse primeiro momento de mistura musical, falar em

jazz bands seria falar de bandas que não tinham seu repertório voltado apenas para a execução

do jazz norte-americano em seu sentido puro, isto é, o jazz de Nova Orleans. Na verdade, houve

a inserção de outras tantas formas dançantes em voga na época, como o charleston, o black-

bottom, o shimmy, o fox trot, o one step, o two step e o boogie woogie, bem como a execução

de gêneros musicais brasileiros tradicionais, como sambas, maxixes, lundus, frevos, modinhas,

mazurcas, dobrados, choros e também polcas e valsas.

Imagem 3: Jazz Band O cruzeiro (Porto Alegre)

Fonte: VEDANA, 1987, Jazz em Porto Alegre, p. 102.

Suponho que esse era o repertório exigido pelos públicos de diferentes áreas –

urbanas ou rurais – que prestigiavam esses conjuntos em vários espaços, fossem públicos ou

privados, como no carnaval e nos clubes, citados no início deste capítulo.

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Não cabe aqui discutir se esse formato de jazz era menos ou mais autêntico do que

o americano, como se propuseram o historiador Eric Hobsbawm e outros historiadores que

estudaram o jazz em si. Aqui, o interesse foi apresentar o pano de fundo da difusão do jazz no

Brasil e sua influência na música popular brasileira, e como falar em jazz bands torna

necessariamente falar em influências culturais, ou seja, de que “houve um intenso diálogo

transnacional entre culturas modernas da década de 1920, envolvendo elementos musicais e

sociais” (LABRES FILHO, 2014, p. 9).

Essa influência aconteceu de duas maneiras, ora pela “transposição direta (isto é,

temas originais norte-americanos executados por formações instrumentais semelhantes às

desenvolvidas nos EUA)”, ora “por influências diversas em forma da música popular brasileira”

(CALADO, 1990, p. 221).

Como esclarece Fabiane Behling Luckow, em seu trabalho Cabarés e chanteuses:

pela boêmia Porto Alegre de 1920, apresentado no XX Congresso da Associação Nacional de

Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM, Florianópolis, 2010), ao analisar o “cenário

musical moderno” nos clubes noturnos de Porto Alegre e todo o ambiente de práticas musicais

na década de 1920, a autora percebe que havia um certo frenesi e a necessidade dos indivíduos

de experimentar o mesmo cotidiano aos moldes dos grandes centros urbanos, e de ouvir os

mesmos sons que reverberavam nessas grandes cidades industriais:

A música do jazz band é a representação musical de um novo e tumultuado

mundo, incorporando os novos ruídos da civilização moderna e industrial em

suas texturas e o ritmo agitado das emergentes metrópoles modernas em seus

compassos, as quais Porto Alegre desejava pertencer (LUCKOW, 2010, p.

540)

Adiante, darei destaque ao momento no qual as jazz bands serão contratadas pelas

rádios e estarão presentes em gravações de sucesso, interpretadas pelas vozes mais marcantes

das décadas de 1930 e 1940. Cantores como Orlando Silva, Francisco Alves, Cyro Monteiro,

Carmen Miranda, Carlos Galhardo, Lamartine Babo, Dolores Duran continuaram compondo, e

gravando músicas com influências do jazz. É, a partir desse momento que a ala mais

nacionalista da crítica musical começará a discutir em que medida essa presença dos elementos

estrangeiros na música popular brasileira urbana lhe era saudável ou prejudicial, em uma

tentativa de preservar essas “vozes nacionais” das influências externas. Embora todos esses

cantores estivessem inseridos em uma lógica de mercado, executando os ritmos da época e

estabelecendo trocas culturais em meio à Política de Boa Vizinhança54, muitos foram atacados

54 Projeto de políticas diplomáticas criado no governo de Franklin D. Roosevelt entre o período de 1933 e 1945, e

que teve como pedra fundamental o estabelecimento de laços econômicos e culturais com a América Latina.

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e até evitaram executar músicas que tivessem alguma sonoridade jazzística ou em algum

momento fossem associadas ao jazz.

1.2 Síncopes e contratempos na Era do Rádio

O jazz teve e tem tido até hoje, por intermédio dos discos, a mais formidável

propaganda que se pode imaginar. Curioso notar que, como querendo

favorecer a música dos filhos da terra do Tio Sam, o antigo disco mecânico,

apesar das dificuldades de registros existentes, reproduzia de forma mais que

satisfatória as melodias de jazz... E o jazz correu o mundo, levado por esses

maravilhosos e pequenos sóis negros, de extraordinário poder difusor. E a

nevrose do grande conflito de 1914, colaborou nessa propaganda, pelos gostos

da sociedade de “aprés guerre”, e pelo disco que, nesta ocasião, começava a

se difundir, principalmente com a música americana... No domínio do cinema

falado, ora em nascimento vamos encontrar os mesmos sinais observados

acima, em relação ao disco [...]. O disco, o cinema falado, o dólar! Tudo a

serviço da propaganda americana, por uma de suas formas mais acessíveis: a

música, o jazz, portanto55.

O comentário tecido pelo crítico musical José Cruz Cordeiro Filho na Revista

Phonoarte, da qual foi editor em fins da década de 1920, realça as condições do jazz no começo

do século XX – em crescente difusão através do cinema, rádio e gravadoras de discos – e, como

já exposto, o sentimento em relação a esse gênero musical estrangeiro, associado muitas vezes

a um formato mais moderno de música.

Por conta disso, inúmeras bandas regionais e orquestras adotaram o título de jazz

bands, indicando a adoção de instrumentos caros como a bateria e o banjo, tidos como

importados e associados ao jazz. Houve ainda a adoção de técnicas jazzísticas para tocá-los e

também uma grande mudança na estética das bandas, que adotaram roupas sofisticadas, em

contraposição às vestimentas mais regionais.

Assim, falar em “música moderna” e “tradicional” passa a se tornar cada vez mais

necessário, sendo que essas duas categorias coexistiram também no repertório das bandas que

absorviam o jazz como um novo elemento cultural. Tais mudanças foram absorvidas atendendo

às novas relações sociais e aos anseios modernos dos “loucos anos 20”. Para essas orquestras e

jazz bands brasileiras, a música moderna não era apenas a estrangeira, ou os elementos

jazzísticos por si próprios, mas a possibilidade também de execução de um repertório amplo de

gêneros musicais, em outro formato, sem desvalorizar a música regional tradicional.

Abandonava-se a perspectiva intervencionista para dar espaço a uma mais diplomática e que sutilmente,

desbancasse a influência europeia no território latino-americano 55 Phonoarte, ano II, nº 17, RJ:15/setembro/1929, pp. 1-2.

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As bandas de jazz no Brasil continuaram tocando seu repertório variado e moderno,

permanecendo atentas às mudanças que aconteciam ao jazz no cenário internacional. Algumas

destas bandas se tornaram conhecidas lá fora, como a Orquestra Jazz band Sul Americana de

Romeu Silva, que tocou na Feira Internacional de Nova York em 193956. Contudo, como irei

demonstrar, a partir da Era do Rádio se começou a repensar o reflexo da música brasileira no

exterior. A influência da música americana começa a incomodar os mais nacionalistas.

Os Cariocas57, por exemplo, conjunto musical formado inicialmente por Ismael

Netto, Severino Fillho, Emmanoel Furtado, o Badeco, Waldir Viviani e Jorge Quartarone, o

Quartera58, e o Bando da Lua, que acompanhou por muito tempo a cantora Carmen Miranda,

passaram a ser duramente criticados pela influência do jazz.

Imagem 4: Partitura musical do Jazz Band Sul-Americana publicada pela Casa Wehrs.

Fonte: Blog Chiadofone59

Sobre as apresentações desses grupos nos Estados Unidos, houve um grande

rebuliço na imprensa musical, que exigia retratações dos músicos e do governo. Essa vertente

mais nacionalista cobrava que se executasse um repertório voltado para a música

tradicionalmente brasileira, e não a dita música “moderna”. Em outras palavras, o jazz

executado pelas jazz bands nacionais. Na obra de título sugestivo, O samba agora vai... a farsa

56 Em 1940 seria a vez do cantor Cândido de Arruda Botelho, contratado pelo DIP. 57 O conjunto gravaria na década de 1950 uma canção chamada Criticando de autoria de Carlos Lyra. A letra, que

fala em “É mania dessa gente/que o bebop faz vibrar/mas o samba é bem mais quente/é bem melhor de se dançar”.

Àquela altura a crítica ao jazz reuniria artistas que outrora haviam flertado com a música estrangeira, e que em

1950 assumiam uma postura de combate, ou mesmo satírica em relação ao gênero. 58 Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/os-cariocas/dados-artisticos 59 Disponível em: http://chiadofone.blogspot.com.br/2008/08/um-antecessor-de-mrio-reis.html

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da música popular no exterior, José Ramos Tinhorão destaca o comentário do crítico Caribé

Rocha a respeito das músicas executadas por essas jazz bands e outros conjuntos, como o Bando

da Lua, nas feiras internacionais, “fazendo justiça ao mesmo tempo ao colunista”. Diz Tinhorão

que ele “tão esclarecidamente denunciava uma subserviência cultural tão largamente cultivada

pela maioria dos chamados artistas internacionais do Brasil” (TINHORÃO, 1969, p. 60). Nesse

sentido, a fala de Caribé Rocha destacada por Tinhorão alerta:

Chegamos mesmo ao ponto de nos permitirmos a liberdade de dar conselhos

a quem não nos havia pedido. Fizemos ver que iam para a terra do Fox e que,

por conseguinte, nem deviam pensar em executar outra música que não a

nossa. A Romeu Silva parece que o aviso serviu. Mais velho no assunto, maior

experiência, o aplaudido maestro fez o que disséramos. Quanto ao Bando da

Lua, porém, a coisa foi inevitável. A veleidade daqueles rapazes levou-os a

executar música americana em plena Feira Internacional de Nova Iorque,

durante a inauguração do restaurante do Pavilhão brasileiro. O Departamento

de Propaganda, que custeou a passagem dos três moços deveria tomar

enérgicas providências para que tal fato não se reproduzisse, uma vez que eles

só foram aos Estados Unidos fazer propaganda do nosso país. (TINHORÃO,

1969, p. 60-61).

Se por um lado era bastante natural que, em se tratando da música urbana, se

realizassem essas trocas culturais por parte dos músicos, por outro a crítica musical nem sempre

entendia como benéficas ou naturais a utilização de elementos musicais estrangeiros, quaisquer

que fossem, mas, sobretudo, jazzísticos60. Assim, o mesmo José Cruz Cordeiro, que comentou

sobre a rápida proliferação do jazz, também tem uma espécie de temor em relação ao uso desse

jazz na música brasileira, tecendo sérias críticas a músicos que se propunham a tal mistura

musical, inclusive Pixinguinha. Dessa maneira, em 1929, na décima quarta edição da Revista

Phonoarte, o crítico atacaria a peça Gavião Calçudo do músico. Assim, o pensamento

nacionalista xenófobo começava a opinar sobre as produções musicais que estavam se

“americanizando” na década de 1930.

Repetimos para o samba o que já temos dito em composições anteriores do

popular músico. Pixinguinha parece se deixar influenciar extraordinariamente

pelas melodias e ritmos do jazz. Ouçam Gavião Calçudo. Mais parece um fox

trot que um samba. As duas melodias, os seus contracantos e mesmo quase

que seu ritmo, tudo respira música dos yankees61

60 José Ramos Tinhorão confirma que havia essas influências jazzísticas, mas “restringindo-se às orquestrações à

base de metais...”. Segundo o historiador, com exceção de alguns estilos de sambas cultivados em bairros do Rio

de Janeiro, “a influência norte-americana só se faria sentir de certa maneira sobre as variedades de sambas

orquestrados para atender ao gosto da classe média (samba-canção, samba orquestral tipo Aquarela do Brasil etc.”

(TINHORÃO, 1969, p. 47). No entanto, pude notar a influência do jazz também na melodia vocal desses cantores

populares, além de influências do jazz em marchinhas, de forma mais frequente a partir de 1925. 61 Revista Phonoarte. Ano I nº 14, RJ: 28 fevereiro de 1929, p. 32

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Vale ressaltar que há uma série de novidades no seio da música popular urbana a

partir da década de 1930. Segundo José Adriano Fenerick, foi quando se pensou em melhorar

a programação das rádios e estabelecer um sistema de comunicação mais abrangente em diálogo

com os moldes da indústria cultural. As rádios passaram a contratar as jazz bands e as orquestras

nacionais para tocar de forma profissional. É também nesse momento que os programas de

rádio passam a promover a imagem de alguns artistas da música popular brasileira. Artistas

como Ari Barroso, Carmen Miranda, e Pixinguinha foram privilegiados por meio do projeto

nacionalista do presidente Getúlio Vargas. Além de ser uma clara estratégia do presidente de

censurar e selecionar conteúdos por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda, tratava-

se também de uma tentativa de construção de símbolos nacionais modernos.

As programações agora abririam espaço para a criação de artistas nacionais,

difundindo as músicas brasileiras e estrangeiras em voga62, chegando a fortalecer, até a década

de 1940, o culto a celebridades como Araci de Almeida, Francisco Alves63, o “rei da voz”,

Linda Batista, a “rainha do rádio”, Orlando Silva, o “cantor das multidões”, entre outros, cuja

fama a nova proposta das rádios ajudou a construir. Esse período foi uma “época em que, tanto

no Brasil, como em outros países, os meios de comunicação de massa propiciaram um

entrelaçamento até então nunca visto entre o artista e seu público doravante içados ao patamar

de ídolos e fãs” (FENERICK, 2002, p. 52). O samba, antes marginalizado, agora seria um dos

carros-chefe da cultura popular brasileira no projeto de formação de uma unidade nacional.

Em pleno Estado Novo, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) ajudou a

fomentar não apenas o culto à figura do presidente Getúlio Vargas, mas também, contemplou

uma gama de artistas brasileiros que estariam sob sua tutela. A voz se tornou uma marca e foi

um elemento fundamental para a promoção desses artistas, pois passou a ser cada vez mais

cultuada. A profissionalização dos músicos, que buscavam preencher os quadros dos programas

de rádio e os novos padrões de composição também eram novidades que começaram a surgir

nesta década. Segundo Ricardo Monteiro:

A visibilidade em âmbito nacional - e mesmo internacional - de artistas que se

faziam ouvir em todo o Brasil pela voz da Rádio Nacional, e cujas imagens se

tornavam igualmente difundidas pela popularização do cinema, aliados e à

impessoalidade e ao anonimato crescente do indivíduo nas grandes cidades,

62 As inovações seguiam sobre a influência dos padrões norte-americanos a partir da lei 21.111, que permitia a

veiculação de propagandas, jingles etc. 63 Após o assassinato do oposicionista João Pessoa, Francisco Alves gravou a canção Hino a João Pessoa uma

marcha patriótica homenageando o líder político em plena Revolução de 1930. A canção obteve grande

repercussão em tempos de efervescência política.

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foi gerando um tipo de carência potencializada pela aura mítica criada em

torno daqueles que eram contemplados pela fama64.

Assim, entre 1930 e 1945 as rádios em conjunto com o Departamento de Imprensa

ajudaram a estabelecer o que veio ser conhecida como a Época de Ouro da música popular

brasileira, formada pelos letristas Ari Barroso, Lamartine Babo, Noel Rosa, Custódio Mesquita,

Orestes Barbosa, Ismael Silva, pelos músicos Benedito Lacerda, Nonô, Luciano Perrone, pelos

cantores Mário Reis, Sílvio Caldas, Almirante, Aurora Miranda etc. Faziam parte também desse

rol os cantores da época anterior Francisco Alves e Vicente Celestino, por exemplo. No meio

desses nomes, se destacava Pixinguinha.

Paralelamente, nesta década o estilo swing de jazz alcançava um vasto público no

mundo todo, pois fazia um apelo bem mais forte ao aspecto dançante e popular. Sempre tocado

por grandes bandas de jazz, o estilo exigia novas formas de execução do repertório e um maior

aprimoramento técnico dos músicos. Esse termo, “além de seu significado estilístico, que

identifica a música dos anos 30, quer dizer também balanço, bossa” (BERENDT, 1975, p. 29),

e acabou proporcionando uma nova carga de influências jazzísticas no Brasil.

É neste período que nascem as jam sessions, que eram apresentações, à priori

particulares, com um público geralmente composto por músicos de jazz. Eram uma espécie de

válvula de escape dos shows mais comerciais65 pela necessidade dos músicos de tocarem peças

menos repetitivas, para além dos fins meramente lucrativos.

Nesse sentido, o período que ficou conhecido como Era do Swing – de 1930 a 1940

- transferiu novas influências estrangeiras ao repertório das jazz bands nacionais. Além do mais,

o Estado promoveu esse entrelaçamento cultural com os Estados Unidos como maneira de

manter os ditames da Política de Boa Vizinhança. Por conta dessa tentativa de modelamento da

música popular e do seu uso como ferramenta de troca e como símbolo da identidade nacional

é que as músicas passaram a ser submetidas a uma inspeção realizada pelo DIP, uma clara

tentativa de censura a certos conteúdos.

É possível perceber ao longo das décadas de 1930 e 1940 uma reviravolta em

relação ao emprego de influências jazzísticas na música popular brasileira, sendo os sucessos

mais tocados nas rádios os sambas, os sambas-canções e as marchinhas.

Contudo, algumas canções representativas mantinham a permanência das

influências jazzísticas ainda que de maneira mais amena, e pude perceber também que essas

64 Acessível em: www2.anhembi.br/html/ead01/mpb_abord_semiotica/aula.6.pdf 65 Diferente dos EUA, no Brasil as bandas não tiveram essa tendência anticomercial, e mesmo os samba-sessions

que aconteceriam na década de 1950 teriam o objetivo de divulgação da Bossa Nova em universidades

influenciadas por esse formato de show e sonoridade.

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músicas eram gravadas por muitos desses cantores da Era de Ouro, figuras que marcaram a

história da música popular brasileira.

Por exemplo, a foxe-canção Dor de recordar de autoria dos cantores Joubert de

Carvalho e Olegário Mariano, gravada por Francisco Alves, em 1929, ao lado da Orquestra Pan

American66. A fox-charge Canção para inglês ver, tipo de foxe-canção humorística criada por

Lamartine Babo, para satirizar as expressões estrangeiras em moda na época67, ainda assim um

legítimo fox trot68, tanto quanto a canção Loura ou morena69, um dos vários foxes compostos

por Vinícius de Moraes70 junto dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajós.

A respeito de Pixinguinha e Carmen Miranda, Virgínia Bessa destaca algumas

gravações de ambos com características jazzísticas:

Várias de suas introduções, por exemplo, eram verdadeiros foxtrotes, que

muitas vezes contrastavam com a composição original, apresentada alguns

compassos depois – é o caso da marcha Você pensa que eu não vi, de Hervé

Clodovil e Roberto Matins, gravada por Luiz Barbosa e “Diabos do Céu”, ou

do samba Deve ser o meu amor, de Ary Barroso, gravada pela mesma

orquestra que acompanhava Sônia Carvalho. Outras vezes, como no arranjo

de Inconstitucionalissimamente, (marcha de Assis Valente gravada por

Carmen Miranda e “Orquestra Victor Brasileira em 1933) o acompanhamento

vinha no contratempo, imitando um ragtime – ou, mais especificamente, seu

acompanhamento, executado pelo banjo nos conjuntos de Dixieland, recurso

que também pode ser notado no arranjo de Tão grande, tão bobo, marcha de

Hervé Cordovil gravada por Carmen Miranda e “Orquestra Victor Brasileira”

(BESSA, 2010, p. 201).

As canções destacadas pela historiadora são provas do flerte dos cantores símbolos

da nacionalidade brasileira com o jazz e seus elementos musicais, seja pela transposição direta

seja pela utilização desses elementos jazzísticos em arranjos, modificando-os quando

necessário. Tal como foi com as primeiras jazz bands brasileiras, esses artistas não

abandonaram o repertório nacional, mas misturaram diversos estilos musicais durante sua

trajetória.

No tocante a essa permanência das misturas musicais, concordo com a concepção

de fricção cultural ou fricção interétnica, termo cunhado por Roberto Cardoso de Oliveira e

66 Odeon - 10509 lado A. Dezembro de 1929. 67 Lamartine comporia versões em português para os foxes Dancing with tears in my years, e Night and day de

Cole Porter. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/lamartine-babo/dados-artisticos. 68 Outra canção satírica foi a Boogie Woogie na Favela, um samba-boogie que criticava a influência da dança

americana jazzística, chamando-a de “a nova dança que faz parte da Política de Boa Vizinhança”. 69 Columbia - 22113-8. 1933. 70 Segundo Jairo Severiano e Zuza Homem Mello, esse flerte com a música americana afastaria Vinícius de Moraes

da música brasileira, dando-se seu retorno vinte anos depois, ao se tornar diplomata. É interessante perceber essa

influência estrangeira em um dos futuros criadores da Bossa Nova, e igualmente curioso o comentário do autor

em relação a seu “afastamento” da música brasileira.

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utilizado por Acácio Tadeu de Camargo Piedade para explicar o “intenso diálogo da música

instrumental” (PIEDADE, 1997, p. 1), na medida em que entendo que no Brasil, durante o

processo de inserção do jazz, houve uma forte aglutinação cultural. E que por conta dos próprios

dilemas de identidade esse diálogo cultural se tornou conflituoso.

Porém, parece-me ainda mais viável considerar que, do ponto de vista da

experiência musical houve a manifestação de uma troca mútua no primeiro contato entre o jazz

e a música produzida no Brasil, regida pela ideia de modernidade, e que somente a posteriori a

ênfase nas diferenças “musical-simbólicas” se fortaleceu por meio do discurso dos intelectuais

nacionalistas.

Assim, se para alguns músicos, artistas, apreciadores e mesmo para o Estado a

identidade se forjava através da mistura, da troca e da fricção cultural, para os estudiosos que

começavam a repensar a condição da música popular urbana era preciso ter cuidado com as

influências musicais externas.

No entanto, pude perceber a continuidade dessas influências em importantes

gravações, como em 1937, quando Orlando Silva regravou a música foxe-canção Última

canção de Guilherme Pereira. Custódio Mesquita e Mário Lago – autor do samba Ai que

saudades da Amélia - gravaram a foxe-canção Nada além um grande sucesso da dupla e que,

logo depois teria Orlando Silva como interprete. Destaco também o fox- canção Ainda uma vez

de José Maria de Abreu e Francisco Matoso foi gravado em 1938, por Francisco Alves ao lado

da Orquestra Copacabana. Há ainda Tudo cabe num beijo de Carolina Cardoso de Menezes e

Osvaldo Santiago. Esses são apenas alguns exemplos de escuta da década de 1930 que podem

ser destacados e que flertaram com os elementos jazzísticos presentes no fox trot.

Em 1940 outras gravações de sucesso com influência do jazz mais tradicional foram

Mulher de Custódio Mesquita e Sadi Cabral, gravado por Sílvio Caldas, de mesma autoria o

fox-blue Naná, um dos grandes sucessos desta década. Rosa de maio e Voltarás, também de

Custódio Mesquita em parceria com Evaldo Rui. Destaco ainda Perdão amor, autoria de

Lamartine Babo e cantado por Orlando Silva71. Renúncia e Solidão, de Roberto Martins e

Mário Rossi. Dos meus braços tu não sairás, de Roberto Roberti e também Brigamos outra

vez, de José Maria de Abreu e Jair Amorim. Sobre essa influência estrangeira nas canções dos

famosos cantores brasileiros na época, Ruy Castro chega a comentar na obra Chega de

Saudade: a história e as histórias da Bossa Nova:

Barroso, que acreditava nos ufanismos nacionalistas que escrevia, foi talvez o

único grande compositor brasileiro da velha guarda que nunca flertou com

71 Disco RCA Victor - 34759 B. Abril de 1941.

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ritmos estrangeiros. Em seus programas de calouros, defendia com unhas e

alguns dentes a sacralidade do samba e ficava um tigre quando algum

desavisado anunciava que iria cantar um “sambinha” (CASTRO, 1990, p. 255-

256).

Por conta do culto à imagem desses cantores como porta-vozes da cultura brasileira,

dentro e fora do país, sob o patrocínio do Estado, foi inevitável que houvesse a relação de trocas

e influências musicais entre Brasil e Estados Unidos. Nesse sentido, a razão principal para os

críticos musicais nacionalistas direcionarem ataques a alguns desses artistas estava diretamente

relacionada com a mistura musical por eles estabelecida. Percebo que no discurso desses

críticos havia a cobrança por uma responsabilidade política com a identidade musical nacional.

Portanto, as décadas de 1930 e 1940 são momentos, no plano cultural, em que se

começa a repensar a música brasileira como elemento de identificação de uma nacionalidade.

Por isso as reações contrárias à influência do jazz no repertório dos músicos nacionais foram

tão patentes. Ao mesmo tempo, o período é marcado por uma significativa influência de ritmos

estrangeiros, como o bolero, o fox trot e o jazz clássico, ou swing, tocado pelas Big Bands.

Nesse sentido, o ambiente foi propício para que estes artistas nacionais estivessem imersos no

projeto de troca cultural promovida pelo Estado Novo. Em relação a esse flerte com o jazz,

Marcos Napolitano afirma que essa influência se deu por toda a década de 1930 e ainda na

década 1940:

A música norte-americana também tomava conta das paradas de sucesso. As

Big Bands, famosas nos anos 40, ainda estavam em evidência. Em algumas

rádios, havia uma grande divulgação do jazz; pois esse gênero americano

ganhava cada vez mais respeitabilidade entre alguns músicos cariocas,

sobretudo aqueles que trabalhavam "na noite" da zona sul (NAPOLITANO;

WASSERMAN, 2000, p. 174).

Nesse sentido, é possível afirmar que a partir das décadas de 1930 e 1940, a

influência da música americana começava a causar rebuliços na imprensa por meio da crítica

especializada, isso porque, para os nacionalistas mais radicais a experiência do jazz passou a

significar certo risco à música nacional. Como tentei demonstrar, a associação do jazz a uma

musicalidade moderna, tal como foi no início do século XX, perdurava de alguma forma, mas

a discussão agora envolvia uma vertente de intelectuais conservadores vinda dos setores médios

da sociedade. Isso fez deflagrar a nível nacional o debate sobre a identidade musical brasileira.

Já na década de 1950, sob o clima de redemocratização, de desenvolvimentismo e

otimismo econômico fomentado pelo governo de Juscelino Kubistchek, é possível notar o

surgimento de um sentimento de saudosismo da Época de Ouro, somado à necessidade de

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recuperação dos símbolos sonoros nacionais72 e de uma maior valorização do estudo da música

urbana brasileira. Isso fará regurgitar no seio da crítica musical formada pelos folcloristas

urbanos um projeto de revalorização da memória musical brasileira.

Imagem 5: Segundo disco da parceria Francisco Alves e Aurora Miranda com o famoso fox trot

“Você só... mente” composto por Noel Rosa e Hélio Rosa em 1933.

Fonte: Blog Chiadofone73

Assim, tal como Almirante começou a realizar em seu programa Curiosidades

Musicais, vários intelectuais influenciados pelos ideais folcloristas, se organizaram na Revista

da Música Popular e formularam pesquisas, ensaios, artigos, reportagens voltadas para o

cenário musical em voga. No âmbito da revista, as questões sobre a presença do jazz se tornam

ambíguas, e por vezes conflituosas, reflexo das questões específicas deste contexto histórico.

Nesse sentido, no próximo capítulo pretendo analisar os artigos do periódico, a fim de

compreender melhor as discussões sobre jazz, música popular brasileira e identidade nacional.

72 Valo-me do termo símbolos sonoros como categoria para perceber a ligação entre som e memória ou som e

identidade. Penso que no começo do século XX determinados arranjos orquestrados pelas jazz bands foram

associados à ideia de “modernidade” em virtude da utilização da sonoridade da bateria, do banjo e do sax,

instrumentos comuns em uma banda de jazz. Por outro lado, no tocante ao surgimento de uma música nacional, a

manipulação dos arranjos jazzísticos passa a ameaçar a concepção de “autenticidade”, “originalidade” e

“brasilidade” defendida pelos críticos nacionalistas mais conservadores. 73 Disponível em: http://chiadofone.blogspot.com.br/

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2 POLIFONIA NA REVISTA DA MÚSICA POPULAR

2.1 A Bossa Nova da Imprensa Musical

A expressão que dá nome ao presente tópico foi utilizada pelo jornalista e crítico

musical Tárik de Souza ao se referir à Revista da Música Popular em um texto de apresentação

para a versão fac-símile organizada pela Funarte (2006). O autor se utiliza do termo “bossa”

justamente para enfatizar o caráter inovador da revista em relação à música popular brasileira,

pois “pela primeira vez [a revista] trata sua matéria prima com um refinamento jornalístico e

estético antecipador de publicações como a célebre Senhor”.

O termo, alerta o autor, poderia soar em certo aspecto ofensivo, “por conta da

comparação com o estilo que repudiavam”74, mas ilustra e sintetiza o significado da revista para

a historiografia da música popular brasileira, pois o periódico se constituiu como espaço de

intensos debates em torno da noção de “brasilidade”, “pureza”, “originalidade” e “memória”,

temas que se tornaram ainda mais conflituosos e nebulosos na década de 1950, em um momento

em que se começava a repensar a identidade nacional, mas também de intensa mistura com a

música estrangeira, sobretudo o jazz.

Nesse sentido, antes de adentrar mais profundamente no conteúdo da revista e nos

debates já mencionados, é necessário que se faça uma descrição de seu contexto, formato e de

alguns de seus principais colaboradores. Em outras palavras, um breve mapeamento de seu

corpo editorial. Objetivo nesse primeiro momento destacar a importância dos autores para a

produção historiográfica da música popular brasileira e suas funções na Revista da Música

Popular. Não pretendo aqui exaurir as possibilidades de análise do conteúdo do periódico, mas

minimamente tentar mapear sua pluralidade, seus atores e seu potencial histórico, tendo como

suporte outros estudos que se debruçaram sobre a fonte.

A Revista de Música Popular constitui fonte riquíssima em se tratando da temática

da música popular na primeira metade do século XX. Chegou a totalizar quatorze publicações75.

Além de se dedicar à temática da música popular, a revista se preocupou em fazê-lo de maneira

sistematizada e científica. Embora, o periódico analisado estivesse imerso em um contexto de

modernização na estrutura e na proposta da imprensa em relação aos aspectos gráficos, a

proposta da RMP se diferenciava justamente por sua apresentação tanto no quesito estético

74 Coleção Revista da Música Popular, 2006, p. 16. 75 A redação da revista funcionou até o último número na Rua Santa Luzia, número 732, sala 702, Rio de Janeiro.

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quanto no aspecto intelectual76, pois possuía propositalmente em sua estrutura editorial,

segundo Maria Clara Wasserman (2008), “pouco impacto visual, repleta de textos e poucas

fotos, diferenciava-se de outras publicações”.

Segundo Ana Paula Goulart Ribeiro, em Jornalismo, literatura e política: a

modernização da imprensa carioca nos de 1950, é a partir de 1950 que as inovações ficam mais

evidentes no seio da imprensa nacional, sobretudo carioca, que adota praticamente o mesmo

padrão norte-americano de “recursos editoriais e formais, típicos de revistas” (RIBEIRO, 2003,

p. 151). Segundo a mesma autora, será também na década de 1950 que a imprensa começará se

profissionalizar.

Assim, jornais e revistas passaram a conter textos de conteúdo mais massificado,

em diálogo com a indústria cultural. O objetivo era tentar informar um maior número de pessoas

de maneira direta, por intermédio de textos menos críticos e densos, comuns nas décadas

anteriores77 (RIBEIRO, 2003, p. 148). Sobre as revistas, no artigo A Revista do Rádio através

de seus editoriais (década de 50), Doris Fagundes Haussen e Camila Stefenson Bacchi

comentam que:

No caso das revistas, conforme Habert (1974) é na década de 50 que vão

aparecer as publicações "modernas" no país. São aquelas que cobrem um

mundo mais amplo, são mais informativas e trazem uma apresentação gráfica

mais atraente, resultado de maiores investimentos (HAUSSEN; BACCHI,

2001, p. 4).

Com exceção da RMP, as demais revistas brasileiras possuíam esse apelo à grande

massa, tal como as programações das rádios e da TV. Reside nestes aspectos o principal

diferencial e atrativo da RMP, que em vez da utilização de muitas imagens e temas midiáticos,

optou por conteúdos mais textuais e poucas ilustrações. Havia, entretanto, significativa

diversidade narrativa, da crônica ao artigo científico, das reportagens às entrevistas, das

propagandas aos poemas e textos biográficos, todos voltados para a temática da música popular

brasileira.

No quesito gráfico, é possível considerar as capas de todas as edições como outro

diferencial do periódico78. Isso porque, em vez de serem ilustradas com a imagem de

personalidades famosas do cinema, televisão e rádio tal como era recorrente nas demais

76 Até então, essas revistas se preocupavam com as inovações tecnológicas, como o rádio e as fotonovelas. Um

exemplo é a Revista Rádio, também criada na década de 1950. 77 Ana Paula percebe uma continuidade em toda imprensa carioca da crítica e dos textos polêmicos, mesmo na

década de 1950, quando se propõe tal afastamento. 78 Apenas as capas eram coloridas, todo o as outras páginas eram em preto e branco, focando mais na questão do

conteúdo textual.

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revistas, a Revista da Música Popular sempre destacava alguma personalidade da música

popular, indicando de antemão, os artistas privilegiados pelo periódico.

Imagem 6: Capa da edição de número quatorze com Orlando Silva.

Fonte: página virtual “André Egg: reflexões, análise e crítica”79.

Assim, da primeira à última publicação se tem, respectivamente, as fotos de

Pixinguinha (Setembro de 1954), Aracy de Almeida (Novembro de 1954), Carmen Miranda

(Dezembro de 1954), Dorival Caymmi (Janeiro de 1955), Elizeth Cardoso (Fevereiro de 1955),

Inezita Barroso (Março/Abril de 1955), A Velha Guarda, Pixinguinha, Donga e João da Baiana

(Maio/Junho de 1955), Carmen Miranda mais uma vez80 (Agosto de 1955), Sílvio Caldas

(Setembro de 1955), Jacob Bittencourt (Outubro de 1955), Leny Eversong

(Novembro/Dezembro de 1955), Dircinha Batista (Abril de 1956), Marília Batista (Junho de

1956) e Orlando Silva na última edição de Agosto de 1956.

Sobre a qualidade do conteúdo, o periódico contou com diversos intelectuais, entre

pesquisadores, músicos, escritores e folcloristas, que contribuíram com artigos e pesquisas

acerca da música popular brasileira e fomentaram a qualidade da RMP. O historiador José

Geraldo Vinci de Moraes comenta em sua obra História e Música no Brasil que “durante os

dois anos, entre setembro de 1954 e 1956, foram lançados 14 números em que a música popular

teve papel central e exclusivo, recebendo tratamento ‘culturalmente elevado’ e que serviu para

dar novo passo na legitimação da música urbana” (GERALDO, 2010, p. 224).

79 Disponível em: http://andreegg.org/2014/08/20/capas-da-revista-da-musica-popular-1954-56-um-panteao-da-

musica-brasileira/ 80 Edição especial por causa da morte da cantora, voltada apenas para publicar sua trajetória artística.

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Dentre alguns desses nomes se pode destacar Lúcio Rangel, Pérsio de Moraes,

Fernando Lobo, Claudio Murilo, José Sanz, Frederic Ramsey Jr., Marcelo de Miranda, Nestor

de Holanda, Nestor Ortiz Oderigo, Eugene Willians, Jorge Guinle, Martim Gonçalves, Mariza

Lira e Silvio Túlio Cardoso, que podem ser considerados pesquisadores folcloristas; o jornalista

e cronista Jota Efegê; músicos e escritores como Manuel Bandeira, Almirante, Vinícius de

Moraes, Ary Barroso e o radialista Sérgio Porto. Tal corpo de intelectuais se dedicou por dois

anos – de 1954 a 1956 – a elaborar artigos que construíssem uma maior criticidade sobre a

música popular brasileira e, para tanto, reuniram estudos resultantes de árduas pesquisas sobre

a temática, fatores esses que se destacaram em um formato mais organizado e científico.

A opção por um grupo tão heterogêneo pode estar relacionada a novidade do curso

superior de jornalismo que há pouco havia chegado às Universidades, primeiramente em São

Paulo, em 1947, na Faculdade Cásper Líbero, e um ano depois no Rio de Janeiro, na

Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (RIBEIRO, 2003, p. 152-

153). É possível também que Lúcio Rangel tenha sido influenciado pelo formato da antecedente

e influente revista Dom Casmurro, outro famoso periódico carioca, que reuniu a nata da crítica

literária e escritores dos mais variados e renomados. A revista teve circulação entre os anos de

1937 e 1944. Lúcio Rangel chegaria a compor mais tarde, inclusive, o corpo de colaboradores

da Revista Acadêmica, que foi criada por antigos coautores da revista Dom Casmurro e foi

dirigida por Carlos Lacerda.

Além disso, a década de 1950 pode ser compreendida como uma época de intensas

inovações tecnológicas e como ensaio de uma indústria cultural no Brasil, elementos que

obviamente influenciaram o conteúdo da RMP e estavam praticamente ausentes nas

publicações sobre música que a antecederam. As demais revistas divulgavam apenas algumas

notas e comentários esparsos sobre artistas variados.

Algumas revistas como a Phonoarte, que circulou entre 1928 e 1931, dirigida pelo

crítico José da Cruz Cordeiro Filho, foi pioneira na questão das críticas a discos e artistas,

contudo essa primeira empreitada, longe do rigor técnico de suas sucessoras, limitou-se a alguns

comentários pessoais por parte de seus redatores81.

A revista carioca Radiolândia que circulou entre as décadas de 1950 e 1970,

espelhava-se em uma revista argentina de mesmo nome e dedicava espaço apenas para

promover alguns músicos e canções da época, tendo seu interesse maior na divulgação da

programação das rádios, como radionovelas, noticiários e posteriormente na divulgação da

81 Disponível em: http://casadaartesimbolica.com/revistaphonoarte/pagina11.htm

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programação televisiva82. Portanto, mesmo havendo uma evolução gráfica nas revistas – boxes,

imagens informativas, textos complementares, propagandas e caricaturas – o interesse da

maioria estava voltado para os meios de comunicação de massa, sem uma visão crítica sobre a

música popular brasileira.

A revista O Cruzeiro, por exemplo, uma das primeiras com ilustrações no século

XX, teve sua primeira edição em 1928 e, a partir dos anos de 1940 a 1970, preocupou-se apenas

com modelos, esportistas e artistas do cinema americano83, tal como a o fez a revista

Cinelândia. No entanto, é importante destacar que em um dado momento a revista

Radiolândia84 foi fortemente influenciada pelo formato e proposta da Revista da Música

Popular, o que demonstra a influência e alcance desta última. Isso fica claro no texto de

apresentação da quinta edição, de fevereiro de 1955:

“Radiolândia”, conhecida revista especializada, vai iniciar uma campanha

pela nacionalização de nossa música popular, tão deturpada pelos falsos

compositores, pelos plagiadores de boleros, pelos “fabricantes” de sambas.

Ótima iniciativa, que conta com o nosso integral apoio. Precisamos promover

a volta dos legítimos valores da nossa música popular, de homens como

Lamartine Babo, Heitor dos Prazeres, Ismael Silva, J. Cascata, e muitos

outros, para substituir o falso e o medíocre, agora dominando todo um setor

da nossa música popular85.

Além dessa preocupação com uma estrutura editorial diferenciada, a RMP prezou

também pela escolha de intelectuais que estivessem de acordo com os interesses propostos pelo

periódico, ou seja, para o estudo e valorização da memória musical do país. Esses estudiosos

estabeleceram uma verdadeira polifonia em torno dos estudos sobre a música popular brasileira.

O sentido de polifonia é aqui utilizado para ilustrar tanto no sentido musical86 –

várias notas soando ao mesmo tempo de maneira sobreposta -, as várias vozes e discursos

inseridos na revista quanto no sentido linguístico que, à luz de Mikhail Bakhtin, se trata de uma

produção discursiva intertextual. Nesse sentido, entendo que os discursos presentes na RMP

são resultados da interação dialógica com os leitores e com outros textos antecedentes87.

83 Disponível em: http://www.radioemrevista.com/o-cruzeiro/ 84 Embora a Radiolândia tenha se pronunciado a respeito do mesmo projeto da Revista da Música Popular, segundo

Maria Wasserman em Decadência: A Revista da Música Popular e a cena musical brasileira nos anos 50, o

interesse maior da revista era fomentar os “bastidores do rádio” e vê o vínculo entre os periódicos apenas no

sentido de que a Radiolândia também defendia a ideia de crise na música popular. 85 Revista da Música Popular, 5ª edição, 1955, p. 1. 86 Resumidamente, significa “várias vozes”. A origem do termo remonta uma forma de cantar surgida na Idade

Média com base em cantos religiosos polifônicos. Exemplo de polifonia instrumental seria o próprio piano, que

emite notas diversas ao mesmo tempo. 87 Segundo Maria Letícia de Almeida Rechdan, para Mikhail Bakhtin “o discurso escrito é de certa maneira parte

integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa

as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.” (RECHDAN, 2003, p. 2).

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Assim, na primeira edição da Revista da Música Popular afirmava-se que “mesmo

antes do aparecimento deste número, algumas centenas de cartas, chegadas de todo o Brasil,

mostravam o interesse que despertaria uma publicação no gênero da que ora apresentamos”88,

o que reafirma o sentido linguístico de polifonia aqui empregado.

Em relação ao corpo editorial da revista tem-se em primeiro lugar Lúcio Rangel,

que para Tárik de Sousa pode ser “talvez o primeiro formador do pensamento crítico da MPB

na metade do século passado”89, e foi o principal diretor da RMP, escrevendo principalmente

na coluna Discos do Mês, em que se propôs a apresentar e resenhar a respeito de discos

consagrados da música brasileira de vanguarda.

Lúcio Rangel foi um dos primeiros críticos musicais brasileiros e já havia atuado

no Jornal do Brasil, onde chegou a publicar uma série de artigos intitulados Discoteca mínima

da música popular brasileira. Trabalhou ainda no Diário de São Paulo, A cigarra e Manchete.

Também chegou a manter uma pioneira coluna musical no suplemento literário O Jornal,

dirigido por Vinícius de Moraes.

Escreveu ainda para a Revista Long Playing, Música e disco, Revista Lady, entre

outras. Atuou também na Rádio Batuta, além de produzir artigos e ensaios historiográficos

relacionados com o estudo da música popular brasileira. Após o encerramento das atividades

da Revista da Música Popular, escreveu a obra Sambistas e Chorões publicada em 1962, na

qual faz um mapeamento e uma análise do que considerou serem as raízes da música popular

brasileira. Sua última contribuição foi a obra Samba Jazz e Outras Notas, organizada por Sérgio

Augusto em 2007, uma compilação de artigos escritos pelo estudioso sobre a música popular e

jazz. Foi definido pelo Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira como “um dos

mais intransigentes defensores da música popular brasileira tradicional, da qual era profundo

conhecedor”90

Pérsio de Moraes também atuou como segundo fundador e diretor gerente da

Revista da Música Popular. Teve fundamental importância, sendo responsável por treze

crônicas a respeito do samba e do carnaval carioca em uma coluna intitulada Um tipo da música

popular, dentre elas O samba inédito, O folião, Pois é Ataulfo e Laurindo.

Mariza Lira foi pioneira nos estudos sobre a música popular urbana e escreveu

artigos para a coluna História Social da Música Popular Carioca a partir da terceira edição da

Revista, de dezembro de 1954. Alguns deles foram intitulados O alvorecer da música do povo

88 Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 03. 89 Coleção Revista da Música Popular, p. 18. 90 Ver: http://www.dicionariompb.com.br/lucio-rangel

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carioca, este primeiramente preocupado com a música produzida no Brasil entre os séculos

XVI e XVII.

Na quarta edição Lira escreveu o artigo Os nossos primeiros trovadores, focado

mais nos fados, lundus e maxixes do século XVIII. Na edição seguinte, assina texto sobre os

ritmos carnavalescos no século XIX. Na sexta edição escreveu o artigo A influência do étnico

na Nossa Música Popular, também com o enfoque no século XIX. Na sétima edição publicou

A influência Ameríndia. Nas seguintes: A contribuição do negro: o ritmo, Música das três raças

e prosseguiu até publicar o texto A polca, na última edição, priorizando uma abordagem mais

sociológica e caracterizando-se como folclorista91. Foi a primeira biógrafa de Chiquinha

Gonzaga, escreveu diversos artigos sobre música para jornais e tornou-se membro do Conselho

Superior de MPB do Museu da Imagem e do Som em 196692.

Sílvio Túlio Cardoso foi responsável pela coluna Discografia Completa de

Francisco Alves em que destacava músicas do cantor e sambista. Vinícius de Moraes escreveu

algumas crônicas como Mestre Ismael Silva na quinta edição de fevereiro de 1955, exaltando

os sambistas cariocas. Fernando Lobo escreveu crônicas na coluna Música dentro da Noite e

vinha do ambiente da mais popular rádio carioca, a Rádio Nacional, na qual foi produtor e

redator em 1951. Lobo teve também experiência na área musical como violinista da Jazz Band

Acadêmica de Pernambuco e, na década de 1970 atuou em programas musicais na televisão

onde foi responsável por significativo levantamento da memória musical brasileira93.

Jota Efegê que já havia colaborado com textos sobre a música popular em revistas

como Noite Ilustrada e Carioca, foi autor de três obras sobre a música popular brasileira entre

as décadas de 1960 e 1980, entre elas Ameno Resedá - O Rancho Que Foi Escola (1964), Maxixe

- A Dança Excomungada (1974) e dois volumes da obra Figuras e Coisas da Música Popular

Brasileira, a primeira de 1978 e a segunda de 1982, com o título Figuras e Coisas do Carnaval

Carioca94.

Também não é gratuita a escolha pelo músico e radialista Almirante como redator,

lembrado como “a mais alta patente do rádio”, que em fins da década de 1930 iniciou na Rádio

Nacional um projeto de rememoração e preservação da memória musical nacional no programa

Curiosidades Musicais (GERALDO, 2010, p. 238). Giuliana Souza de Lima (2012) comenta

91 Alguns destes estudos traziam aspectos musicológicos, como partituras e narrativas de cronistas. 92 Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/marisa-lira/dados-artisticos. 93 Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/fernando-lobo/biografia 94 Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/jota-efege/biografia

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em sua dissertação Almirante, “a mais alta patente do rádio” e a construção da música popular

brasileira (1938-1958), que:

Apesar de ser produtor cultural com vistas para o entretenimento, fruto de uma

sociedade em vias de uma modernização e ávida por novas formas de

diversão, os programas de Almirante eram caracterizados pela busca

obsessiva em conferir valor cultural e científico aos temas abordados. Estes

dois estatutos ele tentava garantir com suas pesquisas, as quais contribuíram

para um vasto acervo sobre música popular – integrado na década de 1960 ao

incipiente Museu da Imagem e do Som (MIS-RJ – atual Fundação Museu da

Imagem e do Som do Rio de Janeiro) e curado pelo próprio Almirante, que se

tornou funcionário desta instituição. O radialista desempenharia, assim, um

papel importante não apenas na divulgação da música popular pelas ondas do

rádio, mas também no projeto documental, de estudo e pesquisa que assumiu

individualmente para si (LIMA, 2012, p. 14).

Destaco ainda Almirante, que além de preservar a trajetória de músicos populares,

“coletou com rigor enciclopédico, diga-se, uma ampla gama de sonoridades musicais do Brasil,

numa espécie de ‘missão de pesquisas folclóricas’ que tinha como base sua atuação no rádio”

(NAPOLITANO; WASSERMAN, 2000, p. 172-173). Ele também chegou a publicar alguns

artigos na Revista da Música Popular, como Vassourinhas históricas e Noel Rosa foi grande,

mesmo sem parceiros, na 13ª edição, de 1956.

Nomes como Emanuel Vão Gogo, Evaldo Rui, Haroldo Barbosa e Nestor de

Holanda também fizeram contribuições importantes para a revista, como ilustrações, artigos

como Quando Chico Alves era turfista (Haroldo Barbosa) presente na quarta edição do

periódico, a coluna fixa sobre as programações das rádios O rádio em 30 dias de Nestor de

Holanda, entre outros coautores que escreveram de maneira esporádica na revista95.

Quanto a José Sanz, Marcelo Miranda, Eugene Williams, Nestor Ortiz Oderigo,

Frederic Ramsey Jr., e Jorge Guinle, couberam-lhes a contribuição em colunas fixas com

relação à música estrangeira, mais especificamente sobre a condição do jazz no Brasil e no

exterior. Esses textos geralmente eram apresentados nas últimas páginas das edições, mas estão

presentes em todas elas com variedade no número de páginas. José Sanz ficou responsável pela

coluna Jazz, sendo seus textos de caráter mais combativo e crítico.

Nestor Oderigo, até então renomado folclorista argentino, era responsável por

estudos sociológicos sobre jazz e que geralmente sucediam os textos de José Sanz. Em outras

edições havia as contribuições de Marcelo Miranda também sob um viés sociológico. Jorge

Guinle ficou incumbido de colunas com os títulos Discografia Selecionada de Jazz Tradicional,

95 Entre esses nomes estão Paulo Mendes Campos, Mozart Araújo, José Guilherme Mendes e Jarbas Melo,

Clemente Neto, Thalma de Oliveira, Assis Brandão, Enece, Luís Cosme, Irineu Garcia, Lourdes Caldas, Duprat

Fiuza, Mario Cabral, Sérgio Barcellos, Rubem Braga, Paulo Pereira, Celso Cunha, Jacy Pacheco, Sílvio Autuori,

Pierre Gujon, João Farias, Edigar Alencar, Mário Faccini e Hermínio Bello de Carvalho.

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Os Fatores Essenciais da Música de Jazz, na terceira edição, e logo depois Os 50 músicos que

influenciaram o jazz, na quinta edição. Também havia a coluna Notas de Jazz, sobre notícias

no Brasil e no mundo referentes ao jazz. Quanto a isso Maria Clara Wasserman reforça que:

A ambiciosa publicação reuniu os principais nomes da música e da

intelectualidade brasileira e congregou um novo pensamento musical, que

tentava alcançar a legitimidade através da abordagem folclórica. Também o

reconhecimento da música urbana carioca como autenticamente brasileira

fazia parte da proposta. Quanto à música norte-americana, a exclusiva

abordagem do jazz de New Orleans, deixava clara a intencionalidade de

transformar a música “de raiz” em música pura e autêntica. (WASSERMAN,

2002, p. 8).

Aqui, porém, reside a principal problemática do discurso defendido pela revista:

uma vez preocupada com “a volta dos legítimos valores da nossa música popular” e com a

“nacionalização da música popular”, mesmo assim havia a divisão clara de intelectuais que

trabalhavam em pesquisas sobre a música popular brasileira, bem como críticas à produção

musical urbana dos anos 1950, enquanto o outro grupo de críticos ficava incumbido de elaborar

ensaios, crônicas e oferecer discografias de jazz para os leitores.

O próprio Sérgio Porto, autor de textos que rememoravam figuras do samba na

revista redigiu a primeira obra nacional sobre o jazz produzido nos Estados Unidos, intitulada

Pequena História do Jazz que foi patrocinada pelo Ministério de Educação e Saúde em 1953.

Já Jorge Guinle foi autor da segunda obra nacional sobre jazz, intitulada Jazz Panorama (1953),

tendo esta duas edições, a primeira de 1953 e a segunda de 1959. Os dois autores foram ainda

responsáveis pela fundação do Clube de Jazz e Bossa no início dos anos 1960, que se manteve

firme em suas atividades de propagação do jazz até 196796.

Nesse sentido, há um interesse significativo por parte da RMP na divulgação de

livros, bandas e discos de jazz para informar leigos, leitores aficionados e para atrair outros

pesquisadores da temática. Além disso, os críticos se apropriavam da maneira como o jazz era

debatido no exterior, pautados na busca por sua “autenticidade”. Assim, segundo Jair Paulo

Labres Filho, ao analisar alguns dos textos sobre jazz chega a afirmar que “os debates que

encontramos nessas obras são basicamente os debates estadunidenses reproduzidos em

português com as palavras e julgamentos dos respectivos autores” (LABRES FILHO, 2014, p.

37).

Portanto, a Revista da Música Popular reuniu pessoas de diversas áreas de

influência da sociedade e com interesse na música urbana e folclórica com o objetivo de

96 Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/clube-de-jazz-e-bossa/dados-artisticos

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construir narrativas que, a priori, reunissem conhecimentos sobre a história da música popular

brasileira sempre com o objetivo de “salvaguardar a memória musical do país”. Serão esses

intelectuais que, segundo o historiador José Geraldo, começarão a “definir a organização de

uma verdadeira operação historiográfica, ao estabelecer um lugar social, uma prática e, por fim,

o texto e a narrativa sobre o tema, até aquele momento destituído de qualquer valor cultural e

social” (GERALDO, 2010, p. 263).

Contudo, como já exposto de forma sucinta, dentro do âmbito do periódico também

houve ao mesmo tempo a preocupação com o trato do jazz, selecionando indivíduos que, além

de entusiastas, pesquisavam e estudavam sobre a temática e tinham contato com músicos,

críticos e estudiosos estrangeiros de jazz.

Entretanto se havia o direcionamento claro da RMP – reduto da chamada “segunda

geração de historiadores da música popular brasileira”97 – para a valorização da música popular

urbana e da memória musical nacional, quais as razões para ter promovido um estilo de música

estrangeiro que se espalhava cada vez mais pelos grandes veículos de comunicação de massa?

Qual o papel do jazz em meio às discussões sobre a identidade musical nacional em voga?

Sobre essas questões e sobre a aparente contradição no discurso dos idealizadores tratarei com

mais profundidade no tópico intitulado Jazz: atração e repulsa.

Posso afirmar, por ora, que o conteúdo presente na Revista da Música Popular

refletia a ideia de mistura musical que se tornou forte no início do século XX e, ao mesmo

tempo, tentava recuperar o formato científico de estudo da música popular urbana produzida no

Brasil tal como Almirante havia feito em seus programas de rádio.

Adiante, retornarei à ideia de polifonia para entender a heterogeneidade dos

discursos presentes na RMP. Assim, nos tópicos seguintes, intitulados Um projeto para a

música popular e Os silêncios e os sons da memória musical brasileira o objetivo será dar voz

à Revista da Música Popular, tentando identificar primeiramente aquele que seria o formato

mais autêntico de música popular brasileira para seus idealizadores.

2.2 Um projeto para a música popular

O historiador José Ramos Tinhorão (1998) acredita ter sido na década de 1950 o

momento de maior sujeição do Brasil às políticas econômicas dos Estados Unidos, ainda

defensores da Política de Boa Vizinhança. Para Tinhorão é nesse momento de “pressões

diplomáticas e financeiras”, razão da entrada massiva dos mais diversos bens de produção

97 A primeira geração seria composta pelos folcloristas interessados na música, como Mário de Andrade, Renato

Almeida e Francisco Guimarães.

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americanos no Brasil, que no nível cultural passa-se a ter cada vez mais um aumento no

consumo de músicas estrangeiras. Por isso a atenção dos veículos de comunicação se voltou

quase que com exclusividade para o repertório de músicas dançantes estrangeiras ou nacionais

com influências estrangeiras, constituindo o formato mais lucrativo da época (TINHORÃO,

1998, p. 308-309).

A visão de Tinhorão entende como problemática e danosa a década de 1950 para a

música popular brasileira pois, o autor acredita ter sido com base nas relações econômicas entre

o Brasil e os Estados Unidos que se estabeleceu a decadência da música popular urbana,

processo iniciado nos anos 1940 por meio dos “grupos heterogêneos de compositores

profissionais” (TINHORÃO, 1998, p. 248).

Nesse sentido, o historiador acredita que houve uma reviravolta na qualidade da

música popular após a Segunda Guerra Mundial, reviravolta essa sustentada pela mudança de

postura da política diplomática dos Estados Unidos que passou a criar órgãos que cuidassem da

relação entre a cultura americana e latina98. Para o autor, antes desse abandono da postura

“isolacionista” dos Estados Unidos o Estado brasileiro já fazia uso da música popular em sua

propaganda política como símbolo da identidade nacional sob os auspícios de Getúlio Vargas.

Artistas como Pixinguinha, Donga, Carmen Miranda, o Bando da Lua e “os mais

conhecidos cantores, instrumentistas e orquestras populares da época, se antecipam, nesse

ponto, ao próprio Departamento de Estado norte-americano, em seu programa ‘A Voz da

América’” (TINHORÃO, 1998, p. 299).

Já no plano político-ideológico, Renato Ortiz acredita ser um momento no Brasil

de se repensar a identidade nacional, delimitando o que é “autêntico” e “inautêntico”, “bom”

ou “ruim”, “nacional” e “internacional”. Isso porque em âmbito mundial se difundiam cada vez

mais as ideias de “descolonização”, “alienação” e de resposta dos países do chamado Terceiro

Mundo aos países capitalistas (ORTIZ, 1994, p. 46).

É também o momento no qual nasce o Instituto Superior de Estudos Brasileiros

(ISEB), antigo Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política (IBESP) formado por

intelectuais que visavam discutir o desenvolvimento do capitalismo nacional. Ainda no plano

econômico, foi a época onde mais se desenvolveu a industrialização por investimentos diretos

do Estado e da injeção de capitais estrangeiros cada vez mais fortes devido às “políticas internas

98 José Ramos Tinhorão (1998, p. 301) destaca o Escritório de Coordenação de Assuntos Interamericanos, o Office

of the Coordinator of Inter-American Affairs.

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de atração destes capitais, vigentes então na economia brasileira” (CAPUTO; MELO, 2009, p.

514).

No plano cultural o Brasil presenciava um significativo bombardeio de elementos

estrangeiros que se estabelecia de maneira vertiginosa por meio principalmente do cinema, do

rádio e da televisão. Não apenas de gêneros musicais estrangeiros, como foxes, blues e outras

vertentes do jazz, como boogie-woogie e o swing, mas também gêneros latinos como a rumba,

as congas e os boleros.

Vale ressaltar que a concepção de cultura popular ainda não estava vinculada a uma

“tomada de consciência” no sentido definitivamente político como aconteceria no início da

década de 1960 em meio ao Regime Militar99. Na verdade, na década de 1950 a cultura popular

deveria estar relacionada com uma identidade nacional ainda em busca no país (RIDENTTI,

2010). Esse ambiente de trocas culturais favoreceu uma intensa mistura do repertório musical

popular com o estrangeiro. Assim, segundo Vasco Mariz:

Neste período, a informação musical norte-americana da década de 1950 já

criara um mercado de consumidores e aficionados, permitindo que, desde

1957, os primeiros cantores e compositores brasileiros do gênero tentassem

reproduzir aquele ritmo com letras em português ou até cantadas no original.

(MARIZ, 2002, p. 164).

Vivian Catenacci acredita que a noção de popular nesse momento “é visto pela

mídia através da lógica de mercado, e cultura popular para os comunicólogos não é o resultado

das diferenças entre locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural”

(CATENACCI, 2001, p. 32,). Na visão de Vivian Catenacci essa opção integradora estaria

ligada a uma necessidade de mercado, de relação com os interesses da indústria cultural. Mas

o que dizer da Revista da Música Popular que tinha como principal objetivo privilegiar a música

erudita, folclórica e urbana tradicional como símbolos da cultura popular?

Neste tópico utilizarei os discursos presentes na Revista da Música Popular para

tentar perceber como se estabeleceu o diálogo com o cenário musical vigente e em que aspecto

o projeto de defesa pela autenticidade da música brasileira e de sua memória musical se

sustentava no periódico.

Em primeiro lugar, é possível identificar em algumas das apresentações da revista

uma síntese de sua proposta. Assim, destaco o texto que abre a primeira edição de setembro de

1954. A autoria do texto é provavelmente de Lúcio Rangel, principal diretor do periódico.

99 Isso não quer dizer que a música estava totalmente afastada das discussões políticas, exemplo disso eram os

“shows-protesto” realizados por Jorge Goulart e Nora Ney, filiados ao Partido Comunista. Para mais informações,

cf. LENHARO, 1995.

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Ainda que seja de autoria desconhecida o texto evidencia logo de início os objetivos da

publicação.

A Revista da Música Popular nasce com o propósito de construir. Aqui

estamos com a firme intenção de exaltar essa maravilhosa música que é a

popular brasileira. Estudando-a sob todos os seus variados aspectos,

focalizamos seus grandes criadores e intérpretes, cremos estar fazendo serviço

meritório. Os melhores especialistas no assunto estarão presentes, desde este

número inaugural, nas páginas que se seguem. Ao estamparmos na capa do

nosso primeiro número a foto de Pixinguinha, saudamos nele, como símbolo,

ao autêntico músico brasileiro, o criador e verdadeiro que nunca se deixou

influenciar pelas modas efêmeras ou pelos ritmos estranhos ao nosso

populário100.

É possível perceber com base no fragmento supracitado que a intenção primordial

da publicação é de “exaltar essa maravilhosa música que é a popular brasileira”. Mas para isso

é preciso definir antes que há uma distância entre o músico – ou a música – “autêntico” e o

“inautêntico”. Em outras palavras, um tipo especial de músico, uma música popular específica.

Percebo também que há a intenção de rememorar, de resgatar músicos do passado e de

“construir” uma ideia de vanguarda para a música popular brasileira. Vanguarda essa que

deveria simbolizar o que havia de mais puro e autêntico em toda a produção musical nacional.

O texto esclarece que os métodos utilizados para conseguir tal empreitada deveriam

ser pautados em pesquisas feitas por especialistas predispostos a se debruçar sobre uma

produção musical datada principalmente entre as décadas de 1920 e 1940. Não é gratuita,

portanto, a opção pelo músico Pixinguinha, exposto como “símbolo nacional”, “autêntico

músico brasileiro”. Ele, em conjunto dos cantores Castro Barbosa, Mário Reis, Almirante,

Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Carlos Galhardo e Francisco Alves101; dos

compositores, Ari Barroso, Ismael Silva, Lamartine Babo, Vadico, Orestes Barbosa; e dos

músicos Radamés Gnattali, Nonô, Josué de Barros e Luciano Perrone simbolizariam uma época

demarcada e simbólica para a música brasileira.

Na edição da RMP de número 6 que circulou entre março e abril de 1955 pude

perceber a defesa da revista em relação aos artistas que melhor se encaixavam em sua proposta

e a recusa em expor figuras que supunham não estar dentro dos padrões de brasilidade e de

autenticidade musical. Interessante perceber no fragmento a necessidade de reafirmação da

100 Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 3. 101 “Quadra de Ases”, era a expressão utilizada para se referir a Francisco Alves – “O rei da voz” -, Carlos

Galhardo, Orlando e Sílvio Caldas. Ditos cantores de maior popularidade da década de 1930, afirma Ricardo

Monteiro em A música popular brasileira na época de ouro: da era Vargas aos anos JK – período de 1930 a

1956.

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proposta do periódico e a estratégia de fazer crer que seus interesses iam para além das questões

econômicas:

Não aceitamos reportagens e fotografias pagas. Fazemos esta declaração aos

nossos leitores e a quem possa interessar, para que não se repita o caso de

certo diretor de publicidade de conhecida gravadora que nos propôs um

anúncio com a condição que a capa viesse com o retrato do cantor X e, no

texto, uma reportagem de duas páginas com a cantora Y. Não, isso não

fazemos. As capas, as fotografias e os textos que publicamos não tem nenhum

interesse financeiro. Focalizamos os artistas que merecem nosso interesse e o

dos leitores, e não nos prestamos ao papel de simples propagandistas de

artistas muitas vezes “inventados” pelos golpes e artimanhas já muito comuns

em nosso meio102.

Na edição de número 13 há novamente a crítica às propostas que desvirtuassem o

interesse do periódico como “notícias e artigos visando a vida particular de artistas ou notas

comentando certos fatos escandalosos que, infelizmente, ocorrem em nosso meio musical”103.

Fato é que o discurso dos colaboradores da RMP parece se harmonizar e ir ao encontro daqueles

que não se interessavam pela história da música popular brasileira e sua memória musical

“pura”, ou seja, pela memória dos tradicionais artistas da Época de Ouro.

Nesse sentido, a importância desse período na música brasileira poderia estar

relacionada com a popularização de músicos através das inovações tecnológicas da época. Para

Ary Vasconcelos, em sua obra Panorama da Música Popular Brasileira, publicada em 1964, a

Fase de Ouro, ou Época de Ouro, iria de 1927 a 1946 seguida da Fase Moderna, de 1946 a 1958.

Essa segunda marcada pela “influência crescente da música estrangeira, como a música

americana e o bolero, que também iriam contribuir para que o samba ‘original’ fosse chamado

de antiquado, na ‘época moderna’ da música brasileira” (NAPOLITANO; WASSERMAN,

2000, p. 177).

No livro A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras, Jairo Severiano e

Zuza Homem de Mello caracterizam as primeiras décadas do século XX como um período de

intensas mudanças, sobretudo na música brasileira:

A Época de Ouro originou-se da conjunção de três fatores: a renovação

musical iniciada no período anterior com a criação do samba, da marchinha e

de outros gêneros; a chegada ao Brasil do rádio, da gravação eletromagnética

do som e do cinema falado; e, principalmente, a feliz coincidência do

aparecimento de um considerável número de artistas talentosos numa mesma

geração. Foi a necessidade de preenchimento dos quadros das diversas rádios

e gravadoras surgidas na ocasião que propiciou o aproveitamento desses

talentos (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 85).

102 Revista da Música Popular, 6ª edição, março/abril, p. 1. 103 É possível que a referência tenha sido à Revista Radiolândia que se ocupava com esse tipo de proposta.

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Cria-se assim, em torno da pessoa de Pixinguinha e de seus contemporâneos da

chamada Era de Ouro da música popular uma imagem antitética que carregaria em si a pureza

da música brasileira e que deveria ser novamente estudada, promovida e tida como exemplar

para o palco musical da década de 1950 ao qual a RMP fazia crer estar em crise.

A revista passou a documentar de forma estratégica as noites dedicadas aos festivais

realizados pelo radialista e músico Almirante, os famosos Festivais da Velha Guarda, evento

que teve sua primeira edição em São Paulo e depois no Rio de Janeiro. Nesse sentido, os

colaboradores do periódico levam ao ambiente da escrita um formato semelhante ao que

Almirante utilizava em seu programa Curiosidades musicais104, apresentando assim, a música

urbana tradicional e folclórica como patrimônios culturais nacionais sem a distância que

possuíam nos estudos folclóricos no início do século XX.

É possível também localizar essas discussões em outros textos fora da Revista da

Música Popular. Em um artigo escrito por Lúcio Rangel para a Revista Long Playing105, entre

setembro e outubro de 1957 perdura a necessidade da busca pela memória musical na figura

dos músicos tradicionais:

Sendo um músico completo, e mais, tendo o verdadeiro espírito de brasilidade

em suas orquestrações, sabendo o tempo certo e a execução certa, o repertório

certo e representativo de nossa música popular, sua fama só faz aumentar, com

o correr dos anos [...]. Assim é Pixinguinha, o músico, o artista. Hoje uma

figura nacional, com o nome em placa de rua, o homem Pixinguinha continua

a ser o mesmo de sempre, simples e humano, dono de uma bondade sem igual,

amigo, perfeito, modesto, sem a “máscara” que muitos por aí sem um

centésimo do seu valor afivelam na face sem o menor pudor (RANGEL, 2007,

p. 95).

Em fevereiro de 1958 Lúcio Rangel publicou no Jornal do Commercio um texto

com o título Sambas e datas, em que elogia uma reportagem realizada pelo jornalista Ary

Vasconcelos106 para a revista O Cruzeiro107, na qual ele teria feito um levantamento dos

músicos da velha guarda, “bem como estudiosos do assunto, musicólogos e historiadores da

nossa música popular” (RANGEL, 2007, p. 104). Isso simboliza o crescente interesse de outros

pesquisadores que compactuavam com a proposta iniciada pelos idealizadores da Revista da

Música Popular108.

104 O programa foi ao ar em 1934, quando surgiu como um quadro do Programa Casé da Rádio Transmissora e

depois migrou para a Rádio Nacional, onde permaneceu com abrangência nacional de 1938 a 1941. 105 Periódico que se dedicava a comentar a respeito de discos e músicos. 106 Há certa discordância neste texto apenas quando o jornalista nega ser a canção Pelo telefone do sambista Donga,

a primeira forma gravada de samba como defendia Lúcio Rangel e outros tantos estudiosos. 107 Circulou de 1928 a 1975 e foi a principal revista nacional a apresentar ilustrações. Possuiu inovações gráficas,

e ênfase no Fotojornalismo. 108 Na década de 1960, Ary Vasconcelos iria se dedicar a fazer conferências sobre a música popular por todo o

país, e realizar estudos como crítico musical em diversas publicações. Na mesma década publicaria a obra

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É interessante destacar que na obra A canção popular brasileira (2002), de Vasco

Mariz, após comentar o destaque da banda Os Oito Batutas no exterior e posteriormente o

sucesso de Pixinguinha na Europa, cita-se o comentário feito por Sílvio Salema que diz “é de

se estranhar e, ao mesmo tempo, louvar que a influência da música estrangeira não se faça sentir

nas produções de Pixinguinha” (MARIZ, 2002, p. 127). No entanto, o primeiro sucesso do

músico teria sido o instrumental Carinhoso composto em 1917 e que apenas mais tarde teria

letra. Como abordado no capítulo anterior, houve grande reboliço na imprensa e no seio da

crítica musical da época. O intransigente crítico Cruz Cordeiro – que mais tarde comporia a

Revista da Música Popular – diria em um artigo de janeiro de 1929, na edição de número 2 da

Revista Phonoarte, que:

O disco 12.877 da Parlophon apresenta a Orquestra Pixinguinha-Donga. De

um lado o maxixe de Peri, “Não diga não”. Excelente música, muito típica,

sentimental, bem ritmada e dançada. No complemento, vamos encontrar um

choro de Pixinguinha, “Carinhoso”. Parece que o nosso popular compositor

anda muito influenciado pelo ritmo e pela melodia da música de jazz. É o que

temos notado desde algum tempo, mais de uma vez. Nesse seu choro, cuja

introdução é um verdadeiro Foxtrote, apresenta em seu decorrer combinações

da música popular yankee. Não nos agradou109.

Essa, na verdade foi a segunda vez que o crítico havia alertado para as influências

estrangeiras nas músicas de Pixinguinha. Antes, em 1928, direcionou críticas às influências

americanas tanto no choro Lamentos de Pixinguinha quanto no choro Amigo do Povo de Donga.

No texto, Cruz Cordeiro afirmou que “a influência das melodias e mesmo do ritmo das músicas

norte-americanas é, nesses dois choros, bem evidente”. E finaliza: “é por esse motivo que

julgamos esse disco o pior dos quatro que a Orquestra Pixinguinha-Donga ofereceu nesta

quinzena”110.

Por outro lado, Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello destacam argumentos do

próprio músico que desvalidam o comentário de Cruz Cordeiro, “um crítico pouco versado em

jazz”. Segundo os autores:

O jovem Pixinguinha, então com 20 anos, não se atrevia a contrariar o

esquema adotado nos choros da época, a forma rondó (A-B-A-C-A), herdada

da polca. Ele mesmo esclarece, no depoimento, que “o ‘Carinhoso’ era uma

polca, polca lenta. O andamento era o mesmo de hoje e eu classifiquei de polca

lenta ou polca vagarosa. Mais tarde mudei para chorinho” (SEVERIANO;

MELLO, 1997, p. 153).

Panorama da Música Popular Brasileira, chegando também a produzir programas sobre música popular para a

rádio MEC. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/ary-vasconcelos/dados-artisticos 109 Revista Phonoarte, nº II, janeiro de 1929, p. 26. 110 Disponível em: http://www.revistaphonoarte.com/pagina13.htm

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Embora haja essa discussão em torno da peça, o próprio Pixinguinha confirma as

influências de ritmos estrangeiros em seu famoso choro, reacendendo o debate sobre a

“brasilidade” em torno do músico da Era de Ouro.

A historiadora Virgínia de Almeida Bessa ao analisar várias peças musicais de

Pixinguinha, de fato vislumbra nelas essas influências estrangeiras, sobretudo jazz e fox trot.

Ao criticar a paisagem sonora que vigorava na época do músico, conclui que “da incorporação

de elementos folclóricos à mimetização da música de jazz”, e “da atuação no cerne da indústria

fonográfica à construção de um discurso sobre o passado musical brasileiro, Pixinguinha soube

se valer dos diversos espaços abertos pela nascente cultura de massa” (BESSA, 2010, p. 212).

Mas se o símbolo da música popular brasileira deveria ser um músico que não se

deixava corromper pelos ritmos estrangeiros, por que a escolha de Pixinguinha? A historiadora

tenta esclarecer esse impasse, afirmando que:

Por outro lado, é possível que a atribuição de brasilidade a seus arranjos tenha

se dado, em grande parte, a posteriori, justamente por aqueles autores

responsáveis pela construção da memória musical popular brasileira. Tal

construção se inicia já nos 1940, quando Pixinguinha, antes mesmo de

completar 50 anos de idade, foi eleito um dos maiores depositários de nossa

tradição musical. Paralelamente, o caráter ingênuo e aberto de suas

orquestrações foi substituído por outro, mais próximo da linguagem orquestral

da música de concerto (BESSA, 2010, p. 202).

Virgínia de Almeida Bessa percebe que Pixinguinha estava imerso em uma

paisagem sonora de coexistência de diversos estilos musicais, os quais o músico absorveu para

o seu repertório. Essa apropriação, segundo a autora, deu-se por várias razões, tanto por uma

opção estética quanto por questões comerciais. Assim, com um repertório que prezava pela

mescla de ritmos tradicionalmente brasileiros com o jazz, o músico obteria maior abrangência.

Portanto, como pretendi perceber, mesmo em meio a várias influências externas

inclusive do jazz, Pixinguinha foi selecionado como um porta voz da musicalidade brasileira.

Essa idealização do músico foi reforçada pelos discursos dos coautores presentes na Revista da

Música Popular, essa opção musical feita pelos colaboradores da RMP estava associada a uma

ideia de brasilidade, manifestada na sonoridade de Pixinguinha e em outros músicos de sua

época.

Nesse sentido, quando analisei os discursos de leitores, jornais e outras revistas em

comparação à proposta da Revista da Música Popular, pude perceber ainda que tanto para a

revista quanto para um vasto público era necessária uma (re)invenção da trilha sonora dos anos

50 baseada nesses “músicos do passado” pois, mesmo que de maneira pouco clara, a Velha

Guarda da música popular representava a verdadeira identidade musical brasileira.

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Imagem 7: Capa da primeira edição com Pixinguinha ao sax.

Fonte: página virtual “André Egg: reflexões, análises e crítica”111

Quanto aos demais contemporâneos de Pixinguinha, na coluna fixa Estes são raros

sobre discos clássicos há a referência aos sambistas tradicionais. Na primeira edição, cita-se um

disco intitulado Zé Barbino, raridade gravada por Pixinguinha e Jararaca112. Referência também

ao “discípulo de Sinhô” Mário Reis e seu disco-estreia113 e a dois discos gravados pelo maestro

Leopoldo Stokowski nos Estados Unidos e editados pela Columbia, reunindo 16 canções de

Donga, Ratinho, José Gonçalves, Espinguela, Luís Americano e Pixinguinha.

Na segunda edição, na coluna Discos do mês, apresentam-se discos como o de

Inezita Barroso, Dorival Caymmi, Ary Barroso e de regravações feitas por Ana Cristina e Alma

Cunha de Miranda, há também canções compostas por Vadico, Noel Rosa e Evaldo Ruy. No

fim da coluna há referência a uma série de discos que seria lançada pela gravadora Odeon

chamada Reprise. A série ficou responsável pela apresentação dos “melhores cantores de nossa

música popular e gravações há muito esgotadas” realizadas pela Odeon. “Assim teremos as

melhores de Mário Reis, Carmen Miranda, Almirante, Sílvio Caldas, Araci Côrtes, Luiz

Barbosa, Castro Barbosa, Noel Rosa, Petra Barros, Moreira da Silva etc.”, diz o anúncio.

Como argumentado, o periódico contou previamente com um número satisfatório

de interessados em conteúdos que privilegiassem os estudos da música popular brasileira, em

seus mais diversos aspectos. Esses debates não ficavam restritos aos colaboradores da revista,

111 Disponível em: http://andreegg.org/2014/08/20/capas-da-revista-da-musica-popular-1954-56-um-panteao-da-

musica-brasileira/ 112 José Luís Rodrigues Calanzas foi cantor, compositor e humorista. 113 Segundo a coluna, o disco continha as faixas Que vale a nota sem o carinho da mulher e, na outra face, Carinhos

de Vovô.

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mas a iniciativa já contava com significativo número de possíveis leitores que partilhavam do

mesmo ideal e dialogavam com o periódico tanto dentro quanto fora de suas edições.

Essa hipótese foi se solidificando na medida em que pude analisar duas colunas

presentes na segunda edição da revista de novembro de 1954, Escreve o leitor e Como a

imprensa se referiu ao aparecimento da Revista da Música Popular. É possível identificar os

diálogos mantidos entre o periódico e o público leitor, formado por leigos e estudiosos da

música brasileira. O primeiro texto que abre a coluna Escreve o leitor é relacionado a Almirante

àquela altura consagrado pesquisador da temática:

Almirante, o grande conhecedor da música popular brasileira, enviou-nos uma

carta que nos causou a mais viva alegria. Além de seus votos de sucesso,

escreveu especialmente para nós um excelente artigo “Vassourinhas

Históricas” (que abre o presente número).114

Adiante, destaco um texto que mostra o diálogo da RMP com o público interessado

em conhecer mais a respeito dos músicos da chamada Era de Ouro:

E por falar em Aracy Côrtes... não seria possível a RMP apresentar em cada

número uma discografia mais ou menos completa dos reais astros do samba?”

Pergunta o leitor Eurico Vieira. Sim, e a partir do nosso próximo número

apresentaremos a primeira parte da discografia completa de Francisco Alves

(mais de 800 discos), especialmente organizada para nós pelo crítico Sílvio

Túlio Cardoso.

Já na coluna Como a imprensa se referiu ao aparecimento da Revista da Música

Popular é possível ver o diálogo com os jornais que outrora haviam cedido espaço para muitos

dos críticos da revista publicarem suas pesquisas sobre a música popular. Assim, na página 48,

em sua segunda edição encontrei na RMP a presença dos jornais Correio da manhã, O globo,

O Jornal, Diário Carioca e Tribuna de Imprensa. Na terceira edição, Manuel Diégues Junior,

do Diário de Notícias, diz que “o aparecimento da Revista da Música Popular é motivo de justa

alegria para os cultores da música folclórica e da música popular entre nós115”, e ainda há o

comentário de Eneida, também do Diário de Notícias: “tomara que sua revista viva muito, seja

muito admirada, comprada, difundida. Uma revista que além do mais quer ‘construir’ num país

essencialmente de demolições116.

Destaco também na segunda edição117 o texto escrito por Hoche Ponte, do Jornal

Correio da Manhã, declarando que, “mas o que antes de mais nada sentimos vontade de

aplaudir é a ideia mesma de uma tal revista, sobretudo agora”. E prossegue:

114 Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 30. 115 Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 48. 116 Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 48. 117 A partir da quarta edição não se manteve mais a coluna voltada para a opinião da imprensa, apenas as colunas

Escreve o leitor e Respondendo ao leitor.

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Quando o rádio e a televisão, com seus mil boleros e mambos, exercem uma

influência danosa sobre compositores e interpretes de personalidade débil.

Escrevo esta nota para aplaudir a iniciativa. E, ao mesmo tempo, sugerir aos

apreciadores da boa música popular que travem conhecimento com a

simpática publicação. Será apenas natural que a Revista da Música Popular

encontre a melhor acolhida do público118.

Ainda na primeira publicação, na página 27, há outro texto de autoria desconhecida,

mas que pode ser atribuída a Lúcio Rangel com o título Antologia da Música Brasileira que

afirma:

O folclore musical e a música popular brasileira estão sofrendo o impacto de

influências estranhas à medida que o progresso – no caso representado pelo

rádio -, penetra nas camadas mais pobres da população e nas regiões mais

afastadas da civilização, que são a fonte de todo o nosso patrimônio musical.

Breve o pesquisador terá imensa dificuldade em destacar exatamente o que é

música brasileira119.

O texto que estava relacionado a uma coleção limitada de 200 discos raros que

seriam vendidos apenas para sócios120 não se limita à mera divulgação do material fonográfico,

referindo-se também a uma forma de música que se misturava aos “modismos e estilos

pertencentes ao bolero, à rumba, à música popular americana e principalmente à influência

estética do atonalismo, através do ‘bebop’”. Isso indica o tom do debate em torno das músicas

que eram consideradas “inautênticas” para os idealizadores da revista, isto é, aquelas produzidas

no Brasil que apresentassem alguma influência externa.

A crítica é direcionada ao repertório musical tocado pelas programações

radiofônicas e aos a artistas que flertavam com os gêneros musicais estrangeiros, como o jazz,

por conta de seu forte impacto comercial. Assim, o mesmo fragmento faz um apelo para,

“portanto, tomar medidas no sentido de preservar nossa música, seja pela regravação e

popularização de velhos discos hoje esgotados” (grifo meu), ou “pela gravação de novos

compositores e sambistas que, considerados não comerciais, têm na sua música toda a pureza

tradicional dos temas e formas brasileiros”.

Nesse sentido, com o debate em torno da música urbana os músicos criticados, mas

não citados estariam relacionados às grandes rádios que cada vez mais exigiam a mistura com

118 Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 48. 119 Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 27. 120 Na segunda edição, de setembro de 1954, página 30, especificamente na coluna Escreve o leitor, diz-se que

para ser sócio bastava enviar nome e endereço, mas na edição de número três, na coluna Antologia da Música

Brasileira, informa-se que somente teriam acesso aos discos de 12 polegadas (com seis músicos em cada face a

duzentos cruzeiros cada) as pessoas devidamente inscritas e dentro do limite fixado. O objetivo era divulgar um

material dito ausente nas lojas de discos da época e pelo qual as gravadoras não mais se interessavam.

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ritmos estrangeiros: boleros, habanera e em maior escala de jazz e fox trot, por constituírem

parte do fundo musical da época.

2.3 Os silêncios e os sons da memória musical brasileira

É possível perceber que a RMP foi bastante clara ao reforçar a memória dos músicos

ditos autênticos, seja nas suas capas, seja nas crônicas, reportagens e artigos, mas não menciona

o nome dos artistas que estariam no patamar de “inautênticos”, geralmente os rotulando de

músicos “comerciais”, “popularescos”, que misturavam a música brasileira com a estrangeira.

Esse silêncio se perpetuou não apenas no discurso do público leigo, dos

especialistas no estudo da música popular e dos jornais da época, mas também no discurso de

figuras – como Ary Barroso - vindas de um passado dito de “pureza musical”. Com relação ao

cantor e compositor é interessante destacar que a revista utilizou suas opiniões sobre o cenário

musical da época para reforçar e legitimar a ideia de crise na música popular brasileira. É o que

fica claro no texto em linguagem poética intitulado Decadência, na nona edição da RMP, de

1955. Ary Barroso escreve sobre um passado romantizado, passado do qual fez parte na

chamada Era de Ouro, valendo-se, dessa maneira, de sua memória afetiva.

Antigamente não havia “gramática” em samba. E todos o entendiam.

Antigamente não havia “acordes americanos” em samba. E todos o entendiam.

Antigamente não havia “boites”, nem “night clubs”, nem “Black tie”. E o

samba andava pelos “cabarets”, humilde e sem dinheiro. Antigamente não

havia “fans-clubs”. Então os cantores cantavam sem barulho um samba sem

barulho, vindo da Penha, único barulho preparatório para o grande barulho

que era o Carnaval [...]. Antigamente samba era uma coisa, hoje é outra...

Decadência! Decadência! Decadência!121

A palavra “decadência” está então relacionada com o sentimento dos críticos da

revista para com o panorama musical da década de 1950, fazendo crer que o samba havia

perdido seu espaço para as canções estrangeiras, e também seus aspectos nacionais. Contudo,

em um estudo realizado pela historiadora Maria Clara Wasserman (2008), localizado em seu

artigo Decadência: a Revista da Música Popular e a cena musical brasileira nos anos 50,

chega-se a analisar as músicas mais tocadas nas paradas de sucesso nos 1950. Essa análise foi

feita com base nos levantamentos realizados por Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, em

A canção no tempo: 85 anos de música brasileira (1997). Baseada nessas informações a autora

chega a afirmar que, ao contrário do que a RMP pregava, os sambas tinham grande espaço nas

rádios.

121 Revista da Música Popular, 9ª edição, setembro, 1955, p. 7.

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Assim, o mapeamento de 1954 a 1956 – período de circulação da Revista da Música

Popular – demonstra que “é possível verificar que o samba ocupava 30% do repertório de

sucesso, seguido de perto pelo samba-canção, também com quase 30%” e que os outros estilos

estrangeiros como o fox trot e o jazz ocupavam apenas 20% desse espaço. Porém, alerta para

invariabilidade dessa porcentagem e que, “por isso mesmo, os críticos da RMP afirmavam que

um número cada vez maior de boleros e ritmos estrangeiros tomava conta das rádios, das

revistas especializadas e da vendagem de discos”.

É também durante esse período que “cresce a influência dos programadores e disc-

jockeys sobre a preferência musical dos ouvintes”. E confirmam Jairo Severiano e Zuza Homem

de Mello que o repertório e a influência da música estrangeira se tornaram “bem superiores às

antes da guerra” (SEVERIANO; MELLO, 1998, p. 242).

Ainda segundo os autores, cada vez mais a figura do cantor de samba canção e das

marchinhas era privilegiada com objetivos puramente comerciais (SEVERIANO; MELLO,

1998, p. 463). Nesse caso, a própria condição do compositor inserido no mercado fonográfico

também pode ter contribuído, ainda que em menor grau, para o sentimento de repulsa dos

colaboradores da Revista da Música Popular em relação à qualidade musical dos anos 50.

Assim, segundo a fala de Ary Barroso:

Antigamente o “compositor” não era “compositor”; era um veículo sonoro de

suas emoções. Então o samba saía à rua vestido de brasileiro, gingando com

as “porta-estandartes” dos ranchos”. Antigamente não havia parceria de

cantores, empresários e “veículos”. Então o cantor cantava: não impingia!122

No livro Sambistas e Chorões: aspectos e figuras da música popular brasileira, de

1962, a apresentação do compositor, diplomata e bacharel em direito Brasílio Itiberê é

sintomática quanto à questão da repulsa pelo repertório reproduzido pelas rádios da época:

Em matéria de música popular a coisa foi calamitosa e a devastação total, pois

ela foi ferida de morte na sua parte orgânica mais preciosa, atingida no cerne,

na medula – isto é, no ritmo. Desaparece o ímpeto dinamogênico do sincopado

e, privada da sua vitalidade rítmica, a melodia popular se amolentou, tornou-

se invertebrada, perdendo os seus caracteres raciais específicos. Começaram,

então, a surgir as formas híbridas – sambas-rumbas, sambaladas, samboleros

– como quistos aderentes ao nosso populário, e tudo fabricado na base do

plágio e da contrafacção (RANGEL, 1962, p. 7).

Portanto, em torno da ideia de crise várias vozes dentro e fora da revista cantavam

de maneira polifônica, isto é, reverberando em outras revistas, bibliografias, jornais e na opinião

de determinado público. Havia assim uma postura combativa em relação a programação das

rádios e em relação aos músicos que seguiam os ditames comerciais. No âmbito da RMP,

122 Revista da Música Popular, 9ª edição, setembro, 1955, p. 7.

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porém, há certo silêncio em relação aos músicos que não estariam dentro do rótulo de “puros”,

“nacionais” e “originais”.

Nesse sentido, a forma de operação do projeto que se estabelece na revista é

constituída pelo manuseio com a memória individual, como no texto de Ary Barroso e com a

memória nacional, elaborando textos científicos que valorizassem a história da música popular

brasileira, mas que sobretudo trouxessem à tona uma memória musical comum, para ser

novamente valorizada pela chamada “cultura de massa”.

Assim, para o corpo editorial da revista, a necessidade de se revalorizar os sons do

passado implicava silenciar aqueles sons que com ele não compactuavam. Na apresentação da

terceira edição do periódico, de dezembro de 1954, chega-se a mencionar um significativo

crescimento na demanda de gravações das canções tradicionais:

É um consolo a volta do verdadeiro samba, nesta época do ano. Já não

ouvimos o samba de “boite”, o samba de rumba ou o samba-blue. Agora as

batidas dos tamborins dominam tudo e quem canta o samba é o sambista de

bossa e de voz. Acabou-se o reinado dos sussurrantes, o domínio dos fazedores

de boleros, o samba é agora o senhor absoluto123.

Todavia, não se faz referência às programações de rádio que como exposto, ainda

vinculavam os repertórios estrangeiros e de músicas brasileiras com influência estrangeira.

Alguns desses nomes não são mencionados pela revista e se sabe que no período de 1940 a

1950 estavam no topo da parada de sucessos. Sobre estes sujeitos o periódico não se preocupou

em elaborar textos, ainda que críticos. O tratamento a esses músicos permanece apenas de

maneira indireta, e tampouco se faz uso de suas imagens124.

Penso que é importante dar vazão à essas vozes silenciadas pelas páginas da RMP,

por isso segue abaixo uma relação desses músicos que se destacaram entre o final da década de

1940 até o final da década de 1950. Esse levantamento foi realizado por Jairo Severiano e Zuza

Homem de Mello e que pode ser encontrado na obra A canção no tempo: 85 anos de música

brasileira (1998), na página 241. No entanto penso que esse rol deve ser reproduzido em

formato de tabela para uma melhor visualização desses indivíduos. Há de antemão o destaque

para compositores renomados como o próprio Vinícius de Moraes, músicos que já enveredavam

para a execução de um samba aglutinado ao jazz (samba-jazz), cantores tidos como os artistas

modernos dessa geração que tinham seus sucessos tocando nas rádios e de maneira curiosa

alguns artistas defendidos pela Revista da Música Popular.

123 Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 1. 124 Exceção de Luís Gonzaga com o baião, mencionado em um artigo intitulado Música popular e “folcmúsica” e

daqueles que vinham da geração anterior.

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Nomes como Dick Farney – Farnésio Dutra e Silva –, Johnny Alf, Antônio Carlos

Jobim, Laurindo de Almeida, Carlos Lyra e João Gilberto são geralmente associados ao

movimento bossanovista, estilo que buscaria modernizar o samba com a mistura de elementos

musicais jazzísticos. Isso porque alguns como Dick Farney125, pianista e cantor, tinham em seu

repertório, além de sambas, charleston126, jazz e fox trot. Sucessos como o samba

Copacabana127 já incorporava a forma melodiosa de canto utilizada por Frank Sinatra, Bing

Crosby128 e outros do jazz. Há também registros fonográficos de influencias do jazz nas músicas

da cantora Dolores Duran.

Já o violonista Laurindo de Almeida passou a fazer turnês no exterior, tocou ao lado

da The Modern Jazz Quartet e adotou harmonias americanizadas quando passou a compor a

orquestra de jazz do músico Stan Kenton129. Sobre o silêncio que foi imposto à memória de

Laurindo de Almeida, o pesquisador em música popular Ricardo Cravo Albin comenta em seu

Dicionário virtual da música popular130 que:

Muita gente boa – ou melhor, nem tão boa assim – considera um exagero

dizer-se que este país não tem memória. Eu digo e insisto: não tem mesmo!

Querem uma prova provada, com certidão, testemunhas e tudo? O

desconhecimento e silêncio que este país impôs a Laurindo de Almeida, um

dos maiores compositores, músicos e personalidades brasileiras em toda

segunda metade do século XX.

125 Dick Farney foi o fundador do Sinatra fã-clube e desde a década de 1930 incorporava sucessos americanos em

seu repertório. 126 Estilo de dança cultivado por negros e brancos pobres surgida depois da Primeira Guerra Mundial e que recebeu

o nome homônimo de uma cidade na Carolina do Sul. Geralmente dançavam ao som do jazz tocado pelas grandes

orquestras. 127 Gravada em 1946 pela Continental. 128 Frank Sinatra, renomado cantor de jazz, iniciou sua carreira na famosa Era do Swing, na década de 1940. Bing

Crosby surgiu na década de 1930, cantando em filmes como O rei do jazz, sendo conhecido como um dos cantores

de jazz mais populares na década de 1950. 129 Stanley Newcomb Kenton, pianista, arranjador e compositor de jazz. 130 Cf. http://www.dicionariompb.com.br/laurindo-de-almeida/critica

Músicos em destaque do período de 1946 a 1957

Dick Farney, Lúcio Alves, Dóris Monteiro, Silvia Teles, Luís Cláudio e Agostinho dos

Santos, Os Cariocas, Chiquinho do acordeom, Johnny Alf, Luís Bonfá, Moacir Santos,

João Donato, Paulo Moura, Tito Maldi, Dolores Duran e Billy Blanco, Lindolfo Gaya,

Antônio Carlos Jobim, Luís Gonzaga, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Newton

Mendonça e Carlos Lyra. A esse grupo também se misturaram os antigos: Radamés,

Vadico, Laurindo Almeida, Valzinho.

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Ao analisar esses primeiros músicos que deram base ao surgimento da Bossa Nova,

Brasil Rocha Brito encontra fortes influências americanas em canções de Dick Farney, Johnny

Alf e Tom Jobim. Segundo o autor, “Dick Farney passou mesmo a tratar as novas composições

brasileiras como se fossem bebop” (BRITO, 1974, p. 19). Ainda de acordo com Rocha Brito,

“o compositor, cantor e pianista Johnny Alf já a essa altura incorporava procedimentos outros,

emprestados às tendências mais atualizadas do jazz” (BRITO, 1974, p. 20), por fim informa

ainda que, “Jobim definiu a concepção do canto da BN como consistindo em se cantar cool”,

esse estilo de cantar “surgido no jazz, firmou-se por volta de 1950, havendo já prenúncios em

algumas interpretações de cantores como Frank Sinatra, Dinah Shore etc.” (BRITO, 1974, p.

35).

Imagem 8 – Edição especial: “Choram a morte de Carmen Miranda”.

Fonte: página virtual “André Egg: reflexões, análises e crítica”131.

Não por acaso, tanto quanto com Laurindo de Almeida há um silêncio na Revista

da Música Popular sobre músicos que estariam no patamar de “não nacionais” ou de “não

originais”, segundo o discurso presente na RMP.

É importante destacar que em outros espaços urbanos a busca por uma “brasilidade”

ou por uma “cultura nacional” por meio da música, tanto por parte dos críticos quanto por parte

das rádios, foi mais amena. Ou seja, a preocupação com a manutenção dos símbolos sonoros

nacionais parece ter emergido no eixo Rio-São Paulo com mais ênfase do que nos demais

centros urbanos (COSTA; VIEIRA, 2011, p. 114). Isso porque o ambiente de mistura musical

131 Disponível em: http://andreegg.org/2014/08/20/capas-da-revista-da-musica-popular-1954-56-um-panteao-da-

musica-brasileira/

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por intermédio das programações das rádios desencadeou um crescimento no número de bandas

e músicos nessas regiões, que incorporavam ritmos estrangeiros e nacionais ao seu repertório.

Nesse sentido, como foi discutido no primeiro capítulo, na primeira metade do

século XX as jazz bands brasileiras simbolizavam essa mistura musical moderna e a partir de

seu surgimento e influência nos grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo sua

proliferação se estendeu para outros espaços urbanos onde também se faziam presentes os

meios de comunicação de massa (COSTA; VIEIRA, 2011, p. 114). Portanto, durante a década

de 1950 a noção de “crise”, “decadência” e “esquecimento” se fez mais evidente justamente

onde emergia o sentimento de busca por uma identidade nacional baseada na música popular,

a saber no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Em se tratando das intenções da RMP é interessante perceber que o próprio

Pixinguinha flertou com a música estrangeira, mas sua imagem na Revista da Música Popular

é exposta como imaculada, quase folclórica e em se tratando dos músicos da chamada “Fase

Moderna da música popular” houve ataques diretos à sua musicalidade. Nesse sentido, o termo

mais coerente que é empregado para definir a proposta e a metodologia do corpo de

colaboradores que atuaram na revista é de “folcloristas urbanos”.

Segundo o historiador José Geraldo, o trabalho desse novo formato de pesquisa

folclórica tinha como interesse principal tal como Almirante realizou nas rádios, a necessidade

de busca “pela cultura ‘folclórica e nacional’, mas também, quer pensar e analisar aquela que

era considerada ‘popularesca’”, e assim como ele, “combater o excessivo estrangeirismo

presente na indústria radiofônica e fonográfica da passagem das décadas de 1940-50”

(MORAES, 2010, p. 251).

É possível, portanto identificar com base nos argumentos levantados pelos

intelectuais envolvidos com a Revista da Música Popular, na historiografia que se ateve ao

ambiente musical das décadas de 1940 e 1950 e nas análises historiográficas até aqui realizadas,

os sons privilegiados de uns e os silêncios estrategicamente estabelecidos em relação a outros

músicos no periódico estudado.

Essa busca se desenvolveu por um lado, em meio a pesquisa de discografias raras,

de valoração dos músicos tradicionais da Fase de Ouro, promovendo reportagens sobre os

festivais da Velha Guarda, noticiando regravações destes feitas por outros músicos, por meio

do apelo aos meios de comunicação de massa, do grande público e dos leitores e também pela

atitude combativa, intransigente, censuradora dos músicos e produções musicais que tivessem

alguma relação com os boleros, com o fox trot ou com o jazz.

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Antes de finalizar este capítulo é necessário relembrar que a Revista da Música

Popular manteve colunas fixas de amplos estudos e interesse sobre a história do jazz, diferente

das demais músicas estrangeiras que vigoravam na época. Para enfatizar essa problemática,

destaco um artigo publicado por Lúcio Rangel em 1959 na revista O Mundo Ilustrado,

intitulado Carta a Vinícius de Moraes em que o crítico tece sérios ataques ao poeta Vinícius de

Moraes que, àquela altura já compunha em conjunto com o músico Tom Jobim sambas com

influências principalmente do jazz, ou seja, para o que viria a ser chamado de bossa nova. O

texto foi uma resposta de Rangel ao poeta que outrora havia feito parte do seu projeto

“folclórico” na RMP. Assim, na tentativa de desbaratar sua nova postura musical, Lúcio Rangel

chega a afirmar que:

Está claro que você e Antônio Carlos Jobim, dupla inventada por mim quando

você procurava um compositor de talento para musicar o seu Orfeu da

Conceição, têm direito de fazer “as suas músicas para que o povo as cante”,

“com ritmo de samba ou não”, “dançável ou não”. Sim, todos têm esse direito,

mas o povo “aceitar” é que são outros 500 mil-réis (RANGEL, 2007, p. 119).

O crítico é categórico quando diz ser “infeliz a sua comparação do samba com o

jazz, que tem escolas ou formas que marcam perfeitamente as suas diversas épocas; o samba,

não, é um só” (RANGEL, 2007, p. 119). Parece claro que a proposta de Lúcio Rangel e de

outros tantos críticos musicais da época fosse, de fato, evitar qualquer tipo de mistura da música

brasileira aos gêneros musicais estrangeiros. Mistura essa que apenas se intensificou após a

Segunda Guerra com o entrelaçamento entre os Estados Unidos e a América Latina.

Portanto, o nascimento do samba canção, do samba de fossa, a mistura com ritmos

latino americanos e boa parte do repertório musical vigente no início dos anos 1950 receberam

sérias críticas, refletindo em uma busca pelos sambistas tradicionais e na criação da RMP. Ao

mesmo tempo em que o periódico defendia essa proposta de retorno ao passado e de

afastamento de um “panorama negro dos anos 50, ou seja, a internacionalização da música

brasileira” (WASSERMAN, 2002, p. 17), havia a significativa preocupação em torno da

propagação de pesquisas discográficas, bibliográficas e históricas sobre o jazz, tratamento não

dado aos outros estilos estrangeiros. Sobre essas e outras questões trataremos no capítulo

seguinte.

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3 JAZZ: ATRAÇÃO E REPULSA

3.1 No balanço do jazz

Desde sua primeira edição a Revista da Música Popular apresentou um discurso

categórico de defesa da “autêntica música brasileira”, contra a suposta “decadência” musical

reproduzida pelas ondas das rádios que estavam cada vez mais voltadas para a música

estrangeira e, vale ressaltar, assumiu uma postura de combate ao “espírito de imitação” na

música brasileira na década de 1950.

O discurso presente na revista de que havia certa desvalorização da música

brasileira por meio das grandes rádios é aparentemente coerente quando se analisa o cenário

musical da época. De fato, fazendo um mapeamento das canções mais tocadas entre 1947 e

1956, é possível perceber que durante os anos 50 o samba dividia de maneira acirrada seu

espaço com ritmos latino-americanos como o bolero, sendo este último executado tanto por

estrangeiros quanto por cantores brasileiros. Isso se deu de forma mais amena com o jazz e os

fox trotes132.

Ainda assim, houve um ataque também aos músicos que flertaram com o jazz e suas

mais diversas variações uma vez que, esses mesmos artistas, tiveram seus nomes silenciados

nas páginas do periódico como foi demonstrado. No entanto, o discurso ganha outras

conotações na medida em que se percebe que a RMP se preocupou em oferecer estudos sobre

o jazz para os leitores por meio de todas as suas publicações.

É necessário que se discuta, antes de tudo, por que sujeitos que se propuseram a

combater as influências estrangeiras na música brasileira também optaram por ser tão

criteriosos quanto ao trato especificamente do jazz. Vale frisar que diferente das décadas

anteriores não havia mais tantas composições com influências do fox trot, ou seja, de variantes

do jazz tocando nas rádios. Dentro desse pequeno número destaco Não me deixe sozinho

(Roberto Martins e Ari Monteiro), Boogie Woogie do rato (Denis Brean), Você é que pensa

(Roberto Roberti e Dunga), Neurastênico (Bentinho e Nazareno de Brito) e ainda alguns com

conteúdo satírico tal como Boogie Woogie na Favela, citada no capítulo anterior.

Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é tentar entender como o debate sobre jazz

se comporta na Revista da Música Popular. Sendo assim, é possível perceber em primeiro lugar

que os textos de jazz foram escritos por críticos musicais que não apenas influenciavam as

132 Analisando o levantamento feito no livro de Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, A canção no tempo 85

anos de músicas brasileiras, percebi a proporção contundente de composições de bolero e um número muito

pequeno de gravações representativas com influências do jazz.

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discussões sobre música popular brasileira, mas também foram sujeitos que atuaram em favor

do jazz no Brasil.

Tais críticos se envolveram em diversas atividades como a formação de fã-

clubes133, escreveram e divulgaram a história do jazz em jornais e revistas134, promoveram a

vinda de bandas e cantores de jazz para o Brasil e patrocinaram bandas brasileiras no exterior

como no caso de Jorge Guinle135 quando atuou a convite do DIP. Ele chegou a ser nomeado

como um dos “representantes do governo brasileiro junto ao escritório americano para a

América do Sul” (GUINLE, 1997, p. 62).

Nesse sentido, a principal fonte de pesquisa desses estudiosos do jazz era,

obviamente, os livros e as revistas especializadas estrangeiras, dentre elas a Jazz Hot, criada

pelo pesquisador de jazz francês Hugues Panassié, e as revistas americanas Downbeat e Jazz

Man. Portanto, é possível que esses indivíduos reproduzissem a forma como o jazz era debatido

pelos críticos estrangeiros, podendo haver fortes semelhanças no seu discurso com aquilo que

era reproduzido nas publicações internacionais.

Há uma relação íntima e combatente evidenciada para com o jazz nas primeiras

obras nacionais sobre jazz. Essas obras foram produzidas pelos críticos Sérgio Porto – sobrinho

de Lúcio Rangel, diretor do periódico aqui estudado – e Jorge Guinle. Também vale destacar

uma obra recentemente organizada por Eucanaã Ferraz com artigos sobre jazz escritos por

Vinícius de Moraes136 e publicados e publicados em jornais e revistas na década de 50. Esses

133 Destaco o Sinatra-Farney Club, criado no começo dos anos 50 por admiradores do jazz americano, e de onde

sairiam os precursores da Bossa Nova como Dick Farney, Nara Leão e Johnny Alf. Em 1951, o Rio de Janeiro

Jazz Clube, e em 1952 o Clube de Amigos do Jazz, ambos criados por José Domingos Rafaelli, crítico de

fundamental importância para a proliferação do jazz no Brasil. Foi responsável pela assinatura de vários releases

de discos de jazz, atuou de 1956 a 1997 com programas de jazz em diversas rádios, como “Jazz em Desfile" na

Rádio Mayrink Veiga, "Arte Final: Jazz" na Rádio Jornal do Brasil, "Jazz na Imprensa" na Rádio Imprensa, "Jazz

na Eldorado" na Rádio Eldorado, "Jazz na CBN" na Rádio CBN, "O Mundo do Jazz" na Rádio MEC-FM, dentre

outros. Fez parte também do Clube de Jazz e Bossa, criado em 1965, agremiação que reuniu nomes como Lúcio

Rangel, José Sanz, Sérgio Porto, Jorge Guinle – principal presidente –, Vinícius de Moraes, Ary Vasconcelos,

Tom Jobim e o próprio Pixinguinha. Além de promover debates e pequenas apresentações de jazz havia a

homenagem aos grandes nomes da música popular brasileira. Para mais informações, consultar em Dicionário

Ricardo Cravo Albin. 134 Das experiências de Vinícius como cônsul, das experiências de Sérgio Porto, das experiências de Jorge Guinle

como secretário do DIP. 135 A família de Jorge Guinle era possuidora de um elevado poder aquisitivo. Seu pai, Arnaldo Guinle, era uma

espécie de “mecenas” carioca. Foi ele quem enviou Os Oito Batutas para uma turnê no exterior, isto é, para a

famosa viagem à Paris do conjunto. Também investiu em músicos como Donga. Enquanto, o filho, Jorge Guinle,

aficionado por jazz completou a intermediação cultural trazendo músicos famosos de jazz para o Brasil entre as

décadas de 1940 e 1950. 136 Vinícius de Moraes também contribuiu como mediador entre a cultura norte-americana e a brasileira quando

se tornou em 1946 vice-cônsul, e permaneceu nos EUA por alguns anos. É claro que antes mesmo da viagem o

poeta já sinalava um flerte com o jazz, mas esse momento é marcado por atividades intercambiáveis. Vinícius de

Moraes passa a ter contato mais próximo do jazz e ao mesmo tempo apresenta artistas brasileiros, como parte de

seus serviços como secretário de relações internacionais.

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três historiadores do jazz que se preocuparam com o desenvolvimento histórico e musical do

jazz estariam depois envolvidos com a Revista da Música Popular a partir de 1954.

As obras intitulam-se respectivamente Pequena História do Jazz (1953), Jazz

Panorama137 (1953) – sendo esta lançada alguns meses depois da obra de Sérgio Porto – e Jazz

& Co. (2010). Essas obras possuem um conteúdo antropológico, histórico e musicológico com

significativo número de referências bibliográficas e sempre com uma sugestão de discografia

ao fim. Por isso, há tanto nesses livros quanto nos textos da Revista da Música Popular

referências a Rudi Blesh, Hugues Panassié, Marshall Stearns, Barry Ulanov, Nestor Oderigo,

André Hodeir, Robert Goffin, entre outros críticos estrangeiros, pois boa parte dos estudos de

jazz era produzida por americanos ou franceses.

Imagem 9: Livro Pequena História do Jazz, Sérgio Porto.

Fonte: Blog Jazzseen138.

Embora Vinícius de Moraes, ao prefaciar a primeira edição do livro Jazz Panorama

de Jorge Guinle, afirme que “de qualquer modo só resta louvá-lo por este trabalho pioneiro no

Brasil” e que Marcelo Miranda reafirme no prefácio da segunda edição “Jazz Panorama, o

primeiro livro de jazz escrito no Brasil apareceu em 1953, um pouco antes do trabalho de Sérgio

Porto”, pude encontrar logo na introdução do livro Pequena História do Jazz um texto de Sérgio

137 A segunda edição da obra, diferente da primeira, já traz um capítulo voltado para o mapeamento dos principais

estudiosos/críticos de jazz. Nesse mapeamento, Jorge Guinle os divide em três principais grupos. Os estudiosos

tradicionalistas, a exemplo de Robert Goffin, Hugues Panassié, Rudi Blesh, Ernest Bornerman, Bill Russel, Nestor

Oderigo e Charles Edward. Os modernistas, ou seja, os que consideram os estilos de jazz modernos os mais

autênticos, são para ele André Hodeir, Leonard Feather, e Barry Ulanov. E um terceiro e dito recente grupo de

estudiosos chamados de “ecléticos”. Os autores Marshall Stearns, Bill Grauer, Nesuhi Ertegun (que curiosamente

era visto como tradicionalista por outros), Charles Delaunay Nat Shapiro e Nat Hentoff. 138 Disponível em: http://jazzseen.blogspot.com.br/2011/04/o-primeiro-livro-brasileiro-sobre-jazz.html.

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Porto afirmando exatamente o contrário, ou seja, de ter sido ele o autor do primeiro livro sobre

jazz produzido no país139.

Essas obras são importantes para ter uma melhor noção de como se dava o trato

com o jazz por esses intelectuais tanto dentro quanto fora da RMP140. Ainda que nesses escritos

pouco ou nada se fale a respeito da cena do jazz no Brasil na primeira metade do século XX, as

produções também simbolizam a necessidade desses críticos de entrarem para o universo da

historiografia do jazz.

Exemplo disso é Jorge Guinle que optou por acompanhar as mudanças que foram

sendo adotadas à musicalidade do jazz ao longo dos anos 50. Assim, o autor chega a afirmar,

se referindo às vertentes modernas de jazz que surgiram na década de 1950 que “ao

apresentarmos a segunda edição deste estudo sobre o jazz a nossa intenção é a de elucidar os

estilos hoje aceitos como manifestações desta música” (GUINLE, 1959, p. 17). Já Sérgio Porto

demonstra estar interessado em motivar mais publicações sobre o tema e confessa esperar

“sinceramente, que este modesto estudo venha servir de incentivo para alguns dos nossos mais

esclarecidos teóricos, a fim de que se animem a publicar obras de interesse sobre o tema, para

o que não lhes falta conhecimento” (PORTO, 1953, p. 4).

Além disso a obra de Sérgio Porto tem um diferencial em relação às demais, pois

foi patrocinada por um órgão nacional criado por Getúlio Vargas, o antigo Serviço de

Documentação do Ministério de Educação e Saúde (atual MEC) e chegou a compor parte de

seus Cadernos de Cultura o que aponta para um interesse realmente significativo em jazz no

país.

Sérgio Porto foi cronista, compositor, radialista e fez parte do grupo de críticos

musicais dos anos 50 que escreveram tanto sobre música brasileira quanto sobre jazz. Assim,

na introdução da obra Porto afirma haver certa carência de estudos sobre jazz no Brasil em

comparação com o cenário internacional, mas fala também a respeito de um significativo

número de estudiosos e afins interessados na temática no Brasil:

139 No blog Jazzseen, em um debate sobre qual foi a primeira obra produzida no Brasil sobre Jazz, afirma-se que

a obra de Sérgio Porto foi lançada em março de 1953, e a obra de Jorge Guinle apenas em junho do mesmo ano,

porém se diz que Jorge Guinle reconheceu o pioneirismo de Sérgio Porto, o que se torna sem fundamento ao

analisar a obra Jazz Panorama. Em momento algum Jorge Guinle afirma tal coisa em sua obra, apenas cita Sérgio

Porto e destaca sua obra. Para saber mais a respeito, cf. http://jazzseen.blogspot.com.br/2011/04/o-primeiro-livro-

brasileiro-sobre-jazz.html. 140 Não entrarei em uma discussão profunda do conteúdo dessas obras pelos limites deste trabalho, que preza neste

capítulo pela análise da influência do jazz no Brasil. Creio que a existência dessas obras sinalize uma forte

influência do gênero musical, a ponto desses críticos brasileiros passarem a fazer parte de uma historiografia de

jazz, outrora produzida apenas na Europa, Estados Unidos e em outros países da América Latina. As narrativas

sobre a história do jazz nos Estados Unidos, que é o foco principal das obras, não condizem com a proposta do

trabalho.

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Enquanto no mundo inteiro, o jazz é tratado devidamente à altura de sua

significação artística através de livros, pesquisas, conferências, audições e

outras facilidades para sua maior difusão; No Brasil é a primeira vez que se

edita algo sobre ele, salvo, naturalmente, artigos e comentários esparsos,

publicados em jornais e revistas. Esse atraso, pouco lisonjeiro para nós, poderá

ser recuperado facilmente, pois não são poucos os brasileiros entusiastas do

jazz, nem pequeno o número de pessoas – muito principalmente jornalistas e

intelectuais – que procuram estudar mais minuciosamente sua estética,

temática, origem, evolução e problemas (PORTO, 1953, p. 3).

Já por intermédio da apresentação de Eucanaã Ferraz na obra Jazz & Co. é

destacada a trajetória de Vinicius de Moraes enquanto diplomata nos Estados Unidos em idos

dos anos 1940. Percebi que o poeta e crítico musical manteve relações tanto com músicos

famosos de jazz quanto com grandes estudiosos e entusiastas do estilo. Exemplo disso foi a

relação com os “mecenas” do jazz Nesuhi Ertegun e sua esposa Marili Morden, ambos donos

de uma importantíssima loja de discos raros de jazz inaugurada em fins da década de 1930,

chamada Jazz Man Record Shop. Nesuhi Ertegun “também mantinha seu próprio selo, tendo

influenciado decisivamente na onda em torno do jazz tradicional com as primeiras gravações”

(MORAES, 2013, p. 21).

Assim, após esse breve destaque da atuação desses críticos que chegaram a publicar

obras sobre jazz, participaram do corpo editorial da Revista da Música Popular e corroboraram

as relações culturais entre Brasil e Estados Unidos, darei um maior foco no próximo tópico aos

discursos do periódico e das demais obras sobre jazz. Posso afirmar que ao analisar e comparar

o discurso dessas obras brasileiras de jazz e dos artigos dos demais colaboradores da Revista

da Música Popular com as produções estrangeiras sobre o estilo, diversas semelhanças vieram

à tona. Um exemplo notório reside na própria opção desses autores por narrativas que

privilegiassem a condição do jazz nos Estados Unidos, silenciando as formas pelas quais o

gênero chegou ao Brasil.

Nesse sentido, percebo que a hipótese do historiador Jair Labres Filho de que “os

debates que encontramos nessas obras são basicamente os debates estadunidenses reproduzidos

em português” (LABRES FILHO, 2014, p. 37), referindo-se às obras nacionais, parece se

reforçar a medida em que há a recorrência de alguns fatores em comum entre a historiografia

nacional e a internacional de jazz.

3.2 Um tipo de jazz

O primeiro fator que parece ser uma constante nesses discursos é a associação do

jazz aos negros norte-americanos, lhes responsabilizando pela produção de um “jazz original”.

É possível que essa associação ao aspecto racial fosse uma menção às raízes folclóricas do jazz

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e nesse sentido, esse argumento é constante no discurso de diversos críticos musicais que se

intitulavam “tradicionalistas”. Essa denominação é utilizada para designar os críticos e

pesquisadores de jazz mais conservadores, ou seja, aqueles que consideravam autêntico apenas

o jazz em seus primórdios, mais especificamente, o jazz produzido pelos negros de Nova

Orleans.

Nesse sentido, para exemplificar tal tendência de análise do jazz, destaco um

fragmento localizado na obra Introduction a la musique de Jazz do crítico e pesquisador André

Hodeir. Essa obra é diversas vezes citada nos primeiros livros de jazz nacionais e na Revista da

Música Popular. Assim, no final da década de 40 o historiador afirmava:

Portanto, se o número de seus seguidores aumenta a cada ano, ele – o jazz –

ainda mantém críticos ferrenhos. Como se surpreender? O jazz não é nosso;

Ele exprime as alegrias e as tristezas de um povo com quem temos, por assim

dizer, nenhuma característica em comum: o povo negro da América

(HODEIR, 1948, p. 5, tradução livre).

Entendo que a tendência tradicionalista desses primeiros historiadores de jazz

estrangeiros se caracteriza principalmente pela ênfase nas origens do jazz e no destaque da

contribuição negra africana para o gênero musical. Por conta disso é possível encontrar na

bibliografia de jazz comparações entre os elementos do jazz e do samba por causa das suas

raízes comuns. Exemplo disso está na obra O velho Jazz (1968, p. 445) do musicólogo e músico

de jazz Gunther Schuller, a explicação de “samba” elaborada pelo autor no glossário do livro

se baseia na comparação com uma origem e ritmos africanos semelhantes ao charleston, dança

desenvolvida a partir das características rítmicas do jazz.

Em se tratando dos discursos na escrita nacional de jazz, ao iniciar sua análise sobre

as origens históricas do gênero musical em Pequena História do Jazz, Sérgio Porto faz uma

comparação entre a escravidão nos Estados Unidos e a escravidão no Brasil, afirmando que “os

mesmos fatos que levaram os colonizadores do Brasil a recorrerem ao africano para cultivar

suas lavouras, passaram-se na Louisiana, no começo do século XVII” (PORTO, 1953, p. 5). É

possível notar um discurso que busca aproximar a cultura brasileira e a americana mediante

alguns fatores em comum: a experiência da escravidão negra africana e talvez, como tentarei

demonstrar, um semelhante processo criativo de musicalidade.

Pude perceber em uma leitura mais profunda que esse apelo à musicalidade inata

do negro no jazz passa a ser notória nas palavras dos autores e ao que parece, não apenas como

mera repetição do discurso dos autores estrangeiros, mas também como uma identificação do

ponto de vista cultural. Dessa forma, não é gratuita a ênfase na ligação entre jazz, raça e

autenticidade. Isso fica claro quando Sérgio Porto alerta em sua obra que “o que o leitor

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encontrará aqui, é apenas um roteiro de como se iniciou e se desenvolveu na América do Norte

a única herança que se permitiu ao homem de cor trazer para o degredo: a música” (PORTO,

1953, p. 3).

Imagem 10: Obra Jazz Panorama (primeira edição)

Fonte: Blog Jazzseen141

Entendo que se exalta o fator étnico (negro) no jazz como sendo um elemento

essencial para ser “original”, “autêntico” e de maior qualidade, ao contrário do chamado “jazz

branco”. No tocante a esse discurso Jorge Guinle diz que o jazz tocado por negros americanos

“era naturalmente muito mais rítmico e as sonoridades empregadas muito mais autênticas do

que as do jazz branco” (GUINLE, 1959, p. 56) e a questão do discurso de proximidade entre as

origens comuns do samba e do jazz fica ainda mais evidente no fragmento abaixo publicado na

Revista Sombra em 1951 e, no qual Vinícius de Moraes faz uma comparação entre os gêneros

musicais com base no aspecto racial e na experiência da escravidão:

A necessidade de música no negro é tão intensa, e tais os kicks que ela lhe

proporciona, que não serão as contingências econômicas – antes pelo

contrário! – que lhe irão coibir o gênio. E isso é verdade em qualquer lugar

onde haja negros, não apenas em Nova Orleans. Não há quem não tenha visto

no Brasil os negros baterem suas batucadas sobre caixas e latas de toda ordem,

e os sambistas usarem a caixa de fósforos para marcar o ritmo de suas

orientações ou interpretações (MORAES, 2013, p. 83).

Vinícius de Moraes chega a dizer também que assim “como aconteceu com a

capoeiragem, nos princípios do samba no Brasil” tal foi com os negros criadores do jazz,

buscando relacionar os “tempos áureos” do jazz às origens do samba (MORAES, 2013, p. 64).

Mais um exemplo dessa referência pode ser desprendido de um dos artigos sobre

jazz que abre a primeira edição da RMP intitulado Gato por lebre que foi escrito pelo crítico

141 Disponível em: http://jazzseen.blogspot.com.br/2011/04/o-primeiro-livro-brasileiro-sobre-jazz.html.

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musical José Sanz. Ele foi um dos encarregados da escrita do jazz na revista e em todos os seus

textos é recorrente também essa referência a uma autenticidade em relação ao jazz.

O início do texto chama atenção para um problema em torno do jazz no Brasil, na

opinião do crítico “há uma grande confusão no Brasil a respeito do jazz”. Não havia também,

segundo ele, uma preocupação com os estudos sobre o gênero musical ao dizer que “o jazz no

Brasil nunca saiu da casa meia dúzia de apaixonados, estudiosos uns, simples ‘fans’, outros” e,

finaliza expondo quais seriam os objetivos de sua coluna na revista para com o jazz:

Nosso objetivo, portanto, é: JAZZ. Jazz na sua forma pura, já morta, e que não

pode mais renascer. O jazz do passado, ainda hoje na lembrança de velhos

músicos que conservam toda a tradição dos bons tempos em que o saxofone

era instrumento desconhecido para eles e cuja incorporação aos conjuntos

jazzísticos veio abastardar a execução musical de peças admiráveis porque é

um instrumento anti-vocal por excelência e a característica fundamental do

grupo executante de jazz é a imitação da voz humana (melodia africana) que

a corneta, o clarinete e o trombone facultam, suportadas pelos instrumentos

de percussão (ritmo africano), de que a bateria, o contrabaixo (ou tuba), o

banjo são a imitação “civilizada” dos instrumentos da sua longínqua África142.

Pude perceber que o texto de Sanz põe em cheque a qualidade do jazz tocado no

Brasil e denuncia certa animosidade quanto ao trato do gênero musical no país, isso sempre em

comparação com o cenário internacional. Mas além disso, remete-se também às origens

africanas do “verdadeiro jazz”, do chamado jazz de Nova Orleans ou como foi intitulado pelos

críticos, o jazz tradicional143. Segundo o autor, esse estilo de jazz não era mais cultivado no

exterior e tampouco no Brasil144.

A aparente contradição do discurso do periódico e o deslocamento da discussão

sobre a autenticidade da música brasileira para a análise do jazz é partilhada por outros críticos

que, também se encarregaram da escrita sobre o gênero na revista. Nesse sentido, outro crítico

de jazz presente na RMP é Marcelo Miranda que começou a escrever a partir do segundo

número e se propôs a desenvolver um estudo inicial sobre o jazz de Nova Orleans.

Novamente, o fator constante nos textos é a questão das origens raciais do jazz e

isso talvez possa sustentar a hipótese do historiador Jair Labres Filho (2014, p. 37), segundo

142 Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 39. 143 Adiante se tem a coluna Um disco por mês expondo comentários sobre discos clássicos de jazz e logo em

seguida, nesta primeira edição, o artigo do pesquisador folclorista espanhol Nestor Ortiz Oderigo, também voltado

para o estudo do jazz tradicional com ênfase na questão racial, intitulado O “Jazz” e a Cultura dos Negros. A

edição é finalizada por uma extensa discografia de jazz organizada por Jorge Guinle e por fim, a coluna Notas de

Jazz, um apanhado de curiosidades do mundo do jazz, livros e revistas sobre a temática, datas de apresentações, e

notícias em geral com foco no jazz. 144 Isso porque o jazz moderno estava sendo amplamente difundido fora dos Estados Unidos e chegando à Europa

e América Latina com diferentes arranjos e composição instrumental. Por isso a reação de estranhamento e muitas

vezes contrária e combatente desses críticos.

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ele, a ideia de “raça” e “autenticidade” estavam diretamente relacionadas nas obras de jazz e

que o interesse nas jazz bands do início do século XX foi quase nulo por conta dessa ausência

da musicalidade negra nesses conjuntos.

Contudo, ao menos no Brasil, as jazz bands tratavam-se de bandas que poderiam

ser compostas por músicos de várias raças. Portanto, é mais provável que tal como no discurso

dos pesquisadores de jazz estrangeiros, os críticos musicais brasileiros associassem a

manifestação do jazz “autêntico” a um princípio racial determinante, ou seja, ele apenas poderia

se manifestar por meio da execução dos negros norte-americanos do Sul145.

Essa predileção pelas questões raciais e pelas experiências históricas que deram

origem ao jazz são frequentes nesses textos, ao passo que fazem sempre referências ao contexto

da escravidão nos Estados Unidos. Foi o que pude perceber principalmente nos artigos de jazz

presentes na RMP e para exemplificar isso, destaco a definição de jazz feita por Marcelo

Miranda em uma das edições da revista. Segundo ele, o jazz:

É uma música de grande e profundo conteúdo social, criado por gente do povo,

para os de sua cor, que comungavam com eles das mesmas aflições e

dificuldades e sofriam a mesma posição de inferioridade na sociedade

americana. Não é uma música feita para um público ignorante e

impressionável pela habilidade puramente instrumental dos executantes, mas

uma música que apareceu dentro de uma determinada parte da sociedade do

negro americano, desenvolveu-se enquanto as condições que propiciaram seu

aparecimento existiram, e foi aos poucos se transformando, terminando por

desaparecer praticamente, quando estas mesmas condições de ordem

econômico-social se modificaram ou desapareceram146.

Assim, analisando os discursos que supervalorizam o jazz tradicional, é cabível

conjecturar que a questão racial pode ter sido privilegiada nesses discursos porque no Brasil os

debates sobre identidade nacional e música popular ainda enfatizavam as contribuições raciais

para a formação da nação. Por isso foi possível que, somada à sonoridade do jazz, a raça se

estabelecesse como outro fator que cooperou para a apreciação do gênero musical no país.

É válido ressaltar que a questão racial também foi associada a um elemento de

autenticidade na música brasileira. Portanto, o samba que na década de 1950 já estava na

qualidade de uma música nacionalizada e de raízes igualmente negra, pode ter contribuído como

145 Concordo com os argumentos de Jair Labres Filho sobre a insistência dos historiadores de jazz brasileiros em

relacionar “raça” com “autenticidade” e, que seus estudos podem ter silenciado as jazz bands nacionais,

associando-as assim a uma inautenticidade por causa ausência do músico negro. Porém, muitas das bandas

pesquisadas neste trabalho possuíam integrantes negros e haviam também bandas compostas apenas por negros, o

que pode enfraquecer o argumento de que não se valorizou o jazz brasileiro por causa de questões raciais. Em

contrapartida, o silêncio desses estudos pode estar mais relacionado a uma descrença de que os brasileiros – mesmo

negros - pudessem tocar jazz tão bem quanto os americanos, e isso talvez devido à própria mistura musical que as

bandas de jazz nacionais estabeleceram. 146 Revista da Música Popular, 2ª edição, novembro, 1954, p. 38.

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referencial de escuta da música negra, fomentando no Brasil uma proximidade musical com o

jazz. Portanto, essa identificação com o jazz residiria no aspecto racial comum em ambos os

gêneros musicais (o samba e o jazz) o que pode explicar a recorrente comparação entre a música

popular brasileira e o jazz no discurso dos críticos musicais brasileiros

Quanto aos aspectos musicais, o historiador Carlos Calado em sua obra O Jazz como

Espetáculo (1990) percebe uma interessante trajetória entre as raízes da música brasileira e da

americana, mais especificamente, entre o samba e o jazz. O autor chega a afirmar a respeito das

primeiras jazz bands nacionais que essa primeira experiência se deu “não apenas por um certo

oportunismo comercial de adotar uma moda pode ser explicada essa influência, mas

principalmente por uma espécie de identidade entre ambas manifestações musicais, isto é, entre

a música popular brasileira e o jazz” (CALADO, 1990, p. 238).

Ainda em se tratando da musicalidade, o aspecto rítmico também emerge como

elemento de identificação nesses discursos. Assim, na terceira edição da RMP Marcelo Miranda

associa o jazz autêntico a um jazz mais ritmado, expondo como um fator inato ao negro a

capacidade de inserir aspectos meramente rítmicos ao gênero musical.

Na realidade, toda a vida do negro é construída em torno do ritmo, tanto no

falar, quanto no andar de demais atividades. Enquanto no andar e demais

atividades. Enquanto a música europeia os elementos constitutivos são a

harmonia, melodia e ritmo, dos quais a melodia sempre ocupou a posição

predominante, na música negra a situação é radicalmente inversa. De tal forma

na verdade, que poderíamos dizer que o papel que ocupa a melodia na

composição europeia, na música negra é ocupado pelo ritmo. Nós não

compreendemos música sem melodia, e o negro não a pode suportar sem

ritmo147.

Nesse sentido, é possível identificar o argumento de que tanto o jazz quanto

qualquer música criada por negros necessitaria ser tocado por seus criadores para, de fato, ser

autêntico. Assim, elementos como a “sincopa” e a “polirritmia”148, presentes na música negra

reforçam a ligação entre o jazz e o samba, podem explicar o porquê da apreciação desses dois

gêneros coexistiu nos artigos da Revista da Música Popular.

Nessa lógica é possível notar ainda que boa parte da dita “falsificação” do jazz para

os críticos, estava na tendência dos músicos brancos ao comercialismo e na sua “incapacidade”

de manter os aspectos rítmicos que são necessários para se obter uma sonoridade de pretensão

147 Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 40. 148 Segundo Gunther Schuller, em sua obra O velho Jazz, “a polirritmia é o emprego de três ou mais ritmos,

simultaneamente, em diferentes partes da música” (1968, p. 444). Sobre a sincopa ou, sincopação, diz que

“consiste em uma mudança ou deslocamento temporário do acento métrico regular: ênfase numa nota fraca ou não

acentuada para deslocar a métrica regular” (1968, p. 445).

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originalmente jazzística. No artigo Os fatores essenciais da música de Jazz, presente na edição

de número três da revista, Jorge Guinle afirma que:

Infelizmente é preciso admitir que às vezes uma preocupação exagerada com

a forma em detrimento da vitalidade de expressão faz com que certos músicos

demasiadamente sofisticados, percam a espontaneidade necessária à criação

do verdadeiro jazz. Isso acontece, sobretudo, com os músicos brancos, o que

prova que desde Bix até os nossos dias, raríssimos dentre eles são os que

assimilaram a essência do jazz149.

Dessa forma, a idealização em torno da figura do negro e de sua musicalidade

contribuiu para a aproximação e uma atenção especial desses críticos ao jazz. Carlos Calado

recupera a afirmação de Mário de Andrade de que “os antepassados coincidem” - referindo-se

ao maxixe e ao jazz - para fundamentar essa hipótese. Para o autor, “antes mesmo de se

caracterizar o maxixe como brasileiro, ou o jazz como norte-americano, não se pode deixar de

ter em mente o papel da cultura negra africana na formação de ambos”. E continua:

Ao dizer que os “antepassados” de ambos “coincidem”, ele parece referir-se

às raízes comuns dessas manifestações musicais: além de elementos da

tradição europeia, principalmente deve estar se remetendo às origens negro-

africanas de ambas. Este é, sem dúvida, um ponto-chave para se pensar a

questão da influência do jazz não apenas em uma ou outra forma musical, mas

em toda a música popular brasileira, indo além da mera análise econômica ou

ideológica (CALADO, 1990, p. 223).

Outra evidência encontra-se em um artigo intitulado Jazz no Brasil publicado na

revista Sombra em setembro de 1951 em que Sérgio Porto novamente compara o jazz ao samba

“outra esplêndida fórmula musical derivada dos ritmos bárbaros da África”. O autor antes

comparou a popularização do samba no Brasil com a trajetória do jazz nos Estados Unidos e

declarou crer que a nacionalização do samba abriria espaço para a apreciação do jazz no país.

É, portanto, assim, com o samba já como instituição nacional, que volta o jazz

a tentar infiltração no Brasil, agora com muito maiores possibilidades de êxito,

uma vez que não são apenas grupos isolados que procuram introduzi-lo, mas

um grande número de amantes dessas melodias pungentes e sinceras criadas

pelo oprimido negro dos Estados Unidos (PORTO, 1998, p. 256).

O historiador José Ramos Tinhorão, considerado um dos mais combatentes críticos

musicais da década de 1960 e contrário à influência da música estrangeira no Brasil, chega a

consolidar tal hipótese em seu livro Música Popular: um tema em debate (1970). O autor

partilha da ideia de que a origem, evolução e desenvolvimento do jazz podem ser comparados

ao do samba:

A história do samba carioca é, assim, a história da ascensão social contínua de

um gênero de música popular urbana, num fenômeno em tudo semelhante ao

149 Revista da Música Popular, 3ª edição, dezembro, 1954, p. 47.

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do jazz, nos Estados Unidos. Fixado como gênero musical por compositores

de camadas mais baixas da cidade, a partir de motivos ainda cultivados no fim

do século XIX por negros oriundos da zona rural, o samba criado à base de

instrumentos de percussão passou ao domínio da classe média (TINHORÃO,

1970, p. 13).

O raciocínio de Tinhorão é em muitos aspectos semelhante ao que foi partilhado

pela RMP e de outros defensores da música brasileira e do jazz. Isso porque nos anos 1950

ainda estava no campo da experimentação a noção de “identidade nacional”, tendo como

espelho os países estrangeiros desenvolvidos, nesse caso, os Estados Unidos. Segundo Eric

Hobsbawm, durante os anos 1940 e após a Segunda Guerra houve uma crescente importância

do jazz nos Estados Unidos e na Europa (HOBSBAWM, 2011, p. 98). Assim as relações

diplomáticas estabelecidas com a Política de Boa Vizinhança reforçaram ainda mais os laços

com a sonoridade jazzística no Brasil150.

Além da mera apreciação estética dos críticos musicais, havia também o

conhecimento histórico da música estrangeira e a noção de que o jazz havia sido elevado de

música folclórica a um patamar de música urbana nacional. Decorre deste e dos outros fatores

aqui discutidos o flerte com o jazz e a sua comparação frequente com o samba151.

Por outro lado, essa mesma aproximação musical e racial pode ter refletido no

próprio pensamento crítico em relação aos estudos em torno da música popular urbana no

Brasil. Exemplo disso está no livro Sambistas e Chorões: aspectos e figuras da música popular

brasileira (1962) de autoria do crítico musical Lúcio Rangel. O autor faz uma comparação entre

os estudos sobre o jazz e os estudos sobre o samba no Brasil, criticando principalmente os

escritos de Mário de Andrade:

Enquanto o jazz norte-americano encontra quem o estude em seus mais

aspectos mais variados, contando, hoje, com uma bibliografia das mais vistas,

de pelo menos duzentos volumes, enquanto o jazz, como nosso samba, música

urbana, é devassado e interpretado, sendo, por isso, cada vez mais divulgado,

nossos folcloristas de gabinete ficam na acadêmica discussão – o samba é

folclórico, é popularesco ou popular? (RANGEL, 1962, p. 32).

Nesse sentido, a predileção por um tipo específico de jazz nos escritos e na escuta

dos críticos brasileiros pode ter sido causada não apenas pela influência discursiva das obras

estrangeiras, mas também pode ser explicada devido à busca por uma autêntica música popular

brasileira, uma identidade musical própria baseada em suas raízes populares. É notório que

150 O historiador Eric Hobsbawm também afirma que “em meados da década de 1950 [...], o jazz tinha se tornado

uma linguagem mundial” (2011, p. 98), e comenta que, com exceção dos países que não tinham tradição musical

europeia ou africana, a influência do jazz se fez notória. 151 O primeiro samba gravado foi Pelo telefone composto por Donga. Curiosamente, por volta da mesma data

gravava-se o primeiro disco de jazz pela Original Dixieland Jazz Band em 1917.

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quanto à essa questão, mesmo com suas variações discursivas, as vozes dos críticos parecem

cantar no mesmo tom, ora fazendo comparações entre as condições dos estudos do jazz e do

samba, ora insinuando a existência de semelhanças musicais e históricas entre os dois gêneros

musicais.

Portanto, para além da apropriação que se fez dos modelos de análise dos críticos

de jazz estrangeiros e a partir dos debates acalorados sobre jazz e música brasileira entendo

que, no Brasil houve espaço para a apreciação do jazz justamente por causa da música negra

cultivada no país. Prova disso é exatamente a predisposição de pesquisadores da música

brasileira em fazer parte, ao mesmo tempo, do grupo dos primeiros historiadores da música

urbana brasileira e dos primeiros historiadores de jazz do Brasil.

Em virtude do exposto, entendo que os símbolos sonoros que os críticos da Revista

da Música Popular defendiam parecem se harmonizar em torno dos requisitos negroides no

jazz, não apenas em virtude de uma repetição do discurso dos historiadores de jazz estrangeiros,

mas também pelo tipo de experiência musical que se vivia no Brasil. Essa experiência buscava,

sobretudo na visão romantizada do “homem do campo” e em sua “própria intuição musical”

(MORAES, 2013, p. 85) estabelecer limites entre o “folclórico”, o “popular” e o “massificado”.

É provável que na voz desses críticos da RMP, ao mesmo tempo defensores de uma

música brasileira autêntica e de um jazz autêntico, a vivência no país de um ambiente de mistura

musical e cultural que vinha se projetando desde o começo do século XX, também tenha

concorrido para o estudo das origens folclóricas, sobretudo negras, do samba e do jazz. Ora,

como demonstrado, esses debates sobre jazz e música popular já vinham sendo levantados em

outros espaços antes mesmo da publicação do periódico. Isto é, antes mesmo da noção de

“crise” na música popular emergir a apreciação musical desses críticos tinha um referencial: a

música negra, independentemente de sua nacionalidade.

No entanto, é necessário discutir que essa busca por um jazz autêntico não foi

motivada apenas por uma possível experiência racial e musical comuns. Dentro do contexto

internacional, outro elemento fomentou essa impressão de perda de qualidade musical e

autenticidade do jazz: o aparecimento de vertentes dentro do jazz que modificavam seus signos

sonoros tradicionais. O surgimento e logo depois a presença no Brasil do bebop, do cool, do

sweet e de outros tantos estilos de jazz ditos modernos podem ter imprimido novo fôlego para

a discussões sobre jazz na RMP.

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3.3 Dissonâncias e contrapontos na Revista da Música Popular

PREOCUPA-NOS seriamente a atual decadência do “jazz”. Isto não significa

que ele esteja morto ou enterrado para sempre. Não, o velho “jazz”, o genuíno,

ainda existe, mas sempre em proporções menores. Não faltam, em verdade

músicos da velha guarda, mas estão ficando velhos. Que irá acontecer daqui a

alguns anos, quando Louis Armstrong, Duke Ellington, Milton Mezzrow,

Albert Nicholas, Kid Ory, Sidney Bechet, Zutty Singleton, Willie “The Lion”

Smith, Big Bill Broonzy, Ethel Waters, não estiverem mais em condições de

tocar ou cantar? (VIDOSSICH, 1957, p. 215).

Assim inicia o pesquisador Edoardo Vidossich seu texto A situação atual do Jazz’

– Panorama Internacional – o ‘Jazz’ no Brasil contido no capítulo intitulado História do Jazz

e sua decadência, que compõe a segunda parte de uma obra em conjunto com André Coeuroy.

Curiosamente, como se pode notar, o autor se vale logo no título de seu trabalho da palavra

“decadência”. A associação remete à forma como os defensores do “velho jazz” receberam e

interpretaram o jazz moderno, encabeçado pelos músicos que tocavam bebop152.

O bebop surgiu como reação às padronizações e repetições musicais impostas ao

jazz pelo mercado que, desde os anos 1930 investia cada vez mais nas grandes bandas dançantes

de jazz, as chamadas big bands. Os primeiros músicos, portanto, emergiram justamente desse

cenário musical eminentemente comercial153.

A partir dessa nova forma de se executar o jazz, os estudiosos que antes se

preocupavam apenas com a pesquisa de suas lendas, origens, músicos e estabelecimento como

música popular, agora teriam que se adaptar ou não à nova proposta do gênero. Como

demonstrado no primeiro tópico deste capítulo, alguns estudiosos optaram por combater esses

novos estilos de jazz e foram rotulados de “tradicionalistas”. Aqueles que interpretaram de

maneira positiva o jazz moderno, mas que passaram a menosprezar o jazz mais tradicional

foram chamados de “modernistas”. Como esclarece Eric Hobsbawm:

O público de jazz sempre esteve dividido, porém antes da revolução

modernista normalmente essa divisão só se dava em termos de “puristas” e

“impuristas”; isto é, entre aqueles que queriam preservar o jazz das inovações

porque acreditavam que levava, em última instância, ao horror da

comercialização, e aqueles que reconheciam relutantemente que nem todas as

inovações transformavam o jazz em música pop. O modernismo, porém,

produziu escolas de “puristas” rivais, embora, em seus primeiros estágios, os

152 Roberto Muggiati comenta que o estilo surgiu de experimentações realizadas por músicos de jazz nas chamadas

jams sessions, espécie de fuga do repertório comercial onde se realizavam apresentações apenas para músicos

profissionais. E afirma: “Com o bop – e aí está a sua modernidade – a noção de beat passou a ser uma espécie de

sujeito oculto na frase jazzística, uma pulsação na própria cabeça de cada músico, abrindo campo para uma

concepção mais sofisticada de ritmo” (MUGGIATI, 1999, p. 74-75). 153 Entre alguns desses nomes estão Dizzy Gillespie, Cab Calloway, Charlie Parker, Jay McShanm, Kenny Clarke,

Miles Davis, John Coltrane, Thelonious Monk e Max Roach. Para saber mais profundamente a respeito do jazz

moderno, seu surgimento, desenvolvimento e principais bandas, cf. História Social do Jazz (Eric Hobsbawm),

Parte II: Música, a partir da página 149.

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defensores do jazz “puro” do velho estilo quisessem vê-lo apenas como mais

um novo truque comercial. O jazz moderno, no entanto, estava longe de ter

como objetivo o apelo de massa. Ao contrário, foi o primeiro estilo de jazz a

virar deliberadamente as costas para o público comum e criar música apenas

para iniciados e experts (HOBSBAWM, 2011, p. 148).

Nesse sentido, a produção historiográfica de jazz a partir do início dos anos 1950

também passou por uma renovação na qual um acirrado debate sobre qual estilo de jazz era

mais autêntico se estabelecia, dividindo a opinião do público, músicos e sobretudo os críticos

musicais. Optar por uma forma de escuta pressupunha todo um direcionamento dos textos, no

sentido de que o recorte privilegiado pelos Tradicionalistas enfatizava uma “época de ouro” do

jazz até 1930, ou 1940, enquanto que os Modernistas defendiam a década de 50 em diante como

o topo evolutivo do gênero em contraposição às formas ditas primitivas e arcaicas.

Esse é outro fator que os críticos da Revista de Música Popular parecem se

apropriar, pois reproduzem um intenso debate sobre a autenticidade do jazz tradicional e do

jazz moderno. A noção de “decadência”, nesse sentido, não estava vinculada apenas ao cenário

musical vigente no Brasil, isto é, em relação à música brasileira, mas também em relação à

música popular americana que igualmente sofria mudanças radicais em sua execução.

Retomando alguns textos da revista já citados é notória a crítica que se fazia a esse

estilo de jazz e a qualquer um que se dedicasse a sua apreciação. No texto de Claudio Murilo

Espírito de Imitação faz-se referência ao bebop e não ao fato de se tocar o jazz tradicional, por

vezes defendido e estudado pelos críticos da revista.

Assim, em tom sarcástico o crítico afirma no texto que “o ‘bop’ foi inventado para

agradar a endinheirados da rua 52, que não aguentavam mais a água com açúcar do ‘swing’ e

queriam novas emoções”. Em uma tentativa de fazer crer que o novo estilo de jazz era voltado

somente para o comercialismo em detrimento da manutenção das características tradicionais do

jazz. É interessante perceber também que o texto é direcionado aos músicos e entusiastas

brasileiros do jazz moderno.

Em Gato por lebre, José Sanz também direciona ataques aos apreciadores dessa

vertente de jazz, fazendo crer que a capacidade de analisar e discutir sobre o estilo tanto

esteticamente quanto historicamente só fosse possível por quem realmente o estudasse de forma

séria, e não de maneira diletante:

Mas voltemos um pouco ao Brasil e ao motivo inicial das presentes notas. A

condição de “cat” (termo que significa na América “fan”, para usarmos outra

expressão inglesa de curso corrente no Brasil), não habilita ninguém a julgar

ou criticar a música de jazz. O “cat” jamais sai do terreno sensorial e a

deformação do gosto pode levar o indivíduo até a gostar de “progressive jazz”,

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“bebop” ou “cold jazz”, designação estúpida contraposta ao “hot jazz”,

inventado por Panassié, e também sem nenhum sentido154.

Percebo também que há uma guinada no discurso desses autores na maneira como

se portam em relação aos críticos estrangeiros, outrora produtores de sua principal fonte de

pesquisa. No momento em que se tem a bipartição na historiografia do jazz os discursos

começam a buscar uma autenticidade baseada, também, na negação de outras produções de jazz

principalmente internacionais.

A mesma posição combatente se pode perceber no artigo intitulado Os franceses e

o Jazz escrito por Lúcio Rangel e publicado no Diário Carioca em março de 1953. Nesse artigo

o crítico cita todos aqueles críticos da historiografia de jazz francesa que, para ele, não mais

convinha por causa de sua apreciação musical. Não era mais interessante tal tendência, pois ora

abordava positivamente sobre o jazz moderno e ora optava por traçar uma linha histórica que

unia as duas formas de jazz. A respeito disso comenta o autor:

O sr. Panassié realiza um milagre, não aprende. Conhece todos os livros e

milhares de discos, mas gaba-se de uma coisa, gosta de tudo. É como se gostar

de [Paul] Valéry e de J.G de Araújo Jorge ao mesmo tempo. Essa atitude está

presente em todas as suas páginas [...]. Outro francês, Charles Delauney, tem

a seu crédito a publicação da Hot Discographie, o primeiro trabalho do gênero.

Dirige uma revista – Jazz Hot – e é entusiasta do bop. Está dito tudo. Aliás,

seu livro não é de crítico ou historiador, e sim um arquivista (RANGEL, 2007,

p. 183-184).

Em seguida, Lúcio Rangel atua em defesa da historiografia que, segundo ele, estava

“estudando seriamente o jazz em todos os seus aspectos, musical, sociológico, estético e

histórico. Aí estão os livros de Rudi Blesh, Alan Lomax, Rex Harris, C.E Smith, Frederic

Ramsey...”. E não se atém apenas aos historiadores americanos, citando também o folclorista

argentino Nestor R. Ortiz Oderigo, o qual convidaria para escrever estudos na RMP. Ainda

sobre essas questões, Rangel tenta legitimar o discurso dos estudos tradicionalistas de jazz

promovendo a obra de Nestor Ortiz.

Mas não estou fazendo crítica do livro de Oderigo, quero apenas chamar a

atenção dos estudiosos do jazz para essa obra, das mais notáveis sobre o

assunto. E tinha vontade de sair pelas ruas de Paris e entregar diversos

exemplares dela aos inúmeros “críticos” de jazz que abundam por aqui. – Um

para você, Panassié, para aprender quem foi Jelly-Roll. Outro para você,

Hodeir, para não escrever mais asneiras. Aqui está o seu, Delaunay, e outro

para Lucien Malson, o homem que matou a clarineta (RANGEL, 2007, p.

185).

154 Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 40.

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É possível perceber que os críticos que acompanharam a chegada do jazz no Brasil

em seu formato híbrido, que consumiram por meio da escuta de discos os estilos mais

tradicionais produzidos no exterior, e se apropriaram dos estudos de jazz tradicionais, revelam-

se agora contrários aos ditames da “tendência modernista” de analisar e apreciar o jazz. Esse

fator conflituoso contribuiu para que se redobrasse a atenção desses críticos aos debates sobre

jazz e sobre suas condições estética e histórica.

Imagem 11: Livro Jazz & Co. (2013) Vinícius de Moraes

Fonte: Companhia das letras155

Em um dos artigos publicados por Vinícius de Moraes na Revista Flan e na Última

Hora em junho de 1953 o crítico responde a uma leitora que quis saber “quando uma música é

jazz e não é jazz”. No que Vinícius de Moraes responde de maneira contundente retornando à

questão racial, mas agora referindo-se a uma “tradição musical” mantida por alguns músicos.

Segundo ele:

Jazz, minha querida amiga, é autêntico [...]. Jazz, de início é tudo o que não é

Bing Crosby, Frank Sinatra, Doris Day, Johnnie Ray, Dick Haimes, Dinah

Shore, Jo Stafford, Billy Eckstine. Jazz, por outro lado, é qualquer nota que

saia do trompete de Louis Armstrong, ou de suas cordas vocais [...]. Isso é

jazz, é a inflorescência dos cantos religiosos negros, a que se chamam

spirituals em cruzamento com o blues [...]. Jazz é a voz solitária ou polifônica

da revolta, da sensualidade, do páthos dos negros e se prolonga através dos

instrumentos musicais desobedientes a tudo o que não seja espontaneidade,

invenção, improvisação (MORAES, 2013, p. 97).

Portanto, não é gratuito o fato de Vinícius de Moraes, Lúcio Rangel, José Sanz,

dentre outros aqui citados, não se propuserem a estudar a história do jazz depois da década de

1930 em seus artigos publicados em jornais e revistas da época e especialmente na Revista da

155 Disponível em: http://www.companhiadasletras.com.br/images/livros/13489_gg.jpg.

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Música Popular, pois para eles o jazz estava em crise156. No caso de Sérgio Porto, em Pequena

História do Jazz, também se pode perceber a tendência tradicionalista por toda a sua obra:

Eu não posso afirmar que essa música me vá direto ao coração. Ela é antitética

ao espírito de tudo aquilo em que o jazz se funda. É uma ruptura intelectual

dificilmente digestível para um profano. Na realidade, ela agrada muito mais

aos técnicos e é da simpatia dos jovens músicos [...]. Mas esse é apenas um

dos muitos pontos em que o bebop difere do verdadeiro jazz (PORTO, 1953,

p. 43).

Do ponto de vista da polifonia, esses autores entendiam as categorias “tradicional”

e “moderno” de maneiras diversas e em meio a esse emaranhado de sons e discursos sobre jazz

eles tentavam legitimar suas próprias noções de autenticidade157. É o que percebo quando Lúcio

Rangel ataca o crítico francês Hugues Panassié rotulando-o, nas entrelinhas, de certo

“ecletismo”. Tal argumento não é utilizado por Sérgio Porto, que se refere a ele como um

referencial tradicionalista:

Toda a razão tem o crítico Hugues Panassié, quando afirma num dos seus

últimos livros (Jazz Panorama, Paris – 1950), que acredito ser o mais

esclarecido de toda a sua longa bibliografia dedicada ao jazz: - “a única relação

existente entre o jazz e o bop está nos músicos, pois foram os executantes do

primeiro que criaram o segundo (PORTO, 1953, p. 46).

Ainda que o fragmento selecionado por Sérgio Porto pudesse estar se referindo a

um momento em que Hugues Panassié tenha estranhado o bebop no momento de seu

surgimento, é perceptível que essa busca por autenticidade era complexa e causava embates

intensos entre os estudiosos de jazz. Além disso, passa a emergir entre os críticos musicais

brasileiros uma recusa quanto à possibilidade de brasileiros apreciarem ou mesmo produzirem

quaisquer estudos voltados para o jazz moderno. Isso fica mais claro na edição de número seis

da RMP, de 1955, em um artigo intitulado Um italiano e o Jazz na coluna Jazz. Lá José Sanz

critica a posição de Lúcio Rangel, pois ele havia tecido comentários positivos a uma discografia

eclética, selecionada por um crítico musical italiano chamado Arrigo Polillo. Sanz passa a

criticar a postura diretor que se dizia contra jazz moderno:

A Revista da Música Popular não tem igrejinhas, só tem um tabu, o que é bom

é bom e pronto. Daí, não considerarmos, a não ser para “meter o pau”,

qualquer música rotulada de “jazz” que fuja aos legítimos ensinamentos da

única fonte autêntica do “Jazz” New Orleans e os negros de outras cidades

americanas que nela se abebedaram. Esse é, também o ponto de vista de Lúcio

Rangel. Estranhei, portanto, sua posição imparcial na transcrição dos discos

157 Paulo Bezerra, ao analisar o conceito de “polifonia” em Mikhail Bakhtin, diz que a polifonia na verdade se

define “pela convivência e pela interação... De uma multiplicidade de vozes e consciências imiscíveis, vozes

plenivalentes e consciências equipolentes, todas representantes de um determinado universo e marcadas pelas

peculiaridades desse universo” (BEZERRA, Paulo, 2012, p. 194-195).

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e, principalmente, aquele “sob todos os pontos de vista excelente” o que o

coloca implicitamente concordando com o “critico italiano”158.

O crítico, que na edição 7 anuncia sua saída da revista159, mas que apenas finaliza

suas atividades na edição 9, parece tecer também um ataque às obras de jazz de Jorge Guinle e

Sérgio Porto quando diz que, “tudo isso tem sido inútil, ao que parece, diante de tanta

importância dada a um trabalho confuso, dentro de cuja linha já tivemos dois aqui no Brasil,

bastante melhores dentro da ruindade geral”. A harmonia entre as vozes do periódico

estabelecida pelo projeto de revalorização da música brasileira da Era de Ouro, e depois pelo

interesse no jazz tradicional começava a apresentar certas dissonâncias em torno da discussão

do que era moderno ou tradicional, folclórico ou comercial, autêntico ou inautêntico.

Nesse sentido, com base no que já foi exposto neste trabalho sobre os comentários

dos críticos musicais de jazz e tomando Vinícius de Moraes como exemplo, seria coerente

colocá-lo no grupo dos tradicionalistas, mas o próprio Jorge Guinle, em um capítulo destinado

ao mapeamento dos críticos de jazz, insere-o no grupo dos modernistas. O que reforça as

diferentes experiências e interpretações dadas ao jazz e a seus referenciais de musicalidade.

Porém, outro exemplo da recusa ao jazz moderno pode ser desprendido do prefácio

escrito pelo próprio Vinícius de Moraes para a primeira edição do livro Jazz Panorama de Jorge

Guinle. Assim, referindo-se a Jorge Guinle, Vinícius afirma que:

Alguns amigos comuns, como ele cats integrais, com justiça acusam-no de

certo ecletismo, que pode parecer prejudicial, dentro de um critério rígido de

julgamento do que é e não é bom jazz. Pois na verdade, na história da evolução

do jazz, apenas um estilo apresenta características capazes de defini-lo como

uma forma imortal: o estilo de New Orleans, tal como foi executado por uns

poucos mestres, entre os quais realçam Bunk Johnson, King Oliver, Jelly Roll

Morton e Louis Armstrong (MORAES, 2013, p. 100).

O historiador Jair Paulo Labres Filho, em seu trabalho Que jazz é esse? as jazz-

bands no Rio de Janeiro da década de 1920, constrói um discurso também baseado nessa

interpretação. O historiador, ao analisar os discursos presentes nas obras de Sérgio Porto e Jorge

Guinle, chega a afirmar ter sido Jorge Guinle um “tradicionalista”, ou seja, um autor que

defendia o jazz tradicional:

Segundo o prefácio do autor, estamos diante do primeiro trabalho sobre a

história e evolução do jazz escrito por um brasileiro. Para o autor, por ter sido

encomendada por um órgão oficial, a obra “serviria para aumentar a

158 Revista da Música Popular, 6ª edição, março/abril, 1955, p. 38. 159 Marcelo Miranda ficou encarregado a partir do número dez do periódico a escrever na coluna de Jazz até o

último número. Quanto às razões da saída de José Sanz da revista, o crítico diz no número 9 que, entre os principais

motivos de sua desistência estariam “vários são os obstáculos no caminho do conhecimento no Brasil, sendo que

o principal é uma coisa chamada ‘divisas’ e o critério inteligentíssimo dos nossos governantes colocando o disco

na mesma categoria dos objetos de luxo”.

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divulgação da música dos negros americanos entre nós, criando um ambiente

mais propício à formação de músicos capazes de executar o verdadeiro jazz,

que, até hoje, não foi tocado no Brasil dentro de suas características básicas”.

A partir disso, já percebemos que o seu compromisso é com o “verdadeiro”

jazz, e, como Jorge Guinle, silencia por completo a experiência brasileira com

o jazz na década de 1920 (LABRES FILHO, 2014, p. 34).

Porém, em um capítulo do Jazz Panorama intitulado Os fatores essenciais do jazz

é possível perceber que Guinle defendia também o jazz moderno quando afirma que

“consideramos assim autêntico o jazz moderno porque nele encontramos os fatores essenciais

desta música, como ritmo isócrono de base, com acentuações características e que ficaram a

cargo do contrabaixo” (GUINLE, 1959, p. 80). Além disso, é possível notar que o crítico se

autodeclarava “eclético”, isto é, que o próprio fazia parte de um grupo emergente de estudiosos

de jazz que se caracterizava por “um aprofundamento dos dois pontos de vista antagônicos”

(GUINLE, 1959, p. 137), referindo-se a uma superação das tendências tradicionalista e

modernista.

O crítico musical também havia levado essa concepção de estudo e apreciação do

jazz às páginas da Revista da Música Popular em discografias e em comentários que revelam

sua opção. Em uma dessas discografias, localizada na primeira edição da revista, José Sanz

comenta e demonstra novamente a recusa em crer na opção de análise de jazz feita por Jorge

Guinle que considerava o jazz moderno autêntico:

Jorge Guinle é um dos mais conscientes e importantes críticos e

colecionadores brasileiros de discos de jazz. Seu gosto eclético levou-o a

ampliar o campo do seu conhecimento a outros setores da música americana

que, aparentemente, se confundem com o jazz. Nele, isso não representa como

em tantos, uma indiscriminação ditada pela falta de conhecimento [...].

Chegou ele ao que chama de “jazz moderno” plenamente cônscio de sua

atitude e sabe defender com inteligência seus pontos de vista. Apesar de sua

acentuada curiosidade pelas novas escolas, tem nele o Jazz de New Orleans

um dos mais capacitados conhecedores160.

A complexa posição em relação ao que era “tradicional” e “moderno” se

estabeleceu em meio a um discurso polifônico em que esses termos ganham de maneira similar

sentidos diversos por meio dos discursos. A prova de que esse debate extrapolou as dimensões

do periódico pode ser desprendida de um artigo revelador de José Sanz em que critica o fato do

Brasil quase ter participado do Renascimento – ou revival161 – do jazz de Nova Orleans,

160 Revista da Música Popular, Revista da Música Popular, 1ª edição, setembro, 1954, p. 46. 161 Esse fenômeno começou nos Estados Unidos em fins dos anos 1940 e se espalhou por diversos cantos do

mundo. Consistiu-se, basicamente, em um projeto de revalorização dos velhos músicos de jazz, como maneira de

recuperar suas raízes folclóricas. Esse projeto foi implementado por críticos, gravadoras (como a Folkways e a

Riverside) vendedores de discos e produtores tradicionalistas, que não se agradavam do jazz moderno. A ideia era

buscar músicos velhos do Sul dos Estados Unidos, e de outros cantos do mundo para gravar canções e promover

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promovido principalmente por Nesuhi Ertegun. A crítica é direcionada aos governantes que,

segundo José Sanz, não puderam patrocinar essa empreitada de inserção do Brasil da

revalorização do Jazz negro ou tradicional.

Em virtude disso, tomando os discursos dos estudos de jazz produzidos nos jornais,

revistas e nas obras de jazz nacionais é possível inferir que a experiência do jazz envolveu a

apropriação de elementos discursivos da produção historiográfica estrangeira e a identificação

com os símbolos sonoros de origem africana presentes no jazz. Esses fatores serviram como

argumento de reafirmação da apreciação estética e histórica do gênero musical no Brasil. Em

contrapartida, tal aproximação desenvolveu uma relação de combate contra tudo aquilo que se

manifestava como fora dos padrões do jazz tradicional. Esse jazz “moderno” foi rechaçado por

uns e defendido por outros, competindo para os conflitos entre os estudiosos de jazz.

Se por um lado o discurso da revista parece contraditório por ter assumido uma

postura de defesa da música popular contra os ritmos estrangeiros e também ter se preocupado

com a condição do jazz, esse projeto de “reavivamento” dos músicos da Velha Guarda poderia

estar diretamente relacionado com a experiência de defesa do jazz tradicional, na medida em

que se buscava também recuperar seus tempos áureos.

Portanto, dentro da noção de identidade nacional que parece se moldar aos padrões

modernizantes em voga na década de 1950 e, simultaneamente, tenta resguardar o núcleo das

raízes populares, essa ambígua apreciação do jazz dos críticos da RMP e de indivíduos que

compactuavam com essa visão emergiu junto com a necessidade de revalorização dos sons e da

fruição musical do passado.

Longe de ser uma síntese da problemática da experiência de mistura entre a música

brasileira e o jazz, cabe neste capítulo uma última nota dissonante para enfatizar as tensões e as

diferentes vibrações e frequências pelas quais passou a música popular brasileira por ousar

misturar-se com o jazz. Assim, em fins dos anos 1950 o discurso da “decadência” em relação

ao jazz causará uma guinada nos debates sobre música popular. É o momento, por exemplo,

que Vinícius de Moraes volta seus interesses para a música popular brasileira, apostando nela

por causa de sua decepção com o cenário do jazz que se estabelecia162. Contraditoriamente, a

o retorno do jazz de Nova Orleans. Houve sucesso nessa empreitada também na Europa e todos os países que

tiveram contato com o jazz e contribuíram para patrocinar financeiramente os pesquisadores. Os críticos brasileiros

queriam entrar para o hall dos que fizeram no Brasil o “renascimento” acontecer também, mas não tiveram sucesso

por falta de investimento no projeto, que incluía a promessa de vínculo entre as culturas negras. É o que fica claro

no artigo Apoio a um projeto, 5ª edição, fevereiro de 1955, p. 36-37. 162 Em 1969, Vinícius de Moraes afirmaria em uma entrevista feita no jornal carioca O Pasquim: “Acho a música

brasileira mais importante e mais rica que o jazz, o fenômeno musical mais importante do século. Me refiro à

música popular brasileira, porque a erudita, com exceção de Villa-Lobos e Santoro, já acho menos [...]. Eu acho

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busca pela valorização da música brasileira repercutiria na criação da Bossa Nova, um estilo

que mesclava o samba com um estilo de jazz moderno e mais intimista, o chamado cool de jazz.

Ainda mais curioso é o fato de que Vinícius de Moraes e Tom Jobim se conheceriam por

intermédio do próprio Lúcio Rangel que os atacaria por causa dessa mistura.

que o jazz acabou, não existe mais” (MORAES, 2013, p. 29). O comentário permite pensar a conflituosa relação

entre as categorias “moderno”, “tradicional”, “autêntico” e “inautêntico” nos discursos.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: REVERBERAÇÕES E AMPLIFICAÇÕES NA

DÉCADA DE 60

No começo do século XX o jazz chegou ao Brasil e no decorrer dos tempos

conturbados do pós-guerra foi adotado como o ritmo que melhor simbolizava o frenesi daquela

época que foi chamada de Happy Years, “Loucos anos 20”, “A era do Jazz”, entre outros rótulos

que tentavam sintetizar as novas sensações e os estímulos suscitados pela experiência da

modernidade.

A partir daí a palavra “jazz”, em meio a tantos significados etimológicos que passou

a ter, além de ser associada a um estilo de música sincopado, cuja improvisação era um

elemento fundamental, foi utilizada como expressão americana para designar, segundo o

Oxford Dictionary, “excitação”, “êxtase” e “entusiasmo”, suponho por conta do contexto

histórico em que o ritmo se difundiu pelo mundo.

Pouco depois o formato do jazz tocado pelas jazz bands passava a se tornar cada

vez mais comercial, afastando-se gradativamente das raízes folclóricas cultivadas no Sul dos

Estados Unidos. Isso porque em meio ao contexto urbano dos Estados Unidos, os músicos de

jazz se profissionalizaram, abandonando o amadorismo e passando a utilizar a música como

fonte de renda. Era inevitável que ao expandir-se para outros lugares esse jazz estivesse imbuído

de modismos e influências musicais tal como ocorreu no Brasil.

Nesse sentido, as jazz bands brasileiras, mais do que grupos musicais, eram a

representação dessa modernidade que advinha dos países desenvolvidos, se manifestava nos

centros urbanos e se espalhava por meio de apresentações públicas ou particulares em desfiles,

cinemas, clubes de dança, teatros etc.

No exterior, a formação instrumental dessas bandas era basicamente banjo, bateria,

contrabaixo e piano na seção rítmica, clarinete, saxofone, trompete, tuba e trombone na seção

de sopro, e violino e cello na seção de cordas. Como tentei demonstrar no Brasil há registros

dessas bandas por diferentes áreas urbanas e rurais, sendo sua formação instrumental composta

basicamente pelos mesmos instrumentos, mantendo a presença de instrumentos como o

acordeom, o violão, e outros percussivos.

Porém, os sons que reverberavam das jazz bands brasileiras não eram os mesmos

que circulavam na Europa ou nos Estado Unidos aqui um jazz propício à mistura musical

permitiu que as bandas pudessem mesclar as peças jazzísticas com o repertório de músicas

regionais e tradicionais. A modernização das bandas se deu pela adição de instrumentos como

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a bateria, o banjo, o saxofone e o piano, mas também simbolizou novos arranjos ao repertório

tradicional.

Nesse sentido, o fato de assumirem o nome jazz bands não significou que as

músicas regionais não fossem mais executadas, ao contrário. Além disso, mesmo as bandas que

permaneciam com o nome de “orquestras” também aderiram a tal proposta. Isso quer dizer que

a experiência de modernidade musical exigia que se valorizasse a cultura popular tradicional e

não apenas o jazz. Por isso mesmo, esse jazz, que assumiu um aspecto comercial e de mistura

a outros ritmos latino-americanos e caribenhos, foi chamado de híbrido pelo historiador Eric

Hobsbawm. No Brasil, por exemplo, os músicos imprimiram arranjos jazzísticos em músicas

tradicionais, regionais e vice-versa.

Quanto a esse primeiro contato com o jazz, a hipótese é que não apenas a questão

econômica influenciou nessa mudança de repertório dos conjuntos e orquestras musicais, mas

também houve uma identificação com a sonoridade do jazz. Esse argumento é defendido pelo

historiador Carlos Calado e se pode perceber mesmo na voz dos defensores mais tradicionais

do jazz. Como afirma Edoardo Vidossich, “o Brasil é por isso mesmo um campo propício para

o ‘jazz” (VIDOSSICH, 1957, p. 217) por causa justamente da forte presença das raízes negras

africanas.

Pouco mais adiante, em meio à Era do Rádio, de onde emergiram os grandes

cantores nacionais, foi possível perceber que estas jazz bands e mesmo grandes orquestras

contratadas por renomadas gravadoras como a Columbia, a RCA Victor e a Odeon

prosseguiram em sua tendência de mistura, pautadas na comercialização da música popular.

Gravar e se apresentar com esses grandes intérpretes foi um meio de sobreviver tocando suas

peças jazzísticas e outros ritmos da moda como o bolero, o samba (já nacionalizado), o maxixe,

o choro, a valsa, entre outros. É que com o crescimento da importância das rádios, discos e do

cinema falado muitas dessas bandas perderam seus empregos e vislumbraram nas rádios uma

forma de permanecerem em atividade.

Ao passo que isso ocorria, nos Estados Unidos repercutia o sucesso das Big bands

de jazz, o que proporcionou novamente a mistura musical entre o repertório brasileiro e

estrangeiro em grande escala. Foi a época de inúmeras gravações nacionais de foxes trot, estilo

de tocar jazz. Assim surgiram as primeiras reações contrárias ao jazz e às jazz bands no Brasil,

tecidas pelos críticos musicais mais nacionalistas. Essas bandas, porém, tiveram extrema

relevância nos arranjos de peças musicais e importantes gravações ao lado de interpretes como

Francisco Alves, Orlando Silva, Inezita Barroso, Lúcio Alves e Carmen Miranda.

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Porém, o fato de estudiosos como Mário de Andrade e Sílvio Romero não se

preocuparem com as manifestações musicais urbanas fez com que a influência do jazz nelas

imbuídas ficasse de fora das análises da música popular brasileira. Assim, a preocupação com

a influência do jazz na música popular não foi tão discutida devido à tendência dos estudos

sobre música e identidade nacional privilegiarem as canções folclóricas e, descartarem a música

urbana, vista como volúvel a essa influência estrangeira.

Por isso na década de 1950 a necessidade de se projetar uma identidade nacional

fez emergir novos debates em torno da produção cultural no país, uma vez que o Brasil vivia

um período de estabilidade econômica e de forte introjeção dos bens de consumo estrangeiros,

devido ao “salto na industrialização a partir do governo Kubitschek” e “também [de] um

impulso revolucionário” (RIDENTTI, 2003, p. 5). Tais fatores, dentre outras questões,

propiciaram uma reflexão sobre a própria qualidade da música popular urbana brasileira frente

aos meios de comunicação de massa nacionais e internacionais.

Assim, os intelectuais que se reuniram na Revista da Música Popular entre 1954 e

1956 fizeram parte desses primeiros estudos da música urbana, e também se debruçaram sobre

as diversas experiências da música brasileira desde as peças folclóricas até as músicas

popularizadas pelas rádios.

Por influência do pensamento folclorista alguns desses intelectuais defenderam uma

música pura, sem influências externas e reclusa em seu caráter mais tradicional. Outros haviam

tido uma experiência positiva na escuta dos grandes cantores do rádio e repudiavam as

programações musicais das rádios da década de 1950, acusando-as de inautênticas e

“popularescas”, termo pejorativo usado para designar músicas e músicos adeptos do

comercialismo e dos modismos estrangeiros. Portanto, para esses críticos era preciso revalorizar

os artistas da Época de Ouro da música popular, vislumbrando neles uma brasilidade pura e

idealizada, pois muitas dessas gravações também haviam sido influenciadas pelo jazz.

As idiossincrasias presentes na revista saltam os olhos: se propôs a fazer uma ode

aos artistas do passado, motivou a opinião pública na tentativa de realizar uma varredura dos

artistas “inautênticos”, promoveu a imagem, a história e a memória de músicos da Velha

Guarda163 sob o pretexto de que residiam nestes a verdadeira identidade nacional e, de maneira

simultânea, fez questão de manter numerosas colunas sobre jazz em todas as edições. Assim,

mesmo com a saída de José Sanz, seu principal crítico, manteve-se firme a coluna Jazz tendo

Marcelo Mirando como seu substituto.

163 Grupo de músicos envolvidos na produção musical entre os decênios de 1920 e 1930.

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Dessa forma, a ambiguidade do discurso presente no periódico analisado reside no

fato de que os mesmos críticos que defendiam a legitimidade de um formato de jazz, não eram

a favor de que se imprimisse as mesmas referências musicais modernas na música brasileira,

temerosos de que a música perdesse sua brasilidade tanto quanto o jazz “perdia” sua

autenticidade no exterior.

Além disso, outra peculiaridade da polifonia discursiva na revista é que, ao acionar

o discurso folclorista os colaboradores da RMP repetiam as contradições desse discurso quanto

à construção inacabada da noção de identidade nacional. Se no folclorismo dos tempos de Mário

de Andrade se falava em readaptar os elementos musicais externos, na revista se insinuava uma

espécie de antropofagismo apenas dos elementos tradicionais do jazz. Por isso no discurso

desses folcloristas urbanos tornam-se ainda mais complexas as discussões sobre o “popular” e

o “impopular”, o “nacional” e o “estrangeiro”, o “legítimo” e o “ilegítimo” dentro dessa

tentativa de formatação da música brasileira.

Já na década de 1960 a dúbia postura em relação à música americana iniciada no

começo do século XX pelos estudos folcloristas e mantida pelos debates ambíguos da RMP nos

anos 1950 passou a tomar novas proporções. O debate sobre jazz e música popular brasileira

encontrou outra forma de repercussão, pois se trata de um período no qual se fez marcante a

efervescência nas discussões políticas devido ao Golpe Militar de 1º de abril de 1964. Esses

acontecimentos potencializaram o caráter nacionalista das discussões sobre música popular,

principalmente sobre qual deveria ser o seu papel político-ideológico a ser seguido.

Segundo Marcelo Ridentti, no final da década de 1950 alguns intelectuais de

esquerda já vislumbravam na cultura popular uma importante arma contra as imposições

estrangeiras e por conta disso os anos 1960 viria a ser uma época “marcada pelas lutas contra o

subdesenvolvimento nacional e pela constituição de uma identidade para o povo” (RIDENTTI,

2000, p. 13).

No entanto, somente no início dos anos 1960 nasceria a canção de protesto, e não

por acaso o uso da sigla MPB com uma conotação mais engajada politicamente. Segundo o

sociólogo Carlos Sandroni (2010), o uso dessa sigla passou a ser comum exatamente com a

criação do conjunto musical MPB4 formado por músicos que atuavam no Centro de Cultura

Popular (CPC) e que batizaram o grupo com esse nome ao fim das atividades do CPC164.

No Dicionário Ricardo Cravo Albin estão documentadas também algumas

apresentações do grupo no Teatro Opinião, um espaço de resistência e protesto contra a

164 Disponível em: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/03/mpb-um-pouco-de-historia/.

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ditadura165. O engajamento político na cultura brasileira foi reforçado pelo Instituto Superior

de Ensino Brasileiro (ISEB), pela União Nacional dos estudantes (UNE) e pelo já referido CPC.

Por conta desses acontecimentos, Alexandre Francischini afirma que:

No âmbito da crítica musical, se elevarão a níveis contundentes as críticas

nacionalistas à influência dos gêneros musicais americanos. Assim,

encabeçada por José Ramos Tinhorão, essa ala mais radical que, outrora, tinha

dúvidas em relação ao Jazz e seus referenciais de musicalidade vão optar pela

sua repulsa, com o argumento de que se trataria de uma ferramenta

imperialista dos EUA (FRANCISCHINI, 2009, p. 61-62).

Além disso, a música, para esses intelectuais radicais, deveria retornar a uma pureza

para evitar a alienação e o subjugo dos bens de consumo culturais americanos. É um momento

de repulsa à influência do jazz. Francischini afirma ainda que:

No período entre guerras, na medida em que os Estados Unidos firmavam-se

no cenário mundial como uma superpotência – fazendo dos veículos de

comunicação em massa um instrumento de difusão de seu “American way of

Life” –, os nacionalistas brasileiros fizeram da política imperialista desse país

– e do jazz como um símbolo desse imperialismo – o seu alvo preferido

(FRANCISCHINI, 2009, p. 61-62).

Vale ressaltar que se começa a pôr em cheque o papel da música enquanto

participativa ou não no processo de formação da identidade nacional e nesse sentido, acredito

que a associação com as discussões iniciadas pelos folcloristas e pelos críticos musicais urbanos

durante as duas fases de maior força das pesquisas em música popular brasileira podem ter

servido como base ideológica e metodológica ao engajamento cultural da década de 1960.

Portanto, para os intelectuais dos anos 1960, a cultura popular e a identidade

nacional deveriam estar vinculadas, a fim de não subjazerem às influências estrangeiras e se

tornarem alienadas e alienantes. Segundo Arnaldo Daraya (1998), foi a visão mais à esquerda

criou certas dicotomias na década de 1960 como “jazz versus samba, violão versus guitarra

elétrica, acordes consonantes versus acordes em nona; artesanato versus indústria cultural;

compositor-militante versus artista alienado; música e ‘raízes’ brasileiras versus música norte-

americana”.

Nesse sentido, as obras do historiador José Ramos Tinhorão, Ary Vasconcelos e

Vasco Mariz enriqueceram os debates historiográficos sobre jazz e música popular, de forma

que abandonaram a postura ambígua que foi presente na RMP, para assumir uma postura mais

combatente e taxada de xenófoba por alguns historiadores que tratavam a influência do jazz

para além das questões macroeconômicas e políticas.

165 Cf. biografia completa do grupo musical em: http://www.dicionariompb.com.br/mpb4/dados-artisticos.

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Assim, com uma escrita de teor mais nacionalista José Ramos Tinhorão encabeçou

as vozes mais radicais da crítica musical dos anos 1960, e pelo olhar marxista considerou o jazz

uma ameaça para a música brasileira que deveria ser repudiada. Em quase todas as suas análises

sobre a década de 1950, o crítico acaba reafirmando a noção de “decadência” da música popular

brasileira que havia sido iniciada pela Revista da Música Popular. Além disso, para ele, os idos

dos anos 1950 sinalizaram o começo do que viria a ser a Bossa Nova, a mistura final do samba

com o jazz, significando um verdadeiro “divórcio” com o samba tradicional (TINHORÃO,

1998, p. 310).

Em síntese, a Bossa Nova simbolizava uma ameaça: um samba modernizado

mesclado com um jazz igualmente moderno e mais intimista, o jazz cool. Embora José Ramos

Tinhorão tenha confessado perceber que entre o jazz e o samba havia uma linha evolutiva muito

semelhante na questão histórica, social e antropológica e que por isso mesmo a mistura musical

no início do século XX foi inevitável, o movimento bossanovista extrapolava todos os limites

dessa fricção musical, sendo para ele nada mais que uma música “desnacionalizada”, uma

falsificação. A BN e seus idealizadores foram duramente atacados também pelos contribuintes

da então extinta Revista da Música Popular e, até mesmo por artistas que faziam parte do

movimento como Edu Lobo e Carlos Lyra que compôs a música A influência do Jazz, criticando

as influências do gênero musical no samba.

No entanto, a influência do jazz na música brasileira dos anos 1960 não se fez

notória apenas por meio da Bossa Nova, mas também por intermédio de alguns trios como o

Zimbo Trio e o Tamba Trio, importantes conjuntos instrumentais que acompanharam artistas

famosos como Elis Regina. Segundo a página virtual especializada em jazz E-jazz, o Zimbo

Trio pode ser considerado “o jazz brasileiro moderno”166. A análise da presença dessas bandas

na música popular brasileira nos anos 1960 em meio a esse clima conflituoso e efervescente na

história do Brasil não cabe nos limites deste trabalho, ficando assim, para um estudo posterior.

166 Disponível em: http://www.ejazz.com.br/detalhes-estilos.asp?cd=181.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO 1 – Listas de músicas selecionadas para uma pequena discografia sobre o Jazz

no Brasil (CD-ROM)

Primeiro Bloco: A influência do jazz e as primeiras jazz bands brasileiras

Bandas/interpretes

Música

Ano

Composição

Fernando e Orquestra Jazz

band Sul-americana

Zizinha

1926

José Francisco de

Freitas/Carlos

Bittencourt/Cardoso de

Menezes

Jazz Band Sul-americana

Chá para dois

(Tea for two)

1927

Vicent Youmans

(instrumental)

Trio Irmãos Tapajós

Loura ou morena

1933

Vinícius de Moraes

Trio Irmãos Tapajós

Namorando a Lua

1933

Vinícius de Moraes

Fernando e Orquestra Jazz

Band Sul-americana

Dor de cabeça

1925

Sinhô (José Barbosa da

Silva)

Fernando e Jazz Band Sul-

Americana

Café com Leite

1926

Freire Júnior

American Jazz band Sílvio de

Souza e Abel Teixeira

Navalha

1926

Abel Teixeira

(Instrumental)

Leonel, Simão e Orquestra

Columbia

Cavanhaque

1931

Ary Barroso

Pixinguinha e Os Oito batutas

Carinhoso

1916/1917

Pixinguinha/ João de

Barros

Jazz band Sul americana e

Pedro Celestino

Eu vi Lili

1926

José Francisco de Freitas

Pixinguinha e Donga

Lamentos

1928

Pixinguinha/Donga

Pedro Celestino e American

Jazz band Sílvio de Souza

Ó Rosa

1926

Sinhô

Jazz Band Acadêmica de

Pernambuco

Tenho uma coisa

para lhe dizer

1933

Capiba (poeta)

Orquestra Pan-americana do

Cassino Copacabana

Eterno Enlevo

1926

Zequinha de Abreu

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Jazz band Symphonic Pan-

american

Saudades, saudades

1928

Ernesto Nazareth

Jazz Band Sinfônica Pan-

americana

Sútil

1928

Ernesto Nazareth

Orquestra Pan American do

Cassino Copacabana

Cradle of love

1929

Mabel Wayne

Fernando e Jazz band Sul

American Romeu Silva

Titina

1925

Léo Daniderff

Segundo Bloco: As jazz bands e os grandes cantores da Era do Rádio

Bandas/interpretes

Música

Ano

Composição

Francisco Alves e Orquestra

Parlophon

Eu não posso dar-te amor

(I can’t give you anything but

love)

1929

Dorothy Fields.

Versão: Freire

Júnior

Lamartine Babo

Canção para inglês ver

1931

Lamartine Babo

Francisco Alves com Fon-Fon

e sua Orquestra

Dizem que sou um mau rapaz

1941

Custódio Mesquita

Orlando Silva

Naná

1940

Custódia

Mesquita/Geysa

Boscôli

Francisco Alves

Sempre voando

1927

Júlio Casado

Francisco Alves

That’s you baby (cover)

1929

Con Conrad/

Sidney Mitchell/

Archie Gottle

Bando da Lua

Goody, goody

1938

Matty

Malneck/Johnny

Mercer

Joel e Gaúcho

Boogie Woogie do Rato

1945

Augusto Duarte

Ribeiro

Cyro Monteiro

Boogie Woogie na Favela

1945

Augusto Duarte

Ribeiro

Francisco Alves

Tradução

1933

Francisco Alves

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Sílvio Caldas

Mulher

1940

Custódio Mesquita

Orlando Silva e Orquestra

RCA Victor

Perdão, amor

1941

Lamartine Babo

Orlando Silva e os Oito

Batutas

Carinhoso

1937

João de Barro/Oito

Batutas

Francisco Alves e Aurora

Miranda com Orquestra

Odeon

Você só... Mente

1933

Noel Rosa e Hélio

Rosa

Lamartine Babo e Orquestra

Colúmbia

Maria da Luz

1932

Lamartine Babo

Terceiro Bloco: Jazz e Bossa Nova

Interprete

Música

Ano

Composição

Dick Farney

Copacabana

1946

Dick Farney

Dick Farney

Outra vez

1954

Tom Jobim

Os Cariocas

Pra que chorar

1963

Baden Powell/Vinícius de

Moraes

Johnny Alf

Escuta

1952

Johnny Alf

Tito Maldi

Sonho de saudade

1961

Tito Maldi

Laurindo de Almeida e The

Modern Jazz Quartet

(Instrumental)

1964

(Instrumental)

Carlos Lyra

A influência do Jazz

1962

Carlos Lyra

Johnny Alf

O que é amar

1960

Johnny Alf

Dolores Duran

How high the moon

1958/1959

Nancy Hamilton/Morgan

Lewis

Os cariocas

Criticando

1959

Carlos Lyra

Dolores Duran

Makin’ Whoopee

1958/1959 Walter Donaldson

João Gilberto e Stan Getz

Doralice

1963

Dorival Caymmi/Antônio

Almeida

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João Gilberto e Stan Getz

Desafinado

1963

Tom Jobim/Newton

Mendonça

João Gilberto, Astrud Gilberto,

Stan Getz

Corcovado (Quiet

nights of quiet stars)

1963

Tom Jobim

FONTES: Coleção Revista da Música Popular - Rio de Janeiro. Funarte: Bem-Te-Vi

Produções Literárias, 2006. 775p.: il. Edição fac-similada da coleção completa da Revista da

Música Popular, editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes, de 1954 a 1956 (14 números).