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Antologia Poética 1 Antologia Poética Carlos Drummond de Andrade Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Mário Quintana e Paulo Mendes Campos Getúlio Vargas assina ato como presidente Cidade de Itabira, Minas Gerais, na década de 1930 Características do autor Análise de obra literária Contexto histórico Presente já no primeiro tempo do Modernismo brasileiro, foi no segundo que Carlos Drummond de Andrade (1902—1987) adquiriu maturidade e destaque. Sua vasta poesia atravessou diferentes fases. Para a literatura bra- sileira seu verdadeiro lugar é a geração de 30, mais profundamente marcada em sua produção. Período da Segunda Guerra no cenário internacional, e no Brasil, do Estado Novo, com a ditadura de Getú- lio e suas conseqüências; miséria, seca e abandono do interior brasileiro. A intelectualidade voltou-se para o social, nos romances, na pintura e na poesia. Preocupação com o homem, seus valores e angústias. Na forma, nada dos arroubos dos primeiros modernistas; ousar significava buscar formas bem-elaboradas dentro da sim- plicidade e do espírito reformista. A ordem era construir. Se existia ainda um lado debochado, ele se voltou para o próprio eu, numa análise intimista, que em alguns poetas até se manifestou em misticismo. A abordagem de obra poética, em especial uma anto- logia, deve ser diferente daquela feita na obra em prosa. Há muito o que explorar: poemas antológicos, temas peculi- ares no decorrer da carreira, traços estilísticos pessoais. ESTILO Apesar da constante evolução e adaptação às no- vas tendências, é possível traçar algumas linhas percep- tíveis na obra de Drummond. Linguagem seca, direta, precisa; poesia artesanal, trabalhada, elaborada e não fruto apenas de inspiração momentânea. Linguagem reduzida ao essencial ; poemas isen- tos de sentimentalismo ou expressões enfáticas, adjetivação ou figuras em excesso. Predomínio dos versos livres (sem rima ou métrica). Valorização de aspectos sonoros e visuais, prin- cipalmente com o movimento concretista. Humor e poemas-piada, em especial no princípio da carreira Acentuada ironia. Antilirismo intencional ; alma sensível às dores do mundo, vestiu carapaça de “durão”, parecendo superar os sentimentos.

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AntologiaPoética

Carlos Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira,Mário Quintana e Paulo Mendes Campos

Getúlio Vargas assina ato comopresidente

Cidade de Itabira, Minas Gerais,na década de 1930

Características do autor

Análise de obra literáriaContexto histórico

Presente já no primeiro tempo do Modernismo brasileiro, foi no segundo que Carlos Drummond de Andrade(1902—1987) adquiriu maturidade e destaque. Sua vasta poesia atravessou diferentes fases. Para a literatura bra-sileira seu verdadeiro lugar é a geração de 30, mais profundamente marcada em sua produção.

Período da Segunda Guerra no cenário internacional, e no Brasil, do Estado Novo, com a ditadura de Getú-lio e suas conseqüências; miséria, seca e abandono do interior brasileiro. A intelectualidade voltou-se para osocial, nos romances, na pintura e na poesia. Preocupação com o homem, seus valores e angústias. Na forma,nada dos arroubos dos primeiros modernistas; ousar significava buscar formas bem-elaboradas dentro da sim-plicidade e do espírito reformista. A ordem era construir. Se existia ainda um lado debochado, ele se voltoupara o próprio eu, numa análise intimista, que em alguns poetas até se manifestou em misticismo.

A abordagem de obra poética, em especial uma anto-logia, deve ser diferente daquela feita na obra em prosa.Há muito o que explorar: poemas antológicos, temas peculi-ares no decorrer da carreira, traços estilísticos pessoais.

ESTILOApesar da constante evolução e adaptação às no-

vas tendências, é possível traçar algumas linhas percep-tíveis na obra de Drummond.

Linguagem seca, direta, precisa; poesia artesanal,trabalhada, elaborada e não fruto apenas de inspiraçãomomentânea.

Linguagem reduzida ao essencial; poemas isen-tos de sentimental ismo ou expressões enfát icas,adjetivação ou figuras em excesso.

Predomínio dos versos livres (sem rima ou métrica).Valorização de aspectos sonoros e visuais, prin-

cipalmente com o movimento concretista.Humor e poemas-piada, em especial no princípio

da carreiraAcentuada ironia.Antilirismo intencional; alma sensível às dores do

mundo, vestiu carapaça de “durão”, parecendo superaros sentimentos.

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Análise da obraAntologia Poética foi publicada

em 1962, organizada pelo próprioautor, na época avesso ao públicoe a entrevistas. Prefácio em tom dedesabafo, porque fala de si , daincompreensão da sua arte no iní-cio da carreira, do reconhecimentointernacional e do Brasil, de formaaté exagerada, segundo o próprioautor.

PARTES DA OBRAUm Eu TUm Eu TUm Eu TUm Eu TUm Eu Todo Retorcidoodo Retorcidoodo Retorcidoodo Retorcidoodo Retorcido

Poemas em que predominam osquestionamentos existenciais, a ten-tativa de compreender-se, o pessi-mismo. Destacam-se aí: Poema deSete Faces, Soneto da Perdida Es-perança e José.

Uma PUma PUma PUma PUma Prrrrrovíncia: Estaovíncia: Estaovíncia: Estaovíncia: Estaovíncia: EstaReúne poemas telúricos. São

principalmente cidades mineiras oua evocação do Estado natal. Há doispoemas bem-conhecidos do grandepúblico: Confidência de Itabirano eCidadezinha Qualquer.

A FA FA FA FA Família Que Me Deiamília Que Me Deiamília Que Me Deiamília Que Me Deiamília Que Me DeiContém evocações familiares da

infância do poeta: a figura marcantedo pai, de parentes e do único filho,morto ao nascer. Destacam-se os po-emas: Infância e A Luís Maurício, In-fante.

Cantar de AmigosCantar de AmigosCantar de AmigosCantar de AmigosCantar de AmigosReúne poemas de exaltação a

amigos, ídolos nacionais ou interna-cionais. Entre outros, Mário deAndrade Desce aos Infernos e Cantoao Homem do Povo Charlie Chaplin.

Amar — AmarAmar — AmarAmar — AmarAmar — AmarAmar — AmaroooooUma das partes mais líricas da

Antologia. Com certeza, “amaro” é oamargo, o pessimismo, a dor de seamar o mundo, sentir suas dores,querer entendê-lo, consertá-lo e nadapoder fazer... O sofrimento do poetaidentifica-se com a dor do mundo eele assume compromissos; poesia deforte conotação social. Destacam-senela os poemas: Sentimento do Mun-do, Mãos Dadas, Morte do Leiteiro eOs Ombros Suportam o Mundo.

Uma, Duas ArgolinhasUma, Duas ArgolinhasUma, Duas ArgolinhasUma, Duas ArgolinhasUma, Duas ArgolinhasVisão amorosa do poeta; alusão

às argolinhas tem conotação saudo-sista do jogo popular de Minas, em querapazes se exibem às moças; alusãoàs alianças; traços irônicos, debochesobre as variações e incertezas doamor, sentimento em que ele parecenão acreditar muito. Poemas de des-taque: Quadrilha e Não Se Mate.

PPPPPoesia Contempladaoesia Contempladaoesia Contempladaoesia Contempladaoesia ContempladaConforme o subtítulo, o tema é a

própria poesia. O poeta analisa o atode escrever, a função da poesia. É o

TEMASDesenvolveu diversos temas, definidos por ele pró-

prio no lançamento de sua Antologia Poética.

AutobiografiaInfância, famíl ia, lembranças do passado, sua

Itabira de Minas Gerais, fatos marcantes em suaexistência.

Questionamento existencialPoemas que versam sobre as angústias do poeta ou

do homem; tentativa de entender o mundo, integrar-se nele.

Sentimento do mundoConotação social, fator marcante do segundo tempo,

por ele vivido com intensidade.

MetapoesiaIndagações sobre a função da poesia e de como fazê-la.

Interpretação do mundoVisão pessimista, desencantada do mundo, cuja vida

e habitantes não prestam; falta de sentido para a exis-tência cuja rotina corrói.

Retratação da realidadeRetrato da realidade brasileira, de diferentes épocas,

tal seu compromisso com o presente.

TempoSeja o tempo presente e o compromisso de não afas-

tar-se dele, ou o passado que o persegue; o tempo éminha matéria, disse o poeta.

que a crítica denomina de metapoesia.Destacam-se: O Lutador e Procura daPoesia.

Na PNa PNa PNa PNa Praça dos Convitesraça dos Convitesraça dos Convitesraça dos Convitesraça dos ConvitesPoucos poemas, sem maiores

explicações.

TTTTTentativa de Exploração e deentativa de Exploração e deentativa de Exploração e deentativa de Exploração e deentativa de Exploração e deInterpretação do EstarInterpretação do EstarInterpretação do EstarInterpretação do EstarInterpretação do Estar-no-no-no-no-no-Mundo-Mundo-Mundo-Mundo-Mundo

Miscelânea de poemas, alguns bem-conhecidos, de diferentes fases, compredomínio, também, do questionamentosocial e existencial. Estão os famosostítulos: No Meio do Caminho (1928),Ingaia Ciência e Resíduo.

SuplementoSuplementoSuplementoSuplementoSuplementoQuinze poemas variados acres-

cidos às primeiras edições.

ROTEIROAnalisar uma obra poética é pen-

sar os poemas, é procurar informa-ções além da superfície.

Qual o assunto ou tema dominan-te? Qual a mensagem, a provávelintensão do poeta? Quais caracterís-ticas do poeta aparecem no poema?Qual a forma empregada no poema?Segue alguma forma fixa? (soneto,haikai). Possui rima? Há métrica (nú-mero de sílabas) homogênea? As es-trofes são regulares ou livres? Exis-tem recursos sonoros ou visuais?Explora alguma figura de estilo?

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Analise o poema.

Poema de sete facesQuando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homensque correm atrás de mulheres.A tarde talvez fosse azul,não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:pernas brancas pretas amarelas.Para que tanta perna, meu Deus, pergunta

meu coração.Porém meus olhosnão perguntam nada.

O homem atrás do bigodeé sério, simples e forte.Quase não conversa.Tem poucos, raros amigoso homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonastese sabias que eu não era Deus,se sabias que era fraco.

Mundo mundo vasto mundose eu me chamasse Raimundoseria uma rima, não seria uma solução.Mundo mundo vasto mundo,mais vasto é meu coração.

TEXTO ILUSTRATIVO José

E agora, José?A festa acabou,a luz apagou,o povo sumiu,a noite esfriou,e agora, José?e agora, você?que zomba dos outros,você que faz versos,que ama, protesta?e agora, José?

Está sem mulher,está sem discurso,está sem carinho,já não pode beber,já não pode fumar,cuspir já não pode,a noite esfriou,o dia não veio,

o bonde não veio,o riso não veionão veio a utopiae tudo acaboue tudo fugiutudo mofou, e agora, José?

E agora, José?Sua doce palavra,seu instante de febre,sua gula e jejum,sua biblioteca,sua lavra de ouro,seu terno de vidro,sua incoerência,seu ódio — e agora?

Com a chave na mãoquer abrir a porta,não existe porta;quer morrer no mar,mas o mar secou;

quer ir para Minas,Minas não há mais.José, e agora?

Se você gritasse,se você gemesse,se você tocassea valsa vienensese você dormisse,se você cansasse,se você morresseMas você não morre,você é duro, José!

Sozinho no escuroqual bicho-do-mato,sem teogonia,sem parede nuapara se encostar,sem cavalo pretoque fuja a galope,você murcha, José!José, para onde?

Eu não devia te dizermas essa luamas esse conhaquebotam a gente comovido como o diabo.

a) Qual o assunto do poema?

b) Que característica(s) do poeta é(são) visível(is)no poema?

c) Como se prova isso no texto?

d) Que características formais podem ser levanta-das do poema?

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1. (UFPR) Da melhor poesia, alguns versos se tor-naram tão populares que chegam a ser lembrados em situa-ções cotidianas. Dos citados a seguir, considere os de CarlosDrummond de Andrade.

01) Mundo mundo vasto mundo...02) Vou-me embora pra Pasárgada.04) E agora, José?08) Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça...16) Lutar com palavras é a luta mais vã...

2. Com base em Antologia Poética de Carlos Drummond deAndrade, é correto afirmar:

01) Contém poemas exclusivamente lírico-confessionais decunho autobiográfico.

02) Prevalece a análise do mundo exterior, com raríssimasreferências ao próprio poeta.

04) Representa momentos diferentes da produção poéticado autor, contendo poemas que lembram o primeiro e osegundo tempos do Modernismo, principalmente.

08) A maneira livre de construir os poemas demonstra adespreocupação do autor com a forma, característicaherdada da primeira fase do Modernismo.

16) Grande parte dos poemas manifesta a dificuldade doser, do indivíduo, do poeta em integrar-se no mundo,originando o desânimo e a desesperança.

32) Períodos longos em poemas longos podem ser acu-sados de prolixidade, um dos poucos defeitos dessegrande poeta.

3. Assinale apenas as afirmações verdadeiras sobre o poetaCarlos Drummond de Andrade e sua Antologia Poética.

01) Apesar da preferência pelos versos livres, o poeta possuiprofunda preocupação formal, apresentando uma poesiaartesanal.

02) É muito comum o poeta ironizar sentimentos ou situa-ções do cotidiano, como o faz com as tragédias senti-mentais de jovens amantes em Não Se Mate.

04) Decididamente o poeta não crê no amor e nos senti-mentos, pregando uma atitude de frieza absoluta comoo estado de perfeição humana, de depuração, com-provado pelo poema Os Ombros Suportam o Mundo.

08) Apesar da carreira longa de poeta, Carlos Drummondpermaneceu fiel ao estilo de suas primeiras poesias,desprezando as posteriores revoluções, como o con-cretismo dentro da poesia.

16) Em nenhum momento da antologia o poeta questiona opapel da poesia, como fizeram tantos outros, pois elesabe qual é e espera que seu leitor também o saiba.

32) Preocupado em externar sentimentos, a realidade circun-dante é esquecida pelo poeta, que a ela não se refere.

64) Poeta de muitos amigos, a muitos deles Carlos Drum-mond dedicou poemas, o que se pode ver em Cantarde Amigos, parte da Antologia Poética.

4. Com base no Poema Patético, assinale apenas as afirma-ções verdadeiras sobre o autor e sua obra.

Poema patéticoQue barulho é esse na escada?É o amor que está acabando,é o homem que fechou a portae se enforcou na cortina.

Que barulho é esse na escada?É Guiomar que tapou os olhose se assoou com estrondo.É a lua imóvel sobre os pratose os metais que brilham na copa.

Que barulho é esse na escada?É a torneira pingando água,é o lamento imperceptívelde alguém que perdeu no jogoenquanto a banda de músicavai baixando, baixando de tom.

Que barulho é esse na escada?É a virgem com um trombone,a criança com um tambor,o bispo com uma campainhae alguém abafando o rumorque salta de meu coração.

01) O poema nada tem da realidade do cotidiano daspessoas.

02) Percorre o poema uma profunda sensação de pessi-mismo.

04) Das ações descritas tudo parece concorrer à supres-são dos sentimentos.

08) O poema poderia ser classificado como lírico-confes-sional.

16) O poeta mescla lembranças difusas com a necessida-de presente de comunicar-se.

32) O autor, apesar de empregar versos livres, explora traçosda poesia tradicional, como a repetição de um verso ea organização em estrofes livres.

64) O poeta está narrando cenas reais, que se passamdiante dos seus olhos e que associa à confusão deseus sentimentos.

Referência bibliográficaReferência bibliográficaReferência bibliográficaReferência bibliográficaReferência bibliográficaANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 27 ed. Rio de Janeiro:Record, 1962.

1. 21 (01+04+16) 2. 20 (04+16) 3. 67 (01+02+64)

Análise de obra literária — Antologia Poética — Carlos Drummond de Andrade4. 62 (02+04+08+16+32)

e) O poeta se vale de algum recurso estilístico? f) Comente os aspectos sintáticos do poema.