antologia de haicais clássicos

35
Antologia de Haicais Clássicos Ordenados à maneira tradicional, por estação, traduzidos para o português e antecedidos do original transliterado para o alfabeto latino, de acordo com o sistema Hepburn. O QUE É HAICAI Haicai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta com muitos praticantes e estudiosos brasileiros. No Japão, e na maioria dos países do mundo , é conhecido como haiku . Segundo Harold G. Henderson, em Haiku in English, o haicai clássico japonês obedece a quatro regras: Consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas Contém alguma referência à natureza (diferente danatureza humana ) Refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização) Apresenta tal evento como "acontecendo agora", e não no passado. No transplante do haicai para outros países, algumas das regras anteriores são seguidas com maior ou menor fidelidade, enquanto outras podem ser mesmo ignoradas, dependendo de cada poeta ou da escola seguida. Nestas páginas, tentaremos definir o haicai escrito em português, especialmente a partir do ponto de vista do Grêmio Haicai Ipê , grupo que se reúne desde 1987 para estudar e praticar esta forma poética. Sobre a Antologia As traduções desta antologia foram feitas por Edson Kenji Iura para a coluna "Um Mestre Japonês" da página "Haicai Brasileiro" do Jornal Nippo-Brasil (São Paulo), e publicadas entre os anos de 1999 e 2003. Os haicais originais foram extraídos de diversas fontes, dentre as quais destacamos: Blyth, R.H. Haiku. Tóquio, Hokuseido. Blyth, R.H. A history of haiku. Tóquio, Hokuseido. Franchetti, P. Haikai, antologia e história. Campinas, Unicamp. Maruyama, K. Issa haiku-shû. Tóquio, Iwanami. Matsuo, Y. Haiku jiten kanshô. Tóquio, Ôfûsha. Mizuhara, S. e outros (ed). Nihon dai-saijiki. Tóquio, Kodansha. Nakamura, S. Bashô haiku-shû. Tóquio, Iwanami. Ogata, T. Buson haiku-shû. Tóquio, Iwanami. Yamamoto, K. Bashô sanbyaku-ku. Tóquio, Kawade. A edição desta antologia para a web foi preparada pela equipe do Caqui . Sugerimos que, ao reproduzir qualquer uma das versões aqui constantes, seja incluído um link para o Caqui:http://www.kakinet.com .

Upload: artista-plastico-arquiteto-urbanista-e-educador

Post on 05-Jul-2015

264 views

Category:

Education


12 download

DESCRIPTION

Os poetas desta Antologia Bashô (1644-1694) Bonchô (?-1714) Buson (1715-1783) Chiyo-jo (1701-1775) Chora (1729-1781) Gyôdai (1732-1793) Ishû (1606-1680) Issa (1763-1827) Jôsô (1662-1704) Kijô (1867-1938) Kikaku (1660-1707) Kitô (1740-1789) Kyokusui (?-1717) Kyoroku (1656-1715) Kyoshi (1874-1959) Hokushi (?-1718) Onitsura (1660-1707) Raizan (1653-1716) Rankô (1726-1798) Ransetsu (1654-1707) Roseki (1872-1919) Ryôkan (1756-1851) Ryûshi (?-1681) Ryôta (1718-1787 Sazanami (1870-1933) Senna (1650-1723) Shiki (1866-1902) Shirao (1735-1792) Shô-u (1859-1943) Sono-jo (1649-1723) Sora (1649-1710) Sôseki (1865-1915) Taigi (1709-1772) Yaha (1662

TRANSCRIPT

Page 1: Antologia de haicais clássicos

Antologia de Haicais Clássicos

Ordenados à maneira tradicional, por estação, traduzidos

para o português e antecedidos do original transliterado para o alfabeto latino, de acordo com o sistema Hepburn.

O QUE É HAICAI

Haicai é um poema de origem japonesa, que chegou ao Brasil no início do século 20 e hoje conta

com muitos praticantes e estudiosos brasileiros. No Japão, e na maioria dos países do mundo, é

conhecido como haiku.

Segundo Harold G. Henderson, em Haiku in English, o haicai clássico japonês obedece a quatro regras:

Consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas

Contém alguma referência à natureza (diferente danatureza humana)

Refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização)

Apresenta tal evento como "acontecendo agora", e não no passado.

No transplante do haicai para outros países, algumas das regras anteriores são seguidas com maior ou

menor fidelidade, enquanto outras podem ser mesmo ignoradas, dependendo de cada poeta ou da

escola seguida. Nestas páginas, tentaremos definir o haicai escrito em português, especialmente a

partir do ponto de vista do Grêmio Haicai Ipê, grupo que se reúne desde 1987 para estudar e praticar

esta forma poética.

Sobre a Antologia

As traduções desta antologia foram feitas por Edson Kenji Iura para a coluna "Um

Mestre Japonês" da página "Haicai Brasileiro" do Jornal Nippo-Brasil (São Paulo), e

publicadas entre os anos de 1999 e 2003. Os haicais originais foram extraídos de

diversas fontes, dentre as quais destacamos:

Blyth, R.H. Haiku. Tóquio, Hokuseido.

Blyth, R.H. A history of haiku. Tóquio, Hokuseido.

Franchetti, P. Haikai, antologia e história. Campinas, Unicamp.

Maruyama, K. Issa haiku-shû. Tóquio, Iwanami.

Matsuo, Y. Haiku jiten kanshô. Tóquio, Ôfûsha.

Mizuhara, S. e outros (ed). Nihon dai-saijiki. Tóquio, Kodansha.

Nakamura, S. Bashô haiku-shû. Tóquio, Iwanami.

Ogata, T. Buson haiku-shû. Tóquio, Iwanami.

Yamamoto, K. Bashô sanbyaku-ku. Tóquio, Kawade.

A edição desta antologia para a web foi preparada pela equipe do Caqui.

Sugerimos que, ao reproduzir qualquer uma das versões aqui constantes, seja

incluído um link para o Caqui:http://www.kakinet.com.

Page 2: Antologia de haicais clássicos

Ano Novo Primavera Verão Outono Inverno

Sobre a Antologia: Fontes e créditos.

O que é Haicai: Conceitos básicos e bibliografia.

Os poetas desta Antologia

Bashô (1644-1694)

Bonchô (?-1714)

Buson (1715-1783)

Chiyo-jo (1701-1775)

Chora (1729-1781)

Gyôdai (1732-1793)

Ishû (1606-1680)

Issa (1763-1827)

Jôsô (1662-1704)

Kijô (1867-1938)

Kikaku (1660-1707)

Kitô (1740-1789)

Kyokusui (?-1717)

Kyoroku (1656-1715)

Kyoshi (1874-1959)

Hokushi (?-1718)

Onitsura (1660-1707)

Raizan (1653-1716)

Rankô (1726-1798)

Ransetsu (1654-1707)

Roseki (1872-1919)

Ryôkan (1756-1851)

Ryûshi (?-1681)

Ryôta (1718-1787

Sazanami (1870-1933)

Senna (1650-1723)

Shiki (1866-1902)

Shirao (1735-1792)

Shô-u (1859-1943)

Sono-jo (1649-1723)

Sora (1649-1710)

Sôseki (1865-1915)

Taigi (1709-1772)

Yaha (1662

Page 3: Antologia de haicais clássicos

Shin-nen

Ano Novo

kozo kotoshi tsuranuku bô no gotoki mono

O ano velho e o ano novo,

Como se houvesse um bastão

A trespassá-los.

Kyoshi

ganjitsu mo betsujô no naki kuzuya kana

Primeiro dia do ano:

Meu barraco,

O mesmo de sempre.

Issa

hatsu yume ya himete katarazu hitori emu

Primeiro sonho do ano —

Sem contar a ninguém

Sorrio em silêncio.

Shô-u

toshidama ya futokoro no ko mo tete o shite

Presentes de Ano Novo —

Até o bebê de colo

Estende as mãozinhas!

Issa

Page 4: Antologia de haicais clássicos

Haru

Primavera

yomibito o shirazaru haru no shûka kana

É anônimo o autor

Deste esplêndido poema

Sobre a primavera.

Shiki

haru no hi ya niwa ni suzume no suna abite

Dia de primavera —

Os pardais no jardim

Tomam banho de areia.

Onitsura

nodokasa no hitori yuki hitori omoshiroki

A tranqüilidade

De andar sozinho,

Divertir-se sozinho.

Shiki

nodokasa ya kakima wo nozoku yama no sô

Tranqüilidade —

O monge da montanha

Espia através da cerca.

Issa

Page 5: Antologia de haicais clássicos

mada nagô naru hi ni haru no kagiri kana

Outro longo dia,

E a primavera

Vai chegando ao fim!

Buson

osoki hi no tsumorite tôki mukashi kana

Dias que se alongam —

Cada vez mais distantes

Os tempos de outrora!

Buson

yuku haru ya tori naki uo no me wa namida

Vai-se a primavera!

Lágrimas no olho do peixe.

Choram as aves.

Bashô

Page 6: Antologia de haicais clássicos

Natsu

Verão

ôta ko ni kami naburaruru atsusa kana

A criança às costas

Brincando com meu cabelo —

Que calor!

Sono-jo

hashii shite saishi o sakuru atsusa kana

Saio na varanda

Para fugir da mulher e filhos.

Que calor!

Buson

otoko bakari no naka ni onna no atsusa kana

Apenas homens,

E uma mulher entre eles.

Que calor!

Shiki

kumo no mine mizu naki kawa o watari keri

Cúmulos-nimbos

Atravessando os céus

Sobre o rio sem água.

Shiki

Page 7: Antologia de haicais clássicos

samidare o atsumete hayashi mogamigawa

Recolhendo toda

A chuva do mês de maio

Corre o rio Mogami.

Bashô

yûdachi ya kusaba o tsukamu murasuzume

Um aguaceiro —

Os pardais da aldeia

Se agarram ao capim.

Buson

yûdachi ni utaruru koi no atama kana

Chuva de verão.

Os pingos batem

Nas cabeças das carpas.

Shiki

junrei no bô bakari yuku natsuno kana

Apenas

Os bastões dos peregrinos —

Campo de verão.

Ishû

natsukawa o kosu ureshisa yo te ni zôri

O rio de verão —

Que alegria atravessá-lo

De sandálias à mão.

Buson

Page 8: Antologia de haicais clássicos

hiya-hiya to kabe o fumaete hirune kana

Refresca um pouco

Pôr os pés na parede

durante a sesta.

Bashô

hirune shite te no ugoki yamu uchiwa kana

Ao fazer a sesta,

A mão que segura o leque

Pára de se mexer ...

Taigi

me ni ureshi koigimi no ôgi masshiro naru

Que coisa linda,

Agitando o leque branco,

É o meu amor.

Buson

hito kitara kawazu to nare yo hiyashi uri

Oh, melões frescos,

Se alguém aparecer,

Transformem-se em rãs!

Issa

Page 9: Antologia de haicais clássicos

kyô nite mo kyô natsukashi ya hototogisu

Mesmo em Quioto,

Saudade de Quioto —

O canto do cuco ...

Bashô

chôchin no shidai ni tôshi hototogisu

Se afasta a lanterna

Sumindo na escuridão —

O canto do cuco.

Shiki

hototogisu naki naki tobu zo isogashiki

Olhe para o cuco

Que só canta, canta e voa —

Que vida ocupada!

Bashô

uguisu no naku ya chiisaki kuchi aite

O canto do rouxinol

E seu biquinho —

Aberto.

Buson

tobu ayu no soko ni kumo yuku nagare kana

Salta uma truta —

Movem-se as nuvens

No fundo do rio.

Onitsura

Page 10: Antologia de haicais clássicos

te no uchi ni hotaru tsumetaki hikari kana

Na palma da mão,

Um vagalume —

Sua luz é fria!

Shiki

shizukasa ya iwa ni shimiiru semi no koe

Quietude —

O canto das cigarras

Penetra nas rochas.

Bashô

yagate shinu keshiki wa miezu semi no koe

Nada indica

Que ela vá morrer —

Canta a cigarra.

Bashô

asakaze no ke o fukimiyuru kemushi kana

Veja o vento matinal

Soprando os pêlos

Da taturana!

Buson

Page 11: Antologia de haicais clássicos

ashimoto e itsu kitarishi yo katatsumuri

Quando é que você veio

Para junto de meus pés,

Oh, caramujo?

Issa

katatsumuri soro soro nobore fuji no yama

Caramujo,

Suba sem pressa

O Monte Fuji!

Issa

hae utsu ni hana saku kusa mo utarekeri

Ao matar a mosca

A erva que tem flores

Tambem esmagada.

Issa

waga yado wa kuchi de fuite mo deru ka kana

Em minha cabana

É só assobiar

Que vêm os mosquitos!

Issa

nomi no ato kazoenagara ni soeji kana

a mâe conta

enquanto dá de mamar

as picadas de pulga.

Issa

Page 12: Antologia de haicais clássicos

nomi domo mo yonaga darô zo sabishikaro

Também para as pulgas

A noite deve ser longa

E solitária.

Issa

rôsoku ni shizumarikaeru botan kana

Assim como a vela,

Mergulhada no silêncio,

A peônia

Kyoroku

ara tôto aoba wakaba no hi no hikari

Quão glorioso,

Nas folhas verdes, folhas tenras,

O brilho do sol!

Bashô

yamabata o kosame hareyuku wakaba kana

Entre a roça e a montanha,

A chuvinha vai parando ...

A folhagem nova!

Buson

Page 13: Antologia de haicais clássicos

hirugane ya waka take soyogu yama zutai

Sinos da tarde —

Na passagem da montanha

Tremula o bambu novo.

Jôsô

hasu no hana saku ya sabishiki teishajô

A solidão

De uma estação de trem —

Flores de lótus.

Shiki

keshi saite sono hi no kaze ni chiri ni keri

Abriu-se a papoula

E ao vento do mesmo dia

Ela veio ao chão.

Shiki

natsugusa ya tsuwamonodomo ga yume no ato

tudo o que restou

dos sonhos dos guerreiros —

Capim de verão

Bashô

Page 14: Antologia de haicais clássicos

ki

Outono

mono okeba soko ni umarenu aki no kage

Em qualquer lugar

Onde se deixem as coisas,

As sombras do outono.

Kyoshi

kesa aki ya miiru kagami ni oya no kao

Ao mirar o espelho,

Na primeira manhã de outono,

O rosto do pai.

Kijô

kono aki wa nan de toshiyoru kumo ni tori

Neste outono,

Como estou ficando velho!

Pássaros nas nuvens.

Bashô

yuku aki no kusa ni kakururu nagare kana

O pequeno córrego

Se esconde sob o capim —

O outono fenece.

Shirao

Page 15: Antologia de haicais clássicos

meshidoki ya toguchi ni aki no irihi kage

Hora do almoço.

Pela porta, com os raios de sol,

As sombras do outono.

Chora

kare-eda ni karasu no tomare keri aki no kure

Num galho seco,

Um corvo pousado.

Tarde de outono.

Bashô

kono michi ya yuku hito nashi ni aki no kure

Por este caminho,

Ninguém mais passa —

Tarde de outono.

Bashô

chichi haha no koto nomi omou aki no kure

Penso apenas

Em meu pai e minha mãe —

Tarde de outono.

Buson

Page 16: Antologia de haicais clássicos

meigetsu ya ittemo ittemo yoso no sora

Lua cheia!

Por mais que caminhe,

O céu é de outro lugar.

Chiyo-jo

meigetsu wo totte kurero to naku ko kana

Lua cheia.

Me dá, me dá!

Chora a criança.

Issa

meigetsu ya ike o megurite yo mo sugara

Ah, lua de outono —

Andando em volta do lago

Passei toda a noite.

Bashô

meigetsu ya za ni utsukushiki kao mo nashi

Ah, lua cheia!

Nem mesmo um rosto bonito

Entre os presentes...

Bashô

zendera no mon o izureba hoshizukiyo

Ao deixar o portão

Do templo zen,

Uma noite estrelada!

Shiki

Page 17: Antologia de haicais clássicos

araumi ya sado ni yokotau ama no gawa

Mar agitado —

Estende-se até a ilha de Sado

A Via-láctea.

Bashô

sabishisa ya hanabi no ato no hoshi no tobu

Solidão.

Após a queima de fogos,

Uma estrela cadente.

Shiki

aka aka to hi wa tsurenaku mo aki no kaze

Apesar do sol

Ardendo sem compaixão,

O vento de outono.

Bashô

sabishisa ni meshi o kû nari aki no kaze

Em solidão,

Como minha comida —

Vento de outono.

Issa

Page 18: Antologia de haicais clássicos

uma no o ni busshô ari ya aki no kaze

No rabo do cavalo

Também há natureza búdica?

Vento de outono.

Shiki

inazuma ni satoranu hito no toutosa yo

Venerável

É quem não se ilumina

Ao ver o relâmpago!

Bashô

inazuma ya kinô wa higashi kyô wa nishi

Trovão —

Ontem a leste,

Hoje a oeste.

Kikaku

shiratsuyu ni jôdo mairi no keiko kana

No orvalho branco

Encontrarás o caminho

da Terra Pura!

Issa

mono no oto hitori taururu kakashi kana

Algo faz barulho —

Cai sozinho, sem ajuda,

O espantalho.

Bonchô

Page 19: Antologia de haicais clássicos

kakashi kara kakashi e wataru suzume kana

De espantalho

Para espantalho,

Voam os pardais.

Sazanami

yo no naka wa ine karu koro ka kusa no io

Minha casa de sapê —

Será tempo de colheita

No mundo lá fora?

Bashô

waga koe no kaze ni nari keri kinokogari

Minha voz

Torna-se vento —

Coleta de cogumelos.

Shiki

tanabata no uta kaku hito ni yorisoinu

A moça rodeia

O poeta que escreve versos —

Festival das Estrelas.

Kyoshi

furu-inu ya saki ni tatsu nari haka-mairi

O velho cão,

Na visita ao cemitério,

Segue à frente.

Issa

Page 20: Antologia de haicais clássicos

kari yo kari ikutsu no toshi kara tabi o shita

Oh gansos selvagens!

Desde que tempo

Tendes viajado?

Issa

kitsutsuki no hashira o tataku sumai kana

Ah, esta casa —

Pica-paus vêm bicar

Sua madeira.

Bashô

tombô ya toritsuki kaneshi kusa no ue

A libélula,

Sem conseguir se agarrar

A uma folha de capim.

Bashô

yuku mizu ni ono ga kage ou tombo kana

Sobre o curso d'água,

Perseguindo sua sombra,

Desliza a libélula.

Chiyo-jo

Page 21: Antologia de haicais clássicos

waga kage no kabe ni shimu yo ya kirigirisu

De noite minha sombra

Embebe-se na parede —

O grilo cricrila

Ryôta

io no yo ya tana sagashi suru kirigirisu

Noite na cabana —

Um grilo na prateleira

Procura por algo.

Issa

muzan ya na kabuto no shita no kirigirisu

Que tocante!

Debaixo da armadura

Sai um grilo.

Bashô

tombô ya mura natsukashiki kabe no iro

Libélulas!

Dá saudades da terra natal

A cor deste muro.

Buson

michinobe no mukuge wa uma ni kuwarekeri

A flor

Da beira da estrada

Foi comida pelo cavalo.

Bashô

Page 22: Antologia de haicais clássicos

kaki kueba kane ga naru nari hôryûji

Ao comer caqui

Ouve-se um sino tocar —

Templo Hôryûji.

Shiki

banshô ya tera no jukushi no otsuru oto

Sinos do anoitecer —

O barulho de um caqui maduro

Caindo no templo.

Shiki

yama kurete momiji no ake o ubaikeri

O morro escurece

E das folhas do bordo

O escarlate rouba...

Buson

yanagi chiri nakuzu nagaruru ogawa kana

O salgueiro se desfolha.

Restos de verduras

Descendo o regato.

Shiki

asagao no chi o haiwataru akiya kana

As campânulas

Se espalham pelo terreno —

Casa abandonada.

Shiki

Page 23: Antologia de haicais clássicos

Fuyu

Inverno

hatsu-fuyu ya futatsu-go ni hashi torasekeru

Início de inverno —

Minha filha de dois anos

Ensino a usar "hashi"

Gyôdai

toshi kurenu kasa kite waraji hakinagara

O ano chega ao fim —

Capa de chuva nas costas

E sandálias nos pés.

Bashô

sore-zore no hoshi arawaruru samusa kana

Estrelas, surgindo

Aqui e acolá —

Ah, o frio!

Taigi

hito-goe no yahan o suguru samusa kana

No meio da noite,

A voz das pessoas que passam —

Que frio!

Yaha

Page 24: Antologia de haicais clássicos

kumo korosu ato no sabishiki yosamu kana

A solidão

Após matar uma aranha —

Noite fria.

Shiki

atataka ni fuyu no hinata no samusa kana

Aconchegantes,

Os raios do sol de inverno —

Mas que frio!

Onitsura

sara o fumu nezumi no oto no samusa kana

O som de um rato

Andando sobre o prato —

Que frio!

Buson

mikazuki wa soru zo samusa wa saekaeru

A lua crescente

Está arqueada —

Que frio cortante!

Issa

Page 25: Antologia de haicais clássicos

fuyuzare no komura o yukeba inu hoyuru

Desolação de inverno —

Ao passar pela pequena aldeia,

Um cão late.

Shiki

inu o utsu ishi no sate nashi fuyu no tsuki

Nem mesmo uma pedra

Para atirar no cachorro —

Lua de inverno.

Taigi

kangetsu ya mon naki tera no ten takashi

A lua fria —

Sobre o templo sem portão,

O céu tão alto.

Buson

tsure mo naku no ni suterareshi fuyu no tsuki

Sem ter companhia,

E abandonada no campo,

A lua de inverno.

Roseki

Page 26: Antologia de haicais clássicos

yuki yori mo samushi shiraga ni fuyu no tsuki

Mais fria que a neve,

Sobre os meus cabelos brancos,

A lua de inverno.

Jôsô

kogarashi ya hôbare itamu hito no kao

Tormenta hibernal —

O rosto do passante,

Inchado e dolorido.

Bashô

ike no hoshi mata haraharato shigure kana

As estrelas no lago

Aparecem e desaparecem —

Chuva de inverno.

Sora

tabibito to waga na yobaren hatsu shigure

"Viajante",

Poderia ser meu nome —

Primeira chuva de inverno.

Bashô

Page 27: Antologia de haicais clássicos

hatsu-shigure saru mo komino o hoshige nari

Primeira chuva de inverno —

O macaco também quer

Uma capinha de palha.

Bashô

kasa mo naki ware o shigururu ka nanto nanto

Sem guarda-chuva

E sob a chuva de inverno —

Bem, bem!

Bashô

shigururu ya nezumi no wataru koto no ue

Chuva de inverno —

Passando sobre o "koto"

O ruído de um rato.

Buson

hatsu-yuki ya ichi no takara no furu-shibin

Primeira neve —

Este velho penico

É meu maior tesouro.

Issa

Page 28: Antologia de haicais clássicos

uma o sae nagamuru yuki no ashita kana

Manhã de neve.

Até mesmo os cavalos

Ficamos olhando.

Bashô

kimi hi o take yoki mono misen yuki maroge

Acenda o fogo.

Que lhe mostro algo legal —

Uma grande bola de neve.

Bashô

no ni yama ni ugoku mono nashi yuki no asa

Nada se move

No campo ou nas montanhas —

Manhã de neve.

Chiyo-jo

tada oreba oru tote yuki no furi ni keri

Apenas estando aqui,

Estou aqui.

E a neve cai.

Issa

massugu na shôben ana ya kado no yuki

Page 29: Antologia de haicais clássicos

Após urinar,

Um buraco perfeito

Na neve do portão!

Issa

karakasa no hitotsu sugikuku yuki no kure

Na tarde de neve

Passa desaparecendo

Um só guarda-chuva.

Yaha

yado kase to katana nagedasu fubuki kana

"Pouso para a noite!"

E joga sua espada ao chão —

Tormenta de neve

Buson

uma shikaru koe mo kareno no arashi kana

Sobre o campo seco,

A voz que grita ao cavalo

Em meio à tormenta.

Kyokusui

tabi ni yande yume wa kareno o kakemeguru

Doente de viagem,

meus sonhos vagueiam

pelo campo seco.

Bashô

Page 30: Antologia de haicais clássicos

kure madaki hoshi no kagayaku kareno kana

Anoitece mais cedo —

As estrelas brilham

Sobre o campo seco.

Buson

tori ichiwa michizure ni shite kareno kana

Apenas um pássaro

Companheiro do caminho

Pelo campo seco.

Senna

sato no ko no inu hiite yuku kareno kana

Levando o cachorro

O menino da vila

Pelo campo seco.

Shiki

tabibito no mikan kui yuku kareno kana

O viajante

Chupa uma laranja

Pelo campo seco.

Shiki

Page 31: Antologia de haicais clássicos

kôri nigaku enso ga nodo o uruoseri

o gelo é amargo

Para o rato que no esgoto

Aplaca a sua sede.

Bashô

nobotoke no hana no saki kara tsurara kana

O Buda da roça —

Da ponta do nariz

Um filete de gelo.

Issa

fuyugomori kokoro no oku no yoshino yama

Reclusão de inverno —

As montanhas de Yoshino

No fundo do coração.

Buson

oya mo kô mirareshi yama ya fuyugomori

Meu pai também

Viu estas montanhas —

Reclusão de inverno.

Issa

tomoshibi mo ugokade marushi fuyugomori

A chama da vela

Imóvel, arredondada —

Reclusão de inverno.

Yaha

Page 32: Antologia de haicais clássicos

nora-neko no fun shite iru ya fuyu no niwa

Jardim no inverno —

Um gato sem dono,

Defecando.

Shiki

zubunure no daimyô o miru kotatsu kana

Eu e meu aquecedor —

Lá fora o Senhor do Feudo

Passando ensopado.

Issa

onakama ni neko mo za-toru ya toshi-wasure

O gato também

Vem aqui sentar conosco —

Festa de fim de ano.

Issa

umi kurete kamo no koe honoka ni shiroshi

Anoitece no mar —

Os gritos dos patos selvagens,

Vagamente brancos.

Bashô

Page 33: Antologia de haicais clássicos

kiete mo sen ariake tsuki no hama chidori

Logo se esvaecem

Como a lua na alvorada —

Maçaricos da praia.

Chora

kadobata ya neko o jarashite tobu konoha

As folhas caindo

Na roça em frente ao portão

Divertem o gato.

Issa

shizukasa ya ochiba o ariku tori no oto

Quietude —

O barulho do pássaro

Pisando folhas secas.

Ryûshi

hakikeru ga tsui ni wa hakazu ochiba kana

Varrer o chão

E então parar de varrê-lo —

Estas folhas secas.

Taigi

taku hodo wa kaze ga motekuru ochiba kana

Dá para uma fogueira —

O tanto de folhas secas

Trazidas pelo vento.

Ryôkan

Page 34: Antologia de haicais clássicos

hyaku nen no keshiki o niwa no ochiba kana

Cem anos de idade —

A paisagem das folhas

Caídas no jardim.

Bashô

furudera no fuji asamashiki ochiba kana

Tão miseráveis,

As glicínias sem folhas

Do velho templo.

Buson

nishi fukaba higashi ni tamaru ochiba kana

Soprando o vento do oeste,

Ajuntam-se a leste

As folhas caídas.

Buson

hito chirari ko no ha mo chirari horari kana

Algumas pessoas.

Folhas caem também

Aqui e ali.

Issa

Page 35: Antologia de haicais clássicos

daiko-biki daikon de michi o oshiekeri

O plantador de nabos,

Apontando com um nabo,

Ensina o caminho.

Issa

negi shiroku araitatetaru samusa kana

As cebolinhas

Lavadas e tão brancas —

Que frio!

Bashô