antologia da poesia brasileira - parte ii

Upload: kleyton-pereira

Post on 11-Oct-2015

70 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Pgina | 79

ROMANTISMO

GONALVES DE MAGALHES

A Confederao dos Tamoios

Como da pira extinta a labareda,

Ainda o rescaldo crepitante fica,

Assim do ardente moo a mente acesa

Na desusada luta que a excitara,

Ainda, alerta e escaldada se revolve!

De um lado e de outro balanceia o corpo,

Como aps da tormenta o mar banzeiro;

Alma e corpo repouso achar no podem.

Debalde os olhos cerra; a igreja, as casas,

A vila, tudo ante ele se apresenta.

Das preces a harmonia inda murmura

Como um eco longnquo em seus ouvidos.

Os discursos do tio mutilados,

Malgrado seu, assaltam-lhe a memria.

No espontneo pensar lanada a mente,

Redobrando de fora, qual redobra

A rapidez do corpo gravitante,

Vai discorrendo, e achando em seu arcanos

Novas respostas s razes ouvidas.

Mas a noilte declina, e branda aragem

Comea a refrescar. Do cu os lumes

Perdem a nitidez desfalecendo.

Assim j frouxo o Pensamento do ndio,

Entre a viglia e o sono vagueando,

Pouco a pouco se olvida, e dorme, sonha,

Como imvel na casa entorpecida,

Clausurada a crislida recobra

Outra vida em silncio, e desenvolve

Essas ligeiras asas com que um dia

Esvoaar nos ares perfumados,

Onde enquanto reptil no se elevara;

Assim a alma, no sono concentrada,

Nesse mistrio que chamamos sonho,

Preludiando a vista do futuro,

A pstuma viso preliba s vezes!

Faculdade divina, inexplicvel

A quem s da matria as leis conhece.

Ele sonha... Alto moo se lhe antolha

De belo e santo aspecto, parecido

Com uma imagem que vira atada a um tronco,

E de setas o corpo traspassado,

Num altar desse templo, onde estivera,

E que tanto na mente lhe ficara,

"Vem!" lhe diz ele e ambos vo pelos ares.

Mais rpidos que o raio luminoso

Vibrado pelo sol no veloz giro,

E vo pousar no alcantilado monte,

Que curvado domina a Guanabara.

Cerrado nevoeiro se estendia

Sobre a vasta extenso de espao em trno,

Cobertando o verdor da imensa vrzea;

E o topo da montanha sobranceiro

Parecia um penedo no Oceano.

Mas o velrio de cinzenta nvoa

Pouco a pouco, subindo adelgaou-se,

E rarefeito enfim, em brancas nuvens.

Foi flutuando pelo azul celeste.

Que grandeza! Que imensa majestade!

Que espantoso prodgio se levanta!

Que quadro sem igual em todo o mundo,

Onde o sublime e o belo em harmonia

O pensamento e a vista atrai, enleva

E f az que o corao extasiado

Se dilate, se expanda, e bata, e impila

O sangue em borbotes pelas artrias!

Os olhos encantados se exorbitam,

Como as vibradas cordas de uma lira,

De almo prazer os nervos estremecem;

E o esprito pairando no infinito,

Do belo nos arcanos engolfado,

Parece alar-se das prises do corpo.

Niteri! Niteri! como s formosa!

Eu me glorio de dever-te o brao!

Montanhas, vrzeas, lagos, mares, ilhas,

Prolfica Natura, cu ridente,

Lguas e lguas de prodgios tantos.

Num todo to harmnico e sublime,

Onde olhos o vero longe deste den?O Dia 7 de Setembro, em Paris

Longe do belo cu da Ptria minha,

Que a mente me acendia,

Em tempo mais feliz, em qu'eu cantava

Das palmeiras sombra os ptrios feitos;

Sem mais ouvir o vago som dos bosques,

Nem o bramido fnebre das ondas,

Que n'alma me excitavam

Altos, sublimes turbilhes de idias;

Com que cntico novo

O Dia saudarei da Liberdade?

Ausente do saudoso, ptrio ninho,

Em regies to mortas,

Para mim sem encantos, e atrativos,

Gela-se o estro ao peregrino vate.

Tu tambm, que nos trpicos te ostentas

Fulgurante de luz, e rei dos astros,

Tu, oh sol, neste cu teu brilho perdes.

(...)

Dia da Liberdade!

Tu s dissipas hoje esta tristeza

Que a vida me angustia.

Tu s me acordas hoje do letargo

Em que esta alma se abisma,

De resistir cansada a tantas dores.

Ah! talvez que de ti poucos se lembrem

Neste estranho pas, onde tu passas

Sem culto, sem fulgor, como em deserto

Caminha o viajor silencioso.

Mas rpidos os dias se devolvem;

E tu, oh sol, que plido me aclaras

Nestas longnquas plagas,

Brilhante ainda raiars na Ptria,

E ouvirs meus hinos

Em honra deste Dia, no magoados

Co'os fnebres acentos da saudade.

A Beleza

Oh Beleza! Oh potncia invencvel,

Que na terra desptica imperas;

Se vibras teus olhos

Quais duas esferas,

Quem resiste a teu fogo terrvel?

Oh Beleza! Oh celeste harmonia,

Doce aroma, que as almas fascina;

Se exalas suave

Tua voz divina,

Tudo, tudo a teus ps se extasia.

A velhice, do mundo cansada,

A teu mando resiste somente;

Porm que te importa

A voz impotente,

Que se perde, sem ser escutada?

Diga embora que o teu juramento

No merece a menor confiana;

Que a tua firmeza

Est s na mudana;

Que os teus votos so folhas ao vento.

Tudo sei; mas se tu te mostrares

Ante mim como um astro radiante,

De tudo esquecido,

Nesse mesmo instante,

Farei tudo o que tu me ordenares.

Se at hoje remisso no arde

Em teu fogo amoroso meu peito,

De estica dureza

No isto efeito;

Teu vassalo serei cedo ou tarde.

Infeliz tenho sido at agora,

Que a meus olhos te mostras severa;

Nem gozo a ventura,

Que goza uma fera;

Entretanto ningum mais te adora.

Eu te adoro como o anjo celeste,

Que da vida os tormentos acalma;

Oh vida da vida,

Oh alma desta alma,

Um teu riso sequer me no deste!

Minha lira que triste ressoa,

Minha lira por ti desprezada,

Assim mesmo triste,

Assim malfadada,

Teu poder, teus encantos pregoa.

Oh Beleza, meus dias bafeja,

Em teu fogo minha alma devora;

Vers de que modo

Meu peito te adora,

E que incenso ofertar-te deseja.GONALVES DIAS

Cano do exlio

Kennst du das Land, wo die Citronen blhen,

Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glhen?

Kennst du es wohl? Dahin, dahin!

Mchtl ich... ziehn. *

Goethe

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabi;

As aves, que aqui gorjeiam,

No gorjeiam como l.

Nosso cu tem mais estrelas,

Nossas vrzeas tm mais flores,

Nossos bosques tm mais vida,

Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, noite,

Mais prazer encontro eu l;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabi.

Minha terra tem primores,

Que tais no encontro eu c;

Em cismar sozinho, noite

Mais prazer encontro eu l;

Minha terra tem palmeiras,

Onde canta o Sabi.

No permita Deus que eu morra,

Sem que eu volte para l;

Sem que desfrute os primores

Que no encontro por c;

Sem qu'inda aviste as palmeiras,

Onde canta o Sabi.Minha terra!

Quanto grato em terra estranha

Sob um cu menos querido,

Entre feies estrangeiras,

Ver um rosto conhecido;

Ouvir a ptria linguagem

Do bero balbuciada,

Recordar sabidos casos

Saudosos da terra amada!

E em tristes seres d'inverno,

Tendo a face contra o lar,

Lembrar o sol que j vimos,

E o nosso ameno luar!

Certo grato; mais sentido

Se nos bate o corao,

Que para a ptria nos voa,

P'ra onde os nossos esto!

Depois de girar no mundo

Como barco em crespo mar,

Amiga praia nos chama

L no horizonte a brilhar.

E vendo os vales e os montes

E a ptria que Deus nos deu,

Possamos dizer contentes:

Tudo isto que vejo meu!

Meu este sol que me aclara,

Minha esta brisa, estes cus:

Estas praias, bosques, fontes,

Eu os conheo so meus!

Mais os amo quando volte,

Pois do que por fora vi,

A mais querer minha terra,

E minha gente aprendi.I-Juca-Pirama (excertos)IV

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi:

Sou filho das selvas,

Nas selvas cresci;

Guerreiros, descendo

Da tribo Tupi.

Da tribo pujante,

Que agora anda errante

Por fado inconstante,

Guerreiros, nasci;

Sou bravo, sou forte,

Sou filho do Norte;

Meu canto de morte,

Guerreiros, ouvi.

J vi cruas brigas,

De tribos imigas,

E as duras fadigas

Da guerra provei;

Nas ondas mendaces

Senti pelas faces

Os silvos fugaces

Dos ventos que amei.

Andei longes terras,

Lidei cruas guerras,

Vaguei pelas serras

Dos vis Aimors;

Vi lutas de bravos,

Vi fortes escravos!

De estranhos ignavos

Calcados aos ps.

E os campos talados,

E os arcos quebrados,

E os piagas coitados

J sem maracs;

E os meigos cantores,

Servindo a senhores,

Que vinham traidores,

Com mostras de paz

Aos golpes do imigo

Meu ltimo amigo,

Sem lar, sem abrigo

Caiu junto a mi!

Com plcido rosto,

Sereno e composto,

O acerbo desgosto

Comigo sofri.

Meu pai a meu lado

J cego e quebrado,

De penas ralado,

Firmava-se em mi:

Ns ambos, mesquinhos,

Por nvios caminhos,

Cobertos d'espinhos

Chegamos aqui!

O velho no entanto

Sofrendo j tanto

De fome e quebranto,

S qu'ria morrer!

No mais me contenho,

Nas matas me embrenho,

Das frechas que tenho

Me quero valer.

Ento, forasteiro,

Ca prisioneiro

De um troo guerreiro

Com que me encontrei:

O cru dessossego

Do pai fraco e cego,

Enquanto no chego,

Qual seja dizei!

Eu era o seu guia

Na noite sombria,

A s alegria

Que Deus lhe deixou:

Em mim se apoiava,

Em mim se firmava,

Em mim descansava,

Que filho lhe sou.

Ao velho coitado

De penas ralado,

J cego e quebrado,

Que resta? - Morrer.

Enquanto descreve

O giro to breve

Da vida que teve,

Deixa-me viver!

No vil, no ignavo,

Mas forte, mas bravo,

Serei vosso escravo:

Aqui virei ter.

Guerreiros, no coro

Do pranto que choro;

Se a vida deploro,

Tambm sei morrer.V

Soltai-o! diz o chefe. Pasma a turba;

Os guerreiros murmuram: mal ouviram,

Nem pode nunca um chefe dar tal ordem!

Brada segunda vez com voz mais alta,

Afrouxam-se as prises, a embira cede,

A custo, sim; mas cede: o estranho salvo,

Timbira, diz o ndio enternecido,

Solto apenas dos ns que o seguravam:

s um guerreiro ilustre, um grande chefe,

Tu que assim do meu mal te comoveste,

Nem sofres que, transposta a natureza,

Com olhos onde a luz j no cintila,

Chore a morte do filho o pai cansado,

Que somente por seu na voz conhece.

s livre; parte.

E voltarei.

Debalde.

Sim, voltarei, morto meu pai.

No voltes!

bem feliz, se existe, em que no veja,

Que filho tem, qual chora: s livre; parte!

Acaso tu supes que me acobardo,

Que receio morrer!

s livre; parte!

Ora no partirei; quero provar-te

Que um filho dos Tupis vive com honra,

E com honra maior, se acaso vencem,

Da morte o passo glorioso afronta.

Mentiste, que um Tupi no chora nunca,

E tu choraste!... parte; no queremos

Com carne vil enfraquecer os fortes.

Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas

O rebater do corao se ouvia

Precipite. - Do rosto afogueado

Glidas bagas de suor corriam:

Talvez que o assaltava um pensamento...

J no... que na enlutada fantasia,

Um pesar, um martrio ao mesmo tempo,

Do velho pai a moribunda imagem

Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato! ingrato!

Curvado o colo, taciturno e frio,

Espectro d'homem, penetrou no bosque!

Seus olhos

Seus olhos to negros, to belos, to puros,

De vivo luzir,

Estrelas incertas, que as guas dormentes

Do mar vo ferir;

Seus olhos to negros, to belos, to puros,

Tm meiga expresso,

Mais doce que a brisa, mais doce que o nauta

De noite cantando, mais doce que a frauta

Quebrando a solido,

Seus olhos to negros, to belos, to puros,

De vivo luzir,

So meigos infantes, gentis, engraados

Brincando a sorrir.

So meigos infantes, brincando, saltando

Em jogo infantil,

Inquietos, travessos; causando tormento,

Com beijos nos pagam a dor de um momento,

Com modo gentil.

Seus olhos to negros, to belos, to puros,

Assim que so;

s vezes luzindo, serenos, tranqilos,

s vezes vulco!

s vezes, oh! sim, derramam to fraco,

To frouxo brilhar,

Que a mim me parece que o ar lhes falece,

E os olhos to meigos, que o pranto umedece

Me fazem chorar.

Assim lindo infante, que dorme tranqilo,

Desperta a chorar;

E mudo e sisudo, cismando mil coisas,

No pensa a pensar.

Nas almas to puras da virgem, do infante,

s vezes do cu

Cai doce harmonia duma Harpa celeste,

Um vago desejo; e a mente se veste

De pranto co'um vu.

Quer sejam saudades, quer sejam desejos

Da ptria melhor;

Eu amo seus olhos que choram em causa

Um pranto sem dor.

Eu amo seus olhos to negros, to puros,

De vivo fulgor;

Seus olhos que exprimem to doce harmonia,

Que falam de amores com tanta poesia,

Com tanto pudor.

Seus olhos to negros, to belos, to puros,

Assim que so;

Eu amo esses olhos que falam de amores

Com tanta paixo.No me deixes!

Debruada nas guas dum regato

A flor dizia em vo

corrente, onde bela se mirava:

"Ai, no me deixes, no!

"Comigo fica ou leva-me contigo

"Dos mares amplido;

"Lmpido ou turvo, te amarei constante;

"Mas no me deixes, no!"

E a corrente passava; novas guas

Aps as outras vo;

E a flor sempre a dizer curva na fonte:

"Ai, no me deixes, no!"

E das guas que fogem incessantes

eterna sucesso

Dizia sempre a flor, e sempre embalde:

"Ai, no me deixes, no!"

Por fim desfalecida e a cor murchada,

Quase a lamber o cho,

Buscava inda a corrente por dizer-lhe

Que a no deixasse, no.

A corrente impiedosa a flor enleia,

Leva-a do seu torro;

A afundar-se dizia a pobrezinha:

"No me deixaste, no!"Soneto

Pensas tu, bela Anarda, que os poetas

Vivem d'ar, de perfumes, d'ambrosia?

Que vagando por mares d'harmonia

So melhores que as prprias borboletas?

No creias que eles sejam to patetas.

Isso bom, muito bom mas em poesia,

So contos com que a velha o sono cria

No menino que engorda a comer petas!

Talvez mesmo que algum desses brejeiros

Te diga que assim , que os dessa gente

No so l dos heris mais verdadeiros.

Eu que sou pecador, que indiferente

No me julgo ao que toca aos meus parceiros,

Julgo um beijo sem fim cousa excelente.LVARES DE AZEVEDO

I

De tanta inspirao e tanta vida

Que os nervos convulsivos inflamava

E ardia sem conforto...

O que resta? uma sombra esvaecida,

Um triste que sem me agonizava...

Resta um poeta morto!

Morrer! e resvalar na sepultura.

Frias na fronte as iluses-no peito

Quebrado o corao!

Nem saudades levar da vida impura

Onde arquejou de fome... sem um leito!

Em treva e solido!

Tu foste como o sol; tu parecias

Ter na aurora da vida a eternidade

Na larga fronte escrita...

Porm no voltars como surgias!

Apagou-se teu sol da mocidade

Numa treva maldita!

Tua estrela mentiu. E do fadrio

De tua vida a pgina primeira

Na tumba se rasgou...

Pobre gnio de Deus, nem um sudrio!

Nem tmulo nem cruz! como a caveira

Que um lobo devorou!...Lgrimas da vida

On pouvait vingt ans le clouer dans la bire

- Cadavre sans illusions...

THOPHILE GAUTIER

Je me suis assis en blasphmant sur le bord

du chemin. Et je me suis dit: - je n'irai pas plus

loin. Mais je suis bien jeune encore pour mourir,

n'est-ce pas, Jane?

GEORGE SAND, Aldo

Se tu souberas que lembrana amarga

Que pensamento desflorou meus dias,

Oh! tu no creras meu sorrir leviano,

Nem minhas insensatas alegrias!

Quando junto de ti eu sinto, s vezes,

Em doce enleio desvairar-me o siso,

Nos meus olhos incertos sinto lgrimas...

Mas da lgrima em troco eu temo um riso!

O meu peito era um templo - ergui nas aras

Tua imagem que a sombra perfumava...

Mas ah! emurcheceste as minhas flores!

Apagaste a iluso que o aviventava!

E por te amar, por teu desdm, perdi-me...

Tresnoitei-me nas orgias macilento,

Brindei blasfemo ao vcio e da minh'alma

Tentei me suicidar no esquecimento!

Como um corcel abate-se na sombra,

A minha crena agoniza e desespera...

O peito e lira se estalaram juntos...

E morro sem ter tido primavera!

Como o perfume de uma flor aberta

Da manh entre as nuvens se mistura,

A minh'alma podia em teus amores

Como um anjo de Deus sonhar ventura!

No peo o teu amor... eu quero apenas

A flor que beijas para a ter no seio...

E teus cabelos respirar medroso...

E a teus joelhos suspirar d'enleio!

E quando eu durmo... e o corao ainda

Procura na iluso tua lembrana,

Anjo da vida passa nos meus sonhos

E meus lbios orvalha d'esperana!Lembrana de morrer

No more! o never more!

SHELLEY.Quando em meu peito rebentar-se a fibra

Que o esprito enlaa dor vivente,

No derramem por mim nem uma lgrima

Em plpebra demente.

E nem desfolhem na matria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

No quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tdio

Do deserto, o poento caminheiro

Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh'alma errante,

Onde fogo insensato a consumia:

S levo uma saudade desses tempos

Que amorosa iluso embelecia.

S levo uma saudade dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas...

De ti, minha me, pobre coitada

Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus nicos amigos,

Poucos bem poucos e que no zombavam

Quando, em noite de febre endoudecido,

Minhas plidas crenas duvidavam.

Se uma lgrima as plpebras me inunda,

Se um suspiro nos seios treme ainda

pela virgem que sonhei... que nunca

Aos lbios me encostou a face linda!

S tu mocidade sonhadora

Do plido poeta deste flores...

Se viveu, foi por ti! e de esperana

De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,

Verei cristalizar-se o sonho amigo....

minha virgem dos errantes sonhos,

Filha do cu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitrio

Na floresta dos homens esquecida,

sombra de uma cruz, e escrevam nelas

Foi poeta sonhou e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha

Que minh'alma cantou e amava tanto,

Protegei o meu corpo abandonado,

E no silncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d'aurora

E quando meia-noite o cu repousa,

Arvoredos do bosque, abri os ramos...

Deixai a lua prantear-me a lousa!Meu sonho

EU

Cavaleiro das armas escuras,

Onde vais pelas trevas impuras

Com a espada sanguenta na mo?

Porque brilham teus olhos ardentes

E gemidos nos lbios frementes

Vertem fogo do teu corao?

Cavaleiro, quem s? o remorso?

Do corcel te debruas no dorso....

E galopas do vale atravs...

Oh! da estrada acordando as poeiras

No escutas gritar as caveiras

E morder-te o fantasma nos ps?

Onde vais pelas trevas impuras,

Cavaleiro das armas escuras,

Macilento qual morto na tumba?...

Tu escutas.... Na longa montanha

Um tropel teu galope acompanha?

E um clamor de vingana retumba?

Cavaleiro, quem s? que mistrio,

Quem te fora da morte no imprio

Pela noite assombrada a vagar?

O FANTASMA

Sou o sonho de tua esperana,

Tua febre que nunca descansa,

O delrio que te h de matar!...Plida luz

Plida luz da lmpada sombria,

Sobre o leito de flores reclinada,

Como a lua por noite embalsamada,

Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria

Pela mar das guas embalada!

Era um anjo entre nuvens d'alvorada

Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando

Negros olhos as plpebras abrindo

Formas nuas no leito resvalando

No te rias de mim, meu anjo lindo!

Por ti - as noites eu velei chorando,

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!Se eu morresse amanh

Se eu morresse amanh, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irm;

Minha me de saudades morreria

Se eu morresse amanh!

Quanta glria pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manh!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanh!

Que sol! que cu azul! que doce n'alva

Acorda a natureza mais lou!

No me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanh!

Mas essa dor da vida que devora

A nsia de glria, o dolorido af...

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanh!Seio de virgem

Quand on te voit, il vient maints

Une envie dedans les mains

De te tter, de te tenir...

Clment Marot

O que eu sonho noite e dia,

O que me d poesia

E me torna a vida bela,

O que num brando roar

Faz meu peito se agitar,

E' o teu seio, donzela!

Oh! quem pintara, o cetim

Desses limes de marfim,

Os leves cerleos veios,

Na brancura deslumbrante

E o tremido de teus seios!

Quando os vejo, de paixo

Sinto pruridos na mo

De os apalpar e conter...

Sorriste do meu desejo?

Loucura! bastava um beijo

Para neles se morrer!

Minhas ternuras, donzela,

Votei-as forma bela

Daqueles frutos de neve...

A duas cndidas flores

Que o pressentir dos amores

Faz palpitarem de leve.

Mimosos seios, mimosos,

Que dizem voluptuosos:

"Amai-nos, poetas, amai!

"Que misteriosas venturas

"Dormem nessas rosas puras

E se acordaro num ai!"

Que lrio, que nvea rosa,

Ou camlia cetinosa

Tem uma brancura assim?

Que flor da terra ou do cu,

Que valha do seio teu

Esse morango ou rubim?

Quantos encantos sonhados

Sinto estremecer velados

Por teu cndido vestido!

Sem ver teu seio, donzela,

Suas delcias revela

O poeta embevecido!

Donzela, feliz do amante

Que teu seio palpitante

Seio d'esposa fizer!

Que dessa forma to pura

Fizer com mais formosura

Seio de bela mulher!

Feliz de mim... porm no!...

Repouse teu corao

Da pureza no rosal!

Tenho eu no peito uma aroma

Que valha a rosa que assoma

No teu seio virginal?... ela! ela! ela! ela!

ela! ela! - murmurei tremendo,

E o eco ao longe murmurou - ela!

Eu a vi... minha fada area e pura -

A minha lavadeira na janela!

Dessas guas-furtadas onde eu moro

Eu a vejo estendendo no telhado

Os vestidos de chita, as saias brancas;

Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido

Nas telhas que estalavam nos meus passos

Ir espiar seu venturoso sono,

V-la mais bela de Morfeu nos braos!

Como dormia! Que profundo sono!...

Tinha na mo o ferro do engomado...

Como roncava maviosa e pura!...

Quase ca na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso...

Palpitava-lhe o seio adormecido...

Fui beij-la... roubei do seio dela

Um bilhete que estava ali metido...

Oh! de certo... (pensei) doce pgina

Onde a alma derramou gentis amores;

So versos dela... que amanh de certo

Ela me enviar cheios de flores...

Tremi de febre!

Venturosa folha!

Quem pousasse contigo neste seio!

Como Otelo beijando a sua esposa,

Eu beijei-a a tremer de devaneio...

ela! ela! - repeti tremendo;

Mas cantou nesse instante uma coruja...

Abri cioso a pgina secreta...

Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota

Dando po com manteiga s criancinhas

Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro

Sonhando-te a lavar as camizinhas!

ela! ela! meu amor, minh'alma,

A Laura, a Beatriz que o cu revela...

ela! ela! - murmurei tremendo,

E o eco ao longe suspirou - ela!CASIMIRO DE ABREU

Cano do exlio

Se eu tenho de morrer na flor dos anos

Meu Deus! no seja j;

Eu quero ouvir na laranjeira, tarde,

Cantar o sabi!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vs que eu morro

Respirando este ar;

Faz que eu viva, Senhor! d-me de novo

Os gozos do meu lar!

O pas estrangeiro mais belezas

Do que a ptria no tem;

E este mundo no vale um s dos beijos

To doces duma me!

D-me os stios gentis onde eu brincava

L na quadra infantil;

D que eu veja uma vez o cu da ptria,

O cu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos

Meu Deus! no seja j!

Eu quero ouvir na laranjeira, tarde,

Cantar o sabi!

Quero ver esse cu da minha terra

To lindo e to azul!

E a nuvem cor-de-rosa que passava

Correndo l do sul!

Quero dormir sombra dos coqueiros,

As folhas por dossel;

E ver se apanho a borboleta branca,

Que voa no vergel!

Quero sentar-me beira do riacho

Das tardes ao cair,

E sozinho cismando no crepsculo

Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! no seja j;

Eu quero ouvir na laranjeira, tarde,

A voz do sabi!

Quero morrer cercado dos perfumes

Dum clima tropical,

E sentir, expirando, as harmonias

Do meu bero natal!

Minha campa ser entre as mangueiras,

Banhada do luar,

E eu contente dormirei tranqilo

sombra do meu lar!

As cachoeiras choraro sentidas

Porque cedo morri,

E eu sonho no sepulcro os meus amores

Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,

Meu Deus! no seja j;

Eu quero ouvir na laranjeira, tarde,

Cantar o sabi!Meus oito anos

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infncia querida

Que os anos no trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,

Naquelas tardes fagueiras

sombra das bananeiras,

Debaixo dos laranjais!

Como so belos os dias

Do despontar da existncia!

Respira a alma inocncia

Como perfumes a flor;

O mar lago sereno,

O cu um manto azulado,

O mundo um sonho dourado,

A vida um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,

Que noites de melodia

Naquela doce alegria,

Naquele ingnuo folgar!

O cu bordado d'estrelas,

A terra de aromas cheia

As ondas beijando a areia

E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infncia!

Oh! meu cu de primavera!

Que doce a vida no era

Nessa risonha manh!

Em vez das mgoas de agora,

Eu tinha nessas delcias

De minha me as carcias

E beijos de minha irm!

Livre filho das montanhas,

Eu ia bem satisfeito,

Da camisa aberta o peito,

Ps descalos, braos nus

Correndo pelas campinas

A roda das cachoeiras,

Atrs das asas ligeiras

Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos

Ia colher as pitangas,

Trepava a tirar as mangas,

Brincava beira do mar;

Rezava s Ave-Marias,

Achava o cu sempre lindo.

Adormecia sorrindo

E despertava a cantar!

................................

Oh! que saudades que tenho

Da aurora da minha vida,

Da minha infncia querida

Que os anos no trazem mais!

Que amor, que sonhos, que flores,

Naquelas tardes fagueiras

A sombra das bananeiras

Debaixo dos laranjais!Minh'alma triste

Minh'alma triste como a rola aflita

Que o bosque acorda desde o alvor da aurora,

E em doce arrulo que o soluo imita

O morto esposo gemedora chora.

E, como a rla que perdeu o esposo,

Minh'alma chora as iluses perdidas,

E no seu livro de fanado gozo

Rel as folhas que j foram lidas.

E como notas de chorosa endeixa

Seu pobre canto com a dor desmaia,

E seus gemidos so iguais queixa

Que a vaga solta quando beija a praia.

Como a criana que banhada em prantos

Procura o brinco que levou-lhe o rio,

Minha'alma quer ressuscitar nos cantos

Um s dos lrios que murchou o estio.

Dizem que h, gozos nas mundanas galas,

Mas eu no sei em que o prazer consiste.

Ou s no campo, ou no rumor das salas,

No sei porque mas a minh'alma triste!

II

Minh'alma triste como a voz do sino

Carpindo o morto sobre a laje fria;

E doce e grave qual no templo um hino,

Ou como a prece ao desmaiar do dia.

Se passa um bote com as velas soltas,

Minh'ahna o segue n'amplido dos mares;

E longas horas acompanha as voltas

Das andorinhas recortando os ares.

s vezes, louca, num cismar perdida,

Minh'alma triste vai vagando toa,

Bem como a folha que do sul batida

Bia nas guas de gentil lagoa!

E como a rola que em sentida queixa

O bosque acorda desde o albor da aurora,

Minha'ahna em notas de chorosa endeixa

Lamenta os sonhos que j tive outrora.

Dizem que h gozos no correr dos anos!...

S eu no sei em que o prazer consiste.

Pobre ludbrio de cruis enganos,

Perdi os risos a minh'alma triste!

III

Minh'alma triste como a flor que morre

Pendida beira do riacho ingrato;

Nem beijos d-lhe a virao que corre,

Nem doce canto o sabi do mato!

E como a flor que solitria pende

Sem ter carcias no voar da brisa,

Minh'alma murcha, mas ningum entende

Que a pobrezinha s de amor precisa!

Amei outrora com amor bem santo

Os negros olhos de gentil donzela,

Mas dessa fronte de sublime encanto

Outro tirou a virginal capela.

Oh! quantas vezes a prendi nos braos!

Que o diga e fale o laranjal florido!

Se mo de ferro espedaou dois laos

Ambos choramos mas num s gemido!

Dizem que h gozos no viver d'amores,

S eu no sei em que o prazer consiste!

Eu vejo o mundo na estao das flores

Tudo sorri mas a minh'alma triste!

IV

Minh'alma triste como o grito agudo

Das arapongas no serto deserto;

E como o nauta sobre o mar sanhudo,

Longe da praia que julgou to perto!

A mocidade no sonhar florida

Em mim foi beijo de lasciva virgem:

Pulava o sangue e me fervia a vida,

Ardendo a fronte em bacanal vertigem.

De tanto fogo tinha a mente cheia!...

No af da glria me atirei com nsia...

E, perto ou longe, quis beijar a s'reia

Que em doce canto me atraiu na infncia.

Ai! loucos sonhos de mancebo ardente!

Esp'ranas altas... Ei-las j to rasas!...

Pombo selvagem, quis voar contente...

Feriu-me a bala no bater das asas!

Dizem que h gozos no correr da vida...

S eu no sei em que o prazer consiste!

No amor, na glria, na mundana lida,

Foram-se as flores a minh'alma triste!Desejo

Se eu soubesse que no mundo

Existia um corao,

Que s' por mim palpitasse

De amor em terna expanso;

Do peito calara as mgoas,

Bem feliz eu era ento!

Se essa mulher fosse linda

Como os anjos lindos so,

Se tivesse quinze anos,

Se fosse rosa em boto,

Se inda brincasse inocente

Descuidosa no gazo;

Se tivesse a tez morena,

Os olhos com expresso,

Negros, negros, que matassem,

Que morressem de paixo,

Impondo sempre tiranos

Um jugo de seduo;

Se as tranas fossem escuras,

L castanhas que no,

E que cassem formosas

Ao sopro da virao,

Sobre uns ombros torneados,

Em amvel confuso;

Se a fronte pura e serena

Brilhasse d'inspirao,

Se o tronco fosse flexvel

Como a rama do choro,

Se tivesse os lbios rubros,

P pequeno e linda mo;

Se a voz fosse harmoniosa

Como d'harpa a vibrao,

Suave como a da rola

Que geme na solido,

Apaixonada e sentida

Como do bardo a cano;

E se o peito lhe ondulasse

Em suave ondulao,

Ocultando em brancas vestes

Na mais branda comoo

Tesouros de seios virgens,

Dois pomos de tentao;

E se essa mulher formosa

Que me aparece em viso,

Possusse uma alma ardente,

Fosse de amor um vulco;

Por ela tudo daria...

A vida, o cu, a razo!Amor e medo

Quando eu te vejo e me desvio cauto

Da luz de fogo que te cerca, bela,

Contigo dizes, suspirando amores:

"Meu Deus! que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas! meu amor, chama

Que se alimenta no voraz segredo,

E se te fujo que te adoro louco...

s bela eu moo; tens amor, eu medo...

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,

Da luz, da sombra, do silncio ou vozes.

Das folhas secas, do chorar das fontes,

Das horas longas a correr velozes.

O vu da noite me atormenta em dores

A luz da aurora me enternece os seios,

E ao vento fresco do cair cias tardes,

Eu me estremece de cruis receios.

que esse vento que na vrzea ao longe,

Do colmo o fumo caprichoso ondeia,

Soprando um dia tornaria incndio

A chama viva que teu riso ateia!

Ai! se abrasado crepitasse o cedro,

Cedendo ao raio que a tormenta envia:

Diz: que seria da plantinha humilde,

Que sombra dela to feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco

Torrara a planta qual queimara o galho

E a pobre nunca reviver pudera.

Chovesse embora paternal orvalho!

Ai! se te visse no calor da sesta,

A mo tremente no calor das tuas,

Amarrotado o teu vestido branco,

Soltos cabelos nas espduas nuas! ...

Ai! se eu te visse, Madalena pura,

Sobre o veludo reclinada a meio,

Olhos cerrados na volpia doce,

Os braos frouxos palpitante o seio!...

Ai! se eu te visse em languidez sublime,

Na face as rosas virginais do pejo,

Trmula a fala, a protestar baixinho...

Vermelha a boca, soluando um beijo!...

Diz: que seria da pureza de anjo,

Das vestes alvas, do candor das asas?

Tu te queimaras, a pisar descala,

Criana louca sobre um cho de brasas!

No fogo vivo eu me abrasara inteiro!

brio e sedento na fugaz vertigem,

Vil, machucara com meu dedo impuro

As pobres flores da grinalda virgem!

Vampiro infame, eu sorveria em beijos

Toda a inocncia que teu lbio encerra,

E tu serias no lascivo abrao,

Anjo enlodado nos pauis da terra.

Depois... desperta no febril delrio,

Olhos pisados como um vo lamento,

Tu perguntaras: que da minha coroa?...

Eu te diria: desfolhou-a o vento!...

Oh! no me chames corao de gelo!

Bem vs: tra-me no fatal segredo.

Se de ti fujo que te adoro e muito!

s bela eu moo; tens amor, eu medo!...A valsa

Tu, ontem,

Na dana

Que cansa,

Voavas

Co'as faces

Em rosas

Formosas

De vivo,

Lascivo

Carmim;

Na valsa

To falsa,

Corrias,

Fugias,

Ardente,

Contente,

Tranqila,

Serena,

Sem pena

De mim!

Quem dera

Que sintas

As dores

De amores

Que louco

Senti!

Quem dera

Que sintas!...

No negues,

No mintas...

Eu vi!...

Valsavas:

Teus belos

Cabelos,

J soltos,

Revoltos,

Saltavam,

Voavam,

Brincavam

No colo

Que meu;

E os olhos

Escuros

To puros,

Os olhos

Perjuros

Volvias,

Tremias,

Sorrias,

P'ra outro

No eu!

Quem dera

Que sintas

As dores

De amores

Que louco

Senti!

Quem dera

Que sintas!...

No negues,

No mintas...

Eu vi!...

Meu Deus!

Eras bela

Donzela,

Valsando,

Sorrindo,

Fugindo,

Qual silfo

Risonho

Que em sonho

Nos vem!

Mas esse

Sorriso

To liso

Que tinhas

Nos lbios

De rosa,

Formosa,

Tu davas,

Mandavas

A quem ?!

Quem dera

Que sintas

As dores

De arnores

Que louco

Senti!

Quem dera

Que sintas!...

No negues,

No mintas,..

Eu vi!...

Calado,

Szinho,

Mesquinho,

Em zelos

Ardendo,

Eu vi-te

Correndo

To falsa

Na valsa

Veloz!

Eu triste

Vi tudo!

Mas mudo

No tive

Nas galas

Das salas,

Nem falas,

Nem cantos,

Nem prantos,

Nem voz!

Quem dera

Que sintas

As dores

De amores

Que louco

Senti!

Quem dera

Que sintas!...

No negues

No mintas...

Eu vi!

Na valsa

Cansaste;

Ficaste

Prostrada,

Turbada!

Pensavas,

Cismavas,

E estavas

To plida

Ento;

Qual plida

Rosa

Mimosa

No vale

Do vento

Cruento

Batida,

Cada

Sem vida.

No cho!

Quem dera

Que sintas

As dores

De amores

Que louco

Senti!

Quem dera

Que sintas!...

No negues,

No mintas...

Eu vi!FAGUNDES VARELA

A Flor do Maracuj

Pelas rosas, pelos lrios,

Pelas abelhas, sinh,

Pelas notas mais chorosas

Do canto do Sabi,

Pelo clice de angstias

Da flor do maracuj !

Pelo jasmim, pelo goivo,

Pelo agreste manac,

Pelas gotas de sereno

Nas folhas do gravat,

Pela coroa de espinhos

Da flor do maracuj.

Pelas tranas da me-d'gua

Que junto da fonte est,

Pelos colibris que brincam

Nas alvas plumas do ub,

Pelos cravos desenhados

Na flor do maracuj.

Pelas azuis borboletas

Que descem do Panam,

Pelos tesouros ocultos

Nas minas do Sincor,

Pelas chagas roxeadas

Da flor do maracuj !

Pelo mar, pelo deserto,

Pelas montanhas, sinh !

Pelas florestas imensas

Que falam de Jeov !

Pela lana ensangentado

Da flor do maracuj !

Por tudo que o cu revela !

Por tudo que a terra d

Eu te juro que minh'alma

De tua alma escrava est !!..

Guarda contigo este emblema

Da flor do maracuj !

No se enojem teus ouvidos

De tantas rimas em - a -

Mas ouve meus juramentos,

Meus cantos ouve, sinh!

Te peo pelos mistrios

Da flor do maracuj!Juvenlia VII

Ah! quando face a face te contemplo,

E me queimo na luz de teu olhar,

E no mar de tua alma afogo a minha,

E escuto-te falar;

Quando bebo no teu hlito mais puro

Que o bafejo inefvel das esferas,

E miro os rseos lbios que aviventam

Imortais primaveras,

Tenho medo de ti!... Sim, tenho medo

Porque pressinto as garras da loucura,

E me arrefeo aos gelos do atesmo,

Soberba criatura!

Oh! eu te adoro como a noite

Por alto mar, sem luz, sem claridade,

Entre as refegas do tufo bravio

Vingando a imensidade!

Como adoro as florestas primitivas,

Que aos cus levantam perenais folhagens,

Onde se embalam nos coqueiros presas

Como adoro os desertos e as tormentas,

O mistrio do abismo e a paz dos ermos,

E a poeira de mundos que prateia

A abbada sem termos! ...

Como tudo o que vasto, eterno e belo;

Tudo o que traz de Deus o nome escrito!

Como a vida sem fim que alm me espera

No seio do infinito.Nvoas

Nas horas tardias que a noite desmaia

Que rolam na praia mil vagas azuis,

E a lua cercada de plida chama

Nos mares derrama seu pranto de luz,

Eu vi entre os flocos de nvoas imensas,

Que em grutas extensas se elevam no ar,

Um corpo de fada sereno, dormindo,

Tranqila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve purssima e nua

Um raio da lua de manso batia,

E assim reclinada no trbido leito

Seu plido peito de amores tremia.

Oh! filha das nvoas! das veigas viosas,

Das verdes, cheirosas roseiras do cu,

Acaso rolaste to bela dormindo,

E dormes, sorrindo, das nuvens no vu?

O orvalho das noites congela-te a fronte,

As orlas do monte se escondem nas brumas,

E queda repousas num mar de neblina,

Qual prola fina no leito de espumas!

Nas nuas espduas, dos astros dormentes

To frio no sentes o pranto filtrar?

E as asas, de prata do gnio das noites

Em tbios aoites a trana agitar?

Ai! vem, que nas nuvens te mata o desejo

De um frvido beijo gozares em vo!...

Os astros sem alma se cansam de olhar-te,

Nem podem amar-te, nem dizem paixo!

E as auras passavam e as nvoas tremiam

E os gnios corriam no espao a cantar,

Mas ela dormia to pura e divina

Qual plida ondina nas guas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilria,

Brilhante Valquria das brumas do Norte,

No ouves ao menos do bardo os clamores,

Envolto em vapores mais fria que a morte!

Oh! vem; vem, minh'alma! teu rosto gelado,

Teu seio molhado de orvalho brilhante,

Eu quero aquec-los no peito incendido,

Contar-te ao ouvido paixo delirante!...

Assim eu clamava tristonho e pendido,

Ouvindo o gemido da onda na praia,

Na hora em que fogem as nvoas sombrias

Nas horas tardias que a noite desmaia.

E as brisas da aurora ligeiras corriam.

No leito batiam da fada divina...

Sumiram-se as brumas do vento bafagem,

E a plida imagem desfez-se em neblina!Cntico do Calvrio

Memria de Meu Filho

Morto a l l de Dezembro

de 1863.

Eras na vida a pomba predileta

Que sobre um mar de angstias conduzia

O ramo da esperana. Eras a estrela

Que entre as nvoas do inverno cintilava

Apontando o caminho ao pegureiro.

Eras a messe de um dourado estio.

Eras o idlio de um amor sublime.

Eras a glria, a inspirao, a ptria,

O porvir de teu pai! Ah! no entanto,

Pomba, varou-te a flecha do destino!

Astro, engoliu-te o temporal do norte!

Teto, caste! Crena, j no vives!

Correi, correi, oh! lgrimas saudosas,

Legado acerbo da ventura extinta,

Dbios archotes que a tremer clareiam

A lousa fria de um sonhar que morto!

Correi! Um dia vos verei mais belas

Que os diamantes de Ofir e de Golgonda

Fulgurar na coroa de martrios

Que me circunda a fronte cismadora!

So mortos para mim da noite os fachos,

Mas Deus vos faz brilhar, lgrimas santas,

E vossa luz caminharei nos ermos!

Estrelas do sofrer, gotas de mgoa,

Brando orvalho do cu! Sede benditas!

Oh! filho de minh'alma! ltima rosa

Que neste solo ingrato vicejava!

Minha esperana amargamente doce!

Quando as garas vierem do ocidente

Buscando um novo clima onde pousarem,

No mais te embalarei sobre os joelhos,

Nem de teus olhos no cerleo brilho

Acharei um consolo a meus tormentos!

No mais invocarei a musa errante

Nesses retiros onde cada folha

Era um polido espelho de esmeralda

Que refletia os fugitivos quadros

Dos suspirados tempos que se foram!

No mais perdido em vaporosas cismas

Escutarei ao pr do sol, nas serras,

Vibrar a trompa sonorosa e leda

Do caador que aos lares se recolhe!

No mais! A areia tem corrido, e o livro

De minha infanda histria est completo!

Pouco tenho de anciar! Um passo ainda

E o fruto de meus dias, negro, podre,

Do galho eivado rolar por terra!

Ainda um treno, e o vendaval sem freio

Ao soprar quebrar a ltima fibra

Da lira infausta que nas mos sustento!

Tornei-me o eco das tristezas todas

Que entre os homens achei! O lago escuro

Onde ao claro dos fogos da tormenta

Miram-se as larvas fnebres do estrago!

Por toda a parte em que arrastei meu manto

Deixei um trao fundo de agonias! ...

Oh! quantas horas no gastei, sentado

Sobre as costas bravias do Oceano,

Esperando que a vida se esvasse

Como um floco de espuma, ou como o friso

Que deixa n'gua o lenho do barqueiro!

Quantos momentos de loucura e febre

No consumi perdido nos desertos,

Escutando os rumores das florestas,

E procurando nessas vozes torvas

Distinguir o meu cntico de morte!

Quantas noites de angstias e delrios

No velei, entre as sombras espreitando

A passagem veloz do gnio horrendo

Que o mundo abate ao galopar infrene

Do selvagem corcel? ... E tudo embalde!

A vida parecia ardente e douda

Agarrar-se a meu ser! ... E tu to jovem,

To puro ainda, ainda n'alvorada,

Ave banhada em mares de esperana,

Rosa em boto, crislida entre luzes,

Foste o escolhido na tremenda ceifa!

Ah! quando a vez primeira em meus cabelos

Senti bater teu hlito suave;

Quando em meus braos te cerrei, ouvindo

Pulsar-te o corao divino ainda;

Quando fitei teus olhos sossegados,

Abismos de inocncia e de candura,

E baixo e a medo murmurei: meu filho!

Meu filho! frase imensa, inexplicvel,

Grata como o chorar de Madalena

Aos ps do Redentor ... ah! pelas fibras

Senti rugir o vento incendiado

Desse amor infinito que eterniza

O consrcio dos orbes que se enredam

Dos mistrios do ser na teia augusta!

Que prende o cu terra e a terra aos anjos!

Que se expande em torrentes inefveis

Do seio imaculado de Maria!

Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem!

E de meu erro a punio cruenta

Na mesma glria que elevou-me aos astros,

Chorando aos ps da cruz, hoje padeo!

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,

A voz mentida de rafeiros bardos,

Torpe alegria que circunda os beros

Quando a opulncia doura-lhes as bordas,

No te saudaram ao sorrir primeiro,

Clca mimosa rebentada sombra!

Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te,

Tiveste mais que os prncipes da terra!

Templos, altares de afeio sem termos!

Mundos de sentimento e de magia!

Cantos ditados pelo prprio Deus!

Oh! quantos reis que a humanidade aviltam,

E o gnio esmagam dos soberbos tronos,

Trocariam a prpura romana

Por um verso, uma nota, um som apenas

Dos fecundos poemas que inspiraste!

Que belos sonhos! Que iluses benditas!

Do cantor infeliz lanaste vida,

Arco-ris de amor! Luz da aliana,

Calma e fulgente em meio da tormenta!

Do exlio escuro a ctara chorosa

Surgiu de novo e s viraes errantes

Lanou dilvios de harmonias! O gozo

Ao pranto sucedeu. As frreas horas

Em desejos alados se mudaram.

Noites fugiam, madrugadas vinham,

Mas sepultado num prazer profundo

No te deixava o bero descuidoso,

Nem de teu rosto meu olhar tirava,

Nem de outros sonhos que dos teus vivia!

Como eras lindo! Nas rosadas faces

Tinhas ainda o tpido vestgio

Dos beijos divinais, nos olhos langues

Brilhava o brando raio que acendera

A bno do Senhor quando o deixaste!

Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,

Filhos do ter e da luz, voavam,

Riam-se alegres, das caoilas nveas

Celeste aroma te vertendo ao corpo!

E eu dizia comigo: teu destino

Ser mais belo que o cantar das fadas

Que danam no arrebol, mais triunfante

Que o sol nascente derribando ao nada

Muralhas de negrume! ... Irs to alto

Como o pssaro-rei do Novo Mundo!

Ai! doudo sonho! ... Uma estao passou-se,

E tantas glrias, to risonhos planos

Desfizeram-se em p! O gnio escuro

Abrasou com seu facho ensangentado

Meus soberbos castelos. A desgraa

Sentou-se em meu solar, e a soberana

Dos sinistros imprios de alm-mundo

Com seu dedo real selou-te a fronte!

Inda te vejo pelas noites minhas,

Em meus dias sem luz vejo-te ainda,

Creio-te vivo, e morto te pranteio! ...

Ouo o tanger montono dos sinos,

E cada vibrao contar parece

As iluses que murcham-se contigo!

Escuto em meio de confusas vozes,

Cheias de frases pueris, estultas,

O linho morturio que retalham

Para envolver teu corpo! Vejo esparsas

Saudades e perptuas, sinto o aroma

Do incenso das igrejas, ouo os cantos

Dos ministros de Deus que me repetem

Que no s mais da terra!... E choro embalde.

Mas no! Tu dormes no infinito seio

Do Criador dos seres! Tu me falas

Na voz dos ventos, no chorar das aves,

Talvez das ondas no respiro flbil!

Tu me contemplas l do cu, quem sabe,

No vulto solitrio de uma estrela,

E so teus raios que meu estro aquecem!

Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!

Brilha e fulgura no azulado manto,

Mas no te arrojes, lgrima da noite,

Nas ondas nebulosas do ocidente!

Brilha e fulgura! Quando a morte fria

Sobre mim sacudir o p das asas,

Escada de Jac sero teus raios

Por onde asinha subir minh'alma.JUNQUEIRA FREIRE

Teus Olhos

Que lindos olhos

Que esto em ti!

To lindos olhos

Eu nunca vi...

Pode haver belos

Mas no tais quais;

No h no mundo

Quem tenha iguais.

So dois luzeiros,

So dois faris:

Dois claros astros,

Dois vivos sis.

Olhos que roubam

A luz de Deus:

S estes olhos

Podem ser teus.

Olhos que falam

Ao corao:

Olhos que sabem

Dizer paixo.

Tm tal encanto

Os olhos teus!

Quem pode mais?

Eles ou Deus?

Sonho

Era um bosque, um arvoredo,

Uma sagrada espessura,

Mitolgica pintura

Que o romantismo no faz.

Era um stio to formoso,

Que nem um pincel romano,

Nem Rubens, nem Ticiano

Copiariam assaz.

Ali pensei que sonhava

Com a donzela que me inspira,

Que pe-me nas mos a lira,

Que pe-me o estro a ferver;

Que me acalenta em seu colo,

Que me beija a vasta crente,

Que me obriga a ser mais crente

No Deus que ela julga crer.

Sonhei com a viso dourada,

Que todo o poeta sonha,

Idia gentil, risonha,

To poucas vezes real!

Que s, com o peito abafado,

Se vai de noite em segredo

Contar no denso arvoredo

Ao cipreste sepulcral.

Mas, despertando do sonho,

Que aos homens no se revela,

Achei comigo a donzela,

Me apertando o corao,

E ainda presa a meus lbios,

Entre um riso, entre um gemido,

Murmurou-me ao p do ouvido

Que no era um sonho, no.

E no mais, enquanto vivo,

Deixarei esta espessura,

Mitolgica pintura

Que o romantismo no faz.

Era um stio to formoso,

Que nem o pincel romano,

Nem Rubens, nem Ticiano

Copiariam assaz.Soneto

Arda de raiva contra mim a intriga,

Morra de dor a inveja insacivel;

Destile seu veneno detestvel

A vil calnia, prfida inimiga.

Una-se todo, em traioeira liga,

Contra mim s, o mundo miservel.

Alimente por mim dio entranhvel

O corao da terra que me abriga.

Sei rir-me da vaidade dos humanos;

Sei desprezar um nome no preciso;

Sei insultar uns clculos insanos.

Durmo feliz sobre o suave riso

De uns lbios de mulher gentis, ufanos;

E o mais que os homens so, desprezo e piso.

Temor

Ao gozo, ao gozo, amiga. O cho que pisas

A cada instante te oferece a cova.

Pisemos devagar. Olhe que a terra

No sinta o nosso peso.

Deitemo-nos aqui. Abre-me os braos.

Escondamo-nos um no seio do outro.

No h de assim nos avistar a morte,

Ou morreremos juntos.

No fales muito. Uma palavra basta

Murmurada, em segredo, ao p do ouvido.

Nada, nada de voz, - nem um suspiro,

Nem um arfar mais forte.

Fala-me s com o revolver dos olhos.

Tenho-me afeito inteligncia deles.

Deixa-me os lbios teus, rubros de encanto.

Somente pra os meus beijos.

Ao gozo, ao gozo, amiga. O cho que pisas

A cada instante te oferece a cova.

Pisemos devagar. Olha que a terra

No sinta o nosso peso.Martrio

Beijar-te a fronte linda

Beijar-te o aspecto altivo

Beijar-te a tez morena

Beijar-te o rir lascivo

Beijar o ar que aspiras

Beijar o p que pisas

Beijar a voz que soltas

Beijar a luz que visas

Sentir teus modos frios,

Sentir tua apatia,

Sentir at rpdio,

Sentir essa ironia,

Sentir que me resguardas,

Sentir que me arreceias,

Sentir que me repugnas,

Sentir que at me odeias,

Eis a descrena e a crena,

Eis o absinto e a flor,

Eis o amor e o dio,

Eis o prazer e a dor!

Eis o estertor de morte,

Eis o martrio eterno,

Eis o ranger dos dentes,

Eis o penar do inferno!Temor

(Hora de Delrio)

No, no louco. O esprito somente

que quebrou-lhe um elo da matria.

Pensa melhor que vs, pensa mais livre,

Aproxima-se mais essncia etrea.

Achou pequeno o crebro que o tinha:

Suas idias no cabiam nele;

Seu corpo que lutou contra sua alma,

E nessa luta foi vencido aquele.

Foi uma repulso de dois contrrios;

Foi um duelo, na verdade insano:

Foi um choque de agentes poderosos:

Foi o divino a combater com o humano.

Agora est mais livre. Algum atilho

Soltou-se-lhe do n da inteligncia;

Quebrou-se o anel dessa priso de carne,

Entrou agora em sua prpria essncia.

Agora mais esprito que corpo:

Agora mais um ente l de cima;

mais, mais que um homem vo de barro:

um anjo de Deus, que Deus anima.

Agora, sim - o esprito mais livre

Pode subir s regies supernas:

Pode, ao descer, anunciar aos homens

As palavras de Deus, tambm eternas.

E vs, almas terrenas, que a matria

Ou sufocou ou reduziu a pouco,

No lhe entendeis, por isso, as frases santas,

E zombando o chamais, portanto: - um louco!

No, no louco. O esprito somente

que quebrou-lhe um elo da matria.

Pensa melhor que vs, pensa mais livre,

aproxima-se mais essncia etrea.CASTRO ALVES

A cano do africano

L na mida senzala,

Sentado na estreita sala,

Junto o braseiro, no cho,

Entoa o escravo o seu canto,

E ao cantar correm-lhe em pranto

Saudades do seu torro...

De um lado, uma negra escrava

Os olhos no filho crava,

Que tem no colo a embalar...

E meia voz l responde

Ao canto, e o filhinho esconde,

Talvez, pr'a no o escutar!

"Minha terra l bem longe,

Das bandas de onde o sol vem;

Esta terra mais bonita,

Mas outra eu quero bem!

"O sol faz l tudo em fogo,

Faz em brasa toda a areia;

Ningum sabe como belo

Ver de tarde a papa-ceia!

"Aquelas terras to grandes,

To compridas como o mar,

Com suas poucas palmeiras

Do vontade de pensar...

"L todos vivem felizes,

Todos danam no terreiro;

A gente l no se vende

Como aqui, s por dinheiro".

O escravo calou a fala,

Porque na mida sala

O fogo estava a apagar;

E a escrava acabou seu canto,

P'ra no acordar com o pranto

O seu filhinho a sonhar!

O escravo ento foi deitar-se,

Pois tinha de levantar-se

Bem antes do sol nascer,

E se tardasse, coitado,

Teria de ser surrado,

Pois bastava escravo ser.

E a cativa desgraada

Deita seu filho, calada,

E pe-se triste a beij-lo,

Talvez temendo que o dono

No viesse, em meio do sono,

De seus braos arranc-lo!Saudao a Palmares

Nos altos cerros erguido

Ninho dguias atrevido,

Salve! Pas do bandido!

Salve! Ptria do jaguar!

Verde serra onde os palmares

Como indianos cocares

No azul dos colmbios ares

Desfraldam-se em mole arfar! ...

Salve! Regio dos valentes

Onde os ecos estridentes

Mandam aos plainos trementes

Os gritos do caador!

E ao longe os latidos soam...

E as trompas da caa atroam...

E os corvos negros revoam

Sobre o campo abrasador! ...

Palmares! a ti meu grito!

A ti, barca de granito,

Que no soobro infinito

Abriste a vela ao trovo.

E provocaste a rajada,

Solta a flmula agitada

Aos uivos da marujada

Nas ondas da escravido!

De bravos soberbo estdio,

Das liberdades paldio,

Pegaste o punho do gldio,

E olhaste rindo pra o val:

"Descei de cada horizonte...

Senhores! Eis-me de fronte!"

E riste... O riso de um monte!

E a ironia... de um chacal!...

Cantem Eunucos devassos

Dos reis os marmreos paos;

E beijem os frreos laos,

Que no ousam sacudir ...

Eu canto a beleza tua,

Caadora seminua!...

Em cuja perna flutua

Ruiva a pele de um tapir.

Crioula! o teu seio escuro

Nunca deste ao beijo impuro!

Luzidio, firme, duro,

Guardaste pra um nobre amor.

Negra Diana selvagem,

Que escutas sob a ramagem

As vozes que traz a aragem

Do teu rijo caador! ...

Salve, Amazona guerreira!

Que nas rochas da clareira,

Aos urros da cachoeira

Sabes bater e lutar...

Salve! nos cerros erguido

Ninho, onde em sono atrevido,

Dorme o condor... e o bandido!...

A liberdade... e o jaguar!Maria

ONDE VAIS tardezinha,

Mucama to bonitinha,

Morena flor do serto?

A grama um beijo te furta

Por baixo da saia curta,

Que a perna te esconde em vo...

Mimosa flor das escravas!

O bando das rolas bravas

Voou com medo de ti!...

Levas hoje algum segredo...

Pois te voltaste com medo

Ao grito do bem-te-vi!

Sero amores deveras?

Ah! Quem dessas primaveras

Pudesse a flor apanhar!

E contigo, ao tom daragem,

Sonhar na rede selvagem...

sombra do azul palmar!

Bem feliz quem na viola

Te ouvisse a moda espanhola

Da lua ao frouxo claro...

Com a luz dos astros por crios,

Por leito um leito de lrios...

E por tenda a solido!O Navio Negreiro (excertos)

Tragdia no Mar (I)

'Stamos em pleno mar... Doudo no espao

Brinca o luar doirada borboleta

E as vagas aps ele correm... cansam

Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento

Os astros saltam como espumas de ouro...

O mar em troca acende as ardentias

Constelaes do lquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estritam num abrao insano

Azuis, dourados, plcidos, sublimes...

Qual dos dois o cu? Qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas

Ao quente arfar das variaes marinhas,

Veleiro brigue flor dos mares

Como roam na vaga as andorinhas...

Donde vem?... Onde vai?... Das naus errantes

Quem sabe o rumo se to grande o espao?

Neste Saara os crceis o p levantam,

Galopam, voam, mas no deixam trao.

Bem feliz quem ali pode nest'hora

Sentir deste painel a majestade!...

Embaixo o mar... em cima o firmamento...

E no mar e no cu a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!

Que msica suave ao longe soa!

Meu Deus! Como sublime um canto ardente

Pelas vagas sem fim boiando toa!

Homens do mar! rudes marinheiros

Tostados pelo sol dos quatro mundos!

Crianas que a procela acalentara

No bero destes plagos profundos!

Esta selvagem, livre poesia...

Orquestra o mar que ruge pela proa,

E o vento que nas cordas assobia...

..............................................

Por que foges assim, barco ligeiro?

Por que foges do pvio poeta?

Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira

Que semelha no mar doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! guia do oceano,

Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,

Sacode as penas, Leviat do espao!

Albatroz! Albatroz! d-me estas asas...

(...)O Navio Negreiro, Tragdia no Mar (IV)

Era um sonho dantesco... O tombadilho

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar do aoite...

Legies de homens negros como a noite,

Horrendos a danar...

Negras mulheres, suspendendo s tetas

Magras crianas, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mes:

Outras, moas... mas nuas, espantadas,

No turbilho de espectros arrastadas,

Em nsia e mgoa vs.

E ri-se a orquestra, irnica, estridente...

E da ronda fantstica a serpente

Faz doudas espirais...

Se o velho arqueja... se no cho resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma s cadeia,

A multido faminta cambaleia,

E chora e dana ali!

............................................

Um de raiva delira, outro enlouquece...

Outro, que de martrios embrutece,

Cantando, geme e ri!

No entanto o capito manda a manobra

E aps, fitando o cu que se desdobra

To puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais danar!..."

E ri-se a orquestra irnica, estridente...

E da roda fantstica a serpente

Faz doudas espirais!

Qual num sonho dantesco as sombras voam...

Gritos, ais, maldies, preces ressoam!

E ri-se Satans!...O Navio Negreiro, Tragdia no Mar (V)

Senhor Deus dos desgraados!

Dizei-me vs, Senhor Deus!

Se loucura... se verdade

Tanto horror perante os cus...

mar! por que no apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borro?...

Astros! noite! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufo!...

Quem so estes desgraados,

Que no encontram em vs,

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fria do algoz?

Quem so?... Se a estrela se cala,

Se a vaga pressa resvala

Como um cmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa musa,

Musa librrima, audaz!

So os filhos do deserto

Onde a terra esposa a luz.

Onde voa em campo aberto

A tribo dos homens nus...

So os guerreiros ousados,

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solido...

Homens simples, fortes, bravos...

Hoje mseros escravos

Sem ar, sem luz, sem razo...

So mulheres desgraadas

Como Agar o foi tambm,

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vm...

Trazendo com tbios passos,

Filhos e algemas nos braos,

Nalma lgrimas e fel.

Como Agar sofrendo tanto

Que nem o leite do pranto

Tm que dar para Ismael...

L nas areias infindas,

Das palmeiras no pas,

Nasceram crianas lindas,

Viveram moas gentis...

Passa um dia a caravana

Quando a virgem na cabana

Cisma da noite nos vus...

...Adeus! choa do monte!...

...Adeus! palmeiras de fonte!...

...Adeus! amores... adeus!...

(...)

O Navio Negreiro, Tragdia no Mar (VI)

E existe um povo que a bandeira empresta

Pr'a cobrir tanta infmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira esta,

Que impudente na gvea tripudia?!...

Silncio!... Musa! chora, chora tanto

Que o pavilho se lave no teu pranto...

Auriverde pendo de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balana,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperana...

Tu, que da liberdade aps a guerra,

Foste hasteado dos heris na lana,

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu na vaga,

Como um ris no plago profundo!...

...Mas infmia de mais... Da etrea plaga

Levantai-vos, heris do Novo Mundo...

Andrada! arranca este pendo dos ares!

Colombo! fecha a porta de teus mares!Adeus

ADEUS Ai criana ingrata!

Pois tu me disseste adeus ?

Loucura! melhor seria

Separar a terra e os cus.

Adeus palavra sombria!

De uma alma gelada e fria

s a derradeira flor.

Adeus! misria! mentira

De um seio que no suspira,

De um corao sem amor.

Ai, Senhor! A rola agreste

Morre se o par lhe faltou.

O raio que abrasa o cedro

A parasita abrasou.

O astro namora o orvalho:

Um a estrela do galho,

Outro o orvalho da amplido

Mas, luz do sol nascente,

Morre a estrela no poente!

O orvalho morre no cho!

Nunca as neblinas do vale

Souberam dizer-se adeus

Se unidas partem da terra,

Perdem-se unidas nos cus.

A onda expira na plaga.. .

Porm vem logo outra vaga

Pra morrer da mesma dor ...

Adeus palavra sombria!

No digas adeus , Maria!

Ou no me fales de amor!Adormecida

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia

Numa rede encostada molemente...

Quase aberto o roupo... solto o cabelo

E o p descalo do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste

Exalavam as silvas da campina...

E ao longe, num pedao do horizonte,

Via-se a noite plcida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,

Indiscretos entravam pela sala,

E de leve oscilando ao tom das auras,

Iam na face trmulos beij-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago

Mesmo em sonhos a moa estremecia...

Quando ela serenava... a flor beijava-a...

Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante

Brincavam duas cndidas crianas...

A brisa, que agitava as folhas verdes,

Fazia-lhe ondear as negras tranas!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...

Mas quando a via despeitada a meio,

P'ra no zang-la... sacudia alegre

Uma chuva de ptalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia

Naquela noite lnguida e sentida:

" flor! tu s a virgem das campinas!

"Virgem! tu s a flor da minha vida!..."Boa-Noite

Boa noite, Maria! Eu vou,me embora.A lua nas janelas bate em cheio.Boa noite, Maria! tarde... tarde. .No me apertes assim contra teu seio.Boa noite! ... E tu dizes - Boa noite.Mas no digas assim por entre beijos...

Mas no mo digas descobrindo o peito,

Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do cu! Ouve... a calhandra

J rumoreja o canto da matina.

Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...

...Quem cantou foi teu hlito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios

Derrama nos jardins do Capuleto,

Eu direi, me esquecendo d'alvorada:

" noite ainda em teu cabelo preto..."

noite ainda! Brilha na cambraia

Desmanchado o roupo, a espdua nua

O globo de teu peito entre os arminhos

Como entre as nvoas se baloua a lua...

noite, pois! Durmamos, Julieta!

Recende a alcova ao trescalar das flores,

Fechemos sobre ns estas cortinas...

So as asas de arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lmpada

Lambe voluptuosa os teus contornos...

Oh! Deixa-me aquecer teus ps divinos

Ao doudo afago de meus lbios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos

Treme tua alma, como a lira ao vento,

Das teclas de teu seio que harmonias,

Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delrio,

Ri, suspira, solua, anseia e chora...

Marion! Marion!... noite ainda.

Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,

Sobre mim desenrola teu cabelo...

E deixa-me dormir balbuciando:

Boa-noite! formosa Consuelo!..O 'Adeus' de Tereza

A vez primeira que eu fitei Tereza,

Como as plantas que arrasta a correnteza,

A valsa nos levou nos giros seus...

E amamos juntos... E depois na sala

"Adeus" eu disse-lhe a tremer co'a fala...

E ela, corando, murmurou-me: "adeus."

Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...

E da alcova saa um cavaleiro

Inda beijando uma mulher sem vus...

Era eu... Era a plida Teresa!

"Adeus" lhe disse conservando-a presa...

E ela entre beijos murmurou-me "adeus!"

Passaram tempos... sec'los de delrio

Prazeres divinais... gozos do Empreo...

... Mas um dia volvi aos lares meus.

Partindo eu disse "Voltarei!... descansa!..."

Ela, chorando mais que uma criana,

Ela em soluos murmurou-me: "adeus!"

Quando voltei... era o palcio em festa!...

E a voz d'Ela e de um homem l na orquestra

Preenchiam de amor o azul dos cus.

Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!

Foi a ltima vez que eu vi Teresa!...

E ela arquejando murmurou-me: "adeus!"Os trs amoresIMinhalma como a fronte sonhadora

Do louco bardo, que Ferrara chora...

Sou Tasso!... a primavera de teus risos

De minha vida as solides enflora...

Longe de ti eu bebo os teus perfumes,

Sigo na terra de teu passo os lumes...

Tu s Eleonora...IIMeu corao desmaia pensativo,Cismando em tua rosa predileta.Sou teu plido amante vaporoso,Sou teu Romeu... teu lnguido poeta!...Sonho-te s vezes virgem... seminua...Roubo-te um casto beijo luz da lua...- E tu s Julieta...IIINa volpia das noites andaluzasO sangue ardente em minhas veias rola...

Sou D. Juan!... Donzelas amorosas,

Vs conheceis-me os trenos na viola!Sobre o leito do amor teu seio brilha

Eu morro, se desfao-te a mantilha

Tu s Jlia, a Espanhola!...Quando eu Morrer...

Eu morro, eu morro. A matutina brisa

J no me arranca um riso. A rsea tarde

J no me doura as descoradas faces

Que Glidas se encovam.

Junqueira Freire Quando eu morrer... no lancem meu cadver

No fosso de um sombrio cemitrio...

Odeio o mausolu que espera o morto

Como o viajante desse hotel funreo.

Corre nas veias negras desse mrmore

No sei que sangue vil de messalina,

A cova, num bocejo indiferente,

Abre ao primeiro o boca libertina.

Ei-la a nau do sepulcro o cemitrio...

Que povo estranho no poro profundo!

Emigrantes sombrios que se embarcam

Para as plagas sem fim do outro mundo.

Tem os fogos errantes por santelmo.

Tem por velame os panos do sudrio...

Por mastro o vulto esguio do cipreste,

Por gaivotas o mocho funerrio...

Ali ningum se firma a um brao amigo

Do inverno pelas lgubres noitadas...

No tombadilho indiferentes chocam-se

E nas trevas esbarram-se as ossadas...

Como deve custar ao pobre morto

Ver as plagas da vida alm perdidas,

Sem ver o branco fumo de seus lares

Levantar-se por entre as avenidas!...

Oh! perguntai aos frios esqueletos

Por que no tm o corao no peito...

E um deles vos dir "Deixei-o h pouco

De minha amante no lascivo leito."

Outro: "Dei-o a meu pai". Outro: "Esqueci-o

Nas inocentes mos de meu filhinho"...

...Meus amigos! Notai... bem como um pssaro

O corao do morto volta ao ninho!...Mocidade e Morte

Oh! Eu quero viver, beber perfumes

Na flor silvestre, que embalsama os ares;

Ver minh'alma adejar pelo infinito,

Qual branca vela n'amplido dos mares.

No seio da mulher h tanto aroma...

Nos seus beijos de fogo h tanta vida...

rabe errante, vou dormir tarde

sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:

Ters o sono sob a ljea fria.

Morrer... quando este mundo um paraso,

E a alma um cisne de douradas plumas:

No! o seio da amante um lago virgem...

Quero boiar tona das espumas.

Vem! formosa mulher camlia plida,

Que banharam de pranto as alvoradas.

Minh'alma a borboleta, que espaneja

O p das asas lcidas, douradas...

E a mesma voz repete-me terrvel,

Com gargalhar sarcstico: impossvel!

Eu sinto em mim o borbulhar do gnio.

Vejo alm um futuro radiante:

Avante! brada-me o talento n'alma

E o eco ao longe me repete avante!

o futuro... o futuro... no seu seio...

Entre louros e bnos dorme a glria!

Aps um nome do universo n'alma,

Um nome escrito no Panteon da histria.

(...)

Morrer ver extinto dentre as nvoas

O fanal, que nos guia na tormenta:

Condenado escutar dobres de sino,

Voz da morte, que a morte lhe lamenta

Ai! morrer trocar astros por crios,

Leito macio por esquife imundo,

Trocar os beijos da mulher no visco

Da larva errante no sepulcro fundo.

(...)

E eu morro, Deus! na aurora da existncia,

Quando a sede e o desejo em ns palpita...

Levei aos lbios o dourado pomo,

Mordi no fruto podre do Asfaltita.

No triclnio da vida novo Tntalo

O vinho do viver ante mim passa...

Sou dos convivas da legenda Hebraica,

O 'stilete de Deus quebra-me a taa.

que at minha sombra inexorvel,

Morrer! morrer! solua-me implacvel.

Adeus, plida amante dos meus sonhos!

Adeus, vida! Adeus, glria! amor! anelos!

Escuta, minha irm, cuidosa enxuga

Os prantos de meu pai nos teus cabelos.

Fora louco esperar! fria rajada

Sinto que do viver me extingue a lampa...

Resta-me agora por futuro a terra,

Por glria nada, por amor a campa.

Adeus! arrasta-me uma voz sombria

J me foge a razo na noite fria!...SOUSNDRADE

Elogio do Alexandrino

Asclepideo verso: evoluo do poema

Das sestas, cadenciar d'altas antigidades,

j porque bipartido em flgidas metades

Reata em conjuno opostos de um dilema,

E j por ser de gala a forma do matiz

Heleno na escultura e lcio na linguagem

Reacesda, de Alexandre, em fogos de Paris:

Paris o tom da moda, o bom gosto, a roupagem;

Que desperta aos tocsins, galo s estrelas d'alva,

Que faz revolues de Filadlfia s salvas

E o verso-luz, fardeur das formas, de grandeza,

o verso-formosura, adornos, lauta mesa

Ond' tokay, champanh', flor, copos cristal-diamantes

Sobrelevam roast-beef e os queijos e o pudding.

Porm, mens divinior, poesia o frreo guante:

Ao das delcias tempo, o fcil verso ovante,

o verso cor de rosa, o de oiro, o de carmim,

Dos raios que o astro veste em dia azul-celeste;

E para os que tm fome e sede de justia,

O verso condor, chama, alrum, de carnia,

D'harpas d'squilus, de Hugo, a dor, a tempestade:

Que, embora contra um deus "Figaro" impiedade

Vesgo olhinho a piscar diga tambour-major,

Restruge alto acordando os cndidos espritos

s glrias do oceano e percutindo os gritos

Rus. Ao belo trovoar do magno Trovador

Ouve-se afinao no mundo brasileiro,

Acorde to formoso, hodierno, hospitaleiro,

Flamvomo social, encantador. Fulgura

Luz de dia primeiro, a nota formosura,

Que ao jeov-grande-abrir faz novo den luzir.Harpa XXXII

Dos rubros flancos do redondo oceano

Com suas asas de luz prendendo a terra

O sol eu vi nascer, jovem formoso

Desordenando pelos ombros de ouro

A perfumada luminosa coma,

Nas faces de um calor que amor acende

Sorriso de coral deixava errante.

Em torno de mim no tragas os teus raios,

Suspende, sol de fogo! tu, que outrora

Em cndidas canes eu te saudava

Nesta hora d'esperana, ergue-te e passa

Sem ouvir minha lira. Quando infante

Nos ps do laranjal adormecido,

Orvalhado das flores que choviam

Cheirosas dentre o ramo e a bela fruta,

Na terra de meus pais eu despertava,

Minhas irms sorrindo, e o canto e aromas,

E o sussurrar da rbida mangueira

Eram teus raios que primeiro vinham

Roar-me as cordas do alade brando

Nos meus joelhos tmidos vagindo.Saudades no porvir

Eu vou com a noite

Plida e fria

Na penedia

Me debruar :

O promontrio

De negro dorso,

Qual nau de corso

Se alonga ao mar.

Dormem as horas,

A flor somente

Respira e sente

Na solido;

A flor das rochas,

Franzina e leve,

Ao sopro breve

Da virao.

Cantando o nauta

Desdobra as velas

Argnteas, belas

Azas do mar;

Branqueia a proa

Partindo as vagas,

Que n' outras plagas

Se vo quebrar.

Eu ponho os olhos

No firmamento:

Que isolamento,

Oh, minha irm !

Apenas o astro

Que a luz duvida,

Promete a vida

Para amanh.

Naquela nuvem

Te vejo morta ;

Meu peito corta

Cruel sentir

Da lua o tmulo

Na onda ondula,

E o mar modula

Como um porvir.Flores Luxemburguesas

No , no e alegria,

Nem tristeza sombria

Que sinto me atravessar.

Grato, grato sentimento

De um passado encantamento

Por toda parte a lembrar!

Eram as roxas florestas,

As sagradas sombras mestas

Nossos beros da soido:

Se deles tendes as flores,

A saudade dos amores

Em vs reconheo esto.

Recordaes

Astros gentis da bela mocidade,

Vsper meiga, crescente feiticeiro,

Que lembranas trazeis e que saudade

Dos tempos da concrdia e o ver oiteiro!

Vos adorei dos campos e cheirosa

Brisa que das estrelas recendia,

Voa adorei luz de santa-rosa

Quando aos nove anos Beatriz sorria:

Mas, para volver s doces eras,

Do corao aos cndidos martrios,

Se onde eternal renascem primaveras

No finda amor porque no findam lrios?

Depois, que importa essa iluso fagueira

Dos mentirosos cus, quando o tormento,

Quando a dor dalma, a sempre-verdadeira

A fica? astros gentis do firmamento,

Que importa, se das flores que se amaram,

Que redolentes foram, novas flores

Cada dia o bom Deus manda aos amores,

Porque sesqueam tristes que murcharam!

Minha irm

Eu anoiteo; qual as flores morrem,

Meus dias correm para o fim da vida;

Sinto no peito o corao to frio,

Em pleno estio, minha irm querida!

Porm, que vale? de ouro amor espero,

Melhor, sincero as coroas de saudade,

De ardente pranto, quando os olhos chorem

Dos que me forem visitar tarde:

Eu sei que irs; e pela mo levando,

Deus! e brincando coa filhinha-amor!

Dize-lhe: seja a filial ternura,

Alama e candura, em que descanse a dor!

O Guesa

Canto Primeiro

Eia, imaginao divina!

Os Andes

Vulcnicos elevam cumes calvos,

Circundados de gelos, mudos, alvos,

Nuvens flutuando que espetac'los grandes!

L, onde o ponto do condor negreja,

Cintilando no espao como brilhos

D'olhos, e cai a prumo sobre os filhos

Do lhama descuidado; onde lampeja

Da tempestade o raio; onde deserto,

O azul serto, formoso e deslumbrante,

Arde do sol o incndio, delirante

Corao vivo em cu profundo aberto!

.............................................

"Nos ureos tempos, nos jardins da Amrica

Infante adorao dobrando a crena

Ante o belo sinal, nuvem ibrica

Em sua noite a envolveu ruidosa e densa.

"Cndidos Incas! Quando j campeiam

Os heris vencedores do inocente

ndio nu; quando os templos s'incendeiam,

J sem virgens, sem ouro reluzente,

"Sem as sombras dos reis filhos de Manco,

Viu-se... (que tinham feito? e pouco havia

A fazer-se...) num leito puro e branco

A corrupo, que os braos estendia!

"E da existncia meiga, afortunada,

O rseo fio nesse albor ameno

Foi destrudo. Como ensanguentada

A terra fez sorrir ao cu sereno!

"Foi tal a maldio dos que cados

Morderam dessa me querida o seio,

A contrair-se aos beijos, denegridos,

O desespero se imprimi-los veio,

"Que ressentiu-se, verdejante e vlido,

O floripndio em flor; e quando o vento

Mugindo estorce-o doloroso, plido,

Gemidos se ouvem no amplo firmamento!

"E o Sol, que resplandece na montanha

As noivas no encontra, no se abraam

No puro amor; e os fanfarres d'Espanha,

Em sangue edneo os ps lavando, passam.

"Caiu a noite da nao formosa;

Cervais romperam por nevado armento,

Quando com a ave a corte deliciosa

Festejava o purpreo nascimento."

Assim volvia o olhar o Guesa Errante

s meneadas cimas qual altares

Do gnio ptrio, que a ficar distante

S`eleva a alma beijando-o alm dos ares.

E enfraquecido corao, perdoa

Pungentes males que lhe esto dos seus

Talvez feridas setas abenoa

Na hora saudosa, murmurando adeus.

* * *

Canto Segundo

Opalescem os cus clares de prata

Beatfica luz pelo ar mimoso

Dos nimbos d'alva exala-se, to grata

Acariciando o corao gostoso!

Oh! doce enlevo! oh! bem-aventurana!

Paradseas manhs! riso dos cus!

Inocncia do amor e da esperana

Da natureza estremecida em Deus!

Viso celeste! anglica encarnada

Co'a nitente umidez d'ombros de leite,

Onde encontra amor brando, almo deleite,

E da infncia do tempo a hora foi nada!

A claridade aumenta, a onda desliza,

Cintila co'o mais puro luzimento;

De prpura, de ouro, a c'roa se matiza

Do tropical formoso firmamento!

Qual um vaso de fina porcelana

Que de atravs o sol alumiasse,

Qual os relevos da pintura indiana

o oriente do dia quando nasce.

Uma por uma todas se apagaram

As estrelas, tamanhas e to vivas,

Qual os olhos que lnguidas cativas,

Mal nutridas de amores, abaixaram.

Aclaram-se as encostas viridantes,

A espreguiar-se a palma soberana;

Remonta a Deus a vida, origem d'antes,

Amiga e matinal, donde dimana.

Acorda a terra; as flores da alegria

Abrem, fazem do leito de seus ramos

Sua glria infantil; alcion em clamos

Passa cantando sobre o cedro ao dia

Lindas loas boiantes; o selvagem

Cala-se, evoca doutro tempo um sonho,

E curva a fronte... Deus, como tristonho

Seu vulto sem porvir em p na margem!

Talvez a amante, a filha haja descido,

Qual esse tronco, para sempre o rio

Ele abana a cabea co'o sombrio

Riso do ris da noite entristecido.

(...)

Canto Segundo

-O Tatuturema

(MUXURANA, histrica:)

Os primeiros fizeram

As escravas de ns;

Nossas filhas roubavam,

Logravam

E vendiam aps.

(...)

(Coro dos ndios:)

Mas os tempos mudaram,

J no se anda mais nu:

Hoje o padre que folga,

Que empolga,

Vem conosco ao tatu.

(TAGUAIBANUU conciliador; coro em desordem:)

Eram dias do estanco,

Das conquista da F

Por salvar tanto impio

Gentio...

Maranduba, abar!...

(...)

(Alvissareiras no areial:)

Aos cus sobem estrelas,

Tup-Caramuru!

Lindia, Moema

Coema,

a Paraguau;

Sobem cus as estrelas,

Do festim rosicler!

Idalinas, Verbenas

De Atenas,

Coraes de mulher;

Moreninhas, Consuelos,

Olho-azul Marabs,

Palidez Juvenlias,

Marlias

Sem Gonzaga Toms!

(...)

(Netuno:)

Os poetas plagiam,

Desde rei Salomo:

Se Deus cria procriam,

Transcriam

Mafamed e Sulto

(...)

(Cunhmas e Cunhtans:)

Lamartine sagrado?

Se no tem maracs,

, , ! vibram arcos

Macacos,

Tatus-Tupinambs.

(...)

Canto terceiro

As balseiras na luz resplandeciam

oh! que formoso dia de vero!

Drago dos mares, na asa lhe rugiam

Vagas, no bojo indmito vulco!

Sombrio, no convs, o Guesa errante

De um para outro lado passeava

Mudo, inquieto, rpido, inconstante,

E em desalinho o manto que trajava.

A fronte mais que nunca aflita, branca

E plida, os cabelos em desordem,

Qual o que sonhos alta noite espanca,

"Acordem, olhos meus, dizia, acordem!"

E de travs, espavorido olhando

Com olhos chamejantes da loucura,

Propendia p'ra as bordas, se alegrando

Ante a espuma que rindo-se murmura:

Sorrindo, qual quem da onda cristalina

Pressentia surgirem louras filhas;

Fitando olhos no sol, que j s'inclina,

E rindo, rindo ao perpassar das ilhas.

Est ele assombrado?... Porm, certo

Dentro lhe idia vria tumultua:

Fala de aparies que h no deserto,

Sobre as lagoas ao claro da lua.

Imagens do ar, suaves, flutuantes,

Ou deliradas, do alcantil sonoro,

Cria nossa alma; imagens arrogantes,

Ou qual aquela, que h de riso e choro:

Uma imagem fatal (para o ocidente,

Para os campos formosos d'ureas gemas,

O sol, cingida a fronte de diademas,

ndio e belo atravessa lentamente):

Estrela de carvo, astro apagado

Prende-se mal seguro, vivo e cego,

Na abbada dos cus, negro morcego

Estende as asas no ar equilibrado.

Canto Quinto

Noite. Est reclinado o Guesa Errante,

Olhando, as grandes selvas se aclararam

fogueira que acesa foi distante...

Gritam das runas! as soides gritaram!

E luzente na noite, para as chamas

Voa longo sibilo, serpentinos,

No ar desatando laos repentinos,

Fsfor nas bruno-lcidas escamas,

E fogueira lanou-se, do ar alado,

Surucucu-de-fogo! rido ouvidos

Eram crebos funestos estalidos

Dos seus dcteis anis, o incndio ateado!

Oh! quanto a chama e a cobra, tormentosas,

Uma outra envolviam-se raivando

Por mtua antipatia! e mais lutando,

Mais, deslocando-se achas resinosas,

Em labareda as chamas se laceram,

Que ao meio delas, rbida, convulsa,

S'esmalt