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ANTINOMIA JURÍDICA
I. ANTINOMIA JURÍDICA COMO PROBLEMA INERENE AO SISTEMA
JURÍDICO E AO CARÁTER DINÂMICO DO DIREITO
i. A função do cientista do Direito não é a mera transcrição de normas, mas
sim a descrição e a interpretação, que consistem, fundamentalmente, na
determinação das conseqüências que derivam dessas normas;
ii. Trata-se de operação lógica, que procura estabelecer, de modo racional,
um nexo lógico entre as normas e demais elementos do direito, dando-
lhes uma certa unidade de sentido;
iii. O direito deve se visto em sua dinâmica como uma realidade que está em
perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas, modificando-
se, adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida;
iv. É preciso esclarecer que o normativismo de Kelsen jamais afirmou que o
Direito é só norma, apenas pretendeu que, dentro da complexidade de
elementos componentes do fenômeno jurídico, a ciência jurídica, por
questão de método, considerasse tão somente a norma;
v. As normas jurídicas são partes de um âmbito maior, que é o Direito;
sendo assim, não esgotam a realidade do direito, nem pode identificar-se
com ele;
vi. O direito seria uma ordenação heterônoma das relações sociais, baseada
numa integração normativa de fatos e valores;
vii. Dessa forma, o sistema jurídico em aspecto multifacetário, sendo
composto de vários subsistemas;
viii. Teoria tridimensional de Reale: normas, fatos e valores – compondo uma
isomorfia ou correlação entre eles;
ix. Conclui-se, pois, que os elementos do sistema estão vinculados entre si
por uma relação, sendo interdependentes;
x. Se houver incongruência entre eles: quebra de isomorfia e lacuna;
xi. Se houver conflito dentro do subsistema normativo: antinomia;
xii. Temos, portanto, um sistema normativo aberto, pois está em relação de
importação e exportação de informações com outros sistemas (fático e
valorativo), sendo ele próprio parte do sistema jurídico;
xiii. Logo, se se admitir o sistema jurídico como aberto e incompleto,
revelando o direito como uma realdade complexa, que apresenta uma
dimensão normativa, fática e axiológica, temos um conjunto contínuo
ordenado, que pode abrir-se numa desordem, numa descontinuidade,
apresentando lacunas, quando não contiver uma solução expressa ou
segura para determinado caso;
xiv. A lacuna constitui, pois, um estado incompleto do sistema, que deve ser
colmatado ante o princípio da plenitude do sistema jurídico;
xv. Ao lado desse princípio situa-se o da unidade do sistema jurídico;
xvi. Princípio da unidade do sistema jurídico pode nos levar a correção do
direito incorreto:
a. Se se apresentar uma antinomia, ou um conflito entre as normas,
ter-se-á um estado incorreto do sistema, que precisará ser
corrigido, eis que o POSTULADO DESSE PRINCÍPIO É O A
RESOLUÇÃO DAS CONTRADIÇÕES;
b. O sistema jurídico, deverá, teoricamente, formar um todo
coerente, devendo, por isso, excluir qualquer contradição
lógica nas asserções, para assegurar sua homogeneidade e
garantir a segurança na aplicação do direito;
c. Para isso, o jurista utilizará uma interpretação corretiva, guiado
pela interpretação sistemática, que o auxiliará na pesquisa dos
critérios, para solucionar a antinomia;
d. Registre-se que o princípio lógico da não-contradição não se
aplica às normas conflitantes, mas às proposições que descrevem;
xvii. O conflito entre normas não é uma contradição lógica;
xviii. O princípio lógico da não-contradição é aplicável à asserção, que pode
ser verdadeira ou falsa;
xix. E uma contradição lógica entre duas asserções consiste em que apenas
uma ou outra pode ser verdadeira;
xx. Logo, se apenas uma delas é verdadeira, a outra terá que ser falsa;
xxi. Uma norma não é verdadeira nem falsa, mas válida ou inválida;
xxii. O conflito de normas pressupõe que ambas as normas conflitantes sejam
válidas, pois, do contrário, não haveria conflito;
xxiii. Se o princípio da não-contradição tivesse aplicação nas normas
conflitantes, só ma delas teria validade, logo não haveria conflito;
xxiv. Contudo, o enunciado do jurista que descreve uma ordem normativa
pode ser verdadeiro ou falso;
xxv. Por isso, o princípio da não-contradição pode ser aplicado às proposições
que descrevem as normas e só indiretamente às normas;
xxvi. Há uma contradição lógica apenas entre a asserção segundo a qual uma
norma é válida e a asserção de que esta norma é inválida;
xxvii. O conflito de normas não é uma contradição lógica;
xxviii. Como o conflito de normas não é uma contradição lógica, a derrogação
que o soluciona também não é um princípio lógico;
xxix. A antinomia, pois, representa o conflito de duas normas, entre dois
princípios, entre uma norma e um princípio geral do direito em as
aplicação prática a um caso particular;
xxx. É muito comum em função da incrível multiplicação de leis;
xxxi. A coerência lógica do sistema é exigência fundamental do princípio da
unidade do sistema jurídico;
xxxii. Por isso, a ciência do direito deve purgar o sistema de qualquer
contradição, indicando os critérios para a solução dos conflitos
normativos e tentando harmonizar os textos legais;
xxxiii. A solução de antinomias é imprescindível para manter a coerência do
sistema jurídico, visto que, a afirmação num sistema jurídico de duas
normas contraditórias acarreta, necessariamente, a incoerência desse
sistema, e, portanto, o seu desaparecimento;
xxxiv. Havendo, assim, antinomia, o jurista, ante o caráter dinâmico do direito,
passa de um subsistema a outro, apontando critério para solucioná-la;
xxxv. O processo de sistematização jurídica compreende várias operações
tendentes não só a exibir as propriedades normativas, fáticas e
axiológicas do sistema e seus defeitos formais – antinomias e lacunas,
mas também a reformulá-lo para alcançar um sistema harmônico;
xxxvi. É portanto, impossível, no estudo das antinomias jurídicas, considerar o
direito sob o prisma estático;
xxxvii. Isso conduziria a uma visão distorcida da realidade jurídica;
xxxviii. O jurista, ao construir o sistema jurídico, levando em conta a
dinamicidade do direito, teria a tarefa de estabelecer critérios para
identificar ou reconhecer a antinomia e a de apontar critérios para as
solução, tão logo seja conhecida;
xxxix. Logo, havendo antinomia, a solução é encontrada pelo juiz, ao aplicar o
direito, já que não pode eximir-se de sentenciar;
xl. Percebe-se, dessa forma, que a antinomia aparece fora da ocasião
judicial, pois pode ser detectada num momento anterior e solucionada
pelo Poder Legislativo;
xli. Em razão da proibição da denegação da Justiça, a antinomia acaba sendo
resolvida pelo órgão judicante, apesar de sua decisão não implicar
solução de antinomia, pois somente pretende evitar o prosseguimento
desse conflito normativo num dado caso particular;
xlii. Sem embargo, esse conflito permanece latente dentro do sistema te que o
legislador o solucione;
xliii. Portanto, a antinomia não é um problema que se coloque no mesmo nível
da decisão judicial, porque o magistrado não a resolve, apesar de
solucionar o caso sub judice;
xliv. A antinomia continua a existir no sistema jurídico, pois só poderá ser
eliminada por meio de ação legislativa;
II. CONCEITO DE ANTINOMIA JURÍDICA E CONDIÇÕES
NECESSÁRIAS À CONFIGURAÇÃO DA INCOMPATIBILDADE
NORMATIVA
i. Antinomia real: é a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias
(total ou parcialmente), emanadas de autoridade competentes num
mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição
insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a
permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado (Tércio
Sampaio Ferraz Jr);
ii. Outro conceito: é a presença de duas normas conflitantes, sem que se
posa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular;
iii. Diante de duas normas conflitantes, pode-se:
a. Rechaçar ou ter por não escritas uma delas, seja por ter o caráter
especial em relação à outra, seja por revelar um desvio dos
princípios gerais (interpretação ab-rogante);
- Interpretação ab-rogante: ab-rogação em sentido impróprio, pois
o jurista por não ter o poder normativo, não tem,
conseqüentemente, o de ab-rogar normar;
- O magistrado pode não aplicar uma norma por considerá-la
incompatível ao caso concreto, mas não tem o poder der eliminá-
la do ordenamento jurídico;
b. Ter por não escritas as disposições incompatíveis, quando não
existe antecedente ou razão válida para preferir uma a outra, de
modo que a antinomia entre ambas as converte em
reciprocamente ineficazes (lacuna de conflito);
iv. Real incompatibilidade entre duas normas:
a. Ambas as norma sejam jurídicas:
- não se pode confrontar uma norma com uma lei física-natural
(pertencem a gêneros diferentes);
- não há conflito jurídico entre uma norma jurídica e uma norma
exclusivamente moral;
b. Ambas sejam vigentes e pertencentes ao mesmo ordenamento
jurídico;
c. Ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo
âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito;
d. Ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga)
e os seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação
interna um do outro:
- ou seja: uma prescreve o ato e a outra, a omissão;
e. O sujeito, aquém se dirigem as normas conflitantes, deve ficar
numa posição insustentável (não deve ter meios de se livrar dela,
por faltarem critérios);
f. Resumo: incompatibilidade; indecidibilidade; necessidade de
decisão
III. CLASSIFICAÇÃO DAS ANTINOMIAS
i. Quanto ao critério de solução:
a. Antinomia aparente: se os critérios para solucioná-la forem
normas integrantes do ordenamento jurídico;
b. Antinomia real: se não houver na ordem jurídica qualquer critério
normativo para a solução, sendo, então, imprescindível, para a
sua eliminação, a edição de uma nova norma;
c. Outra definição para antinomia real: aquela na qual a posição do
sujeito é insustentável porque há: i) ausência de regras para
solucioná-la; ou ii) antinomia de segundo grau (conflito entre os
critérios existentes, e a aparente, o caso contrário;
d. Sendo aparente a antinomia, o intérprete pode conservar as duas
normas incompatíveis, optando por uma delas;
e. Tal conciliação se dá por meio de subsunção, mediante simples
interpretação, aplicando-se um dos critérios de solução fornecido
pelo próprio sistema normativo (cronológico, hierárquico, da
especialidade);
ii. Quanto ao conteúdo
a. Antinomia própria: se se der por razão formal,
independentemente de seu conteúdo material;
- ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita
e não prescrita, proibida e não proibida: somente uma delas pode
ser tida como aplicável, e essa será determinada por critérios
normativos;
b. Antinomia imprópria: se ocorrer em virtude do conteúdo material
das normas, podendo apresentar-se como:
- antinomia de princípios: se houver desarmonia numa ordem
jurídica pelo fato dela fazerem parte diferentes idéias
fundamentais entre as quais se pode estabelecer um conflito;
- antinomia valorativa imanente ou de valoração: se o legislador
não for fiel a uma valoração por ele próprio realizada, pondo-se
em conflito com as próprias valorações;
- antinomia teleológica: se se apresentar incompatibilidade entre
os fins propostos por certa norma e os meios previstos por outra
para a consecução daqueles fins (o legislador quer alcançar um
fim com uma norma e em outra rejeita os meios para obter tal
finalidade);
- ATENÇÃO: essas antinomias são impróprias porque não
impedem que o sujeito aja conforme as normas, mesmo que não
concorde com elas, de modo que o conflito, na verdade, surge
entre o comando estabelecido e a consciência do aplicador;
- as antinomias próprias ou formais se caracterizam pelo fato do
sujeito ficar num dilema por não pode atuar segundo uma norma
sem violar outra, devendo optar, e esta sua opção por uma das
normas em conflito implica a desobediência a outra, levando-o a
recorrer a critérios para sair dessa situação anormal;
iii. Quanto ao âmbito
a. Antinomia de direito interno: ocorre entre normas dentro de um
mesmo ramo do direito (direito civil – direito civil) ou entre
normas de diferentes ramos jurídicos (d. constitucional – d.
administrativo);
b. Antinomia de direito internacional: aparece entre normas de
direito internacional público (tratados ou convenções
internacionais);
c. Antinomia de direito interno-internacional: norma de direito
interno e norma de direito internacional;
iv. Quanto à extensão da contradição:
a. Antinomia total-total: se uma das normas não puder ser aplicada
em nenhuma circunstância sem conflitar com a outra;
- registre-se que são raras as inconsistências totais ou
incompatibilidades absolutas entre dispositivos de um mesmo
sistema normativo;
b. Antinomia total-parcial: se uma das normas não puder ser
aplicada, em nenhuma circunstância, sem conflitar com a outra,
enquanto esta tem um campo de aplicação que conflita com a
anterior apenas em parte;
c. Antinomia parcial-parcial: quando duas normas tiverem um
campo de aplicação que em parte um entra em conflito com o a
outra e em parte não entra;