antecipaÇÃo de tutela

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INTRODUÇÃO Este trabalho pretende trazer à tona um enfoque sucinto e direto acerca da controvertida questão que envolve a possibilidade de utilização da tutela antecipada nas ações de despejo por falta de pagamento. Trata-se de tema que diverge opiniões, não havendo uma jurisprudência firme acerca da questão, razão pela qual afigura-se relevante uma apreciação mais detalhada e específica. Farei uma análise dos argumentos mais utilizados para defender e para atacar a aplicação do artigo 273 do CPC nas ações de despejo por falta de pagamento, expondo meu posicionamento e indicando as razões que o fundamentam. Passemos, pois, ao estudo da matéria. AÇÃO DE DESPEJO Consoante dispõe o artigo 5º da Lei 8.245/91, “Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.”. O dispositivo citado é bastante explícito, de forma que se compreende que em qualquer hipótese em que o locador tiver a necessidade de retomar a posse direta do bem, deverá lançar mão de uma ação de despejo. Dentro desse contexto, cabe esclarecer que a ação despejo pode ser baseada em diferentes motivos, quais sejam: despejo para uso próprio do locador, de seus ascendentes ou descendentes; despejo para reforma ou demolição; despejo por término do prazo do contrato; despejo por denúncia vazia; despejo por falta de pagamento. Abordaremos especificamente a hipótese do despejo por falta de pagamento, e em particular, a possibilidade de utilização da tutela antecipada nessa hipótese. ARTIGO 59, § 1º, DA LEI 8.245/91 A Lei do Inquilinato, que é uma lei mista, trazendo em seu bojo disposições de Direito Material e Processual, prevê a concessão liminar do despejo, para desocupação no prazo de quinze dias, em seu artigo 59, § 1º. Preenchidos os requisitos ali previstos, o Magistrado deve determinar, de forma liminar, a desocupação do imóvel. Para tanto a Lei exige como fundamento exclusivo uma das situações elencadas nos incisos, bem como uma caução em valor equivalente a três meses de aluguel. Trata-se de uma previsão na própria Lei, que data de 1991, de uma forma de antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo locador mediante a satisfação de alguns requisitos.

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Page 1: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

INTRODUÇÃO

 

                   Este trabalho pretende trazer à tona um enfoque sucinto e direto acerca da controvertida questão que envolve a possibilidade de utilização da tutela antecipada nas ações de despejo por falta de pagamento.

                   Trata-se de tema que diverge opiniões, não havendo uma jurisprudência firme acerca da questão, razão pela qual afigura-se relevante uma apreciação mais detalhada e específica.

                   Farei uma análise dos argumentos mais utilizados para defender e para atacar a aplicação do artigo 273 do CPC nas ações de despejo por falta de pagamento, expondo meu posicionamento e indicando as razões que o fundamentam.

                     Passemos, pois, ao estudo da matéria.

AÇÃO DE DESPEJO

                   Consoante dispõe o artigo 5º da Lei 8.245/91, “Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.”. O dispositivo citado é bastante explícito, de forma que se compreende que em qualquer hipótese em que o locador tiver a necessidade de retomar a posse direta do bem, deverá lançar mão de uma ação de despejo.

                   Dentro desse contexto, cabe esclarecer que a ação despejo pode ser baseada em diferentes motivos, quais sejam: despejo para uso próprio do locador, de seus ascendentes ou descendentes; despejo para reforma ou demolição; despejo por término do prazo do contrato; despejo por denúncia vazia; despejo por falta de pagamento.

                   Abordaremos especificamente a hipótese do despejo por falta de pagamento, e em particular, a possibilidade de utilização da tutela antecipada nessa hipótese.

ARTIGO 59, § 1º, DA LEI 8.245/91

                   A Lei do Inquilinato, que é uma lei mista, trazendo em seu bojo disposições de Direito Material e Processual, prevê a concessão liminar do despejo, para desocupação no prazo de quinze dias, em seu artigo 59, § 1º.

                   Preenchidos os requisitos ali previstos, o Magistrado deve determinar, de forma liminar, a desocupação do imóvel. Para tanto a Lei exige como fundamento exclusivo uma das situações elencadas nos incisos, bem como uma caução em valor equivalente a três meses de aluguel.

                   Trata-se de uma previsão na própria Lei, que data de 1991, de uma forma de antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo locador mediante a satisfação de alguns requisitos.

                   Nas situações previstas no artigo 59, § 1º, é indiscutível a possibilidade da concessão liminar do despejo, haja vista a previsão expressa do dispositivo.

                   No entanto, mister se faz verificar se a regra insculpida no artigo 273 do CPC também tem aplicação à hipótese de despejo por falta de pagamento, ou se a antecipação dessa medida somente é possível nos casos previstos na Lei do Inquilinato.

A CONTROVÉRSIA

                   Existem posicionamentos que consideram incabível a antecipação da tutela, nos moldes do artigo 273 do CPC, nas ações de despejo por falta de pagamento.

                   Um dos principais argumentos que embasam esse entendimento se respalda na idéia de que a Lei do Inquilinato é uma lei especial, que já prevê as

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hipóteses de concessão liminar do despejo, não cabendo, então, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida a não ser naqueles casos taxativamente enumerados na própria Lei.

Outro ponto suscitado  encontra sustentação no artigo 273, § 2º, do CPC, que

preconiza a necessidade de reversibilidade da medida para que seja concedida a tutela antecipada, o que não ocorreria no despejo, que tem caráter definitivo.  

                   Registre-se ainda o argumento de que na hipótese de despejo por falta de pagamento, a Lei possibilita que o locatário purgue a mora dentro do prazo da contestação, razão pela qual a antecipação dos efeitos da tutela (despejo) seria uma medida precipitada e prejudicial ao locatário.

                   Já o entendimento que considera possível a aplicação do artigo 273 do CPC às ações de despejo por falta de pagamento, tem, dentre seus principais fundamentos, o fato de que a Lei que alterou o artigo 273 do CPC é posterior à Lei do Inquilinato, tendo aplicação em todos aqueles pontos em que ambas não forem conflitantes, desde que preenchidos os requisitos exigidos pela regra processual.

                   Outro argumento utilizado nesse sentido considera a situação do locatário já estar em atraso no pagamento dos encargos locatícios, causando prejuízos ao locador se permanecer no imóvel, perpetuando a inadimplência.

                   A jurisprudência recente do próprio Tribunal de Justiça do RS é hábil para demonstrar a existência de controvérsia referente ao tema. Vejamos:

27152864 - AGRAVO INTERNO - PROVIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO - Ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança. Antecipação de tutela. Caso concreto. Matéria de fato. Plausível a concessão de tutela antecipada para o fim de determinar a desocupação do imóvel locado no prazo de quinze dias, já que há prova do não-pagamento dos aluguéis e indícios de relação entre locador, demandante, e locatários, demandados, pois quem participa, de forma direta, da relação de direito, é parte passiva na relação processual, onde essa relação de direito é debatida. O risco de dano irreparável, patrimonial, revela-se evidente e se encontra suficientemente comprovado. Estão presentes, portanto, os requisitos necessários à antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional (artigo 273, inciso I, do CPC). Nem mesmo o óbice da irreversibilidade é razão para o não deferimento de tal pretensão antecipatória, em face do disposto na parte final do artigo 64, § 2º, da Lei nº 8.245/91. Decisão que deu provimento ao agravo de instrumento que se mantém pelos seus próprios fundamentos jurídicos, legais e fáticos. Agravo interno desprovido. (TJRS - AGV 70003395316 - 15ª C.Cív. - Rel. Des. Vicente Barrôco de Vasconcellos - J. 07.11.2001) (1)

27157103 - LOCAÇÃO - AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUERES - Pedido de antecipação de tutela. Tendo em conta que a Lei de locações confere ao locatário inadimplente, no ajuizamento da ação de despejo por falta de pagamento, o direito a purga da mora, traduz-se inviável o pedido de antecipação de tutela formulado pelos autores no sentido da desocupação do imóvel, tendo como garantia os locativos em atraso, já que a concessão da tutela antecipada não pode sobrepor-se a Lei. Agravo desprovido. (TJRS - AGI 70002704229 - 15ª C.Cív. - Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel - J. 08.08.2001( (2)

                   Constata-se, pois, a plausibilidade dos dois posicionamentos, bem como a aceitação que possuem frente aos Tribunais.

A POSSIBILIDADE DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA NAS AÇÕES DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO

Page 3: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

                   Vistos os posicionamentos acerca do tema, cumpre expor aquele que entendo mais correto, bem como as razões que lhe servem de fundamento.

                   Primeiramente, deve ser ressaltado que a Lei 8.245/91 é uma lei especial. Dessa forma, as disposições processuais trazidas pela Lei prevalecerão sobre as regras do CPC quando ambas forem conflitantes. Como a Lei 8.245/95 institui um rito especial, apenas subsidiariamente haverá aplicação do Diploma Processual.

                   Sendo assim, em princípio, nas ações de despejo, aqui abordando especificamente as decorrentes da falta de pagamento dos encargos locatícios, deve ser seguido o rito previsto no artigo 59 e seguintes da Lei de Locações.

                   Deve ser utilizado, pois, sempre que possível, o pedido liminar de despejo, que está adstrito ao preenchimento de requisitos específicos.

                   No entanto, as hipótese contempladas pelo artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/91 não são únicas em que há urgência na desocupação do imóvel locado.

                   Um bom exemplo é a situação de um locador que tem como importante parcela de sua renda o valor proveniente da locação. Poder-se-ia imaginar que o locador seja um aposentado, que dependa do valor do aluguel para adquirir medicamentos indispensáveis à sua sobrevivência.

Não  se  pode  supor  que  o  locatário  sempre será a parte hipossuficiente da

relação locatícia. Inúmeras vezes, a falta de pagamento dos aluguéis pode provocar prejuízos de relevante monta ao locador.

Nada  obsta, então, que seja concedido o despejo como antecipação de tutela

em outras situações, excluídas da expressa previsão da Lei, quando estiverem preenchidos os requisitos exigidos pelo artigo 273 do CPC, haja vista a faculdade que referido dispositivo trouxe ao Magistrado de conceder antecipadamente, ou seja, no curso do processo de conhecimento, os efeitos da tutela pretendida.

                   Os requisitos exigidos pelo artigo 59, § 1º, da Lei 8.245/91, e pelo artigo 273 do CPC são distintos, razão pela qual não há óbice para a utilização do instituto incorporado ao CPC.

                   Deve-se atentar para o fato de que, na hipótese do pedido de despejo por falta de pagamento, o locador já se encontra em situação de desvantagem, eis que o locatário não adimpliu com a sua principal obrigação decorrente do contrato, posto que deixou de pagar os aluguéis.

                   Dessa forma, há um conflito de interesses: o do locatário, que deixou de cumprir o avençado, e o do locador, que sofre um prejuízo patrimonial em razão do não pagamento dos aluguéis. A questão principal me parece ser: qual desses interesses deve ser tutelado pelo Direito?

                   Acredito que a resposta mais coerente com os ideais de efetividade processual, que norteiam o processo em nossos dias, é aquela que acolhe o interesse do locador, não o deixando a mercê da longa tramitação de um processo judicial para que somente então possa retomar a posse direta de seu imóvel.

                   O que se busca, indiscutivelmente, é uma resposta mais célere e efetiva do Estado-Juiz aos conflitos que lhe são levados à apreciação. Não seria condizente com esse anseio manter o locador, que está sendo prejudicado pela falta de pagamento do aluguel de seu imóvel, na espera de uma decisão definitiva.

                   Por essa razão se torna mais do que possível, mas até mesmo necessário, a concessão do despejo como antecipação da tutela pretendida.

                   Ressalte-se, no entanto, que o artigo 62, II, da Lei 8.245/91 possibilita ao locatário a purga da mora. Portanto, a medida antecipatória somente será

Page 4: ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

cabível após a oportunização de emenda da mora ao locador, haja vista que deve ser respeitado o maior dos princípios processuais, qual seja, o da observância do devido processo legal.

                   Não havendo o pagamento do encargos em atraso, e inexistindo argumento plausível por parte do locatário, será perfeitamente possível a determinação do despejo como antecipação dos efeitos da tutela postulada, haja vista a caracterização do intuito protelatório do locatário, que já não vem pagando os aluguéis e deseja continuar na posse do bem nessa situação.

                  Não raro a apresentação de defesa pelo demandado não tem qualquer fundamento relevante, sendo apresentada apenas para protelar o feito, a fim de manter o locatário inadimplente por mais tempo no imóvel.

                   Uma vez requerido o despejo por falta de pagamento, havendo prova inequívoca da mora e não ocorrendo a sua purga pelo locatário, estarão presentes os requisitos exigidos pelo artigo 273 do CPC.

Poderá  ficar  caracterizada  a  hipótese   prevista   no   inciso   I   do  aludido

dispositivo, face o inegável receio de dano patrimonial de difícil reparação, tanto em decorrência da falta de pagamento anterior ao ajuizamento da ação perdurar até seu deslinde, quanto em função da possibilidade de ocorrência da situação prevista no artigo 9º, IV, da Lei 8.245/91.

Também  poderá  ficar  caracterizada  a  hipótese  trazida  pelo  inciso  II  do

mesmo artigo 273 do CPC, eis que normalmente há um propósito protelatório do réu quando não purga a mora e não apresenta argumentos plausíveis em sua defesa.

                   Resta, então, fazer a análise de um outro elemento, que é exigido pelo artigo 273, § 2º, do CPC. Referido dispositivo exige, para a concessão da medida antecipatória, a reversibilidade do provimento.

                   Trata-se de questão controvertida, eis que este é, conforme visto anteriormente, o principal argumento utilizado para refutar a possibilidade do despejo como antecipação dos efeitos da tutela.

                    No entanto, deve-se analisar a questão pelo ângulo do locador, que já se encontra prejudicado pelo não recebimento dos aluguéis, ficando sujeito a continuar nessa situação. Assim como há o perigo de irreversibilidade da medida para o locatário despejado, há o mesmo risco para o locador caso a tutela antecipada não seja deferida.

                   Imagine-se a hipótese de um locatário que não possui fiador, que não possui patrimônio que responda por suas dívidas, e que está causando sérios estragos no imóvel. Não se trata de situação possivelmente irreversível para o locador, que terá seu bem deteriorado sem que receba qualquer indenização em contrapartida?

                   Considerando o fato do locatário estar em atraso com suas obrigações contratuais, não tendo apresentado argumentos plausíveis a fim de justificar a mora, e nem mesmo utilizando a faculdade que a lei lhe confere de emendar a mora, afigura-se claro que o interesse a prevalecer é o do locador.

Nesse  caso ,  como  há  perigo de irreversibilidade da medida para ambas as

partes, parece-me mais cauteloso, em razão dos demais elementos presentes, que caracterizam as exigências do artigo 273, do CPC, tutelar-se o interesse do locador.

                   O fato da ação de despejo ter caráter executivo não impede a concessão da medida antecipatória que postula o despejo por falta de pagamento, pois poderia ser exigida, em uma aplicação analógica do artigo 63, § 4º, da Lei

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8.245/91, uma caução por parte do locador, revertendo em favor do locador como forme de indenização caso a decisão que deferiu a tutela antecipada seja modificada.

                   No entanto, parece-me desnecessária tal garantia, tendo em vista que a concessão de uma medida satisfativa não será determinada de forma leviana pelo Magistrado, mas somente com a existência de elementos plausíveis, que formem seu convencimento a fim de deferir a medida.     

                                     

CONCLUSÃO

                   Portanto, face as considerações já explicitadas, concluo pela possibilidade da concessão da antecipação de tutela, nos termos do artigo 273 do CPC, nas ações de despejo por falta de pagamento, desde que preenchidos os requisitos exigidos para tanto.

Não obstante a Lei 8.245/91 ter expressamente citado as hipóteses de liminar

nas ações de despejo, trata-se a tutela antecipada de um dispositivo genérico, que foi instituído por lei posterior e tem aplicação no que não conflitar com a Lei do Inquilinato.

No entanto, consoante já advertido, tal possibilidade somente se afigura após

ter sido oportunizado ao locatário a purga da mora, assegurando o direito que lhe é conferido pela Lei 8.245/91.

Ademais,  como em qualquer outra situação, a medida antecipatória deve ser

utilizada com cautela, sendo a sua concessão sempre precedida de uma análise casuística.

                   Acredito que esta posição apresenta-se mais coerente com a nova orientação que dá as diretrizes à interpretação e aplicação das regras de Processo Civil, trazendo maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, proporcionando a utilidade do provimento requerido e dessa forma, aproximando o Direito da Justiça.