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Alice Canabrava,TRANSCRIPT
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FALA ANPUH 2015 – FLORIANÓPOLIS/SC
ST 16 SEXTA-FEIRA (31/07/2015: 14 HORAS)
Local: CENTRO SOCIOECONÔMICO SALA 11 TÉRREO
A Escrita da História entre dois mundos: uma análise da produção de
Alice Piffer Canabrava (1935-1961)
Saudações iniciais: boa tarde! Agradecimentos aos coordenadores do
simpósio pelo aceite do trabalho (prof. Temístocles Cezar e prof. Valdei Araujo).
É muito bom estar novamente na ANPUH.
Apresentação: atualmente realizo doutoramento no programa de história
econômica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, FFLCH, da
USP sob a cuidadosa orientação da profa. Raquel Glezer, com tese sobre a
trajetória intelectual de Alice Piffer Canabrava, que conta com financiamento da
Capes.
Estou também como pesquisador interno do Instituto de Estudos Brasileiros
(IEB) da USP. Contar da intermediação do espólio com a Lúcia Carvalho,
sobrinha-neta de Alice Canabrava.
Percurso da apresentação: hoje, porém, vou perpassar alguns pontos de
minha dissertação e alguns de seus resultados, focando-me na tese de
doutoramento de Alice Canabrava à fim de demonstrar minha tese central. Este
trabalho foi orientado pela profa. Karina, que está aqui presente, e deve muito à
ela; obviamente que as possíveis imprecisões são minhas; e foi financiado pelo
CNPq.
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Título da apresentação: A escrita da História entre dois mundos: uma
análise da produção de Alice Piffer Canabrava (1935-1961).
Recorte temporal:
1935: é o ano de ingresso de Alice Canabrava no curso de Geografia e
História (seriam separados somente em 1956) da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras (FFCL) da USP, atual Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH);
1961: ano de fundação da Associação dos Professores de História do
Ensino Superior (APUH), atual ANPUH, da qual Alice Canabrava foi uma de
suas fundadoras, tendo participado de sua diretoria e de seu secretariado. Além
de fundar a Revista Brasileira de História. Este ano é fundamental dentro dos
marcos da institucionalização da História em âmbito universitário e/ou
acadêmico.
Inspiração teórica: a principal inspiração teórica deste trabalho é a
operação historiográfica de Michel De Certeau, mas outros autores também são
mobilizados para pensar a escrita de Alice Canabrava, como François Hartog,
Roger Chartier e Reinhart Koselleck.
“Sou apenas um viajante. Não só porque, durante muito tempo, viajei através da
literatura mística (gênero de viagem que leva à modéstia), mas também porque
[...] aprendi, em meio a tantas vozes, que eu não passava de um particular entre
muitos outros, ao relatar somente alguns dos itinerários traçados [...]”. (Michel
De Certeau)
Este excerto me ajudou a pensar Alice Canabrava como esse outro: tão
distante e ao mesmo tempo próxima em alguns aspectos.
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Fontes: a produção historiográfica de Canabrava para o período recortado;
os Anais da FFCL, os Anais da Faculdade de Ciências Econômicas e
Administrativas (FCEA), atual FEA, cartas (notadamente entre ela e seu principal
interlocutor, o historiador e antigo professor da Faculdade de Economia da
UFMG, Francisco Iglésias) e atas de concurso.
Tese: o título deste trabalho traz consigo uma tese, qual seja, a de que a
escrita da História de Alice Canabrava se localiza entre dois mundos: um mundo
ainda ligado ao modus operandi historiográfico do IHGB e um mundo tributário
da historiografia universitária ou acadêmica. É o que procuro demonstrar. Antes,
porém, gostaria de apresentar a dissertação como um todo.
Capítulo 1: A escrita da história de Alice Canabrava e a FFCL da USP
Neste capítulo tratamos da produção historiográfica de Alice Canabrava no
período em que esteve na FFCL, ou seja, até 1946, analisando as fontes,
referências e recepção de seus trabalhos. Com destaque para sua tese de
doutoramento, “O Comércio Português no Rio da Prata (1580-1640)” e de sua
tese para o concurso da Cadeira de História da Civilização Americana, “A
industria do açúcar nas Ilhas Inglesas e Francesas do Mar das Antilhas (1695-
1755)”. Este certame marca a trajetória intelectual de Alice Canabrava; é um
ponto fulcral de sua trajetória, uma vez que obteve com esta tese o título de livre-
docente, por ter sido preterida.
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Capítulo 2: Um novo lugar: a FCEA da USP e a escrita da História de
APC
“A imagem do historiador, divulgada nas caricaturas de Capistrano de
Abreu, falecido em 1924 – um estudioso arcado pelo peso dos anos, as lentes
grossas a denunciar-lhe a miopia, os olhos sempre voltados para os velhos
papéis, indiferente ao mundo que o cerca – é um esteriótipo inteiramente falso”
Neste capítulo tratamos do momento em que Alice Canabrava ingressou no
Instituto de Administração (IA), anexo à Cadeira de Ciências da Administração,
da FCEA da USP na função de técnico administrativo em 1946, encarregada de
pesquisas em história da administração. No ano seguinte assume a cadeira de
História Econômica, se firmando como primeira mulher à atingir a Cátedra na
USP com tese intitulada “O Desenvolvimento da Cultura do Algodão na
Província de São Paulo (1861-1875)” defendida em 1951.
Neste capítulo, também trazemos à baila as análises de Alice Canabrava
acerca das obras de Von Martius, Varnhagen, Capistrano de Abreu e Antonil,
realizadas ao longo dos anos 1960-1980, uma vez que já se encontrava na FCEA
da USP, trabalhando com história quantitativa e tendo como temática
privilegiada a estrutura de posse e propriedade da terra e de escravos em São
Paulo nos séculos XVIII e XIX. Ou seja, mesmo tendo se instrumentalizado com
o cabedal caro aos economistas, estava trabalhando intensamente na consolidação
da ANPUH e na profissionalização do ofício de historiador no Brasil, não
deixando de refletir acerca daqueles historiadores, pertencentes, quase todos, ao
IHGB.
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Capítulo 3: Um conhecimento de formação: APC geógrafa
Neste capítulo privilegiamos também os anos formativos de Alice
Canabrava (1935-1937), demonstrando que ao longo de sua produção
historiográfica, os conhecimentos hauridos na Cadeira de Geografia, com
destaque para Pierre Monbeig (comentar quem foi), sempre estiveram presentes
quando seu objeto permitia. Ao longo de sua produção notamos como Alice
Canabrava “geografava” a História, bem como a presença de várias áreas do
conhecimento geográfico.
Agora sim, adentro na discussão acerca da tese central do trabalho. Para
tanto, me foco na tese de doutoramento de Alice, com destaque para sua
recepção.
“O Comércio Português no Rio da Prata (1580-1640)”
Esta tese foi defendida, segundo ata constante nos arquivos da FFLCH da
USP, no dia 13 de Novembro de 1942 com distinção e recebeu nota 9,56 da
banca examinadora composta por: Jean Gagé, Plínio Ayrosa (comentar sobre
quem foi), Pierre Monbeig, Alfredo Ellis Júnior (comentar sobre quem foi) e
Eurípedes Simões de Paula (comentar sobre quem foi). Quando de sua
publicação no boletim n. 2 da Cadeira de História da Civilização Americana da
FFCL em 1944 foi prefaciada por Afonso Taunay e apresentada pelo regente
interino da Cadeira, Astrogildo Rodrigues de Mello (comentar quem foi).
Esta tese foi resenhada em duas ocasiões das quais falarei agora.
A recepção na revista de História do IHGB em 1945 por Leopoldo
Antonio Feijó Bittencourt, segundo secretário do IHGB e membro da
comissão permanente de história para os anos 1944-1945
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Assim inicia-se a resenha:
“A Sra. D. Alice P. Canabrava, defendendo o título de doutora pela Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, da Universidade de São Paulo, escolheu como
assunto o comércio português no Rio da Prata, e não podia voltar os olhos para
o que fosse mais expressivo. É um amplo quadro de história da civilização esse
comércio através da América do Sul, na parte onde correm as águas de grandes
rios”.
Feijó Bittencourt aponta ainda para o fato de que a tese de Canabrava transcende
a História Política, uma vez que os escritos acerca desta região específica se
apresentavam em uma concepção dual: o poder local/poder colonial, sendo o
primeiro determinado por este. O trabalho de Alice, para ele, seria uma
contribuição à História Social:
“A história social, para cujo desenvolvimento a D. Alice Canabrava está
concorrendo tanto, sempre se pronuncia em um sentido verdadeiro. Parece ela
uma revisão necessária da História”.
Para Bittencourt, destarte o fato de não mencionar os ex post denominados
“mestres franceses”, associa a concepção de ensino de História da FFCL da USP
à Capistrano de Abreu. A tese de Alice Canabrava seria um exemplo desta
concepção, superando, para ele, uma história-filosófica. Bem, até aqui o que
expus sobre a resenha de Feijó Bittencourt desta tese de Alice Canabrava não
permite afirmar que este membro do IHGB esteve ligado à uma concepção de
história dita tradicional e que tanto marcou aquele sodalício.
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A recepção nos Annales por Braudel.
Em 1948, foi publicada na revista dos Annales uma resenha intitulada “De
Potosí a Buenos Aires: uma rota clandestina da prata” de autoria de Fernand
Braudel.
Braudel inicia a resenha afirmando que ao longo do século XVI a América
do Sul esteve apartada das principais correntes de comércio do mundo,
excetuando-se duas regiões: a leste no Atlântico, entre Recife e São Vicente,
onde a cana de açúcar e o comércio de escravos fez prosperar a região e à oeste
do Atlântico na região das minas de Potosí. Em seguida aponta a província do
Paraguai e do Rio da Prata como as mais pobres da América do Sul e as
dificuldades de se estabelecer na região em torno de Buenos Aires, devido à suas
características geográficas.
Na segunda parte da resenha, Braudel menciona que uma jovem
historiadora, orientada pela leitura dos Annales escreveu um importante livro
sobre a região.
“No tocante a essas regiões deserdadas, no começo de sua rude vida colonial,
uma jovem historiadora brasileira, Alice Piffer Canabrava, formada e orientada,
posso assegurar, pela leitura e conhecimento de nossos Annales, acaba de
escrever um livro, seu primeiro livro. Com satisfação, posso dizer que se trata de
um livro de grande importância”.
Em seguida afirma se tratar de um livro claro, de fácil leitura, com método
e referências de vários eruditos brasileiros, argentinos, espanhóis e portugueses;
mas não uma erudição pela erudição. O mais importante para Braudel é que a
tese de Alice possuía uma perspectiva inter-oceânica, demonstrando que o
comércio de Potosí se ligava ao Brasil, Espanha, Portugal e Africa.
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O fato de a tese de doutoramento de Alice Canabrava ter sido resenhada na
revista do IHGB, por vezes pensado como representante de uma história dita
tradicional e vinculada à uma concepção de História como mestra da vida, e na
revista dos Annales, com seus intentos combativos e de renovação do ofício de
historiador e por Fernand Braudel, pode, em um primeiro momento causar certa
mossa.
Como apontei anteriormente, a concepção de Feijó Bittencourt estava
ligada à uma História econômica e social tributária a Capistrano de Abreu.
Ademais, no IV Congresso de História Nacional do IHGB em 1949, membros
oriundos da universidade, como Alice Canabrava, Olga Pantaleão, Maria da
Conceição Martins Ribeiro e Nícia Vilela Luz apresentaram seus trabalhos. Nas
palavras de Lucia Guimarães:
“o conjunto dos trabalhos publicados nos Anais do IV Congresso de História
Nacional revela que a produção da história do Brasil colonial alcançara um
grau de maturidade que não mais admitia uma volta aos modelos tradicionais”
Neste momento a instância legitimadora da produção historiográfica ainda
era o IHGB. Este quadro somente seria alterado nos anos 1960 e 1970 com a
criação da ANPUH e dos primeiros programas de pós-graduação.
A tese de doutoramento de Alice Piffer Canabrava pode ser compreendida
como pertencente a dois mundos que não são distintos, mas que, naquele
momento, entrecruzavam-se: herdeira de uma crítica histórica que remonta ao
eregimento da História enquanto ciência no século XIX, com grande
preocupação com o documento:
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“Meus trabalhos sempre foram feitos a partir de fontes primárias e eu não sei
como fui conduzida a este tipo de pesquisa nos arquivos. [...] Meus trabalhos
sempre se apoiaram em fontes primárias”
“No caso da tese de doutoramento, [...] lembro-me bem como tudo começou. No
Museu Paulista, deparei-me com vários volumes dos Arquivos de Buenos Aires.
Encantei-me com o material, logo percebi que estava diante de um grande filão.
Imediatamente comecei a copiar e a fazer o trabalho. Creio que levei um ano
para realizá-lo. [...] Em certa medida, foi a fonte documental que inspirou minha
pesquisa”
e uma historiografia tributária da interpretação e análise, vinculada, sim à
proposta dos Annales expressa no Brasil, principalmente por Eurípedes Simões
de Paula, mas também de Alfredo Ellis Júnior, Afonso Taunay e Capistrano de
Abreu. Daí o título de nosso trabalho: a historiografia de Alice Piffer Canabrava,
para o período por nós recortado, apresenta elementos pertencentes tanto à
historiografia do século XIX, quanto à historiografia do século XX, ou seja, é
uma Escrita da História que se coloca entre estes dois mundos, e deles se faz co-
partícipe.