anptecre iv congresso

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  • ANPTECREAssociao Nacional de Ps-graduao

    e Pesquisa em Teologia e Cincias da Religio

    Anais doIV Congresso da ANPTECRE

    O futuro das religies no BrasilISSN 2175-9685

    Recife, 2013

  • Organizadores: Gilbraz Arago e Newton Cabral

    Projeto Grfico: Daniel Sigal

    Comisso Organizadora do Congresso:

    Presidncia: Prof. Dr. Cludio Malzoni, Prof. Dr. Degislando Nbrega, Prof. Dr. Gilbraz Arago

    Equipe: Prof. Dr. Drance Elias, Prof. Dr. Joo Luiz Correia, Prof. Dr. Luiz Carlos Luz Marques, Prof. Dr. Luiz Librio, Prof. Dr. Newton Cabral, Prof. Dr. Srgio Douets Vasconcelos, Prof. Dra. Zuleica Danta

    Ficha Catalogrfica

    Apoio:

    Realizao:

    ANPTECREAssociao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Teologia e Cincias da ReligioRua Ministro de Godoy, 969 (4 Andar, Sala 4E-09) Perdizes So Paulo-SP CEP 05015-001

    DiretoriaConselho Diretor:

    Presidente: Prof. Flvio Augusto Senra Ribeiro, PUC Minas

    Vice-presidente: Prof. Gilbraz Arago, UNICAP

    Secretrio: Prof. Wilhelm Wachholz, EST

    Conselho FiscalProf. Fernanda Lemos, UFPB (Presidente)Prof. lio Estanislau Gasda, FAJEProf. Manoel Ribeiro de Moraes Jnior, UEPA

    Conselho CientficoProf. Rudolf von Sinner, EST (Presidente)Prof. Claudio Oliveira Ribeiro, UMESPProf. rico Joo Hammes, PUC RSProf. Geraldo Luiz De Mori, FAJEProf. Maria Clara Bingemer, PUC Rio

    C749a Congresso da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Teologia e Cincia da Religio (4. : 2013 : Recife, PE)

    [Anais do] IV Congresso da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Teologia e Cincia da Religio : o futuro das religies no Brasil /[organizadores Gilbraz S. Arago, Newton Darwin A. Cabral]. - - So Paulo : ANPTECRE, 2013.

    2320 p. ISSN 2175-9685 (EBook) Apoio: FACEPE, CNPQ, CAPES

    1. Religies - Brasil - Congressos. 2. Religies - Histria - Congressos. 4. Hermenutica. 4. Congressos e convenes. I. Arago, Gilbraz Souza.

    II. Cabral, Newton Darwin Andrade. III. Ttulo.

    CDU 2(81)

  • SumrioApresentao ........................................................................................................................ 7

    Conferncias

    Panorama Internacional das ReligiesSteven Engler ............................................................................................................................13

    Teologia(s) na academiaMatthias Grenzer ..................................................................................................................... 43

    A questo do Fundamentalismo: entre a reao e o dilogo

    Rodrigo Franklin de Sousa ........................................................................................................ 51O Futuro das Religies no Brasil: o enfoque das Cincias da Religio

    Marcelo Camura ...................................................................................................................... 71O Sagrado entre e alm das Religies:Um breve ensaio antropolgico

    Emerson Jos Sena da Silveira .................................................................................................. 91

    Sesses Temticas .......................................................................................................111

    ST 1 - Ecoteologia. Temas Emergentes ......................................................................113ST 2 - Religies e Filosofias da ndia ...........................................................................217ST 3 - Psicologia da Religio............................................................................................345ST 4 - Espiritualidade Crist em Dilogo Multicultural: ...................................477ST 5 - Questes Emergentes ............................................................................................619ST 6 - Teologia(s) da Libertao ....................................................................................729ST 7 - Gnero e Religio: Tendncias e Debates ......................................................861ST 8 - Espiritualidades contemporneas, pluralidade

    religiosa e dilogo ...................................................................................................987ST 9 - Paul Tillich .............................................................................................................1.145ST 10 - Religio e Esfera Pblica ...............................................................................1.207ST 11 - Teologia, Mdias e Cultura Pop ...................................................................1.325ST 12 - Religio como Texto: Linguagens e Produo de Sentido ...............1.489ST 13 - Estudos Elementares de Epistemologia nas Cincias da Religio ............1.611ST 14 - Religies de Matriz Africana: Pluralidade e Alteridade ..................1.761ST 15 - Leituras Libertadoras da Bblia .................................................................1.943ST 16 - GT Religio e Educao...................................................................................2.127

  • 7Apresentao

    O trmino de um Congresso suscita inmeras indagaes, das quais

    muitas esto ligadas ao como trazer para a realidade traada nas tra-

    mas do cotidiano as reflexes nele discutidas e sistematizadas. A ques-

    to remete insero da Academia na vida, tal e qual ela se apresenta,

    para entend-la, valoriz-la e, sobretudo, dar-lhe o devido reconheci-

    mento e, a partir desse mesmo reconhecimento, poder lidar com o ob-

    jeto, sobretudo quando ele plural, multifacetado, polissmico e tem

    incidncias no dia a dia das pessoas e das instituies por elas criadas.

    Sem dvidas, uma das melhores maneiras de principiar tal proces-

    so perpetuando o acesso ao que se discutiu para um pblico maior de

    interessados na temtica escolhida, no caso o futuro das religies no

    Brasil.

    A referncia ao IV Congresso da ANPTECRE (Associao Nacional

    de Ps-graduao e Pesquisa em Teologia e Cincias da Religio), que

    reuniu mais de trezentos e cinquenta pesquisadores do Brasil e de fora

    dele, entre 04 e 06 de setembro deste ano de 2013, no campus da Uni-

    versidade Catlica de Pernambuco.

    Depois que correntes de pensamento ditas mais racionais, a exem-

    plo do Iluminismo e, posteriormente, do Positivismo, buscaram im-

    por-se, e aps comear a disseminao das agruras trazidas a parcelas

    considerveis da humanidade pela Revoluo Industrial e por todo o

    processo que conduziu ciso do mundo em dois blocos, pareceu que

    apenas seria possvel entender a realidade a partir da considerao de

    que a instncia econmica seria a decisiva e que dela se derivariam

    todas as demais; dessa forma, era fcil chegar concluso de que a

  • 8IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    trajetria dos seres humanos em sociedade s poderia ser examinada

    na perspectiva da luta de classes, vista por muitos, a partir de ento,

    como movente nico da histria.

    Em tal cenrio, parecia no haver lugar para as religies, considera-

    das elemento de fuga, para uns, e de justificao, para outros. Todavia,

    o instrumental marxista, que tambm buscava impor-se, mostrava-se

    insuficiente para abarcar o campo religioso.

    Uma anlise mais acurada evidencia que fenmenos ligados s ma-

    nifestaes religiosas tm acompanhado todas as fases dos processos

    histricos, antes e depois dos analistas de quaisquer reas do conheci-

    mento, inclusive dos que so mais lidos e debatidos.

    No diferente a situao no Brasil, onde manifestaes religiosas

    so registradas da sua pr-histria aos dias atuais. Nestes, alis, a inci-

    dncia cada vez mais marcante.

    O fenmeno religioso tem grande importncia em nossa sociedade,

    desde os primeiros momentos da histria brasileira, quando as cren-

    as amerndias, o catolicismo lusitano e as religies africanas aqui se

    encontraram para formar um lastro de crenas e vivncias espirituais;

    que se tornou ainda mais complexo nos ltimos tempos, quando ou-

    tras denominaes crists, religies orientais, islamismo e judasmo

    implantaram-se entre ns, diversificando o nosso panorama religioso

    e conferindo-lhe grande vitalidade e diversidade.

    O cenrio religioso brasileiro contemporneo, portanto, muito di-

    nmico. E, diante dos dados do Censo IBGE 2010, que j esto gerando

    anlises e interpretaes, ficamos intrigados com o crescimento dos

    sem religio e, ao mesmo tempo, do espiritismo; com o vigor e as

    combinaes dos pentecostalismos cristos, alm das crises do catoli-

    cismo; com o ressurgimento das vivncias de transe e com o apareci-

  • 9Apresentao

    mento de uma espiritualidade trnsfuga em redes sociais e caminha-

    das tursticas.

    Enfim, para onde vo as religies no Brasil? Esse foi o eixo em tor-

    no do qual refletimos nesse Congresso da ANPTECRE, com o suporte

    transdisciplinar de mtodos que vo da fenomenologia hermenuti-

    ca e compem o nosso campo de conhecimento. Esse compartilhamen-

    to de pesquisas se justificou pelo tempo de grandes transformaes

    culturais que vivenciamos e pela necessidade dos estudos da religio

    realizarem uma leitura crtica das alternativas religiosas que se confi-

    guram em tal contexto, como tambm uma reviso metodolgica na

    produo de estatsticas e panoramas da religiosidade.

    O IV Congresso Nacional da nossa Associao de Ps-graduao e

    Pesquisa em Teologia e Cincias da Religio foi organizado atravs de

    Mesas de Debate articuladas pelos Programas da rea e Sesses Te-

    mticas e Grupos de Trabalho propostos pelos seus pesquisadores e

    selecionados pelo Comit Cientfico da ANPTECRE. Alm disso, trs

    conferncias abordaram a temtica central, em relao s tendncias in-

    ternacionais e sob os enfoques das Cincias da Religio e das Teologias.

    Nas pginas destes Anais do Congresso, temos o prazer de sociali-

    zar cinco textos referentes a essas conferncias e mesas, bem como as

    comunicaes aprovadas pelas coordenaes das dezesseis Sesses Te-

    mticas que enriqueceram o nosso encontro no Recife. Desejamos que

    tais registros constituam uma lembrana, mas tambm permitam um

    aprofundamento das questes discutidas no IV Congresso da ANPTE-

    CRE, sobre o futuro das religies no Brasil.

    Os organizadores

  • 10

  • 11

    Conferncias

  • 12

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

  • 13

    Panorama Internacional das ReligiesSteven Engler *

    Resumo

    Este artigo oferece uma contextualizao rpida das tendncias

    religiosas globais, apresentando quatro temas. 1. Fatos demogrficos

    bsicos: nmeros e distribuies das grandes religies. 2. O estado do

    cristianismo no seu contexto global. 3. O estado do islamismo no seu

    contexto global. 4. E o aumento global no nmero dos no-afiliados.

    A seleo de tendncias e exemplos ser necessariamente parcial, mas

    servir para destacar as tenses entre a tradio e as modernidades

    no comeo do sculo 21.

    PALAVRAS-CHAVE: Religies. Estatsticas religiosas. Cristianismo.

    Islamismo. Afiliao religiosa. Sem religio. Tradio.

    Ao encarar o assunto complexo do status da religio no mundo

    atual, poderamos partir para uma discusso terica do prprio concei-

    to da religio, na procura da essncia deste fenmeno to importante,

    luz da grande diversidade das religies do mundo. Proponho, em vez

    * Possui graduao em Filosofia (University of British Columbia, 1986), mestrado em Filosofia (University of Toronto, 1988) e doutorado em Religious Studies (Con-cordia University, 1999). Atualmente Professor of Religious Studies (tenured) da Mount Royal University, Calgary, e Affiliate Professor of Religion da Concordia Uni-versity, Montral. Foi professor visitante da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (agosto de 2005 a fevereiro de 2008). Tem experincia nas reas de Cincias da Religio e Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: teoria da religio, religio no Brasil, e metodologia.

  • 14

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    disso, que fiquemos presos aos dados empricos. Comearei com dados

    demogrficos sobre as grandes religies, depois tratarei do assunto

    das pessoas sem religio. Salientarei fatores que resultam em tenses

    dentro das ou entre as religies. Chegaremos por esse processo a um

    insight de certo peso terico: vrias dimenses do pluralismo religioso

    no mundo atual refletem tenses sobre o status da tradio.

    Panorama demogrfico

    A populao do mundo em 2010 era aproximadamente 6.9 bilhes.

    Dessas pessoas, 5.8 bilhes (84%) so afiliadas a uma religio (PEW

    FORUM, 2012a, 9). Quatro grandes religies representam 77% da

    populao do mundo: o Cristianismo, o Islamismo, o Hinduismo, e o

    Budismo. (Tabela 1).

    Tabela 1. As grandes religies (% da pop. mundial) (CIA 2013; PEW

    FORUM, 2012a, 9)

    % (CIA) % (Pew)Cristianismo 33,4 31,5Islamismo 22,7 23,2Hinduismo 13,8 15,0Budismo 6,8 7,1Folk - 5,9

    O restante da populao religiosa do mundo se divide entre vrias

    religies de tamanho menor (Tabela 2). Essa lista das religies meno-

    res levanta vrias perguntas. Notarei quatro.

  • 15

    Conferncias

    Tabela 2. As maiores das religies menores (pop. global em milhes de

    pessoas)1

    Trad. (China) 394 Jainismo 4,2Indgenas 300 Shinto 4Trad. (frica) 100 Zoroastrianismo 2,6Sikhismo 28 Tenrikyo 2Juche 19 Cao Dai 2Espiritismo 15 Hoa Hao 2Judasmo 14 Neopaganismo 1Bahai 7 Rastafarianismo 0,6

    Primeiro, so as tradies tradicionais, folk e indgenas que englo-

    bam a grande proporo dessas pessoas religiosas que no fazem parte

    das quatro grande religies (veja a categoria de Folk na Tabela 1).

    Sendo assim, por que que os programas de cincias da religio e no

    somente no Brasil prestam to pouca ateno a essas religies? Duas

    1 Juche a ideologia poltico-religiosa da Coreia do Norte.Tenrikyo uma nova reli-gio japonesa. Cao Dai uma religio sincrtica e monotesta do Vietn, com influn-cias do Kardecismo francs. Hoa Hao outra nova religio vietnamita, uma vertente sincrtica e proftica do budismo. Rastafarianismo uma religio de origem jamaica-na que enfatiza o fim do exlio racista dos descendentes de africanos nas Amricas. Os nmeros so bem aproximados. A fonte da Tabela 2 www.adherents.com, com informaes adicionais do CIA Factbook e da Wikipedia. Como fonte, o adherents.com no entre as mais confiveis, em parte porque no distingue entre afiliao e pres-tao de servios religiosos. Veja o nmero de espritas, que parece exagerado, sendo que, no Brasil, segundo e censo do IBGE de 2009, o nmero seria um pouco mais de 3.1 milhes. Claro que existem kardecistas no exterior e, mais importante, que esse nmero inclui espiritualistas e outras tradies relacionadas. Portanto, o nmero me parece bem exagerado. Mesmo assim, a tabela d uma ideia geral de grande valor da proporo relativa das religies menores no mundo.

  • 16

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    respostas so bvias. Existe uma variao enorme com poucos fatores

    em comum entre as milhares de tradies nesta categoria, e a linha

    entre religio e cultura mais difcil de discernir, nestes casos, fatos

    que dificultam a pesquisa e o ensino na rea. Sobre uma pergunta re-

    lacionada: por que que, no Brasil, as culturas religiosas indgenas ca-

    bem nos programas de antropologia e no nos programa de cincia(s)

    da religio?

    Segundo, como corolrio da incluso da ideologia poltica Juche

    na lista, e como j notamos, implicitamente, ao contrapor a religio e

    a cultura, qualquer categorizao desse tipo trabalha implicitamente

    com uma definio da religio. Para explorar mais esses fenmenos

    mesmo sendo demogrficos e descritivos seria importante discutir

    esse quadro terico.

    Terceiro, a incluso do Judasmo na lista das religies menores sa-

    lienta o fato de que as categorias grande e menor refletem critrios

    diferentes. O Judasmo geralmente considerado uma das cinco re-

    ligies do mundo (world religions), devido sua presena diasprica,

    sua influncia histrica, e ao seu peso na poltica do Oriente Mdio.

    Porm, em termos de tamanho, fica entre as menores.

    Quarto, qual seria o motivo pela ausncia do taosmo e do confu-

    cionismo dessas duas listas (Tabelas 1 e 2)? A resposta salienta a com-

    plexidade do prprio conceito da afiliao religiosa. O Taoismo tem

    trs vertentes: a filosfica, a asctica/alqumica, e a religiosa. As pri-

    meiras duas no tm dimenses institucionais tais que caberiam den-

    tro das definies comuns das religies A terceira mais uma fonte

    de servios religiosos, especialmente rituais da morte, do que a base da

    afiliao religiosa de muitas pessoas (um pouco como a Umbanda no

    Brasil). Esses fatos so mais importantes ainda no contexto da cultura

  • 17

    Conferncias

    religiosa chinesa, em que a afiliao exclusiva coisa de religies im-

    portadas relativamente recentemente, primariamente do islamismo e

    do cristianismo.

    Devemos lembrar, portanto, que vrios fenmenos compli-

    cam qualquer tentativa de dar nmeros exatos para a afiliao

    religiosa, e que tais fenmenos variam de regio para regio: por

    ex., a aderncia mltipla, o trnsito religioso, a procura de ser-

    vios religiosos, o sincretismo e o hibridismo. Outro fenmeno

    importante a ser discutido abaixo a faixa crescente de pessoas

    que dizem no ter uma religio. Ao dar um resumo bem rpido

    de vrias dimenses da variao religiosa contempornea, sa-

    lientarei uma consequncia importante: as fontes frequentes

    das tenses e conflitos. Por exemplo, e obviamente, existem v-

    rias divises internas dentro de cada uma das grandes religies:

    por ex., entre catlicos e protestantes no Cristianismo, e entre

    sunitas e xiitas no Islamismo.

    Outra importante dimenso da variao religiosa e uma fonte sig-

    nificativa de tenses religiosos o espectro entre as extremidades

    conservadoras e liberais. Existe uma correlao forte entre pobreza e

    crenas religiosas conservadoras, no nvel dos pases. A tabela 3 indica

    a relao, em 114 pases, entre a mdia da renda per capita anual e a

    porcentagem de pessoas respondendo sim pergunta: A religio

    parte importante da sua vida diria? Existe uma relao estreita e

    inversa entre esses fatores: a religio mais forte em pases pobres e

    mais fraca em pases ricos: por ex., 99% em Bangladesh, Nger, I-

    men, Indonsia, Malaui e Sri Lanka; enquanto 17% na Sucia, 24%

    no Japo, 27% na Inglaterra e 30% na Frana (GALLUP, 2010). A taxa

    no Brasil 87%.

  • 18

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    Tabela 3. Correlao entre importncia da religio e renda nacional

    (porcentagem de pessoas respondendo sim pergunta: A religio

    parte importante da sua vida diria? GALLUP, 2010)

    Renda mdia (US$) % mediana$0-$2000 95$2001-$5000 92$5001-$12 500 82$12 501-$25 000 70$25 001+ 47

    Essa dimenso interna das religies as relaes entre as extremi-

    dades conservadoras e liberais obviamente uma fonte de tenses e

    conflitos, especialmente em torno do fundamentalismo.

    Lembramos que o fundamentalismo abrange fenmenos pare-

    cidos em muitas religies: existem fundamentalismos no protestan-

    tismo, no catolicismo, no judasmo, no islamismo, no hindusmo, no

    budismo, etc. Em termos gerais, cada um desses fundamentalismos

    tem dois lados: enfatiza um ou mais aspectos das suas crenas como

    a fundamento da religio; e v algum aspecto do mundo moderno

    como uma ameaa a esse fundamento. Portanto, o fundamentalismo

    , por definio, um fenmeno moderno. Embora o fundamentalis-

    mo veja aspectos da modernidade como uma ameaa aos fundamen-

    tos religiosos, no faz sentido falar do fundamentalismo antes da

    poca moderna. Vemos, na dimenso das vertentes religiosas conser-

    vadoras, uma tenso explcita entre certas vises da tradio e da

    modernidade. O fato da viso fundamentalista ser seletiva visvel

    no uso intensivo das mdias de comunicao. A estratgia de entre-

  • 19

    Conferncias

    gar uma mensagem tradicional dentro de um embrulho tipicamente

    moderno reflete, em si, uma distino bem moderna entre forma e

    contedo, e salienta que no so todas as dimenses da modernidade

    que so vistas como ameaas.

    Em termos gerais, a ttica essencial das perspectivas conservado-

    ras religiosas (por ex. as Ortodoxias Crist e Judia) de insistir na

    autenticidade de certas crenas e prticas. E essa afirmao de auten-

    ticidade se elabora em termos da relao com o passado: os verdadei-

    ros aspectos da religio so os mais antigos, quer dizer, os originais.

    Assim sendo, a tradio se constri dentro de um contraste antago-

    nista com a modernidade (Tabela 4). importante notar que no

    incomum que as tradies so inventadas. Este tema da inveno

    da tradio em contextos religiosos tem recebido ateno significa-

    tiva em anos recentes (por ex., VAN HENTEN e HOUTEPEN, 2001;

    ENGLER e GRIEVE, 2005; LEWIS e HAMMER, 2007). Dois pontos

    chaves emergem desses estudos (ENGLER 2005a; 2005b; 2009; a

    aparecer-b). Primeiro, o fato de uma suposta tradio ser antigo ou

    original menos importante do que a crena que isso seja o caso. As

    tradies tm uma fora normativa quando as pessoas acreditam em

    que sejam antigas ou originais, no somente quando a crena corres-

    ponde realidade histrica. Portanto, como estudiosos da religio,

    ns devemos estudar, primariamente, os processos ideolgicos atra-

    vs dos quais as tradies esto construdas, independente dos fatos

    histricos em si. Segundo, como corolrio, a oposio entre a tradio

    e a modernidade mais um artefato ideolgico do que um fato his-

    trico. Cabe ao estudioso das religies investigar as condies sobre

    as quais as pessoas afirmam esta oposio, no opinar sobre o status

    epistemolgico dela.

  • 20

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    Tabela 4. Conceito da tradio como aposto modernidade (ENGLER

    2005a; 2005b).

    Tradio ModernidadeTrans-histrica Histrica

    Antiga ModernaPerene Inovadora

    Recebida InventadaUniversal ParticularContnua DescontnuaUnitria PluralEsttica Dinmica

    Autntica FalsificadaVerdadeira Falsa

    Direcionando a nossa ateno para as relaes entre as religies,

    elas variam muito conforme uma variedade de fatores. O mais impor-

    tante a histria poltica de cada pas, especialmente a sua experin-

    cia com o colonialismo. A predominncia do cristianismo nos pases

    de colonizao europeia nas Amricas resulta em uma panorama de

    relativamente pouco pluralismo. Por exemplo, a soma de catlicos e

    protestantes (como porcentagem da populao nacional) 66% no Ca-

    nad, 75% nos EUA, 89% no Brasil e 92% no Mxico (PEW FORUM,

    2013b; 2008, 5; NERI, 2011; HERNNDEZ E RIVERA, 2009).2

    So frequentes as tenses entre religies majoritrias e minorit-

    2 Para um exemplo marcante deste pluralismo interno do cristianismo, veja a grfi-ca de pluralismo religioso no Atlas social do estado de Novo Gales do Sul na Austrlia (ATLAS, s.d.).

  • 21

    Conferncias

    rias. A situao das cinco religies do mundo varia bastante neste

    sentido: 97% dos hindus esto na maioria no seu pas, 87% dos cris-

    tos, 73% dos muulmanos, 41% dos judeus, e somente 28% dos bu-

    distas (PEW FORUM, 2012a, 11). Essa situao est correlacionada

    com vrias situaes de perseguio: por ex., do Cristianismo cptico

    no Egito, do Islamismo xiita no Paquisto, do Bahai no Ir, da Falun

    Dafa na China, e do Judasmo em vrios lugares e pocas. Tanto as

    restries governamentais quanto as hostilidades sociais so bem me-

    nores em pases onde o catolicismo a religio majoritria (PEW FO-

    RUM, 2011a; 2012c).

    A frica exemplifica outra face do pluralismo religioso: a tendn-

    cia das religies a manifestarem tenses alinhadas com fronteiras

    geogrficas. Existe uma volatile religious fault line (zona instvel de

    tenses religiosas) entre a frica do norte e a subsaariana: em muitas

    partes do continente acima dessa linha tm at 200 vezes o nmero

    de muulmanos do que cristos; e, abaixo da linha, a situao con-

    trria (PEW FORUM, 2010). Os pases que ficam na regio da linha

    prpria por ex., Etipia, Qunia, e Nigria tm uma maior ndice de

    tenses e de violncia religiosas. Por exemplo, uma sondagem recente

    da Pew Forum indica que a proporo de muulmanos que dizem que

    o conflito religioso um grande problema no seu pas em geral mais

    alta nos pases dessa regio (PEW FORUM, 2013a, 114). O caso da

    Nigria expressivo: a populao do pas divida quase igualmente

    entre cristos e muulmanos. H vrios casos de violncia entre estes

    dois grupos nos anos recentes.3 A lei islmica, a charia, est em vigor

    3 Para dados comparativos de atitudes e prticas religiosas entre cristos e muul-manos nigerianos, veja http://features.pewforum.org/africa/country.php?c=160

  • 22

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    nos estados do norte do pas, enquanto os estados do sul, de grande

    maioria cristos, empreendem um sistema legal secular.

    A relao entre as religies na frica fica ainda mais complexa de-

    vido ao fato de que as crenas e prticas tradicionais continuam for-

    tes em alguns pases e esto enfraquecidas em outros. Por exemplo, a

    crena no poder protetivo dos sacrifcios aos espritos e aos ancestrais

    varia entre os casos extremos de 6% em Ruanda e 60% na Tanznia,

    com a taxa na Nigria que de 11% (PEW FORUM, 2010).

    Os discursos ideolgicos da tradio e da autenticidade desem-

    penham um papel central nos dois casos de tenses minoritrias e

    geogrficas. A concorrncia do Mitt Romney para presidente dos EUA

    salientou o status do mormonismo naquele pas. Destacou-se o assun-

    to da relao do mormonismo com os valores tradicionais americanos.

    Para dar um exemplo extremo, um comentrio no site do Washington

    Post afirmou que os mrmons desprezam os sagrados valores ame-

    ricanos da liberdade e da igualdade. Eles no so verdadeiros Ame-

    ricanos, ponto final.4 Vemos aqui mais um exemplo da diferena de

    opinio sobre a tradio. O exemplo da Nigria, outra vez, demons-

    tra o segundo caso.5 Os cristos enfatizam uma autenticidade antiga

    e universal da revelao no contexto de um estado ps-colonial. Os

    muulmanos reivindicam uma autenticidade transnacional porm

    de identidade bastante africana como parte de uma sociedade global

    dos seguidores da charia. Os membros das religies indgenas enfati-

    4 http://onfaith.washingtonpost.com/onfaith/panelists/Jordan_Seku-low/2011/02/surely_a_mormon_can_be_president.html

    5 Veja, por ex., CASEY, 2008; http://nigeriaworld.com/feature/publication/jide-ko-molafe/082412.html; http://www.nigeriahivinfo.com/nigcomradio/masscompolicy.htm.

  • 23

    Conferncias

    zam a originalidade das suas crenas no contexto geogrfico especfi-

    co. Todos os trs grupos concordam em que a relao com o passado

    e as origens religiosas so as marcas da tradio e da autenticidade.

    Porm tm trs vises diferentes desta relao. Uma outra indicao

    do poder das definies da tradio a variao em atitudes dos mu-

    ulmanos sunitas s seitas e aos movimentos menos ortodoxos den-

    tro do islamismo (Tabela 10).

    Tendncias no Cristianismo

    Focalizando mais especificamente o cristianismo, o fato demogr-

    fico mais marcante no ltimo sculo um fato bem conhecido e co-

    mentado o deslocamento do centro da religio da Europa para o

    resto do mundo (Tabela 5). O crescimento na frica especialmente

    notvel. Cabe salientar tambm que a China j est entre os dez pases

    do mundo com a maior populao crist, com mais de 3% da popula-

    o crist global (comparado a 11% nos EUA e 8% no Brasil) (Tabela 6).

    Tabela 5. Distribuio regional dos cristos (% da populao crist global).

    (PEW FORUM, 2011b)

    Regio 1910 2010Europa 66,3 25,9Amricas 27,1 36,8Oriente Mdio norte

    da frica

    0,7 0,6

    frica Subsaariana 1,4 23,6

  • 24

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    sia Pacfico 4,5 13,1

    Tabela 6. Os 10 pases com o nmero maior de Cristos, 2010 (PEW

    FORUM, 2012a, 18)

    PasPop. Crist

    (milhes)% Cristo

    % da pop.

    mundial

    CristoEUA 243,1 78,3 11,2Brasil 173,3 88,9 8,0Mxico 107,9 95,1 5,0Rssia 104,8 73,3 4,8Filipinas 86,4 92,6 4,0Nigria 78,1 49,3 3,6China 68,4 5,1 3,1R.D. Congo 63,2 95,8 2,9Alemanha 56,4 68,7 2,6Etipia 52,1 62,8 2,4

    Evidentemente, o espectro entre os conservadores e os liberais

    se manifesta de uma maneira importante no cristianismo. As duas

    vertentes mais conservadoras so os fundamentalistas protestantes

    e os pentecostais. Estudos nos EUA, por exemplo, demonstram que

    os membros desses dois grupos de cristos tm, na mdia, um grau

    de escolaridade muito menor do que dos outros grupos religiosos, in-

    clusive os membros de outras igrejas evanglicas (BEYERLEIN, 2004).

  • 25

    Conferncias

    O relacionamento entre o fundamentalismo protestante e o criacio-

    nismo antidarwiniano ntida (ENGLER, 2011; a aparecer-a). Existe

    uma relao estreita e inversa entre a crena no criacionismo e a renda

    mdia dos pases.6

    Outro fenmeno relacionado o evangelho da prosperidade, de

    grande importncia especialmente nos EUA, na frica, e na Amrica

    Latina. Essa posio teolgica uma inovao recente. Porm, os de-

    fensores dela a defendem quase sempre na base de citaes bblicas.

    Quer dizer, tentam inventar uma tradio, ligando esta inovao ao

    passado para reivindicar da autoridade das origens e da antiguidade.

    Devemos notar que este fenmeno teolgico no se limita a estas re-

    gies e nem ao protestantismo. Por exemplo, o evangelho da prospe-

    ridade tem um papel central na sua teologia do movimento El Sha-

    ddai um vertente do catolicismo carismtico nas Filipinas que tem

    at dez milhes de seguidores no mundo inteiro (WIEGELE, 2005).

    Existem poucos estudos das dimenses demogrficas do evangelho da

    prosperidade. Um estudo recente nos EUA aponta dois fatos bem in-

    teressantes (SCHIEMAN E JUNG, 2012). Primeiro, existe uma forte

    relao inversa entre a crena no evangelho da prosperidade e o grau

    de escolaridade: quanto mais educao, menos crena nessa teologia.

    Segundo, o efeito inexistente entre as pessoas que participam dos

    cultos frequentemente.

    Tendncias no Islamismo

    6 http://www.calamitiesofnature.com/archive/?c=559 Veja Miller et al. 2006.

  • 26

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    O Islamismo a segunda maior religio do mundo. Tem 1,57 bi-

    lhes de muulmanos no mundo, da populao total de 6,8 bilhes,

    sendo um pouco mais do que 23% da populao total (PEW FORUM,

    2009a; 2012a, 9). Mais de 97% dos muulmanos do planeta se encon-

    tram em uma faixa geogrfica que se estende da frica do norte, pelo

    Oriente Mdio e o sul da sia, at a Indonsia (Tabela 7). Todos os 10

    pases com o nmero maior de muulmanos ficam nesta megarregio

    (Tabela 8).

    Tabela 7. Distribuio regional dos muulmanos (% da populao

    Islamismo global). (PEW FORUM, 2009a)

    Regio

    % muulmanos

    na pop.

    regional

    % da pop.

    muulmana

    globalsia-Pacfico 24,1 61,9Oriente Mdio

    frica do Norte

    91,2 20,1

    frica Subsaariana 30,1 15,3Europa 5,2 2,4Amricas 0,5 0,3

    Tabela 8. Os 10 pases com o nmero maior de muulmanos, 2009 (PEW

    FORUM, 2009a)

    PasPop. mu.

    (milhes)% mu.

    % da pop.

    mund. mu.

  • 27

    Conferncias

    Indonsia 202,9 88,2 12,9Paquisto 174,1 96,3 11,1ndia 160,9 13,4 10,3Bangladesh 145,3 89,6 9,3Egito 78,5 94,6 5,0Nigria 78,1 50,4 5,0Ir 73,8 99,4 4,7Turquia 73,6 98 4,7Arglia 34,2 98,0 2,2Marrocos 32,0 99 2

    A proporo muulmana da populao global continua a aumentar:

    cresceu de 17% a 25% entre 1950 e 2010 (Tabela 9).

    Tabela 9. Proporo muulmana da populao europeia e global

    (KETTANI, 2010, 162)7

    1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 2020Europa 1,97 2,22 3,04 3,57 4,43 5,14 5,74 5,76Mundo 17,06 17,77 19,02 20,45 22,07 23,65 24,86 26,01

    A maior populao minoritria de muulmanos fica na ndia,

    onde 13,4% da populao nacional muulmana, sendo 10,3% da

    populao global muulmana (PEW FORUM, 2009a). Existem po-

    7 A Pew Forum (2011c) oferece nmeros um pouco diferentes pela proporo muulmana da populao global: 1990 (19,9%), 2000 (21,6%), 2010 (23,4%), 2020 (24,9%), 2030 (26,4%).

  • 28

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    pulaes minoritrias grandes de muulmanos tambm na Etipia,

    na China, na Rssia, na Tanznia, na Costa de Marfim, em Moam-

    bique, nas Filipinas e em Uganda (PEW FORUM, 2009a). Na Euro-

    pa, existem maiorias importantes especialmente na Alemanha, na

    Frana e no Reino Unido. A proporo da populao da Europa, que

    muulmana, cresceu de 1,97% em 1950 at 5,74% em 2010, mas

    parece que a taxa de crescimento estar pequena ao menos na prxi-

    ma dcada (Tabela 9).

    As relaes entre os muulmanos sunitas e xiitas uma fonte

    significativa de tenses religiosas. Entre 10% e 13% da populao

    muulmana mundial xiita. Por ex. na Sria, atualmente, os alaui-

    tas (uma vertente do Islamismo xiita) formam 15-20% da popu-

    lao e so ligados historicamente aos governos do Bashar al-As-

    sad e do pai dele; porm, os rebeldes so primariamente sunitas.

    A concentrao mundial da populao xiita fica no oriente mdio

    e no sul da sia (PEW FORUM, 2009a). At 40% de todos os xiitas

    do mundo vivem no Ir, onde 90-95% da populao xiita. Os xii-

    tas formam uma grande proporo da populao muulmana (no

    necessariamente da populao total) de vrios outros pases: dois

    teros no Iraque, no Bahrain e no Azerbaijo; at 50% no Lbano;

    mais de um tero no Imen; 20-25 % no Kuwait, e 15-20% na Sria.

    Nove outros pases tm mais de 10% de xiitas na sua populao

    muulmana: Paquisto, ndia, Turquia, Afeganisto, Arbia Sau-

    dita, Alemanha, EUA, Reino Unido e Bulgria. Entre os sunitas, a

    aceitao dos xiitas como sendo muulmanos varia muito de pas

    em pas: por ex., 19% no Kosovo, 24% na Indonsia, 37% em Mar-

    rocos, 42% no Egito, 50% no Paquisto, 60% na Turquia, 77% no

    Lbano, 82% no Iraq e 90% no Azerbaijo (PEW FORUM, 2012d,

  • 29

    Conferncias

    89). A aceitao de outras minorias islmicas tambm varia muito

    (Tabela 10).

    Tabela 10. Aceitao de seitas muulmanas (% de muulmanos que

    aceitam os membros destes grupos como sendo tambm muulmanos)

    (PEW FORUM, 2012d, 93)8

    Sim Nao

    Nunco ouvi

    falar / No

    seiAhmadiyyasBangladesh 40 32 28Tailndia 25 5 70Malsia 16 23 61Indonsia 12 78 10Paquisto 7 66 26AlauitasLbano 57 38 5AlevisTurquia 69 17 14

    8 O movimento Ahmadiyya foi fundado na ndia por Mirza Ghulam Ahmad, em 1889. Um grupo acredita que o Ahmad foi o Mahdi, outro que ele aperfeioou a pro-fecia do Muhammad. Os alauitas so um vertente xiita na Sria, talvez com doutrinas e prticas secretas divergentes, mas que enfatizou sua ortodoxia no ltimo sculo. Os alevis so uma vertente xiita, primariamente na Turquia. Existe uma grande di-versidade interna, com uma mistura de elementos folclricos. Os Druze so uma di-vergncia do xiismo ismaili, no Lbano, Sria, Israel, e Jordnia. Enfatiza elementos esotricos e secretos. Aliran Kepercayaan um movimento mstico primariamente na Indonsia, com uma presena menor na Malsia. Mistura elementos de sufismo, Hindusmo, Budismo e animismo. Jaringan Islamismo Liberal um movimento na Indonsia que enfatiza os elementos morais do Islamismo.

  • 30

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    DruzeLbano 39 52 9Aliran Kepercayaan

    Malsia 9 26 66Indonsia 5 80 14

    Jaringan Islamismo LiberalIndonsia 16 58 26

    Tenses entre vises conservadoras e liberais do Islamismo so for-

    tes. A porcentagem mediana de muulmanos que favorecem o status

    oficial da charia (i.e., que a lei islmica seja a lei do seu pas) grande

    na maior parte do mundo islmico: 84% no sul da sia; 77% no su-

    deste da sia; 74% no oriente mdio e no norte da frica; 64% na

    frica Subsaariana; porm somente 18% no sudeste da Europa e 12%

    na sia central (PEW FORUM, 2013a, 16). Esse apoio muito maior

    entre os muulmanos mais devotos (i.e., os que rezam vrias vezes por

    dia) (PEW FORUM, 2013a, 21). Na maioria dos pases com grandes

    populaes islmicas, a maior parte dos muulmanos afirma que exis-

    te somente uma interpretao vlida no Islamismo este nmero de

    mais de 70% em pases como a Tailndia, Indonsia, Malsia, Paquis-

    to, Afeganisto, Egito, Jordnia, Tajiquisto, Mali, Etipia e Nigria

    (PEW FORUM, 2012d, 11).

    O papel da tradio central no islamismo conservador, especial-

    mente entre os sunitas, onde o texto do Alcoro, os livros de hadith e

    as escolas tradicionais da lei charia formam a base inquestionvel da

    autoridade. Vemos essa importncia da tradio no fato que a inven-

    o da tradio uma estratgia importante de legitimao da inova-

    o. Em termos gerais, a inveno da tradio feita por dois proces-

  • 31

    Conferncias

    sos complementares: inovao em crenas e prticas; e a elaborao de

    uma verso do passado que legitima esses (Engler a aparecer-b). Por

    exemplo, o estudioso muulmano Ibn al-Hajj (aprox. 1258-1336) ado-

    tou essa estratgia no sculo quatorze, ao tentar legitimar uma inova-

    o popular, o festival de Noite da Ascenso, ligando-o aos costumes

    muulmanos da primeira gerao em Medina: Ibn al-Hajj apresenta

    um discurso no qual uma noo da tradio construda no servio de

    uma agenda reformista (COLBY, 2005, 48).

    Os sem religio

    O nmero de pessoas que se dizem no ter uma religio est au-

    mentando no mundo inteiro. J so mais de um bilho de pessoas sem

    afiliao religiosa no mundo (PEW FORUM, 2012a, 24). A proporo

    dos sem religio varia muito de regio para regio: maior na sia, na

    Europa e na Amrica do Norte, pequena na frica Subsaariana, no

    oriente mdio e na frica do norte, com a Amrica Latina entre estes

    dois extremos (Tabela 11). O Brasil j entrou na lista dos 10 pases com

    a maior proporo de pessoas sem religio (Tabela 11).

    Tabela 11. Porcentagem da populao mundial sem religio por regio

    (PEW FORUM, 2012a, 25)

    Regio% sem

    religio

  • 32

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    sia-Pacfico 21,2Europa 18,2Amrica do Norte 17,1Amrica Latina - Caribe 7,7frica Subsaariana 3,2Oriente Mdio frica do norte 0,6Total mundial 16,3

    Tabela 12. Os 10 pases com o nmero maior de pessoas sem afiliao

    religiosa (PEW FORUM, 2012a, 25)9

    Pas% sem

    religio

    % da populao

    mundial dos

    sem religioChina 52,2 62,2Japo 57 6,4EUA 16,4 4,5Vietn 29,6 2,3Rssia 16,2 2,1Coria do Sul 46,4 2,0Alemanha 24,7 1,8Frana 28 1,6Coria do Norte 71,3 1,5Brasil 7,9 1,4

    O crescimento dos sem religio continua globalmente, mas no de

    9 Um outro estudo recente afirma que o nmero dos no afiliados nos EUA 20%. (Anwar 2013).

  • 33

    Conferncias

    uma maneira consistente. Um metaestudo recente indica que o ritmo

    de crescimento dos sem religio na Europa continua a acelerar de uma

    forma quase geometricamente (ABRAMS, YAPLE E WIENER, 2011).

    No Brasil, ao contrrio, a taxa de crescimento dos sem religio teve o

    seu pico na dcada de 1980 e vem baixando nas ltimas dcadas (Tabe-

    la 13). (A velocidade do crescimento dos evanglicos e da diminuio

    de catlicos tambm baixaram entre os censos de 2000 e 2009.)

    Tabela 13. Mudana percentual de afiliao religiosa no Brasil (diferenas

    entre as porcentagens nos censos em sequencia, 1950-2009) (IBGE)

    1950-

    1960

    1960-

    1970

    1970-

    1980

    1980-

    1991

    1991-

    2000

    2000-

    2009Catlicos -0,4 -1,3 -2,8 -5,6 -9,4 -5,5Evanglicos 0,6 1,2 1,4 2,5 6,3 4,8Sem religio 0 0,3 0,8 3,2 2,6 0,6

    Existem dois grandes fatores causativos no fenmeno dos sem re-

    ligio: o efeito do comunismo na China, onde mais do que a metade

    dessa enorme populao se diz ser sem religio; e vrias dimenses da

    secularizao na Europa ocidental e na Amrica do Norte. Isso visvel

    na faixa etria dos sem religio nas vrias religies (Tabela 14). Em

    termos da idade mediana de cada grupo, os sem religio da China tm

    seis anos a mais e os da Amrica do Norte seis anos a menos do que

    a populao geral. A interpretao mais bvia deste fato seria que as

    novas geraes na China sentem menos os efeitos atestas da ideologia

  • 34

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    comunista e que as novas geraes nos EUA e o Canad sentem mais os

    efeitos de certas dimenses da secularizao.

    Tabela 14. Relao da idade mediana dos sem religio com a idade

    mediana geral por regio (PEW FORUM, 2012a, 26)

    RegioRelao

    medianasia-Pacfico +6frica subsaariana +2Amrica Latina - Caribe -1Europa -3Amrica do Norte -6

    A situao dos no religiosos complexa. A ausncia da afiliao

    religiosa no quer dizer que as pessoas so atestas ou agnsticas: dos

    adultos no afiliados com uma religio na China, 7% acreditam em

    Deus ou um poder mais alto; o nmero na Frana 30% e nos EUA

    68% (PEW FORUM, 2012a, 24). Muitas pessoas participam de rituais

    religiosos, mesmo se considerando sem religio: 7% dos adultos no

    afiliados na Frana e 27% nos EUA participam ao menos uma vez por

    ano em cultos religiosos; e 44% das pessoas no afiliadas na China par-

    ticipam em atos de adorao aos tmulos (PEW FORUM, 2012a, 24).

    Uma pesquisa nos EUA aponta que, dos 5% dos americanos que no

    acreditam em Deus ou um esprito universal, 35% se dizem ser nada

    em particular em termos de crena religiosa, 24% so atestas, 15%

    so agnsticos, 14% se dizem ser cristos e 10% membros de outras

    religies (PEW FORUM, 2009b).

    Outro fator que dificulta a interpretao dessa categoria estats-

  • 35

    Conferncias

    tica a variedade de tipos de participao religiosa. Existem graus de

    afiliao, com um espectro entre a posio central dos lideres, atravs

    da participao formal e contnua dos membros regulares e a afiliao

    mais marginal dos membros com participao exclusiva, porm irre-

    gular, at uma penumbra de membros ou participantes transitrios.

    Existe, tambm, uma distino importante entre a afiliao religiosa e

    a procura de servios religiosos: por ex., a maior parte dos participan-

    tes nos rituais de umbanda, em muitos terreiros e centros se dizem

    catlicos no censo; eles so os clientes e no os mdiuns. Devemos

    notar tambm a presena de pessoas fazendo o turismo religioso entre

    os participantes de certos rituais, especialmente as romarias, por ex.

    os Caminhos de Santiago de Compostela na Europa e o Caminho da F

    na divisa de Minas Gerais e So Paulo.

    Apesar do que seria uma hiptese bem razovel, parece que no h

    uma correlao significativa entre a ausncia de afiliao religiosa e

    os variveis de classe e grau de escolaridade. Dados dos EUA apontam

    uma correlao com raa (com o nmero de sem religio aumentando

    entre os brancos mas no entre os negros e os hispnicos) e com regio

    (com a taxa sendo menor no sul); mas no apresentam uma correlao

    forte com renda ou grau de escolaridade (PEW FORUM, 2012b). Tam-

    bm no h uma correlao bvia entre classe social e os sem religio

    no Brasil: a taxa menor entre as pessoas da classe C, e alta nas duas

    extremidades da distribuio de renda (Tabela 15).

    Tabela 15. Relao entre sem religio e classe social no Brasil (% de sem

    religio na pop. total e nas classes E, D, C, e A&B juntos Neri 2011, 28, 30).

  • 36

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    Pop. E D C AB2003 5.13 6.29 5.06 4.04 6.192009 6.72 7.72 7.64 5.73 6.91

    Muitos dos sem religio so pessoas que se dizem espirituais mas

    no religiosas. Para concluir, sugiro que esse fenmeno tambm fica

    mais compreensvel se o enquadrarmos no contexto do discurso da

    tradio. Tirando a mdia entre cinco estudos nos EUA entre 1991 e

    2001, 65% dos americanos naquela poca se disseram ser religiosos

    e espirituais, 18% espirituais mas no religiosos, e 9% religiosos mas

    no espirituais (MARLER E HADAWAY, 2002, 292). Estudos nos EUA

    sustentam a percepo de que esta maneira de se perceber ficou mais

    importante no final do sculo 20: quase 75% das pessoas nascidas en-

    tre 1980 e 2000 a gerao milenar se consideram mais espirituais

    do que religiosos; mas o contrrio o caso pela maioria das pessoas

    nascidas entre 1915 e 1945 (RAINER E RAINER, 2011, 47, 229, 243-

    44; SCHLEHOFER, OMOTO E ADELMAN, 2008, 414, 418).

    Existem vrias definies de espiritual. Porm o contraste central

    entre a experincia particular e a religio institucionalizada e tradi-

    cional. A sociloga Nancy Ammerman refletindo o estudo importan-

    te de Courtney Bender em Cambridge, nos EUA define a espiritua-

    lidade como uma experincia individual, aceitavelmente moderno,

    que se ope a uma aderncia antiquada e inautntica a uma tradio

    organizada (AMMERMAN, 2011, 374; veja BENDER, 2010). A tenso

    entre a espiritualidade e a religio se resume em duas tenses: entre a

    experincia e a institucionalizao; e entre a modernidade e a tradio.

    Portanto, a espiritualidade no um fenmeno distinto da religio.

    uma face da religio privatizada, orientada para a experincia, e con-

  • 37

    Conferncias

    traposta ideologicamente tradio (STREIB e HOOD, 2011).

    A tarefa do estudioso das religies de investigar as condies de

    que as pessoas acreditam nessas oposies conceituais. A mais bsica

    deles justamente a oposio da tradio perene com a modernidade

    dinmica, que se elabora em termos de outras oposies de uma ma-

    neira contingente. So essas relaes que merecem ser investigadas

    nos seus contextos histricos, culturais e institucionais. til pensar

    na tradio como composto de dois nveis, mito e metamito, o con-

    tedo da tradio e a afirmao que este seja tradicional: os meta-mi-

    tos ... desempenham uma funo importante na auto-justificao de

    qualquer tradio religiosa, a essncia da qual a perpetuao do mito

    que as coisas no tenham mudado quando, de fato, elas mudaram sim

    (Doniger 1995, 113). Vrias dimenses centrais da variao religiosa

    e portanto dos conflitos dentro e entre as religies refletem as es-

    tratgias ideolgicas de reivindicar a autenticidade e, portanto, a auto-

    ridade, pela afirmao ou a construo de uma relao entre as crenas

    de hoje ou de um passado metamitolgico.

    Referncias

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  • 43

    Conferncias

    Teologia(s) na academiaMatthias Grenzer *

    Como telogo-biblista, me encontro, h mais do que trs dcadas,

    a servio de um conjunto de textos que, no caso da Bblia Hebraica,

    judeus e cristos leem, at hoje, como Palavra de Deus. No caso do Novo

    Testamento, os cristos o acolhem como segunda parte de suas Sagra-

    das Escrituras. Ao ouvir ou ler suas partes, continuam a ouvir a Palavra

    de Deus. Mais ainda: na pessoa de Jesus de Nazar, contemplam a Pa-

    lavra de Deus como Verbo encarnado.

    Por causa desta convivncia constante e intensa com as tradies

    bblicas, minha compreenso da Teologia ou de Teologias talvez seja

    especfica. Tambm em relao tarefa de favorecer a presena da

    Teologia ou de Teologias na academia, minha experincia de trabalho,

    provavelmente, seja diferente comparada experincia de outros te-

    logos, telogas ou cientistas da religio. No mais, no comum que

    um telogo-biblista participe de um debate deste gnero. Para mim,

    a primeira vez. Em geral, pois, este espao ocupado por telogos

    ou telogas que sabem sistematizar os contedos do cristianismo e de

    outras religies, ou que descrevem, com exatido, a vivncia prtica

    indicada pelas diversas propostas religiosas. Pouco vejo pesquisadores

    dos fundamentos histricos do cristianismo envolvidos nos debates

    de maior alcance social e, portanto, de elevada importncia poltica.

    * Doutor em Teologia Bblica e Mestre em Histria. Professor na Pontifcia Univer-sidade Catlica de So Paulo (PUC-SP) e na Faculdade de Filosfia e Teologia Paulo VI, em Mogi das Cruzes SP.

  • 44

    Talvez isso ocorra por ns biblistas sermos poucos; outros, por sua

    vez, avaliam nossas pesquisas como complicadas, irrelevantes ou, sim-

    plesmente, chatas. Alm disso, se imagina facilmente que, de Bblia,

    todos e todas entendem. Todavia, neste momento, quero aproveitar

    a possibilidade de participar desta Mesa de Debate, expondo minha

    reflexo sobre os seguintes trs assuntos: 1.) a Teologia na Universi-

    dade Catlica; 2.) o estudo da Bblia na Universidade; 3.) Teologia(s)

    na academia.

    1 Teologia na Universidade Catlica

    Quero partir de minha experincia de pesquisa e ensino na PUC-

    -SP. Trata-se de um trabalho no limitado Faculdade de Teologia. Pelo

    contrrio, o projeto da Universidade Catlica se encontra atrelado ao

    dilogo entre a Teologia e as demais cincias.1 Alis, deste dilogo

    que nasce, teoricamente, a identidade da Universidade Catlica. No

    existe aluno ou aluna que no estude Teologia ao fazer parte da famlia

    puquiana. Na PUC-SP, todos os graduandos cursam seis Crditos Teo-

    lgicos, o que corresponde a cento e duas aulas. So mais do que cem

    turmas por semestre, com mais do que cinco mil alunos. Em princpio,

    a Teologia que une a Universidade, por ser a cincia mais estudada e

    por ela dialogar com todas as outras cincias.

    Nos ltimos dois anos, pude estudar Teologia com os estudantes

    de Histria, Pedagogia, Direito e Letras. Permitam-me dizer, inicial-

    1 Cf. em vista desta temtica a publicao de: NEUTZLING, Incio (org.), A teologia na universidade contempornea, So Leopoldo: Unisinos, 2005 (Coleo Teologia P-blica).

  • 45

    Conferncias

    mente, que os meus mais do que duzentos alunos e alunas, em sua

    grande maioria, no so igrejeiros. Encontrei, em minhas quatro tur-

    mas, duas meninas engajadas na Igreja Catlica e trs com participa-

    o em diferentes Igrejas Evanglicas. Mais ainda: no que se refere ao

    conhecimento histrico-cultural da pessoa de Jesus de Nazar ou das

    tradies bblicas, existe um verdadeiro analfabetismo. Simplesmente,

    at tal momento, ningum tinha proporcionado, a estes jovens, um

    conhecimento mais autntico das origens e dos contedos fundamen-

    tais da f crist. Consequentemente, seu conhecimento das fontes do

    cristianismo e das Igrejas crists se limita a alguns preconceitos ou

    escndalos, crtica de determinados comportamentos autoritrios

    celebrados por algumas lideranas e rejeio de determinados mode-

    los de reflexo e de comportamento.

    No entanto, com a tarefa de estudar, academicamente, Teologia

    com estes jovens universitrios, me agarrei, como de costume, Pala-

    vra de Deus. Lembrei-me, simplesmente, dos conselhos to bem dados

    pelo profeta Miqueias. Ele, pois, afirma que a insistncia proftica na

    Palavra de Deus afasta de ns o sentimento da vergonha. Alm disso,

    diz que o acolhimento da Palavra de Deus favorece a presena de um

    esprito de coragem, capacitando a pessoa a defender a justia e a de-

    nunciar os crimes que tanto marcam a vida da sociedade.

    De certo, no me vejo como um fundamentalista nem fantico re-

    ligioso, sem definir agora, de forma pormenorizada, o que so funda-

    mentalismos e fanatismos inspirados pela religio. Descobri, porm,

    lentamente como os contedos das tradies bblicas e, com isso, os

    fundamentos do cristianismo, uma vez estudados adequadamente, se

    tornam acessveis aos universitrios, sendo que os estudantes jovens,

    de repente, se sentem enriquecidos no que pensam, estudam e vivem.

  • 46

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    2 O estudo da Bblia na Universidade

    No trabalho com os estudantes, no insisto, de um modo formal e

    direto, na valorizao da Bblia, seja por motivos religiosos, seja por

    razes culturais. Muito mais, gosto de incluir os textos bblicos nos

    dilogos que j so promovidos nas diversas cincias, sendo a Univer-

    sidade o lugar onde se chega ao estudo interdisciplinar. Arrisco-me

    em contar, rapidamente, algumas experincias que, nos ltimos dois

    anos, marcaram minha vida acadmica como telogo na Universidade.

    Os estudantes de Histria so especiais para mim, pois tambm

    tenho formao histrica. Posso falar com eles de colega para colega,

    e no somente como telogo. Na PUC-SP, os historiadores so poli-

    ticamente, em sua maioria, da esquerda. Gostam de acolher a filo-

    sofia marxista. Todo dia, sonham com a revoluo. Avaliam, com

    este modelo filosfico, o andar da histria. Em especial, se mostram

    interessados nas questes sociais. Em vez de valorizar a histria dos

    poderes hierrquicos, direcionam seu interesse, sobretudo, hist-

    ria do povo sofrido, do cotidiano e da falta de uma maior justia.

    Ao lhes apresentar a histria do xodo, as tradies profticas ou a

    trajetria de Jesus de Nazar, dentro de seu espao e tempo, perce-

    bem, rapidamente, uma compatibilidade com as suas compreenses

    da realidade.

    Com os pedagogos, estudei Jesus de Nazar como educador popular.

    Pesquisamos seu ensino pblico, dedicado s multides, e seu ensino

    particular, direcionado ao grupo dos que juntou em torno de si. A re-

    lao entre teoria e vivncia autntica daquilo que se ensina ganhou

    centralidade. Ganharam ateno a valorizao da criana e das carac-

    tersticas delas destacadas por Jesus de Nazar, assim como a questo

  • 47

    Conferncias

    de um ensino marcado pela defesa radical de determinados valores,

    mesmo que isso resulte na perseguio de quem ensina.

    Diferente foi a turma de Direito. Quando, na primeira aula, desco-

    bri que no foi o interesse pela justia que fez os estudantes entra-

    rem na Faculdade de Direito, eu tinha achado o fio condutor para as

    aulas de Teologia. Tudo iria girar, durante o semestre inteiro, em torno

    do conceito da justia. Assim, ao estudarmos a histria do direito,

    descobrimos os incios do Direito Social nas leis da Tor, ou seja, do

    Pentateuco. Que um direito inteiro possa ter a inteno de criar uma

    sociedade sem pobres (Dt 15,4), os alunos nunca tinham imaginado.

    Estudamos tambm Jesus de Nazar como mestre em direito, sendo

    que no foi nada fcil para os estudantes, provinda da classe mdia-

    -alta, descobrir a radicalidade da proposta jesunica, quando o assunto

    a justia.

    Finalmente, h os meus estudantes de Letras. Por ser uma turma

    formada quase que exclusivamente por meninas, estamos estudando

    algumas mulheres bblicas: as parteiras hebreias (Ex 1,15-21), a prince-

    sa do Egito, suas criadas, a irm e a me de Moiss (Ex 2,1-10), a amada

    do Cntico dos Cnticos (Ct 18) e algumas mulheres que ganharam

    presena na histria de Jesus de Nazar. Logo descobrem a qualida-

    de literria destas tradies literrias, uma vez que so sensveis aos

    elementos estilsticos que se fazem presentes nas narrativas e poesias.

    Por serem atentos forma dos textos, enxergam tambm, com mais

    facilidade, o que est sendo pensado nas tradies bblicas, sabendo

    destacar os modelos de f e de comportamento nelas promovidas.

    Enfim, na Universidade, o estudo da Bblia interdisciplinar. Com

    isso, as Sagradas Escrituras de judeus e cristos, de repente, revelam

    sua competncia e participam das pesquisas e dos diversos dilogos

  • 48

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    favorecidos pelas cincias. Onde, por sua vez, est a sua contribuio

    especfica? Ou, com outras palavras: o que uma teologia crist que va-

    loriza suas prprias fontes pode oferecer de marcante num contexto

    culturalmente pluralista e numa sociedade ps-moderna to pouco

    unida? Por que tornar pblica a f crist?

    3 Teologia crist na academia

    As tradies bblicas, ao contemplarem a histria do povo de Deus,

    apresentam determinados modelos de f e esperana que, por sua vez,

    resultam em propostas bem definidas de comportamento. No caso,

    as pessoas no livres, injustiadas e exploradas so convidadas a acre-

    ditarem, em meio a seu sofrimento, na inverso de seu destino, sen-

    do que eles mesmos devem se tornar os construtores de sua prpria

    histria. Em contrapartida, quem est bem recebe a tarefa de insistir

    na partilha e na benfeitoria, fazendo tambm o necessitado alcanar

    o bem-estar. Estabelece-se, dessa forma, o modelo de uma socieda-

    de alternativa, mais igualitria e menos hierrquica, na qual poder

    compreendido como servio e onde o zelo pelo bem-estar de todos se

    sobrepe busca individual da sobrevivncia. Quer dizer: indica-se o

    princpio da convivncia amorosa e da ajuda ao vizinho necessitado.

    Imagina-se, de um lado, que o amor ao prximo leve a pessoa a experi-

    mentar o amor de Deus e se espera, de outro lado, que o amor de Deus

    capacite a pessoa no sentido de torna-la cada vez mais disposta a amar

    o prximo.

    Enfim, na medida em que a Universidade se coloca a servio da so-

    ciedade, importante no se descartar a sabedoria crist, sobretudo,

  • 49

    Conferncias

    a insistncia radical dela na liberdade de todos e, por isso, na ateno

    especial aos pobres. No se trata de uma sabedoria meramente terica,

    mas de um conhecimento testado na prtica, durante sculos e scu-

    los. Neste sentido, o cristianismo se tornou uma patrimnio cultural

    da humanidade. Cuidar bem dele a tarefa especfica das Universida-

    des Catlicas ou de Universidade de outros credos cristos.

    Um ltimo detalhe: talvez o homem ps-moderno pense que, por

    si mesmo, possa inventar as solues decisivas para os problemas e as

    misrias que nos circundam. Ou o contrrio: em alguns casos, talvez

    pense que no possa fazer nada. Nas tradies bblicas, por sua vez,

    Deus e no o homem! apresentado como quem est disposto e

    capaz de garantir a libertao a quem no est livre e de favorecer a

    sobrevivncia digna de todos, tornando o homem, porm, correspon-

    svel nesta empreitada.

  • 50

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

  • 51

    Conferncias

    A questo do Fundamentalismo: entre a reao e o dilogo

    Rodrigo Franklin de Sousa *

    Introduo

    O presente trabalho visa agregar discusso sobre como a academia

    pode avanar em seu entendimento do fundamentalismo e ao mesmo

    tempo contribuir para o desenvolvimento do dilogo inter-religioso. O

    propsito aqui no o de definir o fundamentalismo, mas de, a partir

    de alguns dos elementos que tm sido apontados em discusses con-

    temporneas como constitutivos do fundamentalismo, refletir sobre

    o papel no apenas epistmico, mas tico da academia nesta questo.

    Nessa perspectiva, temos um objetivo para alm da discusso terica,

    e nos perguntamos que aes concretas podem ser tomadas no sentido

    de promover a compreenso, o dilogo e a alteridade.

    Eu comeo com uma histria que ilustra e orienta nossa discusso.

    Quando voc mora em Cambridge, seu crculo de amizades provavel-

    mente inclui dois tipos de pessoas: acadmicos e militares ligados

    fora area americana os primeiros por razes bvias, os ltimos

    por causa da base da USAF localizada nos arredores da cidade de

    onde, inclusive, eram enviadas misses ao Oriente Mdio no perodo

    da guerra do Iraque. Certo dia, estava conversando um grupo de jovens

    que continha representantes de ambos os grupos, todos norte-ameri-

    * Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio da Universi-dade Presbiteriana Mackenzie

  • 52

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    canos. No decorrer da conversa, os acadmicos comearam a lamentar

    o imperialismo de seu pas e fizeram meno de certa vergonha ao ob-

    servar a presena do McDonalds em todas as partes do mundo. Nesse

    momento, um jovem operador de rdio da Fora Area, que j tinha

    sido estacionado em vrios pases na Amrica Central, sia e Europa,

    interviu e disse: Na verdade, isso eu no acho ruim. Isso porque

    no importa em que lugar do mundo eu esteja, nem o quo estranha

    parea ser a minha situao, quando eu vejo o M do McDonalds,

    eu tenho uma sensao de estabilidade. Percebido corretamente

    nos crculos acadmicos como smbolo da hegemonia e imperialismo

    norte-americanos, o McDonalds encarnava, para aquele indivduo em

    particular, um elemento profundamente afetivo, e se constitua uma

    fonte de estabilidade e identidade.

    De forma anloga, muito se tem apontado para o(s) fundamenta-

    lismo(s) como algo que tem uma funo semelhante, no sentido de

    auxiliar a construir uma identidade numa situao complexa, numa

    situao plural. E por isso que diante da volatilidade da modernida-

    de, o fundamentalismo se apresenta como alternativa atraente para

    tantas pessoas.

    Os males e perigos do fundamentalismo tm sido constantemente

    reiterados pela mdia, pela academia, por diversas comunidades re-

    ligiosas e pela sociedade em geral. Entretanto, muito desse discurso

    aparece ainda colorido por duas dificuldades bsicas: conceituar o que

    seja fundamentalismo (a que ou a quem nos referimos quando usamos

    o termo?), e assumir uma postura verdadeiramente dialgica, que lide

    com os aspectos nocivos dos fundamentalismos (e que no podem ser

    minimizados), mas que no se constitua ela mesma em uma postu-

    ra excludente e intolerante. Afirma-se frequentemente que o funda-

  • 53

    Conferncias

    mentalismo funciona como elemento constitutivo de identidade, que

    orienta a vida de milhes de pessoas no globo. Mas a experincia nar-

    rada acima leva a pensar sobre uma dimenso esquecida ou apagada

    em nossos discursos sobre algumas das ideologias totalizantes que de-

    terminam to poderosamente a direo da vida no mundo contempo-

    rneo: a das experincias reais de pessoas que adquirem ou constroem

    um senso de identidade em meio a estes (e tantos outros) -ismos.

    Meu argumento este: a menos que uma postura acadmica capaz

    de resolver as duas dificuldades mencionadas acima seja adotada, a

    construo de um dilogo verdadeiramente plural e inclusivo se tor-

    na invivel e, para a resoluo dessas dificuldades, uma abordagem de

    fato centrada na busca do entendimento do outro indispensvel.

    O desafio de entender o fundamentalismo

    As origens do termo moderno fundamentalismo so traadas ao

    final do sculo XIX e incio do sculo XX, no contexto da reao de

    cristos protestantes norte-americanos ao que se percebia como as

    ameaas inerentes s tendncias intelectuais e sociais daquele pero-

    do. Pensa-se nas suas razes na defesa dos pontos fundamentais da

    f crist, conforme entendidos na famosa conferncia de Niagara Falls,

    em 1878, e nos textos polmicos de autores como Lyman Stewart e

    Curtis Lee Laws. Ainda essencialmente dentro de um contexto pro-

    testante dos EUA, o chamado fundamentalismo teria assumido novos

    contornos na dcada de 1970, a partir de lderes como Jerry Falwell.

    No final da dcada de 1970, com a revoluo no Ir, passou-se a apli-

    car o termo tambm ao mundo islmico, levando reduo de a uma

  • 54

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    vasta gama de fenmenos religiosos, culturais e sociais a uma mesma

    gide e mesma descrio. Desde a dcada de 1980 o termo passa a ser

    aplicado a grupos das mais diversas religies. Nasce a a ideia ocidental

    do fundamentalismo religioso: um tipo de obscurantismo nefasto que

    radicaliza as religies e coloca seus adeptos em uma atmosfera de hos-

    tilidade ao mundo contemporneo, democrtico, livre e aberto. Essa

    perspectiva inerentemente hostil ao fenmeno informa de maneira

    marcante a sua abordagem por parte da academia.

    Nas ltimas dcadas, temos testemunhado uma intensificao do in-

    teresse acadmico em torno do tema do fundamentalismo, dada sua pre-

    sena e influncia no cenrio religioso e poltico mundial. Desta forma,

    passos significativos foram tomados no sentido de uma maior compreen-

    so do fenmeno. Entretanto, permanecem ainda problemas cruciais, e

    em torno de alguns desses problemas que embasamos nossa proposta.

    A nossa discusso toma como ponto de partida as crticas desenvolvidas

    nos trabalhos de Earle H. Waugh (1997) e David H. Watt (2004).

    Comentando os cinco volumes da srie The Fundamentalisms Pro-

    ject,1 editada por Martin E. Marty e R. Scott Appleby, Waugh (1997)

    afirma que a realidade dos fundamentalismos e a complexidade das

    configuraes religiosas contemporneas, incluindo a forma como a

    religio tem afetado todos os aspectos da vida privada e pblica, indica

    que todas as perspectivas acadmicas sobre a religio precisam ser re-

    visadas. Para Waugh, foram principalmente os fundamentalismos is-

    lmicos que catalisaram a mudana de perspectiva, uma vez que o im-

    1 Trata-se de um projeto, ligado Universidade de Chicago e outras instituies, que envolveu cerca de 93 pesquisadores, que trabalharam com dados oriundos de cerca de 26 regies geogrficas diferentes, a partir de uma perspectiva multidisciplinar com diversas abordagens derivadas das cincias sociais.

  • 55

    Conferncias

    pacto da religio nos movimentos sociais e polticos do oriente mdio,

    com seu impacto global, desafiaram a academia europeia e a foraram

    a sair da sua zona de conforto em que a religio podia ser excluda do

    processo de anlise social. A militncia islmica fez com que a religio

    tivesse que retornar ao centro do debate.

    Waugh desenvolve crticas interessantes sobre algumas das limi-

    taes do projeto. Conforme ele aponta, trata-se de uma perspectiva

    essencialmente ocidentalizada, baseada na objetividade metodolgi-

    ca das cincias sociais e na forma como tratam o fenmeno religioso.

    Naturalmente, o projeto no inclui ningum que pudesse ser consi-

    derado fundamentalista, de maneira que nenhuma voz representati-

    va de fato ouvida. Mas a maior limitao da perspectiva acadmica

    apontada por Waugh (1997, p. 163) se revela na seguinte pergunta: se

    algumas expresses de fundamentalismo tm mais de um sculo, e s

    recentemente a academia passou a levar em considerao algo to im-

    portante e determinativo, isso no seria um indicativo de algo errado

    com o prprio procedimento acadmico? Isto , apesar da qualidade e

    profundidade do trabalho representado pelo projeto, se a metodologia

    acadmica falhou em perceber a magnitude do fenmeno at recen-

    temente, com base em que podemos ter confiana de que ela tem o

    referencial realmente adequado para compreend-lo agora?

    Muitos dos artigos nos volumes discorrem sobre questes relativas

    a mtodo e definies do fenmeno, e existe o reconhecimento, por

    parte de muitos que contriburam para a srie, de que agrupar fen-

    menos to distintos em uma definio um projeto, no mnimo, pro-

    blemtico e um dos pontos levantados precisamente a falta de consi-

    derao das experincias reais de f e crena daqueles que participam

    de grupos classificados como fundamentalistas. Os volumes da srie

  • 56

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    centram nas questes relativas ao relacionamento dos fundamentalis-

    mos com a sociedade que os cerca e as implicaes disso para a poltica

    contempornea, e talvez seja essa mesmo uma limitao inerente

    prpria natureza do mtodo. Para Waugh, a excluso do papel da reli-

    gio nos fenmenos humanos pelas bases seculares da academia leva a

    uma anlise inadequada dos fenmenos. Para ele, o modelo interdisci-

    plinar e autocrtico do Fundamentalism Project ao mesmo tempo revela

    as limitaes do mtodo e se apresenta como um passo positivo para a

    construo de modelos e referenciais tericos mais adequados.

    Esse ltimo posicionamento encontra ressonncia com a proposta

    que apresentamos aqui. Em nosso trabalho, no tentaremos oferecer

    uma definio precisa do que seja o fundamentalismo talvez Wau-

    gh tenha razo em sugerir a possibilidade de que a prpria categoria

    fundamentalismo seja heuristicamente ingnua. Em vez disso, parti-

    remos de alguns elementos chave normalmente elencados como ca-

    ractersticos do fundamentalismo, para questionar alguns de nossos

    posicionamentos crticos. Partimos do princpio que o(s) fenmeno(s)

    descrito(s) como fundamentalismo(s) podem se constituir como pro-

    blemticos, tanto para a construo de identidades comunitrias,

    quanto para a promoo do dilogo e de uma sociedade plural. Entre-

    tanto, a simplicidade com que o rtulo aplicado sobre fenmenos to

    diversos e o cultivo de um senso de superioridade no problematizada

    por parte de setores de uma academia que se autorreconhece como

    mais esclarecida tem o potencial de impedir uma viso mais clara do

    fenmeno e reproduzir alguns dos aspectos mais nocivos que nos pro-

    pomos a combater.

    No mbito dessas observaes nos voltamos para o texto de Watt

    (2004), que, em uma incisiva reviso do pensamento ocidental sobre

  • 57

    Conferncias

    o fundamentalismo, aponta para cinco livros importantes que, cada

    um a sua maneira, ajudam a consolidar a abordagem da academia oci-

    dental quanto ao tema. A reviso de Watt fortalece a discusso que

    propomos.

    Quatro destes trabalhos revisados por Watt, de uma maneira ou de

    outra, tentaram atingir uma definio global do que seria o fundamen-

    talismo. Richard Antoun (2001) realizou um ensaio etnogrfico sobre

    como o fundamentalismo transformou a vila de Kufr al-Ma na Jord-

    nia, e enfatizou os aspectos da tradicionalizao, ativismo, aderncia

    s escrituras sagradas, seletividade quanto sua recepo da moderni-

    dade, e uma viso de mundo marcada por uma luta dualista e perene

    do bem contra o mal. Em uma esteira semelhante, e com foco mais

    popular, Karen Armstrong (2001), remonta a tradies no Judasmo,

    Cristianismo e Isl tentando resgatar a raiz do que seria o fundamen-

    talismo contemporneo. Alm, dos elementos j apresentados por

    Antoun, Armstrong tambm agrega ao seu conceito a noo de uma

    espiritualidade combativa, geradora de contraculturas alternativas ao

    no-fundamentalismo. Almond, Appleby e Sivan (2003) sistematizam

    os resultados do Fundamentalism Project. Buscando uma definio

    mais sistemtica e operacional do fundamentalismo, os autores enfati-

    zam os aspectos de luta para manuteno da identidade, fortalecimen-

    to de laos comunitrios e oferta de alternativas para a secularizao.

    Paralelamente, Tariq Ali (ALI, 2002) no faz uma anlise aprofundada

    do fundamentalismo, mas visa demonstrar como grupos islmicos se

    valem de sua religio para resistir colonizao ocidental.

    Para Watt, estes trabalhos apresentam vrios problemas. O primei-

    ro seria o fato que todas as definies de fundamentalismo propostas

    por estes autores acabam por ser, em ltima instncia, insatisfatrias.

  • 58

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    Isso porque as caractersticas levantadas so por vezes demasiadamen-

    te gerais para permitir uma distino clara entre grupos e manifesta-

    es, respeitando as diferenas, peculiaridade e identidades de cada

    um deles. As definies propostas podem ser aplicadas a movimentos

    e posturas das mais diversas, sejam elas religiosas ou no. Junto com

    as insuficincias dessas definies est a forma imprecisa com que es-

    tatsticas so apresentadas, de maneira que o fundamentalismo apare-

    ce como uma realidade simplesmente amorfa e assustadora.

    O corolrio do problema apontado por Watt a forma simplista e

    quase caricatural com que os chamados fundamentalistas so apresen-

    tados. A impreciso em definies e estatsticas permite a formao de

    um discurso em que o fundamentalista construdo como uma espcie

    de outro ameaador. Watt (2004, p. 272) resume bem a questo: Gen-

    erally, when we employ the category we are implying that x practices a

    form of religion that we find unsophisticated, fanatical, and alarming.

    As crticas de Watt podem ser desenvolvidas de diversas maneiras.

    Uma delas apontar para o fato que as caractersticas prprias do fun-

    damentalismo elencadas pelos autores acima podem ser aplicadas a

    qualquer ideologia, seja ela religiosa ou no desde que adoradas com

    zelo suficiente, para utilizar as palavras de LeVine (2007, p. 17). De

    fato, o termo tem sido empregado para descrever as mais variadas ma-

    nifestaes religiosas, algumas de diferenas incomensurveis entre si,

    assim como tambm tem sido aplicado a defensores populares do ate-

    smo, como Richard Dawkins e Chritopher Hitchins. A homogeneiza-

    o do fundamentalismo impede que se faam anlises mais aprofun-

    dadas sobre como os diferentes grupos se constituem e reagem frente

    s suas diferenas intrnsecas, seus posicionamentos ideolgicos dis-

    tintos, suas diversas experincias sociais e polticas.

  • 59

    Conferncias

    Podemos agregar essa crtica, as observaes sobre a complexi-

    dade de se entender as diversas matizes e nuanas religiosas, sociais

    e polticas dos diversos fenmenos agrupados sob a rubrica de fun-

    damentalismo no cristianismo (HARDING, 2000) e no Isl (LEVINE,

    2007). O problema claramente visualizado em afirmaes genera-

    lizadoras e combativas, como a de Karen Armstrong (2001), para

    quem os fundamentalistas falham em ver a verdadeira natureza da

    religio a contrapartida bvia, que ela consegue ver perfeitamente

    esta natureza ou de autores que sugerem ou conectam abertamente

    o fundamentalismo com a falta de escolarizao, pensamento crtico

    ou mesmo inteligncia. Exemplos desse tipo de crtica mordaz podem

    ser encontrados em autores de H. Richard Niebuhr (1937) a Leonardo

    Boff (2002). O fundamentalismo tem sido associado at mesmo com

    patologias mentais ligadas paranoia e predisposio para a violn-

    cia (STROZIER, 2007).

    Dentre os autores apresentados, Watt destaca tambm o trabalho

    de Bruce Lincoln (2003), que compartilha muito do terror ao funda-

    mentalismo tpico das perspectivas esboadas acima, mas opta por fo-

    calizar nas diferenas e especificidades entre grupos de fundamenta-

    listas. Lincoln se recusa a buscar uma causa comum para o fenmeno,

    mas afirma que existem pontos de contato na busca por uma religio

    ou religiosidade que afete todas as esferas da vida. Embora geral e im-

    precisa como as dos demais autores discutidos por Watt, a definio

    de Lincoln tem um distintivo essencial. Crucial para a sua abordagem

    criticar o pressuposto que os fundamentalistas simplesmente esto

    errados e ns estamos certos. Para ele, os fundamentalismos se cons-

    tituem em importantes objetos de estudo no apenas por sua preva-

    lncia no mundo contemporneo, mas porque as dificuldades e com-

  • 60

    IV Congresso da ANPTECRE - O Futuro das Religies no Brasil

    plexidades engendradas por estes fenmenos levam a que se repense

    at mesmo nossos conceitos de religio e nossas limitaes enquanto

    produtores de um saber especfico. Neste sentido, seguindo na esteira

    de Lincoln, Watt afirma que melhor ficar em um lugar de indefini-

    es do que partir para um universo de certezas ingnuas.

    As anlises de Waugh e Watt ressaltam as complexidades inerentes

    tarefa de entender o fundamentalismo. Complexidades tais que le-

    vam a um questionamento acerca das nossas definies do fenmeno

    religioso e das limitaes das ferramentas heursticas de que dispomos

    para compreend-lo. As crticas propostas pelos dois autores, no in-

    validam o projeto de tentar uma definio ou uma compreenso apro-

    fundada do fundamentalismo pelo vis da academia pelo contrrio.

    Mas indicam que a reflexo terica sobre o tema deve ser acompanha-

    da de certas posturas que permitam uma compreenso mais clara do

    fenmeno. no sentido de pensar o que seria esta postura, e quais

    suas implicaes para o dilogo, que buscamos desenvolver as ques-

    tes levantadas por Waugh e Watt. Em nosso entendimento, essa pos-

    tura passa por tentar entender no apenas o fundamentalismo em si,

    mas tambm nosso posicionamento diante dele.

    O fundamentalismo, os messianismos polticos e o ponto cego da academia

    Se tentarmos abstrair ainda que conscientes dos desafios ineren-

    tes a esta tentativa algumas das caractersticas chave dos fenme-

    nos agrupados sob a definio de fundamentalismo, a primeira que

    podemos elencar e a de que os fundamentalismos normalmente se

  • 61

    Conferncias

    apresentam como metanarrativas. Os movimentos de radicalizao e

    estreitamento de perspectiva poltica e religiosa contam uma histria

    sobre como as coisas so, sobre como as coi