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Anos 90: um Olhar sobre as Políticas de Industrialização no Estado de São Paulo Arquivo Upado por MuriloBauer - FileWarez

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo 1

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo2

Humanitas – FFLCH/USP – outubro/2001

USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULOReitor: Prof. Dr. Jacques MarcovitchVice-Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi

FFLCH – FACULDADE DE FILOSOFIA,LETRAS E CIÊNCIAS HUMANASDiretor: Prof. Dr. Francis Henrik AubertVice-Diretor: Prof. Dr. Renato da Silva Queiroz

CONSELHO EDITORIAL DA HUMANITASPresidente: Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento (Filosofia)Membros: Profª. Drª. Lourdes Sola (Ciências Sociais)

Prof. Dr. Carlos Alberto Ribeiro de Moura (Filosofia)Profª. Drª. Sueli Angelo Furlan (Geografia)Prof. Dr. Elias Thomé Saliba (História)Profª. Drª. Beth Brait (Letras)

COMISSÃO DE PESQUISAPresidente: Prof. Dr. István JancsóVice-Presidente: Profª. Drª. Esmeralda Vailati Negrão

VVVVVendasendasendasendasendasLIVRARIA HUMANITAS-DISCURSO

Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 – Cid. Universitária05508-900 – São Paulo – SP – BrasilTel.: 3818-3728 / 3818-3796

HUMANITAS-DISTRIBUIÇÃO

Rua do Lago, 717 – Cid. Universitária05508-900 – São Paulo – SP – BrasilTelefax.: 3818-4589e-mail: [email protected]://www.fflch.usp.br/humanitas

ÇFFLCH/USP

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo 3

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo4

Copyright 2001 da Humanitas /FFLCH/USP

É proibida a reprodução parcial ou integral,sem autorização prévia dos detentores do copyright.

Serviço de Biblioteca e Documentação da Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

A615 Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização noEstado de São Paulo / organizado por Adriana Vitória dosSantos, Idenilza Moreira de Miranda, Rogério dos SantosAcca, Vivian England Schoereder. – São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2001.

229 p. (Primeiros Estudos, 1)

ISBN 85-7506-044-9

1. Industrialização (Brasil) 2. Industrialização (Economia)3. Desenvolvimento econômico 4. Trabalho e trabalhadores I.Santos, Adriana Vitória II. Miranda, Idenilza Moreira de III.Acca, Rogério dos Santos IV. Schoereder, Vivian England

CDD 338.0981

HUMANITAS FFLCH/USPe-mail: [email protected]

Telefax.: 3818-4593

Editor ResponsávelProf. Dr. Milton Meira do Nascimento

Coordenação EditorialMª Helena G. Rodrigues - MTb 28.840

CapaPORTFOLIO - PROMOÇÃO PUBLICIDADE

Projeto Gráfico e DiagramaçãoMarcos Eriverton Vieira

RevisãoKátia Rocini/Simone D’Alevedo

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo 5

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Prefácio .........................................................................07Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins

Apresentação da coleção ...................................................11Palavra do professor .........................................................13Brincando com o futuro ....................................................13

Glauco Arbix e Miguel Matteo

Agradecimentos ...............................................................17

Políticas de industrialização do estado de São Paulo ...............19Adriana Vitória dos Santos

A trajetória da Honda e da Toyota no interior de São Paulo .....51Rogério dos Santos Acca

Grande ABC: desindustrialização ou crise do emprego? ......... 111Vivian England Schoereder

Inovações institucionais e desenvolvimento no ABC ............. 163Idenilza Moreira de Miranda

A teimosia da indústria paulista ......................................... 211Miguel Matteo e Glauco Arbix

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* Professora do Dep. de Sociologia e membro da Comissão de Pesquisa da FFLCH,USP.

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Heloísa Helena Teixeira de Souza Martins*

Vários são os motivos que justificam a leitura deste livro. An-tes de mais nada, porque é o resultado do trabalho de pesquisa dealunos de graduação, todos eles bolsistas de iniciação científica. Deuma maneira geral, são poucas as publicações como esta, pois ain-da é bastante difundido na universidade o entendimento de que, nagraduação, os alunos são ainda imaturos e incapazes de realizaçãode tal porte. Apesar do aumento dos programas de iniciação cientí-fica, o que se observa, com freqüência, é a utilização do trabalho“braçal” dos alunos que, como meros coadjuvantes, são apenas in-cumbidos do levantamento de dados para a pesquisa de seusorientadores.

Não é isto que ocorre neste caso. Os trabalhos reunidos nestelivro resultaram sim de um projeto coordenado pelo Prof. GlaucoArbix. Mas, como verdadeiro orientador, ele foi capaz de garantir aautonomia e a segurança necessárias para a realização do que foraproposto para cada um dos alunos, demonstrando, assim, a possibi-lidade da pesquisa de qualidade na iniciação científica.

Este é outro motivo que recomenda a leitura dos textos des-ses jovens alunos de Ciências Sociais. Trabalhando com competên-cia e rigor científico, eles discutem importantes questões atuais arespeito da indústria em São Paulo, ousando enfrentar, até mesmo,explicações tidas como definitivas a respeito do fechamento ou des-locamentos de indústrias de algumas regiões para outras, da guerrafiscal entre os municípios, do alcance e dos reais benefícios das po-líticas industriais. Neste aspecto, principalmente, temos uma incisiva

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo8 PREFÁCIO

análise da inadequação e ambigüidades das políticas que tentamorientar o desenvolvimento econômico, especialmente no que serefere à indústria.

Ainda que o estado de São Paulo e, de certa forma, o setorautomotivo constituam a referência empírica, duas regiões foramprivilegiadas na pesquisa: a do ABC, até então apontada como amais atingida pelo processo de desindustrialização e pelo aumentodos índices de desemprego, e a região administrativa de Campinas.Nesta, é realizado um estudo sobre um novo pólo industrial, instala-do mais precisamente nos municípios de Sumaré e Indaiatuba. Aotratar das questões relacionadas com o desenvolvimento regional, aanálise esclarece as potencialidades, limites e efetivas dimensões dosinvestimentos nessas áreas.

Os dois textos sobre o ABC procuram dar conta da crise queatinge esta região, e das iniciativas locais e regionais de desenvol-vimento. Sem negar a perda industrial na região, pode-se ler nes-ses trabalhos que a crise é, especialmente, uma crise no emprego eque, apesar de tudo, o setor industrial continua sendo um fator dedesenvolvimento e ainda recebe parcelas significativas de investi-mentos. Daí a importância de uma análise mais detalhada das ins-tâncias de planejamento, como o Consórcio Intermunicipal doGrande ABC, o Fórum da Cidadania, a Câmara Regional e a Agên-cia de Desenvolvimento Econômico, que, unindo os poderes pú-blicos e segmentos da sociedade civil nos sete municípios da região,têm procurado reagir à crise e formular alternativas de desenvolvi-mento.

Não cabe nesta apresentação uma análise mais detalhada dariqueza analítica desses textos. Apenas destaco a competência comque a pesquisa de campo foi realizada, com a coleta de dados pri-mários e secundários, a excelente bibliografia consultada e, final-mente, a consistência da análise. Sem uma orientação segura ededicada, este livro, provavelmente, não seria possível, ou não teriaalcançado o mesmo nível. Mas sem o envolvimento, a responsabili-dade e o trabalho, muito trabalho desses alunos, ele nunca seriarealizado.

Se existe alguma receita para os programas de iniciação cien-tífica, creio que temos aqui um exemplo. Certamente, existem na

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo 9HELOÍSA HELENA TEIXEIRA DE SOUZA MARTINS

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas muitas outrasexperiências de sucesso. Esta é uma que me toca mais de perto emais me gratifica, pois são os nossos alunos. É uma honra podercompartilhar com eles e o seu orientador o momento da publicaçãodos resultados da pesquisa. Só nos resta desejar que o livro sirva dealento para que professores e alunos desta Faculdade possam forta-lecer ainda mais a iniciação científica.

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Esta coleção nasce da necessidade premente de divulgar aspesquisas de iniciação científica da FFLCH/USP. São trabalhos dequalidade produzidos anualmente, mas que, infelizmente, nem sem-pre encontram destino melhor que as gavetas do esquecimento. Asenergias concentradas na primeira pesquisa merecem circular de mãoem mão, de modo a emular e cultivar o gosto pela produção deconhecimento. Como ferramenta de busca de novos pesquisadorese estudos, a Coleção Primeiros Estudos está orientada pelo maisrigoroso respeito à primeira produção acadêmica e pela valorizaçãode um espírito universitário livre de ranços e preconceitos.

A coleção é uma iniciativa da Comissão de Pesquisa daFFLCH, com o apoio da Humanitas. Este número contou aindacom o apoio do Departamento de Sociologia.

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Glauco Arbix e Miguel Matteo

O ponto de partida e de chegada deste livro é a indústria deSão Paulo nos anos 90. Quatro dedicados jovens estudantes de Ciên-cias Sociais1 procuraram penetrar em alguns pequenos mistériosque envolvem a força desse estado, tido por décadas como a loco-motiva do Brasil.

Da pergunta inicial – seriam os anos 90 um marco irreversívelno lento declínio da indústria paulista? – nasceram outras, maisprovocativas. Ainda há lugar para políticas públicas voltadas para aindustrialização? Que planos e políticas foram gestadas no Paláciodos Bandeirantes para evitar o anunciado declínio do estado? Esta-ria o ABC, berço da moderna indústria, em franca decadência? Osetor terciário estaria substituindo o industrial como motor da eco-nomia metropolitana? Exagero dos jornais? O que estariam dizendoas sociedades locais? Resistência ou morte? E o que acontece emoutras regiões mais bem aparelhadas, como Campinas, que não secansa de atrair investimentos?

Foram muitas as perguntas para apenas quatro trabalhos deiniciação científica, financiados pela Fapesp e pelo CNPq, com du-ração média de um ano e meio de pesquisa.2 Por isso, a atividade de

1 Além dos quatro autores de trabalhos publicados neste livro, acompanhou-nos noinício da pesquisa a jovem Rebeca Ruano, também aluna de Ciências Sociais. Ape-sar de sua boa vontade, foi levada a mudar de ares, de cidade e de vida. Esperamossua volta.

2 A Fapesp financiou as bolsas de Vivian England Schoereder, Idenilza Moreira, AdrianaVitória dos Santos. O CNPq, do Pibic, a bolsa de Rogério Acca.

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo14 PALAVRA DO PROFESSOR

pensar muitas vezes se confundiu com a de escolher. Isso porquedificilmente seria encontrada outra maneira de iniciar o desenho dealgumas respostas, para as quais foram de extrema valia os dadosfresquinhos colhidos pela Fundação Seade, por intermédio da Pes-quisa da atividade econômica paulista (Paep).

Em seus traços gerais, os resultados encontraram um Estadoe uma sociedade sustentados por uma indústria agressiva e comple-xa que vem, entretanto, tropeçando em suas próprias carências eindefinições estratégicas. Nas áreas estudadas, longe de um declínioindustrial, os jovens pesquisadores confrontaram-se com uma sofis-ticada plataforma produtiva e tecnológica, receptora de novos epesados investimentos, que estaria não só gestando e delineandonovos ciclos de crescimento acelerado, como também estimulandoe sustentando novas expansões da economia, inclusive no setor deserviços.

As dificuldades de geração de emprego foram entendidas comoo calcanhar desse Aquiles paulista, um estado que teima em nãoorientar o seu poder para a melhoria da qualidade de vida de todaa população. Para isso concorre o vazio das políticas públicas doestado que, muitas vezes, contrastam com a ebulição da indústria,das sociedades locais e de ousados projetos regionais em gestação.

Na verdade, nos últimos vinte anos, os laços entre a manufa-tura e as demais áreas da economia, entre setores de alta e baixatecnologia, domésticos ou estrangeiros, se imbricaram a tal pontona história de São Paulo que a metáfora ferroviária utilizada ao lon-go dos anos não consegue transmitir mais que uma tênue imagemda realidade.

Embora preliminar, a pesquisa realizada deparou-se com umestado em constante transformação, movido à indústria, e que sealça hoje mais poderoso que nunca no frágil mosaico da Federaçãobrasileira.3

Sem euforia, algumas experiências registradas por este livrotêm força para sugerir o debate sobre alguns vícios e virtudes da

3 Diga-se de passagem, o que nem sempre é bom para o país. Basta olhar para ahistórica negligência da elite paulista diante das acentuadas desigualdades brasilei-ras.

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Anos 90: um olhar sobre as políticas de industrialização no Estado de São Paulo 15GLAUCO ARBIX E MIGUEL MATTEO

industrialização recente em São Paulo. Nesta chave encontram-se: aleitura pelo avesso do declínio do ABC; a realidade chocante da suanão-empregabilidade; a nova cooperação entre as sociedades lo-cais; a exuberância regional de um pedacinho do interior paulista; ea enorme fraqueza das estratégias públicas do Estado.

Com toda certeza, preciosas horas de sono tiveram que sertrocadas por esses resultados. Por isso, já seria uma enorme recom-pensa se os achados deste livro estimulassem a curiosidade de ou-tros estudantes. Mas se conseguissem distrair algum jovem leitor,levando-o a imaginar-se um pesquisador do futuro, a certeza de queo esforço valeu a pena seria ainda maior.

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A iniciação científica é uma experiência capaz de proporcio-nar um importante contato com o universo da pesquisa; por meiodela, descobrimos as dificuldades e recompensas envolvidas no pro-cesso de investigação sociológica. Esta trajetória de aprendizagemnão percorremos sozinhos. Nela, se fizeram fundamentais o traba-lho em equipe, as discussões coletivas e o apoio dos colegas.

Contudo, nada disso teria sido possível sem a orientação sem-pre presente, paciente e bem-humorada do Prof. Glauco Arbix. Semseu esforço e a confiança em nós depositada este livro não existiria.Por tudo isso, somos especialmente gratos a ele.

Aos nossos pais, familiares e amigos, pelo apoio e incentivo,mesmo nos momentos mais difíceis.

A todos aqueles que gentilmente nos concederam entrevistas,material e dados, viabilizando o desenvolvimento das pesquisas,nosso sincero agradecimento.

Ao Departamento de Sociologia e à Faculdade de Filosofia,Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, cujascolaborações permitiram a publicação deste trabalho – em especialaos professores Sedi Hirano e Heloísa Martins, que tão prontamen-te abraçaram nossa idéia.

Finalmente, somos gratos às instituições de fomento – CNPqe Fapesp –, pelo imprescindível apoio às pesquisas que geraram estelivro.

Esperamos que a oportunidade que nos foi dada se estenda aoutros jovens pesquisadores, para estimular cada vez mais a produ-ção científica no país.

Os organizadores

São Paulo, julho de 2001

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ADRIANA VITÓRIA DOS SANTOS 19

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Adriana Vitória dos Santos*

O presente artigo busca investigar os deslocamentos indus-triais do estado de São Paulo a partir das estratégias e políticas dedesenvolvimento estimuladas pelo governo do estado nos anos 90.

Pretende-se entender como são fundamentadas as políticasde atração de indústrias, a partir dos instrumentos estratégicos e dosprogramas de desenvolvimento formulados pelo estado de São Paulo,analisando as reações do governo do estado diante dos processosde deslocamento industrial, incluindo aí um dos possíveis fatoresque podem contribuir para esse fato, a chamada guerra fiscal.

Primeiramente, procurar-se-á discutir a afirmação corrente deque o estado de São Paulo, ao longo dos anos 90, apresentou umprocesso de deslocamento industrial e vem perdendo um certo es-paço nas decisões de alocação dos investimentos industriais.

A pesquisa indica que estamos assistindo mais a uma reespa-cialização da indústria no interior do próprio estado que propria-mente a um movimento radical de perda de empresas no planoestadual. Os dados, em especial os da Fundação Sistema Estadualde Análise de Dados (Seade), indicam a tendência a um espraia-mento das indústrias para o interior do estado, ou seja, a grandeSão Paulo perde espaço na produção industrial.

* Aluna de Ciências Sociais da FFLCH, USP.

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POLÍTICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO20

Procurar-se-á estudar também o que o governo do estadovem fazendo diante do deslocamento industrial ao longo dos anos90, ou seja, as políticas de desenvolvimento industrial.

A postura do estado de São Paulo nesse processo de descon-centração industrial mostrou-se passiva, optando pela não-utiliza-ção de políticas agressivas na inserção do conflito entre os estadospela atração de novas indústrias. Neste trabalho, há ainda comentá-rios preliminares sobre um dos processos que podem contribuir parao deslocamento industrial e a competição inter-estadual no país,processo esse conhecido como guerra fiscal.

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Inicialmente, tentou-se traçar um diagnóstico do deslocamen-to industrial no estado de São Paulo. Observou-se, nesse processode deslocamento, pelo menos dois movimentos distintos que vêmacontecendo na configuração da indústria paulista. De um lado, háum movimento lento de migração das indústrias, especialmente parao interior do próprio estado de São Paulo.

Por outro lado, quando se recorta somente a indústria auto-mobilística, identifica-se um deslocamento mais acentuado para forado estado. Ainda quanto ao setor automotivo, discutir-se-ão os im-pactos das políticas de guerra fiscal sobre o estado, que contribuem,em certa medida, para esse movimento de migração das montado-ras.

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Uma análise do processo de deslocamento industrial revelaum movimento de fuga das indústrias da região metropolitana emdireção ao interior do estado. Contudo, esse processo não é rápidonem generalizado.

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ADRIANA VITÓRIA DOS SANTOS 21

De acordo com Paulino,1 a tendência ao deslocamento indus-trial dentro do estado de São Paulo existe, embora seja pequena erepresente um espraiamento lento das indústrias para o interior doestado.

Em 1980, a capital de São Paulo representava 20% do PIBindustrial brasileiro, em 1995, essa participação caiu para 11%. Aregião do ABC, que respondia, em 1998, por 9% da produçãoindustrial brasileira, passou a contribuir, em 1995, com menos de8%.

Por outro lado, no interior de São Paulo, a participação noPIB industrial aumentou nesse mesmo período de 15 anos. Em 1980,o interior do estado contribuía com, aproximadamente, 20% da pro-dução industrial nacional. Em 1995, sua participação elevou-se para23,5%, ou seja, menos da metade da contribuição da capital doestado, nesse mesmo período.

Apesar de ter perdido espaço, o estado, assim como toda aregião Sudeste, tem mostrado capacidade de recuperação indus-trial. O estado de São Paulo ainda representa cerca de 40% de todoo PIB industrial brasileiro, como podemos observar pelas tabelasabaixo:

Tabela 1. Estrutura do PIB* por unidade da Federação (em %)

Regiões 1970 1975 1980 1985 1990 1995 1998Norte 2,2 2,1 3,2 4,1 4,9 4,8 4,9Nordeste 11,7 11,3 12 13,5 13,1 12,5 12,7

Sul 16,7 18,1 17 17,7 16,8 16,7 15,9Sudeste 65,6 64,2 62,4 59,1 58,2 58,9 59,4Centro Oeste 3,9 4,3 5,5 5,6 6,9 7,2 7,2

Brasil 100 100 100 100 100 100 100Fonte: Sérgio G. Ferreira, Informe-se, BNDES, n. 4, jan. 2000.

*Custos e Fatores

1 PAULINO, Luiz A. O novo mapa da indústria brasileira. Teoria e Debate, n. 38. SãoPaulo: Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 42-3.

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POLÍTICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO22

Tabela 2. Participação dos estados no PIB Industrial* (em %)Regiões e estados 1985 1990 1995 1998Norte 4,1 4,9 4,7 4,8

Nordeste 13,5 13,1 12,4 12,6CE 1,6 1,6 1,7 1,8PB 0,7 0,8 0,7 0,7

PE 2,5 2,5 2,3 2,3BA 5,1 4,2 4,1 4,1Sudeste 59,1 58,3 59,3 59,6

MG 9,45 9,51 9,86 9,79ES 1,69 1,47 1,54 1,50RJ 11,68 12,46 10,36 11,09

SP 36,3 34,9 37,5 37,2Sul 17,7 16,7 16,6 15,9PR 6,3 6,1 6,3 5,8

RS 7,9 7,2 7,2 7,0Centro Oeste 5,6 7,0 7,0 7,1GO 2,0 2,0 2,0 1,9Brasil 100 100 100 100

Fonte: SILVA, Antônio; MEDINA, Mérida. Produto Interno Bruto por unidade daFederação. Texto para Discussão, n. 677, Brasília: Ipea, 1999.*Market Prices

A partir dos dados presentes na Pesquisa da atividade econô-mica paulista (Paep),2 desenvolvida pelo Seade, percebe-se que existeuma tendência marcante à desconcentração da atividade industrial,principalmente rumo ao interior do estado e, subsidiariamente, emdireção a outras regiões do país. Entretanto, as empresas que saíramcontinuaram mantendo com a região metropolitana as mais íntimasrelações, pois nessa área ainda permanecem os centros de decisão ede planejamento das indústrias. Muitas vezes, as indústrias acabamdeslocando somente suas plantas produtoras, o que indica que aregião metropolitana de São Paulo tende a se configurar como lugarde um tipo especial de alocação industrial, capaz de concentrar as

2 A Pesquisa da atividade econômica paulista (Paep) desenvolvida pelo Seade, intro-duz uma diversidade de novos dados para medir a atividade econômica. Foi con-cluída em dezembro de 1998, e os dados têm como ano-base 1996. O próximolevantamento deve sair em 2002.

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áreas estratégicas de decisão, planejamento e geração de novastecnologias industriais.

A região metropolitana representa 60,4% do valor adiciona-do industrial do estado, 56,8% do contingente de pessoal ocupadoe detém 56,9% das unidades locais de natureza industrial. “Se aesses resultados forem acrescidos aqueles referentes às regiões deCampinas e de São José do Campos, alcançar-se-ão os níveis de83% do valor adicionado total, 78,1% do pessoal ocupado e 74,9%do número de unidades locais. Quando se acrescentam os dadosdas regiões de Sorocaba e da Baixada Santista, chega-se a 90,3%,85,2% e 82%, respectivamente”.3

Isso mostra que a concentração industrial ainda é muito pre-sente na região metropolitana de São Paulo, que o movimento dedesconcentração é lento e que as indústrias tendem a se instalar emregiões próximas à Grande São Paulo. O que não corresponde àexpectativa inicial de que a atividade industrial na região metropoli-tana passava por extenso e profundo esvaziamento, acompanhadode um progressivo aumento de desemprego. A esse respeito, a Paepmostra que a modernização das plantas existentes, e não o desloca-mento industrial, provocou o enxugamento do emprego industrialde São Paulo.

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Quando se recorta somente a indústria automobilística, queem vários momentos foi o campo empírico preferencial da pesquisa,é interessante observar um padrão espacial diferente. Há, nesse se-tor, uma clara desconcentração das novas plantas automobilísticas,que optaram por se localizar fora do estado de São Paulo.

Isso significa que o setor automotivo representa um movimentodistinto das indústrias de um modo geral, como vimos anteriormente.

A partir da metade dos anos 90, os investimentos diretos ex-ternos no Brasil cresceram enormemente. Com a relativa proteção

3 Economia Paulista, v. 13, n. 1-2. São Paulo: Fundação Seade, 1999, p. 11.

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POLÍTICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO24

do governo à indústria automotiva, em especial após o Novo Regi-me Automotivo (dezembro de 1995), os investimentos estrangeirospassaram de US$ 10.683 milhões, entre janeiro de 1995 e outubrode 1998, a cerca de US$ 15 bilhões no final de 1999. Esses investi-mentos, porém, diferentemente do que ocorreu na primeira migra-ção das montadoras estrangeiras nos anos 50, estão sendo alocadosfora do estado de São Paulo. Menores custos trabalhistas, movimen-to sindical mais cooperativo, aprimoramento da infra-estrutura pro-dutiva em outros estados, simultaneamente a uma saturação indus-trial na área da Grande São Paulo, são as razões normalmenteapontadas para explicar essa descentralização. Se somarmos a essasexplicações a guerra fiscal, pode-se ter um quadro mais completodesse movimento de desconcentração industrial.

Até recentemente, à exceção da Fiat em Betim (MG), quasetoda a produção brasileira estava localizada na Região Metropolita-na de São Paulo e no Vale do Paraíba (SP). Nessa nova fase, dosUS$ 4,3 bilhões já investidos, apenas 3,5% destinaram-se à RMSP(correspondente à fábrica da Land Rover) e 16,6% ao estado deSão Paulo (Land Rover, Honda, Toyota e Volkswagem-motores).“Os estados com maiores investimentos foram o Paraná, com 47,7%(Chrysler, Renault e Volkswagem/Audi) e Minas Gerais com 24,5%(Fiat e Mercedes-Benz)”.4

4 Economia Paulista, v. 13, n. 1-2. São Paulo: Fundação Seade, 1999, p. 175.

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Tabela 3. Investimento (1) em novas fábricas automobilísticasEmpresa Cidade Produto Investimento Capacidade Fase do

e UF (US$ milhões) (mil unidades) Projeto

(dez. de 98)

Fiat BH–MG Comerciais 240 45 Prontaleves

Honda Sumaré Automóveis 150 30 ProntaSP

Chrysler Campo Comerciais 315 15 ProntaLargo PR leves

Mercedes-Benz Juiz de Automóveis 820 50 TestesFora MG

Renault S. José Automóveis 1.000 120 Pronta

dos Pinhais

PR

Toyota Indaiatuba Automóveis 150 30 Pronta SP

VW São Carlos Motores 270 – Pronta SP

VW Resende Caminhões 250 – Pronta RJ

VW-Audi S. José dos Automóveis 750 168 Pronta

Pinhais PR

Land Rover S.Bernardo Comerciais 150 1,5 ProntaSP leves

Navistar Caxias do Caminhões 200 1,2 ProntaSul RS

Mitsubishi Catalão Comerciais 35 30 Pronta

GO leves

Fonte: Anuário Estatístico da Anfavea, 1998 e Revista da Fundação Seade; (1) A partir de

1996.

Com a instalação da Peugeot no Rio de Janeiro, a ida da GMpara Gravataí (RS) e após a ruptura do contrato entre a Ford e oestado do Rio Grande do Sul, a Bahia, o Rio de Janeiro e o RioGrande do Sul também podem ser incluídos nesse grupo.

É notável a dinamização econômica da indústria automobilís-tica, que representa a mais importante do setor de bens duráveis.Esse segmento industrial requer grande proximidade entre forne-

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cedores e fabricantes (devido ao sistema just-in-time), garantindo aminimização dos estoques e a agilização das entregas, exigindo as-sim o deslocamento dessas indústrias fornecedoras. Um exemplodesse processo é a Fiat, que instituiu uma política de “mineirização”de seus fornecedores, ou seja, atração das indústrias para MinasGerais, onde se localiza a sua planta.

Pode-se dizer que esse processo de desconcentração do setorautomobilístico atingiu especialmente a região do ABC que, desde adécada de 1950, foi o principal lugar de alocação da indústria auto-mobilística no Brasil.

No entanto, nossa pesquisa mostrou que a realidade dosetor automotivo não pode ser estendida para o conjunto da in-dústria do estado de São Paulo. Podemos dizer que a indústriaautomobilística exibe um aspecto pessimista da atividade econô-mica paulista, já que os dados da Paep revelam um processo dedeslocamento do segmento automobilístico rumo a outros esta-dos, como Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Ja-neiro e Bahia.

Entretanto, de um ponto de vista geral, São Paulo continuamostrando uma enorme capacidade de atração de investimentos eboa performance industrial, ainda que no setor automotivo a lógicada guerra fiscal possa ter provocado alterações profundas nas esco-lhas das indústrias.

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Essa parte do artigo apresenta algumas considerações a res-peito de um dos fatores que pode ter contribuído para o desloca-mento industrial e que está vinculado à aplicação de políticas agres-sivas de atração de indústrias, com isenção de impostos, a partir dacompetição entre cidades e estados da Federação: a chamada guer-ra fiscal.

Dessa forma, discute-se o impacto das políticas da guerrafiscal sobre a indústria automobilística do estado de São Paulo,tendo em vista que a lógica de tais políticas agressivas vem provo-

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cando alterações nas escolhas alocativas dessas indústrias. Assim,esse movimento observado no setor automotivo, distinto da indús-tria de um modo geral, é explicado, em certa medida, pela guerrafiscal.

Embora seja uma prática generalizada, existem leis que res-tringem a concessão de benefícios para o setor privado, principal-mente os relacionados aos impostos. Esse é o caso do ICMS.

A lei complementar federal n. 24, de 1975, que tinha porobjetivo harmonizar nacionalmente o ICM, depois o ICMS, estabe-leceu regras para a concessão de benefícios fiscais. Posteriormente,a Constituição de 1988, em seu artigo 34, parágrafo 5º das disposi-ções transitórias, incorporou a lei federal n. 24 / 75, que vigora emsua plenitude até hoje. Essa lei define em seu art. 1º:

“Art. 1º – As isenções do ICM serão concedidas ou revogadasnos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados epelo Distrito Federal, segundo esta lei.

Parágrafo Único – O disposto neste artigo também se aplica:

I – à redução da base de cálculo do imposto;

II – à devolução total ou parcial, direta ou indireta, condicio-nada ou não, do tributo ao contribuinte, a responsávelou a terceiros;

III – à concessão de crédito presumido;

IV – à quaisquer outros incentivos ou favores fiscais ou finan-ceiros fiscais concedidos com base no ICM dos quais re-sultem redução ou eliminação direta ou indireta do res-pectivo ônus;

V – às prorrogações e às extensões das isenções exigentesnesta data”.

Esses itens são exatamente o que se tem usado como artifíciopara atrair as indústrias, na chamada guerra fiscal.

No artigo 2º está dito como se aprovam os benefícios:

“Art. 2º – Os convênios a que alude o art. 1º serão celebradosem reuniões para as quais tenham sido convocados representantesde todos os estados e do Distrito Federal, sob presidência de repre-sentantes do Governo Federal.

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Parágrafo 2º – A concessão de benefícios dependerá semprede decisão unânime dos Estados representados. A sua revogaçãototal ou parcial dependerá da aprovação de 4/5 pelo menos dosrepresentantes presentes”.

Portanto, fica claro que usar o benefício de isenção do ICMSé ilegal quando feito por um estado isoladamente, e é o que gera acompetição entre os estados.

Determina o art. 8º desta lei:

“Art. 8º – A inobservância dos dispositivos desta lei acarretarácumulativamente:

I – a nulidade do ato e a ineficácia do crédito fiscal atribuídaao estabelecimento recebedor da mercadoria;

II – a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido e aineficácia da lei ou ato que conceda remissão do débitocorrespondente”.

Isso significa que há, segundo a legislação, formas de anular aconcessão desses benefícios.

Outro fator importante a mencionar é que quando um produ-to sai de um estado para ser vendido em outro, o imposto sobre esseproduto é, em grande parte, destinado ao estado em que foi produ-zido, ou seja, no estado de origem e não no estado de destino. As-sim, o que diz a regra da lei nacional é que, se o ICMS não foi pagoou o foi de forma subsidiada na origem, o destinatário da mercado-ria não tem direito ao crédito, ou seja, tem que pagar de verdadeaquilo que foi pago de mentira.

No caso do estado de São Paulo, que comporta o mercadoconsumidor por excelência, está-se cobrando o que foi renunciadona origem. Os estados atraem indústrias que abastecerão, muitasvezes, outros estados. As vendas interestaduais são tributadas a 12%;os estados infratores utilizam essa receita para financiar o ICMS dosprojetos atraídos. O Tesouro do estado que exporta recebe do con-tribuinte vendedor 12% de ICMS; o Tesouro do estado que importaos devolve, na forma de crédito, ao contribuinte comprador. Portan-to, no final, o estado que importa está favorecendo a empresa; é oconsumidor do estado que compra quem paga.

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Para ilustrar esse fenômeno, pode-se imaginar a montadoraFord da Bahia mandando um carro para São Paulo. Ela recolhe12% para os cofres baianos quando vende os automóveis; esses 12%que a Bahia supostamente recebe são devolvidos para a empresa,que não os perde porque quando a concessionária Ford de São Paulorecebe o carro, ela o recebe com o débito dos 12%. Em outras pala-vras, é o comprador do carro em São Paulo que está financiando ofavor fiscal. Por outro lado, a concessionária Ford de São Paulo, quepagou 12% na nota fiscal para a montadora baiana, deduz esse mon-tante do valor que deve recolher aos cofres paulistas; é o chamadoprincípio da não-cumulatividade do ICMS: deduz-se da operação sub-seqüente o que se pagou na anterior. Dessa forma, esse ICMS, que oTesouro paulista deixou de receber, relativo ao automóvel consumidoem São Paulo, foi transferido, via tributação interestadual, ao Tesourobaiano, que o devolveu à montadora atraída. Ou seja, saiu do con-sumidor e dos cofres do estado comprador e entrou para os cofresda montadora baiana, e não para os cofres da Bahia. Isso significaque o combustível da guerra fiscal é essa tributação interestadual.

É um processo no qual se transfere uma indústria de um esta-do para outro, sem o correspondente aumento da produção nacio-nal. O emprego muda de lugar. O Produto Interno Bruto pode atédiminuir na medida em que permite à empresa um privilégio que asdemais não têm, fazendo com que as empresas que se dedicam àmesma atividade não possam mais ser competitivas. Isso significaque um produto pode custar mais barato num estado que em outropor conta de um fator de custo: o ICMS.

A tributação interestadual faz com que o imposto seja cobra-do no estado de destino e a maior parte enviada ao estado de ori-gem, mas como o estado que abrigou a indústria concedeu-lhe in-centivo de ICMS, o estado de destino é obrigado a reconhecer esseimposto como despesa tributária da empresa, coisa que ela não paga.Isso é o que poderia ser chamado de crédito espúrio.

Um dos pontos dessa tributação interestadual que poderia sermudado numa reforma tributária é, portanto, essa operação de “ori-gem-destino”, a tributação poderia ir para o estado de destino, eli-minando o crédito espúrio da empresa.

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Pode-se dizer que a guerra fiscal é muito prejudicial para SãoPaulo, pois dada a dimensão de seus mercados, a produção das em-presas que deixam o estado para se instalar em estados vizinhos ten-de a ser, em sua maior parte, importada por São Paulo. Deixando delado, nesse caso, as perdas de emprego e outros impactos internosdecorrentes da saída das empresas, o estado deixa de arrecadar os18% do ICMS a que tinha direito quando a empresa tinha sede noestado, e passa a arrecadar apenas 6%, abatido o crédito de 12%cobrado pelo estado de origem na operação interestadual. Ou seja, doponto de vista geral, há perda para todo o país. Há ainda um agravan-te: sendo o ICMS objeto de incentivo no estado de origem, e suponha-mos, não recolhido, a empresa traz para São Paulo o crédito espúrio,que o estado é forçado a reconhecer como despesa tributária legítimada empresa. O resultado agregado desse processo é, portanto, umaperda não só de São Paulo, mas global, de arrecadação, que afeta oconjunto dos estados durante o tempo que durarem os incentivos.

De acordo com Paulino, “A tendência é que a concessão gene-ralizada de incentivos para a localização de empresas acabe levandoà sua própria anulação enquanto elemento diferenciador das decisõesde investimentos e deixe, no final das contas, os estados sem recursosnecessários para investir na oferta de infra-estrutura, educação, for-mação profissional, saúde pública, coisa que nenhuma empresa pri-vada está disposta a bancar por conta própria, mas cuja existência éfundamental para que o capital privado coloque seus recursos”.5

O que se coloca nessa discussão é, portanto, o efeito duvido-so dessa disputa de atração dos investimentos industriais. Sem umapolítica de desenvolvimento regional, será difícil haver mudanças dequalidade no panorama industrial brasileiro. E, de acordo com o as-sessor da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econô-mico, “o desenvolvimento regional (infra-estrutura, qualificação pro-fissional etc.) pode não ser suficiente diante dos incentivos fiscaisabusivos distribuídos para as indústrias pelos estados e municípios”.6

5 PAULINO, Luiz A., op. cit., p. 47.6 Entrevista com Armando Laganá, representante da Secretaria da Ciência, Tecnolo-

gia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo na Câmara do ABC,realizada em 14.2.2000, com Idenilza M. Miranda.

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É interessante notar que o retorno do investimento industrialpara a cidade que atraiu a empresa não é imediato. De acordo como secretário da Fazenda de São Carlos, “As pessoas pensam que oimposto (ICMS) pago por uma empresa volta para a cidade. E não ébem assim. Há um mecanismo de cálculo, que envolve os valoresque a cidade agregou e que só começam a dar retorno para a cida-de a partir do segundo ano do início de agregação de valor da em-presa, porque a base de cálculo é o valor agregado médio dos últi-mos dois anos. Portanto, enquanto os municípios concedem isençõesfiscais, doações de terrenos, entre outros incentivos imediatamente,o retorno do investimento para a cidade é incerto e demorado”.7

O governador Mário Covas admitiu que poderia entrar naguerra fiscal, confrontando diretamente outros estados. Os resulta-dos dessa iniciativa seriam incertos para a nação. Certamente a Fe-deração correria riscos, visto que o estado de São Paulo é o maispoderoso economicamente, possuindo vantagens comparativas su-periores a outros membros estaduais.

Nesse sentido, uma reforma tributária que leve em considera-ção as perdas geradas pela guerra fiscal, não só para o estado, maspara a Federação, poderia solucionar uma parte importante dessasquestões.

O Projeto da Reforma Tributária que pretende fazer com quea tributação vá para o estado de destino do produto, ou seja, que oimposto seja recolhido não na produção mas no consumo, é interes-sante, uma vez que não haveria grandes perdas para os estadoscujas indústrias emigraram para outros lugares e também para anação.

Outra proposta para a reforma tributária poderia ser a elimina-ção da tributação interestadual, que impediria, da mesma forma, es-sas grandes perdas na compra e venda de mercadorias interestaduais.

A precariedade do debate público sobre esse assunto e o dis-tanciamento do governo federal das disputas colocam sérias inter-rogações sobre a eficácia dessas políticas de guerra fiscal.

7 Entrevista com Márcio Rossit, secretário da Fazenda de São Carlos, realizada porGlauco Arbix, 1.2.2000.

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Nessa parte do artigo se discutirá a forma pela qual o gover-no do estado vem tratando a questão do deslocamento industrialem São Paulo, ou seja, o que está sendo realizado em termos depolíticas de desenvolvimento industrial pelo estado.

Parte-se da idéia de que as políticas de desenvolvimento indus-trial são importantes para a análise do deslocamento industrial noestado de São Paulo, pois esses programas têm como lógica básicatentar interferir num processo de decisão locacional das indústrias.

A postura do estado de São Paulo nesse processo de descon-centração industrial aparece como essencialmente passiva. As rea-ções quanto às decisões alocativas desfavoráveis ao estado são muitotímidas, conservando sua postura básica em relação ao processo,diante de iniciativas agressivas dos demais membros da Federaçãopara atrair investimentos industriais. O estado de São Paulo optouclaramente, portanto, pela não-utilização de políticas agressivas eadotou uma postura legalista de inserção no conflito entre os esta-dos pela atração de indústrias.

O fato de deter cerca de 40% da produção industrial do paísem seu território implica que o estado de São Paulo padece de restri-ções para acompanhar os competidores na concessão de incentivos.O exemplo é dado pelos estados vizinhos com baixa densidade in-dustrial e total ausência de empresas em certos setores. Isso facilita aconcessão de incentivos, pois não estabelece uma discriminação inter-na ao estado, entre os novos investimentos e empresas já instaladas.

Assim sendo, primeiramente, discutir-se-ão as vantagens na-turais de São Paulo no processo de atração de indústrias. Posterior-mente, as políticas desenvolvidas pelo governo do estado na déca-da de 1990, que tendem a representar medidas de longa duraçãoou uma postura estritamente legalista, reafirmando a posição doestado de não assumir políticas agressivas para atração de investi-mentos industriais.

Interpretando as medidas, na maioria das vezes passivas, dogoverno do estado, julga-se que o governador aposta, antes de maisnada, nas vantagens comparativas naturais do estado de São Paulo.

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O estado de São Paulo é o maior centro industrial do país,seu poderio financeiro, econômico, educacional e cultural represen-ta por si só um grande atrativo à alocação industrial. Em certos seto-res industriais, para deslocar uma indústria é preciso levar em contatoda a cadeia de fornecedores necessária para o processo produti-vo; assim, os custos para deslocar a indústria do principal centroindustrial do país aumentam.

A proximidade com o mercado consumidor é um fator igual-mente relevante: São Paulo concentra o maior mercado da AméricaLatina. O fato do estado ser o centro nervoso das decisões financei-ras e econômicas do país representa um outro atrativo. Dos 17 prin-cipais bancos comerciais estrangeiros que atuam no Brasil, em 1996,16 mantinham sede na Grande São Paulo.8

Somadas às vantagens naturais do estado de São Paulo, noinício dos anos 90, começam a aparecer algumas medidas tímidasde reação ao deslocamento industrial, impulsionadas pela crescenteefervescência que se registrou nas práticas de subsidiamento de outrosestados.

Em 1991, o governo implementou por intermédio doBanespa, um breve ensaio de programa de incentivos para dife-rimento do ICMS. O governo criou em 1989, por meio do decre-to n. 30.488, de 27/9/89, o Programa de Desenvolvimento Econô-mico do estado de São Paulo, que seria gerido pelo Conselho Estadualde Desenvolvimento (Cede). Mas, somente em 1991, houve regula-mentação dos instrumentos a serem utilizados. Pelo decreto n. 33.498,de 10/07/91, acrescentaram-se ao anterior novos artigos que cria-ram instrumentos de subsídio.

O decreto autorizava o Banespa a conceder dois tipos de finan-ciamento para as empresas que pretendessem se instalar ou ampliar acapacidade de produção no território estadual. O primeiro tipo eraum financiamento para capital de giro, com as seguintes condições:

1. Limites – projeto localizado na Grande São Paulo: no 1º

ano, até 40% do ICMS adicional recolhido; no 2º ano, até30% do ICMS adicional recolhido; no 3º ano, até 20% do

8 Dados do site da Fundação Seade, fevereiro de 2000.

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ICMS adicional recolhido. Projeto fora da Grande SãoPaulo: mesmo critério, com porcentagens de 50%, 40% e30%, respectivamente.

2. Liberação – cotas mensais, nas datas estipuladas para re-colhimento do ICMS.

3. Condições de pagamento – 36 parcelas mensais sucessi-vas, contadas a partir da respectiva liberação, e reajusta-das monetariamente com base na TRD.

O segundo tipo de financiamento, limitado a 25% do investi-mento total, servia para aquisição de capital fixo e tinha condiçõesde pagamento semelhantes às do anterior. O decreto discriminavacinco áreas do estado, diferenciando o percentual de financiamentopor região – 5% para os municípios de maior porte até o limite de25% para aqueles mais atrasados. Esse financiamento estava vincu-lado à arrecadação incremental do ICMS gerado pela empresa. Osempréstimos somados e liberados em 36 parcelas, no dia do reco-lhimento do imposto, tinham que se restringir ao limite de 75% daarrecadação adicional.

Note-se que num contexto de alta inflação, o programa nãocontinha o mecanismo mais oneroso usado por alguns estados, acorreção monetária nula.

Contudo, não há registros ou levantamentos da aplicação desseprograma. Teria sido utilizado somente em algumas operações nosetor de bebidas. Não parece existir uma efetiva disposição do go-verno estadual para um engajamento maior nele, e a isso soma-se ofato de que havia um agravamento da crise do banco estadual.

Em 1993, o governo de São Paulo lançou o Programa deEqualização Tributária, o qual daria origem a diversas resoluções daSecretaria da Fazenda do estado. Esse programa remetia à Consti-tuição Federal, em seu artigo 155, parágrafo 2º, que estabelecia aproibição à concessão unilateral de isenções e benefícios fiscais eque o ICMS seria não cumulativo, compensando o que fosse devidoem cada operação com o montante cobrado nas etapas anteriorespelo mesmo estado ou por outro. Essa formulação remete à inter-pretação de que, se o imposto não for cobrado, deixa de existir ocrédito.

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Com base nisso, o governo de São Paulo formalizou um con-junto de medidas que limitam a apropriação do crédito no imposto,quando da entrada de mercadoria por operação interestadual, aovalor efetivamente cobrado pelo estado remetente. Foram emitidasportarias para os casos de Goiás, Espírito Santo e Zona Franca deManaus. Nos casos em que ocorresse dilatação do prazo, o créditoestaria validado em São Paulo. Ou seja, sempre que as mercadoriassubsidiadas em qualquer estado fossem internalizadas, buscando omercado paulista, a rejeição do crédito anularia automaticamente obenefício fiscal, restabelecendo as condições de igualdade com aprodução local ou com outros estados não subsidiada.

Essa iniciativa não representava um quadro imediatamentefavorável ao estado de São Paulo, pois o contribuinte beneficiadoestaria respaldado por lei estadual. Seria necessário o questiona-mento da legitimidade da lei original no Supremo Tribunal Federal.

Em diversos momentos, o estado de São Paulo foi forçado arecuar diante da omissão da instância superior. Essa linha de enfren-tamento, porém, não foi abandonada.

Em 1994, abriram-se os conflitos em torno do setor automo-bilístico, deflagrados pela lei n. 2.273/94, editada pelo governo doRio de Janeiro. A postura inicial do governo paulista foi essencial-mente legalista.

Em 1996, o governo aprovou a lei n. 9.359/96, cuja principalalteração refletiu sobre a lei básica do ICMS estadual, que estabele-cia a apropriação de créditos do ICMS, proporcional ao efetivo pa-gamento no estado de origem. Não há registro de qualquer utiliza-ção dessa lei.

Esses fatos deixam claro que, até recentemente, a característi-ca essencial da reação do governo do estado de São Paulo frente àspolíticas agressivas dos outros estados foi a opção pela não-partici-pação e pelo questionamento jurídico dos programas desenvolvidospelos demais estados.

A etapa mais ativa da postura do governo do estado iniciou-se no segundo semestre de 1995. O evento decisivo para essa inflexãona postura do estado foi, certamente, a decisão de instalar da fábri-ca de ônibus e caminhões da Volkswagen (VW) no estado do Rio de

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Janeiro. Quanto a esse fato, o governo optou, primeiramente, pornão fazer nada e esperar uma ocasião mais propícia.

O primeiro movimento, fora do âmbito jurídico, foi em outu-bro de 1995. Foram lançados o Programa de Desenvolvimento eCompetitividade (PDC) e as Câmaras Setoriais Paulistas, que pre-tendiam solucionar o problema da evasão de empresas, provocadopelo que a imprensa chamou de “Custo São Paulo”. A primeira pro-posta iria aprimorar o trabalho de suporte informativo, orientação econvencimento junto ao setor privado sobre as vantagens competi-tivas do estado. A segunda proposta tinha por objetivo solucionarproblemas de infra-estrutura no estado de São Paulo. Ambas colo-cavam-se contra o uso de benefícios fiscais.

No final de 1995, iniciaram-se as negociações que levariam aMercedes-Benz a se instalar em Juiz de Fora, Minas Gerais. São Pauloreagiu levando à Assembléia Legislativa um projeto de lei que cria-va um conjunto de programas, dentre os quais constava a utilizaçãodireta do diferimento do ICMS, nos mesmos moldes que vinha sen-do praticada pelos demais estados.

Essa iniciativa serviu para retardar um pouco a decisão finalda Mercedes de instalar-se em Minas. Como se soube depois, asofertas feitas à empresa pelo estado de São Paulo não foram sufi-cientes para cobrir os benefícios oferecidos pelo governo mineiro.

De qualquer forma, a criação desses programas foi o sinalmais evidente da inflexão do governo paulista em relação à guerrafiscal. De acordo com a lei n. 9.363, de 24/07/96, criaram-se:

• O Programa Estadual de Incentivo ao DesenvolvimentoEconômico e Social;

• O Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico eSocial;

• O Fundo Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento So-cial – Fides;

• O Fundo Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento Eco-nômico – Fidec.

O Programa Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento Eco-nômico e Social tem como objetivo apoiar os projetos de implanta-

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ção, expansão e ampliação da capacidade produtiva, e as indústriasem geral podem ser beneficiárias. Esse programa prevê financia-mento com base no valor do ICMS a ser recolhido pelo Fundo deApoio ao Contribuinte do estado de São Paulo (Funac) para inves-timentos fixos. O limite desse benefício é definido pela localizaçãodo empreendimento. Assim, se o projeto estiver localizado na Gran-de São Paulo, no 1o ano do programa serão financiados até 40% doICMS adicional a ser recolhido, no 2o ano, até 30% e no 3o ano, até20%. Se o projeto estiver localizado fora da Grande São Paulo, no1o ano do programa serão financiados até 50% do ICMS adicional aser recolhido, no 2o ano, até 40% e no 3o ano, até 30%. O programapossui um prazo de duração de três anos.

O Fides (Fundo Estadual de Incentivo ao DesenvolvimentoSocial) concede estímulos às empresas que criarem empregos e me-lhorarem as condições de vida e do trabalho de seus empregados.Esse programa concede financiamento a empresas industriais eagroindustriais privadas, unicamente para investimentos oriundosda compra de bens de ativo imobilizado, referentes a projetos que serelacionem às finalidades anteriormente descritas. Em princípio, olimite do financiamento é de R$ 300 mil, desde que não ultrapasse70% do total do projeto.

O Fidec (Fundo Estadual de Incentivo ao Desenvolvimento Eco-nômico) concede estímulos para a criação de recursos visando o de-senvolvimento econômico e tecnológico local e regional. Esse progra-ma permite financiamentos a empresas industriais e agroindustriaisprivadas, unicamente para investimentos oriundos da compra de bensde ativo imobilizado, referentes a projetos que atinjam os objetivosanteriormente descritos. Em princípio, o limite do financiamento é deR$ 300 mil, desde que não ultrapasse 70% do total do projeto.

Atualmente, os fundos citados acima não estão funcionandode fato.

Existem outros programas desenvolvidos em parceria com aFundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo (Fapesp):

a. Pite (Programa de Parceria para Inovação Tecnológica),que tem o objetivo de estimular a parceria entre institutosde pesquisa e empresas, para alcançar maior eficácia no

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desenvolvimento de novos processos produtivos e de pro-dutos com alto conteúdo tecnológico. Esse programa pre-vê o financiamento de parte do projeto pela Fapesp. Olimite é de 20% a 70% do custo total do projeto. Opercentual será mais alto para as inovações mais radicais,que envolvem grande risco tecnológico e com alto impac-to em todos os setores de atividades. Será menor para ino-vações que propõem aperfeiçoamentos graduais de pro-cessos ou produtos;

b. Pipe (Programa de Inovação Tecnológica em PequenasEmpresas), que propõe incentivar pesquisas inovadoras ecom alto potencial de retorno econômico ou social empequenas empresas (com até cem empregados) de basetecnológica do estado. O programa concede financiamen-to a fundo perdido ao pesquisador vinculado à empresa,para desenvolvimento de pesquisas de caráter inovador.O projeto é dividido em três fases: na fase I o financiamen-to é de até R$ 50 mil e tem seis meses de duração; na faseII, é de até R$ 200 mil, com duração de 24 meses; na faseIII, a Fapesp não dará apoio financeiro, mas colaborarácom a empresa na busca de recursos de outras fontes definanciamento.

Além desses programas, existe o Fundo Estadual de Desen-volvimento Científico e Tecnológico, que tem por objetivo o desen-volvimento científico e tecnológico das indústrias de São Paulo. Pre-vê o financiamento para pesquisas, experimentação científica,transferência de know-how, formação e aperfeiçoamento de recur-sos humanos, capacitação tecnológica e modernização da gestãoempresarial. Empresas públicas e privadas, cooperativas, associa-ções, fundações e instituições controladas direta ou indiretamentepelos governos estadual e municipal podem ser beneficiárias desseprograma. Para micro e pequenas empresas o limite de financia-mento é de 80% a 90% do projeto; para grandes empresas é de70% a 90%, dependendo do tipo de projeto.

O estado de São Paulo apresenta ainda outros estímulos paraatrair indústrias. Com relação à infra-estrutura, diversos municípios

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vendem áreas e lotes industriais a preços reduzidos com pagamentoparcelado, outros doam terrenos e prestam gratuitamente serviçosde terraplanagem, entre outros. Em relação aos benefícios fiscais, oestado de São Paulo permite prorrogação do prazo para recolhi-mento do ICMS somente para pequenas indústrias.

Existem políticas de simplificação do procedimento paraconstituição e registro das micro e pequenas empresas, assim comosimplificação das exigências às empresas desse porte para partici-pação em processos de licitação de entidades e órgãos do gover-no.

Muitos municípios do interior do estado que oferecem os estí-mulos de infra-estrutura concedem, também, isenção das taxas eimpostos municipais por um determinado período.

É importante ressaltar que os municípios prometem muito paraatrair indústrias, mas nem sempre cumprem o prometido. De acor-do com uma especialista em economia nacional, “A Prefeitura deSão Carlos ofereceu o paraíso para a VW. Mas não entregou nada,principalmente porque não tinha condições. Inclusive, essa é a rea-lidade de todas as outras cidades. O governo do estado é que bancaa maior parte dos incentivos”.9

Mais recentemente, o governador do estado adotou medidasmais específicas e ativas em relação às políticas mais agressivas deoutros estados, como a redução do ICMS para alguns segmentosindustriais: autopeças, alimentos (cesta básica, frango) e eletrôni-cos.

Em uma reunião do Conselho Deliberativo da Câmara doABC (realizada em 28.01.2000), o governador Mário Covas refor-çou sua posição frente às políticas de atração de indústrias. Ele lem-brou a Legislação Federal, que prevê um limite de incentivos fiscais,estabelecendo um valor mínimo e um máximo para o ICMS e con-denou qualquer forma de abuso e de desrespeito à essa regra.

A lei complementar, à qual o governador se referiu, postulaexplicitamente o princípio de que todo tipo de isenção deve resultar

9 Entrevista com Ana Cristina Fernandes, professora da Universidade Federal de SãoCarlos, realizada por Glauco Arbix, Rebeca Ruano e pela autora, em 2.2.2000.

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de decisão formalizada em convênios celebrados entre os estados,em reunião com a participação da maioria dos estados e por deci-são unânime dos estados representados, sujeitando-se os ausentesao disposto no convênio. Certamente, essa lei não se aplica na rea-lidade, pois bastaria o cumprimento dela para que as guerras fiscaisacabassem.

O governador salientou, porém, que se os outros estados nãoagirem da mesma forma ou se não forem punidos, a situação não sesustentará e, em última instância, São Paulo entrará na guerra fiscal.Por enquanto, o estado de São Paulo tem resistido a adotar medidasmais agressivas e mesmo a entrar na guerra fiscal.

Vejamos as mais recentes políticas e programas de desenvol-vimento industrial10 que têm sido desenvolvidas pelo governo doestado de São Paulo:

• Programa Fundo de Aval: foi concebido para possibilitar con-dições de obtenção de crédito para a micro e pequena em-presa paulista. Este programa está sendo conduzido pela Se-cretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento do estadode São Paulo em parceria com o Sebrae, Nossa Caixa NossoBanco e Secretaria da Fazenda. O programa possibilitará aopequeno empresário acesso a linhas específicas de crédito,pois não necessitará oferecer as garantias de praxe, normal-mente exigidas pelos agentes financeiros em operações deempréstimos. O programa não foi implementado, está em de-senvolvimento;

• Fórum de Desenvolvimento: esse programa objetiva realizardiscussões acerca dos problemas comuns das diversas regiõesdo estado, para constituir um caminho para o encontro desoluções comuns às regiões, principalmente para promover odesenvolvimento consistente do interior paulista. Já se reali-zaram eventos nas regiões de Tupã, Fernandópolis e Registro,sobre o desenvolvimento regional, entre outros;

10 Pesquisa realizada na Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento, emabril de 2000.

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• Central Digital de Desenvolvimento: esse projeto pretende or-ganizar um banco de dados com toda a pesquisa e tecnologiadisponível nas instituições do estado para permitir ao setorprodutivo acesso fácil e desburocratizado às informações ne-cessárias tanto ao up-grade tecnológico das empresas quantoà caracterização da infra-estrutura e dos aspectos sociais, eco-nômicos e fiscais do estado de São Paulo, havendo um deta-lhamento para o nível municipal – convênio com SCTDE/Uniemp/Imesp. Esse projeto visa oferecer aos investidores,portanto, todas as informações necessárias à tomada de deci-sões. Também encontra-se em fase de desenvolvimento;

• Projeto Prumo: foi concebido para prover suporte técnico àsempresas nas quais se verifica carência de tecnologia de pon-ta, como o setor plástico. O projeto levaria todo o apoio ne-cessário para tornar a micro e pequena empresa competitiva.O programa prevê o atendimento a cinco setores produtivos;

• Atendimento Empresarial: é um serviço, prestado aos em-presários nacionais e internacionais, que oferece as melho-res opções de locais para instalação de negócios, apresentacaminhos para agilizar contatos junto às prefeituras e outrosórgãos, bem como facilita o acesso à tecnologia disponívelno estado;

• Programa de Distritos e Parques Industriais: tem por objetivodotar municípios paulistas de infra-estrutura básica para insta-lação de parques industriais, visando principalmente o atendi-mento às micro, pequenas e médias empresas, incentivando-as a promover aumento de renda e emprego. Esse programa,especialmente, tenta configurar um espaço para a alocaçãoindustrial no estado, formando distritos ou parques industriais,capazes de aglomerar setores produtivos;

• Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial: esteprograma objetiva a geração de novos produtos e processostecnológicos para fomentar a renda e o emprego. A SCTDEfoi habilitada pelo governo federal e Ministério da Ciência eTecnologia (MCT) como agente para implementação do pro-grama no estado de São Paulo;

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• Inovação Tecnológica: o Fundo de Amparo à Pesquisa do es-tado de São Paulo mantém dois programas para transferên-cia de conhecimento da área acadêmica para o setor produti-vo: 1 – Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe);2 – Parceria para Inovação Tecnológica (Pite). O Pipe já fi-nanciou 101 projetos e foram destinados recursos da ordemde R$10 milhões. O Pite já recebeu 78 projetos e foram apli-cados R$ 10 milhões de recursos da Fapesp.

A maioria dos programas de desenvolvimento industrial jáprontos não estão apresentando resultados satisfatórios. Segundo oassessor da Secretaria da Ciência e Tecnologia do estado de SãoPaulo, “o que atrapalha a efetiva aplicação dos programas de finan-ciamento para o setor produtivo é a falta de sustentação dos bancosestaduais”.11

Grande parte dos programas industriais estão voltados ao aten-dimento, financiamento de novas tecnologias e ampliação da capa-cidade produtiva de pequenas e médias empresas. Isso mostra umapreocupação com a garantia da sobrevivência das pequenas empre-sas, que representam uma parcela muito poderosa da atividade eco-nômica e de geração de renda e emprego no estado de São Paulo.Nesse sentido, há uma grande aposta da SCTDE no Programa Fun-do de Aval, o qual prevê linhas específicas de crédito ao pequenoempresário.

Por não haver uma política centralizadora que direcione odesenvolvimento econômico e industrial, ressaltamos o fato de que,nas negociações com as grandes empresas, o governo constrói ope-rações fiscal-financeiras que resultam em contratos, no mais das vezessecretos, com as grandes empresas. Especialmente nos acordos doestado com as montadoras, operações desse tipo têm acontecido. Foio caso, em certa medida, das negociações da VW em São Carlos,em que a indústria discutiu o contrato diretamente com o governo doestado. Há outros exemplos mais emblemáticos, como a instalaçãoda nova planta da Ford em Camaçari, Bahia; e investimentos da VWem Resende, Rio de Janeiro.

11 Entrevista com Guilherme Cruz, assessor da SCTDE, em 3.4.2000.

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Outra estratégia discutida pelo governo é levar a outras regiõesdo estado a concepção de desenvolvimento regional, presente no ABCPaulista.12 O Programa Fórum de Desenvolvimento vem buscandodiscutir os problemas e encontrar soluções regionalmente.

Um exemplo concreto desse programa foi o Fórum de Desen-volvimento do Vale do Ribeira. Esse fórum reuniu 23 municípios doVale do Ribeira para discutir questões de interesse regional. Foi cria-do o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ri-beira em parceria com o estado de São Paulo.

Realizou-se um diagnóstico das condições socioeconômicasda região e de seus diversos municípios, e alguns programas e polí-ticas públicas desenvolvidos regionalmente entre os municípios e oestado de São Paulo já foram propostos. Esses programas discutemproblemas e soluções comuns aos municípios, como turismo, mine-ração, agropecuária, pesca etc. Já foi criada uma revista que abordaessas discussões da região (Fórum de Desenvolvimento do Vale doRibeira – Caminhos do futuro. Uma proposta sustentável).

Outro plano de estratégia industrial desenvolvido pelo gover-no do estado é o Programa de Distritos e Parques Industriais, quebusca capacitar os municípios para a instalação de micro, pequenas emédias empresas, no qual o estado entraria com a ajuda necessáriade infra-estrutura para a instalação de parques industriais. Esse pro-grama tem como objetivo o desenvolvimento industrial do interior doestado e representa, diferentemente dos outros, uma tentativa de con-figurar espacialmente as indústrias nos municípios do estado.

O que acaba atrapalhando a efetiva utilização desse progra-ma como uma política de alocação industrial é a falta de um projetode conjunto para o estado de São Paulo, capaz de aglomerar regio-nalmente setores produtivos e integrá-los.

Desse modo, com base na descrição das diversas políticas dedesenvolvimento industrial do governo do estado de São Paulo nadécada de 1990, as reações mais recorrentes ao processo de deslo-camento industrial podem ser separadas em três tipos básicos:

12 Para uma análise mais detalhada sobre o tema, ver o texto de Idenilza Mirandaneste livro.

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• Reações legalistas: diante das políticas agressivas de atraçãodas indústrias de outros estados, com reduções de ICMS, di-versas vezes o governo do estado de São Paulo entrou comações no Supremo Tribunal Federal, questionando a legitimi-dade da lei de concessão de benefícios fiscais praticada pelosoutros estados. Essas reações do estado de São Paulo sãoquestionamentos jurídicos aos programas desenvolvidos pe-los demais estados. Por diversas vezes, o estado de São Paulofoi forçado a recuar diante da omissão da instância superior;porém, essa linha de enfrentamento foi muito usada durantea década de 1990;

• Programas de suporte informativo, financiamento e orienta-ção ao setor privado: esses programas não constituem políti-cas agressivas de atração das indústrias, não usam benefíciosde redução do ICMS e não representam reações mais firmesdiante da guerra fiscal. Os primeiros programas desse tipo(1995) são as Câmaras Setoriais e o Programa de Desenvol-vimento e Competitividade (PDC), que iriam dar suporte,orientação e convencimento das vantagens comparativas doestado diante da guerra fiscal, e solucionar problemas de in-fra-estrutura no estado de São Paulo. A partir daí, surgiramdiversos programas com parcerias entre as indústrias e aFapesp, os quais promoveram financiamentos para amplia-ção produtiva e orientação para inovações tecnológicas. Dentreesses programas, constam o Programa de Parceria para Ino-vação Tecnológica, o Programa de Inovação Tecnológica emPequenas Empresas, Atendimento Empresarial, Fórum de De-senvolvimento (mais recente), entre outros;

• Políticas de benefícios fiscais: essas políticas industriais repre-sentam posturas mais agressivas do governo do estado dianteda guerra fiscal. Porém, esses programas foram muito poucoutilizados durante a década de 1990, durante a qual o gover-no assumiu uma postura muito mais passiva diante do deslo-camento industrial. Nesses programas constam a utilizaçãodireta do diferimento do ICMS, o que mostra uma posiçãomais inflexível do governo paulista em relação à guerra fiscal.

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Dentre esses programas podemos citar o Programa Estadualde Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social (1996),que financiava até 40% do ICMS adicional a ser recolhido.Recentemente, o governo do estado adotou medidas maisespecíficas e ativas em relação à guerra fiscal, como a redu-ção do ICMS para alguns segmentos industrias.

Finalmente, pode-se concluir que o governo do estado deSão Paulo vem apenas iniciando uma reação à perda de indústrias.As políticas de desenvolvimento econômico recentemente criadas,na sua maior parte, estão voltadas para conter a agressividade dasestratégias de outros estados.

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Esse artigo abordou a questão do deslocamento industrial noestado de São Paulo, analisando, sobretudo, as políticas e progra-mas de desenvolvimento industrial formuladas pelo governo do es-tado na década de 1990.

Tentou-se elaborar uma trajetória de políticas de desenvolvi-mento do estado de São Paulo que mostrasse como o governo temtratado a questão do deslocamento industrial. Citamos as vantagenscomparativas naturais do estado de São Paulo, principal centroindustrial do país; abordamos as reações legalistas do governo doestado, que representam medidas mais passivas; analisamos os ins-trumentos que o estado de São Paulo definiu para conter as desvan-tagens fiscais em relação aos outros estados (Fundos de Incentivo)e, por fim, vimos que atualmente o governo do estado demonstrainclinações para reações mais fortes, como a redução de ICMS paraalguns setores.

Quanto ao arsenal de medidas e operações que vem sendoutilizado pelo governo do estado no período recente, chamamos aatenção para a notória diversificação de ações. Em vez da concen-tração preferencial no uso do principal IVA (Imposto sobre ValorAgregado) – o ICMS –, as estratégias assumem, cada vez mais, umaconfiguração financeiro-orçamentária, em que as operações são de-

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finidas exclusivamente para cada atração de investimentos específi-cos. Ou seja, ao invés de conceber programas de escopo amplo querealmente funcionem, com mecanismos formalizados e transparen-tes, por meio de planejamentos de desenvolvimento estratégico, osgovernos tendem a construir operações fiscal-financeiras que resul-tem em contratos, no mais das vezes secretos, com as grandes em-presas.

Foi com esse objetivo que foram separadas as reações dogoverno do estado diante do deslocamento industrial em três tipos:

1 – Reações legalistas;

2 – Programas de suporte informativo, de financiamento, eorientação junto ao setor privado;

3 – Políticas de benefícios fiscais.

Pode-se observar que não existe um programa de desenvol-vimento industrial de escopo amplo, que direcione as políticas in-dustriais estadual e nacionalmente.

Essa é a questão de fundo, que surgiu com força no Seminá-rio Internacional de Desenvolvimento da USP: “As ações que visamo desenvolvimento de um país partem do princípio de que o objeti-vo central desse desenvolvimento é o pleno emprego”.13 Se as bus-cas para alcançar empregos de melhor qualidade e quantidade con-tinuarem dependendo dos estabelecimentos industriais de maiorporte e capacidade de modernização, esses empregos se tornarãocada vez mais desnecessários e menos acessíveis, exigindo uma maiorqualificação.

O que se vê, entretanto, em relação às políticas que dizemcriar novos empregos, são generosos benefícios fiscais para a atra-ção de indústrias, os quais comprometem as finanças públicas. As-siste-se a competição local e estadual pelo melhor benefício que sepode oferecer ao setor privado na intenção de atrair a indústria – aguerra fiscal. Essas políticas são extremamente predatórias do pontode vista das regiões e também dos cofres públicos. E quando se vêque o número de empregos gerados por essas grandes indústrias não

13 SACHS, Ignacy. (Seminário Internacional da USP: Novos Paradigmas do Desenvolvi-mento). Comunicação pessoal, 13.6.2000.

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serão satisfatórios diante dos grandes benefícios oferecidos, tem-se aimpressão de que o caminho dessas políticas industriais está errado.

Tais políticas, que acabam fomentando sucessivas escaladas naguerra fiscal, dificilmente exercerão qualquer papel indutor, orienta-dor ou ordenador do desenvolvimento e do crescimento econômico.

Os anos 90 tentaram varrer do mapa a idéia de política indus-trial. Sem êxito, claro, como a ambigüidade do governo tem mostra-do ao rejeitar o conceito e, ao mesmo tempo, praticá-lo de modotão pragmático quanto inconsistente. A corrosão do poder estrutu-rante do Estado brasileiro pode ser vista também por intermédio dapulverização dos centros que elaboram e definem políticas indus-triais. Além do Ministério do Desenvolvimento e da Ciência e Tec-nologia, temos o Itamaraty, o BNDES, o Ministério da Fazenda, quecontrola o câmbio, define as regras fiscais e tributárias e reina demodo soberano sobre todos os demais ministérios e agências. Oresultado é um espectro de regimes industriais que vão do livre mer-cado à mais estrita normatização governamental.

Não é à toa que as instituições formalmente dedicadas ao desen-volvimento estão desprovidas de poder real. “Ou seja, a fragmentaçãopolítica do estado brasileiro, cuja reforma sempre está no meio do ca-minho, tem sua expressão mais dramática na inadequação de suasinstituições regulatórias; seja porque são de outra época e sobrevivempelo verniz que recebem, seja porque não conversam com áreas afins,seja porque competem e não cooperam com outras agências”.14

Segundo Sachs, “o desenvolvimento de um país não deve serestringir a aspectos econômicos, mas de apropriação dos direitoshumanos por parte de homens e mulheres. E a necessidade de pla-nejar é fundamental. A mão invisível não é ‘boazinha’ sempre. Épreciso que haja uma negociação conjunta entre a sociedade civil, oestado, os empregados e os empregadores”.15

Um exemplo disso é o que vem acontecendo na região doABC Paulista, onde foram criadas instituições (como o Consórcio

14 ARBIX, Glauco. Fragmentação e desamparo institucional da indústria. Valor, SãoPaulo, 14.8.2000.

15 SACHS, Ignacy. (Seminário Internacional da USP: Novos Paradigmas do Desenvolvi-mento). Comunicação pessoal, 13.6.2000.

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Intermunicipal e a Câmara do ABC) que visam o desenvolvimentoregional. Essas experiências representam crescimento de políticaspúblicas inovadoras, em que as fronteiras municipais desapareceme os problemas são tratados regionalmente.

Nesse sentido, acreditamos que somente com discussão, coo-peração mútua entre os distritos subnacionais e regulação da dispu-ta, chegaremos a resultados mais favoráveis ao desenvolvimento danação.

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– Ana Cristina, professora do Departamento de Engenharia Civil da Univer-sidade de São Carlos. São Carlos, 2.2.2000, com Glauco Arbix e RebecaRuano.

– Armando Laganá, representante da Secretaria da Ciência, Tecnologia eDesenvolvimento Econômico do governo do estado de São Paulo na Câ-mara do ABC. São Paulo, 14.2.2000, com Idenilza Miranda.

– Comissão de Fábrica de Trabalhadores da Ford do Brasil. São Bernardodo Campo, 14.10.1999.

– Guilherme Cruz, técnico da Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvol-vimento Econômico do governo do estado de São Paulo. São Paulo,3.3.2000.

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POLÍTICAS DE INDUSTRIALIZAÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO50

– Jorge Hereda, assessor executivo do Consórcio Intermunicipal do GrandeABC. Ribeirão Pires, 20.1.2000, com Glauco Arbix, Idenilza Miranda eVivian Schoereder.

– José Américo Dias, secretário executivo, responsável pelo Departamentode Comunicação Social de Mauá. Mauá, 24.1.2000, com Glauco Arbix,Idenilza Miranda e Vivian Schoereder.s

– José Galizia Tundisi, secretário municipal de Ciência, Tecnologia e Desen-volvimento Econômico de São Carlos. São Carlos, 2.2.2000, com GlaucoArbix e Rebeca Ruano.

– Luiz Olinto Tortorello, prefeito de São Caetano e membro do ConsórcioIntermunicipal do Grande ABC. São Caetano, 7.2.2000, com VivianSchoereder e Idenilza Miranda.

– Maria Inês Soares Freire, prefeita do município de Ribeirão Pires, presi-dente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC. Ribeirão Pires,20.1.2000, com Glauco Arbix, Idenilza Miranda e Vivian Schoereder.

– Mauro Rocha Côrtes, professor do Departamento de Engenharia de Pro-dução da Universidade de São Carlos. São Carlos, 2.2.2000, com GlaucoArbix e Rebeca Ruano.

– Oswaldo Dias, prefeito de Mauá e membro do Consórcio Intermunicipaldo Grande ABC. Mauá, 24.1.2000, com Glauco Arbix, Idenilza Miranda eVivian Schoereder.

– Pedro Maranhão, chefe de Gabinete da Secretaria da Ciência, Tecnologiae Desenvolvimento Econômico do estado de São Paulo. São Paulo,17.12.1999.

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Rogério dos Santos Acca*

O objetivo de nosso trabalho é fornecer um arcabouçoexplicativo acerca da implantação, no interior de São Paulo, de duasmontadoras de origem japonesa: a Honda Motors do Brasil, locali-zada em Sumaré, e a Toyota do Brasil, em Indaiatuba, ambas situa-das na região administrativa de Campinas.

O novo ciclo de investimentos da indústria automobilística noBrasil, levado a cabo a partir de meados dos anos 90, deu início aum movimento de intensa disputa entre estados e municípios pelasnovas inversões provenientes do setor automotivo; este processo éconhecido do público e divulgado na mídia como “guerra fiscal”.

A nova onda de inversões do setor automobilístico no país émarcada por um processo de reordenamento geográfico dos pólosautomotivos. Diferentemente da primeira migração das montado-ras, os investimentos gerados na segunda onda não se dirigem basi-camente à região da Grande São Paulo.

Os fatores freqüentemente apontados para justificar a opçãodas montadoras por outras regiões do país são: (i) os graves pro-blemas de infra-estrutura enfrentados pela região da Grande SãoPaulo; (ii) os custos logísticos acarretados pela industrializaçãodesordenada da região; (iii) o custo da mão-de-obra; (iv) as pres-

* Aluno de Ciências Sociais da FFLCH, USP.

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A TRAJETÓRIA DA HONDA E DA TOYOTA NO INTERIOR DE SÃO PAULO52

sões trabalhistas advindas de um movimento sindical organizadoe atuante.

Apesar de considerarmos que tal conjunto de fatores podeexplicar, em certa medida, a construção de plantas industriais emoutras regiões do Brasil, é importante ressaltar que a dinâmica intro-duzida pela guerra fiscal nos processos de decisão locacional dasindústrias automobilísticas certamente constitui-se em fator decisivopara o entendimento da desconcentração espacial que marca o flu-xo de novos investimentos do setor automobilístico.

Algumas montadoras escolheram São Paulo – um estado quenão entrou com o mesmo vigor na guerra fiscal – como base de seusinvestimentos, contrariando a atual tendência do setor automobilís-tico no Brasil.

A construção de duas plantas industriais pela Honda Motorsdo Brasil, em Sumaré, e pela Toyota do Brasil, em Indaiatuba, con-vida-nos a uma discussão acerca dos fatores que conduzem duasdas maiores montadoras do mundo a realizar inversões numa uni-dade da Federação que não tem sido privilegiada pela maior partedas indústrias do setor que tem investido na implantação de novasunidades produtivas no país.

Buscaremos, assim, elencar um conjunto de fatores que nospermitam explicar a decisão de investimento daquelas duas multi-nacionais japonesas no interior de São Paulo. Para tanto, colhemosalgumas variáveis que julgamos basilares para entender as decisõeslocacionais da Honda e da Toyota. Quais sejam:

(i) A dimensão dos projetos das empresas. As plantas da Honda eda Toyota são extremamente modestas se comparadas com asunidades industriais do setor automobilístico recentemente ins-taladas fora do estado de São Paulo ou já instaladas na regiãodo ABC à época da primeira onda de investimentos.

Os projetos cautelosos das montadoras japonesas na regiãode Campinas remetem a um modo de gestão de negócios própriodas empresas japonesas, cujos pilares de investimentos estão basea-dos na segurança, como aponta um alto executivo da Toyota.

O ambiente instável da guerra fiscal e os custos logísticos en-volvidos na implantação de plantas industriais em pólos automoti-

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vos não consolidados elevariam o risco dos parcos investimentosdas duas multinacionais japonesas em outras regiões. Ademais, asvantagens logísticas presentes na região de Campinas são extre-mamente favoráveis ao estilo das plantas instaladas pela Honda epela Toyota.

(ii) As decisões de investimento da Honda e da Toyota são anterio-res à irrupção da fase mais acirrada da guerra fiscal. As negoci-ações de ambas as indústrias com os governos estadual e muni-cipais desenvolveram-se no período infante da guerra fiscal.Destarte, é lícito supor que, no momento em que as empresasdecidiram-se pelo estado de São Paulo, a competição entre es-tados e municípios por novos investimentos não foi capaz dedespertar o interesse das duas multinacionais japonesas em re-lação a outras unidades da Federação. Na ausência de ofertasque compensassem os custos envolvidos na construção de plan-tas em regiões logisticamente menos vantajosas que São Paulo,o caminho natural da Honda e da Toyota acabou sendo esteestado.

Essa hipótese ganha ainda mais consistência se levarmos emconta os modestos investimentos da Honda e da Toyota em plantascuja produção opera em pequena escala. Desse modo, o engen-dramento de uma rede de fornecedores em torno das duas empre-sas é praticamente inviável, já que o volume de produção nãojustifica a construção de unidades industriais voltadas especifica-mente para a Honda e para a Toyota. As expectativas em termosde emprego com as quais lidam os estados seriam reduzidas a unspoucos postos de trabalho gerados pelas duas empresas japone-sas, não justificando uma gama substantiva de incentivos pararedirecionar a implantação de suas unidades produtivas para forada região de Campinas.

(iii) As empresas já possuíam áreas na região para a instalação deplantas industriais. As duas montadoras japonesas adquiriramterrenos na região, vislumbrando a instalação de unidades in-dustriais. A Honda comprou, em 1974, um terreno com 1,5milhão de m2, o qual, atualmente, abriga a linha de montagemdo automóvel Civic.

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A TRAJETÓRIA DA HONDA E DA TOYOTA NO INTERIOR DE SÃO PAULO54

Em 1990, a Toyota adquiriu uma área de 1,5 milhão de m2

em Indaiatuba. Transformada em distrito industrial pela Prefeiturado município, essa área concentra a produção do Corolla, carromédio produzido pela montadora.

Julgamos esse fator fundamentalmente importante na deci-são locacional das empresas, já que os terrenos das montadorasjaponesas estão estrategicamente localizados às margens das princi-pais vias de acesso e dos principais mercados consumidores do país.Além disso, a região conta com ampla rede de fornecedores e mão-de-obra qualificada. Por fim, o valor das áreas é bastante elevado. Atítulo de ilustração, o terreno da Honda, em Sumaré, está avaliadoentre R$ 7,5 e 10,5 milhões.

No início, faremos uma exposição das vantagens competitivasda região administrativa de Campinas no intuito de indicar os ele-mentos favoráveis à implantação de indústrias na região. Em seguida,nossa intenção é traçar comparações entre a região de Campinas eoutras regiões do estado, a fim de medir o potencial econômico daregião, traduzido em termos de produção industrial e investimentos.

O nosso trabalho prossegue com os investimentos do setorautomobilístico no estado de São Paulo e, mais especificamente, naregião de Campinas, de modo que se realizem cotejamentos comdados de investimento do setor no país. A partir de um quadro dereferência definido sobre a região de Campinas, faremos a inserçãodos municípios de Indaiatuba e Sumaré no nosso trabalho, junta-mente com a atuação dos governos locais na atração da Toyota e daHonda. Para tanto, levantaremos os principais instrumentos locaisde atração de investimentos, em conjunto com o governo estadual,e seu efetivo poder de explicação sobre a ida daquelas indústriaspara Indaiatuba e Sumaré.

A seguir, buscaremos analisar a implantação da Honda e daToyota na região de Campinas sob as perspectivas das própriasempresas. Assim, poderemos elencar as razões fundamentais dasdecisões alocativas que conduziram as duas montadoras japonesasa Indaiatuba e Sumaré.

O processo de instalação da Honda e da Toyota na região deCampinas e as políticas municipais de atração de investimentos

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ensejam uma discussão sobre os elementos que engendram umaregião competitiva, ou seja, com forte potencial de atração de inver-sões. Nesse sentido, com base num quadro de referência teórico,analisaremos, ao final deste artigo, as oportunidades e ameaças aointerno de Campinas no que concerne ao desencadeamento de umprocesso de desenvolvimento regional.

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Diferentemente da estagnação observada nos anos 80 na in-dústria automobilística brasileira, a partir do início dos 90, iniciou-seum período de recuperação no setor, com retomada dos investi-mentos, ampliação da produção e das vendas (Bedê, 1997; Suzigan& Villela, 1997).

As principais causas apontadas para explicar a recuperaçãodo setor automobilístico nos anos 90 são: (i) os dois Acordos Auto-motivos negociados nas arenas de discussão promovidas pelas Câ-maras Setoriais, em 1992 e 1993, e o Novo Regime Automotivo,em 1995; (ii) a reestruturação e internacionalização do setor e (iii) arecuperação da economia brasileira a partir de 1993 (Arbix, 1999;Bedê, 1997; Suzigan & Villela, 1997).

Na esteira das sucessivas medidas de promoção setorial, aindústria automobilística passou a auferir uma série de benefíciosque se traduziram em ampliação do setor no país (ver Tabela 1).Entre as principais medidas que favoreceram a expansão do setorautomotivo podemos destacar: (i) redução da carga tributária sobreautoveículos; (ii) proteção do setor mediante a adoção de elevadasalíquotas de importação; (iii) redução das alíquotas de importaçãopara insumos automotivos e bens de capital; (iv) redução das alí-quotas de importação para veículos das montadoras instaladas nopaís (Bedê, 1997; Suzigan & Villela, 1997).

Nesse contexto, verificou-se um boom de crescimento do se-tor, como aponta a tabela a seguir.

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Tabela 1. Dados gerais da indústria automobilística brasileira (1992-98) 1998 1997 1996 1995 1994 1993 1992

Produção (1.000) 1585 2069 1804 1629 1581 1391 1073Variação (%) (23,4) 14,7 10,7 3,0 13,6 29,6 11,8Vendas domésticas 1187 1640 1506 1359 1206 1061 740(1.000)

Variação (%) (27,6) 8,9 10,8 12,7 13,7 43,4 3,8Exportações 5004 4688 3608 2864 3139 2965 3376(US$ milhões)

Importações 5397 5718 5141 5074 2866 1979 1186(US$ milhões)

Participação no 10,7 10,7 10,3 9,9 10,7 9,4 8,9

PIB industrial (%)

Empregos diretos 83,0 104,9 101,8 104,6 107,1 106,7 105,6(1.000)

Investimentos 2335,14 2092,14 2359,44 1693,81 1195,03 885,74 908,20(US$ milhões)

Fonte: Anfavea, Anuário Estatístico, 1999.

O ambiente econômico sob o qual se deu o novo ciclo deinvestimentos da indústria automobilística no país foi extremamentefavorável. Conforme apontam Mendonça e Pinho (1997: 38-9), “sãovários os fatores que explicam a reversão a partir de 1992 da estag-nação que dominou a indústria automobilística brasileira na décadade 1980”. Julgamos importante indicar alguns deles:

(i) A redução dos preços relativos dos automóveis. O Acordo Seto-rial de março de 1992 promoveu uma redução média de 22%nos preços dos automóveis, por meio das reduções de seis pon-tos percentuais no IPI e no ICMS e das margens de lucro dacadeia produtiva, como segue: 4,5% para as montadoras, 3%para as autopeças e 2,5% para as concessionárias (Bedê, 1997;Mendonça e Pinho, 1997).

(ii) A elevação do nível de renda dos consumidores. As taxas decrescimento da economia brasileira em meados da década de1990, principalmente no período inicial do Plano Real, promo-veram um impacto positivo sobre a demanda, dada a elevaçãodo poder aquisitivo da população (Mendonça e Pinho, 1997).Esse fator é associado, numa hipótese mais sofisticada, ao nível

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de elasticidade-renda do automóvel. Em outros termos, isso sig-nifica que o automóvel, por ser elástico em relação à renda, éum bem extremamente sensível à elevação da renda do consu-midor. Por exemplo, um aumento de 1% na renda da popula-ção causará um incremento na demanda maior que essa por-centagem (Mendonça e Pinho, 1997).

Além disso, o agudo movimento de abertura da economiapara o capital externo, a partir do início dos anos 90, engendroucondições extremamente favoráveis aos investimentos estrangeirose às importações. Esse movimento intensificou-se com o Plano Real,em 1994. O quadro econômico brasileiro apresentou condições ex-tremamente favoráveis aos investimentos externos. A estabilizaçãoda economia elevou o grau de confiabilidade dos investidores inter-nacionais no país, tornando-o mais atrativo ao capital estrangeiro,tanto produtivo quanto especulativo. Ademais, devemos lembrar quea aliança política que passava a compor a base de sustentação dogoverno eleito em 1994 preconizava o capital externo como umadas principais vias para o desenvolvimento, condição sine qua nonpara a retomada do emprego e da produção.

Nesse contexto, a edição do Novo Regime Automotivo,1 em1995, aprofundou as condições de proteção ao setor, cristalizadasna redução do imposto de importação (I.I) de bens de capital, maté-rias-primas, autopeças e veículos das próprias montadoras. Emcontrapartida, as montadoras deveriam obedecer a um índice denacionalização de 60% e a proporções entre importações e comprasinternas para bens de capital e matérias-primas (Bedê, 1997; Suzigan& Villela, 1997).

O Novo Regime Automotivo contribuiu decisivamente para aimplantação de grandes montadoras no país e, doravante, iniciou-se um novo ciclo de investimentos no setor automobilístico no Bra-sil. Várias regiões do país foram tomadas por newcomers do setorautomotivo, num rápido processo de expansão, o qual só encontracomo termo de comparação a primeira grande migração das mon-tadoras, iniciada em meados da década de 1950.

1 Para uma visão mais detalhada do Novo Regime Automotivo e seus desdobramen-tos, ver Bedê (1997).

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Contudo, essa segunda onda de migração, ao contrário deoutros tempos, não se desenvolve de maneira espacialmente con-centrada. Novos pólos automotivos vêm se consolidando fora daGrande São Paulo, principalmente em estados do Sul e Sudeste,como Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. ABahia também abrigará um grande projeto, já que a Ford anuncioupara este estado a construção de sua nova planta no Brasil, inicial-mente planejada para a cidade de Guaíba, no Rio Grande do Sul(Arbix, 1999).

Na medida em que novos investimentos foram sendo anuncia-dos para o país, teve início um processo de intensa disputa pelas in-versões das montadoras desencadeado por estados e municípios, quepassaram a digladiar-se em busca do “passaporte para a modernida-de”, supostamente trazido pelas novas plantas automobilísticas.

As armas dessa batalha para a atração dos investimentos exter-nos são, a saber, o crédito fácil e farto, obras de infra-estrutura (cons-trução de vias de acesso, pistas de testes, ligações ferroviárias, termi-nais portuários etc.), doação de terrenos, entre outras concessões.

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Ao longo deste trabalho pudemos constatar que a região deCampinas possui uma gama de vantagens competitivas as quais nosajudarão, em larga medida, a entender o fluxo de investimentosdirecionado àquela região por duas multinacionais japonesas do setorautomobilístico: Honda e Toyota.

As entrevistas realizadas junto a membros do poder públicolocal e das empresas apontam para os benefícios logísticos auferidospelas indústrias que realizam investimentos na região. Destarte, amaioria dos entrevistados minimiza o papel da guerra fiscal comofator de atração de investimentos, de modo a enfatizar que o fulcropolarizador das inversões na região é a localização estratégica dosmunicípios.

Buscaremos, nesta seção, expor os principais fatores que, navisão do poder público local e das empresas, são fundamentais na

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decisão locacional das indústrias que se implantam nas imediaçõesde Campinas.2 Dentre os pontos que engendram aquilo que os en-trevistados denominam “localização estratégica” podemos destacar:

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A região de Campinas é responsável por cerca de 10% daprodução industrial do país e por 21,5% do valor adicionado3 gera-do no estado (Cepam et al., 1998). Se a classificássemos como umaunidade federativa, esta teria o segundo maior produto industrial doBrasil, colocando-se atrás, apenas, do estado de São Paulo.

Como apontam Mendonça e Pinho (1997), o fato de consti-tuir-se em segundo maior mercado consumidor do estado e a proxi-midade do maior centro consumidor do país – que está a cerca de100 km de Campinas – situa a região como estratégica na fabrica-ção de produtos industriais.

Essa qualidade da região é enfatizada pelo coordenador doSaic da Prefeitura de Sumaré, que diz que “num raio próximo a 600km de Sumaré, concentra-se 70% do consumo nacional. Além dis-so, a Hidrovia Tietê–Paraná permite o escoamento dos produtospara o Mercosul”.4

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Um tradicional centro de produção de autopeças está locali-zado na região. Importantes fornecedores estão presentes nos arre-

2 Para a discussão das vantagens locacionais da região de Campinas ver tambémMendonça e Pinho (1997).

3 “O valor adicionado (VA) é a diferença entre as entradas e saídas de mercadoriasdas diversas empresas, correspondendo ao montante que cada uma acrescenta devalor às suas matérias-primas no processo produtivo [...]. O VA municipal é, por-tanto, o valor da produção de cada município registrada pela Secretaria da Fazendae, por isso mesmo, um indicador de desempenho da economia local” (Cepam etal., 1998: 49).

4 Entrevista realizada com Álvaro Silveira, coordenador do Saic da Prefeitura de Su-maré.

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dores de Campinas, tais como Bosch, Magneti Marelli, Delco Eletro-nics, Delphi, Walker, Freios Varga, Goodyear, Pirelli, Benteler, ThermoKing, Valeo, PPG Industries, Elring Klinger, Alfamolde, Transistions,Hisan, Blindex, Johnson Controls, Multieixo, entre outros.

Outro fator importante no que concerne à densa cadeia defornecedores presentes na região é a existência de um extenso pólopetroquímico localizado em Paulínia – cidade que praticamente for-ma uma conurbação com Campinas –, cujo abastecimento é garan-tido pela Replan (Refinaria do Planalto), pertencente à Petrobrás.

No caso da indústria automobilística, a localização desse pólopetroquímico é extremamente profícua, uma vez que muitas das in-dústrias da cadeia automotiva dependem de derivados de petróleopara a fabricação de componentes de autoveículos, tais como bor-racha, plástico e tintas (Mendonça e Pinho, 1997).

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A região de Campinas dispõe de um ótimo sistema de institui-ções de ensino e pesquisa, cuja base é composta por duas universi-dades: a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a PontifíciaUniversidade Católica de Campinas (Puccamp).

Podemos também destacar a presença de importantes insti-tuições de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, como o Centrode Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) da Telebrás, a FundaçãoCentro Tecnológico para Informática (CTI), a Companhia de De-senvolvimento Tecnológico (Codetec), o Instituto Tecnológico deAlimentos (Ital), O Instituto Agronômico de Campinas (IAC), o La-boratório Nacional de Luz Sincroton (LNLS) e o Instituto Biológico.Esses centros tecnológicos fazem de Campinas a maior concentra-ção de instituições de pesquisa do interior do país (Fundação Seade,1999).

Devemos, ademais, enfatizar que a tradição industrial da re-gião contribui fundamentalmente para a formação de um contin-gente de mão-de-obra altamente qualificado, pronto a atender àdemanda das indústrias que investem na construção de novas plan-

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tas ou daquelas já instaladas na região. Esse movimento de capaci-tação de mão-de-obra é similar ao verificado no ABC paulista(BNDES, 1999).

Desse modo, a presença de mão-de-obra qualificada consti-tui-se em um dos principais fatores de atração de investimentos paraa região, como ressalta um dos representantes da Toyota do Brasil:“aqui estamos perto da mão-de-obra qualificada, centros tecnológi-cos e universidades”.5

Estudo realizado pela Fundação Seade aponta que “a exis-tência das instituições de ensino e pesquisa foi fundamental parajustificar a presença na região de grande número de empresas dealta tecnologia, que atuam principalmente nos setores de informática,eletrônica, microeletrônica, telecomunicações, química fina e metal-mecânica” (Fundação Seade, 1999: 2).

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Os entrevistados no decorrer de nossa pesquisa foram prati-camente unânimes em indicar a boa infra-estrutura de transportecomo um dos principais atrativos da região para o investidor.

Nesse sentido, um dos gerentes da Honda foi enfático ao des-tacar o papel das vias de acesso na decisão locacional da empresa:“logisticamente a área é muito importante por causa da malha viá-ria”.6 Na Prefeitura de Sumaré, o coordenador do Saic colocou que“o forte de Sumaré é mesmo a localização geográfica. O municípioencontra-se próximo às rodovias Bandeirantes, Anhangüera e Wa-shington Luiz, e ao aeroporto de Viracopos. Além disso, a proximi-dade da Hidrovia Tietê–Paraná possibilita uma saída para oMercosul”.7

5 Entrevista realizada com Gilberto Kosaka, Sidney Levy e Toshitomo Shichijo,repectivamente diretor executivo, assessor de comunicação e chefe do Departa-mento de Controle de Qualidade da Toyota do Brasil.

6 Entrevista realizada com Vitor Bernardo de Oliveira e Nilson Davolio, respectiva-mente assessor industrial e supervisor de Recursos Humanos da Honda do Brasil.

7 Entrevista realizada com Álvaro Silveira, coordenador do Saic da Prefeitura de Su-maré.

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A região é servida por importantes rodovias estaduais queauxiliam o escoamento da produção para os mercados consumido-res mais significativos do país: RMSP, Rio de Janeiro, sul e oeste deMinas Gerais e interior de São Paulo (Mendonça e Pinho, 1997).

O eixo formado pelas rodovias Anhangüera e Bandeirantesliga a região a São Paulo, ao passo que as rodovias Santos Dumonte D. Pedro I fazem a ligação com o interior do estado, e a Via Dutraconecta-a ao Vale do Paraíba e ao Rio de Janeiro. A conexão com oeixo Castelo Branco–Raposo Tavares, na região de Sorocaba, é ou-tra saída para a RMSP e para o interior.

Existem outras vias que interligam os municípios da região,como por exemplo as rodovias Campinas–Montemor, Campinas–Mogi-Mirim, Campinas–Paulínia, SMR 040 (Sumaré–Montemor) eSMR 020 (Sumaré–Hortolândia).

Além disso, a região conta com o aeroporto internacional deViracopos, o maior do país em volume de carga. O desembarque decargas em Viracopos cresceu mais de 800% entre 1992 e 1996, pas-sando de 12 mil t para 106 mil t (Mendonça e Pinho, 1997). Locali-zado a cerca de 20 km do centro de Campinas e servido por boasvias de acesso, o aeroporto de Viracopos é, sem dúvida, um forteatrativo para novos investimentos industriais, sobretudo para em-presas que necessitem importar itens com maior relação valor/peso,como, por exemplo, as indústrias do segmento de informática (Men-donça e Pinho, 1997).

A região beneficia-se diretamente da Hidrovia Tietê–Paranáque, com 2.400 km de extensão totalmente navegáveis, faz a liga-ção hidroviária entre os países do Cone Sul. O gasoduto Bolívia–Brasil, que passa por Paulínia, beneficiará a região com uma impor-tante rede de distribuição de gás natural.

Em suma, podemos dizer que o poder de atração de investi-mentos da região de Campinas está intrinsecamente relacionado coma estrutura viária e aeroviária regional, com a existência de um mer-cado profissional qualificado e com o poder de atração das muitasinstituições de ciência e tecnologia existentes na cidade de Campi-nas – universidades, centros de pesquisa, laboratório de análise demateriais etc. (Cepam et al., 1998).

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Como apontamos anteriormente, a região de Campinas eraresponsável, em 1995, por 21,5% da produção industrial do estadode São Paulo (ver Tabela 2) e por aproximadamente 10% da produ-ção industrial do país (Cepam et al., 1998).

Às margens da rodovia Anhangüera localiza-se a maior con-centração industrial do interior do estado, sendo que os municípiosde Campinas, Jundiaí, Americana e Sumaré são os mais industriali-zados. Por esse motivo, a região de governo de Campinas participa-va, em 1995, com aproximadamente 50% da produção regional e12,5% do produto industrial do estado (Cepam et al., 1998).

Tabela 2. Participação do valor adicionado na indústriade transformação do estado

Região administrativa de Campinas (%)

Região 1980 1985 1990 1995RG Bragança Paulista 0,38 0,44 0,57 0,68RG Campinas 8,78 10,82 11,79 12,48RG Jundiaí 2,48 2,60 3,09 3,64RG Limeira 1,47 1,54 1,64 1,99RG Piracicaba 1,29 1,18 1,09 1,43RG Rio Claro 0,31 0,42 0,43 0,60RG São João da Boa Vista 0,37 0,42 0,56 0,66Total da RA * 15,09 17,45 19,22 21,48Fonte: Secretaria da Fazenda de SP. Dipam; FPFL-Cepam.* A soma das partes pode aparecer menor que o total regional, em alguns anos.

O segmento que lidera a produção industrial da região é oquímico, que detém 16,1% da produção. Isso se deve, principal-mente, à existência do pólo petroquímico de Paulínia, capitaneadopela Replan, que concentra, no seu entorno, empresas comoRhodhia-Ster, DuPont/Lycra, Exxon, Shell, Texaco, Eucatex, Air Li-quide e Amoco. Estudo elaborado pela Fundação Seade aponta que“a proximidade de Paulínia, sede da Refinaria do Planalto (Replan),a maior refinaria da Petrobrás e do complexo químico e petroquími-co agrega inestimável valor às condições de competitividade de Cam-pinas” (Fundação Seade, 1999: 1).

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Após o segmento químico, temos a indústria de material detransporte, respondendo por 14% do produto industrial regional(Cepam et al., 1998). Nesse ramo da indústria, merecem especialreferência os setores automobilístico – principalmente após a im-plantação da Honda e da Toyota – e de autopeças, o que evidenciaa tradição da região como um importante pólo produtor de compo-nentes automotivos.

Dados da Fundação Seade e da Secretaria de Ciência, Tec-nologia e Desenvolvimento Econômico do estado de São Paulo in-dicam que, em 1999, a região de Campinas receberia 18,95% dasinversões anunciadas para o estado de São Paulo (ver Tabela 3),num total de US$ 3,4 bilhões em investimentos.

Tabela 3. Investimentos anunciados em 1999 – SP

Região administrativa Valor US$ milhões (2) %

Araçatuba 4,08 0,02

Barretos 6,46 0,04

Bauru 80,55 0,45

Campinas 3.424,40 18,95

Central 139,12 0,77

Franca 5,03 0,03

Marília 29,62 0,16

Presidente Prudente 15,46 0,09

Ribeirão Preto 160,52 0,89

RMSP 7.436,10 41,14

Santos 1.002,10 5,54

São José do Rio Preto 54,21 0,30

São José dos Campos 2.216,98 12,27

Sorocaba 402,92 2,23

Diversos Municípios (3) 3.095,40 17,13

Totais 18.072,98 100,00

Fonte: Fundação Seade; Secretaria de Ciência, Tecnologia e DesenvolvimentoEconômico do estado de São Paulo, nov. 1999.

O montante de inversões na região de Campinas faz dela asegunda maior receptora de novos investimentos do estado, atrás

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apenas da RMSP. Para ter uma idéia da dimensão da região na eco-nomia do estado, é relevante apontar que, excetuando a RMSP e osinvestimentos cuja ação se dá em mais de um município, a região deCampinas receberia quase a mesma soma de investimentos de to-das as outras regiões do estado juntas.

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No segmento da indústria automobilística, das plantas anun-ciadas para o país a partir de 1996, somente cinco estão no estadode São Paulo, duas delas para a fabricação de componentes (Gene-ral Motors e Volkswagen), e duas novas fábricas na região de Cam-pinas (Honda Motors do Brasil e a Toyota do Brasil).

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Tabela 4. Fábricas inauguradas, em construção ou anunciadas a partir de 1996Empresa Cidade-UF Produtos Investimento Previsão de

(US$ milhões) inauguração

Asia Motors Camaçari-BA Comerciais 500 * Não disponívelleves

Chrysler Campo Largo-PR Comerciais 315 Inaugurada jul. 98leves

Chrysler/BMW Campo Largo-PR Motores 600 2O semestre 2000Fiat Automóveis Betim-MG Motores 500 2O semestre 2000Fiat /Iveco Sete Lagoas-MG Comerciais 240 1O semestre 2000

leves,

caminhões

e motores

Fiat/Stola Belo Horizonte Comerciais 200 Inaugurada set. 98-MG leves

Ford Camaçri-BA Não disponível 1.300 2O semestre 2001General Motors Mogi das Componentes 150 Out. 99

Cruzes-SP

General Motors Gravataí-RS Automóveis 600 Jun. 2000

Honda Sumaré-SP Automóveis 150 Inaugurada out. 97Mercedes-Benz Juiz de Fora-MG Automóveis 820 Inaugurada abr. 99Navistar Caxias do Sul-RS Caminhões 50 Inaugurada set. 98Peugeot-Citroën Porto Real-RJ Automóveis 600 Dez. 2000

Renault S. J. dos Automóveis e 1.000 Inaugurada dez. 98Pinhais-PR motores

Toyota Indaiatuba-SP Automóveis 150 Inaugurada set. 98Volkswagen São Carlos-SP Motores 250 Inaugurada out. 96Volkswagen Resende-RJ Caminhões, 250 Inaugurada nov. 96

ônibus

Volkswagen/ S. J. dos Automóveis 700 Inaugurada jan. 99

Audi Pinhais-PR

Volvo ** Curitiba-PR Cabines, 395 Inaugurada out. 97caminhões

Land Rover S. B. do Comerciais 150 Inaugurada out. 98/BMW Campo-SP leves

MMC*** Catalão-GO Comerciais 35 Inaugurada set. 98

leves

Fonte: Anfavea, BNDES, Secretaria de estado da Indústria, Comércio e DesenvolvimentoEconômico-PR, Arbix (1999) e Agência O Estado.* Investimento suspenso em razão da crise econômica coreana.**Ampliação do complexo industrial.

***Licenciada da Mitsubishi Motors.

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Como aponta a tabela acima, os investimentos em novas plan-tas no estado de São Paulo são modestos se comparados com asvultosas inversões realizadas em outras unidades da Federação, prin-cipalmente na região Sul do país, como nos estados do Paraná e noRio Grande do Sul. Não obstante, o estado de São Paulo aindaresponde pelo maior montante de investimentos realizados pelasmontadoras no Brasil. A maior parte dessas inversões é destinada àreestruturação da cadeia produtiva nos complexos industriais já ins-talados no estado (BNDES, 1999).

Dados da Anfavea apontados pelo BNDES indicam que oestado de São Paulo recebe 36% dos investimentos direcionadospelas montadoras ao país (Anfavea apud BNDES, 1999). Entre 1995e 1999, as montadoras anunciaram inversões da ordem de US$ 8,3bilhões para o estado (Fundação Seade e Secretaria de Ciência,Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do estado de São Paulo,1999). Esse valor corresponde a mais que o dobro dos investimen-tos planejados pelas montadoras no estado do Paraná, onde foramanunciadas inversões de aproximadamente US$ 3,2 bilhões (Secre-taria de estado da Indústria, Comércio e do Desenvolvimento Eco-nômico – PR, 1999).

Apesar do estado de São Paulo ser, ainda, o maior receptorde investimentos da indústria automobilística, a maior parte das in-versões das montadoras em novas plantas industriais tem sido reali-zada em outras unidades da Federação (ver tabela 4).

A indústria automobilística está se desenvolvendo fora do seucentro tradicional, a região da Grande São Paulo. Novos pólos au-tomotivos vêm sendo criados em locais que anteriormente não ti-nham tradição nesse segmento, como o Paraná – que recebeu maci-ças inversões da Chrysler, Volkswagen/Audi, Renault e Volvo – e aBahia, onde a Ford implementará seu ambicioso projeto Amazon.

Podemos afirmar que a principal razão da descentralização éa competição entre estados e entre municípios pela absorção doconsiderável fluxo de investimentos dirigido pelas montadoras aoBrasil; competição essa divulgada na imprensa como guerra fiscal.Entre os principais incentivos concedidos às indústrias automobilís-ticas estão a renúncia fiscal, diferimento de impostos, crédito fácil e

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farto, obras de infra-estrutura (construção de vias de acesso, pistasde testes, ligações ferroviárias, terminais portuários etc.) e doaçãode terrenos.

Entretanto, se os estados e municípios fora do estado de SãoPaulo oferecem condições extremamente generosas às empresas – oque compensaria a fuga das montadoras de um pólo automotivo jáconsolidado – como explicar, então, a opção da Honda e da Toyotapor municípios da região de Campinas, no interior do estado?

Doravante, buscaremos determinar em que medida os fato-res levantados ao longo deste trabalho podem servir como veiosexplicativos para a implantação daquelas duas multinacionais japo-nesas do setor automotivo em Indaiatuba e Sumaré.

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Nesta seção, buscaremos traçar um caracterização geral dosmunicípios de Indaiatuba e Sumaré, para elencar um conjunto defatores explicativos para a implantação da Toyota do Brasil, no pri-meiro município, e da Honda Motors do Brasil, no segundo.

Posteriormente, verificaremos em que medida a atuação dopoder público das duas cidades foi decisiva para justificar a opçãodaquelas empresas pelos municípios de Indaiatuba e Sumaré. Nes-se sentido, julgamos basilar para a compreensão da instalação dasrespectivas plantas a exposição dos principais instrumentos de in-centivo utilizados pelos municípios para a atração de novos investi-mentos industriais.

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A cidade de Indaiatuba, com uma população de 130,5 milhabitantes, está localizada a 99 km de São Paulo e a 15 km deCampinas. Estudo realizado pela empresa de consultoria SimonsenAssociados para a revista Exame aponta Indaiatuba como a primei-ra colocada entre as cidades emergentes do país.

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O município é diretamente beneficiado pelas vantagens loca-cionais presentes na região de Campinas. A proximidade das rodo-vias Anhangüera, Bandeirantes, Castelo Branco e D. Pedro I, doaeroporto de Viracopos e da Malha Paulista (antiga Fepasa,privatizada em 10.11.1998) constituem-se em inestimáveis vanta-gens competitivas para o município. Além disso, passa por Indaiatu-ba o gasoduto Brasil–Bolívia, importante fonte de gás natural; a pro-ximidade da Hidrovia Tietê–Paraná facilita o escoamento da produçãopara os países do Cone Sul (Argentina, Paraguai e Uruguai).

Deste modo, “a articulação dos fatores favoráveis de infra-estrutura, aos de sua localização próxima aos centros universitáriosde excelência de Campinas (Unicamp e PUC) e de Piracicaba (Esalq)tornam o município atrativo para o desenvolvimento de negóciosde tecnologia intensiva, nas áreas de indústria, agronegócios e ser-viços” (Fundação Seade, 1999: 7).

O parque industrial do município era composto, em 1997,por 545 estabelecimentos industriais. As principais empresas locali-zadas em Indaiatuba são: Yanmar do Brasil, Cobreq, Gessy Lever,Crovel, Filtros Mann, Metal Leve, Labormax, Indafarma, Labogen,Gro-Tem Confecções, Jeans Paragata, Indaiá Jeans, Melika Jeans,Ravage Confecções, Indústria Metalúrgica Puriar, Fundituba, Toyota,e os campos de provas da General Motors e da Honda (FundaçãoSeade, 1999).

A participação do município no valor adicionado da regiãode Campinas era de 2,3% em 1996, sendo que o segmento indus-trial respondia por 74,4% desse valor. O ramo de material de trans-porte é o mais importante segmento da indústria do município, pos-to que era responsável, em 1996, por 24,2% do produto industrialde Indaiatuba e por 5,3% da produção desse setor na região deCampinas (Cepam et al., 1998).

O segmento da indústria metalúrgica é o segundo em impor-tância em Indaiatuba, com 12,6% da produção industrial do muni-cípio e 4,8% da produção da indústria metalúrgica da região deCampinas (Cepam et al., 1998). Os investimentos anunciados paraIndaiatuba entre 1995 e 1999 atingiram a marca dos US$ 458 mi-lhões, valor esse que representa 0,53% de todo o investimento

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anunciado para o estado e 3,6% do total de inversões anunciadopara a região de Campinas. Para o ano 2000 estavam previstosmais US$ 33 milhões em investimentos para o município, nos seto-res de autopeças, hidráulico e serviços (Fundação Seade, 1999;Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômicode São Paulo, 1999).

As razões apontadas pela Toyota como determinantes parasua decisão de investimento em Indaiatuba podem ser resumidasno seguinte conjunto de fatores: 8 (i) boas condições de infra-estru-tura; (ii) mão-de-obra qualificada; (iii) proximidade de centros tec-nológicos; (iv) proximidade dos fornecedores; (v) localização estra-tégica; (vi) confiança na economia do estado.

Questionados sobre a possível expansão da produção daToyota em outros estados devido à política agressiva de incentivosfiscais, os representantes da fábrica japonesa recorreram à ética: “Aempresa se sentiria pouco confortável em receber incentivos fiscaisnum país cheio de carências. A posição do presidente da empresa éa seguinte: ‘o que é de graça hoje pode custar caro amanhã’. Osconsumidores podem se voltar contra nossa empresa”.

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O município de Sumaré – a 25 km de Campinas e a 130 kmda capital –, assim como Indaiatuba, beneficia-se diretamente desua localização estratégica. Com uma população de 179,4 mil habi-tantes, a cidade é servida por boas vias de acesso que ligam o muni-cípio aos principais centros consumidores do país.

A proximidade do município em relação às mais importantesrodovias estaduais constitui-se em fator de competitividade paraSumaré. O município interliga-se às rodovias Anhangüera, Bandei-rantes, D. Pedro I e Santos Dumont, que conectam Sumaré aos de-

8 Esse conjunto de fatores foi extraído da entrevista realizada com Gilberto Kosaka,Sidney Levy e Toshitomo Shichijo, na Toyota do Brasil. A citação a seguir foi destaentrevista.

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mais municípios da região, ao interior de São Paulo e a outros esta-dos.

Além disso, o município encontra-se próximo ao aeroportode Viracopos e está na área de influência da Hidrovia Tietê–Paraná.A presença de uma boa infra-estrutura de transporte nas imediaçõesde Sumaré facilita o escoamento da produção para os tradicionaismercados consumidores, além de representar preciosas vantagenslogísticas para as indústrias da cidade.

O município também aufere benefícios da proximidade deimportantes centros tecnológicos localizados na cidade de Campi-nas (Unicamp, Puccamp etc.). Há, ainda, em Sumaré, uma institui-ção privada de ensino superior, a Opec, que oferece dois cursos:Administração de Empresas e Ciências Contábeis.

O parque industrial da cidade era composto, em 1997, por323 empresas, entre as quais podemos destacar: 3M do Brasil,Schneider (antigo Sigla), Teka, Buckman Laboratórios, Assef Maluf& Filhos, Pastifício Selmi, Honda Motors do Brasil, Fortilit e Termo-técnica. Essas três últimas fazem parte de um novo ciclo industrialvivido pelo município a partir de 1997, o qual está gerando emtorno de quatro mil empregos (Fundação Seade, 1999).

O carro-chefe da economia de Sumaré é o setor industrial,que, em 1996, gerava 77,3% do valor adicionado municipal e3% do produto industrial da região de Campinas (Cepam et al.,1998).

O segmento químico foi responsável, no mesmo ano, por54,4% do produto industrial de Sumaré, seguido pelo metalúrgico,com 12,1% e pelo setor têxtil, com 5,3%. Os ramos industriais deSumaré que mais contribuíram, em 1996, com a produção setorialda região de Campinas foram o químico (21,5%), o metalúrgico(6,1%) e o de material plástico, com 5,4% (Cepam et al., 1998).

O setor industrial era, em 1995, o maior empregador do mu-nicípio, responsável por mais de 50% dos empregos formais. Essemontante representava 0,9% do emprego da região de Campinas e1,5% dos postos de trabalho na indústria da região (Cepam et al.,1998).

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Entre 1995 e 1999, foram anunciados investimentos da or-dem de US$ 1,15 bilhão para Sumaré, o que corresponde a 1,34%das inversões projetadas para o estado de São Paulo e a aproxima-damente 9% do volume de investimentos planejado para a região(Fundação Seade, 1999; Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desen-volvimento Econômico de São Paulo, 1999).

Cabe destacar o fato de Sumaré estar entre os 13 municípiospaulistas com maior volume de investimentos anunciados (ver Ta-bela 5). O município é o segundo maior receptor de inversões desua região administrativa, ficando atrás, apenas, de Campinas, acidade mais importante da região.

Tabela 5. Cidades com maior volume de investimentos anunciados(1995-99*) – estado de São Paulo

Cidade Investimento anunciado Participação sobre o total

(em US$ milhões) do estado (em %) 1 – São Paulo 15.384,15 17,93 2 – São José 4.442,04 5,18dos Campos 3 – São Bernardo 2.952,14 3,44do Campo 4 – Cubatão 2.427,65 2,83 5 – Santo André 2.136,12 2,49 6 – Jacareí 2.127,91 2,48 7 – Taubaté 2.026,30 2,36 8 – Campinas 2.003,15 2,34 9 – Sorocaba 1.427,32 1,6610- Jundiaí 1.187,92 1,3811- Sumaré 1.151,60 1,3412- Guarulhos 1.135,61 1,3213- Mauá 1.051.86 1,23Totais 39.453,77 45,98

Fonte: Fundação Seade; Secretaria de Ciência, Tecnologia e DesenvolvimentoEconômico de São Paulo.

* Até 31.10.1999.

O volume de investimentos direcionado a Sumaré e Indaiatu-ba indica que a localização geográfica dos municípios é um dos fa-

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tores que operam positivamente na atração de recursos para am-bos.

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As cidades de Indaiatuba e Sumaré contam com instrumen-tos de atração de investimentos bastante modestos em comparaçãocom as arrojadas estratégias adotadas por outros estados e municí-pios fora de São Paulo.

Em ambos os municípios foram realizadas modificações nasleis originais de incentivos e, em alguns casos, edições de leis espe-cíficas para atender os interesses das empresas. Devemos lembrarque a atuação do governo estadual teve um papel importante nainstalação daquelas duas multinacionais japonesas, uma vez que osuporte oferecido aos municípios pela Secretaria de Ciência, Tecno-logia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo, no âmbito dasnegociações entre as empresas e o poder público, influenciou a op-ção dos japoneses pela região de Campinas.

Buscaremos realizar um exame mais detalhado dos instrumen-tos de incentivo adotados pelo poder público local, bem como dadimensão que tais instrumentos podem assumir na decisão de in-vestimento da Toyota e da Honda em Indaiatuba e Sumaré, respec-tivamente.

• Indaiatuba: a atuação do poder público localO município de Indaiatuba oferece às indústrias que lá se ins-

talam uma série de incentivos, a saber: (i) isenção do Imposto Pre-dial e Territorial Urbano (IPTU) por dez anos; (ii) isenção do Impos-to sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) pelo prazo de dezanos; (iii) isenção por dez anos do Imposto de Transmissão “InterVivos” de Bens Imóveis (ITBI); (iv) isenção de tarifas municipaisincidentes sobre a construção e funcionamento de imóveis indus-triais por dez anos.

9 Esta seção está baseada nos Protocolos de Intenções firmados entre estado, muni-cípios e empresas, e nas leis municipais de incentivos.

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No caso da Toyota, o pacote de benefícios é mais amplo. Omunicípio comprometeu-se a ceder dois terrenos à empresa. Oprimeiro, com extensão de aproximadamente três mil m2, para ainstalação da linha de transmissão de energia elétrica pela Eletropaulo;o segundo, que ainda se encontra em fase de desapropriação, se-gundo a Prefeitura, será utilizado para as atividades de apoio logístico.No Protocolo de Intenções está prevista a desapropriação de uma áreade 270 mil m2 para aquela finalidade. No entanto, a Prefeitura de In-daiatuba, até o momento, doou somente um terreno de 50.400, 61 m2

à Toyota, conforme aponta a lei municipal 3.451 de 1 de outubro de1997. O próprio secretário municipal da Fazenda afirma: “o municí-pio doou à Toyota uma área de cinqüenta mil m2 para a implanta-ção de seu módulo logístico [...] ainda não definimos a desapropri-ação de 250 mil m2 para a logística da empresa. Investimos mais emlogística que no financiamento da Toyota”.10

Além disso, o município comprometeu-se a realizar uma sériede obras de infra-estrutura, tais como: (i) via de acesso pavimentadaao terreno da Toyota a partir da alça de acesso à Rodovia SP-75,com galeria de águas pluviais, iluminação, arborização e sinaliza-ção; (ii) construção de rede de água encanada, com um volume defornecimento de quinhentos m3 por dia; (iii) construção da rede decoleta de esgotos até a entrada do terreno da empresa.

Ao contrário da prática comum adotada pela maioria dos es-tados e municípios partícipes da guerra fiscal, a Prefeitura de Indaia-tuba não doou o terreno para a instalação da planta industrial daToyota, já que uma área de aproximadamente 1,5 milhão de m2 foiadquirida por esta empresa em 1990. O terreno fazia parte de umaárea rural, transformada em distrito industrial pela lei municipal.

Os compromissos assumidos pelo governo do estado de SãoPaulo no acordo estão longe de assumir as mesmas proporções deoutros acordos firmados entre montadoras, estados e municípios queentraram na guerra fiscal. O governo é mais importante no acordopor funcionar como uma espécie de avalista dos municípios, que

10 Entrevista realizada com Valfrido Miguel Carotti, secretário municipal da Fazendade Indaiatuba.

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por oferecer benefícios de grande monta. Destarte, cabe ao governodo estado de São Paulo, na figura de seu governador, garantir ocumprimento pelos municípios das cláusulas estipuladas nos proto-colos de intenções.

Para exemplificar a disparidade acima exposta, podemos ci-tar os acordos da Volkswagen com o estado do Rio de Janeiro e acidade de Resende, e da Renault com o estado do Paraná e o muni-cípio de São José dos Pinhais. No primeiro, entre as obras de infra-estrutura incluem-se a reforma do aeroporto de Resende e a exten-são de um gasoduto até a planta da empresa; o protocolo assinadotambém garante o diferimento por cinco anos do ICMS, com redu-ção de 40% na correção monetária, sem juros. O segundo acordo,ainda mais perdulário, prevê a doação, para a francesa Renault, deum terreno de 2,5 milhões de m2; construção de ramal ferroviário;diferimento de 100% por 48 meses, sem juros e correção, inclusivepara fornecedores; participação de 40% no capital total da Renaultdo Brasil (US$ 300 milhões), podendo chegar o total de emprésti-mos à empresa a US$ 1,5 bilhão (Arbix, 1999).

Os compromissos do estado de São Paulo são parcos e nãoenvolvem abertura de linhas de crédito vultosas tampouco renún-cias fiscais de grandes proporções. As garantias do estado de SãoPaulo à Toyota podem ser resumidas nos seguintes tópicos: (i) sim-plificação dos procedimentos fiscais;(ii) autorização da participaçãoda Toyota em quaisquer vantagens ou incentivos fiscais que venhama ser concedidos pelo estado;11 (iii) aceleração do processo de licen-ciamento para a instalação da unidade fabril; (iv) fornecimento deenergia elétrica na tensão exigida pela empresa; (v) adequação dascondições rodoviárias às necessidades da Toyota.

As expectativas do poder público em Indaiatuba quanto aoretorno desses investimentos públicos são as melhores possíveis. Osecretário municipal da Fazenda enfatiza que a montadora repre-senta um marco na história da cidade: “podemos dividir a históriade Indaiatuba em antes e depois da Toyota [...] com a vinda da

11 Esse tópico é vago, mas nos acordos por nós analisados não há qualquer cláusulaque disponha sobre a isenção de impostos estaduais.

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Toyota para Indaiatuba, o município passa por grandes transforma-ções”.12 Assim, a implantação daquela multinacional japonesa emIndaiatuba pavimentaria a senda do desenvolvimento na cidade,com geração de empregos e elevação da arrecadação. Essas pers-pectivas são confirmadas por outro membro da administração mu-nicipal, que acrescenta que “o impacto proporcionado pela Toyotadeve ser forte a médio prazo”.13

No entanto, o otimismo do poder público em Indaiatuba nãose confirma na prática, uma vez que a modesta planta da Toyota nomunicípio e a incerteza quanto a futuros investimentos direcionadosà ampliação do parque produtivo não nos permite delinear impac-tos significativos daquela empresa a curto ou médio prazo. A Toyotaé mais um sonho que uma realidade, ou, em outros termos, os go-vernantes do município trabalham com a imagem do que será aToyota e não do que ela é ou pode ser no momento. É mais prová-vel que essa Toyota do futuro, que vive no imaginário do poderpúblico local, nunca exista e, caso ela não venha a tornar-se realida-de, “o município ficaria com o sonho do que seria a Toyota no futu-ro”.

Como vimos, os incentivos à Toyota são modestos se compa-rados à maioria dos acordos firmados fora de São Paulo, como ocorrecom a Honda, em Sumaré, como examinaremos a seguir.

• Sumaré: a atuação do poder público local

As indústrias que se implantam em Sumaré são beneficiadascom os seguintes incentivos: (i) isenção do Imposto Predial e TerritorialUrbano (IPTU) por dez anos; (ii) isenção por dez anos do Impostosobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN); (iii) isenção do Im-posto sobre Transmissão “Inter Vivos” (ITBI) por dez anos; (iv) isen-ção dos preços públicos e taxas incidentes sobre a construção deimóveis industriais, bem como isenção de taxas de funcionamentopelo prazo de dez anos.

12 Entrevista com Valfrido Miguel Carotti, secretário municipal da Fazenda de Indaia-tuba.

13 Entrevista com Evandro Magnusson, assessor de Indústria e Comércio de Indaiatu-ba. A citação a seguir foi extraída da mesma entrevista.

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Como em Indaiatuba, o Protocolo de Intenções, firmado en-tre o município de Sumaré, o governo estadual e a Honda, prevêum pacote de benefícios adicionais para esta empresa.

O município comprometeu-se a realizar obras de infra-estru-tura, como (i) terraplanagem e compactação do terreno da Honda;(ii) execução de obras de sondagem na área destinada à construçãoda planta; (iii) preparação do acesso à fábrica, com aviamento doterreno, instalação de galeria de águas pluviais, tubulação de esgo-to, guia, pavimentação, sinalização viária, iluminação e arborização;(iv) extensão até a fábrica da rede de água e esgoto; (v) fornecimen-to do volume de água necessário a empresa, com redução de 50%na taxa. O referido protocolo contém, ainda, algumas cláusulas po-lêmicas, as quais serão detidamente examinadas abaixo. O municí-pio não cumpriu até hoje algumas cláusulas do acordo assinado em9 de abril de 1996. Alguns pontos do protocolo transformaram-senum verdadeiro imbróglio jurídico.

A Prefeitura de Sumaré, na gestão anterior, promoveu umaalteração na lei de incentivos para beneficiar especificamente aHonda. O autógrafo 015 de 27 de março de 1996, que altera a leimunicipal 1.874 de 20 de março de 1987, diz o seguinte: “Quandoa área superficial do terreno adquirido pela empresa beneficiadaultrapassar a área limite de 250 mil m2 (duzentos e cinqüenta metrosquadrados), o reembolso será de 100% (cem por cento) até o máxi-mo de 2.500.000 m2 (dois milhões e quinhentos mil metros quadra-dos)” (lei municipal 1.874/87, art. 12, parágrafo 6º).

Essa medida visa beneficiar a cláusula do Protocolo de Inten-ções que prevê incentivo financeiro no valor de 100% do terrenoadquirido pela Honda, em Sumaré, no ano de 1974. A área de 1,5milhão de m2 seria reembolsada integralmente pelo município, oque até agora não foi feito. Acerca desse impasse, o coordenador doSaic de Sumaré diz: “a Honda escolheu Sumaré em meio a campa-nha eleitoral. Foi ao Palácio (dos Bandeirantes). Teve um Protocolode Intenções que nós rediscutimos nos seus itens mais importantesquando assumimos. Não reembolsamos o terreno. Não demos ocampo de provas [...]”.14

14 Entrevista realizada com Álvaro Silveira, coordenador do Saic da Prefeitura de Su-maré.

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O campo de provas a que se refere o coordenador do Saic deSumaré também faz parte de uma cláusula não cumprida do Proto-colo de Intenções firmado em 1996. Naquele documento, o municí-pio de Sumaré comprometia-se a desapropriar uma área de aproxi-madamente 800 mil m2 para a construção de uma pista de testes.Além de doar o terreno, o município realizaria todas as obras deinfra-estrutura nessa área, como construção das pistas de testes edas vias de acesso, com pavimentação, iluminação e urbanização.

Obtivemos alguns laudos de avaliação do “Sítio São Joãoda Boa Vista”, a área de 800 mil m2 que seria doada à Honda pelaPrefeitura de Sumaré. Uma empresa de consultoria imobiliária, apedido da Prefeitura, avaliou o metro quadrado do terreno emR$ 4,00. No entanto, os proprietários das terras, em suas propostasde venda, pediram entre R$ 5,00 e R$ 7,00. Temos, assim, um custoestimado entre R$ 4 e R$ 5,6 milhões para a aquisição da área dapista de testes. Se adotarmos a mesma avaliação para a área de 1,5milhão de m2 pertencente à Honda – o que é perfeitamente plausí-vel, visto que são terrenos bem próximos –, o custo de reembolsodo terreno adquirido em 1974 por esta empresa está estimado entreR$ 7,5 e 10,5 milhões.

Segundo os próprios membros da administração municipal,o não cumprimento desses compromissos gerou profundo descon-tentamento na Honda. “Com a impossibilidade do cumprimento doacordo firmado entre a administração anterior e a Honda, houveuma rediscussão entre a empresa e o município para a confecção deum novo acordo, levando em conta a situação econômica de Suma-ré. Esse acordo não foi bem aceito pela Honda, que exigia o cum-primento dos compromissos assumidos pelo governo anterior”.15

Os representantes do poder público local alegaram que o acor-do assinado na gestão anterior foi uma “manobra para fazer o su-cessor”, visto que o Protocolo de Intenções não era compatível comas finanças do município. A área da pista de testes só não foi doada,segundo o vice-prefeito de Sumaré, porque tal procedimento não

15 Entrevista realizada com José Antonio Bacchim, vice-prefeito de Sumaré. As cita-ções a seguir foram extraídas da mesma entrevista.

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tem embasamento legal, uma vez que o município, por lei, não podedoar terrenos. Documentos obtidos junto à Coordenadoria de Pla-nejamento (Coplan) de Sumaré indicam que há realmente um im-passe entre a Prefeitura e o governo do estado.

Aqueles documentos apontam que, além dos problemas fi-nanceiros por parte do município, não existe amparo legal para adesapropriação e doação do terreno, segundo avaliação da Secreta-ria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de SãoPaulo. Para que o poder público local realizasse as desapropriaçõese obras de infra-estrutura nas áreas destinadas à Honda, seria cele-brado um convênio entre a Prefeitura de Sumaré e aquela Secreta-ria, prevendo suporte financeiro de R$ 7,5 milhões ao município.Segundo o vice-prefeito, “hoje a Prefeitura não doa terreno paranenhuma empresa. Não temos nem sequer um distrito industrialconsolidado no município. Os recursos do estado não vieram”.

Não obstante, nas visitas a Sumaré, observamos que nemmesmo a via de acesso à Honda havia sido construída. Todos osproblemas entre a esfera pública e a Honda Motors do Brasil evi-denciam o despreparo do poder público para lidar com as grandescorporações multinacionais. Acordos realizados sem acurada com-petência técnica e jurídica e a utilização política de tais acordos (apon-tados pelos políticos como a superação do atraso), grassam Brasilafora, mostrando que a incapacidade de dimensionar o retorno dosinvestimentos públicos e equacionar as concessões às empresas es-tão fortemente presentes no arranjo público nacional.

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Mesmo que cumpridos integralmente, os incentivos ofereci-dos pelos municípios à Honda e à Toyota são modestos quandocomparados com as estratégias adotadas por outros estados e muni-cípios para atrair indústrias. Como apontamos acima, as instalaçõesda Volkswagen em Resende e da Renault em São José dos Pinhaisenvolveram vantagens incomparavelmente maiores às empresas queas oferecidas por Indaiatuba e Sumaré às duas multinacionais japo-nesas.

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Pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria,citada por Arbix (1999), indica que os grandes empresários apon-tam os benefícios fiscais como fator decisivo na instalação de novasplantas.

Tabela 6. Razão da instalação de novas plantas (%)

Proximidade do mercado 57,3Benefícios fiscais 57,3Custo da mão-de-obra 41,5

Vantagens específicas das localidades 39,0Sindicalismo atuante 24,4Saturação espacial 14,6

Fonte: CNI/Cepal, 1997. Citado por Arbix (1999).

Contudo, tanto o poder público local como as empresas sãounânimes em valorizar as condições geográficas da região em detri-mento dos benefícios fiscais oferecidos nos protocolos. Desse modoprocuram justificar a decisão de investimento em Indaiatuba e Sumaré.

O secretário da Fazenda de Indaiatuba ressalta que “a Toyotanão veio pela carta de intenções. Veio pelas ótimas condições geográ-ficas. O município encontra-se próximo às rodovias Bandeirantes eAnhangüera, e ao aeroporto de Viracopos, um dos maiores aero-portos de carga da América Latina”.16 A Toyota também minimiza opapel dos incentivos e valoriza as vantagens geográficas da região:“Devemos fugir da região do ABC. Aqui estamos próximos dos for-necedores, da mão-de-obra qualificada, de centros tecnológicos euniversidades”.17

Em Sumaré, as opiniões não são diferentes. O coordenadordo Saic enfatizou que “as empresas devem vir pelas condições es-tratégicas da região e, após o período de incentivos, recolher impos-tos normalmente [...]”.18 Os representantes da Honda, apesar de

16 Entrevista realizada com Valfrido Miguel Carotti, secretário da Fazenda do municí-pio de Indaiatuba.

17 Entrevista realizada com Gilberto Kosaka, Sidney Levy e Toshitomo Shichijo, naToyota do Brasil.

18 Entrevista realizada com Álvaro Silveira, coordenador do Saic de Sumaré.

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reconhecerem a importância do Protocolo de Intenções – mais van-tajoso que o firmado pela Toyota em Indaiatuba –, garantem que osmotivos principais da instalação da Honda no município referem-seà mão-de-obra qualificada e à importância logística da área.

Diferentemente do que verificamos em Indaiatuba, os mem-bros do poder público em Sumaré não são tão ambiciosos nas suasprojeções quanto ao impacto da implantação da Honda no municí-pio. Segundo o coordenador do Saic do município, a empresa nãoprovocará fortes impactos: “historicamente sabemos que empresasdo tamanho da Honda não provocam muito impacto. Há poucasempresas que vieram para a cidade com a Honda”.19 O coordena-dor do Saic também ressaltou que “o movimento de automação dasgrandes empresas reduzem seu potencial de geração de empregos”.

Entretanto, os membros da gestão anterior que firmaram oacordo com a Honda criaram, num processo que remete ao de In-daiatuba, a “Honda futura”, geradora de empregos e arrecadação.O secretário geral da administração anterior estimava que a ida daHonda a Sumaré geraria em torno de 29,5 mil empregos diretos nomunicípio.20 O prefeito anterior, numa frase similar à do secretáriode Indaiatuba transcrita acima, disse que a construção da fábrica decarros da Honda “deverá marcar o ressurgimento econômico domunicípio na área industrial”.21 O futuro marca o discurso de mui-tos representantes do poder público local, ainda que não saibamosse esse futuro chegará. No imaginário dos governantes locais, o “ser”é esquecido e o “devir” valorizado.

A atual situação da Prefeitura de Sumaré em relação à Hondaé um resultado da negociação desenvolvida pela gestão anterior,que envolve compromissos que o município não teve condições decumprir. O processo de negociação entre o estado de São Paulo, omunicípio de Sumaré e a Honda lança dúvidas sobre os limites das

19 Entrevista com Álvaro Silveira, coordenador do Saic da Prefeitura de Sumaré. Acitação a seguir foi extraída da mesma entrevista.

20 Entrevista de Marcelo Pedroni Neto, então secretário geral da Prefeitura de Sumaré,ao Diário do Povo, em 9.4.1996.

21 Declaração de José de Nadai, então prefeito de Sumaré, ao Diário do Povo, em10.4.1996.

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concessões públicas ao setor privado. A análise do caso de Sumaréparece evidenciar que o município ofereceu mais do que poderiacumprir confiando no respaldo do governo estadual, que deixou aPrefeitura local à mercê da multinacional japonesa, a qual exigia ocumprimento do acordo, pressionando o poder público local, que,por sua vez, se viu num beco sem saída quando o governo do esta-do negou-lhe o acesso às verbas.

Posto isso, é lícito supor que a dimensão dos incentivos con-cedidos pelos municípios de Indaiatuba e Sumaré, em conjunto como governo do estado de São Paulo, não é suficiente para justificar,per se, a implantação da Honda e da Toyota nessas duas cidades.

Devemos, então, buscar, sob a ótica das próprias empresas,fatores que nos ajudem a explicar sua decisão de investimento naregião.

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Os investimentos da Honda e da Toyota na região de Cam-pinas são modestos em comparação com o montante investidopor outras montadoras em novas plantas, como já indicamos naTabela 4.

Dessa forma, os investimentos relativamente parcos das mon-tadoras japonesas na região de Campinas direcionaram-se à cons-trução de duas fábricas de automóveis de pequenas dimensões, cujofuncionamento é marcado pelo baixo grau de verticalização – isto é,poucas operações são realizadas no âmbito das fábricas – e pelaprodução em pequena escala.

Em nossa visita à Toyota, pudemos constatar que a empresaimporta de sua matriz as chapas de aço já estampadas, o que con-tribui sensivelmente para a redução das operações fabris. Há so-mente três processos nessa planta industrial: funilaria, pintura emontagem. O motor do Corolla, o carro médio montado em In-daiatuba, também vem do Japão. Segundo informações obtidas naempresa, o índice de nacionalização do Corolla está em torno de50%.

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Na Honda, notamos uma verdadeira corrida contra o tempopara atender às exigências do Regime Automotivo,22 que prevê umíndice de nacionalização de 60% do valor do automóvel.

A empresa passou a montar o motor do Civic, o carro dosegmento compacto produzido na fábrica de Sumaré, e agregou aoperação de estamparia à sua planta industrial; anteriormente, aspeças já estampadas eram importadas do Japão, processo que, comovimos, perdura na Toyota até hoje.

A chapa de aço que hoje é estampada em Sumaré é importa-da do Japão, juntamente com os componentes do motor e umasérie de outras partes do automóvel montado nessa fábrica.

Visto que as plantas industriais da Honda e da Toyota depen-dem de um elevado volume de componentes importados, o aspectologístico presente na região é fundamental para justificar a escolhada região de Campinas pelas duas empresas. Nesse sentido, a pre-sença de uma malha viária em boas condições e de fornecedoreslocais 23 foram decisivos para a construção daquelas duas plantasindustriais em Indaiatuba e Sumaré.

No caso da Toyota, há um outro aspecto não menos impor-tante. A empresa pode contar com seu aparato técnico presente emSão Bernardo do Campo, onde a Toyota produz o utilitário Bandei-rante desde 1959 e alguns componentes do Hilux, uma picapefabricada na Argentina. E a proximidade da planta de Indaiatubacom a do ABC facilita o intercâmbio de funcionários altamente qua-lificados entre as duas fábricas.

Além disso, as duas multinacionais japonesas podem contarcom ampla oferta de mão-de-obra qualificada na região. Aindaque as montadoras mencionem freqüentemente a proximidade decentros de pesquisa e universidades, não há qualquer convênio en-volvendo a Honda ou a Toyota com qualquer universidade para odesenvolvimento de produtos e processos. Portanto, o papel da uni-versidade para as empresas, ao que parece, é formar mão-de-obra.

22 Das empresas por nós analisadas, somente a Honda participa do Regime Automo-tivo. Segundo representantes da Toyota, a empresa não aderiu ao Regime Automo-tivo por não ter condições de atingir as metas de exportação no curto prazo.

23 KDB, Pirelli, Delphi, Freios Varga, Johnson-Controls, Blindex, e Hisan são algumasdas empresas da região que fornecem para Honda e para a Toyota.

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Os fatores acima apontados são peremptórios na potenciali-zação dos investimentos da Honda e da Toyota na região de Campi-nas. Diante disso, os incentivos oferecidos pelo estado de São Pauloe pelos municípios de Indaiatuba e Sumaré assumem um papel me-nor que em outras unidades da Federação. Ademais, devemosenfatizar que as duas empresas já haviam adquirido grandes áreasnos municípios que hoje recebem suas plantas.

Os estados participantes da guerra fiscal estão dispostos a com-pensar os custos logísticos envolvidos na implantação de unidadesindustriais fora de São Paulo com uma estratégia agressiva de incen-tivos, como já indicamos neste trabalho. Mendonça e Pinho (1997:73) ressaltam que a região de Campinas “foi uma alternativa delocalização aventada em quase todos os recentes projetos de grandeporte da indústria automobilística”. Os mesmos autores apontam osincentivos oferecidos por outros estados como determinantes nadecisão da maioria das montadoras que optaram por outras regiões.Não obstante aquela disposição dos estados, Honda e Toyota deci-diram realizar investimentos em São Paulo, apostando nas vanta-gens logísticas da região de Campinas.

As negociações da Honda e da Toyota com os municípiosdesenvolveram-se quase na mesma época em que a guerra fiscalatingiu seu período mais acirrado, o que só veio a ocorrer em 29 demarço de 1996, com o acordo da Renault no Paraná. Portanto, nomomento em que a Renault assinou o Protocolo de Intenções com oestado do Paraná, a Honda já estava praticamente decidida porSumaré, realizando, inclusive, obras em seu terreno. O intervalo entrea assinatura dos protocolos foi de apenas dez dias, já que a Hondaanunciou sua decisão de investir em Sumaré no dia 9 de abril de1996, com o Protocolo de Intenções firmado entre esta empresa, ogoverno do estado e o município. Em 6 de agosto do mesmo ano,foi a vez da Toyota anunciar sua decisão de construir uma fábrica deautomóveis em Indaiatuba.

As negociações com a Renault, que inauguraram uma novafase na guerra fiscal, com a elevação do padrão das ofertas e do graude competitividade entre os estados e municípios, não foram capazesde provocar a saída da Honda e da Toyota do estado de São Paulo.

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Os projetos da Honda e da Toyota são modestos, com baixoíndice de nacionalização e produção em pequena escala. Esses fato-res parecem não ter suscitado o interesse de outras unidades daFederação por estas empresas. A opção dessas indústrias por SãoPaulo parece ter sido estrategicamente acertada, visto que os custosde implantação em outras regiões seria demasiadamente alto. Sema compensação desses custos de implantação por incentivos fiscaisde grande monta, não seria interessante para aquelas empresas sairde São Paulo. Tal compensação parece não ter surgido; principal-mente se levarmos em consideração as modestas plantas da Honda,em Sumaré, e da Toyota, em Indaiatuba.

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Nesta última parte de nosso trabalho, tentaremos construiruma análise voltada para elementos teóricos que forneçam chavesinterpretativas ao estudo do desenvolvimento regional. Tal buscarevela-se importante na medida em que os resultados de nossa pes-quisa nos encaminham, inexoravelmente, para uma discussão acer-ca da dinâmica interna das regiões e sua influência sobre os proces-sos de desenvolvimento.

Portanto, é relevante indicar ao leitor alguns parâmetros utili-zados pela literatura na abordagem das questões que dizem respeitoao desenvolvimento local. A nosso ver, este trabalho tornar-se-iaincompleto se deixássemos à margem alguma reflexão sobre os as-pectos que fazem da região – sobretudo no momento atual – umacategoria de análise central nos estudos do desenvolvimento.

Cabe aqui, por um lado, elencar os pilares que engendramuma região competitiva, ou seja, com forte potencial de atração deinvestimentos; por outro lado, julgamos importante traçar alguns en-traves fundamentais à região, os quais atravancam processos de de-senvolvimento local mais dinâmicos e competitivos.24

24 Em razão dos limites deste artigo, realizaremos, apenas, uma exposição sumáriadestes assuntos. Ao leitor que se interessar por um contato mais profundo com otema, será fornecida uma bibliografia ao final do texto.

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Com base na experiência de Sumaré e Indaiatuba, buscare-mos, ao final desta seção, levantar algumas implicações regionais daspolíticas de atração de inversões levadas a cabo pelos municípios.

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Um primeiro ponto basilar no sentido de traçar as potenciali-dades de Campinas pode ser encontrado nas colocações de Storper(1997) e Andrade e Serra (2001). O primeiro autor realiza uma aná-lise das aglomerações industriais em função dos custos de transaçãodas empresas. Nesse sentido, quanto maior a distância geográficaentre as firmas interdependentes, tanto maiores os custos de transa-ção entre elas. Assim, a proximidade geográfica tende a reduzir oscustos transacionais das firmas que compõem aglomerações, o queestimula a proximidade locacional de empresas pertencentes a vá-rios setores. Para Storper (1997), a aglomeração é o resultado dabusca das empresas pela minimização desses custos, e esta minimi-zação supera outros custos diferenciais de produção geograficamen-te dependentes. Em outras palavras, a avaliação de tais custos sob aperspectiva da decisão alocativa das firmas é fundamental, uma vezque a proximidade geralmente produz externalidades de caráterpositivo que se convertem em competitividade.

Outra vantagem da aglomeração, exposta não somente porStorper (1997), mas por uma série de estudiosos da dinâmica regio-nal, é a apropriação de conhecimento acumulado. Portanto, quan-do existe, em uma determinada região, um aglomerado industrialque conforma indústrias de um setor específico, a decisão de umadada firma por outra região fora desse aglomerado tende a tornar-se desvantajosa. As vantagens locacionais fundamentam-se, entreoutros fatores, na produção e no intercâmbio de conhecimento emâmbito local, de modo que as empresas que participam do entornoprodutivo apropriam-se, por exemplo, das inovações que outras em-presas geram, engendrando um diferencial em termos competitivosda região, por um lado, e das firmas componentes do entorno, poroutro (Amin e Tomaney, 1998; Cepal, 1998; Scott, 1998; Lira, 2000).

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Sendo assim, estar fora de entorno produtivo com esse cariz repre-senta claras desvantagens às firmas.

A aplicação desse referencial teórico à região de Campinas ficaclara no trabalho de Souza e Garcia (1998: 3), que aponta a proximida-de geográfica como um aspecto fundamental da geração de conheci-mento local e como isso pode ser aproveitado em âmbito regional:

[...] o distanciamento geográfico e cultural entre as unidades envolvidasé um fator que pode impedir, ou pelo menos inibir, a manutenção deinterações entre eles. Nesse sentido, as interações entre agentes quepertencem ao mesmo sistema nacional 25 podem se demonstrar eficien-tes em virtude de fatores como a concentração geográfica, a proximida-de cultural e a língua comum [...].

E mais adiante:

[...] para a investigação do arranjo produtivo da região de Campinas, eas possibilidades de conformação de um sistema local de inovação, umponto fundamental a ser destacado são as formas de interação dos agen-tes locais (Souza e Garcia, 1998: 14).

Complementando essas afirmações sobre tendências de aglo-meração industrial, encontramos na recente obra de Andrade e Ser-ra (2001) uma série de argumentos que nos levam a inserir no qua-dro analítico as potencialidades de desenvolvimento das cidadesmédias.26 Para os autores, as grandes cidades ainda possuem papelcentral nas decisões locacionais das firmas em razão da proximida-de de fatores tecnológicos de produção. Contudo, como veremosadiante, as cidades médias tendem a tornar-se locais privilegiadosde atração de investimentos.

25 O termo sistema nacional de inovação pode, segundo os autores, assumir umadimensão local. Para esclarecer essa homologia conceitual, citamos Souza e Garcia(1998): “Para efeito deste trabalho, a dimensão utilizada é a local/regional, no casodo arranjo produtivo da região de Campinas, a partir da aplicação do conceito desistema nacional de inovação para a dimensão local. Algumas ressalvas, natural-mente, devem ser feitas, já que alguns elementos do sistema de inovação não têmcaráter eminentemente nacional e não podem ser transferidos para o âmbito local.Entre esses elementos, pode-se destacar as políticas macroeconômicas, o sistemalegal e o aparato regulatório” (Souza e Garcia, 1998: 4).

26 Cidades com população entre cem mil e quinhentos mil habitantes (Andrade eSerra, 2001).

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Segundo Andrade e Serra (2001), os movimentos de reestru-turação produtiva – e, por conseguinte, desintegração vertical – tor-nam maior a interdependência entre firmas, pois, com a externaliza-ção de várias etapas da produção, a aglomeração tende a ser umresultado natural, por razões que já foram levantadas neste traba-lho. Nessa mesma linha, Storper (1997) sugere que a preferênciaalocativa por grandes cidades se dá em torno de fatores de produ-ção largamente presentes nas metrópoles (mão-de-obra e serviçosqualificados, por exemplo). Entretanto, o autor analisa a questãodas grandes cidades sob uma perspectiva crítica, uma vez que, em-bora possa ser observado um privilegiamento locacional dos cen-tros urbanos de maior dimensão, as regiões são perpassadas porfortes especificidades setoriais. Portanto, a alocação industrial nãose explica simplesmente pelo tamanho das cidades, mas por suascaracterísticas específicas em termos de localização (Storper, 1997).

Ainda que com menor profundidade, as colocações de An-drade e Serra (2001: vii), parecem seguir esse quadro geral de refe-rência:

Com respeito às mudanças tecnológicas vinculadas à chamada reestru-turação produtiva (ou a Terceira Revolução Científica Tecnológica), es-tas parecem influenciar as decisões locacionais no sentido da concen-tração urbana, na medida em que acaba por revalorizar a metrópolecomo espaço privilegiado para o desenvolvimento de atividades econô-micas modernas, porque é nas metrópoles que estão concentradas asuniversidades e os centros de pesquisa e os serviços industriais ‘superi-ores’ (ou de alta qualificação). A proximidade com esses elementos in-teressa às firmas, pois facilita a transferência de tecnologia dos laborató-rios para o interior do espaço produtivo.

Apesar de indicar a centralidade dos grandes centros urbanosna opção alocativa das empresas, Andrade e Serra (2001) trazem alume um novo papel dos municípios de porte médio, a saber: forne-cer uma saída em termos de localização industrial, já que, atualmen-te, observa-se um movimento de saturação infra-estrutural dos gran-des conglomerados urbanos.

Dessa forma, segundo esses autores, a construção teórica queenfatiza o papel dos grandes centros metropolitanos como locus

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natural das indústrias (principalmente de alta tecnologia) não temdado conta desse contexto em toda a sua complexidade. Primeiro,as cidades de grande porte não se mostram tão favoráveis à implan-tação de unidades industriais porque não oferecem as mesmas van-tagens logísticas das cidades médias; sobretudo se forem observa-das, nessas cidades, redes de comunicação com outros mercados.Segundo, a fuga das regiões metropolitanas de grandes dimensõespelos motivos indicados acima tem criado centros dinâmicos e ino-vadores de produção em cidades de menor porte, o que favoreceaglomerações industriais competitivas fora de seus pólos tradicio-nais. Destarte, notamos que há uma tendência de especializaçãoprodutiva em áreas geográficas determinadas, que estão localizadasfora dos centros metropolitanos em razão dos custos transacionaismenores nessas áreas.

Um aspecto característico desses novos sistemas complexos (tecnopóles)é que todos eles possuem uma localização e uma extensão geográficas.A esse respeito, pensou-se originalmente, e com base inteiramente teó-rica, que as grandes cidades seriam os locais ideais para tais realizações.Porém, mesmo nos países dotados de pioneirismo nesse campo, logo seviu que as grandes aglomerações, já saturadas e marcadas por umasérie de deseconomias, não poderiam ter o monopólio desses espaçosde inovação tecnológica (Andrade e Serra, 2001: 29).

Nesse sentido, a saturação das aglomerações industriais loca-lizadas em grandes metrópoles abre espaço para áreas inovativasem cuja base se encontram as cidades de porte médio.

O quadro teórico sumariamente exposto até aqui indica que,caeteris paribus,27 os custos de transação das firmas que se locali-

27 Dessa forma, tentamos demonstrar que a opção locacional pela região de Campi-nas envolve vantagens consideráveis no que concerne aos custos de transação dasfirmas. Entretanto, ao considerarmos as práticas da guerra fiscal levantadas ao lon-go deste trabalho, são introduzidas outras variáveis que interferem nos custoslogísticos das decisões alocativas das empresas. Destarte, as opções menos vantajo-sas em termos logísticos são, conforme apontam Prado e Cavalcanti (2000), com-pensadas pelos governos que praticam a guerra fiscal, de modo a retirar as empre-sas daquelas regiões que representariam escolhas naturais das firmas. Mendonça ePinho (1997) observam que a região de Campinas foi uma alternativa consideradapor quase todas as empresas do setor automobilístico que realizaram investimentosnos anos 90. A preferência dessas empresas por outras unidades federativas so-

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zam no entorno de Campinas podem ser amenizados, visto que aregião está situada num ambiente econômico dinâmico, não saturado,com enorme potencial de produção de externalidades positivas e,ao mesmo tempo, bastante próximo da RMSP, maior mercado con-sumidor do Brasil. Isso sem levar em consideração a facilidade detransação com países do Mercosul, pois as vias de acesso, comovimos, são favoráveis à importação e exportação de bens proceden-tes da Argentina, Paraguai e Uruguai.

Doravante, acreditamos ter condições de traçar, em linhasgerais, as características determinantes na competitividade de umaregião. Esta tarefa exige uma análise do desenvolvimento regionaltendo como ponto de vista as potencialidades internas ao território,as quais exercem papel decisivo no impulsionamento endógeno deprocessos de desenvolvimento.

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Ao estudioso dos processos de desenvolvimento regional cabeidentificar, no interior da região, elementos que forneçam a basenecessária ao desencadeamento de iniciativas econômicas tenden-tes a elevar o nível de crescimento de uma determinada região.

Conforme as definições trazidas à baila por Lira (2000), hádois aspectos fundamentais que merecem ser levados em conta nasações direcionadas para o desenvolvimento de uma região. Em pri-meiro lugar, é importante ressaltar a natureza endógena dos proces-sos de desenvolvimento regional, pois estes se estribam na valoriza-ção dos recursos locais e numa exploração adequada destesrecursos. Nesse registro, cabe enfatizar que o processo de desen-volvimento local depende, sobremaneira, de fatores específicos daregião que possam ser potencializados. Além disso, o autor afirmaser igualmente relevante a capacidade da região – de acordo comsuas características – para impulsionar o engendramento de recur-

mente reforça nossa hipótese de que a guerra fiscal contribuiu, decisivamente, pararetirar investimentos da região de Campinas.

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sos não-existentes ou ainda não plenamente desenvolvidos regio-nalmente.

Outro fator que reafirma a natureza endógena do desenvolvi-mento regional refere-se ao que Lira (2000) denomina solidarieda-de com o território. Assim como Scott (1998), Souza e Garcia (1998)e Amin e Tomaney (1998), as colocações de Lira (2000) vão nosentido de valorizar os padrões de interação entre os agentes locaiscomo característica basilar de um processo exitoso de desenvolvi-mento regional. Considerando as tendências recentes de especiali-zação e reestruturação produtiva (Scott, 1998; Storper, 1997; Castells,1994), o autor expõe esse aspecto característico dos processos dedesenvolvimento regional.

[Os processos característicos de desenvolvimento local] baseiam suaestratégia em uma solidariedade com o território mediante a afirmaçãoda identidade cultural como meio de lograr uma imagem de marca dife-renciada e atrativa que signifique a reativação de um processo de de-senvolvimento. É, portanto, essencial entender a importância do territó-rio e de sua gente como protagonistas deste processo, já que se trata dedescobrir se sobre estas bases se pode produzir uma reativação que lhedê imagem de marca diferenciada ao processo (Lira, 2000: 7).28

Esta afirmação, além de corroborar a importância da intera-ção entre os agentes locais em torno das sendas para o desenvolvi-mento da região, insere a questão das potencialidades endógenasnecessárias para que tal processo seja ativado. Nesse sentido, apre-senta-se como peremptória a tarefa de avaliar a qualidade dos re-cursos internos à região que permitam impulsionar iniciativas decrescimento.

Recente documento29 publicado pela Comissão Econômicapara América Latina e Caribe (Cepal, 1998) permite-nos identificaresses recursos, já que exibe com considerável grau de detalhamentoo conjunto de fatores regionais que permitirá levar adiante estraté-gias de desenvolvimento.

28 Tradução do autor.29 INSTITUTO LATINO AMERICANO DE PLANIFICAÇÃO ECONÔMICA E SOCIAL (Ilpes). Manual de

desarrollo local. Santiago do Chile: Cepal, Nações Unidas, 1998. Para uma abor-dagem mais ampla dos elementos endógenos que conduzem a processos de de-

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Com base nesse documento e em Lira (2000), podemos indi-car o papel da infra-estrutura como elemento central na geração decondições locais para o desenvolvimento, visto que esta exerce in-fluência sobre as decisões alocativas das empresas. Assim como pre-conizam estes documentos, julgamos basilar para o entendimentoda dinâmica regional apresentar uma tipologia que se mostra muitoútil ao estudo das condições competitivas da região. Nesse sentido,encontramos no texto da Cepal (1998) uma classificação das infra-estruturas em dois níveis, a saber: (i) infra-estruturas econômicas outécnicas e (ii) infra-estruturas sociais.

Os quadros a seguir indicarão quais são as características re-lativas à infra-estrutura a serem encontradas ou engendradas regio-nalmente a fim de que seja possível desencadear um processo dedesenvolvimento.

Quadro 1. Infra-estruturas econômicas ou técnicas1. Transporte • Rede viária

• Malha ferroviária• Aeroportos• Portos• Transporte urbano

2. Telecomunicações • Redes telefônicas• Serviços de telecomunicações• Centros de informática

3. Abastecimentode energia • Eletricidade (redes elétricas, estações

transformadoras)• Gasodutos e Oleodutos• Centrais térmicas e nucleares• Outras fontes de energia

4. Abastecimentode água • Rios e canais

• Distribuição de água• Irrigação e sistemas de drenagem• Rede de esgoto

senvolvimento regional, ver também Lira (2000), Scott (1998) Amin e Tomaney(1998) e Storper (1997).

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5. Industriais • Solo industrial6. Meio ambiente • Serviço de tratamento de água

• Proteção do solo• Serviço de coleta e reciclagem de detritos

Extraído de Manual de desarrollo local, Cepal, 1998

Quadro 2. Infra-estruturas sociais7. Educação • Escolas e institutos

• Universidades• Centros de investigação• Centros de formação profissional

8. Saúde e sanidade • Hospitais• Rede de assistência primária• Centros de reabilitação

9. Serviços urbanoscoletivos • Conservação do patrimônio cultural

• Parques• Serviços de justiça e segurança do cida-

dão10. Esporte e turismo • Equipamento esportivo e turístico em ge-

ral11. Serviços sociais • Serviços de bem-estar social

• Abrigos e centros de proteção à infância• Centros para a terceira idade• Albergues

12. Cultura • Museus• Teatros• Cinemas• Centro de conferências e convenções• Centros de lazer e cultura

13. Meio ambientenatural • Parques naturais

• Praias• Bosques e áreas florestais

Extraído de Manual de desarrollo local, Cepal, 1998

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Dessa forma, a análise de qualquer região focada em suasvantagens competitivas deve tomar os elementos do quadro comouma de suas referências centrais. A presença ou ausência dessesfatores de infra-estrutura podem ser decisivos nas estratégias loca-cionais das firmas, já que estas levam em conta, no momento dedecidir qual território receberá suas atividades, os custos relaciona-dos a transações externas e transporte, os quais são geograficamen-te determinados.

Tentaremos traçar, doravante, a importância das característi-cas da infra-estrutura local como uma das variáveis-chave na expli-cação das decisões alocativas das empresas.30 Não obstante as deci-sões locacionais das firmas estribarem-se em um conjunto de fatoresbastante complexo, é impossível negar a dimensão da infra-estrutu-ra na sua relação com os processos de desenvolvimento regional.

Portanto, a qualidade da infra-estrutura regional converte-seem elemento de competitividade entre regiões em torno dos investi-mentos que podem elevar os níveis de desenvolvimento regional.As principais contribuições competitivas de uma boa infra-estruturasão:

(i) redução de custos logísticos: conforme aponta o Manual dedesarrollo local (Cepal, 1998), a existência de uma boa infra-estrutura regional pode representar um diferencial de custo paraas empresas. Relativizando o peso da infra-estrutura de trans-porte e comunicações, diz o documento supracitado:

Em princípio, a localização das novas empresas é determinada, entreoutras razões, por critérios de custo, e este é função tanto de questõesrelativas à localização e dimensão da demanda (transporte e comercia-lização) como da oferta (matérias-primas ou componentes, pessoal,tecnologia, capital físico e capital financeiro). Neste sentido, as infra-

30 Cabe aqui uma ressalva. Ainda que a infra-estrutura assuma uma dimensão impor-tante na competitividade regional, as estratégias de alocação das empresas basei-am-se numa série de outras variáveis em que a infra-estrutura é considerada emrelação a outros atrativos da região como, por exemplo, benefícios fiscais – junta-mente com outros incentivos – e a existência de uma aglomeração industrial jáformada a ponto de favorecer a implantação da empresa num local onde já estejampresentes fornecedores e empresas da mesma área de atuação, já que isto tende afavorecer o intercâmbio de informações entre elas.

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estruturas podem ser um componente importante do custo e, portanto,sua adequação resulta determinante para captar a inversão exógena.Não obstante, a capacidade de atração de um território é a resultantede todo um conjunto de variáveis e não depende somente das comuni-cações (Cepal, 1998: 23).31

(ii) formação de mão-de-obra qualificada: a disponibilidade regio-nal de mão-de-obra qualificada, como vimos ao longo destetrabalho, é sempre colocada pelas empresas como um fator degrande importância para sua opção alocativa. Portanto, a exis-tência de escolas, centros de formação, institutos de pesquisa euniversidades de qualidade na região converte-se, invariavel-mente, em vantagem competitiva de relevância na atração denovas inversões. Além disso, as alianças entre universidade,centros de pesquisa e empresas para o desenvolvimento denovos produtos e processos, observadas nas regiões mais de-senvolvidas do mundo, ressalta ainda mais o papel daquelasinstituições regionais como elementos importantes na decisãolocacional das firmas (Cepal, 1998; Scott, 1998; Storper, 1997;Lira, 2000).

(iii) facilidade de comunicação entre as empresas: segundo Scott(1998) e Storper (1997), vivemos num mundo de regiões espe-cializadas em determinadas atividades econômicas num movi-mento de constante interação entre si. Tanto endógena quandoexogenamente, as empresas que formam aglomerados indus-triais necessitam vitalmente de intercambiar informações e bens.Assim, a ausência de uma boa rede de comunicações pode in-fluenciar negativamente a região, pois as atividades empresari-ais, nesse contexto, tendem a ser prejudicadas por dificuldadesde acesso a redes de informação. Malgrado seja possível argu-mentar que mesmo as regiões mais desenvolvidas no Brasil nãoestão suficientemente integradas em tais redes, não podemosnegar a tendência crescente do influência da tecnologia e dainformação sobre os rumos das empresas. A esse respeito, oManual de desarrollo local (Cepal, 1998: 24), aponta que

31 Tradução do autor.

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Grande parte da importância que se concede às comunicações desdeuma perspectiva de desenvolvimento territorial baseia-se na suposiçãode que proporcionarão uma distribuição uniforme da informação e queuma parte significativa das atividades adotará estas tecnologias e suas aplica-ções. As comunicações entre diferentes centros econômicos e entre osdistintos centros de trabalho de uma mesma empresa são necessidadesde cada dia que condicionam a rentabilidade das empresas e sua posiçãode mercado. Do mesmo modo, a capacidade de uma região para adotara nova tecnologia será decisiva para sua posição econômica futura.Não dispor de uma infra-estrutura de comunicações adequada é igual adesincentivar a instalação de empresas.32

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Apesar de reconhecer a importância dos fatores endógenosque impulsionam e criam as bases para um processo de desenvolvi-mento regional, para uma dimensão explicativa mais ampla desseprocesso devemos considerar que há outros elementos locacionais– específicos da própria região – a serem levados em conta. Emoutros termos, poderíamos, assim como o fez Storper (1997), per-guntar-nos porque regiões que contam com boa infra-estrutura –principalmente universidades de boa qualidade – não chegam aosmesmos graus de desenvolvimento de outras regiões com caracte-rísticas semelhantes.

Uma abordagem de natureza essencialmente teórica permite-nos ir mais a fundo na questão do espectro regional do desenvolvi-mento. A noção de milieu não somente toma como referência osfatores levantados até aqui, mas põe também em relevo a coorde-nação dos agentes locais para a produção de conhecimento local.Desse modo, o milieu baseia-se num processo de cooperação entrevários atores no sentido de elevar o grau de competitividade daregião, tornando-a mais atrativa aos investimentos.

Como o conceito é difundido na literatura sobre desenvolvi-mento regional, julgamos ser importante definir os termos pelos quaisa concepção de milieu, a nosso ver, pode ser explorado de maneiraprofícua.

32 Tradução do autor.

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A abordagem a respeito do conceito de milieu que nos parecemais fecunda para análise está presente em Storper (1997: 16-7),que resume o termo com as seguintes palavras:

O milieu é essencialmente um contexto para o desenvolvimento, o qualcapacita e guia agentes inovativos para que sejam capazes de inovar ecoordenar-se com outros agentes inovadores [...] o milieu é descrito,variadamente, como um sistema de instituições regionais, regras e prá-ticas regionais que conduzem à inovação.33

Há algumas conclusões que devem ser apreendidas das colo-cações de Storper (1997) acerca da idéia de milieu.

Os processos mais exitosos de desenvolvimento regional, comoapontam vários autores (Lira, 2000; Scott, 1998; Storper, 1997),envolvem coordenação dos agentes em torno de atividades de ino-vação. Nessa medida, o papel do poder público revela-se funda-mental, pois suas ações fornecem alguns pilares centrais do desen-volvimento regional. Cabe aos organismos públicos, nesse sentido,facilitar o acesso à inovação para que sejam criados mecanismosinstitucionais que fomentem atividades de pesquisa e desenvolvi-mento (P&D).

Outra função do poder público regional é promover o concer-to dos atores do desenvolvimento – empresas, governo, sociedade,instituições de ensino e pesquisa – para o intercâmbio de informa-ções e discussão das políticas públicas geradoras de benefíciossistêmicos à região, isto é, um conjunto de intervenções com vistas amelhorar ou impulsionar a competitividade da região, e não deempresas selecionadas que negociam individualmente com o go-verno. Vale ressaltar que o papel do poder público é articular atorese recursos. Como observa o Manual de desarrollo local (Cepal, 1998:68),

[...] o desenho dos programas de desenvolvimento local requer o acor-do e a colaboração tanto dos diferentes níveis institucionais (locais, re-gionais e estatais) como dos diferentes agentes locais implicados. Temascomo o financiamento, a viabilidade dos projetos a e coordenação das

33 Tradução do autor.

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competências necessitam do apoio de todos os agentes que posterior-mente levarão o programa adiante, ainda que sejam os gestores públi-cos quem necessariamente há de obter esse apoio.34

Encarar a região como um contexto para o desenvolvimentoimplica, portanto, detectar o nível de coordenação dos atores regio-nais, já que esse contexto baseia-se em ações de caráter coletivo(Scott, 1998; Storper, 1997).

Nesse sentido, entramos numa segunda ordem de conclusõescom base na região como contexto para o desenvolvimento. O pro-cesso de interação entre os agentes locais pode facilitar a produçãoe a troca de informações as quais beneficiarão, no conjunto, a re-gião, tanto em termos econômicos quanto sociais. Sob essa ótica,podemos, como o fizeram Dowbor (1995) e Affonso (2000), enca-rar o desenvolvimento regional como um processo de apropriaçãode conhecimento por meio do uso de potencialidades endógenasdo território. E, mais importante, não podemos encarar o desenvol-vimento como simples crescimento econômico, mas como um me-canismo de melhora do bem-estar, da qualidade de vida dos habi-tantes de uma região. Seguindo essa visão, Haddad (1996) apudAffonso (2000: 16) observa que

[...] a localização e implantação de novas atividades econômicas numestado ou município de determinada região podem elevar os seus ní-veis de produção, renda e emprego a um ritmo mais intenso do que ocrescimento de sua população sem que, entretanto, ocorra um processode desenvolvimento econômico social.

Ao comentar essas colocações, Affonso (2000) afirma que ofator exógeno, por excelência, que transforma o crescimento em de-senvolvimento é a organização social da região, o que reforça aindamais nossas observações anteriores no sentido de traçar o desenvol-vimento como um processo de ordem coletiva. Finalizando esse ar-gumento com Dowbor (1995: 29), é importante ressaltar que

Pretende-se uma visão de desenvolvimento que coloque o ser humanoe os interesses coletivos e das maiorias como ponto central, convergin-

34 Tradução do autor.

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do para a possibilidade de potencialização das capacidades de todos osindivíduos. Essa missão do processo de desenvolvimento não permiteque seus defensores possam se furtar a considerar outros fatores como:qualidade de vida, socialização do poder, distribuição de renda, acessoaos serviços públicos e aos benefícios da tecnologia.

A apropriação do conhecimento pelos agentes regionais érelevante por favorecer as condições competitivas da região pelaação coletiva. Conforme observa Castells (1994), o objetivo des-ses agentes é produzir novos conhecimentos, novos processos enovos produtos. Com base nesse autor, podemos, depois do queacabamos de colocar, levantar três componentes centrais de umaregião que alcançou algum êxito em tais processos:

(i) universidades de ponta e instituições de ensino superior;

(ii) centros de pesquisa e desenvolvimento financiados por institui-ções governamentais; e

(iii) centros de pesquisa mantidos pelo capital privado e ligados acorporações tecnologicamente avançadas.

Na ausência de produção de conhecimento local, via coorde-nação dos agentes, encontramos regiões cujo potencial é subapro-veitado e, portanto, estão colocadas à margem de um processo dedesenvolvimento mais dinâmico, da maneira que acabamos de des-crever. Nesse sentido, Amin e Tomaney (1998) levantam exemplosbaseados em regiões que, por uma série de fatores endógenos eexógenos, têm ficado para trás nos caminhos que conduzem ao de-senvolvimento.

De um lado, há condicionamentos endógenos que atravancamo desencadeamento de processos de desenvolvimento regional; deoutro lado, há uma série de elementos endógenos que impedem aregião de desenvolver-se nos termos discutidos neste trabalho.

Assim, tentamos evitar as armadilhas supostamente presentesna adoção de certos modelos teóricos para explicar o desenvolvi-mento regional como, por exemplo, classificar a região de Campinasnos moldes do “Vale do Silício” ou da “Terceira Itália”. Não se tratade reproduzir modelos acriticamente. Contudo, podemos alcançarresultados interessantes ao tomar esses modelos como tipos ideais,uma vez que, do modo como se nos apresentam, parecem referir-se

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a arranjos institucionais perfeitos que não se manifestam na realida-de tão harmoniosamente como no quadro teórico. Portanto, julga-mos profícuo afirmar que, ao aproximar-se desse quadro teóricoencontrado na literatura sobre desenvolvimento regional, a regiãode Campinas tende a ganhar consideravelmente. Diante disso, po-deríamos detectar os níveis de coordenação entre empresas, poderpúblico e sociedade como um caminho virtuoso para o desenvolvi-mento. Outro fator presente nos modelos é o associativismo localcom vistas à produção de conhecimento, o qual só teria a beneficiarum processo regional de desenvolvimento, pelas razões que vimosapontando até aqui.

Outra ressalva a ser feita, já posta nos modelos, refere-se àsespecificidades locais do desenvolvimento. A existência de um cam-po de forças no âmbito da região que envolve inúmeros atores ecircunstâncias obriga-nos a tratar o desenvolvimento regional comum grau menor de ortodoxia teórica. Um exemplo importante nessesentido nos foi dado por Storper (1997) que questionou, com fun-damentos teóricos e empíricos, a aplicabilidade universal do mode-lo de especialização flexível elaborado por Piore e Sabel (1984) combase nas experiências dos distritos industriais italianos.

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Como vimos, o desenvolvimento regional é um processo denatureza endógena, ou seja, desencadeado em função das especifi-cidades e potencialidades da própria região. No entanto, não quere-mos dizer com isso que fatores externos à região são nulos na análi-se desse processo. Assim, ainda que a ativação do desenvolvimentoregional seja de natureza endógena, há fatores exógenos que de-vem ser levados em conta quando se toma a região como referên-cia.

Desse modo, se o desenvolvimento local é influenciado porfatores exógenos e endógenos, poderíamos assumir, em primeirolugar, que o principal fator exógeno que tem afetado a região deCampinas é a guerra fiscal, fruto do processo de descentralização

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atravessado pelo país no final dos anos 80 e início dos 90.36 Acredi-tamos que este fator tem forte peso explicativo sobre os investimen-tos da indústria automobilística realizados no Brasil a partir de mea-dos dos anos 90. Assim, a região de Campinas, com todas ascaracterísticas de uma “região ganhadora”, não recebeu investimen-tos de grandes proporções, contrariamente ao que verificamos emestados que praticaram a guerra fiscal.

Entretanto, a região de Campinas apresenta problemas endó-genos que estariam atravancando um melhor aproveitamento deseu potencial de desenvolvimento. O primeiro deles seria a ausênciade coordenação entre os agentes locais no sentido de fomentar odesenvolvimento da região por meio da competitividade sistêmicaou coletiva, isto é, estimular a competitividade de grupos de empre-sas pelo envolvimento dos municípios que compõem a região, jun-tamente com outros níveis de governo e com a própria população.Nesse sentido, torna-se mister avaliar os tipos de incentivo adotadospelos municípios de Indaiatuba e Sumaré, de modo que sejamtraçadas algumas implicações para o desenvolvimento da região deCampinas.

Como assinalam Prado e Cavalcanti (2000), a ampliação dofluxo de investimentos para uma determinada região pode ser atin-gida mediante dois tipos de incentivo. De um lado, temos os aspec-tos sistêmicos dos incentivos que se resumem numa visão de políti-cas públicas baseada nas potencialidades endógenas da região.

No que se refere aos incentivos sistêmicos, a presença de uma políticade atração de investimento expressar-se-ia na existência de um viés nosprocessos de alocação do gasto público em inversão, assim como nasreformas de corte institucional, que os orientassem para a criação deum ambiente favorável ao investimento privado em áreas e setores demaior potencial no estado/região. Nesse sentido, vale notar que existeuma importante dimensão das políticas de desenvolvimento regional –centrada na captação de recursos federais e internacionais para inver-são em infra-estrutura econômica e social – que envolve forte impacto amédio e longo prazo nas condições de competitividade sistêmica dasregiões (Prado e Cavalcanti, 2000: 38).

36 Para uma referência mais aprofundada dos processos de descentralização no Bra-sil, ver Affonso (2000) e Affonso e Silva (1995).

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De outro lado, além dessa visão de competitividade sistêmica– que valoriza o desenvolvimento regional como um processo decaráter endógeno –, temos os benefícios seletivos, ou seja, incenti-vos negociados vis-à-vis às empresas como atores individuais. Osprincipais benefícios seletivos, conforme Prado e Cavalcanti (2000:38), são:

(i) vantagens locacionais específicas para uma empresa: melhora-mentos localizados de infra-estrutura, garantia de suprimento dematérias-primas e insumos, terrenos, instalações portuárias etc.;

(ii) redução ou diferimento da carga tributária por empresa, comou sem subsidiamento creditício implícito;

(iii) concessão de crédito subsidiado;

(iv) participação no capital.

Pesa contra os incentivos de natureza sistêmica o fato de quesão pouco eficientes para atingir resultados a curto prazo, ainda quesejam mais efetivos para engendrar um contexto de desenvolvimen-to. Parece-nos que, em razão desse fator, os policy-makers dos mu-nicípios pesquisados têm preferido os benefícios seletivos, conside-rados empresa a empresa, o que transforma os processos de alocaçãoindustrial em verdadeiros leilões que acabam elevando a níveisexorbitantes o custo assumido pelos poderes públicos para atrairempresas para suas regiões. Nesse sentido, Prado e Cavalcanti (2000:36) apontam que “como resultado, mesmo nos casos (provavelmentemuito freqüentes, embora existam os absurdos) em que o benefíciolíquido para a economia local seja positivo, é alta a probabilidadede que esses investimentos estejam sendo alocados a um custo fiscalmáximo, sem que o dispêndio adicional corresponda a qualquerganho adicional para o país”.

As afirmações acima, entretanto, baseiam-se num contextode guerra fiscal, o que praticamente não se verifica em São Paulo.37

Ainda que, eventualmente, os municípios possam competir por in-vestimentos, não possuem os mesmos instrumentos de outros muni-cípios que fazem parte de um ambiente de guerra fiscal.

37 Uma abordagem detalhada da guerra fiscal, seus mecanismos e suas conseqüên-cias para o estado de São Paulo pode ser encontrada em Prado e Cavalcanti (2000).

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Contudo, há vários problemas derivados da adoção de in-centivos seletivos por parte dos municípios pesquisados. Em pri-meiro lugar, poderíamos apontar o baixo grau de transparênciaassumido pelas negociações. Nunca sabemos com certeza quaisforam os termos das discussões entre poder público e empresas.Assim, somos levados a concluir que a sociedade não discute aimplantação dessas empresas em seus municípios, já que as deci-sões em termos de políticas de atração de investimentos são toma-das de cima para baixo.

Em segundo lugar, além da pouca transparência assumidapelo processo, podemos mencionar o grau de incerteza que essesincentivos geram. Como vimos, medidas adotadas sem base legalfazem com que muitas das propostas do poder público sejamdescumpridas. Sobre uma das cidades pesquisadas, Prado e Caval-canti (2000: 39) observam que “têm ocorrido casos, como a expe-riência da Honda no interior de São Paulo (Sumaré), em que prefei-turas não honram compromissos anteriores de inversão eminfra-estrutura, levando a impasses no processo de inversão”.

Por fim, notamos que há, na região, problemas para desenca-dear um contexto de desenvolvimento. Uma perspectiva de compe-titividade sistêmica, se envolve a criação de um ambiente favorávelou, como dissemos acima, um contexto para o desenvolvimento,deve levar em conta a coordenação dos atores regionais em tornodesse objetivo. Contudo, os levantamentos realizados na região nosdirecionam para um tipo de política de desenvolvimento centradaem negociações ad hoc com as empresas, além de uma visão distor-cida acerca do desenvolvimento, como mostramos anteriormente.Além disso, as empresas por nós pesquisadas não demonstraraminteresse em construir uma base de conhecimento regional em par-ceria com outros atores. O interesse das empresas é extrair o que aregião pode oferecer em termos de condições de competitividadesem, no entanto, produzir externalidades que ativem um processomais amplo de desenvolvimento regional. Isso fica mais claro aotomarmos como referência as multinacionais japonesas que fazematividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e pro-cessos fora da região, contribuindo para que o conhecimento não

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seja um produto endógeno. Para agravar essa situação, os municí-pios da região não estão coordenados para construir um ambienteou um contexto de desenvolvimento para a região de Campinas,cujo potencial, como vimos neste trabalho, é imenso, já que a regiãoconta com uma gama de recursos que a torna uma das mais compe-titivas do país.

Da maneira como vêm sendo levadas a cabo, as políticas pú-blicas dos municípios da região de Campinas estariam estimulandoas indústrias da região a não produzirem as externalidades positivasque delas seriam esperadas, como transferência de tecnologia e pro-dução de conhecimento, de modo a configurar um sistema local deinovação.

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• Pudemos constatar que a região de Campinas possui uma sériede vantagens competitivas que, em larga medida, explica o fluxode investimentos industriais direcionado à região. Essas vanta-gens mitigam o peso dos incentivos fiscais na implantação denovas unidades industriais. Principalmente ao considerarmosprojetos de pequeno e médio portes.

• As estratégias de atração de investimentos dos municípios da re-gião são extremamente modestas em comparação com os bene-fícios oferecidos por estados e municípios fora de São Paulo.

• Os principais fatores de decisão locacional são: (i) a proximidadedo mercado interno; (ii) a presença de uma rede de fornecedoresna região; (iii) mão-de-obra qualificada e (iv) a boa infra-estrutu-ra de transporte da região. Destarte, ao contrário de outros esta-dos, o pacote de incentivos assume, na região de Campinas, umpapel secundário.

• O peso da região de Campinas na economia do estado de SãoPaulo revela seu enorme potencial na atração de novos investi-mentos industriais. Tal potencial é evidenciado pelo montante deinversões anunciado para a região, superado somente pelo volu-me de investimentos anunciado para a RMSP.

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• Os investimentos em novas plantas da indústria automobilísticano estado de São Paulo e na região de Campinas são bastantemodestos em comparação com as inversões realizadas ou anun-ciadas em outras unidades federativas. Não obstante as vanta-gens competitivas da região de Campinas, somente essas duasmontadoras japonesas, Honda e Toyota, realizaram inversõesnessa região, contrariando a tendência recente dos investimen-tos do setor no país.

• Como fator explicativo basilar para a instalação de novas plantasfora do estado de São Paulo, pólo automotivo já consolidado,podemos apontar a competição entre estados e municípios pelaabsorção do fluxo de novos investimentos direcionados pelasmontadoras ao Brasil. Esse processo, amplamente divulgadocomo guerra fiscal, busca reduzir os custos logísticos envolvidosna construção de plantas em outras regiões com uma série debenefícios fiscais e infra-estruturais, tais como renúncia fiscal, di-ferimento de impostos, linhas de crédito vultosas, construção devias de acesso, pistas de testes, ligações ferroviárias, terminaisportuários, doação de terrenos, entre outros.

• As cidades de Indaiatuba e Sumaré são diretamente beneficia-das pela privilegiada localização geográfica da região de Campi-nas. Assim, essas cidades constituem-se em áreas extremamenteprofícuas para a instalação de novas plantas industriais.

• Ainda que os incentivos oferecidos pelo estado de São Paulo epelos municípios de Indaiatuba e Sumaré sejam modestos, osacordos clarificam o despreparo do poder público ao lidar comas empresas. O descumprimento sistemático de cláusulas funda-mentais dos protocolos firmados entre o poder público e as empre-sas revela a incapacidade dos municípios estudados em promo-ver uma relação equilibrada entre as concessões às empresas eos benefícios para a sociedade gerados com o retorno do inves-timento público. Claramente, a balança que pesa os benefíciospende para o lado privado em detrimento do bem público.

• Os parcos investimentos das duas multinacionais japonesas sãosuperestimados por membros do poder público. Membros dosgovernos municipais referem-se aos projetos da Honda e da

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Toyota como capazes de alavancar a economia regional, atrain-do fornecedores relacionados diretamente a essas duas empre-sas e gerando um número expressivo de postos de trabalho nossetores industrial e de serviços. Contudo, a produção em escalareduzida e o baixo índice de nacionalização dos veículos produ-zidos pela Honda e pela Toyota lançam dúvidas sobre a criaçãode uma rede de fornecedores engendrada em função das duasmultinacionais japonesas. Além disso, não é certo que os planosde ampliação da produção da Honda e da Toyota sejam desen-volvidos em São Paulo. Numa fase mais agressiva da guerra fis-cal, é plausível supor que os investimentos das montadoras japo-nesas – se ocorrerem de fato, o que não é certo – direcionar-se-ãopara fora do estado de São Paulo.

• A escolha pela Honda e pela Toyota do interior de São Paulonão passa pela dinâmica da guerra fiscal. Em primeiro lugar,porque a competição por investimentos entre estados e municí-pios não havia atingido o ápice, com a elevação do padrão deofertas. Segundo, a negociações entre as multinacionais japone-sas com o estado de São Paulo e com os municípios de Indaiatu-ba e Sumaré se deram praticamente na mesma época em que aRenault negociava seu contrato com o estado do Paraná, o queinauguraria a fase mais perdulária e mais acirrada da guerra fis-cal. Terceiro, os modestos investimentos dos japoneses parecemnão ter motivado outras unidades da Federação a cobrirem oscustos logísticos envolvidos numa eventual opção dessas empre-sas por regiões fora do estado de São Paulo, sobretudo se conside-rarmos que as plantas da Honda e da Toyota, além de gerarempoucos empregos, não seriam capazes de motivar a implantaçãode uma rede de fornecedores no seu entorno, por razões que jáforam apontadas acima.

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VIVIAN ENGLAND SCHOEREDER 111

CAPÍTULO 3

Grande ABC: desindustrialização oucrise do emprego?

Vivian England Schoereder*

O ABC paulista, ou Grande ABC, é parte da Região Metro-politana de São Paulo, bastante próximo da capital, e é compostopor sete municípios, a saber: Santo André, São Bernardo do Cam-po, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grandeda Serra. Trata-se de uma região que se constituiu, ao longo dadécada de 1950, como o coração do “motor” do desenvolvimentonacional que caracterizou São Paulo desde então, tornando-se umlocal de grande concentração de indústrias, em especial automobi-lísticas. Entretanto, mudanças nos paradigmas de produção e dereestruturação tecnológica e as decisões do governo central para arecapacitação do parque produtivo nacional tiveram um impactomuito marcante sobre a região, em especial no que diz respeito àdesconcentração industrial e ao aumento nos índices de desempre-go, processo iniciado já na década de 1970 e que assumiu maioresproporções nas décadas de 1980 e 1990.

A idéia inicial era de que o ABC estava passando por umapenosa perda industrial (relacionada, além das causas acima cita-das, também aos incentivos fiscais concedidos por outros estados emunicípios para atração de empresas), e conseqüentemente por umadesaceleração econômica e um aumento nos índices de desempre-go. A pesquisa propôs-se assim a analisar o desempenho econômi-

* Aluna de Ciências Sociais da FFLCH, USP.

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GRANDE ABC: DESINDUSTRIALIZAÇÃO OU CRISE DO EMPREGO?112

co da região do Grande ABC paulista nos anos 90, de modo a pos-sibilitar a discussão sobre o impacto da desconcentração industrialem direção ao interior do estado de São Paulo no perfil e na identi-dade econômica da região. Nosso objetivo central constituiu-se naconstrução de um diagnóstico sócio-econômico para os sete muni-cípios que formam a região, tratando das mudanças na estruturaprodutiva e das novas potencialidades apresentadas.

Os resultados, que serão apresentados no decorrer do artigo,mostraram-se de certa forma inesperados, e suscitaram novas e im-portantes questões, referentes ao emprego, mercado de trabalho,iniciativas locais e regionais, dentre outras. Assim, esse artigo pre-tenderá mostrar a trajetória da pesquisa e trabalhar os diversos te-mas e questões introduzidos por ela.

1 A industrialização da região

Já na década de 1940, a região do ABC contava com umconsiderável número de indústrias moveleiras e de tecelagem,introduzidas durante sua colonização (em especial, por imigrantesitalianos). A primeira indústria do setor de móveis data do início doséculo XX, bem como a primeira tecelagem.

Nos anos 50, antes mesmo de ser escolhida pelo governofederal para sediar a indústria automobilística, já contava com umaglomerado de indústrias pioneiras na área de mecânica; além dis-so, contava com um contingente de mão-de-obra bastante especi-alizado para a época.

Nas décadas de 1950 e 1960, a indústria automobilística re-cebeu um decisivo impulso para sua formação e crescimento noBrasil, com a concessão de incentivos por parte do governo (finan-ciamentos a juros reais negativos, isenções de tributos, facilidadesde remessa de lucros a benevolentes taxas de câmbio e as garantiasde mercado contra a concorrência de importações de produtos si-milares) e sob influência de fatores externos (internacionalização deempresas americanas e européias, devido à concorrência em seusmercados domésticos). A escolha do ABC paulista como sede da

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VIVIAN ENGLAND SCHOEREDER 113

indústria automobilística, neste mesmo período, envolveu uma sériede fatores que, juntos, tornaram a região especialmente atrativa. Osprincipais eram:

– proximidade com o porto de Santos, facilitando as importaçõese, quando se quisesse, exportações;

– proximidade com o mercado paulista, que se expandia rapida-mente;

– existência, na época, de grande quantidade de terras planas;

– rápido acesso rodoviário aos grandes centros consumidores (avia Anchieta, inaugurada em 1947, tem aí papel fundamental; etambém as estradas de ferro Santos-Jundiaí e Sorocabana, que,instaladas já no final do século XIX, foram fundamentais para aformação de um núcleo urbano);

– existência de um complexo industrial, com presença de peque-nas e médias empresas, que poderiam atender rapidamente àsnecessidades das montadoras;

– disponibilidade e capacidade de atração de trabalhadores, partedos quais, semi-qualificados;

– grandes áreas a preços simbólicos;– presença de infra-estrutura básica, como vias de acesso, água,

esgoto, energia elétrica, meios de comunicação e transporte etc.O setor automobilístico foi a base do processo de industriali-

zação sofrido pelo Grande ABC, marcando presença em todas assuas sete cidades. São Bernardo recebeu o maior número de mon-tadoras. A alemã Volkswagen do Brasil Ltda. instalou sua primeirafábrica na cidade, em 1953, e iniciou sua produção de carros em1957. Chegaram também a alemã Mercedes-Benz do Brasil S.A.,que em 1956 iniciou sua fabricação de caminhões, a americanaWillys Overland (depois comprada pela Ford Brasil Ltda., que co-meçou a produzir caminhões em 1957), e a Simca do Brasil. SãoBernardo ainda recebeu a sueca Scania Vabis, de caminhões, em1962, a japonesa Toyota, que em 1958 iniciou a produção de utili-tários, e a Karmann-Ghia, de carros, em 1960. São Caetano, desde1925, fora instalada uma unidade de montagem de caminhões emsistema CKD (completely knock down) da americana General Motors

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do Brasil Ltda., que em 1959 passou a fabricá-los. Com o tempo, asdemais cidades desenvolveram uma vasta rede de autopeças e ou-tros fornecedores do setor, em especial Santo André, Diadema eMauá (Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra tiveram e ainda têm ainstalação de indústrias restrita por legislação ambiental, pois 100%de seus territórios pertencem a áreas de manancial).

O setor automobilístico apresentou praticamente duas déca-das de crescimento contínuo desde sua instalação, tanto na produ-ção quanto no nível de emprego. Mas, em meados dos anos 70, aparticipação do ABC na produção automotiva começou a declinar,tendência que persistiu e se acentuou nas décadas de 1980 e 1990.Na Tabela abaixo pode-se ver o declínio sofrido na década de 1990.

Tabela 1. Produção automotivaAno Brasil (total) S. B. Campo S. Caetano ABC Total %

(a) (b) (c) (d=b+c) (d/a)1975 930.235 692.530 - - -1980 1.165.174 651.914 - - -1984 864.653 431.980 - - -1985 966.708 468.726 - - -1986 1.056.332 516.658 - - -1987 920.071 369.254 - - -1988 1.068.756 400.254 - - -1989 1.013.252 408.077 - - -1990 914.466 336.665 - - -1991 960.044 359.332 76.961 436.293 45,51992 1.073.761 330.627 73.337 403.964 37,61993 1.390.871 379.750 106.861 486.611 34,91994 1.582.900 448.618 118.608 567.226 35,81995 1.629.008 432.797 161.409 594.206 36,51996 1.812.861 429.092 177.709 606.801 33,51997 2.069.703 516.545 125.311 641.856 31,0Fonte: Subseção Dieese.

Isso se deveu ao fato de que as antigas montadoras passarama descentralizar sua produção, instalando novas fábricas, menores,mais enxutas e modernas, fora do ABC, e de que, quando novasmontadoras começaram a chegar ao Brasil, deram preferência aoutras regiões de São Paulo ou a outros estados da Federação. Já

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em meados dos anos 70, a Fiat instalou fábrica em Betim (MG). Nosanos 90, a desconcentração intensificou-se, e muitas outras cidadese estados receberam novas unidades das montadoras. Exemplos sãoa General Motors, em Gravataí (RS), a Mercedes-Benz, em Juiz deFora (MG), a Honda, em Sumaré (SP), a Toyota, em Indaiatuba(SP), a Renault, em São José dos Pinhais (PR), ou a nova unidadeda Ford, na Bahia.

As unidades do ABC encontraram-se de repente numa situa-ção de dinossauros, gastando desnecessariamente, com plantasmonstruosas e padrões de produção ultrapassados, correndo o riscode serem extintas. Mesmo assim, sua participação na produção au-tomotiva nacional continua bastante significativa, e as antigas fábri-cas permanecem ativas, tentando correr atrás das novas tecnologias,ajustando-se pouco a pouco aos novos padrões de produção (a ten-tativa de demissão – barrada pela atuação da Comissão de Fábricae do Sindicato – de grande parte dos funcionários da Ford do Taboão,no final de 1998, é um exemplo disso).

Paralelamente ao primeiro processo de industrialização, hou-ve a chegada de inúmeros outros tipos de indústria, vinculados ounão ao setor automobilístico. O principal deles, e segundo em im-portância na região, é certamente o setor químico.

O advento da indústria petroquímica no Brasil se deu a partirde iniciativas da Petrobras, e com a instalação de algumas empresasinternacionais, como a Rhodia, a Union Carbide e a Basf. Na pri-meira fase de seu desenvolvimento, a partir dos anos 70, ocorreu ainstalação do Pólo Petroquímico de São Paulo (1972), em Capuava,região situada entre os municípios de Mauá e Santo André. Poste-riormente, criaram-se dois outros pólos petroquímicos, em Camaçari(BA) e em Triunfo (RS), que superaram o pólo de Capuava na pro-dução de eteno. Sua produção atual é de 21% do eteno do país(dados do BNDES, in Sebrae, 1998), mas mesmo tendo perdidoimportância relativa, o pólo ainda possui algumas das principaisempresas brasileiras do setor, e é de grande importância para a eco-nomia do ABC paulista.

O setor de máquinas e equipamentos e o setor de borracha eplástico também têm destaque no ABC paulista. Mas a indústria da

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região não se resume a isso, apresentando complexa cadeia de di-versos outros tipos de indústrias, desde moveleira até alimentícia.

A industrialização intensa trouxe grande crescimentopopulacional ao ABC, acompanhado de um crescimento tanto doPIB quanto da renda per capita. Hoje, apesar de vir apresentandodecréscimo já há alguns anos, seu PIB per capita é ainda bem supe-rior à média do Brasil.

Tabela 2. Produto Interno Bruto total e per capita – 1995PIB total Participação no PIB PIB Per capita(mi R$) brasileiro (R$)

BRASIL 658.000,0 100% 4.318,3Estado de SP 243.575,0 37% 7.223,5RMSP 119.440,2 18,1% 6.919,0Santo André 4.498,8 0,68% 7.199,6São Bernardo 11.733,2 1,78% 17.804,8São Caetano 3.469,9 0,52% 24.783,5Diadema 3.255,1 0,49% 10.394,0Mauá 3.673,5 0,55% 10.713,4Ribeirão Pires 675,3 0,10% 6.774,4R. Gde. da Serra 94,2 0,01% 6.774,4Grande ABC 27.399,9 4,16% 12.373,6Fonte: adaptado pela autora com base nos dados de Dieese – Seade – FGV.

A partir da década de 1980 e na década de 1990, a regiãopassou a sofrer uma nova mudança em seu perfil. Com o fechamen-to de inúmeras empresas e a evasão de tantas outras, começou-se afalar em crise da indústria do ABC.

Além de uma tendência mundial ao espraiamento da man-cha industrial, atribui-se o fato do Grande ABC ter se tornado umrepelente de indústrias ao que parte do empresariado convencionouchamar de “custo ABC”.

Ainda que este rótulo geral, similar ao “custo Brasil”, venhase prestando a utilizações amplas e superficiais, há uma realidadeque diferencia o ABC das demais regiões. Neste sentido, o custoABC pode ser definido, de maneira simples, como o gasto extra quetem o empresário ao produzir na região, em comparação com aprodução em outras regiões do país. Esse gasto envolve uma série

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de fatores comumente citados, que poderiam ser resumidos nos se-guintes:– alto custo da mão-de-obra;– altas taxas e impostos;– terrenos e aluguéis mais caros;– alto custo da infra-estrutura, o que envolve o custo da água in-

dustrial, da energia elétrica, dos transportes etc.;– alto custo de vida;– esgotamento de vias de acesso, em especial a Via Anchieta, e de

vias urbanas;– a franca decadência do Porto de Santos;– o problema das enchentes.

Nem todos concordam quanto aos fatores de maior peso nocusto ABC, ou quanto à sua importância no processo de evasãoindustrial, mas concordam que ele existe e que tem sim influênciasobre a indústria.

Ao mesmo tempo em que a indústria deixava de preferir oABC, um novo setor ganhava força: o do comércio e serviços. Gran-des cadeias nacionais e multinacionais do ramo instalaram-se naregião, atraídas pelo potencial de consumo, proporcionado pelosaltos salários da indústria (a região se apresentava em 97 como aterceira maior região consumidora do país, segundo dados doDieese).

Com a reestruturação dos padrões de produção, as indústriasterceirizaram serviços outrora internos à fábrica. Assim, o setor deserviços teve rápida ascensão, seguindo uma tendência mundial.

Serviços e comércio passaram a ocupar primeiro lugar noemprego de mão-de-obra (lembrando que muitos cargos que anteseram considerados industriais passaram, com a terceirização, ao se-tor de serviços). A indústria emprega cada vez menos, conforme osnovos paradigmas mundiais de produção. Parte dos desocupadospela indústria são recolocados no mercado de trabalho pelos setoresde serviços e comércio. Todavia, estes setores não têm sido capazesde absorver toda a mão-de-obra descartada pela indústria, o queocasionou, em toda a região metropolitana de São Paulo, e no Gran-

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de ABC em especial, um aumento muito significativo dos índices dedesemprego. A taxa de desemprego total na região do ABC, no anode 1999, atingiu 21,4% da População Economicamente Ativa (PEA),índice que, em 1998, foi de 20%. Para efeito de comparação, aregião metropolitana de São Paulo teve, em 99, taxa de desempre-go de 19,3%, e a cidade de São Paulo, 17,8% (dados da PED-ABC).

Desde o começo da década de 1990, prefeitos do ABC pau-lista, preocupados com os rumos da região, vêm tomando atitudespara dinamizar sua economia e retomar seu crescimento econômi-co. Tais iniciativas culminaram na criação de uma série de órgãosenvolvendo prefeituras, empresas, sociedade civil e trabalhadores,para discussão da situação regional. O Consórcio Intermunicipal dasBacias do Alto Tamanduatehy e Billings foi o primeiro deles, funda-do em 1990. Em seguida vieram o Fórum da Cidadania do GrandeABC (1995), a Câmara Regional do ABC (1997) e a Agência deDesenvolvimento Econômico do ABC (1998).

2 Diagnósticos regionais

Após o breve panorama histórico da região, passemos agoraà análise de sua situação atual (ou melhor, aquela encontrada du-rante a pesquisa). Para a construção de um diagnóstico mais amploe atado à realidade, acreditamos ser de grande importância nãosomente o tratamento de dados estatísticos, mas o contato com osagentes locais, que vivem cotidianamente as transformações sofri-das pelo ABC. O que se pretendeu foi recolher (por meio de entre-vistas e publicações oficiais) e analisar diferentes diagnósticos, con-trapondo-os ou aproximando-os, conforme o caso.

A Fundação Seade realizou recentemente pesquisa sobre aatividade econômica paulista (Paep). A região do ABC recebeu es-pecial atenção, devido à parceria com as prefeituras locais, e podeser observada separadamente. A análise dos dados (referentes ape-nas ao ano de 1996) nos mostra um ABC que apresenta vitalidadee centralidade na indústria do estado de São Paulo. A Paep nosaponta, por exemplo, os seguintes dados: o Grande ABC concentra-

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va (em 96) 6,62% dos estabelecimentos industriais do estado deSão Paulo; 11,31% do pessoal ocupado na indústria, e participavacom 13,79% do valor adicionado pela indústria de transformaçãodo estado, quantia realmente considerável em se tratando do estadoresponsável pelo maior valor adicionado da indústria no país.

A partir dessas informações, vemos que o ABC continua ten-do na indústria seu principal motor econômico. Os dados da Paepanalisados pela Agência de Desenvolvimento Econômico do ABCnos mostram que a região tem super-representação nas atividadesindustriais e sub-representação nas atividades comerciais, dentro daRegião Metropolitana de São Paulo. Enquanto suas indústrias con-tribuíram com praticamente 25% do valor adicionado e 20% dosocupados na indústria da RMSP, seus estabelecimentos comerciaiscontribuíram com menos de 10% do valor adicionado e 11% dosocupados no comércio na RMSP.

Dentro deste grande complexo industrial, o setor automobi-lístico merece especial destaque. Para se ter idéia, segundo a Paep,somente a fabricação e montagem de veículos automotores, rebo-ques e carrocerias, sem contar outros setores que vivem em funçãodo setor automotivo, participava em 96 com quase 40% do valoradicionado da indústria de transformação do Grande ABC, o quedenota uma grande concentração industrial. Se somarmos o setor“produtos químicos” (15,75%), “máquinas e equipamentos” (8,4%)e “artigos de borracha e plástico” (7,6%), teremos cerca de 70% dovalor adicionado industrial do ABC.

Pela leitura do diagnóstico emitido pelo Seade (que se baseiana análise estatística da Paep) a impressão que se tem é a de que oABC mantém seu enorme peso industrial intacto, e que os problemasfreqüentemente citados seriam de certa forma exagerados. Em entre-vista com o analista sênior do Seade,1 este defendeu a opinião deque o ABC não apresenta fuga de indústrias em nível alarmante, comose tem propagado, e mantém sua produção industrial constante.

A região do ABC, segundo os dados do Seade, tem impor-tância central na indústria nacional, e, quando suas perdas são

1 Entrevista realizada com Miguel Matteo.

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comparadas às da capital de São Paulo, parecem mesmo um tantoinsignificantes. Conforme Paulino (1998), enquanto a capital per-deu, entre 1980 e 1995, 9% de participação no PIB industrial brasi-leiro (de 20% para cerca de 11%), a região do ABC, no mesmoperíodo, perdeu apenas 1% de sua participação, indo de 9% a 8%.Tal participação é considerada relativamente estável. Entretanto, éfundamental lembrar que este 1% perdido, como ressalta o autor,corresponde a cerca de US$ 3 bilhões. Numa região dependente daindústria como o ABC, esse valor assume proporções enormes. Nãose pode deixar de levar em consideração o efeito real que a perdadesta quantia significou para o ABC.

Assim, assume igual importância o contato com agentes e par-ticipantes do processo de transformação por que o ABC vinha (evem) passando.

Dados publicados pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABCmostram uma queda significativa do número de estabelecimentosindustriais da região, desde 1990 até 1994:

Gráfico 1. Indústrias no ABC – 1978 a 1994

Elaboração: Subseção do Dieese com base nas informações da Eletropaulo.

Em entrevista com o economista do Dieese e responsável téc-nico pelo Sindicato na Câmara Regional do Grande ABC,2 obtive-

01.0002.0003.0004.0005.0006.0007.000

78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94

2 Entrevista realizada com Jefferson José da Conceição.

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mos informações bastante significativas. Quando perguntado sobrea fuga de indústria, respondeu da seguinte maneira:

A pesquisa do Seade, por exemplo, indica que não houve evasão. Eugostaria de ser otimista como o estudo do Seade, mas como eu vivoconcretamente os problemas da região, não consigo ter essa visão. Sin-to que realmente houve um processo de evasão, vejo muitos galpõesfechados [...] Mas evasão é sinônimo de deslocamento. Vê-se que, emmuitos casos, não houve só evasão, mas inúmeros fechamentos; vê-seque o parque de máquinas foi desmontado, e não deslocado. No iníciodos anos 90, optou-se pela importação de equipamentos, para a mo-dernização, e ficaram apenas aquelas empresas competitivas, que pu-deram resistir. Já no caso de eletro-eletrônicos e autopeças, houve simevasão.

Esta fala chama a atenção para dois detalhes importantes: deque a crise do início dos anos 90 atingiu não só o ABC, mas o paíscomo um todo, e de que essa crise representou não apenas o deslo-camento, mas a quebra de grande número de indústrias. Claro estáque o ABC foi mais fortemente atingido, devido à enorme centrali-dade que a indústria aí assume, desde a década de 1950.

Outra entrevista, concedida pelo vice-presidente da Fiesp ediretor-presidente da indústria de autopeças Produflex, de Diadema,3

reflete a opinião de parte do empresariado:

Em seis anos, 26% das indústrias deixaram o ABC. É uma perda muitogrande para o período. A região está ficando abandonada; basta olharem volta para ver galpões e antigas indústrias com placa de ‘Aluga-se’.O índice de criminalidade aumentou. Muitas empresas vão embora parareduzir custos. Mas há também as que quebraram, pois a produção deveículos de 99 caiu 55% em relação a 1997.

Neste ponto específico, empresário e economista do Dieeseparecem concordar. Porém, quando perguntados sobre as causasde tal fuga de indústrias, suas respostas são divergentes.

Para o economista,

o custo ABC existe, mas talvez o item salário nem seja o mais importan-te, e sim uma somatória de diversos fatores, que envolvem um alto

3 Entrevista realizada com Edgar S. Marreiros.

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custo de vida, serviços de infra-estrutura e terrenos mais caros, esgota-mento de vias de acesso e escoamento, taxas mais elevadas, além deum novo ambiente de competição (pode-se, por exemplo, apenas mon-tar um veículo no país, sem precisar produzi-lo).

Os salários, segundo ele, representam apenas 6% do fatura-mento de uma montadora, e cerca de 30% numa autopeça. “Háainda uma enorme porcentagem preenchida pelos itens restantes”.

O vice-presidente da Fiesp, que está instalando parte de suaempresa em Minas Gerais, na cidade de Mateus Leme, aponta comoprincipais problemas da região do ABC o alto custo da mão-de-obra, que além de cara é “muito exigente” e “menos apta a apren-der novas tecnologias”, a falta de segurança, tanto para o empresá-rio como para a população, e a baixa qualidade de vida. Ressaltaainda a importância dos incentivos fiscais na sua decisão de levarparte da empresa para Minas Gerais. Outras pesquisas realizadascom empresários mostram que o custo da mão-de-obra é fator fre-qüentemente citado como motivo da migração.4

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, LuizMarinho, em recente matéria para o Diário do Grande ABC(21.1.2000), diz que por muito tempo o movimento sindical foi acu-sado de ser o responsável pela fuga de empresas da região. Isso semostrou um erro, pois “as razões eram bem outras”, como ficoudemonstrado com a ida da nova fábrica da Ford para a Bahia. Osincentivos concedidos foram decisivos na migração de inúmeras in-dústrias, e estão ameaçando levar a fábrica de elevadores Otis deSão Bernardo do Campo, segundo Marinho.

Ora, sabemos que a região do ABC é a mais sindicalizada dopaís, e que o custo nominal dos salários é realmente mais alto aquido que em outras regiões. Mas se a mão-de-obra representapercentual tão pequeno do faturamento das montadoras (6%, se-gundo o Dieese), achamos difícil que seja este o fator determinantepara a migração e instalação desse tipo de indústria em outras re-giões. Há ainda a questão da qualificação e especialização da mão-de-obra. Quanto a isso, dificilmente se poderia alegar que há maior

4 Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, 1999.

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qualificação fora do ABC, devido à longa tradição industrial, emespecial na área metal-mecânica, da região.

Exatamente por isso, devemos procurar outros fatores queinfluenciam na decisão de localização das indústrias. Acreditamosser um importante e decisivo fator a enorme quantidade de incenti-vos que inúmeros estados e municípios estão concedendo às em-presas para atraí-las, o que vem ocasionando tantos episódios co-nhecidos de guerra fiscal no país, e que tem sido capaz de, em muitoscasos, vencer o principal atrativo de indústrias no ABC: a proximi-dade com o maior centro produtor e consumidor do país, a RegiãoMetropolitana de São Paulo.

As prefeituras do Grande ABC, recusando-se a participar detal guerra, vêm buscando soluções conjuntas para o que percebemcomo problema de grande importância.5

Como ilustração, pode-se citar a Lei de Incentivos Seletivos,instaurada em 1997, para manter e atrair novas indústrias e ativida-des ligadas ao turismo e entretenimento – lei aprovada nas sete Câ-maras Municipais e que, antes de tudo, tinha a preocupação de evi-tar a guerra fiscal; houve ainda, também com o mesmo objetivo, oacordo que tratava da unificação de parte das alíquotas de ISS 6

(daquelas que poderiam ser decisórias na escolha de localização dasempresas), e que foi aprovado por todos municípios, com exceçãode São Caetano do Sul.

Não só trabalhadores e indústrias pareciam crer no que vinhasendo chamado de “desconcentração industrial”, como também asprefeituras. Em entrevista com o prefeito da cidade de Mauá,7 estedisse que a região toda tem sido afetada pela “debandada de in-dústrias do setor automobilístico”, e que as prefeituras apresentaramqueda na arrecadação por quatro ou cinco anos seguidos (desde93/94), alcançando a estabilidade apenas em 99.

Havia a percepção, à época das primeiras entrevistas, por partedos envolvidos na economia do ABC, de uma situação de crise cau-

5 Sobre este ponto, ver artigo de Idenilza Moreira Miranda, neste livro.6 Ver AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO ABC; CÂMARA DO GRANDE ABC. Re-

vista Câmara do Grande ABC, n. 1. Santo André: Agência de DesenvolvimentoEconômico do ABC e Câmara do Grande ABC, 2000.

7 Entrevista realizada com Oswaldo Dias.

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sada pela desconcentração industrial, como demonstram as falasdos atores e as iniciativas que vinham sendo tomadas para a recu-peração da região. Nas palavras da coordenadora da Câmara Re-gional do Grande ABC e prefeita da cidade de Ribeirão Pires, “aregião vem passando por um processo muito penoso de desconcen-tração industrial e de mudança no panorama econômico”.8 Maisadiante, veremos de que maneira tais discursos e concepções setransformaram.

A questão que neste momento se coloca é: será que o ABCdeixou de receber investimentos? A Tabela a seguir apresenta asintenções de investimento na região, obtidas durante o ano de 1999.

Tabela 3. Investimentos na região do ABCMunicípio Valor % dos investim.

(em US$ milhões) de SPDiadema 23,52 0,13%Mauá 478,75 2,65%São Bernardo do Campo 18,89 0,10%São Caetano do Sul 15,32 0,08%Santo André 605,45 3,35%Total (cinco municípios) 1.141,93 6,31%

Fonte: Adaptado pela autora com base nos dados da Secretaria de Ciência,Tecnologia e Desenvolvimento de São Paulo.

Como se vê, não se pode dizer que as empresas deixaram deinvestir no ABC. A região recebe investimentos maciços no comér-cio e nos serviços, e começa-se a dizer que o terceiro setor é o futurodo ABC. O que preocupava, então, trabalhadores, empresários, pre-feitos e sociedade? Não parecia ser a falta de investimentos, massim a possibilidade de evasão de indústrias fundamentais. E isso era(e é) preocupante na medida em que comércio e serviços cresce-ram, e crescem, no ABC, à custa das indústrias. O alto potencial deconsumo, atrativo maior para as redes de comércio, foi e é propor-cionado pelos altos salários da indústria. As redes de serviço aten-dem, em grande parte, a necessidades das indústrias, cada vez maisterceirizadas. Além disso, o terceiro setor não é capaz, como ficou

8 Em entrevista realizada com Maria Inês Soares Freire.

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demonstrado em diversas regiões que passaram por situação seme-lhante, de absorver a mão-de-obra descartada pela indústria (muitomenos mantendo o padrão salarial), dando origem a uma grandemassa de desempregados.

Segundo o economista do Dieese, “numa região industriali-zada como o ABC, essa rede de serviços se constitui, via de regra,em torno das atividades industriais”. A solução para a região nãopode ser o estímulo exclusivo deste setor:

A solução não é a construção de um novo shopping, pois estes sãocomo chuva de verão, vêm e vão facilmente, não são como a indústria,que necessita de um investimento mais rígido, menos fluido. Agora, deve-se apostar decisivamente naqueles serviços vinculados à indústria. Aindústria, em especial a automobilística, continua a ser o núcleo dinâ-mico da região. É o trabalhador da indústria que sustenta as vendas dosshoppings. Se uma montadora desiste do ABC, por conseqüênciashoppings vão cair, e toda uma rede de serviços vinculados ao setorautomotivo.

Para o prefeito de Mauá, comércio e serviços vêm ganhandodinamismo, mas “a queda da produção industrial preocupa muito,pois tais serviços devem vir no lastro da produção industrial”.

É possível entender a preocupação que vinha se difundindo,já desde o final da década de 1980, nas administrações, nos sindica-tos e na sociedade em geral do ABC paulista, com o crescimentodas atividades industriais, numa época em que a tendência é deespraiamento da mancha industrial, e em que o governo federaltem sido conivente com as políticas predatórias de atração de em-presas, como a guerra fiscal, praticadas por outros estados e municí-pios da Federação. É ainda da indústria que o ABC tira, em grandeparte, seu sustento.

Entretanto, com a produção e publicação de um grande nú-mero de dados estatísticos sobre a região, resultado das iniciativaslocais, e com constantes debates públicos acerca das transforma-ções sofridas pelo ABC, algo começa a mudar nos diagnósticos quevinham sendo emitidos. Procuraremos, nas partes que se seguem,atualizar nosso diagnóstico regional, demonstrando as mudançasde perspectiva e os novos problemas colocados à pesquisa.

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3 A mensuração do problema

Em vista da criação de novos pólos industriais, começou asurgir uma certa tensão na região do ABC, e a se divulgar ampla-mente que a região passava por um drástico processo de perda deindústrias e de capacidade produtiva. A expressão “desconcentra-ção industrial” passou a ser freqüentemente usada para definir asituação do Grande ABC. Alguns atores locais (de maior ou menorpeso) propagavam que havia uma “mudança no perfil econômico”da região, ou que esta estava perdendo suas características indus-triais para se tornar uma região predominantemente de serviços ecomércio. Iniciativas o comprovam, como, por exemplo, o projetoEixo Tamanduatehy,9 que aposta na transformação da área da Av.dos Estados em um grande centro urbanístico, comercial e de servi-ços como alternativa para revitalização da região do ABC.10

Entretanto, como já dissemos, algo começou a mudar no quediz respeito aos diagnósticos regionais, seja devido à publicação eampla divulgação dos resultados da Paep, seja devido às discussõespúblicas promovidas na região, seja devido a uma nova percepçãopor parte dos atores. Assim, com base nos dados encontrados, nasentrevistas realizadas e na reflexão sobre a literatura referente aotema, procuramos caracterizar as mudanças ocorridas na estruturaprodutiva da região e no modo como estas têm sido pensadas pelosagentes locais, para descobrir a dimensão real do problema enfren-tado pelos municípios do ABC. Nesta parte esperamos esboçar umdiagnóstico próprio a partir dos inúmeros diagnósticos encontrados.

Quando, no início da década de 1990, começou-se a criartoda a celeuma em torno da fuga de indústrias do ABC, havia umaquantidade muito pequena de dados a respeito da região, o quedificultou uma abordagem mais objetiva do problema. É claro que acrise se fazia sentir pelo grande aumento do desemprego, mas apercepção permanecia num nível um tanto sensitivo. Diversos orga-

9 Projeto coordenado por Maurício Faria e Horácio Galvanese, da Prefeitura de San-to André.

10 Ver revista especial lançada sobre o Eixo Tamanduatehy pela Prefeitura de SantoAndré. Fala-se aí explicitamente sobre desindustrialização do ABC.

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nismos públicos foram criados na tentativa de estabelecer discus-sões regionais e de busca conjunta de solução para os problemas.

Com a divulgação dos resultados da Pesquisa da atividadeeconômica paulista (Paep), realizada pela Fundação Seade, e dedados coletados pelos sindicatos e pelas prefeituras, além dos dadosdo IBGE, todos publicados em 1999, pôde-se ter uma idéia muitomais clara da situação do Grande ABC. Os resultados da Paep fo-ram surpreendentes: segundo a pesquisa, a região continuava con-centrando boa parte da indústria do estado, não vinha apresentan-do perda industrial em níveis alarmantes, e continuava recebendoinvestimentos, o que gerou uma série de discussões a respeito daexistência ou não de crise da indústria no ABC, entre autoridadespúblicas e imprensa, analistas e sindicatos.

Lembremos que, segundo análise dos dados da Paep, a re-gião estava, em 1996 (ano em que foi feita a pesquisa), super-repre-sentada nas atividades industriais na Região Metropolitana de SãoPaulo, e sub-representada nas atividades comerciais (conforme osdados acima apresentados).

Tais dados podem vir refutar a hipótese de que comércio eserviços estariam passando a predominar na região. Porém esta éuma discussão que ainda não chegou a resultados conclusivos, e ajá citada iniciativa do Eixo Tamanduatehy mostra que muitos crêemque a aposta do ABC para o crescimento econômico deverá sernestes setores.

Em relação a alguns setores da indústria de transformação,em especial aqueles que estão na base da industrialização do ABC(montagem de veículos, autopeças e indústria química), a importân-cia da região se mostra de forma ainda mais clara. O ABC concentramais de 31% do VA estadual da indústria de tintas, vernizes, esmal-tes, lacas e afins (Classificação Nacional da Atividade Econômica –CNAE), 27% da indústria de borrachas, quase 62% da fabricaçãode automóveis, caminhonetes e utilitários, 71% da fabricação decaminhões, ônibus, cabines, carrocerias e reboques, e quase 23%da fabricação de peças e acessórios para veículos automotores (da-dos do Seade, in Agência de Desenvolvimento do ABC, 1999). Taisnúmeros demonstram que o ABC concentra ainda parte muito grande

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da produção industrial do estado (sua participação no VA industrialdo estado era, em 1996, de quase 14%), especialmente no setorautomotivo e químico.

E essas são porcentagens referentes ao estado que mais agre-ga valor na indústria de transformação do país. É claro que o estadocomo um todo vem sofrendo perdas na participação de sua indús-tria, mas tais perdas, conforme nos mostram os dados do IBGE, nãosão do tamanho das propagadas. Em 1985, o estado participavacom 48% do Valor da Transformação Industrial do país. Em 1996,sua participação era de mais de 49% (IBGE, 1999b), o que indicauma surpreendente estabilidade. Dados sobre o VA da indústria detransformação indicam queda de 9% (de 53% a 44%) na participa-ção do estado entre 1987 e 1997 (IBGE, 1999a). De qualquer modo,São Paulo ainda concentra sozinho quase metade do valor produzi-do pela indústria do país, o que reforça a grande importância daindústria do ABC.

Analistas do Seade afirmam11 que é certo que o ABC perdeualgumas de suas grandes indústrias, mas os dados não revelam asnovas indústrias que se instalaram na região. Pela análise do Seade,boa parte das empresas de Diadema que responderam à pesquisaera nova, estava instalada a menos de cinco anos na região.12 JáSanto André tem realmente sofrido com a perda de quantidade con-siderável de indústrias. Como Santo André sempre foi uma cidade-chave na região, representativa mesmo de sua imagem, a perda in-tensa sofrida por ela deve ter repercutido em toda a região, sem quea mesma situação fosse verdadeira nos demais municípios, excetotalvez por Mauá.

Seria preciso observar cada município isoladamente para ter-mos uma idéia mais precisa acerca dos problemas da região. Infeliz-mente, há poucos dados desagregados disponíveis, o que acabanos obrigando a generalizar certas informações. Vejamos algumascaracterísticas individuais municipais rapidamente.

11 Em entrevista realizada com Miguel Matteo, analista sênior do Seade.12 “Diadema e São Bernardo estão crescendo muito em atividade industrial. Santo

André, sim, é que perdeu muitas empresas”, entrevista acima citada.

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Tabela 4. Distribuição do Valor Adicionado por setores naregião do Grande ABC

Município Indústria de Comércio Construção Serviços deTransform. Civil Informática

São Bernardo 49,3% 31,9% 29,7% 62,1%Diadema 18,0% 15,2% 15,8% 1,3%Santo André 13,4% 31,7% 36,4% 6,6%São Caetano 9,8% 11,3% 8,0% 29,9%Mauá 6,3% 7,7% 5,9% 0%Ribeirão Pires 2,9% 2,1% 4,2% 0%R. Gde. Serra 0,2% 0,1% 4,2% 0%Total ABC 100% 100% 100% 100%Fonte: Seade/ Paep 1996.

Por esta tabela é possível ter uma noção do perfil de cadamunicípio em particular. O que podemos afirmar é que realmenteSão Bernardo e Diadema despontam como os grandes produtoresindustriais da região. Os dois municípios, somados, concentravamem 1996 2/3 do VA e do pessoal ocupado na indústria do ABC. SãoBernardo sozinho detinha aproximadamente 50% do VA e 40% dosocupados pelo setor. Santo André e São Bernardo, juntos, concen-tram 2/3 do VA e do pessoal ocupado nos estabelecimentos comer-ciais do ABC (Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC,1999). Vemos que Santo André hoje realmente se destaca por seussetores de comércio e de construção civil (dados sobre o setor deserviços como um todo não estão disponíveis na Paep), mais signi-ficativos que a indústria no município. O quarto lugar de São Caeta-no no VA industrial é alavancado pela presença da General Motorsdo Brasil no município. São Caetano concentra também, junto comSão Bernardo, os serviços de informática, o que significa que ambossão os responsáveis pela produção da tecnologia de ponta na re-gião. Inclusive, no que diz respeito às políticas de governo, São Cae-tano declaradamente aposta hoje, conforme nos disse em entrevistaseu prefeito,13 nos serviços, já que o município não apresenta áreadisponível para a instalação de indústrias.

Mauá apresenta características fortemente industriais em seuespaço físico, mas vemos que o comércio também tem certo desta-

13 Entrevista realizada com Luis Olinto Tortorello.

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que no município. Os municípios de Ribeirão Pires e Rio Grande daSerra têm seus territórios integralmente situados em área protegidapor legislação ambiental, o que impede a instalação de indústrias. Aopção para esses tem sido buscar desenvolver atividades turísticas,que ainda estão em estágio inicial. A prefeita de Ribeirão Pires e seuassessor nos apresentaram essa questão em entrevista.14

Vemos que os sete municípios têm características bastante di-ferenciadas, e não constituem uma região homogênea, apesar deenfrentarem uma série de problemas comuns, dentre os quais estãoaqueles de que vimos tratando. Contudo, a região está sendo toma-da como unidade, já feita a ressalva de que cada um de seus muni-cípios têm suas particularidades e características próprias.

Ressaltemos novamente que não se pode afirmar que o Gran-de ABC deixou de depender da indústria ou mesmo que deixou deser uma região predominantemente industrial. Tanto os prefeitos en-trevistados de Ribeirão Pires e Mauá, quanto técnicos do Dieese-ABC15 e analistas da Paep16 se manifestaram contra esta idéia (deum ABC não predominantemente industrial), e os dados disponí-veis mostram que a indústria ainda é a grande geradora de valor doABC.

Há uma discussão corrente sobre este assunto, que não estáde maneira alguma encerrado, e não nos permite sermos categóri-cos, mas acreditamos que é no lastro da indústria que se desenvol-vem os novos serviços no ABC, tanto aqueles direcionados à pró-pria indústria (terceirizados, marketing, informática etc.), quanto osserviços à comunidade (lazer etc.), que crescem à custa do alto po-tencial de consumo gerado pela indústria. Os dados do Dieese infor-mam que o ABC desponta como a terceira maior região consumi-dora do país, o que seria um enorme atrativo para comércio eserviços. As entrevistas realizadas com prefeitos e membro do sindi-cato também apoiam nossa afirmação.

14 Entrevista realizada com Maria Inês S. Freire e Jorge Fontes Hereda.15 Jefferson José da Conceição, economista do Dieese (subseção do Sindicato dos

Metalúrgicos do ABC) e responsável técnico pelo Sindicato na Câmara Regional doGrande ABC.

16 Miguel Matteo, analista sênior do Seade, e João Batista Pamplona, coordenadortécnico da Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC.

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Quanto à atração de novos investimentos, não se pode dizerque a região está desfavorecida. É certo que a nova onda de inves-timentos externos no setor automotivo vem desaguando em novospólos, como no Paraná, Rio Grande do Sul, Bahia e Minas Gerais.Mas também é certo que as montadoras voltaram a investir quantiassignificativas para modernizar suas velhas plantas no ABC. Dadosmostram que as montadoras, das quais muito se disse que estavamdeixando o ABC,17 estão investindo enormes quantias na região.Novos modelos de automóveis serão produzidos nas montadorasdo ABC (o que implica na introdução de novas tecnologias e pro-cessos). Trata-se de uma inflexão das montadoras que, nos anos 90,investiram pouco na região e puseram os novos investimentos emoutras plantas e estados. A Gazeta Mercantil (Panorama Setorial,1999) somou 4,2 bilhões de dólares investidos na região em trêsanos, até 2001: 1 bilhão na Volkswagen, 1 bilhão na Ford, 1,3 bi-lhões na General Motors, 700 milhões na Scania, Mercedes-Benz eoutras.

Juntos, os sete municípios receberam em 1999 13,38% dosinvestimentos no estado de São Paulo, conforme divulgado pelaSecretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento de São Paulo.A grande maioria foi para São Bernardo (7,38% do estado), masSanto André (2,96%) e Mauá (2,86%) também tiveram boa partici-pação. Parte dos investimentos destina-se ao setor de serviços, masa maior parte do bolo investido destina-se à indústria de transfor-mação.

Se, conforme demonstram os resultados da Paep e da Secre-taria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento de São Paulo, aindústria do ABC não vem perdendo participação, e continua rece-bendo investimentos, por que tipo de crise estaria passando a re-gião, e repetindo a pergunta já feita acima, o que tanto preocupa acomunidade local?

O que queremos sugerir aqui é que há sem dúvida uma criseno ABC, crise que é também da produção industrial, mas que éespecialmente uma crise no emprego. E a crise no emprego não é

17 Ver sobre isso Olmos, 1995.

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exclusiva da região do ABC, embora assuma aí proporções maisassustadoras, devido à sua dependência histórica da indústria.

Esclareçamos o seguinte: não dizemos aqui que não houveou que não esteja realmente havendo uma perda industrial no ABC.Seria absurdo negar que grandes indústrias deixaram o ABC (al-guns casos são amplamente conhecidos), mesmo que dados exatossobre a saída de indústrias não possam ser encontrados. Há ainda operigo iminente de perda de outras indústrias, que freqüentementepreocupa a região. Apesar das vantagens comparativas que o ABCainda apresenta (falaremos delas adiante), tornou-se claro, por al-guns casos conhecidos (dos quais a Ford da Bahia seja talvez o me-lhor exemplo), que incentivos fiscais podem falar mais alto às em-presas.

A maior parte das empresas que estão instaladas no ABC hojeé do tipo que passa constantemente por inovações tecnológicas ouorganizacionais poupadoras de mão-de-obra, como condição bási-ca para permanecer no mercado. São empresas que necessitam es-tar próximas dos centros produtores de tais tecnologias, e a RegiãoMetropolitana de São Paulo ainda é, sem a menor dúvida, o grandecentro de concentração das áreas de pesquisa e desenvolvimentode tecnologias avançadas.

Isso porque empresas empregadoras de grande quantidadede mão-de-obra e baixa tecnologia, obviamente, irão proferir regiõesem que o custo de produção seja mais baixo que no Grande ABC,onde, como já dissemos, salários, aluguéis, terrenos e infra-estruturaserão mais caros que no interior de São Paulo, por exemplo (basta vera criação de pólos fabricantes de roupas ou calçados no interior).

Para aquelas indústrias dependentes de inovação, ainda é in-teressante instalar-se no ABC, mesmo com o “custo ABC”, tratadoacima. São estas as indústrias que chegam à região, ou que nelapermanecem. Dados da Paep mostram que a porcentagem de in-dústrias consideradas “inovadoras” (introduziram inovação em pro-duto ou em processo de produção) no ABC é maior que a porcenta-gem do restante do estado, o que permite afirmar que o GrandeABC teve desempenho inovador superior (Agência de Desenvolvi-mento Econômico do ABC, 2000).

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Tal desempenho foi bastante concentrado nas indústrias degrande porte, em especial automobilística e química. Como disse-mos anteriormente, as montadoras do ABC encontraram-se, numcerto momento, atrasadas em relação às novas unidades instaladasfora dali. Assim, parte do desempenho inovador do ABC pode serexplicado pela tentativa de recuperação de produtividade e, portan-to, de competitividade, por parte das grandes montadoras. Se, porum lado, isso indica que as pequenas e médias empresas ainda es-tão do outro lado do “muro de tecnologia” (Lima, 2000), ou seja,não têm o acesso que deveriam às novas tecnologias, por outrolado, confirma que a região tem recebido investimentos maciços naindústria, ao contrário das previsões mais pessimistas.

Voltando agora à questão do emprego, de acordo com essasobservações, vemos que as indústrias que se instalam no ABC nãosão capazes de oferecer grande número de empregos, e aquelas quepermanecem no ABC, investindo em inovações e reestruturandoseus processos produtivos, são descartadoras de mão-de-obra.

A taxa de desemprego na região do ABC, segundo a Pesquisade Emprego e Desemprego (PED) para a região do ABC, tem-semantido superior a 20%, mais do que o município de São Paulo oua RMSP. Acreditamos que a crise realmente grave no ABC paulista éa crise do emprego, que parece não ter meios tão simples de solu-ção. Se a crise da desconcentração industrial pode vir sendo exage-rada na região, a crise do emprego talvez não venha recebendo aatenção e o esforço que merece, tanto por parte dos governantesquanto dos órgãos públicos regionais.

Os dados da Paep sugerem claramente que o processo dedesconcentração industrial no ABC não tem sido tão intenso quantoo propagado. Mas sabemos que uma perda na participação indus-trial do país que aparece como numericamente insignificante nasporcentagens significa em termos reais uma perda bastante impor-tante para a região. Alguns dos entrevistados no decorrer da pesqui-sa referiram-se à Paep como otimista. É possível, pois não há dadosem seqüência histórica para comparação precisa. Contudo, ela podenos chamar a atenção para o fato de que talvez o problema estejaem outro nível.

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O técnico e analista sênior do Seade18 não considera a análi-se da Paep otimista. Ela apenas pode ter servido para ponderar so-bre alguns exageros e informações sem bases precisas que vinhamsendo divulgados. Porém, em relação à questão do emprego, dizque não há otimismo, pelo contrário. O ABC tem atraído sim diver-sas indústrias, e continua concentrando grande parte das autopeçase indústrias de tecnologia (as que saíram de lá não foram para lon-ge, e ainda comercializam com a região do ABC), porém tais indús-trias inevitavelmente empregam muito pouco.

Vejamos a distribuição dos ocupados na região do GrandeABC:

Tabela 5. Distribuição dos ocupados por setor deatividade econômica – Região do ABC

Indústria Comércio Serviços Outros (2)Março / 2000 27,5% 14,9% 48,3% 9,3%

Fonte: Adaptado do boletim da PED-ABC de março de 2000.

O setor de serviços, apesar de ocupar atualmente o primeirolugar na ocupação de mão-de-obra no ABC (como, aliás, tem ocor-rido em qualquer grande centro), não é capaz, em lugar nenhum,de absorver a mão-de-obra descartada pela indústria. A crise doemprego está longe de ser resolvida, e é uma crise generalizada.

O ABC conta com uma sociedade bastante organizada e atuan-te para os padrões brasileiros, e com diversos órgãos regionais dedesenvolvimento. Acreditamos que haja aí uma série de característi-cas que, se conjugadas, possibilitariam à região a tomada de inicia-tivas inéditas para a resolução ou ao menos a amenização dos pro-blemas enfrentados. Antes de realizar a discussão proposta sobrealternativas, políticas e iniciativas regionais e novas tendências, fa-çamos uma breve atualização do panorama político da região, quesofreu algumas importantes transformações durante a pesquisa, eum acompanhamento mais detalhado e aprofundado das caracte-rísticas do mercado de trabalho no ABC, tendo em vista a importân-cia da questão do emprego.

18 Cf. entrevista com Miguel Matteo, analista sênior do Seade.

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4 Uma nova configuração política

O ano de 2001 começou trazendo mudanças bastante signi-ficativas para a região do Grande ABC. Lembremos que discus-sões de caráter regional iniciaram-se há dez anos no ABC, poriniciativa de alguns de seus prefeitos, dentre os quais podemosdestacar Celso Daniel (PT, de Santo André) e Maurício Soares deAlmeida (que já passou pelo PT e PSDB, e atualmente está noPPS, de São Bernardo), e que ambos foram reeleitos, juntamentecom mais três prefeitos (Maria Inês Soares, pelo PT em RibeirãoPires, Oswaldo Dias, pelo PT em Mauá, e Luís Tortorello, pelo PTBem São Caetano), que também vinham apostando e depositandoesforços nas discussões regionais. Os dois novos prefeitos, eleitospelo PT19 nas cidades de Diadema (José de Filippi Júnior) e RioGrande da Serra (Ramón Velasquez), prometeram, conforme di-vulgado em suas campanhas eleitorais, envolvimento e participa-ção nos debates já iniciados. Indicativo importante de que issovenha a ocorrer é a eleição de Ramón Velasquez, prefeito de RioGrande da Serra, para a presidência do Consórcio Intermunicipaldo Grande ABC, que o coloca automaticamente na posição decoordenador da Câmara Regional. Além das mudanças no nívelregional, vê-se que o governo estadual começou recentemente adar maior atenção à região e à Câmara, indicando secretários parao acompanhamento de suas atividades e assinando acordos im-portantes (a participação do governo do estado de São Paulo ain-da é menor do que a desejada, mas é preciso notar que progressosforam realizados nesse sentido). Pelo que foi dito, acreditamos quehaja possibilidade de que as discussões regionais há muito inicia-das possam deslanchar.

Outras mudanças externas à região do ABC também podemse mostrar positivas. Com a eleição da prefeita Marta Suplicy nacidade de São Paulo e de Eloi Pietá em Guarulhos, ambos do PT(duas das mais importantes, entre outras cidades da RMSP que ele-geram prefeituras do partido), ter-se-á condições políticas inéditas

19 Para uma discussão sobre a importância do PT na região do ABC, ver artigo deIdenilza Moreira de Miranda, neste livro.

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para que seja deflagrada uma discussão de caráter metropolitano.20

Uma maior integração de toda a RMSP, e especialmente dos municí-pios circunvizinhos, é de extrema importância para o ABC, na medi-da em que a solução de problemas como o lixo e o tráfego, e iniciati-vas como o rodoanel e o ferroanel, dependem de diálogo e atuaçãoconjunta de uma série de municípios que fazem parte de uma mesmamancha urbana. Nada garante que haja efetivamente uma preocu-pação por parte de outros municípios da RMSP em envolver-se emdiscussões metropolitanas, mas se o diálogo que a região espera seconfirma, o ABC poderá esperar um impulso ainda maior nos resul-tados obtidos por seus órgãos públicos regionais.

Essas e outras mudanças (como o desempenho positivo daindústria e do emprego, que veremos a seguir) tornam as perspecti-vas para os próximos anos favoráveis, mesmo sabendo que aindahá muito por fazer na região, e que muitos dos problemas enfrenta-dos (entre os quais o desemprego) são estruturais e não dependemexclusivamente da atuação política em nível regional.

5 Emprego e características do mercado de trabalho

Se no passado a expressão predominante nos discursos deempresários, políticos, sindicalistas e outros atores do Grande ABCera “desindustrialização”, agora se fala, na maioria deles, no “mitoda desindustrialização”. Uma série de fatores contribuíram para queum certo otimismo passasse a ser divulgado pelos órgãos de fomen-to da região.21 A publicação e análise dos dados da Paep (que mos-

20 O PT é um partido que se tem mostrado preocupado, ao menos na região do ABC,com iniciativas de caráter regional, porém deve ficar claro que a simples presençado PT nas prefeituras não garante de antemão o surgimento ou a continuidade dediscussões metropolitanas ou regionais. O principal contra-exemplo é a GrandePorto Alegre, que há anos tem elegido petistas em suas prefeituras e, entretanto, atéhoje nenhuma discussão regional foi iniciada.

21 Conforme explicitado pelo próprio Consórcio Intermunicipal e pela Câmara Regio-nal: “Novos investimentos nas áreas industriais, de comércio e serviços, na região,são cada vez mais evidentes [...] a divulgação desses índices tem derrubado o mitode que o Grande ABC estaria em processo de decadência. Bom para a imagem,melhor para os negócios”, Informativo Grande ABC, n. 8, nov./dez. 2000. O Sindi-cato dos Metalúrgicos do ABC, que se mostrava bastante pessimista ainda no ano

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traram que a fuga de empresas da região não era tão alarmantecomo se havia acreditado, e que o ABC ainda mantinha grandepeso na produção industrial do estado), a divulgação dos investi-mentos recebidos (só na indústria automobilística serão U$ 5 bi-lhões até 2003), o envolvimento do Sindicato dos Metalúrgicos doABC na defesa da região (e sua disposição ao diálogo), a associaçãocrescente de um maior custo da mão-de-obra a vantagens competi-tivas, a diminuição recente dos índices de desemprego, são algunsdos fatores que criam expectativas mais positivas para o ABC. Éclaro que não se pensa mais em obter o antigo peso econômico quea região já apresentou, pois parece ter se firmado a capacidade cres-cente de atração de indústrias que exerce o interior do estado deSão Paulo, bem como outros estados da Federação (o que é vanta-joso para o país, desde que tal descentralização ocorra com crité-rios). As “deseconomias de aglomeração” (todas aquelas desvanta-gens econômicas dos grandes centros e metrópoles saturadas) têmsido em grande parte responsáveis por esse espraiamento da man-cha industrial, e este é um fenômeno que não tem dado mostras dereversão. O ABC tem suas desvantagens particulares, como o custoABC, que dificultam a atração de novas indústrias. Entretanto, aregião apresenta outros atrativos, como a proximidade com o maiorcentro produtor, financeiro e consumidor do país, alta densidade deempresas high-tech, concentração de matrizes das grandes corpora-ções, inclusive da América Latina, e sistema avançado de comuni-cação.

Se a situação não é tão assustadora quanto anunciada pelaimprensa, sabemos que há sim uma certa crise a ser superada, ouseja, que há muito o que recuperar. Já dissemos que o que preocu-pa a sociedade da região é a possibilidade iminente de perda degrandes indústrias, o que repercutiria fortemente nos demais setoresda economia. Se grandes indústrias, em especial as montadoras epetroquímicas, resolvem deixar o ABC, aí sim se configuraria uma

passado, também parece acreditar na recuperação da região. O comprova recenteartigo (31.1.2001) de Luís Marinho (seu ex-presidente), que diz que “a notícia datransferência da Brastemp de São Bernardo para Joinville, por mais dolorosa queseja para a região, não abala nossa certeza de que 2001 será o primeiro ano darecuperação econômica do ABC”.

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grave crise de desindustrialização, mas os investimentos prometidospermitem afastar por enquanto tal possibilidade.

O que é mais preocupante, e acreditamos ser a crise efetivapor que passa o ABC, é a crise do emprego, que se sabe ser de difícilsolução. Refletindo de certa forma nossa opinião, Leite diz que “aregião do ABC vive nos dias atuais uma crise econômica que apre-senta um duplo caráter: por um lado, ela é uma crise de desempre-go, devido não só às altas taxas registradas nos últimos anos, mastambém à sua tendência ascendente [...]. Por outro lado, ela é umacrise de identidade econômica, tendo em vista o esgotamento domodelo anterior de desenvolvimento e a necessidade de um amploprocesso de reconversão econômica” (Leite, 2000a).

Tendo em vista a perspectiva acima explicitada, acreditamosque o aprofundamento da análise da situação real do desemprego edo mercado de trabalho na região poderá ajudar-nos a refletir me-lhor sobre alternativas para a superação da crise por que vem pas-sando o ABC.

O Consórcio Intermunicipal do Grande ABC estabeleceu par-ceria com a Fundação Seade desde 1998 para que esta realizassepesquisa específica sobre desemprego para o ABC. Desde então, aregião conta mensalmente com um informativo atualizado e deta-lhado sobre a situação do emprego, o que tem sido de fundamentalimportância para a percepção das oscilações no nível de ocupação,no tipo e setor de ocupação etc. A situação do emprego, acredita-mos, nos fornece bom indicador para saber que setores da econo-mia mais prosperaram e os que se retraíram em determinado perío-do. A PED-ABC constituiu-se, assim, em excelente instrumento paraconhecimento da situação, tanto econômica quanto social, da região.

Segundo a PED, o ABC vinha apresentando tendência as-cendente nas taxas de desemprego desde o mês de novembro de1998. É dessa tendência, que pode ser vista claramente no gráficoabaixo, que fala Márcia Leite na citação acima. Durante o ano de1999 os altos índices preocupavam a região. Mas vemos que já apartir de setembro de 99 (em agosto o desemprego atingiu seu ápi-ce em 23,1%) e no ano de 2000, o desemprego manteve-se a taxasmais baixas, e desde maio de 2000 ele caiu mês a mês.

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Gráfico 2. Evolução da taxa de desemprego totalregião do ABC (1).

Abr. 1998-Dez. 1990

Esta queda nos índices, bastante significativa se comparadaao ano de 1999 (a variação foi de –12,8%, maior que na RMSP ouno município de São Paulo), tem proporcionado um otimismo tal-vez inédito no ABC. O decréscimo, constatado também no municí-pio de São Paulo e na RMSP, indica que certamente houve mudan-ças positivas na conjuntura; ainda assim, o ABC deve ter em menteque seus índices de desemprego permanecem altos (em dezembro/2000, o desemprego estava em 17,1%), superiores ao restante daRMSP, e que o problema do desemprego está longe de ser resolvido.

Porém nem todos os índices são favoráveis. Os dados da PEDtambém nos permitem ver que as variações no rendimento dos em-pregados têm sido na maioria das vezes negativas, ao passo que omercado de trabalho informal cresce em proporção. Em dezembrode 2000, os ocupados sem carteira assinada representavam mais de

Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego, com apoiodo Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings. (1) Compreendeos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema,Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra.

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20% dos assalariados da região, e enquanto o emprego formal cres-ceu 7% entre dezembro de 99 e dezembro de 2000, o informal cres-ceu, no mesmo período, 19,3%.

Ainda um outro aspecto favorável demonstrado pela pesqui-sa foi o crescimento da ocupação industrial no último ano. Se obser-varmos o número de postos abertos por cada setor mês a mês, ve-mos que a situação de cada setor se alterna com freqüência (paraexemplificar, em agosto de 2000 a indústria aumentou os postosenquanto os serviços retraíram, enquanto que em novembro do mes-mo ano a indústria se retraiu e os serviços expandiram os postos detrabalho). Essa variação mensal é sensível às pequenas mudanças,como instalação de empresas ou demissões em média escala. Seobservarmos a variação anual como um todo, entretanto, podere-mos vislumbrar algumas tendências e alterações mais profundas eduradouras. Comparado a dezembro de 99, o nível de ocupação noABC cresceu 4,1% (correspondente a 39.000 novos postos), sendoque o setor industrial foi o principal responsável pelo bom desempe-nho do indicador, criando 29.000 desses postos (enquanto o comér-cio criou 5.000 postos e os serviços permaneceram praticamenteestáveis com -2.000 postos).

Tais dados vão de encontro à crença de que os serviços se-riam a solução para o desemprego do ABC, como vemos. É certoque eles ainda são responsáveis pela maior porcentagem de ocupa-dos no ABC, conforme tendência mundial, mas a indústria pareceestar conseguindo recuperar parte de sua importância na região, e ofato de vir aumentando seus índices de ocupação é um bom indica-dor disso.

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Gráfico 3. Índices do nível de ocupação, por setor de atividaderegião do ABC (1)

Nov. 1999-Nov. 2000

Certamente tal aumento é resultado daqueles investimentosque a região vem recebendo e que em 1999 totalizaram aproxima-damente 13,38% dos investimentos no estado de São Paulo. Comodissemos anteriormente, grande parte da quantia investida desti-nou-se ao setor industrial, e os investimentos estão se refletindo nes-te crescimento de vitalidade da indústria da região (lembremos quecoisa semelhante ocorreu na RMSP e no país como um todo. Se-gundo dados do Caged, o balanço da ocupação industrial no Brasilvem sendo positivo desde o início do ano 2000, com o melhor de-sempenho obtido desde o início da série histórica do Caged). Oaumento do emprego na indústria é importante, pois representa novasocupações regulares (com carteira assinada) e em geral com altossalários. Espera-se ainda que ele traga consigo outras ocupaçõesindiretas (apesar de muitas vezes irregulares e com salários maisbaixos), naqueles serviços terceirizados de apoio à indústria.

Dessa forma, poderíamos identificar dois movimentos opos-tos na ocupação industrial do ABC. Ao mesmo tempo em que as

Fonte: SEP. Convênio Seade – Dieese. Pesquisa de Emprego e Desemprego, com apoiodo Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateí e Billings. (1) Compreendeos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema,Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra

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empresas se modernizam, reestruturam sua produção e se adaptamaos novos padrões, o que inclui certamente enxugamento do qua-dro de funcionários (como condição para permanecerem no merca-do globalizado), o setor industrial como um todo tem-se mostradoapto a abrir novos postos de trabalho, provavelmente devido a umcrescimento tanto em número quanto em capacidade produtiva desuas indústrias, fruto dos investimentos recebidos. Esses são movi-mentos que se dão no interior de um processo de modernizaçãoque está longe de chegar ao seu término. A indústria da região doABC há poucos anos flagrou-se atrasada em relação a outros pólosindustriais mais recentes no país e deu início ao processo de moderni-zação às pressas, correndo em busca do prejuízo. A indústria automo-bilística, por exemplo, investiu no ano de 2000 enormes quantias paraa modernização de seus parques industriais, e as indústrias químicae petroquímica também estão iniciando sua reestruturação, com gran-des investimentos no setor.

Como se vê, os movimentos de que falamos ocorrem dentrode um processo mais amplo, e suas conseqüências não podem serdefinidas de antemão. Só se poderá retornar a essa discussão e che-gar a resultados profícuos quando o ABC tiver concluído ou avan-çado bastante no processo de modernização e atualização por quepassa hoje. Contudo, algumas prévias podem ser obtidas. O ABCprecisa desenvolver programas de inclusão e democratização do co-nhecimento e das novas tecnologias, ou então continuará se inserin-do no processo de globalização lançando mão da alternativa maisprejudicial à região, que é a redução da mão-de-obra, em vez debuscar alternativas positivas como a flexibilização produtiva e a am-pliação de mercados.

Vejamos agora algumas características mais peculiares dessemercado de trabalho em transformação. Neste ponto, gostaríamosde introduzir um aspecto novo, de que não falamos até então. Trata-se das diferenças na inserção de certas parcelas da população nomercado de trabalho (e no desemprego, por outro lado), que nospareceram relevantes à medida que apenas mediante seu conheci-mento é possível desenvolver políticas públicas e de emprego quepromovam a igualdade social.

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A reestruturação pela qual passa o ABC não afeta todos osenvolvidos da mesma maneira. Importante pesquisa realizada porGuimarães 22 mostra que seus efeitos atingem em especial as parce-las de mulheres e negros do mercado de trabalho. Alguns dadosmerecem ser destacados.

A parcela negra, apesar de apresentar alta inserção no merca-do de trabalho do ABC, (maior, inclusive, que a dos brancos), ocu-pa em sua maioria cargos subalternos e de menor remuneração.Isso é fruto do grau de escolaridade, mais baixo para os negros quepara os não-negros (a grande maioria dos negros ocupados não temprimeiro grau completo – mais de 50%). Também negros com altaescolaridade têm grande inserção no mercado de trabalho (nova-mente maior que a dos brancos na mesma situação). Porém, paramesmo grau de escolaridade, vê-se que o rendimento médio dosnegros é inferior ao dos não-negros; além disso, os negros já incor-porados ao mercado de trabalho sofrem um risco maior de cair nodesemprego (suas taxas de desemprego são mais elevadas) paratodos os níveis de escolaridade.

Quanto às mulheres, apesar de apresentarem inserção cres-cente no mercado de trabalho do ABC como no resto do país, pro-porcionalmente à sua participação na população seus níveis de ocu-pação ainda são baixos, inferiores aos dos homens. Além disso, suasmédias de rendimento são inferiores às dos homens (inclusive, asdiferenças de rendimento são maiores no ABC que na RMSP), eelas ocupam menos posições de direção e planejamento que oshomens (porém mais que os negros). E neste caso, isso não sedeve à escolaridade, já que as mulheres ocupadas apresentampadrão de escolaridade superior ao dos homens. Suas taxas de de-semprego são também sensivelmente mais elevadas que as dos ho-mens. A expulsão do mercado de trabalho formal detectada aplica-se tanto a homens quanto a mulheres (embora seja um poucosuperior para as mulheres), porém as mulheres têm apresentadomaior dificuldade em retornar à antiga ocupação.23

22 Para dados e gráficos completos, ver Nadya Araujo Guimarães, 2000.23 Os dados referem-se a trabalhadores das indústrias automobilística e química, cujas

ocupações são tidas como “masculinas”.

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Se observarmos o setor automobilístico em separado, vere-mos que as mulheres têm rendimento ainda mais pronunciadamenteinferior ao dos homens, enquanto os negros possuem ocupação re-duzida (isso se dá no setor industrial em geral) se comparada aosoutros setores. Parece bastante claro que negros e mulheres têm sidomais afetados pela reestruturação por que passa o ABC, cada qual àsua maneira. Uma das diferenças é que, enquanto as mulheres sãomais diferenciadas em termos de rendimento, os negros são mais pre-teridos quanto à ocupação de cargos elevados; ambos porém têmníveis, nos dois indicadores, inferiores aos dos homens e não-negros).Discutiremos a importância dessas diferenças mais adiante.

Podemos também, ainda com base na pesquisa de Guima-rães, infletir acerca de características da ocupação nos setores me-tal-mecânico (automobilístico) e químico em particular. Falemosrapidamente de algumas de suas peculiaridades. Sobre o setor au-tomobilístico podemos dizer que o nível de ocupação caiu (porémos dados disponíveis vão somente até o ano de 1997) desde 1988diferenciadamente para montadoras e autopeças. Ao contrário doque se poderia esperar, enquanto as montadoras apresentaram pe-quena redução do volume de emprego (7%), as autopeças reduzi-ram seu nível de emprego em mais de 50%. Vê-se que as autopeçasforam então as principais responsáveis, até 97, pela redução doemprego no setor automobilístico. É possível que tal diferença entreambas tenha se atenuado recentemente, com as grandes demissõesdas montadoras do ABC, em especial Ford, Volkswagen e GM, masdados atualizados não foram encontrados. Além disso, o empregodas indústrias de autopeças tem concentrado-se cada vez mais naspequenas e médias empresas, o que aliás é favorável para a inser-ção das mulheres, já que se encontram mais em empresas desseporte). Quanto à rotatividade da mão-de-obra, percebe-se que ela éimensamente maior entre os ocupados na linha de produção queentre os ocupados em outras categorias. Ou seja, é o chão de fábri-ca que é facilmente descartado e reposto. Ademais, os dados com-provam que este é um setor essencialmente “masculino”, em espe-cial nas montadoras: nelas, em grande parte das categorias os homenssomavam (em 97) mais de 90% da ocupação, sendo que em ne-

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nhuma delas sua participação era menor que 70%. Nas autopeças,a participação das mulheres apresentou crescimento, mas ainda ébem inferior à masculina. As mulheres têm também rendimentosainda mais desiguais aos masculinos, se comparados à média geraldos setores.

Quanto ao setor químico, a pesquisa de Guimarães nos mos-tra que ele também apresenta tendência de redução dos postos detrabalho (constatada em dez anos), mais acentuada na indústriaquímica moderna. Entre 1989 e 1997, a indústria química tradicio-nal 24 reduziu em 22% seus postos, enquanto que na química mo-derna 25 o índice foi de 37%. A indústria petroquímica, concentradano pólo de Capuava (Mauá), foi a grande responsável pela reduçãode postos na química moderna; isso porque se encontra, ou encon-trava-se até bem recentemente, tecnologicamente defasada, produ-zindo menos e mais custosamente se comparada aos outros pólosdo país, sem contar a má integração das indústrias do setor. Há naindústria química em geral, e em especial na tradicional, uma ten-dência à ocupação crescente em indústrias de pequeno porte. Asmulheres têm mantido sua participação entre 20% e 30%, tanto naquímica moderna quanto na tradicional, mas os homens, por suavez, têm perdido mais postos. A rotatividade manteve-se alta nosanos em estudo (1988 a 1997), superior a 25% (e maior para mulhe-res que para homens). Como era de se esperar, a maioria dos ocupa-dos concentra-se na linha de produção, mas tal fato é acentuado naquímica tradicional, enquanto na química moderna há grandes por-centagens de ocupados nas posições de nível técnico ou superior eadministrativo. As mulheres encontram-se ocupadas em especial nos

24 Aí se incluem as indústrias de perfumaria, sabões e velas e as de produtos de mate-riais plásticos.

25 Aí se incluem as indústrias de produtos farmacêuticos e veterinários e a indústriaquímica em geral (produção de elementos químicos e produtos químicos orgânicose inorgânicos, produtos químicos diversos, fabricação de produtos derivados doprocessamento de petróleo, rochas oleígenas e carvão, fabricação de resinas, fios efibras artificiais e sintéticos, borracha e látex sintético, de pólvora, detonantes, ex-plosivos, munição de caça e desporto, de concentrados aromáticos naturais, artifi-ciais e sintéticos, de preparados de limpeza e polimento, desinfetantes, inseticidas,germicidas e fungicidas, de tintas, esmaltes, lacas, vernizes, impermeabilizantes,solventes etc., de adubos, fertilizantes e corretivos do solo.

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setores de apoio, tanto administrativo quanto à produção (provavel-mente o trabalho da linha de produção é tido como “masculino”), oque é positivo devido ao rendimento superior. Além disso, os rendi-mentos proporcionados pela indústria química moderna são superio-res aos da tradicional. Pode-se detectar, ainda, uma tendência ao cres-cimento dos níveis de escolarização dos ocupados, sendo que maisde 50% possuem no mínimo primeiro grau completo.

Quanto aos desempregados pelas indústrias química e auto-mobilística, a pesquisa indica que há uma mobilidade muito gran-de, e a maioria (negros e mulheres mais pronunciadamente) nãoretorna à sua antiga ocupação, ou nem mesmo ao setor industrial.Pior do que isso, grande parte dos expulsos não consegue retornarao mercado de trabalho formal. Todas essas especificidades, tantoquanto a grupos, como quanto aos setores industriais tradicionaisdo ABC, são importantes se quisermos refletir acerca de políticas deemprego. Vimos que deve haver uma diferenciação no tratamento,se o que se busca for eqüidade de condições e de inserção. Masvoltaremos a isso adiante.

Incrementando ainda o detalhamento do desemprego e domercado de trabalho no ABC, tem-se a pesquisa realizada por Leite(2000), que pretende investigar a percepção das mudanças ocorri-das na região por parte dos agentes envolvidos (vai, portanto, nadireção do que pretendemos realizar em parte do primeiro relató-rio), trabalhadores e gestores,26 neste caso. A pesquisa nos ofereceinúmeros resultados interessantes, mas gostaríamos de ressaltar al-guns poucos em especial. Um pequeno número de gerentes e sindi-calistas foi entrevistado, e com respeito às oportunidades ocupacio-nais, as respostas dos dois grupos (gestores de um lado etrabalhadores de outro) foram bastante discrepantes. Para os geren-tes do setor automobilístico, as oportunidades ocupacionais (que sereferem ao acesso ao emprego, a postos mais qualificados, a postosde maior hierarquia, a postos mais bem remunerados, e a postos demaior responsabilidade) não diferem quanto ao quesito cor, e dife-rem pouco quanto ao quesito sexo. Eles mostraram grande otimis-

26 Aqui também os dados se referem a gerentes e sindicalistas dos setores químico eautomobilístico.

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mo, acreditando que com a reestruturação as oportunidades ocupa-cionais em geral melhoraram ou permaneceram iguais para negrose mulheres. Os sindicalistas do setor, por outro lado, mostraram umavisão oposta, de que as oportunidades são sim menores para mu-lheres e negros; além disso, acreditam que com a reestruturação asoportunidades ocupacionais pioraram ou permaneceram igualmen-te menores para negros e mulheres. Já no setor químico as discre-pâncias entre gerentes e sindicalistas foram menores, indicando ummenor otimismo no setor. Os gerentes acreditam que em geral asoportunidades ocupacionais são menores para mulheres e negros, ecom a reestruturação se mantiveram iguais. Os sindicalistas tambémacreditam que as oportunidades são menores para mulheres e ne-gros, e acreditam que com a reestruturação tais oportunidades fica-ram ainda piores.

Não surpreende que para os que sofrem na pele os efeitos dareestruturação produtiva, esta pareça mais nociva e diferenciadorae menos positiva do que para aqueles que de certa forma partici-pam na direção e gerenciamento dos processos de mudança.

Dados obtidos do banco de dados da Central de Trabalho eRenda, instalada em Santo André (sobre a qual falaremos adiante),trazem informações de outra espécie, mas igualmente importantes,sobre as exigências atuais do mercado de trabalho do Grande ABC.Dos trabalhadores colocados no mercado de trabalho pela Centralno ano 2000, a maioria se situa na faixa etária que vai dos 19 aos 29anos (por volta de 53%); depois, tem-se uma grande parcela nafaixa dos 30 a 39 anos (aproximadamente 33%). A menor porcen-tagem fica com a parcela dos jovens abaixo de 18 anos (não chegaa 1%), seguida pela dos trabalhadores acima dos 50 anos. Quantoao grau de instrução, os dados também são significativos. Não hou-ve sequer uma colocação para aqueles sem nenhuma escolaridade,enquanto que mais de 54% dos colocados possuem até o segundograu completo. Os que têm no mínimo segundo grau completo fo-ram 12% dos colocados, e os que possuem primeiro grau comple-to ou incompleto ou segundo grau incompleto formaram mais de33% (com números crescentes para graus crescentes). Quanto aogênero, a diferença observada entre a colocação de homens e

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mulheres não foi significativa, sendo que os homens foram maioriacom quase 56%.

Apesar de tais dados referirem-se a uma parcela pequena dostrabalhadores inseridos no mercado de trabalho total (formal e in-formal) do ABC, eles nos indicam tendências e preferências na horada contratação que parecem não ser específicas ao ABC. Percebe-sea dificuldade que têm os jovens com menos de 18 anos, provavel-mente em busca de seu primeiro emprego, e os adultos com mais de50 anos, para conquistar ou reconquistar um emprego. Observa-sea enorme dificuldade que tem o analfabeto e o trabalhador combaixa escolaridade em empregar-se, e a contratação predominantedos mais altamente escolarizados. Não possuímos os dados paracomparação, mas acreditamos que este emprego de pessoal commaior grau de instrução seja mais freqüente no ABC que em outrasregiões menos industrializadas, o que ainda reforça o que se dissesobre mão-de-obra qualificada na região.

Todos os dados acima analisados nos mostram que, apesarde ter se iniciado uma queda (cuja duração não podemos prever)nos índices de desemprego da região, ainda assim a reestruturaçãotem mostrado seus efeitos, majoritariamente negativos, nas princi-pais indústrias do ABC e nas expectativas dos envolvidos no proces-so de modernização. Tem segregado algumas parcelas da força detrabalho e dado preferência a outras. E tem apresentado exigênciascada vez maiores para a ocupação de mão-de-obra. Com base nes-te breve mapeamento da situação do emprego e do mercado detrabalho que, apesar de não apresentar grande detalhamento – oque, ademais, não foi o propósito de nossa pesquisa – já pode nosdar uma idéia das particularidades e especificidades do problemacom que lidamos, passemos a discorrer sobre políticas de empregovoltadas à região do Grande ABC.

6 Políticas de emprego

O ABC conta com uma sociedade bastante mobilizada politi-camente em comparação com a sociedade brasileira. Foi na região

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que teve início a série de greves do começo da década de 1980, pormeio de um sindicalismo afastado do controle estatal e de uma mo-bilização crescente do operariado, que se concentrava em grandenúmero na região. Como já foi dito, com o início da percepção deuma crise, surgiram, durante a década de 1990 no Grande ABC,diversos órgãos públicos regionais bastante significativos,27 com ointuito de buscar conjuntamente soluções para os problemas que ossete municípios vinham enfrentando. O primeiro órgão a ser criadofoi o Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduatehy eBillings (1990), com a função primeira de resolver a questão dadestinação dos dejetos sólidos das sete cidades. O Consórcio reúneos sete prefeitos, e acumula hoje outras diversas funções. Além doConsórcio, criou-se também o Fórum da Cidadania do Grande ABC(1994), que reúne sindicatos, empresas e comunidade em geral, aCâmara Regional do Grande ABC (1997) e a Agência de Desenvol-vimento Econômico do ABC (1998).

O órgão que atualmente congrega o maior número de insti-tuições e de poder decisório é a Câmara Regional do Grande ABC.Vinculada à Câmara, a Agência de Desenvolvimento Econômico doABC é responsável pela disponibilização e análise de dados referen-tes à região.

De acordo com o que dissemos até aqui, não há como solu-cionar a crise do ABC sem geração de empregos. As iniciativas quedeverão ser tomadas, portanto, não podem nunca dispensar a pre-ocupação primordial com o emprego. Além disso, vimos que a maiorpotencialidade dos municípios da região do ABC diz respeito às in-dústrias de alta tecnologia. Estas necessitam estar perto dos centrosprodutores desta tecnologia, e é grande vantagem se também esti-verem próximas de seus centros consumidores. O principal centroprodutor de tecnologia de ponta no país, e principal centro consu-midor, continua sendo inegavelmente a RMSP, e o ABC em particu-lar tem recebido uma série de investimentos no setor.28 Isto mesmo

27 Para uma análise mais detalhada sobre tais órgãos, ver artigo de Idenilza Moreirade Miranda, neste livro.

28 Ver Lista de Investimentos no estado de São Paulo, divulgado pela Secretaria deCiência, Tecnologia e Desenvolvimento de São Paulo.

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com a carência de grandes institutos de pesquisa e desenvolvimen-to. A região conta com poucas faculdades, e não possui nenhumórgão público de fomento à pesquisa.

Investir nesse ramo da P&D, qualificar mão-de-obra em insti-tutos públicos e incentivar iniciativas privadas de treinamento e qua-lificação são essenciais para manter e atrair empresas de altatecnologia, aproveitando uma das mais fortes vantagens competiti-vas da região. A qualificação da mão-de-obra é também indispensá-vel para que esta seja re-inserida no mercado de trabalho, e com umnível salarial superior. Portanto, é algo de que a região do ABC nãopode abrir mão de forma alguma.

Os serviços são atualmente os maiores empregadores da re-gião do ABC, e são em sua maioria voltados à indústria. São servi-ços especializados, que requerem igualmente qualificação de mão-de-obra. A qualificação para a prestação de serviços e assistênciatécnica é também imprescindível.

As micro e pequenas empresas do ABC não demonstraramna Paep participação elevada na ocupação de mão-de-obra. Comuma série de incentivos que poderiam ser promovidos tanto por viapública quanto privada, por exemplo marketing gratuito, crédito,facilidades na abertura, e novamente, com o treinamento de mão-de-obra, a situação poderia reverter-se, e as pequenas empresas po-deriam tornar-se empregadoras eficientes. São elas as que mais de-pendem de, e mais seriam beneficiadas por políticas de incentivo àindústria.

De acordo com o coordenador técnico da Agência de Desen-volvimento Econômico do ABC,29 a preocupação principal da Agên-cia tem sido esta. Pelo que pudemos observar das atividades daCâmara, também ela está dando especial atenção às pequenas emédias empresas. De qualquer modo, as grandes empresas, princi-palmente as multinacionais, estão pouco dispostas a negociar qual-quer coisa com governos regionais. E têm muitos outros fatores in-fluenciando em suas decisões.

29 Cf. entrevista com João Batista Pamplona, coordenador técnico da Agência deDesenvolvimento Econômico do ABC.

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É muito importante para a região o crescimento das micro,pequenas e médias indústrias. Mas o ABC não pode, por enquanto,prescindir de suas grandes indústrias (montadoras e químicas, prin-cipalmente), por vários motivos. Elas ainda são as grandes empre-gadoras da região. Os salários pagos por elas são em geral maisaltos. E principalmente, porque trazem consigo uma vasta rede deoutras empresas menores, que se concentram ao seu redor e deladependem diretamente.

As decisões das grandes empresas, como já dissemos, depen-dem muito pouco das iniciativas regionais, e os agentes do ABCsabem disso. Sabem que, em relação a elas, a região depende muitodas políticas econômicas estaduais e nacionais. Devemos ressaltaraqui que o governo do estado vinha sendo omisso e pouco partici-pativo nas atividades desenvolvidas pelos órgãos regionais, e que ogoverno federal tinha participação absolutamente nula, como pu-demos constatar pessoalmente, o que certamente vinha dificultan-do as atividades da Câmara, do Consórcio e do Fórum. É certo quetais órgãos têm alcance limitado, ainda mais pela pouca discussãoexistente em âmbito estadual ou nacional. Mas acreditamos que seconstituem num esforço de desenvolvimento que vem procurandoalternativas, em vez de, como fizeram outras regiões e municípios,conceder imensos benefícios individuais a empresas e acirrar a guerrafiscal que se instaurou no Brasil. As sugestões que aqui são dadasprocuram levar em conta as dificuldades enfrentadas.

Um desses esforços por parte da Câmara foi a contratação deprofissionais de diversas áreas, e a encomenda de uma série de es-tudos realizados por intelectuais de diversas partes do mundo paracontribuir com a análise diagnóstica que se vinha buscando e comsugestões baseadas em experiências anteriores. O trabalho de AllenScott faz parte dessa série.

De acordo com Scott,30 a região deve apostar no desenvolvi-mento de redes industriais no modelo pós-fordista (sistemas de produ-

30 SCOTT, Allen J. Revitalização industrial nos municípios do ABC, São Paulo: análisediagnóstica e recomendações estratégicas para uma nova economia e um novoregionalismo, relatório apresentado para a Agência de Desenvolvimento Econômi-co do ABC, mimeo., sem data.

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ção modernos e flexíveis, de estrutura não hierárquica, que produ-zem para nichos de mercado especializados), pois estas tendem maisa concentrar-se espacialmente, criando aglomerados de indústriasinterdependentes. Para estimular a reconstrução das redes indus-triais, diz serem necessários os seguintes itens: pesquisa tecnológicae serviços inovadores para a indústria; atividades de treinamento demão-de-obra (condição sine qua non); ajuda financeira a firmas;outros serviços para a indústria; utilização industrial da terra e pla-nejamento urbano; promoção de identidade e imagem local; conso-lidação e democratização de acordos institucionais já existentes; e abusca de um contexto metropolitano (integração com a RMSP).Acreditamos que o desenvolvimento de uma rede como a sugeridaé proposta razoável para ajudar a solucionar o problema do desem-prego latente. E a argumentação do autor reforça o que se disseanteriormente sobre a qualificação de mão-de-obra e desenvolvi-mento da área de P&D.

A caracterização do desemprego e do mercado de trabalho éde suma importância para a aplicação de políticas públicas eficazespara a região. Como vimos, o ABC tem um índice de desempregoque, apesar de decrescente nos últimos meses, mantém-se acimadaqueles registrados no município de São Paulo ou na RMSP. Ébastante provável que isso seja devido à sua dependência históricada indústria, que andava passando por maus momentos na região.Hoje a indústria abre novos postos, mas é difícil prever o alcancegeral desse movimento, principalmente quando sabemos que o se-tor industrial vem transformando-se cada vez mais num grande pou-pador de mão-de-obra.

Os índices de desemprego crescentes dos anos de 98 e 99deixaram a região alarmada e fizeram com que o ABC investisse emalgumas iniciativas para o combate da situação. A Câmara Regionaldo Grande ABC possui, como um dos eixos estruturantes, um pro-jeto para geração de emprego e renda. Contudo, o que se realizoude mais concreto a partir das discussões propiciadas pela Câmarafoi a iniciativa do Sindicato dos Químicos do ABC. Chama-se Proje-to Alquimia, e objetiva fornecer qualificação e requalificação profis-sional aos trabalhadores empregados no setor de transformação de

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materiais plásticos e aos desempregados em geral. O projeto é partedo plano de ação da Câmara Regional, mas é coordenado peloSindicato dos Químicos do ABC, financiado com recursos do Fundode Amparo ao Trabalhador (FAT) e orientado e aprovado pela Se-cretaria do Emprego e Relações do Trabalho do estado de São Pau-lo. É um projeto destinado exclusivamente ao Grande ABC, só po-dendo inscrever-se aqueles que moram ou trabalham na região (eque tenham mais de 16 anos e no mínimo a 4ª série do ensinofundamental). Segundo o coordenador técnico do projeto, ele “fazparte do plano maior de retomada do crescimento do GrandeABC”.31 O projeto já tem dois anos, e ruma para o terceiro. Aproxi-madamente 3.000 trabalhadores passaram por ele e concluíram ocurso. Desses três mil, calcula-se que aproximadamente 20% conse-guiram reingressar no mercado de trabalho, média bastante alta secomparada aos níveis gerais de inserção.32 Algumas empresas dosetor plástico têm acordo para contratação preferencial de alunosdo projeto, e este tem sido bem recebido e aprovado pelos empresá-rios da região, segundo seu coordenador técnico.

O Projeto Alquimia funcionou da seguinte maneira, no anode 2000: ofereceu duas modalidades de curso, um de Extrusão deMateriais Plásticos, e outro de Moldagem por Injeção. Ambos sãocompostos por um mesmo sub-programa básico (cujas disciplinassão: Qualidade de vida, direitos sociais e participação social; Globa-lização e reestruturação produtiva; Código de linguagem; Matemá-tica aplicada; Física aplicada e Química geral), e um sub-programaespecífico (disciplinas específicas relacionadas à área específica es-colhida). Algumas explicações sobre o porquê de ter sido o setor deplásticos o escolhido, e de serem estas as especialidades ensinadas.Dois motivos foram citados pelo coordenador técnico do projeto:33

o fato de ser o setor de plásticos o maior empregador e o mais repre-sentativo da região, entre os setores da indústria química (e dentrodo setor de plásticos as especialidades oferecidas pelo projeto foram

31 Entrevista realizada com Júlio César Sacramento.32 Ernani Moreira, da Central de Trabalho e Renda, nos conta que os alunos do Pro-

jeto Alquimia são bastante solicitados pelas empresas.33 Júlio César Sacramento, em entrevista supra citada.

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as mais requeridas). Ele emprega sozinho em torno de 10.600 fun-cionários, em aproximadamente 244 empresas cadastradas, médiase pequenas, na maioria, o que representa 1/3 dos ocupados na in-dústria química. E, segundo ele, o setor tem passado por moderni-zação e reestruturação produtiva recente e pela conseqüente buscapor mão-de-obra qualificada, o que o torna especialmente necessi-tado de um projeto como o Alquimia.

As disciplinas básicas são ministradas pelo próprio sindicato,geralmente em salas cedidas pelas prefeituras do ABC. As discipli-nas específicas são ministradas pelo Senai (em suas dependências),já que exigem prática e contato com maquinaria (o acordo com oSenai foi, inclusive, sugerido pelas empresas). Sacramento diz que oprojeto pretende dar, além da capacitação profissional requerida pelomercado, uma formação educacional mais ampla, capacitando otrabalhador para o exercício mais pleno de sua cidadania, para oconvívio em grupos, no trabalho como fora dele, para comunicar-semelhor, e para conscientizar-se do processo por que passa a região,o país e o mundo. Podemos observar tal preocupação na escolhadas disciplinas básicas ministradas. Depois de terem passado pelocurso, que tem em média quatrocentas horas de aula, os alunossão encaminhados às empresas que ligam disponibilizando vagasou à Central de Trabalho e Renda, outro órgão importante de quefalaremos adiante.

A iniciativa é bastante significativa para o setor de plásticos ea indústria química em geral. Mas é certo que o alcance de um pro-jeto como esse, específico a um setor da economia do ABC, e quenão dispõe de grande quantidade de verba, é restrito. A economiado ABC é bastante diversificada, e apesar de o setor de plásticosocupar certa porcentagem de mão-de-obra, tal porcentagem não éa mais significativa. Os setores automobilístico e metalúrgico, res-ponsáveis pela maior parte dos ocupados da região, não dão mos-tras de que pretendem desenvolver projeto semelhante (para fazerjustiça, lembramos que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC é oresponsável pelo projeto Mova, de alfabetização, que tem tido su-cesso na região). Além do mais, as indústrias automotivas (monta-doras e autopeças) instaladas na região estão em franco processo de

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enxugamento de mão-de-obra, como vimos anteriormente), a elasnão interessando um tipo de projeto similar; e, como já se disse, elasnegociam seus interesses diretamente com o governo federal, man-tendo-se à margem de discussões regionais.

Mais abrangente é a iniciativa da Central de Trabalho e Ren-da, criada e coordenada pela CUT em parceria com a Prefeitura deSanto André, a Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho deSão Paulo (SERT) e sindicatos filiados à CUT da região do ABC. Elaé gerida com os recursos do FAT, e conta com o apoio do Ministériodo Trabalho. Seu posto fixo de atendimento (único, por enquanto)está situado no município de Santo André, e conta com auxílio(locacional e financeiro) de sua Prefeitura. Ela segue a linha de ou-tra iniciativa, coordenada pela Força Sindical, a Central de Solida-riedade ao Trabalhador, no município de São Paulo. Tem como mis-são, conforme explicitado em seus folders, “contribuir para a(re)inserção do trabalhador no mercado de trabalho por meio dasações do Sistema Público de Emprego, de maneira integrada e arti-culada, visando o fortalecimento da cidadania do trabalhador”. ACentral atende inicialmente a todos os trabalhadores em busca deemprego e renda da RMSP, mas a grande maioria dos atendidosconcentra-se de fato no ABC. Oferece uma série de serviços, dentreos quais a intermediação de mão-de-obra (por meio dos serviços derecrutamento e seleção e de acompanhamento do candidato), aqualificação profissional, um programa de orientação para o traba-lho; programas de geração de emprego e renda, a habilitação parao seguro-desemprego e o relacionamento com o empregador (pormeio de telemarketing ativo – a Central busca a empresa, e recepti-vo – a Central atende a empresa interessada, e outros atendimentosao empregador).

Alguns dados podem dar-nos uma melhor dimensão da im-portância da Central. Desde que iniciou suas atividades, em agostode 1999, até o último dia de dezembro do ano 2000, a Centralhavia realizado 240.878 atendimentos, e possuía em seu cadastro97.518 trabalhadores (em novembro de 2000 o contingente total dedesempregados foi estimado em 207.000 pessoas). O total de colo-cados no ano de 2000 é de pouco mais de cinco mil trabalhadores,

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o que representa por volta de 6% de recolocação. São índices bai-xos, sabemos, mas estão nivelados com a média nacional. E deve-mos lembrar que os dados referem-se às contratações regulares, comcarteira assinada, cada vez mais difíceis e raras no mercado de tra-balho nacional, já que a contratação informal vem se intensificandohá vários anos no país.

Porém, mais importante que as recolocações, pequenas, é cer-to, são os cursos e qualificações que estimulam o trabalhador a tor-nar-se um micro-empresário ou trabalhador autônomo, e o prepa-ram para o desenvolvimento de cooperativas, soluções mais palpáveisde geração de renda, tendo em vista a atual situação do mercado detrabalho no país. Os cursos gratuitos oferecidos, ministrados em cer-ca de 80 salas espalhadas pela RMSP e que têm duração variável –de duas semanas a três meses, visam dar não só informações denível técnico ou profissional, mas dar ao trabalhador noções de ges-tão e de cidadania, além de uma elevação da auto-estima, segundoo gerente de formação profissional da Central.34 Os cursos dirigem-se mais freqüentemente às áreas de serviços, comércio e cooperati-vismo, mas há outros cursos menos procurados na área de recrea-ção, hotelaria, turismo etc. Não há cursos de qualificação específicapara setores da indústria. Como não há capacidade de ministrar oscursos a todos os que procuram a Central, são escolhidos primeira-mente aqueles “que estão na base da pirâmide social, os maisfragilizados, como jovens e outros sem experiência, adultos acimados 50 anos, indivíduos com baixo grau de instrução, e os que jáperderam as expectativas de conquistar um novo emprego”, nos dizo gerente de qualificação profissional da Central de Trabalho e Ren-da.

Todavia, apesar de todos os esforços de qualificação profis-sional, o fato é que as empresas ainda são muito pouco sensíveis acursos de capacitação, é o que acredita o gerente de formaçãoprofissional, para o qual “escolaridade e experiência (a última emespecial) continuam contando mais que cursos de capacitação nahora da contratação”. Acreditamos, face ao problema citado, que é

34 Entrevista realizada com Ernani Fernandes Moreira.

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preciso investir em que as empresas conheçam os benefícios e asvantagens da contratação de pessoal qualificado para que iniciati-vas desse tipo ampliem seu alcance.

Essas duas iniciativas (Projeto Alquimia e Central de Traba-lho e Renda) são as principais políticas de emprego em andamentono ABC. O estado de São Paulo, por meio de sua Secretaria deEmprego e Relações do Trabalho (SERT), possui uma série de pro-jetos em andamento ou em implantação, e São Bernardo deveráreceber neste ano que vem uma grande central de emprego estatal.Quem nos conta é o gerente de formação profissional da Central deTrabalho e Renda, que diz que tais iniciativas estatais deveriam unirforças com programas não-estatais, como este da CUT, mas infeliz-mente não é o que ocorre. Assim as iniciativas estatais acabam tor-nando-se espécies de concorrentes nas políticas de emprego.

Vê-se que as políticas locais já em andamento não estão inte-gradas como seria desejável a políticas estaduais e federais, dificul-tando bastante o alcance daquelas. É importante que num futuropróximo possa construir-se uma rede de políticas de emprego inter-ligadas e de amplo alcance.

Apesar de o ABC ter dado importantes passos em seu cami-nho no combate ao desemprego (isso sem falar daquelas iniciativaspara a atração de investimentos que têm merecido a atenção dasinstituições criadas para o desenvolvimento regional, já anteriormentecomentadas), não colocou em prática até então nenhum tipo depolítica que trabalhe em busca da eqüidade de gênero e raça. Se,como pudemos ver, grupos como negros e mulheres sofrem de for-ma desigual os efeitos da reestruturação, e se o ABC deseja aumen-tar os índices de inclusão social e caminhar em direção a uma socie-dade mais igualitária (e acreditamos serem estes os desejos de seusgovernantes), é preciso investir em políticas de tratamento diferen-ciado, ou então as desigualdades existentes e constatadas permane-cerão e se multiplicarão.

A região deve aproveitar as vantagens que possui, tais comouma sociedade civil com alto nível de organização (se comparado àmaioria das cidades brasileiras), sindicatos fortemente estruturadose atuantes, mão-de-obra qualificada, prefeituras dispostas a traba-

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lhar para o desenvolvimento conjunto da região e o momento favo-rável de sua economia. Organizações e movimentos como o Movi-mento Negro e movimentos feministas, e setores dos sindicatos res-ponsáveis por questões de gênero e raça, devem ser chamados adebate, para junto ao poder público elaborarem soluções condizen-tes com a região. Para isso, é de suma importância que os sensos epesquisas realizadas pelas prefeituras do ABC, por órgãos de pes-quisa não estatais e mesmo pela PED-ABC incluam o quesito corem seus questionários, ou não se poderá conhecer a real dimensãodo problema. É importante também que as prefeituras chamem oapoio das empresas e que desenvolvam programas de incentivoàquelas que participam na promoção da igualdade (além de punircom vigor a discriminação); e que desenvolvam programas educa-cionais diferenciados, no sentido de estimular a parcela negra a au-mentar sua participação no ensino médio e superior, melhorandoassim suas ocupações e seu rendimento.

Acreditamos que essas e outras iniciativas similares, que aCâmara do ABC vem consolidando, podem ser eficazes para umadiminuição do desemprego na região, embora saibamos que elasnão sejam milagrosas, e nem sempre de fácil aplicação. Elas exigi-rão dedicação e empenho na transformação de projetos e planosem políticas e ações concretas, o que vai estimular a discussão ne-cessária sobre os limites efetivos do poder e da ação regionais, esuas relações complexas com o estadual, o nacional e o global.Esperamos ainda que a experiência democrática de políticas re-gionais do ABC paulista possa servir de exemplo às demais regiõesdo país.

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Entrevistas realizadas

Entrevista com Miguel Matteo, analista sênior do Seade (Sistema Estadual deAnálise de Dados), membro da equipe responsável pela Paep (Pesquisasobre a atividade econômica paulista) e especialista na região do ABC, emjulho de 1999.

Entrevista com Ricardo Alvarez, vereador da cidade de Santo André pelo Parti-do dos Trabalhadores (PT), em 27.8.1999.

Entrevista com Edgar S. Marreiros, vice-presidente da Fiesp e diretor-presiden-te da Fábrica de Autopeças Produflex, localizada em Diadema, em11.1.1999.

Entrevista com Jefferson José da Conceição, economista do Dieese (Subseçãodo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC) e responsável técnico pelo Sindi-cato na Câmara Regional do Grande ABC, em 14.1.2000.

Entrevista com Maria Inês Soares Freire, prefeita da cidade de Ribeirão Pirespelo PT e coordenadora da Câmara Regional do Grande ABC, em20.1.2000.

Entrevista com Jorge Fontes Hereda, assessor executivo da Coordenação daCâmara Regional do Grande ABC, em 20.1.2000.

Entrevista com Oswaldo Dias, prefeito da cidade de Mauá pelo PT, em 24.1.2000.Entrevista com José Américo Dias, secretário de Comunicação da Prefeitura de

Mauá, em 24.1.2000.Entrevista com a comissão de fábrica da Ford do Brasil e representantes do

Sindicato, em 19.10.1999.Entrevista com Luís Olinto Tortorello, prefeito da cidade de São Caetano do

Sul, em 7.2.2000.

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Entrevista com João Batista Pamplona, coordenador técnico da Agência deDesenvolvimento Econômico do ABC, em 5.4.2000.

Entrevista com Miguel Matteo, analista sênior do Seade (Sistema Estadual deAnálise de Dados), membro da equipe responsável pela Paep (Pesquisasobre a atividade econômica paulista) e especialista na região do ABC, em25.5.2000.

Entrevista com Giorgio Romano Schutte, consultor do Sindicato dos Químicosdo ABC, em 8.6.2000.

Entrevista com Júlio César Sacramento, coordenador técnico do Projeto Alqui-mia, vinculado ao Sindicato dos Químicos do ABC, em 26.11.2000.

Entrevista com Giovana Oliveira, da Central de Trabalho e Renda, em 23.1.2001.Entrevista com Ernani Fernandes Moreira, gerente do setor de Formação Pro-

fissional da Central de Trabalho e Renda, em 29.1.2001.

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Idenilza Moreira de Miranda*

O presente trabalho apresenta um estudo das novas institu-cionalidades que vêm se desenvolvendo na região do Grande ABC,a partir de 1990, com a meta de equacionar e solucionar problemassociais e econômicos que passaram a afetar os municípios, em virtu-de das mudanças na estrutura produtiva regional.

Como discutiremos adiante, a região do ABC cresceu alicer-çada no antigo modelo de desenvolvimento econômico-social cria-do a partir da primeira metade do século passado (durante a décadade 1930) e intensificado após a Segunda Guerra Mundial, no gover-no do presidente Juscelino Kubitschek, por meio do Plano de Me-tas. O esgotamento desse modelo estatal, marcado por uma fortecrise econômica, atingiu sensivelmente a região do ABC, que seconstituía em reflexo do crescimento econômico que marcara o país.

Como resposta a essa crise, o ABC procurou articular-se re-gionalmente e de forma cooperativa, criando instâncias de planeja-mento que visam o desenvolvimento socioeconômico regional. Tra-ta-se de organismos que contam com a sinergia dos poderes públicoe privado e da sociedade civil, entre os quais, temos: o ConsórcioIntermunicipal do Grande ABC, o Fórum da Cidadania, a CâmaraRegional e a Agência de Desenvolvimento Econômico.

Este texto pretende apresentar cada uma dessas novas instân-cias, com destaque para as duas últimas, em virtude da maior re-

* Aluna de Ciências Sociais da FFLCH, USP.

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levância que têm no cenário político e da abrangência de atoressociais nelas envolvidos. Nesse sentido, reconstruímos as trajetóriasdesses novos organismos, apresentando suas características – com-posições e objetivos – e a forma de funcionamento dos mesmos. Oobjetivo aqui é compreender os fatores e agentes que impulsiona-ram o desenvolvimento dessas institucionalidades, tendo-se em vis-ta que o nascimento das novas instâncias não se explica a partir deuma análise unidimensional; qualquer tentativa de explicação deveconsiderar uma série de fatores e atores sociais que, reunidos, possi-bilitaram o desenvolvimento de espaços dessa natureza na região.

Assim, desenvolvemos ao longo do texto cinco vertentes ex-plicativas que, de forma direta ou indireta, teriam contribuído noprocesso de construção dessas instâncias. São elas:

(i) a história do ABC, repleta de conflitos sociais e políticos, ex-pressos por um lado nos movimentos populares e por outro naslutas sindicais no final dos anos 70, que culminaram com a emer-gência de um novo sindicalismo, mais forte e organizado, quevem se mostrando um agente influente e criativo;

(ii) as mudanças institucionais a partir de 1988, que concederammaior autonomia aos municípios, acompanhando uma tendên-cia mundial de descentralização política;

(iii) o sentimento de que a região passava por uma crise industrialresultante da abertura econômica ao mercado exterior e dosprocessos de reestruturação produtiva, que se reverteram emalarmantes índices de desemprego na região do ABC;

(iv) a extinta câmara do setor automotivo, cujo modo de negocia-ção tripartite seria absorvido por essas novas instâncias;

(v) a formação na região de um bloco governista de centro-esquer-da, em 1989 e 1997, aberto à união das forças locais para pla-nejar ações regionais.

Em seguida, apresentamos os passos que foram dados a par-tir dessa forma de gestão cooperativa que os poderes públicos esegmentos da sociedade civil local estão tentando enraizar no ABC.A intenção é fazer um balanço dos projetos que foram até o mo-mento elaborados pelas instituições, apontando aqueles cujas ativi-

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dades encontram-se em andamento e os que ainda aguardam paraserem implementados, com o intuito de demonstrar que essas enti-dades representativas não estão simplesmente formulando cartasde intenção. Programas sociais, projetos que visam aumentar a com-petitividade regional, pesquisas acerca de sua situação econômica,programas de qualificação e modernização da infra-estrutura localsão algumas das atividades que já começaram a dar seus primeirospassos.

Finalmente, procuramos fazer uma análise sobre tais políticasde desenvolvimento, levantando, inclusive, algumas hipóteses acer-ca da possibilidade de se fortalecerem e se expandirem territorial-mente, em virtude da nova configuração política resultante das elei-ções de 2000.

Deste modo, ainda que seja cedo para avaliar o potencial e oalcance dessas novas institucionalidades, vale adiantar que foi pos-sível chegar a algumas conclusões, a saber:

(i) essas novas instâncias de cooperação criadas no ABC, particu-larmente o Consórcio do ABC e a Câmara Regional, inicial-mente como formas de reação à crise econômica que atingiu aregião e com a meta de reverter o declínio industrial, vêm seafirmando como um modo positivo de promoção do desenvol-vimento endógeno;

(ii) um balanço das atividades implementadas por essas novas ins-tituições demostra que as mesmas ofereceram vantagens às ci-dades associadas, constituindo-se como alternativas às estraté-gias da “guerra fiscal”;

(iii) a carência de recursos financeiros para colocar em ação, porexemplo, programas para geração de trabalho e renda, como o“Fundo de capital de risco”, ainda tornam os municípios depen-dentes economicamente do auxílio dos governos federal e esta-dual;

(iv) finalmente, trata-se de iniciativas inovadoras no contexto políti-co-econômico brasileiro, desprovido de estratégias de desen-volvimento, seja em âmbito nacional ou local. Por articular opoder público e associações representativas de setores da socie-dade essas experiências podem se tornar um estilo de democra-

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tização do Estado, de envolvimento da comunidade, com ca-racterísticas inovadoras, que daria maior consistência e legiti-midade para a elaboração e implementação de políticas de de-senvolvimento, e o que é mais importante, pautado em basesmais inclusivas, participativas e, portanto, democráticas.

O que está em jogo é um esforço coletivo de se construir umanova estrutura institucional, onde todos que estão incluídos na vidado ABC possam de alguma maneira participar. Mas, não nos restadúvida, este é um trabalho que demanda cooperação, recursos fi-nanceiros, aprendizagem e tempo para que essas instâncias adqui-ram a maturidade e a confiança necessárias para o desenvolvimen-to das suas diversas ações.

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No Brasil, até recentemente, as políticas de desenvolvimentoeram planejadas, administradas e financiadas pelo governo federal,que se orientou por longa data pelo programa de substituição deimportações para promover o desenvolvimento econômico, por meioda implantação de uma estrutura produtiva nacional.

Essa política centralizadora, nos lembra Arretche, é um lega-do do nosso período colonial, quando

o Brasil foi administrado de forma fortemente centralizada [...] A heran-ça de um Estado centralizado no passado colonial e na monarquia foiabalada com a instauração da República, mas durante a maior parte dahistória brasileira a criação de recursos administrativos necessários parao desempenho de capacidades estatais esteve concentrada no nível cen-tral de governo. No entanto, foi certamente a partir de 1930 que, com aemergência do Estado desenvolvimentista, a União assumiu uma par-cela altamente expressiva das capacidades financeiras e administrativasvis-à-vis com os demais níveis de governo (1996: 51).

A partir da década de 1980, entretanto, o Estado Desenvolvi-mentista começou a dar sinais de esgotamento, política e financeira-mente, em função, sobretudo, das restrições orçamentárias, que semostravam incapazes de sustentar a estrutura altamente dispendiosa

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das políticas da União. Como resposta à crise, o governo federaliniciou a desconcentração dos serviços públicos mantendo, porém,o controle administrativo e financeiro sob seu domínio. A descentra-lização político-administrativa só ganharia corpo anos depois, coma Carta Constitucional de 1988, na qual, entre as novas medidascriadas, destacavam-se as de descentralização tributária, que muda-riam os contornos do poder local.

Até aquele momento, os municípios eram subordinados aogoverno federal, cabendo-lhes o papel de administradores do bempúblico. As decisões acerca da distribuição e aplicação de recursos,formulação de programas sociais, projetos de desenvolvimento etc.,obrigatoriamente perpassavam, quando não o governo federal, aomenos o estadual. As prefeituras dispunham, assim, de pouca auto-nomia decisória.

Com a Constituição, os municípios ampliaram a participaçãona receita do bolo fiscal, mas em contrapartida assumiram prerroga-tivas que antes eram da alçada dos governos federal e estadual,tornando-se responsáveis por uma série de políticas sociais e pelapromoção de políticas de desenvolvimento econômico.

Esse é ainda hoje um dos maiores desafios enfrentados pelosmunicípios, pois a maioria não dispõe de um quadro administrativopreparado para lidar com questões dessa abrangência e nem derecursos suficientes, como destacam Abrúcio e Costa: “É importan-te frisar que apesar dos municípios terem sido os que mais aumenta-ram, em termos relativos, a participação no bolo tributário, a maiorparte deles ainda depende demais dos recursos econômicos e admi-nistrativos das outras esferas de governo, principalmente dos esta-dos” (1998: 36). Entende-se com isso que a descentralização tribu-tária concedeu maior autonomia decisória ao governo municipal,mas dentro de certos limites, sobretudo, econômicos.

De qualquer forma, é preciso salientar que foi em função doprocesso de descentralização que se tornou possível a concretizaçãode programas desenvolvidos pelos municípios, entre eles o “RendaMínima”, “Banco do Povo” e “Orçamento Participativo” em cidadescomo Brasília (DF), Santo André (SP) e Porto Alegre (RS), respecti-vamente. No caso desse último programa, vale destacar um dos

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pontos fortemente discutidos quando falamos de governos locais: aparticipação popular. O governo local abre uma margem maior paraa participação da população na discussão sobre o espaço local, so-bre seus problemas e soluções, numa união da qual os agentes en-volvidos saem fortalecidos: de um lado, a população ganha espaçopara se manifestar, de outro o poder municipal conquista o apoio dapopulação e legitimidade, elementos importantes na administraçãopública.

Com essa forma de atuação criou-se um modo diferente derelacionamento entre município e sociedade, onde as decisões nãoprecisam necessariamente ser impostas de cima para baixo, maspodem tentar articular os múltiplos interesses dos grupos sociais, demodo a tornar o município o locus de interação entre o Estado e asociedade. Isso marcou uma ruptura com o tradicional modo degoverno seguido por séculos no Brasil.

Antes de continuarmos a argumentação acerca dessa aproxi-mação entre poder público e sociedade que ganha espaço no go-verno municipal – e que, veremos, encontra-se nas instâncias cria-das no ABC – é necessário contextualizar a região do Grande ABCpaulista, comentando um pouco sua história, a fim de compreen-dermos porque as prefeituras resolveram apostar em formas coope-rativas de ação.

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A região do Grande ABC paulista (formada pelos municípiosde Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, localizadosna região sudeste da metrópole) começou a viver o processo deindustrialização na primeira metade do século passado, com algu-mas fábricas que lá se instalaram em função da estrada de ferroSantos–Jundiaí e de sua proximidade com o porto de Santos. Noentanto, foi por meio das políticas do Estado nacional-desenvolvi-mentista, em particular o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek,que as cidades do ABC se destacaram no cenário brasileiro, tornan-

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do-se o principal eixo ordenador do crescimento econômico do país,ao sediar as indústrias do setor automobilístico, que escolheram aregião devido às suas vantagens locacionais (facilidade de escoa-mento da produção, grande quantidade de terras disponíveis, mão-de-obra qualificada etc.).

No início da década de 1970, vindo juntar-se ao pólo auto-motivo, as cidades de Mauá e Santo André receberam o pólo petro-químico de Capuava, o terceiro maior do país, ampliando a partici-pação da região na economia nacional.

A despeito desse imenso complexo produtivo instalado noABC e de suas características de reconhecido potencial para atrairinvestimentos, a partir da década de 1980, mas sobretudo nos anos90, os municípios começaram a sentir os efeitos da crise econômica.Dos anos 80 em diante, iniciou-se o esgotamento do modelo nacio-nal-desenvolvimentista de substituição de importações, acompanha-do de uma tendência para a instalação das novas plantas industriaisem outras localidades (no interior paulista ou em outros estados) e atransferência de algumas fábricas para outras regiões.1 No ABC,entre os fatores mais importantes que poderiam contribuir (e aindacontribuem) para esse processo foram apontados: a ocorrência dasenchentes, congestionamentos, poluição, dificuldades de encontrarespaço físico, altos preços de água, terrenos e aluguéis, ou seja, osaturamento da infra-estrutura, e a conseqüente elevação do “custoABC”.

A partir de 1990 esse quadro aprofundou-se ainda mais. Oinício de um conjunto de reformas políticas com vistas à internacio-nalização da economia e abertura do mercado, somadas à reestru-turação da atividade industrial – caracterizada pelas inovações or-ganizacionais, desverticalização, importação de componentes paraindústria, terceirização dos serviços etc. (que são ao mesmo tempoajustes defensivos utilizados pelas indústrias para garantir a compe-titividade no mercado e estratégias poupadoras de mão-de-obra) –

1 Vale destacar a polêmica que causou no ABC o comunicado da Multibrás (do gru-po Brastemp) em 31.1.2001, de que irá transferir sua fábrica instalada há cerca de20 anos em São Bernardo do Campo para a cidade de Joinville (SC), o que repre-senta uma redução de aproximadamente 1.100 empregos para a região.

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tiveram um forte impacto na economia regional que foi sentido dediferentes maneiras: por meio da diminuição na participação naseconomias paulista e brasileira, do fechamento de fábricas (passan-do alguns dos diversos galpões a abrigar, por exemplo, redes inter-nacionais de supermercados, como Walt-Mart e Carrefour) e, sobre-tudo, na redução crescente dos postos de trabalho.

Segundo informações da PED – Pesquisa de Emprego e De-semprego realizada pela Fundação Seade/Dieese2 – entre 1991 e1999 foram fechados mais de 70.000 postos de trabalho no ABC,chegando a região a superar os índices de desemprego da capitalpaulista, atingindo patamares acima de 20 pontos percentuais. Deacordo com o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC,Luiz Marinho (2000), apenas o contingente de trabalhadores meta-lúrgicos despencou de 203.000, em 1990, para 101.000, no ano2000. Simultaneamente à diminuição do emprego na indústria, as-sistiu-se ao aumento do número de pessoas empregadas no setor deserviços (porém, o setor de serviços e o comércio não são capazesde absorver o contingente desempregado pelo setor industrial, alémde pagar salários inferiores e estabelecer relações trabalhistas emmuitos casos precárias).

Essa situação de queda do emprego industrial provocou dife-rentes interpretações, entre elas a de que a região estava mudandosua vocação e tornando-se um centro de serviços. Intensas discus-sões acerca da desindustrialização do ABC e da possibilidade deseguir o exemplo da norte-americana Detroit ganharam corpo naregião e na imprensa.

Essa preocupação com a queda da economia industrial fez ascidades despertarem também para os problemas de natureza urba-nística, devido à importância que assumiram como elementos po-tenciais de competitividade.

Vale lembrar que a região do ABC, como é comum à grandemaioria das cidades brasileiras, sofreu um crescimento desordenado,sem um planejamento urbano que fosse capaz de orientar as trans-

2 Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados); Dieese (Departamento Intersindicalde Estatística e Estudos Sócio-Econômicos).

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formações pelas quais passavam os municípios e sem preocupaçãocom a qualidade de vida da população, refletida na ausência decuidados com o meio ambiente. Nesse sentido, lembra Daniel: “osrecursos ambientais representavam um ônus a ser vencido pelo pro-gresso da cidade industrial, onde a beleza natural e boas condiçõesambientais não eram valorizadas” (1998: 2).

Os resultados de atitudes como estas são conhecidos: segre-gação física da população de baixa renda; expansão de cortiços, defavelas e da ocupação ilegal das áreas de mananciais; 3 precária redede infra-estrutura (que se reflete na ocorrência das enchentes nos pe-ríodos de chuvas); problemas com a destinação e tratamento do lixo;degradação ambiental; reduzido número de praças, parques ou quais-quer outros espaços públicos de convívio social etc. No que tange àsquestões de natureza sócio-econômica, podemos citar problemas comanalfabetismo, violência, marginalidade, pobreza, entre outros.

Ou seja, o ABC viveu um paradoxo: se, por um lado, conse-guiu atender às exigências para abrigar um gigantesco parque in-dustrial, por outro, não conseguiu proporcionar satisfatória e simulta-neamente boas condições de vida para a população local. Os sinaisdesse passado recente são sentidos ainda hoje, tendo a região ficadonegativamente conhecida como “periferia urbana de São Paulo”.

Assim, a conscientização de que o ABC sofria uma série deproblemas estruturais que não correspondia a um ou outro municí-pio isoladamente, que não se fechava em suas fronteiras territoriais(hoje não muito claras, uma vez que os municípios estão conurbados),mas que era vivida por todos que formam a região (como fica evi-dente com a questão das enchentes), fez despertar entre as autori-dades locais o interesse para a ação regional.

Se desejavam construir um novo cenário para o ABC, opostoao de condição periférica, uma das maneiras seria promovendo mo-dificações no modo de operar dos governos locais, isto é, trabalhan-do a favor de uma ação integrada das administrações, de forma aminimizar custos e aumentar os recursos e o poder de negociação

3 A região possui aproximadamente 56% de seu território em área de proteção aosmananciais, dos quais uma parcela abriga hoje loteamentos clandestinos.

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com as demais esferas de governo, principalmente o governo doEstado de São Paulo. Logo, partindo dessas constatações, as prefei-turas começaram a dar seus primeiros passos para a formação doConsórcio do ABC.

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O Consórcio Intermunicipal das Bacias do Alto Tamanduateíe Billings, também conhecido como Consórcio Intermunicipal GrandeABC e Consórcio do ABC, foi criado em 1990. Trata-se de umaassociação que reúne os sete prefeitos e é autorizada legalmentepelos termos da Constituição Estadual de Leis Orgânicas. Esta foi aprimeira iniciativa de trabalho regional empreendida pelo podermunicipal no ABC.4

A idéia de constituição do Consórcio partiu da percepção deque os municípios compartilhavam dos mesmos problemas, como odo tratamento e disposição final dos resíduos sólidos. Tratar conjun-tamente essa questão colocou-se como uma de suas finalidades,mas diversos outros objetivos foram listados, quais sejam: (i) repre-sentar o conjunto dos sete municípios, em matéria de interesse co-mum, perante outras entidades; (ii) planejar e executar obras e açõescom vistas ao desenvolvimento urbano, econômico e social dos mu-nicípios consorciados, por meio da cooperação com os governos daUnião e do Estado.

Para tanto, o Consórcio dispõe de: (i) um Conselho Delibera-tivo (ou de municípios), órgão soberano, composto pelos prefeitos;(ii) Conselho Fiscal, formado por membros indicados pelas Câma-ras de Vereadores de cada cidade; (iii) Conselho Consultivo, consti-tuído por membros de entidades da sociedade civil.

As atividades são desenvolvidas mediante as orientações doConselho Deliberativo que se reúne, em caráter ordinário, uma vez

4 Vale lembrar que essa iniciativa de um trabalho regional no ABC já vinha se desen-volvendo em outras áreas: encontrava-se em circulação o jornal Diário do GrandeABC, a Diocese da Igreja Católica realizava um trabalho regional e Sindicatos, comodos Químicos, dos Motoristas e, mais tarde, dos Metalúrgicos (este último com exce-ção de São Caetano) representavam os trabalhadores regionalmente. (Daniel, s/d).

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por mês. Anualmente esse Conselho elege um presidente e um vice-presidente responsáveis pelas atividades e pela representação daentidade. Os atuais prefeitos que integram o Conselho de municí-pios são: Ramon Velasquez (Rio Grande da Serra), Celso Daniel(Santo André), Maurício Soares (São Bernardo do Campo), LuizTortorello (São Caetano do Sul), José de Filippi Jr. (Diadema), Oswal-do Dias (Mauá) e Maria Inês Soares (Ribeirão Pires).

Portanto, partindo da discussão sobre a identidade dos pro-blemas, o debate no interior do Consórcio do ABC expandiu-se, aspolíticas acerca do desenvolvimento econômico regional engrossa-ram as discussões e os prefeitos buscaram estabelecer um processopermanente de planejamento integrado. De uma forma geral, essaassociação representou um salto qualitativo em direção ao fortaleci-mento da consciência regional, que já vinha sendo construída a par-tir da união dos sindicatos, de trabalhos da igreja etc.

Os prefeitos procuraram romper com o círculo de isolamentoque freqüentemente é seguido pelas administrações governamen-tais, que acabam impedindo a parceria das cidades em medidaspráticas que podem trazer benefícios a todas as partes envolvidas.Logo, vemos que se a descentralização tributária fortaleceu as basesmunicipais, agora no ABC buscava-se ir além: a tentativa era avan-çar em direção ao fortalecimento no nível regional. Conforme sa-lienta Leite, essa nova articulação política “buscou reforçar a idéiade uma região pró-ativa, contrapondo-se ao bairrismo, à visão docenário local como feudo político pessoal e à tradicional troca defavores no campo intergovernamental. Tendo esta base de sustenta-ção, o Consórcio definiu como campo de atuação um amplo lequede questões, abrangendo desde o gerenciamento ambiental até odesenvolvimento regional, estando aberto ao encaminhamento dequaisquer temas relativos ao interesse comum dos municípios en-volvidos” (apud Coelho, 1999: 25).

Entretanto, ainda que se destaquem os méritos dessa iniciati-va e os trabalhos encaminhados (como o Fórum ABC ano 2000,5

5 O seminário foi realizado com o apoio do Consórcio e do Fórum de Desenvolvi-mento Econômico de Santo André, uma entidade ainda com base municipal, masque reunia a Prefeitura, empresários, sindicatos de trabalhadores e lideranças co-munitárias.

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um seminário regional em que foram discutidas perspectivas e saí-das para a região), suas atividades foram praticamente suspensasno mandato dos prefeitos seguintes (1993-1996), indiferentes aotrabalho coletivo.

Mas, se do lado dos executivos municipais não houve grandeinteresse na atividade regional, a sociedade civil não reagiu da mes-ma forma: criou uma instância que reúne organizações e associa-ções representativas da comunidades locais, o Fórum da Cidadaniado Grande ABC.

O Fórum da Cidadania originou-se no Movimento Vote noGrande ABC que, no ano eleitoral de 1994, teve como objetivosensibilizar a população a votar em candidatos vinculados à região,a fim de aumentar a sua representação política na Câmara Federal ena Assembléia Legislativa. O resultado desse trabalho foi a eleiçãode 13 deputados: oito estaduais e cinco federais.

Cumprida a sua meta, as entidades participantes do movi-mento, apoiadas por outras entidades representativas da sociedadecivil, entenderam que o movimento deveria institucionalizar-se e,em 1995, foi criado o Fórum da Cidadania.

O objetivo desse Fórum é discutir o desenvolvimento econô-mico da região sustentado na qualidade de vida, uma vez que oABC dispõe de mais da metade de sua área de proteção aos ma-nanciais.

Atualmente compõem essa instituição aproximadamente 100entidades da sociedade civil, divididas em seis segmentos: entida-des sociais e movimentos populares, trabalhadores, prestadores deserviços, profissionais liberais, comércio e indústria. Seus órgãosdiretivos são:

– a plenária (órgão supremo, constituído por todos os mem-bros filiados. É realizada quinzenalmente e de forma itine-rante entre as cidades do ABC);

– colégio executivo;

– conselho fiscal;

– grupos de trabalho;

– conselho consultivo.

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Entre os eventos desenvolvidos pelo Fórum, temos: debates,seminários, palestras, encontros e estudos com a finalidade de apre-sentar subsídios que possam ajudar a pensar coletivamente a re-gião. O Fórum mostrou-se importante, particularmente, nas elei-ções municipais de 1996, ocasião em que cobrou dos candidatos ocompromisso de resgatar as atividades do Consórcio e afirmou aimportância do ABC apostar num trabalho em conjunto.

Logo, a criação do Fórum da Cidadania só vem reforçar atese de que o ABC dispõe de um rico patrimônio sociocultural. Valelembrar que em sua memória há registrada a eclosão dos movimen-tos populares e das greves metalúrgicas no fim dos anos 70, quefizeram emergir um sindicalismo forte, organizado e combativo nopaís. Ações de resistência, mobilização e reivindicação foram carac-terísticas dessas novas forças que emergiram na região, sem esque-cer o fato de ter sido o berço do PT (Partido dos Trabalhadores) e daCUT (Central Única de Trabalhadores).

Ao longo dos últimos 30 anos, o ABC presenciou o nascimen-to desses novos atores sociais com significativa expressividade naarena política, que manifestando suas demandas e proposições tive-ram “ressonância na emergência de gestões democratizadoras e fo-mentadoras da participação popular” (Costa, 1996: 114). Este “es-pírito participativo” tem acompanhado as experiências associativasque vêm se desenhando no ABC, entre as quais merecido destaquecabe à Câmara Regional do Grande ABC, uma das mais recentesexperiências desenvolvida pelos municípios e considerada uma ini-ciativa inovadora de gestão pública.

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No ano de 1995, o governo do Estado de São Paulo, pormeio da Secretaria de Ciência e Tecnologia, cujo secretário eraEmerson Kapaz, e ao lado do Sindicato dos Metalúrgicos, criou umprojeto de uma Câmara Regional para o Grande ABC, da qual par-ticipariam membros do poder público, do poder privado, da socie-dade civil e dos sindicatos de trabalhadores. Entretanto, apesar do

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empenho do Fórum da Cidadania, os prefeitos em gestão naquelemomento não abraçaram a idéia com entusiasmo e o projeto ficoupraticamente estagnado, como aliás, já vinha ocorrendo com as ati-vidades do Consórcio do ABC.

Foi o resultado dos pleitos municipais de 1996 que alterouessa situação. Conscientes da importância da articulação das for-ças para a resolução dos problemas, os candidatos eleitos reativaramo Consórcio e, com a união de seus esforços, do governo do Esta-do, dos sindicatos de trabalhadores e do Fórum da Cidadania, foicriada a Câmara Regional do Grande ABC, em 12 de março de1997.

A Câmara Regional é a tentativa de compor uma instância dediscussão pluralista, que valoriza a participação de todos os agentessociais e políticos envolvidos com as questões locais e que aposta naconstrução de um ambiente político mais dinâmico e democrático,em que pesem as diferenças de propósitos. Essa iniciativa guardasemelhanças com a experiência da câmara setorial automotiva, de-senvolvida entre os anos de 1991 e 1994, particularmente no que serefere ao esforço em construir novas oportunidades econômicas es-tabelecidas sobre bases mais democráticas de negociação.

Vale lembrar que a câmara setorial marcou o início de umnovo relacionamento entre Estado, sindicato de trabalhadores me-talúrgicos e representantes das automobilísticas brasileiras, ao colo-car todos numa mesma mesa de negociação com a finalidade dediscutirem estratégias políticas e econômicas capazes de revitalizar osetor automotivo (que vinha sofrendo com a queda crescente daprodução) e, ao mesmo tempo, estancar as demissões e melhorar osníveis de rendimento dos trabalhadores. As três coisas foram alcan-çadas com sucesso: as medidas implementadas (consubstanciadasem dois acordos) modificaram para melhor as relações trabalhistase desenvolveram uma política para o setor automotivo que provo-cou o reaquecimento das vendas, que saltaram de 770.936 veículosvendidos, em 1991, para 1.353.332, em 1995 (Arbix, 1995).

Podemos então fazer duas observações a respeito dessa ex-periência: a primeira diz respeito ao resultado imediato alcançado,que foi a criação de um ambiente democrático, que embora per-

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meado de conflitos, abriu a possibilidade da negociação e trouxeresultados positivos para a economia do país; a segunda, correspon-de ao que se pode denominar um legado dessa experiência, que foiindicar quão importante é a disposição do Estado para o diálogo e asua intervenção no destino da economia, em parceria com os de-mais atores sociais.

Sem dúvida, as coordenações e instâncias atuais do ABC ti-veram nessa experiência de cooperação uma fonte de inspiração.Orientando-se por tais princípios, a Câmara privilegiou uma com-posição quadripartite: além dos poderes público e privado e dostrabalhadores, conta com a presença da sociedade civil. Esses agen-tes encontram-se hoje formalmente representados, respectivamen-te, pelo Consórcio Intermunicipal Grande ABC, governo estadual eparlamentares da região; empresários locais; sindicatos de trabalha-dores e Fórum da Cidadania.

De acordo com o seu regimento, ficaram estabelecidas trêsdiferentes instâncias: (i) um Conselho Deliberativo; (ii) uma Coor-denação Executiva e (iii) os Grupos de Trabalho, subdivididos emoutros grupos responsáveis pela discussão de temas específicos, sendocada uma dessas instâncias composta por representantes de cadagrupo que compõe esse ordenamento institucional, isto é, por mem-bros das duas esferas de governo que dela participam, dos sindica-tos, das associações da sociedade civil e do empresariado.

As reuniões da Coordenação Executiva da Câmara ocorremquinzenalmente, sendo as plenárias encaminhadas pelo coordena-dor executivo do Consórcio Intermunicipal. Nessas reuniões, os res-ponsáveis por cada grupo expõem os debates e as propostas formu-ladas por cada um, para que sejam devidamente avaliadas e, sehouver consenso, posteriormente acordadas. Os Grupos Temáticosatualmente são doze, a saber:

– Movimento “Criança Prioridade 1”– Movimento de Alfabetização Regional– Saúde– Segurança Pública– Formação Profissional– Comércio

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– Turismo

– Setor Automotivo

– Setor Petroquímico

– Setor Moveleiro

– Setor Laminados de Alumínio

– Pólo/Parque Tecnológico

Os grupos e subgrupos de trabalho são encarregados de apre-sentar diagnósticos e propostas sobre os diversos temas ligados aodesenvolvimento econômico da região, vinculando-se, dessa forma,aos eixos estruturantes definidos no planejamento estratégico regio-nal, que apresentarei um pouco mais adiante.

Em suma, o objetivo principal da Câmara Regional consisteem integrar a atuação do poder público e a participação da socieda-de civil, encampando suas iniciativas, sejam elas provenientes deempresas, de entidades representativas dos trabalhadores ou de as-sociações comunitárias, no sentido do equacionamento e busca desoluções para a problemática social, econômica e ambiental. Masoutras finalidades devem ser mencionadas, são elas:

– formulação de um planejamento estratégico regional;

– proposição e encaminhamento de soluções que visem odesenvolvimento regional, considerando o processo de glo-balização, bem como a geração de empregos, renda e bem-estar social;

– promoção do marketing da região;

– promoção da negociação para os acordos regionais.

Deste modo, ao trazer os diferentes personagens para partici-par do planejamento, o poder municipal está propondo uma novaforma de gestão com um viés mais inclusivo e negociado que rompecom a postura de um Estado onipotente, que governa sozinho, eisso se torna ainda mais relevante se lembrarmos que é um trabalhoque se realiza em escala regional, sempre procurando respeitar aspeculiaridades de cada cidade. Trata-se, portanto, de um órgão aum só tempo público e não estatal, “espaço plural em que, de modotransparente, é estabelecido o debate público e são tomadas deci-sões consensuais” (Daniel, s. d.: 8).

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Até o momento procurei reconstruir as trajetórias do Consór-cio do ABC, do Fórum da Cidadania e da Câmara Regional. Apre-sento, a partir de agora, um panorama do que foi discutido e imple-mentado por essas associações regionais, mostrando que os produtosdesses trabalhos de parceria não são alcançados com rapidez oufacilidade, mas requerem uma carga de esforços e cooperação signi-ficativa entre todos os agentes envolvidos, além, é claro, de recursoseconômicos. Vejamos, então, os resultados.6

O primeiro trabalho produzido pela Câmara Regional foi umdocumento de prioridades que reunia 31 propostas de ação elabo-radas pelos diversos grupos temáticos. De tais propostas saíram osprimeiros acordos firmados entre os municípios e o governo do es-tado. A assinatura de um acordo é o primeiro passo para a concreti-zação dos projetos, pois significa um comprometimento do Estado edemais associados em se empenharem na execução da obra emquestão.

Ao todo já foram assinados 42 acordos entre os membros daCâmara Regional, envolvendo três temas: desenvolvimento físicoterritorial, desenvolvimento social e desenvolvimento econômico.Dentre esses acordos alguns já foram implementados, quais sejam:

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A legislação estadual referente à proteção ambiental impediaque qualquer atividade econômica fosse realizada em áreas de ma-nancial. Porém, por meio do empenho dos municípios consorcia-dos, foi possível modificar a regulamentação, o que resultou na novalei estadual 9472/96 de proteção aos mananciais, sob a qual tor-nou-se permitido o exercício de atividades econômicas nessas áreasdesde que não acarretem prejuízo ambiental. Enquadram-se nessamedida as empresas de informática e microeletrônica, por exemplo.

6 O quadro proposto leva em consideração os projetos discutidos e as obras realiza-das até o mês de janeiro de 2001.

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Segundo a lei, terão prioridade para sediar as novas instalações osmunicípios que oferecerem menos oportunidade para abrigar em-presas de outro tipo. Logo, a cidade de Ribeirão Pires é a mais bene-ficiada pela nova regra, uma vez que seu território total é área deproteção ao manancial.

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Os planos de macrodrenagem correspondem à construção dosreservatórios de água, popularmente chamados de piscinões. O pro-jeto total prevê a construção de 42 reservatórios, financiados pelogoverno do Estado, em locais estratégicos definidos pelas prefeitu-ras, às quais cabe a cessão do terreno e a manutenção das bacias.Ao todo já foram construídos seis piscinões (orçados em 57 milhõesde reais), distribuídos entre os municípios de Santo André (um), SãoBernardo (três), Diadema (um) e Mauá (um). Outros seis encon-tram-se em processo de licitação, devendo as obras iniciarem-se nosegundo semestre de 2001, sendo dois para cada uma das cidadesacima citadas, com exceção de Santo André.

Esses reservatórios são muito importantes para a região doABC, pois ajudam no combate às enchentes que além dos prejuízosque acarretam à população, desgastam a imagem da região, vistoque é um dos fatores que compõem as chamadas “deseconomiasde aglomeração”. Tratar o problema das enchentes é, portanto, fun-damental, já que os municípios pretendem elevar seu potencial decompetitividade.

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A execução de obras no sistema viário da região abrangeu osistema Anchieta/Imigrantes em São Bernardo do Campo, a Rodo-via Índio Tibiriçá e a Avenida dos Estados, com o objetivo de me-lhorar o acesso ao ABC.

Porém, o maior projeto viário e de grande relevo para a re-gião é o Anel Viário – Rodoanel – que interligará as principais rodo-

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vias do país e passará ao redor da região metropolitana. A regiãodo ABC será contemplada pela extensão do trecho sul do Rodoa-nel, que fará a ligação da Via Anchieta com Mauá, estando pre-vista também a ligação do Viaduto Juscelino Kubitschek com aAvenida dos Estados. A Câmara Regional negociou com o gover-no do Estado a antecipação de um ano no início das obras naregião, que devem portanto começar ainda no ano 2001. Esta éuma das mais importantes obras viárias para a região, que pode-rá contribuir consideravelmente para a desobstrução do tráfego,diminuindo os problemas de congestionamento que assolam osmunicípios, fator de desvantagem de alocação de novos investi-mentos.

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O projeto Alquimia vem destacando-se como uma importan-te iniciativa da Câmara Regional no que tange às propostas de qua-lificação e requalificação profissional. Realizado em parceria entre oSindicato dos Químicos e o Senai, a coordenação é de responsabi-lidade do primeiro. O objetivo é promover cursos (com recursos doFundo de Amparo ao Trabalhador – FAT) para aqueles que traba-lham no ramo químico/pretoquímico ou que já trabalharam e queencontram-se desempregados, com a finalidade de que sejam reco-locados no mercado de trabalho. Esse projeto, ainda que não tenhacaminhado no ritmo previsto (inicialmente visava qualificar 12.000pessoas até 2001, mas até agora alcançou o patamar de aproxima-damente 3.000 trabalhadores (re)qualificados) tem apresentado enor-me sucesso: estima-se que 20% dos formados pelo Alquimia conse-guiram reingressar no mercado.

Um projeto semelhante, voltado à requalificação profissional,foi desenvolvido no interior da Agência, direcionado especificamen-te aos trabalhadores autônomos da construção civil (pedreiro, eletri-cista, encanador, jardineiro etc.). Contudo, o projeto encontra-semomentaneamente suspenso, aguardando financiamento.

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O Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova) éum projeto vinculado ao tema “desenvolvimento social”, cuja fina-lidade é a erradicação do analfabetismo no Grande ABC. Foi lança-do em 1997 sob a coordenação do Sindicato dos Metalúrgicos doABC. As aulas são ministradas nos espaços cedidos pelo Estado,prefeituras, igrejas e comunidades e mais de 17.500 mil pessoas jáse formaram pelo curso desde sua instauração em 1997, um núme-ro expressivo, ainda que exista um grande número de analfabetosna região.

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Este é outro projeto de cunho social. Fruto da primeira roda-da de acordos, o programa “Criança Prioridade 1” visa trabalharcom os menores de rua que vivem em situação de risco. Para am-pliar a arrecadação de recursos, a Câmara Regional iniciou no anopassado a campanha “Movimento Regional Um por Um pela Infân-cia”: a partir da doação de R$ 1,00 pelos trabalhadores (desconta-do na folha de pagamento) e de igual valor somatório (no mínimo)dos empresários, busca-se arrecadar fundos de investimento paraassistir os menores carentes. Atualmente, 2.000 trabalhadores dosetor metalúrgico aderiram ao programa, sendo que há a expectati-va de que os demais sindicatos também participem. Também na áreade inclusão social foi assinado um acordo que prevê a implantação deuma Rede de Serviços de Atenção à Infância e à Juventude.

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Na área de saúde pública destacamos duas obras:

(i) Hospital Estadual de Diadema – com a construção parada há11 anos, as obras foram retomadas depois de um acordo assi-nado entre a Câmara Regional e o governo do estado em 1998e hoje o hospital finalmente encontra-se em funcionamento;

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(ii) Hospital Regional de Clínicas – localizado em Santo André, após20 anos da construção suspensa, a mesma foi reiniciada recen-temente, devendo o hospital ser entregue à população no pri-meiro semestre de 2002.

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A partir de reflexões realizadas no interior do Consórcio doABC e da Câmara Regional em relação à imagem negativa quepesou (e ainda pesa) sobre o ABC foram traçados dois possíveiscenários futuros para a região: o primeiro seria continuar cami-nhando rumo à perda gradativa de seu potencial econômico, àdegradação do território e se assumir, de fato, como uma periferiaurbana e econômica de São Paulo. O outro cenário, postuladocomo possível e desejável, seguia a via da reconversão econômicae urbana, o que exigiria um esforço coletivo e não apenas o deuma ou outra Prefeitura.

Essa segunda alternativa foi a que originou a elaboração deum planejamento estratégico regional em 1997, que elegeu algu-mas ações prioritárias a serem encaminhadas pelo conjunto dos mu-nicípios. Em 1999, essa primeira versão foi reorganizada (como pon-tuarei a seguir) e procurou-se definir o perfil que a região deverá terdaqui a aproximadamente nove anos. O resultado dos debates foi aelaboração do documento “ABC: Cenário Futuro” contendo umaprojeção da região para o ano 2010. Esse documento possui seteeixos estruturantes, que são agrupamentos temáticos que reúnemprogramas e ações a serem desenvolvidos pela Câmara Regionalpara se alcançar o “cenário” projetado para 2010. Os eixos estrutu-rantes são: (i) educação e tecnologia; (ii) sustentabilidade das áreasde mananciais; (iii) acessibilidade e infra-estrutura; (iv) fortalecimentoe diversificação das cadeias produtivas; (v) ambiente urbano dequalidade; (vi) identidade regional; (vii) inclusão social.

O planejamento estratégico é um projeto significativo, poisdefine um plano diretor que determina o norte pelo qual as políticaspúblicas devem se orientar nas próximas fases.

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A Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABCfoi o primeiro e um dos mais importantes passos da Câmara Regio-nal. Criada em 1998, a Agência de Desenvolvimento constitui-se nobraço institucional da Câmara e é responsável pela capitação derecursos financeiros junto às instituições privadas e de fomento, se-jam elas nacionais ou internacionais.

A sua criação não implicou uma concorrência com as atribui-ções da Câmara Regional, uma vez que se destina, sobretudo, aofomento e apoio às empresas e aos negócios do ABC. Sua constitui-ção é similar à de uma Organização não Governamental (ONG)mista, tendo como associados aqueles que garantem o seu custeio:49% é parte do poder público e 51% é financiado pelas entidadesassociadas, entre elas: Sebrae (Serviço de Apoio às Micro e Peque-nas Empresas), empresas do setor petroquímico (Petroquímica União,OPP Polietilenos S.A., Solvay do Brasil, Oxiteno S.A. Indústria eComércio, Polibrasil S.A. Indústria e Comércio etc.), sindicatos filiadosà CUT, associações comerciais, Centro das Indústrias do Estado deSão Paulo (CIEPs), entre outros.

A estrutura da Agência encontra-se assim composta: Assem-bléia Geral dos Associados (órgão superior, responsável pela apro-vação dos estatutos e atividades), Diretoria (coordenadora das ações),Conselho Consultivo (espaço para discussão dos planos e progra-mas), Comissão Fiscalizadora e Secretaria Executiva.

Seus principais objetivos consistem em: (i) promover o mar-keting regional, (ii) levantar e disponibilizar dados socio-econômi-cos sobre as sete cidades e (iii) buscar financiamentos para os proje-tos de desenvolvimento da região do Grande ABC. O primeiroconvênio estabelecido pela Agência foi com BID (Banco Interameri-cano de Desenvolvimento) no valor de 145 mil dólares, a fundoperdido, que possibilitou à Agência contratar cinco consultores parasistematizar informações sobre a situação sócio-econômica da re-gião e formular o planejamento estratégico, ao qual me referi acima.

A Agência elaborou também seu plano de trabalho para obiênio 2000/2001, no qual consta uma série de projetos, divididos

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sobre os três temas que norteiam seus trabalhos: marketing, fomen-to e banco de dados. A realização de cada um deles exige que sejamfeitas parcerias, visto que os municípios sozinhos não têm recursossuficientes para a implementação dos projetos. Esse é um dos limi-tes que se impõem às ações regionais: a falta de verbas, a causaprincipal da estagnação dos trabalhos. Antes de avançar nessa dis-cussão, vejamos quais os projetos elaborados, seus possíveis parcei-ros e os planos para sua implementação.

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M Home Page Criar página na In- Câmara Curto prazo. A ho-A ternet para divulgar Regional me page já encon-R a Agência tra-se disponível

K em fase de teste.E Pesquisa de Perceber como a Câmara Não há previsão.T Imagem da região é caracteri- RegionalI região do Gran- zada pela popula-

N de ABC ção local (morado-G res e empresários)

Fundo de Capi- Criar “Fundo” para – Sebrae Longo prazo. O

tal de Risco investimento de – Indústrias Sebrae está desen-terceiros em pe- – Institui- volvendo um pro-quenas e médias ções de fi- grama semelhante,

organizações emer- nancia- caso seja imple-F gentes com poten- mento mentado este pro-O cial de crescimento jeto será incorpora-

M do pelo mesmo.E Incubadoras de Utilizar Benchmar- – Sebrae: Médio prazo.N Empresas king para analisar – Agência Ainda falta local

T programas bem su- de Desen- para a instauraçãoO cedidos de incuba- volvimento das incubadoras,

doras de empresas que depende de

em São Bernardo doação de terrenosdo Campo, RS, das prefeituras.

MG, Barcelona, Mauá é a cidadeSbadell e implantar na qual o processo

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INOVAÇÕES INSTITUCIONAIS E DESENVOLVIMENTO NO ABC186

projeto semelhan- mais avançou.te no Grande ABC

Reciclagem de Ajudar na criação – Agência Médio prazo.Mão-de-Obra de oportunidades de Desen- O projeto está

de trabalho para a volvimento aguardando finan-mão-de-obra ociosa – Central ciamento.do setor da constru- de Traba-

ção civil, por meio lho e Ren-de sua capacitação. da

– Institui-

ções pri-vadas

Linhas de Cré- Analisar interesses e Bancos Longo prazo.

dito e Brasil linhas de crédito de Estadual O projeto que vi-F Empreendedor organizações como e Federal nha sendo desen-O BNDES, Nossa Cai- volvido pela Nossa

M xa Nosso Banco e Caixa Nosso Ban-E outros. A Agência co foi suspenso,N seria responsável senão for reativado

T pela distribuição de o projeto não teráO créditos àqueles que continuidade.

estivessem iniciando

a atividade empre-sarial na região.

Escola de Em- Implantar no Gran- – Sebrae Longo prazo.preendedores de ABC uma Esco- – BID Está em negocia-

la de Empreende- ção com o BIDdorismo com o (Banco Interameri-objetivo de sensibi- cano de Desenvol-lizar e capacitar es- vimento) a libera-tudantes e empre- ção de financia-sários em potencial mento.em habilidades deliderança, estraté-gia, logística e ou-tras técnicas paraimplantar e desen-volver novos ne-gócios

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IDENILZA MOREIRA DE MIRANDA 187

Prêmio de Gera- Conceder uma pre- Agência Curto prazo.ção de Emprego miação simbólica às de Desen- A seleção já foi fei-e Renda médias, pequenas e volvimento ta e a premiação

micro empresas que ocorrerá no mêsmais contribuíram de fevereiro.para a criação de

emprego e renda naregião.

Criação de Criar um centro – Sebrae Médio a longo pra-

Trading para facilitar as – Agência zo. Está em discus-Company exportações das de Desen- são uma parceria

médias e pequenas volvimento com a cidade de

empresas. Lombardia (Itália),visitada por uma

F comissão de mem-O bros das instânciasM regionais. TambémE foram realizadosN seminários sobreT exportação e co-O operação conjunta

com as empresasitalianas.

Recicladora Montar uma empre- A definir. Longo prazo.

Regional para sa para reciclarPlásticos material do setor de

plásticos, que possui

uma grande rede deempresas na região.

Pólo de Moldes Realizar estudo so- Sebrae Longo prazo.

bre a viabilidade de Foram mapeadosformação de um quatro setores in-pólo de moldes para dustriais para os

plásticos na região. quais seriam im-portante a criaçãode pólo de moldes:moveleiro, plástico,máquinas/equipa-mentos e metalur-gia em geral.

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Paep/ABC – Elaborar e editar – Consór- Curto a médio

B Pesquisa da Ati- Cadernos de Pes- cio do ABC prazo.A vidade Econô- quisa: – BID O caderno de pes-N mica Paulista N. 2 – Reestrutura- – Governo quisa n. 2 já foi

C para o ABC ção produtiva na do Estado elaborado. Está emO Indústria do Gran- andamento pesqui-

de ABC; sas por amostra-

D N. 3 – Distribuição gem sobre os seto-E espacial da ativida- res informal e de

de econômica; serviços. Quanto à

D N. 4 – Análise e última, já foi fei-A investigação sobre ta a coleta de da-D o comércio na re- dos pelo IMES, ca-

O gião. bendo à AgênciaS de Desenvolvi-

mento analisá-los.

Este quadro revela um empenho da Agência de Desenvolvi-mento em criar alternativas, meios de reagir à crise econômica, pri-vilegiando de modo geral as ações voltadas às micro, pequenas emédias empresas que, na grande maioria dos casos, não têm capa-cidade de realizar investimentos por conta própria e para as quaisdificilmente há projetos claros de desenvolvimento. Em virtude dis-so, percebe-se que alguns projetos, entre eles o de “Fundo de Capi-tal de Risco”, visa justamente amparar empresas desse porte, comoexplicou um analista da Agência. Segundo ele, é aplicada uma certaquantia de dinheiro em empresas com potencial de crescimento numsistema de “participação transitória”: à medida que a empresa con-segue se expandir e obter lucros, o proprietário majoritário vai com-prando as partes dos seus associados, desfazendo paulatinamente asociedade.

Um estudo realizado pelo Núcleo de Economia Industrial eTecnológica do Instituto de Economia da Unicamp – “Diagnóstico ePerspectivas das Cadeias Petroquímicas e Automotiva no ABC” –também aponta para as potencialidades das cadeias de pequenas emédias indústrias ligadas aos setores petroquímico e automotivo,que possuem uma rede extensa de empresas desse porte na região.

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O trabalho sugere que sejam canalizados esforços no sentido decriar meios de integração entre as empresas, sobretudo do setor quí-mico, bem como estimular programas de reciclagem de trabalhado-res e empresários e a realização de obras de infra-estrutura comvistas a aumentar a competitividade.

Contudo, os municípios não dispõem de recursos para colo-car em prática todos esses projetos. Aqueles que têm um potencialreal de gerar emprego e renda dependem da parceria com as esferasFederal e Estadual de governo, bem como da participação de outrasinstituições de fomento.

Vale destacar nesse sentido, uma estimativa orçamentária ela-borada por Carlos Eduardo Orsini, consultor da Agência de Desen-volvimento. Seu projeto orçamentário objetiva a captação de recur-sos para a implementação dos eixos estruturantes do planejamentoestratégico regional. Vejamos como os custos ficaram distribuídosentre os agentes brasileiros:

Distribuição dos Investimentos (R$ x 1000)

2.916.5462.916.5462.916.5462.916.5462.916.546Municípios Estado União Outros Finan. Nac. Setor Privado165.746 598.500 381.227 10.866 117.000 1.642.836

5,68% 20,52% 13,07% 0,37% 4,01% 56,33%

Esses valores orçamentários foram aprovados pelo Consórciodo ABC, mas até o momento ainda não foram arrecadados. Atual-mente, a Agência aguarda as novas regras do BID para concessãode financiamentos, a fim de encaminhar projeto de captação derecursos do banco.

É preciso destacar a lentidão das agências de fomento para aavaliação dos projetos, o que atrasa a implementação de qualquerprograma. Segundo o analista da Agência, para chegar à aprovaçãofinal de um projeto e liberação dos recursos percorre-se aproxima-damente três a quatro anos de intensa negociação. A burocracia éenorme e deve-se seguir com exatidão cada uma das etapas e prer-rogativas impostas, não só pelas agências de fomento internacio-nais, como também pelos organismos da União, que têm o poder de

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embargar projetos que não atendam às exigências e especificida-des. O projeto “Escola de Empreendedores”, por exemplo, está aguar-dando a divulgação das alterações das normas internacionais paraque possa retomar as negociações já iniciadas.

Julgamos importante comentar tais processos a fim de de-monstrarmos como os resultados obtidos com essa forma de gestãoregional nem sempre podem ser alcançados com rapidez. Salvo al-gumas exceções, a maioria das atividades só terá resultados a mé-dio e longo prazo, o que acaba gerando a sensação de que muitopouco está sendo feito. Porém, a construção dos “piscinões”, a con-cretização do projeto Alquimia e a criação de um banco de dadoscom informações regionais podem nos ajudar a relativizar essas afir-mações, mostrando o quanto a formação dessas instâncias regio-nais está contribuindo para a vida do Grande ABC. Vejamos commais detalhes a construção do banco de dados.

A criação do Banco de Dados regionais visa dotar a região deuma central de elaboração de diagnósticos socioeconômicos dossete municípios, a partir dos quais poderão ser elaboradas políticaspúblicas em sintonia com as transformações ocorridas na região.

Para tanto, o Consórcio do ABC assinou um contrato com aFundação Seade para que fosse realizada a Paep/ABC ( Pesquisa daatividade econômica paulista para o ABC) e, mensalmente, a PED/ABC (Pesquisa de Emprego e Desemprego para o ABC). Quanto àPaep, realizada no ano de 1996, podemos dizer que seus resultadosforam recebidos de forma bastante positiva pelas administraçõesmunicipais, uma vez que revelaram um ABC com perfil nitidamenteindustrial, baseado nas grandes empresas e atrativo aos investimen-tos, sobretudo, das grandes cadeias produtivas, contrariando a idéiade que o ABC estava se tornando uma região de serviços como foiamplamente discutido até pouco tempo atrás.7

A pesquisa revela que foram feitas inovações no produto ouno processo produtivo, especialmente pelas grandes indústrias detransformação (montagem de veículos; máquinas e material elétri-

7 Uma análise sistemática dos dados foi feita pela Agência de Desenvolvimento econsta nos cadernos de pesquisa números 1 e 2 publicados pela mesma.

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co; metalurgia básica; produtos químicos), indicando que o parqueindustrial do ABC continua atraindo grandes investimentos. Valedestacar nesse ponto, que apenas a Volkswagen, com planta emSão Bernardo do Campo, anunciou um investimento de 1,5 bilhãode reais no ano 2000, indicativo de que esta empresa, ao menos nospróximos anos, não pretende abandonar a região.

Porém, também não é possível descartar a tese de que a ativi-dade industrial do ABC sofreu com a redução real de algumas plan-tas. Isso ocorreu e ainda está ocorrendo, como demonstra o caso dafábrica de refrigeradores Multibrás. É preciso lembrar que o Sindica-to dos Metalúrgicos do ABC recorreu dessa decisão e o governadorGeraldo Alckmin é parte dessas discussões e está tentando negociarcom os dirigentes da empresa uma forma de fazê-los permanecer noestado.

Isso não significa, contudo, que o ABC viveu ou vive um pro-cesso de desindustrialização ou forte crise na indústria. A grandeestrutura industrial instalada nos municípios, com altos investimen-tos, sugere que a migração das empresas para outras localidadesnão se dará facilmente, mesmo porque a proximidade com a capitaldo estado (onde se encontram os mais avançados centros de pes-quisa e tecnologia do país), a disponibilidade de mão-de-obra qua-lificada e de importantes mercados consumidores permanecem comopontos atrativos no ABC.

Os dados da Paep indicam que a crise pela qual o ABC ver-dadeiramente passou (e ainda passa) é de emprego. Impulsionadaspela dinâmica do processo produtivo, as empresas que tradicional-mente empregavam mais trabalhadores têm investido no aumentoda produtividade e competitividade, minimizando ao máximo suasdespesas mediante as reestruturações, inovações, terceirizações etc.,processos que enxugam mão-de-obra e fazem crescer a massa dedesempregados, como deixam claro as informações da PED. O au-mento do desemprego, naturalmente, acabou sendo associado à criseindustrial. Observemos os dados da PED.

No que tange à PED/ABC, realizada durante os últimos trêsanos na região, pode-se dizer que é um instrumento muito impor-tante para acompanhar as variações nos índices de emprego e de-

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semprego e ajudar na elaboração de medidas compatíveis com arealidade econômica regional. Até alguns meses atrás, a pesquisaindicava índices preocupantes de desemprego nos sete municípios,numa escala que superava as taxas da metrópole paulista. Comomencionamos anteriormente, o fato das empresas mais dinâmicas eque agregavam o maior contingente de trabalhadores terem investi-do em processos de reestruturação produtiva levou a uma diminui-ção sensível dos ocupados na indústria. Segundo Abramo, a Volkswa-gen, que em 1980 possuía 42.000 trabalhadores somente em suafábrica em São Bernardo, hoje emprega em todo país cerca de 30.000pessoas (2000).

Contudo, nos últimos meses houve uma recuperação do em-prego no ABC. Mesmo permanecendo acima dos índices da capital,dados recentes apontam que a taxa de desemprego anual média noGrande ABC paulista decresceu de 21,4% da População Economi-camente Ativa (PEA), para 18,7% no ano 2000, ficando o númerode desempregados em torno de 220.000 pessoas.

Segundo análises da Agência de Desenvolvimento e da Fun-dação Seade, isso foi acarretado em função da geração de empre-gos em todos os setores de atividade, em especial, a abertura de20.000 vagas na indústria (principalmente no agregado metal-me-cânico e nos ramos de vestuário e calçados). Além de ser um dadopositivo, para Pamplona, coordenador técnico da Agência de De-senvolvimento, esses resultados ajudaram “a desfazer a imagem doABC como região decadente”, e continua: “o que na realidade nãopassa de um mito” (Informativo Grande ABC, 2000: 3).

Vale destacar também que o ABC dispõe de uma Central deTrabalho e Renda, vinculada à CUT, que se mantém com recursosdo FAT, e conta com a parceria da Prefeitura de Santo André (sendoque os demais prefeitos não aderiram à iniciativa). Seu objetivo épromover políticas de emprego e, para isso, oferece aos trabalhado-res desempregados cursos de aperfeiçoamento, qualificação profis-sional e alfabetização.8 Porém, estes cursos não visam estritamenterecolocar as pessoas no mercado de trabalho. Segundo o gerente de

8 Os cursos de alfabetização são dados pelo Mova.

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qualificação profissional da Central, os cursos seguem uma aborda-gem mais ampla, discutindo questões sobre cidadania, política na-cional e procuram elevar a auto-estima dos alunos.

O convênio com as empresas é feito por meio do telemarketingpela Central ou mediante a procura das empresas pelos trabalhosda mesma. Ao total possui hoje cerca de 100.000 desempregadoscadastrados e conseguiu reinserir aproximadamente 5.000 pessoasou cerca de 5%, uma taxa que se aproxima da média empregada noABC nos últimos meses.9

Para os fins deste trabalho, não prosseguiremos na análiseacerca da problemática do emprego. Basta saber que esta se consti-tui uma das preocupações centrais da Câmara Regional, visto quequaisquer planos de desenvolvimento perpassam obrigatoriamentea discussão sobre emprego e renda, por isso todos os esforços emcriar e implementar os inúmeros projetos e programas.

Deste modo, nossa intenção até aqui foi mostrar como e porquais meios a Câmara Regional, em seus quase quatro anos de vida,tem buscado construir uma nova imagem para o ABC, de forma areverter o quadro de declínio econômico. Porém, não há como ne-gar que quatro anos é um período relativamente curto para quesejam exigidas grandes realizações, ainda mais se levarmos em con-sideração que a Câmara Regional é uma experiência inédita quevem aprendendo na prática e dentro de certos limites, como criarum novo modelo de crescimento e desenvolvimento para a região.

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Todas essas experiências institucionais que ganharam vida noABC nos últimos dez anos deixam claro que há possibilidade de sepensar localmente novas estratégias de desenvolvimento.

No caso do Grande ABC paulista, vimos que as barreirascomeçaram a ser rompidas com a articulação dos prefeitos no

9 Para uma análise mais detalhada ver o artigo de Vivian Schoereder neste livro.

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Consórcio do ABC. Essa associação inicial não constituiu uma tare-fa fácil, tendo-se em vista que a tradição brasileira não privilegiaformas como essas de atuação política e nem mesmo a Constitui-ção, muito embora “a figura jurídica do consórcio” conste na mes-ma desde 1937. A legislação restringe as ações do Consórcio doABC, e dos consórcios de forma geral, pois “os prevê apenas comoinstituições de direito privado. Como para instituições de direito pri-vado é inviável a obtenção de empréstimos junto a organismos in-ternacionais de fomento, o instrumento do consórcio sofre enormeslimitações” (Abrúcio e Couto, 1996: 44).

No entanto, como o Consórcio foi apenas o passo inicial emdireção ao bloco regional (agrupando somente os prefeitos), essesobstáculos de natureza econômica estão sendo hoje removidos pormeio da atuação da Câmara Regional e da Agência de Desenvolvi-mento Econômico.

Com a Câmara Regional foi possível alargar as participaçõespara a sociedade civil e os atores do mercado, e ampliar a transpa-rência e o controle social nas políticas implementadas. Ou seja, essaexperiência viabilizou a aproximação entre a população, os traba-lhadores e os empresários do governo municipal, tal como sugereIgnacy Sachs. Para ele, a economia deve ser negociada entre dife-rentes parceiros, estabelecendo-se contratos cada vez mais quadri-partites, formados pela sociedade civil, Estado, Capital e Trabalhonum jogo em que o Estado se afasta da condição de onipotente,sem deixar de ser interventor, tornando-se, isto sim, um dos parcei-ros no jogo político. E isso pode se dar com mais facilidade no âm-bito municipal, uma vez que é uma esfera de poder a qual os cida-dãos podem ter acesso com um pouco mais de facilidade.

A mesma linha de pensamento é seguida por Ladislau Dowbor.Segundo o autor, essa possibilidade de “poderem integrar os dife-rentes setores, e articular os diversos atores” é uma vantagem muitosignificativa das políticas locais, pois permite que o desenvolvimen-to entrecruze todas as instâncias de poder. “As tendências recentesda gestão social nos obrigam a repensar formas de organização so-cial, a redefinir a relação entre o político, o econômico e o social, adesenvolver pesquisa cruzando as diversas disciplinas, a escutar de

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forma sistemática os atores estatais, empresariais e comunitários.Trata-se hoje, realmente, de um universo em construção” (Dowbor,2000: 102).

Portanto, trata-se de caminhos que devem ser construídossobre bases mais democráticas, aproximando-se da chamada de-mocracia participativa, que permite aos diversos atores sociais opi-nar, intervir e decidir coletivamente.

Logo, são diversos os autores que vêm indicando o espaçomunicipal como o locus da emergência das novas estratégias deação para o desenvolvimento. Entre as várias opções de estratégiashá aquela que privilegia o desenvolvimento de redes de pequenas emédias indústrias, que podem ter como base de atuação o nívelregional, mas que devem sempre considerar a criação de canais deacesso à sociedade civil para que participem na condição de interlo-cutoras, como ocorreu com a Terceira Itália, um modelo prático bemsucedido para a experiência do Grande ABC.

Essa estrutura está presente na organização e operacionaliza-ção da Câmara Regional e demais instâncias associativas criadas noABC, claramente dispostas a criar uma nova forma de administrar acoisa pública. Entretanto, se essa forma de gestão ocorre no GrandeABC, é porque esta é uma região que se diferencia de grande partedas cidades brasileiras, em virtude de todos os recursos dos quaisdispõe, seja do ponto de vista econômico, político ou social. É sobreesse último que nos debruçaremos por um momento.

Os municípios do ABC paulista construíram durante os últi-mos 30 anos uma alta densidade institucional, próxima do queArnaldo Bagnasco denomina de “capital social”, acumulado pormeio das experiências por que passou ao longo da sua história10 eque tem no movimento sindical uma de suas mais importantespilastras.

10 Entre os movimentos que marcaram a história do ABC, estão os populares, queemergiram no fim da década de 1970, e reivindicavam melhores condições devida, sendo grande parte deles organizados no interior da Igreja Católica. Com asgreves metalúrgicas, esses movimentos se uniram aos dos trabalhadores, e juntospassaram a lutar por aumentos salariais e prerrogativas sociais (para maiores infor-mações sobre o período ver Abramo, L., 2000; Martins, H., 1994; Meneguelo, R.,1989; Sader, E., 1988).

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O movimento sindical tornou-se mais expressivo no ABC apartir das greves metalúrgicas dos anos 70, que resultaram no surgi-mento de um novo sindicalismo, personalizado na figura do Sindi-cato dos Metalúrgicos do ABC. Dentro do movimento sindical comoum todo, esse sindicato projetou-se como referência nacional emvirtude da trajetória percorrida, marcada pela participação na cria-ção do PT e da CUT, na projeção de Luís Inácio Lula da Silva comoliderança sindical e popular, nas lutas pela democracia etc.

Há alguns anos esse sindicato deu mais uma vez sinais de seupotencial de expandir a atuação para novos espaços, novas proble-máticas, com vistas à melhoria das condições de vida da classe tra-balhadora. Isso aconteceu em 1992 com a experiência da CâmaraSetorial Automobilística e está acontecendo agora com a CâmaraRegional do Grande ABC.

A participação do movimento sindical na câmara setorial re-presentou um salto qualitativo, expressando simultaneamente a ca-pacidade e importância do diálogo entre os trabalhadores e empre-sários, a capacidade de inovação do movimento sindical (que soubesubstituir sua tradicional atuação combativa, característica dos anos80, por estratégias pautadas na negociação) e a afirmação de seupoder de representatividade junto às instituições legais e às indús-trias metalúrgicas. É por essas razões que Abramo destaca:

[...] o que chama a atenção na experiência do sindicalismo do ABC éjustamente a capacidade que vem demonstrando, ao longo dos últimos20 anos, de exercer sua criatividade e sua capacidade de luta, de darsaltos, de inventar novos caminhos, exatamente quando a situação pa-rece ter chegado a um ponto de estrangulamento. Em cada um dessesmomentos, sem abandonar nunca seu esforço no sentido de aprofundaros processos de negociação no interior das empresas, ao mesmo tempo,o sindicalismo do ABC tenta projetar sua ação para novos espaços enovos temas, assim como sua capacidade de interlocução com novosatores [idem: 4, grifo meu].

No que tange à Câmara Regional é preciso, contudo, apontarque não apenas o Sindicato dos Metalúrgicos ocupa um lugar rele-vante, mas também outras categorias de trabalhadores, como osbancários e petroquímicos. Vale lembrar que o Sindicato dos Traba-lhadores Químicos do ABC foi um importante agente na construção

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dos espaços regionais (como o Fórum da Cidadania que incentivoua criação da Câmara Regional) e hoje se dedica efetivamente à açãoregional, elaborando e coordenando o projeto Alquimia.

Assim, vemos que os sindicatos estão dando provas mais umavez do quanto podem contribuir para a formulação de propostas eacordos que tenham como objetivo o desenvolvimento econômicoe social dos municípios, bem como podem ajudar na afirmação daidentidade regional do ABC.

Isso nos leva a pensar que as instâncias regionais que estão seconsolidando na região estão assentadas sobre duas bases funda-mentais: uma corresponde à rica densidade institucional que foi seconstruindo pelos movimentos populares e sindicais, que deram vi-sibilidade às diversas demandas sociais e econômicas; a outra refe-re-se ao quadro político-partidário que se prontificou a desenvolverações integradas regionalmente.

Esse quadro político começou a ser formado em 1989, quan-do foram eleitos três candidatos de esquerda para as administraçõesmunicipais, todos do Partido dos Trabalhadores. Sem o empenhodesses agentes e a disposição dos demais prefeitos, o Consórcio In-termunicipal do Grande ABC não seria criado. Isso fica claro quan-do observamos o esvaziamento que as discussões regionais sofre-ram a partir de 1993, quando as novas lideranças11 que assumiramas sete cidades deram preferência à forma de gestão individual.

Apenas com os novos candidatos conduzidos ao governo em1997, que manifestaram já nas campanhas interesse em retomar asatividades do Consórcio do ABC, os trabalhos puderam ser reinicia-dos e ampliados, mediante a criação da Câmara Regional, numatentativa de fortalecer a coesão intermunicipal para reagir à criseeconômica.

Isso nos leva a localizar na formação de um bloco de centro-esquerda, reunindo prefeitos do PT, do PPS e do PSB uma das ra-zões para o progresso da articulação regional. Se essa afirmação semantém, as chances de que os arranjos regionais se fortaleçam émaior, visto que os partidos mais preocupados com a ação regional

11 O quadro partidário foi o seguinte: Diadema – PT; Santo André e São Bernardo –PTB; São Caetano, Mauá e Rio Grande da Serra – PSDB; e Ribeirão Pires – PMDB.

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saíram fortalecidos na última eleição municipal, ficando as prefeitu-ras assim representadas:

– PT cinco prefeituras: Santo André, Mauá, Ribeirão Pires,Diadema e Rio Grande da Serra, sendo que nas três pri-meiras houve reeleição. Ao prefeito do último municípiocabe atualmente a presidência do Consórcio do ABC e acoordenadoria da Câmara Regional,12 em substituição aoprefeito de Mauá.

– PPS ocupa a Prefeitura de São Bernardo do Campo13 e oPTB está em São Caetano do Sul, ambos prefeitos tam-bém reeleitos.

É certo que a participação dos prefeitos do PT nas reuniões,debates e elaboração de propostas é efetiva. Entretanto, não pode-mos deixar de registrar que os prefeitos do PPS e PSB também co-laboraram nesse processo, colocando-se claramente a favor das es-tratégias regionais para o desenvolvimento do ABC.

Dentro desse contexto, somente um dos prefeitos tem presen-ça apenas simbólica. Mesmo declarando-se publicamente favorávelà ação regional, ele dificilmente comparece às reuniões e não interagenas discussões intermunicipais, chegando até mesmo a abrir mãoda presidência do Consórcio do ABC e da Câmara Regional,14 comoele próprio afirmou: “nunca quis ser presidente do Consórcio”.15

A demonstração de que não confere relevância às instânciasregionais fica clara quando, em resposta à questão sobre a influên-cia que essas instituições exercem sobre seu município, diz: “Nenhu-

12 Chama a atenção o fato de Rio Grande da Serra assumir a direção das instânciasregionais, uma vez que o prefeito foi eleito pela primeira vez e necessitará de umperíodo para adaptar-se às exigências e rotina do trabalho regional.

13 O prefeito de São Bernardo era o primeiro da lista de sugestões para presidir oConsórcio, apesar de já tê-lo sido em 1998, mas era uma maneira de demonstrarque o PT, mesmo governando a maioria dos municípios, não pretende se afirmarcomo liderança nos trabalhos regionais. Porém, o prefeito se recusou, justificandoque em virtude dos planos de seu partido em lançá-lo candidato a governador em2002, seu rendimento frente ao Consórcio do ABC e à Câmara Regional ficariacomprometido.

14 Vale lembrar que estes são organismos em que vigora um sistema de rotatividade,em que cada município preside durante um ano as atividades e até o momentoapenas um deles não ocupou essa posição.

15 Entrevista realizada em 2000.

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ma. A Câmara não é órgão executivo, conseqüentemente, não exer-ce influência nenhuma. A Câmara levanta problemas e leva essesproblemas para o governo do Estado, para o governo Federal epara os governos municipais, pedindo que atuem nessas áreas. Fazpropostas, só, mais nada”.16

Por outro lado, o prefeito atribui ao quadro partidário as difi-culdades que permeiam a articulação regional:

as dificuldades do Consórcio cresceram e estão nas linhas de atuação,na forma de atuação político-partidária. Cada prefeito tem um jeito deagir e, às vezes, como aconteceu de 89 a 92 e mesmo agora, o PT temo maior número de prefeitos e tem uma linha de atuação que não é aminha. Eu sou um prefeito de resultados e eles são de criar grupos esubgrupos, grupos temáticos e coisa e tal, e às vezes eles querem chegarna ponta da esquina e eu levo segundos e eles levam meses para chegarlá. Então, não bate o sistema.17

Quando comenta a criação de grupos e subgrupos, o prefeitoestá na verdade referindo-se à estrutura da Câmara Regional e àtradição de discutir coletivamente os problemas e ações que ela estáprocurando estabelecer, mas cujo “sistema” não faz parte de suavisão política, mais próxima de uma vertente conservadora, quevaloriza a forma tradicional de administração pública. Essa sua pos-tura também se relaciona ao fato do município que administra dis-tinguir-se das demais cidades do ABC, concentrando uma rendaper capita acima da média regional, não possuindo favelas ou corti-ços etc., logrando por isso dispensável a participação nas iniciativasregionais de desenvolvimento. Mas, prova de que seu município tam-bém é afetado por problemas semelhantes ao das outras cidades foidada no mês de janeiro do ano 2000, com a ocorrência das enchen-tes. Isso demonstrou como ele pode ser beneficiado por obras regio-nais, como os piscinões, que apesar de não serem construídos noslimites de seu território (pois não há área disponível), ameniza osproblemas acarretados pelas chuvas.

Detivemo-nos longamente nesse exemplo para ilustrar con-cretamente a fragilidade institucional que marca essas experiências

16 Idem.17 Ibidem.

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no ABC, pois deixam claro como a cooperação intermunicipal estálonge de ser satisfatória e requer um trabalho diário e permanentede afirmação, num processo que exige um comprometimento cole-tivo e não só individual.

Entretanto, o prefeito em quetão não é o único a manter umaparticipação descontínua: muitos agentes do legislativo e empresá-rios seguem praticamente o mesmo procedimento. Presidentes dasCâmaras Municipais e parlamentares da região (deputados estaduaise federais) que a priori deveriam participar das atividades, têm apre-sentado um envolvimento bastante discreto (para não dizer nulo),raramente integrando-se aos trabalhos em andamento. Processosemelhante ocorre com os empresários que ainda não aderiram efe-tivamente às mesas de discussão, “possivelmente em função de doisfatores: a inexistência de organizações empresariais de cunho regio-nal com a devida representatividade e a histórica ausência dostomadores de decisão das grandes empresas na vida do ABC” (Da-niel, s/d: 5). Essa ausência diz respeito especialmente às montadorasde autoveículos, com as quais ainda não foi constituída a necessáriaarticulação. Os empresários do setor permanecem exteriores ao de-bate regional, dialogando, como tradicionalmente ocorreu, direta-mente com as esferas superiores do governo (estadual ou federal),realçando a questão dos limites e do poder efetivo das articulaçõesregionais.

Contudo, o mesmo não pode ser dito sobre os empresáriosdo setor químico/petroquímico, mais abertos ao planejamento cole-tivo. A região conta hoje com uma cadeia química completa (com-posta por refinarias, petroquímica, empresas de transformação, detintas, de autopeças e automobilística) totalizando aproximadamen-te 600 empresas, na maioria de pequeno e médio porte. O GT pe-troquímico participou no projeto de ampliação da PetroquímicaUnião junto à Petrobras (que precisava liberar mais matéria-prima,a nafta), vem discutindo a criação do pólo tecnológico para o de-senvolvimento de moldes para a área plástica e de uma central decompras de matéria-prima. Ou seja, o setor tem se mostrado dispos-to a trabalhar em conjunto com a Câmara Regional, ajudando areforçar o poder de representação dessa instituição.

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Mas, ainda assim, a participação irregular dos demais agen-tes indica as limitações impostas à efetiva atuação regional,explicitando o quanto essas novas instâncias são frágeis institucio-nalmente e o quanto há para ser feito para que alcancem umaplena legitimidade e representatividade, princípios que não sãoincorporados aos organismos de maneira automática ou por im-posição, mas são conquistados com a própria dinâmica do proces-so. Tecidos esses comentários, podemos retomar a discussão acer-ca do quadro partidário.

A conjuntura política, não há dúvidas, foi e continua sendoimportante para a condução dos trabalhos regionais e para a produ-ção da legitimidade das respectivas instâncias. Os prefeitos mais pró-ximos de uma corrente de centro-esquerda envolveram-se com maisseriedade na articulação regional. Contudo, (i) não se trata de afir-mar a primazia do Partido dos Trabalhadores na construção dessasnovas instâncias institucionais; (ii) constatamos, isto sim, uma von-tade política maior de seus membros em desenvolver estas instân-cias mais inclusivas e democráticas, entre os quais um de seus pre-feitos constitui-se o principal articulador, adepto fiel das estratégiasde desenvolvimento fundadas no governo local.

Assim, pode-se dizer que, se por um lado o PT é uma presen-ça importante regionalmente (o ABC foi a sede de seu nascimento ede sua primeira experiência na administração municipal), por outro,coube a algumas de suas lideranças a implementação de políticasregionais.

Essas conclusões se tornam mais claras quando se faz umaanálise comparativa (ainda que sucinta) entre a região do GrandeABC paulista e da Grande Porto Alegre (RS).

O Partido dos Trabalhadores ocupa o governo de Porto deAlegre há 12 anos consecutivos, período em que também adminis-trou uma série de prefeituras vizinhas. Nesse período, entre as expe-riências desenvolvidas, uma delas se tornaria uma bandeira do PT,o orçamento participativo, um plano que teve sucesso e avançouem direção à democratização do processo decisório. No entanto,não foi implementado nenhum projeto visando a articulação regio-nal entre os municípios.

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Diferentemente da região do ABC, onde a organização sindi-cal possui hoje significativa expressividade na arena política, e parti-cularmente nas instâncias regionais, no Rio Grande do Sul o movi-mento de trabalhadores não compartilha da mesma força. Do mesmomodo, os empresários não têm o hábito de discutir políticas públi-cas, mantendo-se distantes do processo político e decisório.

O caso das negociações para a entrada da empresa automobi-lística GM na cidade de Gravataí é um exemplo disso: quando asnegociações para a instalação da montadora começaram a ser feitasdiretamente com o prefeito (PT), o sindicato dos metalúrgicos não foiconvidado a participar dos acertos contratuais, tomando conhecimentoapenas depois que tudo estava negociado. Processo idêntico ocorreuem relação à entrada e saída da Ford em Guaíba, quando o processodecisório ocorreu a portas fechadas no gabinete do governo estadual.Isso torna mais difícil a ação regional, visto que os importantes agen-tes (sindicatos, governos e empresários) encontram-se desarticulados.

Esse quadro brevemente descrito leva-nos a diminuir o pesoda atuação do Partido dos Trabalhadores e o seu engajamento empolíticas regionais. Apesar de seu programa avalizar esse tipo deatuação, nem sempre há disposição política ou priorização dessecomportamento. Por isso, quando nos referimos à relevância da coa-lizão partidária para a construção da Câmara Regional no ABC épreciso realçar a atuação dos dirigentes locais e a história político-social da região.

Isso mais uma vez demonstra que para se compreender a cons-trução desses organismos aglutinadores da sociedade civil e dos po-deres público e privado, não se pode, de forma alguma, considerarapenas uma vertente explicativa. É necessária uma análise pluridi-mensional, abarcando elementos históricos, econômicos, institucio-nais e políticos sob os quais essas experiências de desenvolveram.

No mesmo sentido, pode-se iniciar uma reflexão sobre a re-gião metropolitana de São Paulo. Ainda que os resultados da últimaeleição municipal, que deram vitória ao Partido dos Trabalhadoresna capital e em Guarulhos, representem melhores condições paraque as experiências do ABC se ampliem e se fortaleçam em direçãoa uma aliança metropolitana, não é certo que tal bloco se concreti-

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ze. Principalmente porque a atuação regional demanda um enormecusto de transação, já que a diversidade de histórias e a desconfian-ça política são marcas registradas da nossa tradição.

Mesmo assim, o novo presidente do Consórcio já faz planosde integrar os novos municípios de gestão petista: “Quero iniciar umprocesso de articulação para um novo modelo metropolitano e dia-logar com Marta [Suplicy] e Elói [Pietá]” (Diário do Grande ABC,29.1.2001).

Princípio semelhante aparece no programa de governo daprefeita de São Paulo, que coloca como umas das propostas a deuma ação metropolitana, assim definida:

fazer com que a Prefeitura assuma seu papel de liderança dos municí-pios da Região Metropolitana, visando a solução coletiva dos proble-mas estruturais de meio ambiente, resíduos sólidos, transporte e desen-volvimento regional e promovendo a constituição de consórciosintermunicipais e fóruns regionais (2000: 8).

Mas, se tal processo germinará, ainda é cedo para se avaliar.O essencial é que esses agentes estão de alguma forma refletindosobre a necessidade de se caminhar para a articulação de forças,apostar na participação da sociedade civil, romper com essa tradi-ção que limita o alcance das políticas públicas ao reduzi-las ao cir-cuito municipal. Trata-se de ampliar o debate, “afrouxar” a estrutu-ra governamental de forma a torná-la capaz de incluir cada vez maisos diferentes interesses e atores sociais, a fim de dividir com os mes-mos as responsabilidades do desenvolvimento econômico e social.

A Câmara Regional do ABC tem definido esse caminho. Em-bora constitua uma experiência ainda embrionária, pode ser consi-derada uma grande inovação em termos de organização intermuni-cipal, contribuindo efetivamente para o planejamento local e regional,bem como para a discussão política sobre desenvolvimento.

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Procuramos com esse trabalho apresentar e discutir as expe-riências institucionais que nasceram no Grande ABC paulista nos

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últimos dez anos e que vêm se consolidando como alternativas parase pensar políticas públicas. Essas iniciativas acompanham uma ten-dência que vem se difundindo mundialmente, sinalizando a necessi-dade de se empreender políticas públicas de desenvolvimento a partirdo nível local e de forma a incorporar a participação dos diferentesgrupos e interesses sociais.

Como salientamos reiteradas vezes, trata-se de um processocomplexo que depende de certos elementos para que possa se rea-lizar, dentre os quais se destacam a densidade institucional e a von-tade política dos governantes. O ABC soube articular esses elemen-tos e fortalecê-los por meio das parcerias regionais.

Todavia, apesar do interesse dos agentes envolvidos, essa for-ma de atuação enfrenta alguns limites, quais sejam:

i) carência de recursos financeiros, que obriga os municípios arecorrer aos níveis estadual e federal, mostrando que permane-cem dependentes da proteção financeira dos mesmos;

ii) ausência de uma legislação favorável à articulação intermunici-pal, como no caso do Consórcio do ABC e de outras associa-ções semelhantes, que buscam unir o poder público e os agen-tes locais na formação de unidades administrativas que ajudema superar os problemas de ordem econômica;

iii) resistência em trabalhar regionalmente, refletida no individua-lismo dos membros do poder público e da classe empresarial, oque pode, eventualmente, comprometer os esforços coletivos.

Mas, ainda que existam tais forças restritivas, os municípiosestão procurando construir um novo modo de se pensar e fazer po-lítica pública que priorize a geração de emprego e renda em sintoniacom as boas condições de vida e com a preservação ambiental,podendo vir a tornar-se um modelo eficiente de estratégia de desen-volvimento, que tem a democracia como meio e como fim.

Enquanto meio, na medida em que a participação ampla e plural – nonível do Estado e no da sociedade – é condição para o estabelecimentode acordos regionais. Como fim, no sentido de se basear numa estraté-gia de desenvolvimento que incorpora a inclusão social. Por isso mes-mo, é possível afirmar que ela aponta para um novo modelo de gover-nança regional (Daniel, s. d.: 9, 10).

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Vale registrar que no ano passado a Fundação Getúlio Vargas(FGV) e o Banco Mundial (Bird), parceiros no projeto “Parcerias,pobreza e cidadania” reconheceu o mérito dos trabalhos do ABC. Oprojeto elegeu a Câmara Regional como uma das dez melhores ex-periências criadas no Brasil, visando a redução da pobreza, contan-do para isso com o apoio e participação dos diferentes atores so-ciais.

Desta forma, estender os contatos, conquistar mais associa-dos, fortalecer a cooperação administrativa intermunicipal e inter-governamental (a fim de conquistar a participação da União), sãoformas de ultrapassar as limitações do poder público local para aimplementação do planejamento estratégico e, ao mesmo tempo,consolidar a representatividade e legitimidade dessas experiênciasinovadoras de desenvolvimento regional.

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– Armando Laganá, representante da Secretaria Estadual de Ciência, Tec-nologia e Desenvolvimento Econômico na Câmara Regional do GrandeABC. USP, 14.2.2000, com Adriana Santos.

– Carlos Augusto César Cafú, diretor executivo do Sindicato dos Químicos,coordenador executivo do Fórum da Cidadania e membro da Coordena-ção Executiva da Câmara. Santo André, 17.11.1999.

– Comissão de Fábrica de Trabalhadores da Ford do Brasil. São Bernardodo Campo, 14.10.1999.

– Eduardo Moreira, analista da Agência de Desenvolvimento Econômico.Santo André, 11.1.2001.

– Ernani Fernandes Moreira, gerente do Setor de Formação Profissional daCentral de Trabalho e Renda de Santo André. Santo André, 11.1.2001,com Vivian Schoereder.

– Flávio Bollinger, analista técnico da Fundação Seade. Seade, 8.5.2000.– Giogio Romano, consultor do Sindicato dos Químicos do ABC. USP,

7.6.2000.– Jefferson da Conceição, economista do Dieese/ABC e membro do Grupo

Temático do Setor Automotivo na Câmara Regional do Grande ABC. SãoBernardo do Campo, 14.1.2000, com Vivian Schoereder.

– João Batista Pamplona, coordenador técnico da equipe que analisa a Paep/ABC. Santo André, 19.4.2000, com Vivian Schoereder.

– Jorge Hereda, assessor executivo do Consórcio Intermunicipal do GrandeABC. Ribeirão Pires, 19.1.2000.

– José Américo Dias, secretário de Comunicação de Mauá. Mauá, 24.1.2000,com Glauco Arbix, Adriana Santos e Vivian Schoereder.

– Luiz Olinto Tortorello, prefeito de São Caetano do Sul e membro do Con-sórcio Intermunicipal do Grande ABC. São Caetano do Sul, 7.2.2000.

– Maria Inês Soares Freire, prefeita do município de Ribeirão Pires, presi-dente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC e coordenadora exe-cutiva da Câmara Regional do Grande ABC. Ribeirão Pires, 19.1.2000,com Glauco Arbix, Adriana Santos e Vivian Schoereder.

– Miguel Matteo, analista técnico senior da Fundação Seade. USP, julho de1999, com Glauco Arbix, Vivian Shoereder e Giorgio Romano.

– Oswaldo Dias, prefeito de Mauá e membro do Consórcio Intermunicipaldo Grande ABC. Mauá, 24.1.2000, com Glauco Arbix, Adriana Santos eVivian Schoereder.

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– Renato Maués, assessor executivo da Presidência e da Coordenadoria doConsórcio do Grande ABC. Santo André, 11.11.2000.

– Ricardo Alvarez, vereador em Santo André pelo Partido dos Trabalhado-res (PT). Santo André, 27.8.1999, com Vivian Schoereder.

– Sérgio Novais, presidente do Sindicato dos Químicos e Membro da Dire-ção da Agência de Desenvolvimento Econômico do Grande ABC. SantoAndré, 26.11.1999.

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Miguel Matteo* e Glauco Arbix**

Quanta tinta e papel foram gastos para apresentar a inevita-bilidade da sociedade pós-industrial? Quantas reportagens freqüen-taram os principais jornais e revistas do país, as grandes redes derádio e TV e todas as dimensões da Internet para anunciar a che-gada de um novo mundo, intensivo em informação, destinado asubstituir a indústria como fonte de valor e de prosperidade? Onovo milênio, disseram, ameaça deixar o século XX comendo poeira– agora não mais dos carros, mas das estrelas – com a chegada deuma nova racionalidade econômica, imensamente mais sofistica-da que o mecânico mundo industrial. Com euforia, essa imagempenetrou nos poros das sociedades e ganhou adeptos de todos osmatizes em quase todo o mundo, inclusive nos meios universitá-rios.

No entanto, as previsões entusiasmadas sobre a revoluciona-ridade da economia nascente esvaneceram-se diante do primeiroconfronto com a realidade. Não somente fracassaram as previsõessobre o lugar que os serviços pós-industriais deveriam ocupar nanova economia, como também mostraram-se falhos os prognósti-cos sobre o inelutável envelhecimento e perda de poder da indús-tria. Esta, apesar de fustigada pelos argumentos pós-industrialistas epós-modernos, vem exibindo uma vitalidade e flexibilidade surpre-

* Doutorando em Economia pelo IE/Unicamp, analista da Fundação Seade.** Professor do Dep. de Sociologia da USP, pesquisador da Fapesp e do CNPq.

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endentes, constituindo-se em tema aberto e intrigante para a pes-quisa acadêmica.

Diga-se de passagem, nada mais adequado para despertar acuriosidade de jovens pesquisadores do que o desafio de entender orenascimento de temas supostamente esgotados. Em se tratando daindústria, e ainda por cima a do Estado de São Paulo, tido e havidocomo declinante, vale realmente a pena ver de novo. Isso porque, aintegração, a complementaridade e os saltos em produtividade al-cançados pelos recentes processos da manufatura paulista estãoalterando sua estrutura industrial básica, exibindo uma vitalidadesurpreendente. Este pequeno livro articula-se em torno de uma idéia-chave, a de que a nova indústria que emergiu nos últimos anos nãosó foi responsável pela recuperação da atividade produtiva do Esta-do, como mostra-se habilitada para equacionar e alavancar saltosfuturos de toda economia brasileira.

Se nossa hipótese se confirma, podemos dizer que a metáforapaulista para este início de milênio não será farsa nem tragédia, masuma espécie de complexa vingança de um Estado que insiste cadavez mais em viver da própria indústria.

Nosso ponto de partida é que a atual renovação industrial emSão Paulo está sendo possível graças à articulação de um conjuntode inovações produtivas e tecnológicas, que vem provocando alte-rações em toda a arquitetura tradicional da indústria. Esse novo es-tilo industrial que começou a se intensificar em meados dos anos80, integrou inovações tecnológicas, desenvolveu processos de ajustee de reestruturação produtiva, estabeleceu novos padrões de rela-ções trabalhistas, aprimorou seus vínculos com regiões e comunida-des, agilizou suas estruturas de tropicalização de produtos.

Essa nova manufatura, intensiva em capital e crescentementebaseada em redes de competências e fluxos de conhecimento, éfonte de melhorias contínuas nos índices de produtividade e de sa-lários superiores à média de setores mais tradicionais.

Mesmo setores maduros foram atingidos pelas mudanças es-truturais que a indústria vem passando nos últimos anos. Foi o casoda indústria têxtil que, sacudida em seus alicerces, deu origem abolsões e setores extremamente avançados, intensivos em capital.

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Em contraste com seu perfil tradicional – uma indústria intensiva emtrabalho – acabou dando origem a segmentos altamente tecnologi-zados, em permanente desenvolvimento e dependentes de mão-de-obra qualificada e que, por isso mesmo, permanecem ativos nospaíses e regiões mais avançadas do globo.

Nessa nova manufatura, que se mantém graças a um grandeinvestimento de capital, os salários representam quase sempre umapequena parcela dos custos concentrados no produto final. Ou seja,a participação do trabalho é pequena diante dos custos financeiros,com royalties, pesquisa e desenvolvimento, marketing, distribuiçãoe automação. Projetos recentes da Motorola, por exemplo, resulta-ram em fábricas em que o fator trabalho não responde por mais doque 3% do total estimado dos custos de seus produtos de comunica-ção. A construção de novas plantas produtoras de equipamentos detelefonia na Alemanha, em áreas com os mais altos salários da Eu-ropa, obedeceu à lógica da valorização da eficiente infra-estruturainstalada, das redes de abastecimento industrial, de poderes públi-cos confiáveis, da alta qualidade de vida da região e, claro, de edu-cados trabalhadores alemães.1 No mesmo sentido, a explicação dapermanência de muitas empresas no Estado de São Paulo, em quepesem os altos incentivos econômicos oferecidos, pode ser encon-trada na valorização da infra-estrutura e da malha de conexões aquiexistente, em detrimento de regiões abundantes em mão-de-obranão qualificada.

Essa tentativa de explicação nos remete a uma segunda ca-racterística dessa nova manufatura que, ao operar por meio de re-des de competências, é levada a depender e, por isso, a revalorizaro trabalho qualificado. Embora esse saber-fazer esteja freqüentementeprotegido por patentes industriais, na maior parte das vezes estáenvolvido por um sistema produtivo informal, que exige anos deaprendizado direto. Essa informalidade, ainda que amadurecida, porconcentrar-se nas relações entre habilidades de trabalhadores,supervisores e gestores, dificilmente será capturada por alguma pa-tente. Essa característica, fruto do fazer diário, torna esses sistemas

1 Para mais detalhes, ver: FINGLETON, Eamonn. In praise of hard industries. Boston:Houghton Mifflin Company, 1999, cap. III.

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de competências resistente a transferências. Em outras palavras, sãocapacidades enraizadas nos sistemas de trabalho e nos trabalhado-res, mais do que nos métodos e cultura das empresas. Essa realida-de se manifesta claramente entre os desbravadores de novas áreasindustriais, que acabam pagando um alto preço pela qualificação,treinamento e esforço descomunal para a elevação do baixo desem-penho inicial de sua atividade.

Claro, todos sabem que o movimento das empresas e as opor-tunidades da economia estão longe de nascerem espontaneamentenos mercados. Não raramente são constrangidos pelas diretrizes doEstado e interceptados pelos movimentos da política. No Brasil re-cente, quando muitos empreendimentos não conseguem alcançar omesmo nível de know-how das áreas mais avançadas, tendendo porisso a operar no vermelho por um longo período, podem acabarrecebendo anabolizantes oficiais (via empréstimos subsidiados) ouforte apoio de compensações estruturais disponibilizadas pelos po-deres públicos.2

O problema não reside, porém, na interferência do Estado,mas na qualidade de sua política. Em especial na sua capacidade deestabelecer o necessário debate e articulação com a sociedade, demodo a permitir o delineamento e consolidação do interesse rele-vante para o país, avesso aos particularismos de todo tipo. Se essedebate tivesse sido travado, provavelmente teria se estreitado amargem de erro que alimentou um enorme deslumbramento com osetor de serviços em detrimento da indústria nos últimos anos.

O estado de São Paulo, a região metropolitana e a própriaCapital viveram – e vivem ainda – a tensão provocada por indefini-ções a esse respeito, ainda que as informações mais criteriosas sugi-ram, a terceirização do tecido produtivo paulista esteve – e está –diretamente ligada aos novos e recentes desenvolvimentos indus-triais. Ou, como disse Infante Araújo: “a RMSP deixou de ser predo-

2 Essa é uma das explicações para a descentralização que vem ocorrendo na indús-tria automobilística brasileira desde 1995, regida, em grande parte, pelo que ficouconhecida como “guerra fiscal”. Ver: ARBIX, Glauco; RODRÍGUEZ-POSE, Andrés. Estra-tégias do desperdício. Novos Estudos Cebrap, n. 54 São Paulo: Cebrap, jul. 1999.

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minantemente industrial e passou a se caracterizar como uma me-trópole de serviços produtivos, exatamente porque se mantémcomo a principal região industrial do país”.3

O problema crucial é que o debate sobre a suposta terceirizaçãode São Paulo ofuscou a percepção das profundas transformações daindústria aqui instalada, em especial na mancha da região metropoli-tana e seu entorno. Os laços entre esses setores – industriais e o deserviços –, as relações entre os conteúdos de alta e baixa tecnologia,entre o doméstico e o estrangeiro mesclaram-se intensamente nosúltimos anos, dificultando a visualização do novo. É certo que o reco-nhecimento da complexidade do tecido emergente já seria suficientepara a recusa da simplificação liberal que procurou explicar essa novaformação produtiva a partir do livre jogo da oferta e da procura.

Infelizmente, nos dias que correm, os modismos falam maisalto em certas áreas governamentais. E, por mais que os governosrelutem, somente políticas públicas sistemáticas conseguem estabe-lecer um ambiente amigável para o sucesso de investimentos delongo prazo, em especial os voltados para uma indústria que se pre-tende inovadora. Ou seja, neste caso, a palavra modernidade sóadquire sentido se vinculada às escolhas estratégicas, com a defini-ção de prioridades e políticas de constrangimento dos grandes cartéisque dominam mundialmente a tecnologia e os sistemas de inova-ção. A estruturação desse corpo de políticas, capaz de conectar asregiões de modo a retomar e aprofundar o processo de integração éum nó fundamental a ser desatado no próximo período pelos distin-tos governos – seja municipal, estadual ou nacional – independen-temente de seu colorido ideológico.

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O Estado de São Paulo possui metade da produção industrialdo país e sua participação na indústria brasileira praticamente não

3 ARAÚJO, M. F. I. Impactos da reestruturação produtiva sobre a região metropolitanade São Paulo no final do século XX. Campinas, 2001. Tese (Doutorado) – Universi-dade Estadual de Campinas.

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mudou em dez anos. A Região Metropolitana de São Paulo detém60% da produção industrial do estado de São Paulo e a capital,sozinha, um terço. A Região do ABC mantém a mesma participaçãona indústria paulista há 15 anos.

Se essas frases fossem proferidas em meados da última déca-da do século XX, seriam atribuídas a alguém que tivesse sido conge-lado na década de 1970 e acordado naquele momento. Era vozcorrente que São Paulo perdia indústrias para o resto do país, quehavia um esvaziamento da Região Metropolitana, que a capital ti-nha se transformado em uma cidade “terciária” e que o ABC sofriaum processo inexorável de desindustrialização.

A falta de informações econômicas estruturais fez com que osanalistas buscassem formas alternativas de percepção da realidade,criando modelos a partir de um conjunto de variáveis que, no pas-sado, sempre se mostraram adequadas a essas análises. Lembre-seque os dados estruturais sempre foram obtidos nos Censos Econô-micos, que a Fundação IBGE deixara de fazer desde 1985 (cujosresultados só vieram a público em 1993), e não mais foram realiza-dos, graças ao lento processo de desmonte do Sistema EstatísticoNacional, agravado com a política de desmanche da máquina pú-blica do governo Collor. Dessa forma, os dados de emprego indus-trial eram tomados como indicadores da produção industrial, e asua franca diminuição somente poderia ser tomada como resultadode diminuição da importância da indústria, já que os dados de SãoPaulo eram piores que no restante do país.

A partir de 1996, contudo, novas e importantes informaçõesforam adicionadas ao instrumental analítico: de um lado, o IBGEpassou por um profundo processo de reestruturação, dele emergin-do com uma nova proposta de obtenção de indicadores econômi-cos, não mais por meio de Censos, mas de pesquisas amostrais, deforma a agilizar o seu levantamento e a publicação dos resultados,além de adotar uma nova Classificação de Atividade Econômica (aCNAE). De outro lado, a Fundação Seade, preocupada com as ques-tões regionais e o processo de reestruturação produtiva em cursonos anos 80 e 90, e percebido quase sempre pelos estudos de casos,lança uma pesquisa inédita, a Pesquisa da atividade econômica pau-

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lista (Paep), que fornece indicadores para três temas, que podem seranalisados simultaneamente: o da mensuração econômica, o da re-estruturação produtiva e o de questões regionais. Assim, no caso daindústria, é possível comparar os dados de mensuração da PesquisaIndustrial Anual (PIA), do IBGE, com a Paep, pois ambas se referemao mesmo ano, o de 1996.

Nos últimos anos da década de 1990, com a consolidação doprocesso de abertura econômica, diferentes impactos puderam sernotados. Se é verdade que a estabilização econômica trouxe umnovo alento à atividade produtiva, especialmente nos setores pro-dutores de bens de consumo duráveis e não duráveis, alguns seg-mentos passaram a sofrer acirrada concorrência com produtos im-portados, o que promoveu retrações na sua produção física total e,conseqüentemente, refletiu-se em menores participações na estru-tura produtiva paulista. Ao mesmo tempo, a concorrência interes-tadual, também conhecida como guerra fiscal por novos investi-mentos industriais, vem promovendo algumas alterações no quadroda distribuição espacial da indústria no território brasileiro.

Entretanto, se tomarmos o conjunto da indústria, não houveuma desconcentração significativa, em termos de valor adicionado,como pareciam supor as tendências apontadas pela literatura nadécada de 1980. Afinal, como mostram os resultados da PesquisaIndustrial Anual de 1996, da Fundação IBGE, ao comparar os da-dos levantados em campo com os do Censo Industrial de 1985, aparticipação da indústria paulista no Valor da Transformação Indus-trial4 do Brasil ficou praticamente estável, entre 1985-1996: ou seja,passou de 48%, em 85, para 49,5%, em 96. Em termos de pessoalocupado, contudo, a participação de São Paulo, que era de 47% em1985, caiu para 42% em 1996.

No grupo dos setores da indústria que sofreram perdas ex-pressivas na sua participação estão: o fumo que passou de 16%, em1985, para 6%, em 1996, calçados que de 30% passou para 23%, a

4 O Valor da Transformação Industrial (VTI) é o valor gerado exclusivamente peloprocesso produtivo (ou seja, é limitado às plantas industriais), sendo a diferençaentre o Valor Bruto da Transformação Industrial (VBPI) e o Custo das OperaçõesIndustriais (COI).

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metalurgia básica, que diminuiu de 37% para 31%, a fabricação deprodutos de metal que de 63% caiu para 56%, máquinas e equipa-mentos que de 69% passou para 62%, fabricação de material ele-trônico que de 56% caiu para 50%, de veículos automotores de82% para 74% e móveis e indústrias diversas cuja queda foi de 59%para 43%.

Assim como a redução de participação foi expressiva nos se-tores que perderam, ela também o foi naqueles setores da indústriaque aumentaram sua participação. No grupo de setores que cres-ceu, no mesmo período, destacamos os setores de edição, impres-são e reprodução de gravações, que cresceu de 49% para 58%, defabricação de minerais não-metálicos, que passou de 35% para 43%,e de fabricação de equipamentos de informática, cujo salto foi ain-da maior, de 49% para 65%. No caso dos demais setores da indús-tria, as variações na participação do VTI paulista no Brasil são pou-co expressivas, inclusive em setores tradicionalmente importantescomo o alimentício e o químico.

O problema de fundo, porém, permanece, uma vez que, nomesmo período, foi muito modesto o crescimento do pessoal ocu-pado na indústria paulista. Por esta variável, verifica-se que apenasquatro setores tiveram crescimento, ainda assim discretos: edição eimpressão, minerais não-metálicos, equipamentos de informática eveículos automotores. Ao mesmo tempo, houve uma queda, porvezes acentuada, em todos os demais setores.

Esses dados parecem confirmar os resultados das pesquisassobre evolução do emprego na indústria paulista na década de 1990,5

que apontam para o impacto negativo sobre o emprego, sobretudoindustrial, da combinação de recessão prolongada com reestrutura-ção produtiva e inserção internacional baseada na estabilidade docâmbio e estímulo à internacionalização da economia brasileira. Elesmostram, também, que os setores intensivos em capital, tecnologiae conhecimento estão entre os que têm ganhos na participação doVTI e até mesmo de pessoal ocupado.

5 Por exemplo, a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada pela Funda-ção Seade e Dieese, e o Índice de Ocupação da Fiesp.

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Analisando-se a distribuição regional da atividade econômicapaulista, agora pela Paep, verificou-se a extrema importância da RMSP:60% de todo o Valor Adicionado6 pela indústria paulista o é nestaregião; mais impactante ainda é o fato de mais 30% do VA seremgerados nas regiões que circundam a RMSP (Campinas, Sorocaba,São José dos Campos e Santos), o que significa um adensamento daprodução industrial em um espaço muito restrito do território paulista.

A Capital ainda contribui com 1/3 de todo o VA do Estado,enquanto o ABC representa 13% dele, participação que se mantémnos mesmos patamares desde 1980.

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Isso significa que a indústria paulista não sofreu nenhuma alte-ração nos anos em que não se dispunha de informações adequadas?A resposta, neste caso, é categórica: sofreu, sim, e muitas. E elas fo-ram mais incisivas no seu centro dinâmico, a Região Metropolitana.

Os impactos da recessão prolongada e da abertura ao merca-do externo fizeram com que a indústria paulista procurasse novasformas de obter ganhos de competitividade, seja por meio da buscade novas capacitações tecnológicas, seja reestruturando a produ-ção, seja racionalizando formas de trabalho. Em todos os casos, foia mão-de-obra a principal vítima do processo: não é um acaso (nemerro estatístico) que a participação de São Paulo na mão-de-obraindustrial brasileira tenha diminuído tanto entre 1985 e 1996, aocontrário da produção.

O mesmo raciocínio vale, e até com mais força, para o casoda região do ABC, que vê a concorrência de produtos do exteriorminar a sua produtividade. A reação das indústrias da região, aocontrário do que se possa imaginar (e que se constata ao longo dos

6 O Valor Adicionado (VA) é o valor agregado pela empresa como um todo, e consi-dera as várias receitas e despesas que não são ligadas diretamente à produção (porexemplo, receitas da venda de serviços, despesas com propaganda, pagamento deroyalties etc.). Calcula-se pela diferença entre o Valor Bruto da Produção (VBP) e oConsumo Intermediário (CI).

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textos aqui apresentados), é de tal monta que os dados da Paepsobre inovação tecnológica mostram que as indústrias do ABC pos-suem taxas significativamente maiores que as das demais regiões doestado (inclusive da RMSP).7

Ganham peso as indústrias de maior intensidade de conheci-mento incorporado (veja-se que a indústria editorial é a maior domunicípio da Capital), o que possibilitou maior emprego de tecno-logia e automação de processos, mas requerendo o emprego demão-de-obra qualificada, serviços sofisticados e grande complemen-taridade industrial. As indústrias que ainda possuem processos pro-dutivos com uso intensivo de mão-de-obra se tornam mais propen-sas a abrir novas unidades fora do estado de São Paulo, onde ocusto com o trabalho seja menor. Essa movimentação, cujo fato nãose nega, causa a impressão de um processo de desindustrialização,sobretudo nos espaços nos quais a reestruturação se deu de formamais contundente, como no ABC e na Capital.

Na verdade, nossa leitura procura realçar um processo demudança no perfil industrial em seu centro mais dinâmico, estimula-da por decisões tomadas em níveis nacional e regional.

A implementação de reformas estruturais e a revisão do mo-delo de desenvolvimento econômico e tecnológico nacional exigiuda indústria de transformação brasileira, nos últimos anos, esforçossubstanciais para adaptação ao novo ambiente regulatório e con-correncial. Para a indústria paulista, em particular, caracterizada peloseu elevado grau de integração produtiva e avançado parquetecnológico instalado, o processo de ajuste se deu de forma maisintensa que para outras regiões do país.

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Os dados da Paep mostram que, em 1996, a indústria paulis-ta apresentava uma estrutura complexa, cujas principais divisões eram

7 Veja-se a respeito: AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO ABC. A atividade eco-nômica nos anos 90 no ABC. Reestruturação e inovação na indústria. Cadernos dePesquisa, n. 2. Santo André: Agência de Desenvolvimento Econômico do ABC, 2000.

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as de produtos químicos, de alimentos, automobilística (inclusiveauto-peças), de máquinas e equipamentos e de edição, impressão egravações, responsáveis por 55% de todo o valor adicionado pelaindústria no estado de São Paulo e por 42% do pessoal ocupado.8

Lembramos que a composição da estrutura industrial paulistanão apresenta alterações substanciais em relação à revelada porantigas e novas pesquisas do IBGE, à exceção da indústria editoriale gráfica, que tornou-se recentemente uma das cinco maiores doestado em termos de valor adicionado. Essa performance está liga-da não apenas ao efetivo crescimento da atividade editorial (jornais,revistas e livros de material didático, sobretudo), mas também à al-teração de ordem estatística introduzida, em 1994, na ClassificaçãoNacional da Atividade Econômica, que trouxe para o interior destadivisão da indústria todas as atividades de edição e gravação deCDs (de música e de informática) e disquetes, cuja produção tam-bém evoluiu positivamente.

Por outro lado, o complexo metal-mecânico tem mantido umlugar importante, no conjunto da economia paulista, sobretudo emvalor adicionado, apesar dos impactos negativos produzidos pelatrajetória errática da economia sobre a divisão de máquinas e equi-pamentos.9 Enquanto isso, as divisões química e alimentos, a pri-meira com maior grau de concentração na metrópole e entorno, e asegunda valendo-se da integração com a agropecuária, respondempor mais de um quarto do valor adicionado do Estado e por quaseum quinto dos empregos.

Em nítido contraste com o complexo metal-mecânico, quími-ca e alimentos, as indústrias de produtos de metal, têxtil e do vestuá-rio têm pequena expressão em termos de valor adicionado, expri-

8 Uma análise da estrutura da economia paulista pode ser encontrada em ARAÚJO, M.F. I. MAPA DA ESTRUTURA INDUSTRIAL E COMERCIAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo emPerspectiva, V. 13, n. 1-2. São Paulo: Fundação Seade, 2000, P. 40-52.

9 Saliente-se que a participação desta divisão na estrutura industrial brasileira sofreuuma acentuada queda entre 85 e 96, motivada pelo impacto da paridade cambial,tornando as unidades de empresas transnacionais em revendedoras de máquinasimportadas; o único estado em que há uma evolução positiva neste setor é o doRio Grande do Sul, graças à fabricação de implementos agrícolas.

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mindo uma baixa produtividade, mas é importante a sua participa-ção no número de unidades e de pessoal ocupado.

É interessante notar a pequena participação das divisões in-dustriais tidas como fundamentais no novo paradigma tecnológico,chamadas de “intensivas em conhecimento”, ou seja, as de materialelétrico e telecomunicações, de material eletrônico, de equipamen-tos médicos, óticos, de precisão e automação e de máquinas deescritório e equipamentos de informática, que, somadas, represen-tam 7% do pessoal ocupado e 9% do valor adicionado da indústriapaulista. Essas divisões, que têm relevância estratégica para a inser-ção num novo paradigma tecnológico, têm uma pequena relevân-cia econômica na estrutura industrial paulista, mas concentram maisda metade da produção brasileira no setor, de acordo com os dadosda Pesquisa Industrial Anual, de 1996.

Tabela 1Distribuição do número de unidades, pessoal ocupado e valor adicionado,

segundo divisão da indústria – estado de São Paulo – 1996

Em porcentagemDivisão da Indústria Número de Pessoal Valor

Unidades Ocupado Adicionado

Total 100,0 100,0 100,0Produtos químicos 5,1 7,1 14,1Alimentos e bebidas 12,1 12,41 2,9Automobilística 2,6 8,3 11,4Máquinas e equipamentos 6,6 9,4 9,9Edição, impressão, gravações 5,9 4,4 6,9

Borracha e plástico 6,1 6,6 5,7Produtos de metal (exclusivemáquinas e equipamentos) 9,5 7,5 5,2

Têxtil 5,0 6,8 4,4Minerais não-metálicos 6,4 4,9 4,0Metalurgia básica 2,9 3,7 3,9

Material eletrônico eEquipamentos de comunicação 1,1 2,0 3,7Papel e celulose 2,3 3,3 3,6

Materiais elétricos 2,7 3,6 3,4Vestuário e acessórios 14,0 6,6 2,4

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Móveis e indústrias diversas 8,0 4,8 2,2Refino de petróleo e álcool 0,3 1,4 1,2Equipamentos médicos, óticos,

de automação e precisão 1,3 1,1 1,1Couro e calçados 3,4 3,0 1,0Fumo 0,0 0,1 0,9

Outros equipamentos de transporte 0,5 0,8 0,7Indústria extrativa 1,6 0,8 0,6Madeira 2,2 1,1 0,5

Máquinas de escritório eEquipamentos de informática 0,3 0,3 0,5Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. Pesquisa daatividade econômica paulista – Paep.

O dinamismo da estrutura industrial do Estado de São Paulo,visto pelo ângulo do porte de suas unidades, mostra-se fortementeconcentrado na grande indústria: 83% do valor adicionado pela ati-vidade industrial paulista é produzido nas unidades com mais decem pessoas ocupadas sendo 58% naquelas com mais de quinhen-tos empregados. Essa concentração é ligeiramente atenuada quan-do se analisa o pessoal ocupado e inverte-se quando se analisa onúmero de unidades locais: 82% das unidades possuem menos decem pessoas ocupadas.10

10 Uma análise da diferenciação das empresas com portes diversos pode ser encontra-da no Caderno 11 – Indústria, da série Cadernos do Fórum Século XXI, feito pelaFundação Seade para a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, disponívelno site desta instituição (www.alsp.gov.br).

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Tabela 2Distribuição do número de unidades, pessoal ocupado e valor adicionado,

segundo faixas de pessoal ocupado – estado de São Paulo – 1996

Em porcentagemFaixas de Pessoal Número de Pessoal Valor Adicionado

Ocupado Unidades Locais OcupadoTotal 100,0 100,0 100,05 a 29 64,9 17,0 7,6

30 a 99 17,3 16,7 9,8100 a 249 7,0 15,4 12,2250 a 499 3,4 12,5 12,1

500 e mais 7,4 38,3 58,2

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. Paep.

A interiorização do desenvolvimento,11 em consonância como que já vinha acontecendo nas décadas anteriores, ocorre cada vezmais concentrada espacialmente, localizando-se sobretudo num raiode aproximadamente 150 km a partir do centro da RMSP, abran-gendo as Regiões Administrativas de Campinas, São José dos Cam-pos, Santos e Sorocaba, que, em conjunto com a RMSP, represen-tam 82% do total de unidades industriais, 85% do pessoal ocupadoe 90% do valor adicionado da indústria do Estado.

11 Leia-se a respeito: CANO, W. A interiorização do desenvolvimento econômico doestado de São Paulo (1920-1980). São Paulo: Fundação Seade, Unicamp, 1988;CANO, W. (Coord.) São Paulo no limiar do século XXI. São Paulo: Fundação Seade,Unicamp, 1992; NEGRI, B. A interiorização da indústria paulista (1920-1980). SãoPaulo: Fundação Seade, Unicamp, 1988. Coleção Economia Paulista, v. 2.

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Tabela 3Distribuição do número de unidades, pessoal ocupado e valor adicionado,

segundo região administrativa – estado de São Paulo – 1996

Em porcentagemRegião Administrativa Número de Pessoal Valor

Unidades Ocupado Adicionado

Total 100,0 100,0 100,0Metropolitana de São Paulo 56,9 56,8 60,4Município de São Paulo 40,3 33,0 33,1

Municípios do ABC 6,6 11,3 13,8Demais Municípios da RMSP 9,9 12,5 13,5Campinas 14,8 16,9 16,1

São José dos Campos 3,2 4,4 6,5Sorocaba 5,8 6,0 5,2Ribeirão Preto 2,1 2,3 2,2

Santos 1,3 1,1 2,1Central 2,4 2,4 1,9Bauru 2,1 2,6 1,4São José do Rio Preto 3,2 2,0 1,0

Barretos 0,6 0,5 0,8Franca 2,1 1,5 0,6Araçatuba 1,6 1,4 0,6

Marília 2,0 1,2 0,6Presidente Prudente 1,4 0,8 0,4Registro 0,4 0,2 0,2

Fonte: Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade. Paep.

A trajetória de desconcentração metropolitana ocorrida nasdécadas de 1970 e 1980, foi largamente determinada pelos “custosde aglomeração”, expressos na saturação da infra-estrutura de trans-porte, pela valorização imobiliária, pelas restrições impostas pelalegislação ambiental, assim como pelos maciços investimentos esta-tais em infraestrutura energética e de transportes, pelo crescimentoda agroindústria da cana (Próalcool) e da laranja (voltado à expor-tação), reconhecidamente fatores indutores do crescimento indus-trial no interior paulista. Esse movimento de desconcentração foiainda ampliado na década de 1980, em conseqüência da crise vivi-da pelo aparato produtivo da Metrópole.

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A esses fatores, nos anos 90, entretanto, se somam novos nadefinição da localização industrial das empresas, levando a que asescolhas recaiam preferencialmente nas Regiões Administrativas si-tuadas no entorno da RMSP. Além da proximidade ao grande mer-cado consumidor da Metrópole se constituir num dos principais de-terminantes da localização de indústrias nestas regiões, a densidadeda malha urbana, da infra-estrutura viária dessas regiões e a intensi-dade dos fluxos associada à redução dos custos de transporte propi-ciada pela localização em áreas próximas à RMSP, acabaram crian-do uma extensa região econômica.12

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As idéias que buscamos consolidar neste livro procuram con-testar afirmações bastante corriqueiras e simplificadoras – como oesvaziamento da região metropolitana de São Paulo e a desconcen-tração da indústria em direção ao interior e a outras regiões do país– por não encontrarem sustentação nos dados empíricos disponíveissobre a evolução da indústria nos anos 90. Nossa idéia central é quea indústria continua tendo um papel fundamental na dinâmica eco-nômica do estado de São Paulo, mesmo – e principalmente – naRMSP, e sua configuração espacial nos anos 90 apresenta uma níti-da tendência à re-concentração.

Sistematizando as principais reflexões deste artigo, podemosavançar cinco conclusões gerais.

Primeiro, o papel da Região Metropolitana de São Paulo ain-da continua expressivo, gerando 60% da riqueza produzida pela in-dústria paulista, tendo uma estrutura industrial complexa, que conti-nua respondendo pelo pólo dinâmico da indústria nacional. Ossetores mais intensivos em conhecimento (equipamentos deinformática, material eletrônico e equipamentos de automação) têmainda pequena importância na estrutura regional, mas representamparcela substantiva desta indústria, seja em relação ao estado, seja

12 Leia-se a respeito MATTEO, M. A dinâmica da localização industrial na área metropo-litana de São Paulo. São Paulo, 1990. Dissertação (Mestrado) – FGV

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em relação ao País. As indústrias tidas como tradicionais (alimentos,têxteis e vestuário), em que pese a atratividade de outras unidadesda Federação, ainda têm uma expressiva participação na indústriapaulista, em valor adicionado (para a de alimentos) e em pessoalocupado.

Segundo, a região do ABC continua com uma participaçãoimportante na estrutura industrial do estado, sobretudo nos setoresmais intensivos em capital, mas com um ritmo de geração de em-pregos que não apresenta a mesma importância. É importante evi-tar a idéia (muito presente, sobretudo na mídia) de “desindustriali-zação” do ABC, porque há um nítido descolamento das curvas deprodução e emprego industriais. A maior incidência de indústriascom grande conteúdo tecnológico na região confere maior possibi-lidade de aquisição de vantagens competitivas, mas pressiona a mão-de-obra, limitando os postos de trabalho de melhor qualificação, esuprimindo os de menor qualificação, que são absorvidos apenasem parte pelo setor de serviços. Essa realidade dá maior densidadeao trabalho institucional de reflexão e ação sobre as mudanças quevêm se realizando nesta região, envolvendo autoridades públicas esegmentos das sociedades locais, como dois estudos deste livro pro-curaram destacar.13

Terceiro, a capital ainda responde, sozinha, por 1/3 da produ-ção industrial paulista, com destaque para os setores intensivos emconhecimento. É o caso expressivo da divisão de edição e impres-são, que é o que mais agrega valor na estrutura industrial do muni-cípio de São Paulo, e que representa 2/3 da divisão no estado. Noentanto, deve-se ressaltar que não é apenas nos setores mais moder-nos da indústria que a importância da capital está presente, pois osetor de confecção e artigos do vestuário representa 58% do pessoalocupado da divisão no estado e 73% do seu valor adicionado.

Quarto, a indústria do interior do estado limita-se quase queexclusivamente às áreas que circundam a Região Metropolitana, for-mando com esta um espaço produtivo ampliado e integrado. A in-teriorização do desenvolvimento não é disseminada pela totalidade

13 Cf. capítulos de Idenilza Moreira e Vivian Schoereder.

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do território paulista, mas limitada às regiões que já possuíam ascondições iniciais de desenvolvimento industrial (sobretudo aquelascom concentração do capital cafeeiro) e que estivessem articuladas,por meio de infra-estrutura adequada, à Região Metropolitana deSão Paulo, excluindo as demais regiões do interior deste complexoindustrial. Assim, a industrialização dessas regiões não deve ser en-tendida como uma alternativa à da RMSP, mas como uma integraçãoao espaço produtivo da metrópole. Um dos estudos aqui publicadosaborda a realidade de uma dessas regiões, a de Campinas, com umenfoque levemente distinto.14

Quinto, a tendência dos investimentos industriais em São Pau-lo15 aponta para a manutenção dessa configuração espacial, privile-giando as áreas em que a indústria paulista se mostra mais dinâmi-ca, e excluindo as demais áreas do interior paulista. Deixando asdecisões de investimento em plantas industrias ao sabor do merca-do, a tendência à concentração num espaço produtivo amplo, maslimitado, excluindo vastas áreas do território paulista, parece serinexorável. Assim, sem uma política de desenvolvimento de carátersupra-regional (ou seja, um estado nacional que tenha uma políticaindustrial e regional), não se pode extrair, para a sociedade, as po-tencialidades que os processos de reestruturação produtiva ofere-cem. Esse desafio pode ser sintetizado da seguinte forma: a inserçãodas várias regiões, no momento, passa por uma escolha, submeter-se passivamente às pressões da economia mundial ou engajar-seativamente para tirar benefícios da globalização. A pesquisa sobreas políticas estaduais de desenvolvimento realçou a fragilidade dasatuais políticas governamentais, que têm dificuldades em interferirde modo decisivo na nova arquitetura produtiva do Estado.16

Para finalizar, dois aspectos problemáticos decorrentes da evo-lução da indústria paulista, na década de 1990, são: a clara reduçãona capacidade de geração de empregos e o reforço das vantagens

14 Cf. capítulo de Rogério Acca.15 Há duas fontes de informação para verificar os investimentos feitos na atividade

industrial no estado de São Paulo: o Guia de Investimentos do Estado de São Pauloe a Paep.

16 Cf. capítulo de Adriana Vitória dos Santos.

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comparativas das regiões mais dinâmicas. Portanto, o desafio colo-cado não está nos riscos da desindustrialização do ABC ou da Re-gião Metropolitana de São Paulo, mas sim em desenhar políticasregionais inovadoras, voltadas não só para criação de condiçõessistêmicas favoráveis à competitividade das empresas, mas tambémpara estimular o emprego. Esperamos que este livro possa contribuirpara essa discussão.

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AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO DO ABC. A atividade econômica nos anos 90 nogrande ABC: reestruturação e inovação na indústria. Caderno de Pesqui-sa, n. 2. Santo André: Agência de Desenvolvimento do ABC, 2000.

ARAÚJO, M. F. I. Mapa da estrutura industrial e comercial do estado de SãoPaulo. São Paulo em Perspectiva, v. 13, n. 1-2. São Paulo: Fundação Seade,2000, p. 40-52.

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Caderno 11: indústria. SérieCadernos do Fórum Século XXI.

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A TEIMOSIA DA INDÚSTRIA PAULISTA230

Ficha Técnica

Mancha 10,5 x 18,5 cmFormato 14 x 21 cm

Tipologia Souvenir e Gill SansPapel miolo: off set 75 g/m2

capa: cartão supremo 250 g/m2

Impressão e acabamento Gráfica FFLCHNúmero de páginas 232

Tiragem 500