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Ano XXVII • Nº 245 • Abril 2017 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br facebook.com/revista.eco21 ECO 21 Malu Ribeiro • Rodolfo Luís Weber • Mario Mantovani • Carlos Minc Global Greens • Christopher Stolzenberg • Leo Heller • Nils Simon ISSN 0104-0030

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Diretora Lúcia Chayb

Editor

René Capriles

Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles

Colaboradores

André Trigueiro, José Mon serrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo

Evaristo Eduardo de Mi randa Sergio Trindade

Fotografia Ana Huara

Correspondentes no Brasil

São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil

Correspondentes no Exterior

Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio

Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles

Representante Comercial em Brasília

Minas de Ideias

Serviços Infor mativos Argentina: Ecosistema

Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil

França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile)

México: Archipiélago

Direção de Arte ARTE ECO 21

CTP e impressão Gráfica Colorset

Jornalista Responsável

Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108

Assinaturas Anual: R$ 130,00

[email protected]

Uma publicação mensal de Tricontinental Editora

Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro

Tel.: (21)2275-1490 [email protected]

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Capa: Marcha pela Ciência em Brasília Foto: Antônio Cruz - ABr

Gaia viverá! Lúcia Chayb e René Capriles

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As marchas pela ciência e pelo clima são sagradas“Esta é uma missão geracional. Temos que marchar”, disse a ativista Naomi Klein explicando porque participará da Marcha no Dia Mundial do Clima dos Povos, prevista para o dia 29 deste mês (Abril). É um protesto, entre outras razões, contra a possibilidade do Governo Trump se retirar do Acordo de Paris. A Marcha acontece num momento em que a quantidade de carbono presente na atmosfera está oficialmente fora de controle ao ter ultrapassado, pela primeira vez na história, o marco das 410 partes por milhão da concentração de CO2. O marco foi registrado no dia 18 deste mês no Observatório Mauna Loa, Havaí. Desde que o Planeta atingiu no ano passado o perigoso estágio de 400 ppm, os cientistas advertiram que o ritmo das concentrações de CO2 está acelerado significando que a humanidade vai para o ponto de não retorno na direção do caos climático. Apesar dessa ameaça sem precedentes e das advertências dos cientistas, a ação climática tem dominado a política ambiental de Trump e de Scott Pruitt, Chefe da Agência de Proteção Ambiental, forçando ativistas e cidadãos interessados a irem às ruas para advertir o Governo de que se deve fazer algo para enfrentar essa ameaça de devastação planetária. Segundo o Climate Advisers, a política de Trump, quanto a mudanças climáticas, poderia gerar mais 500 milhões de toneladas de Gases de Efeito Estufa até 2025. A Marcha pela Ciência uniu continentes em defesa de um projeto comum para humanizar a ciência, torná-la mais próxima das pessoas e apoiar os cientistas num momento em que se reduzem os investimentos nessa área. Na América Latina, 60 cidades de 11 países se uniram à Marcha contribuindo com 10% dos eventos realizados em 610 cidades de todo o mundo. No Brasil, 25 cidades aderiram à iniciativa mundial. Em São Paulo, Helena Nader Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) foi aclamada pelo seu discurso no encontro. Disse ao Estadão: “Chega de nos classificar como gasto; nós somos investimento. A nossa economia sobrevive por causa da ciência” Também destacou o corte de mais de 40% do orçamento para ciência e tecnologia realizado pelo Governo Temer. A Marcha pela Ciência, primeira de sua espécie, era oficialmente não política. Foi concebida por Caroline Weinberg, Valorie Aquino e Jonathan Berman, pesquisadores estadunidenses, ao considerar que a ciência está “sob ataque” pelo Governo Trump. Por sua vez, Trump divulgou uma declaração na qual insistiu que seu Governo estava comprometido em preservar a “beleza inspiradora” da América, ao mesmo tempo em que protege os empregos.“Na convocação para a Marcha nos EUA os organizadores justificaram o ato assim: “Embora comece com uma Marcha, nós esperamos usar isto como um ponto de partida para tomar uma posição sobre a ciência na política. Cortar o financiamento e restringir os cientistas de comunicar suas descobertas (pesquisa financiada com impostos) com o público é absurdo e não pode ser aceito como norma política. Há certas coisas que aceitamos como fatos sem alternativas. A Terra está se tornando mais quente devido à ação humana. A diversidade da vida surgiu pela evolução. Os políticos que desvalorizam o conhecimento e arriscam tomar decisões que não refletem a realidade devem ser responsabilizados. Um governo que ignora a ciência para impor agendas ideológicas põe em perigo o mundo”. Agora, incentivados pela Marcha pela Ciência, os ativistas estão se preparando novamente. “A Marcha do Clima dos Povos é o próximo passo, um chamado para nos engajar no nosso sistema político, para enfrentar o poder e exigir soluções”, disse May Boeve, da 350.org. “É uma nova atmosfera com a qual a humanidade terá que lidar; o aquecimento está fazendo com que o clima mude a um ritmo acelerado; o CO2 não atingiu esse nível em 4,5 milhões de anos”, escreveu Brian Kahn do Climate Central. Essa terrível realidade é a força motriz por trás da Marcha. “A mudança climática nos diz que precisamos agir. Este é o momento. Temos de marchar. É um dever sagrado”, disse Klein, resumindo o pensamento de todo o universo científico e ambientalista mundial.

4 Claudio Angelo e Luciana Vicária - Marchas da Ciência focam oposição global a Trump 6 Maria T. P. Pederiva - EUA na direção oposta à da Encíclica Laudato Si 8 Carlos Nobre e Rachel Biderman - Trump: ameaça ao equilíbrio climático do Planeta10 Fernanda Macedo - Desmatamento e redução de UCs abalam Acordo de Paris12 Documento - Nenhum hectare a menos!14 Giovanna Leopoldi - Deputados tiram proteção de UCs na Amazônia 16 Mario Mantovani - Licenciamento Ambiental: proposta-bomba para o Brasil18 Global Greens - Declaração de Liverpool: movimento global, visão única24 Carlos Minc - Crise do Rio: uma reflexão crítica28 Jaime Gesisky - Meio Ambiente perde metade dos recursos para 201729 Waleska Barbosa - Sarney Filho defende geração de renda em Parques30 Nils Simon - Precisamos de um Tratado global sobre plásticos33 Malu Ribeiro - Rios poluídos, cidades com sede34 Vilma Homero - Uma ideia sustentável para tratar esgoto em favelas36 Camila Boehm - Cisternas no Semiárido37 Viktoria Aberg - Leo Heller: falta saneamento38 Christopher Stolzenberg - Mudanças climáticas favorecem o terrorismo40 Franco Bonacina - ESA ajuda no transporte marítimo mais limpo41 Paula Tanscheit - Mobilidade de baixo carbono freará o aquecimento global44 Beth Woodthorpe-Evans - Um bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade46 Roosevelt S. Fernandes - Educação ambiental no século 2148 Silvia Calciolari - Banimento do fracking une 46 cidades do Paraná 50 Rodolfo Luís Weber - Reflexões na Semana dos Povos Indígenas - 2017

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Marchas pela Ciência focam oposição global a Trump

Claudio Angelo e Luciana Vicária | Jornalistas do Observatório do Clima

Centenas de milhares de pessoas marcharam em 600 cidades do mundo inteiro ontem pela ciência e contra o nega-cionismo das mudanças climáticas. Os protestos, feitos para coincidir com o Dia da Terra, tiveram como pano de fundo o obscurantismo professado pelo Presidente Trump.

À exceção da Antártida, todos os continentes registraram marchas (a Groenlândia foi representada por um grupo de 16 pesquisadores que desaf iaram o frio na vila de Kangerlussuaq para posar com carta-zes alertando contra o degelo polar). Uma das maiores aconteceu em Chicago, nos EUA, e reuniu cerca de 40 mil pessoas, segundo o Chicago Tribune. Em Washington, os orga-nizadores esperavam reunir 150 mil pessoas no National Mall, a ave-nida dos monumentos, mas a chuva atrapalhou os planos.

A Marcha pela Ciência foi inspirada na Marcha das Mulhe-res que aconteceu no dia seguinte à posse de Trump e levou mais de um milhão de pessoas às ruas em Washington. Havia entre cientistas o temor de que o republicano fosse promover um ataque à pesquisa científica e à liberdade de investigação durante seu governo, depois de ter passado a campanha clas-sificando o aquecimento global de “fraude” e questionando a

eficácia das vacinas.Os temores foram

confirmados: já no dia da posse, o Presidente Donald Trump elimi-nou todas as referências às mudanças climá-ticas no site da Casa Branca.

Na semana seguinte, baixou uma lei tipo da mordaça nos cientistas de agências federais, como a NASA e a EPA (Agência de Proteção Ambiental), proibin-do-os de falar sobre ciência do clima.

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Em sua proposta de Orçamento enviada ao Congresso, cortou mais na EPA (31%) do que em qualquer outro órgão federal, tirando o dinheiro do meio ambiente para aplicar nas Forças Armadas. Vários programas essenciais de observação da Terra da NASA foram descontinuados para favorecer a exploração espacial.

“O moral entre cientistas do Governo está muito baixo, porque a ciência está sob ataque desta administração”, disse ao jornal inglês The Guardian o climatologista Michael Mann, da Universidade da Pensilvânia. Ele foi um dos palestrantes na marcha em Washington, que contou ainda com a ex-Secretária-Executiva da Convenção do Clima, Christiana Figueres, e diversos cientistas famosos – como o engenheiro e apresentador de TV, Bill Nye, o “Science Guy”.

Vários cartazes bem-humorados desfilaram nas marchas. Vários deles faziam troça com os “fatos alternativos”, o eufe-mismo trumpista para “mentira”. “Ciência, não silêncio” era um dos slogans mais frequentes – na linha de vários que desafiavam o presidente americano a calar cientistas, como “pergunte a Galileu se isso funcionou”. “Mais equações, menos invasões”, dizia um cartaz em Londres.

Em Amsterdã, uma placa foi direto ao ponto: “Não dá para pegar a ciência pela xoxota”, em alusão ao famoso vídeo no qual Trump se gaba de agredir mulheres sexualmente.

Sem responder diretamente aos protestos, Trump soltou uma nota sobre o Dia da Terra afirmando que sua Admi-nistração está comprometida com “os objetivos gêmeos do crescimento econômico e da proteção ambiental” e defendeu a redução de “ônus desnecessários aos trabalhadores e empresas americanas” [leia-se regulações ambientais] como forma de obter mais proteção ambiental – uma linha de argumento que os cientistas chamariam de “non sequitur”.

Tesouraço

No Brasil, protestos aconteceram em 25 cidades, segundo a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a maior parte deles de pequena escala. No Rio e em São Paulo, a chuva, aliada ao feriado prolongado de Tiradentes, também atrapalhou. A SBPC estima que cerca de 400 pessoas tenham participado do ato na capital paulista, segundo a Polícia Militar, e 400 no Rio, na Quinta da Boa Vista. Em Brasília, 180 pessoas marcharam na Esplanada dos Ministérios até o Congresso, segundo a PM.

O mote das manifestações no Brasil foram os cortes orçamentários drásticos que vitimam a pesquisa desde 2014, mas com especial dramaticidade em 2017: neste ano, o con-tingenciamento imposto pelo governo Temer ao orçamento federal tirou 44% dos recursos do MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Informações e Comunicações), que já eram os mais baixos em uma década. Segundo Fernanda de Negri, pesquisadora do IPEA (Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada), a queda em termos reais (ajustada pela inflação) é de mais de 65% em relação a 2010, ano de pico orçamentário.

Em protesto contra os cortes, dezenas de manifestantes no Rio promoveram uma “orquestra de tesouras” em frente ao Museu Nacional, cortando o ar com seus “instrumentos” para produzir uma espécie sinfonia da pindaíba. Os físicos Ildeu Moreira e Tatiana Rappaport, da UFRJ, que organizaram o “tesouraço”, dizem esperar que este seja o início de uma série de protestos contra o sucateamento da pesquisa no Brasil.

Em Brasília, uma marcha modesta conduzida por um carro de som soltou balões em frente ao Congresso Nacional após percorrer a Esplanada gritando palavras de ordem de tempos em tempos. Participaram pesquisadores da UnB, da Embrapa, da Fiocruz e de outras entidades. Um sindicalista no carro de som chegou a tentar puxar uma vaia em frente ao prédio do MCTIC, mas foi ignorado. Alguns bradaram contra o governo “golpista” de Michel Temer. “Já estamos vendo a decaída resultante do corte dos recursos”, disse ao OC Laila Espíndola, da Faculdade de Farmácia da UnB, citando pesquisas interrompidas e bolsas cortadas.

Em São Paulo, em um palco montado no largo da Batata, Helena Nader, Presidente da SBPC, inflamou a plateia ao falar dos cortes no orçamento e do ceticismo do Governo em relação às evidências científicas. Por lá, o público se dividiu entre os discursos de palanque e uma feira de ciências montada por universitários para divulgar seus experimentos.

Jovens entusiasmados davam explicações sobre réplicas de fósseis e enigmas matemáticos e geralmente davam um jeito de falar sobre a importância da ciência para o desenvolvimento do país. “A ciência faz as pessoas acreditarem na democracia”, disse o bioquímico Hernan Chaimovich.

Uma marcha global ainda maior já está marcada para o dia sábado 29 deste mês : é a Marcha dos Povos pelo Clima, mais abertamente política e anti-Trump.

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Com uma Ordem Executiva presidencial, intitulada sig-nificativamente “Energy Independence”, no dia 28 de Março, nos Estados Unidos, foram canceladas ou, pelo menos, for-temente enfraquecidas (o termo em inglês diz “thwarted”) as inúmeras medidas de salvaguarda ambiental que tinham sido predispostas nos dois termos do Governo Obama.

Na prática, além de uma série de medidas menores, foi completamente desmantelado o Clean Power Plan, o programa nacional lançado às vésperas da Conferência da ONU sobre o Clima em Paris e projetado para reduzir até 2030 até 32% (em comparação com 2015) as emissões de carbono, com a obrigação de que todas as agências governamentais tomassem medidas para enfrentar o problema do aumento dos Gases de Efeito Estufa e a eliminação gradual das centrais elétricas movidas a carvão.

Um tapa (embora se afirme se tratar de uma “revisão”) nas políticas ambientais com o objetivo anunciado de “potencia-lizar a produção de energia e criar novos postos de trabalho”. Um procedimento que pretende reescrever as diretrizes que regulam as emissões de carbono, cuja limitação, de acordo com o Presidente Trump desde a sua campanha eleitoral, causou “uma verdadeira hemorragia de postos de trabalho”.

“Eu acho que o Presidente foi muito claro ao dizer que nunca mais serão aplicadas políticas contra as mudanças climáticas que ponham em risco a economia da nossa nação”, comentou um funcionário da Casa Branca. “Colocamos os mineiros novamente no trabalho”, disse o Presidente, que pretende implementar a promessa de dar um novo impulso ao setor de mineração: “Tenham certeza de que, comigo, encerra-se definitivamente a guerra contra o carvão”, acrescentou, cercado por mineradores e empresários da mineração.

Além disso, com aquela assinatura, foi quase zerada qual-quer restrição às perfurações petrolíferas (implicitamente, agora, seria possível extrair o petróleo do Parque Nacional do Alasca, como pedia, há muitos anos, a Governadora republicana, sempre impedida, Sarah Palin).

Com essa assinatura, a EPA (Environmental Protect Agency) – em cuja sede, depois da mudança do diretor desejada por Trump, ocorreu a assinatura – está autorizada a desmantelar totalmente o projeto de salvaguarda ambiental do governo anterior, de modo que os financiamentos para incentivar a energia verde (eólica, solar, geotérmica) e as pes-quisas sobre as mudanças climáticas poderão ter um destino diferente (em grande parte, como já anunciado, para o setor militar e de armamentos).

É preciso lembrar que o CPP já estava sob revisão por parte da Corte de Apelação federal por causa de inúmeras queixas apresentadas por empresas ou por Estados inteiros contra a medida, que, na verdade, limitava muito a liberdade de empresa, dando a prioridade à saúde dos cidadãos.

Maria Teresa Pontara Pederiva | Jornalista do Settimana News

EUA na direção oposta à da Encíclica Laudato Si

Ainda em 2012, Trump, em um tuíte muito citado durante a campanha eleitoral, afirmava que as mudanças climáticas seriam “uma farsa inventada pelos chineses para atingir a economia estadunidense”.

Em nítida descontinuidade com as políticas ambientalistas do governo anterior – e com as escolhas das Conferências das Nações Unidas de Paris e de Marrakesh –, nos Estados Unidos, carvão e petróleo deveriam, portanto, voltar a ser as principais fontes de abastecimento energético, embora, na realidade, justamente por causa da tendência em curso há anos, em nível econômico, poderia não se revelar conveniente para empresas e cidadãos por causa da concorrência com a energia limpa com um custo cada vez menor. Assim como não é evidente que, nas minas, vão aumentar os postos de trabalho, por causa da automação cada vez mais impulsionada também nesse setor, no sentido de salvaguardar a saúde dos mineradores.

Não será indiferente a oposição interna daqueles que – dos políticos principalmente de fé democrática, mas não só, aos cidadãos, especialmente as famílias – não pretendem recuar na salvaguarda do ambiente, também por causa dos inúmeros postos de trabalho criados nos últimos anos, precisamente pela economia sustentável (pense-se apenas na Califórnia, o estado mais Green, mas também o mais rico em termos de economia e de cérebros, cada vez mais atraídos em todo o mundo).

“Lamentamos que os Estados Unidos estejam voltando atrás no principal pilar da sua política em relação ao clima e à produção de energia limpa. Agora, resta saber com que outros meios eles pretendem cumprir os seus compromissos no marco do Acordo de Paris”, disse Miguel Árias Cañete, Comissário para o Clima da União Europeia, dando a entender que um acordo internacional não é cancelado unilateralmente.

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“Há um pouco de preocupação, mas, felizmente, também há vozes contrárias e em desacordo”, respondeu o Cardeal Peter Turkson, Presidente do novo dicastério para o desen-volvimento humano integral, perguntado sobre os recentes posicionamentos do Presidente Donald Trump e sobre a sua atitude em relação aos países em desenvolvimento. Falando em Roma, na apresentação de um Congresso (realizado nos dias 3 e 4 de Abril) sobre o tema “Perspectivas para o serviço do desenvolvimento humano integral a 50 anos da Populorum progressio”, Turkson expressou a sua esperança de que Trump mesmo comece a repensar algumas das suas decisões.

“Além disso, o Presidente dos Estados Unidos está rea-lizando as promessas feitas durante a campanha eleitoral, mas quero esperar que ele se dê conta da dissonância entre a realidade das coisas e as expressões da campanha eleitoral e que as coisas vão mudar”, finalizou o Cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson.

“A Conferência Episcopal dos Estados Unidos (USCCB), em comunhão de intenções com o Papa Francisco, apoia fortemente a salvaguarda do ambiente e pediu várias vezes ao longo dos anos que a nossa nação se mobilize pela redução das emissões de carbono”, declarou em resposta o Bispo Frank J. Dewane, de Venice (Flórida), que também é Presidente da Comissão Episcopal para a Justiça Interna e o Desenvolvimento.

“Essa Ordem Executiva anula uma série de proteções ambientais e, de fato, afasta os Estados Unidos dos padrões dos acordos internacionais voltados à redução das emissões de carbono. E isso sem a adoção de um plano alternativo suficientemente eficaz para garantir o cuidado adequado das pessoas e da criação. A ação que ocorreu com a assinatura de ontem significa, infelizmente, que, para os Estados Unidos, será improvável alcançar os objetivos de mitigação que haviam sido postos tanto em nível nacional quanto internacional”, concluiu Dewane.

Clean Power Plan

Os bispos também reconhecem que o Clean Power Plan não foi o único instrumento voltado a favorecer a redução dos Gases de Efeito Estufa (“A Igreja não é capaz de privi-legiar uma abordagem técnica, econômica ou política em relação a outros”), mas “a falta de uma alternativa viável é um problema sério”.

“O novo Diretor da EPA, Scott Pruitt – continua a decla-ração –, afirmou repetidamente que as políticas devem ser, ao mesmo tempo, pró-crescimento e pró-ambiente. Portanto, apenas uma abordagem integral pode respeitar as preocu-pações em relação à população e ao ambiente, e, ao mesmo tempo, alcançar o objetivo do crescimento econômico, desde que trabalhe corretamente. Além disso, muitos Estados já fizeram grandes progressos para alcançar o objetivo de uma redução do carbono na atmosfera, e esse impulso deveria ser encorajado e não obstaculizado.”

A USCCB lembra as palavras do Papa Francisco na Encíclica sobre o cuidado da Criação, na qual o pontífice recorda que uma abordagem ecológica deve ser capaz de “escutar tanto o grito da terra quanto o grito dos pobres” (LS 49). “Com essa ordem executiva, o Governo corre o risco de deteriorar o ar que respiramos, as nossas águas e, acima de tudo, o nosso povo, especialmente os mais pobres e mais vulneráveis, sem propor, de fato, uma abordagem alternativa, adequada e concreta para enfrentar as obrigações de uma gestão responsável pelo ambiente”.

Indignação (quase geral) dos bispos

É preciso lembrar que, salvo um aplauso inicial do Arce-bispo de Nova York, Timothy Dolan, Presidente da Comissão Episcopal para a Vida (o único presente na cerimônia de posse em Washington), depois da Ordem Executiva que, no dia 24 de Janeiro, suspendeu o desembolso de fundos para as organizações não-governamentais internacionais que praticam abortos ou fornecem informações a respeito, os bispos dos EUA não deram desconto para o Presidente, ao contrário.

Ainda em Fevereiro, a Comissão Episcopal para a Justiça e o Desenvolvimento Humano, junto com o presidente do Catholic Relief Services (CRS), pediram que o Governo Trump mantivesse o compromisso dos EUA com a proteção e a salvaguarda da Criação, tanto em nível nacional quanto global. “Queremos reafirmar a importância da liderança dos EUA e o compromisso com o Acordo de Paris”, afirmava a carta endereçada ao Secretário de Estado e assinada pelos Bispos Frank Dewane, da diocese de Venice (Flórida), Oscar Cantu, de Las Cruces (Novo México), e Sean Callahan, Presidente do Catholic Relief Services (CRS).

A missiva recordava que, ainda em 2015, a USCCB havia reiterado que o financiamento dos programas de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas incluídos no Acordo de Paris era ainda mais urgente, especialmente se se queria assumir a responsabilidade comum pelo fenômeno do aquecimento global e limitar as consequências sobre as populações mais vulneráveis do Planeta. “O Acordo de Paris é um passo fundamental para ambos os objetivos”, afirma o texto, e, nas entrelinhas, se podia sentir a preocupação, porque, durante a campanha eleitoral, Trump tinha afirmado várias vezes que não respeitaria o acordo da COP-21.

A isso tudo, se deve acrescentar uma longa lista de decla-rações e discursos que mostram toda a indignação dos bispos com a construção do muro na fronteira com o México, com toda a política anti-imigrantista, com o desmantelamento (por enquanto fracassado, graças a democratas e republica-nos unidos) da cobertura de saúde pública, com as medidas protecionistas, com a nova corrida armamentista. “Trump vai em direção oposta à doutrina social da Igreja”, se lia numa manchete do New York Times no dia 28 de Março.

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As promessas retrógradas feitas pelo Presidente norte-americano Donald Trump começam a se concretizar, em sintonia com a nomeação de negacionistas do aquecimento global para posições-chave em seu governo. A revogação do regulamento de Obama que atendia a compromissos dos Estados Unidos à Convenção sobre Mudanças Climáticas parece remeter o país à era do carbono, do Século 19. O retrocesso é enorme e enfraquece o papel dos EUA na ordem mundial.

O Decreto de 28 de Março, desmontando o Plano de Energia Limpa, foi assinado ao lado de barões da mineração e incluiu sofismas, como “teremos carvão limpo, realmente limpo”, e a retórica de que este é um ato pela criação de empregos. Na verdade, devido à automação, a indústria americana do carvão produz 50% mais em compa-ração à década de 1940, mas emprega 1/8 das pessoas, além de enfrentar a concorrência do gás natural, cada vez mais barato. O setor de energia renovável tem se mostrado mais competitivo, com potencial de gerar milhões de empregos e manter os americanos competitivos em inovação tecnológica.

Empresas estão abandonando combustíveis fósseis e reduzindo emissões de gases de efeito estufa por vislumbrar vantagens econômicas. Deixar isso para trás não trará benefí-cios para os cidadãos americanos, como Trump alega, apenas torna mais provável que eles sejam ainda mais impactados por eventos climáticos extremos e outros efeitos diretos das mudanças climáticas, além de consequências negativas para a saúde pela queima de combustíveis fósseis.

O clima tem sido um dos temas mais presentes em diferentes instâncias e reuniões internacionais. Faz parte da agenda de grandes mesas de negociação, como convenções internacionais, G7 e G20, de bancos e agências multilaterais, e foros expressivos, como o de Davos.

Carlos Nobre | Climatologista, membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências dos EUA

Rachel Biderman | Diretora Executiva do WRI Brasil. Membros da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza

Trump: ameaça ao equilíbrio climático do Planeta

Nesse cenário, as atitudes de Trump, além de acenarem com um perigoso retrocesso nas metas de emissões dos Estados Unidos, colocam em grande risco o Acordo de Paris. De fato, enfraquecem os Estados Unidos nas negociações globais, não só de clima, mas de paz, segurança e comércio, pois são assuntos que caminham juntos. Tamanha entropia será de difícil e demorada reversão.

No momento em que deve-ríamos andar a largos passos, discutindo, criando e imple-mentando tecnologias e métodos disruptivos para lidar com o aquecimento global, a comu-nidade internacional precisa gastar precioso tempo e energia para enfrentar o desgaste trazido pelas equivocadas políticas de Trump. O desmonte das políticas ambientais adotadas por Obama — como a ordem executiva do novo presidente — não passará em branco. Empresas, governos subnacionais e ONGs já amea-çam questionar na justiça medi-das que violem a legislação em vigor, como o Clean Air Act (Lei

do Ar Limpo), por exemplo.Para nações como Brasil, Índia e Indonésia, esse vazio

criado pela ausência de liderança dos EUA pode se converter em oportunidades de assumir protagonismo, atrair investimentos para economias de baixo carbono e ainda ajudar a solucionar ineficiências em modelos regulatórios e de governança que afastam investidores.

No caso do nosso país, a liderança já conquistada através das metas ambiciosas de redução de emissões deve impulsionar a busca de desenvolvimento calcado em grande expansão da utilização de energias renováveis — somos o país com o maior potencial de energias renováveis por quilômetro quadrado do mundo —, e sustentabilidade no aumento da produção agrícola e florestal, sem implicar em aumento dos desmatamentos. Acima de tudo, governos e líderes da sociedade civil devem ficar atentos para ocupar o espaço que se cria com a ausência, a cegueira e o destempero do presidente americano.

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A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura expressa sua forte preocupação com o alarmante aumento da taxa de desmatamento, bem como seu desacordo com recentes pro-postas legislativas que podem reduzir as áreas protegidas em Unidades de Conservação (UCs) na Amazônia. O aumento da devastação florestal coloca o Brasil na direção contrária de suas metas da Política Nacional de Mudanças Climáti-cas para 2020 e compromete a meta brasileira referente ao Acordo de Paris.

Num momento em que o país busca reestabelecer a confiança com a retomada da gestão econômica responsável e focada no alcance das metas estabelecidas, é igualmente crucial retomar o caminho das metas da agenda climática em especial a redução drástica do desmatamento.

Os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que entre 2014 e 2016 o desmatamento aumentou 60%. A taxa de desmatamento em 2016 chegou a quase 8.000 km2, mais do que o dobro da taxa necessária para alcançar a meta de redução de 80% do desmatamento em 2020, estabelecida pela Política Nacional de Mudanças Climáticas.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Ama-zônia (IPAM) mostra que o desmatamento aumentou dentro de UCs e em áreas públicas ainda não destinadas a um uso específico e também em propriedades rurais inseridas no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Mais da metade de toda área desmatada detectada pelo INPE está no CAR.

Esse cenário é incompatível com o passado recente do Brasil que, entre 2005 e 2012, foi um dos países que mais contri-buiu para a mitigação das mudanças climáticas. O resultado positivo daquele período foi alcançado, entre outras medidas, pela substancial redução no desmatamento da Amazônia, na qual as ações de monitoramento contínuo, repressão à exploração ilegal e a criação de UCs se mostraram estratégias bem-sucedidas. O desmatamento, que chegou a 27.000 km2 em 2004, baixou a 4.500 km2 em 2012, simultaneamente a um período de saltos extraordinários da produção agropecuária brasileira. A reversão recente desta tendência com forte aumento do desmatamento coincide com a diminuição da frequência da divulgação de dados do DETER, a redução das ações de comando e controle, a paralisação da criação de novas UCs e propostas de redução de antigas áreas protegidas, o baixo investimento e a ausência de incentivos para a conservação das florestas e para atividades sustentáveis. Além disso, com base nos dados preliminares do próprio Governo Federal, essa tendência de aumento deve se manter ou até se agravar nos próximos anos, colocando em risco o compromisso climático brasileiro com o Acordo de Paris, que tem como um dos seus pilares alcançar o desmatamento ilegal zero na Amazônia brasileira até 2030.

Desmatamento e redução de UCs abalam Acordo de Paris

Fernanda Macedo | Jornalista da Coalizão Brasil

Somam-se a essa situação as ações de parlamentares e agentes públicos, apresentadas nos últimos meses, propondo a redução das áreas protegidas em Unidades de Conservação na Amazônia em cerca de um milhão de hectares, que emitem um sinal contrário a tudo que o país vem defendendo nacional e internacionalmente.

A Coalizão Brasil entende que tais ações abrem caminho para uma maior destruição florestal e colocam em risco populações tradicionais e atividades econômicas ligadas direta ou indiretamente à floresta, como a própria agropecuária, responsável por quase 25% de nosso PIB.

É preciso uma retomada urgente da agenda integrada de controle do desmatamento com ações que incluem

1 - A retomada da divulgação mensal dos alertas de des-matamento do DETER.

2 - A suspensão dos processos de regularização fundiária e crédito e a imediata responsabilização e autuação de todas as áreas com desmatamento ilegal.

3 - A instalação de uma força tarefa para promover a des-tinação para conservação e usos sustentáveis de 60 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas.

4 - A suspensão imediata de todos os processos de redução de Unidades de Conservação.

A busca de mais harmonização entre conservação florestal e o uso eficiente de nossos solos para a produção agropecuária é um dos maiores desafios do Brasil nos próximos anos. Um país que produz 7% dos alimentos do mundo, com meta de chegar a 10% em cinco anos, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), precisa ter responsabilidade e compromisso com o bom uso de seus recursos naturais.

O Brasil é fundamental nos esforços globais para enfrentar os desafios das mudanças climáticas. Possui tecnologia para produzir mais sem precisar desmatar. Tem, ainda, a ambição de ser um país mais justo e responsável para com seus cidadãos e com o Planeta. Para isso, deve crescer, ampliar a economia e potencializar ainda mais sua produção agropecuária e, ao mesmo tempo, proteger ativos naturais.

Sobre a Coalizão Brasil

A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura é um movimento multissetorial que se formou com o objetivo de propor ações e influenciar políticas públicas que levem ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono, com a criação de empregos de qualidade, o estímulo à inovação, à competitividade global do Brasil e a geração e distribuição de riqueza a toda a sociedade. Mais de 150 empresas, associações empresariais, centros de pesquisa e organizações da sociedade civil já aderiram à Coalizão Brasil – coalizaobr.com.brA

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Observatório do Clima lança Carta em protesto contra movimento coordenado pelo Governo Temer e pelo Congresso contra Áreas Protegidas, Terras Indígenas e Quilombolas e o Licenciamento Ambiental.

O Obser va tór io do Clima, reunido em assembleia em Atalanta (SC), lançou na noite de quarta-feira 12 deste mês (Abril) uma Carta em protesto contra o ataque coordenado do Congresso Nacional e do Governo de Michel Temer à proteção ambiental e aos direitos dos povos tradicionais.

O documento lista a série de retrocessos promovidos pelo governo e por seus aliados parla-

mentares nos últimos meses, no que talvez seja a maior ofensiva antiambiental desde a Constituição de 1988. E alerta que o movimento põe em risco as metas climáticas do país, além da segurança de toda a sociedade.

Nenhum hectare a menos!Entre as vítimas estão as Unidades de Conservação –

comissões especiais do Congresso reduziram a proteção de 1,1 milhão de hectares em apenas dois dias, votando propos-tas enviadas pelo próprio Palácio do Planalto na forma de Medidas Provisórias; as Terras Indígenas, com a nomeação do Deputado Federal, Osmar Serraglio (PMDB-PR), um radical da bancada ruralista, para o cargo de Ministro da Justiça; as terras públicas, com a proposta da MP 759; e o licenciamento ambiental.

“Após avanços significativos na redução da taxa de des-matamento e na demarcação de terras indígenas e criação de unidades de conservação na década passada – mantendo ao mesmo tempo forte crescimento econômico, safras recorde e geração de empregos –, o Brasil parece retroceder à década de 1980, quando era um pária internacional devido à des-truição acelerada de seu patrimônio natural e à violência no campo”, diz a carta.

“O país que gosta de se vender ao mundo como parte da solução da crise do clima voltou a ser um problema. A mesma agropecuária propagandeada como a mais sustentável do mundo é a responsável pela grilagem de terras públicas, pela retirada de direitos de povos e comunidades tradicionais e pequenos agricultores e por rasgar os compromissos domésticos e internacionais de redução de emissões.”

Documento | Observatório do Clima

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Carta do Observatório do Clima contra os retrocessos na agenda socioambiental

Em meio à instabilidade política atual, segmentos do governo e do Congresso avançam rapidamente para desfigu-rar leis e políticas socioambientais consolidadas a partir da Constituição de 1988. Evidencia-se um esforço concentrado e organizado para a aprovação de um conjunto de medidas que colocam em risco o bem-estar e a segurança da sociedade e nossos compromissos contra as mudanças climáticas.

Na última terça-feira (11/4/2017), uma comissão do Congresso Nacional retalhou um conjunto de unidades de conservação na Amazônia e na Mata Atlântica, liberando para grilagem 660 mil hectares de terras públicas que haviam sido ilegalmente ocupadas e vêm sendo desmatadas. A redução, sem precedentes, foi inicialmente pedida pelo próprio Presidente da República, Michel Temer, por meio da Medida Provisória 756. Na quarta-feira (12/4), em sete minutos, outra comissão especial do Congresso aprovou a Medida Provisória 758, que reduz outros 442 mil hectares de Unidades de Conservação na Amazônia – em dois dias, 1,1 milhão de hectares.

A redução de áreas protegidas por MP, proposta inicial-mente pela ex-Presidente Dilma Rousseff e posta em prática por Temer, é uma sinalização do governo de que o crime compensa. A prática vem animando segmentos empresariais e parlamentares a formular propostas visando extinguir, reduzir ou alterar o status de proteção de parques nacionais, reservas extrativistas e outras áreas protegidas. No exemplo mais recente, políticos do Amazonas articulam com a Casa Civil a redução de cerca de 1 milhão de hectares de Unidades de Conservação no Sul do Estado. Tramitam no Congresso Nacional e em várias assembleias legislativas estaduais outros projetos com esses objetivos.

O Presidente também editou a MP 759/2016, que, a pretexto de promover a regularização fundiária, incentiva a grilagem de áreas públicas, perenizando o caos urbano e rural, o aumento do desmatamento e a concentração de terras e de renda. Esses movimentos ocorrem em meio à forte elevação do desmatamento da Amazônia. A devastação cresceu 60% nos últimos dois anos, pondo em risco a meta brasileira de chegar a 2020 com uma redução de 80% na taxa, lançando dúvidas sobre a seriedade do compromisso do governo bra-sileiro com o Acordo de Paris.

Outras áreas protegidas também estão sob ameaça. Temer nomeou um ruralista radical, Osmar Serraglio (PMDB-PR), para o Ministério da Justiça, ao qual a Funai está subordinada. Serraglio foi o relator, na Câmara, da PEC 215, que viola direitos constitucionais dos índios ao transferir do Executivo para o Congresso a prerrogativa de demarcar terras indígenas. Premiando um militante da injustiça como ministro, Temer toma partido nos conflitos que o governo deveria mediar.

Encontram-se paralisados todos os procedimentos admi-nistrativos de demarcação de terras indígenas, titulação de quilombos e criação de assentamentos da reforma agrária e Unidades de Conservação.

O teto de gastos introduzido na Constituição projeta um longo período de arrocho orçamentário para os órgãos e políticas socioambientais – um exemplo é o corte de 43% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente em pleno período de alta no desmatamento.

Além das ameaças diretas a áreas protegidas e territórios tradicionais, também pode ser votado na Câmara nos próximos dias o desmonte do licenciamento ambiental. A bancada rura-lista, juntamente com a Confederação Nacional da Indústria, vem buscando afrouxar o licenciamento, deixando na mão de Estados e municípios a definição das atividades que precisam de licença – e isentando toda a agropecuária. A vitória dessa proposição, que atropela o diálogo entre governo, congresso e sociedade civil para o aprimoramento deste instrumento, aumentará ainda mais o potencial de tragédias como a ocorrida em Mariana em 2015, além de abrir o caminho para grandes obras, como as investigadas pela Operação Lava Jato, sem qualquer avaliação de impacto.

Nesse cenário, cresce a violência contra jovens, mulheres, trabalhadores rurais, extrativistas, quilombolas e índios. Somente em 2015 foram registrados 50 assassinatos relacio-nados à luta pela terra e por direitos comunitários. O Brasil é o país onde mais se mata ativistas socioambientais.

Após avanços significativos na redução da taxa de des-matamento e na demarcação de terras indígenas e criação de Unidades de Conservação na década passada – mantendo ao mesmo tempo forte crescimento econômico, safras recorde e geração de empregos –, o Brasil parece retroceder à década de 1980, quando era um pária internacional devido à des-truição acelerada de seu patrimônio natural e à violência no campo.

O país que gosta de se vender ao mundo como parte da solução da crise do clima voltou a ser um problema. A mesma agropecuária propagandeada como a mais sustentável do mundo é a responsável pela grilagem de terras públicas, pela retirada de direitos de povos e comunidades tradicionais e pequenos agricultores e por rasgar os compromissos domésticos e internacionais de redução de emissões.

Em vista desse quadro, o Observatório do Clima: repudia os ataques ao patrimônio nacional e aos direitos da sociedade realizados pelo poder público sob influência de interesses privados; demanda ao Congresso Nacional que não aprove qualquer medida que leve à redução do status de proteção ou eliminação de áreas protegidas, como as Medidas Provisórias 756 e 758, nem qualquer outra medida que fragilize a proteção social e ambiental do país; demanda ao Presidente da Repú-blica que não recorra mais a MPs para alterar áreas protegidas e vete na íntegra as alterações recentemente propostas pelo Congresso, caso aprovadas; e apoia organizações ambientais e movimentos sociais que juntam forças para fazer frente aos retrocessos, na certeza de que somente o aumento da resistência será capaz de deter e de reverter a atual conjuntura.

Atalanta (SC), 12 de abril de 2017Assembleia Anual do Observatório do Clima

Carta de AtalantaNenhum hectare a menos!

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Sob o pretexto de abrir cami-nho para a Ferrogrão, medida deixa brechas para mais desmatamento e ocupações ilegais no Oeste do Pará. O WWF-Brasil alerta: os parlamentares que alteraram as MPs 756 e 758 deixam despro-tegidos mais de um milhão de hectares Amazônia, em uma área já marcada por conflitos fundiários, avanço do desmatamento e crimes como corte ilegal de madeira, garimpos clandestinos e grilagem de terras públicas.

Um dia depois de uma Comis-são Mista do Congresso Nacional reduzir cerca de 660 mil hectares de florestas no Oeste do Pará, outro colegiado, também formado por deputados e senadores aprovou, em menos de dez minutos, no dia 12 deste mês (Abril), mudanças nos limites do Parque Nacional (PARNA) do Jamanxim e da Floresta Nacional de Itaituba II, na mesma região. Pela medida apro-vada, 273 mil hectares do Parque foram transformados nas Áreas de Proteção Ambiental (APAs) Cara-puça e Rio Branco. A APA é uma modalidade de Unidade de Conservação que permite diversos tipos de uso do solo, como atividades agropecuárias e garimpo, abrindo brecha para mais desmatamento e ocupações irregulares. Outros 70 mil ha do Parque passam para a Floresta Nacional do Trairão.

O texto da Comissão segue agora para o Plenário da Câmara, depois ao Senado. A MP tem de ser votada até dia 29 de Maio. Em seguida, vai à sanção do Presidente da República.

Um milhão a menos

O WWF-Brasil alerta: em duas tacadas, os parlamenta-res que alteraram as MPs 756 e 758 deixam desprotegidos mais de um milhão de hectares Amazônia, em uma área já dominada por conflitos fundiários, avanço do desmatamento e crimes como corte ilegal de madeira, garimpos clandestinos e grilagem de terras públicas. A decisão tomada consta do relatório do Deputado José Reinaldo (PSB/MA), no âmbito da Comissão Mista da Medida Provisória (MP) 758, proposta pelo Presidente Temer no final do ano passado.

Giovanna Leopoldi | Jornalista (com informações do MMA)

Deputados tiram proteção de UCs na Amazônia

O plano do Executivo era desafetar aproximadamente 862 ha do Parque para abarcar as curvas da futura ferrovia EF-170, a Ferro-grão, que deve ligar o município de Sinop (MT) ao distrito de Miriti-tuba, em Itaituba (PA). O traçado da ferrovia passa no meio do Parque, mais ou menos de forma paralela à BR-163, e por isso seria necessário mudar parcialmente o status de alguns trechos da Uni-dade de Conservação, conforme desenho proposto pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A ferrovia é considerada estratégica pelo agronegócio, que quer usar a via para facilitar as exportações. A expectativa é que passem por ali até 5 milhões de toneladas de grãos por ano.

Minérios

No arranjo do relator, aquilo que foi retirado da FLONA de Itai-tuba (169 mil hectares) foi com o intuito de atender aos interesses do

setor minerário. Ao longo da discussão da MP 758, o Minis-tério de Minas e Energia apresentou uma série de sugestões ao relator, defendendo que o novo desenho deixasse de fora do Parque áreas com potencial para mineração. A prática na região tem sido a de cortar a floresta, colocar algumas cabeças de gado e se apropriar a terra pública. Os que já se adiantaram e invadiram áreas às margens da BR-163, no trecho que corta o Parque, também foram a Brasília a pressionar, esperando anistia e vantagens com as alterações.

Ao final, o Relatório ateve-se apenas aos interesses econô-micos, sem considerar a importância ambiental das áreas, que apresentam cobertura florestal contínua e íntegra. “Alterar a categoria de proteção dessas áreas para aproveitamento agrícola, como justifica a emenda feita à MP original, é efetivamente apostar no avanço do desmatamento na Amazônia”, diz a Nota Técnica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Segundo o documento, o Parque quando foi criado, em 2006, serviu como barreira ao desmatamento que avançava de modo veloz na região. Essa barreira agora está fragilizada.

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MMA é contrário às alterações na MP Jamanxim

O Ministério do Meio Ambiente, com base em estudos e pareceres técnicos do Instituto Chico Mendes de Conser-vação da Biodiversidade (ICMBio), manifestou sua posição contrária ao texto aprovado pela Comissão Mista encarregada de analisar a Medida Provisória Nº 756/2016, pelos seguintes motivos:

1. O texto aprovado descaracteriza o propósito original da MP 756, ao sinalizar contrariamente aos esforços do Governo Federal em conter o desmatamento na Amazônia, cujos índices voltaram a subir, tendo atingido, em 2016, a marca de 7.989 km2, o que representa um aumento de 29% em relação ao ano anterior.

2. A FLONA do Jamanxim se encontra em área que concentra as maiores taxas de desmatamento ilegal em UCs (68,48% de todo o desmatamento ilegal nas UCs federais na Amazônia). Somente a FLONA do Jamanxim representa 37,7% da taxa total de desmatamento (dados PRODES 2016 preliminar).

3. A região tem sido palco de frequentes conflitos fundiá-rios, de atividades ilegais de extração de madeira e minérios, associadas à grilagem de terra e à ausência de regramento ambiental, com reflexos na escalada da criminalidade e da violência contra agentes públicos.

4. O texto aprovado não colabora com a implantação das políticas de Governo adequadas para enfrentar essas questões, notadamente o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), que prevê, entre outras medidas, a ampliação, consolidação e fortalecimento de Unidades de Conservação na Amazônia.

5. O texto representa também um retrocesso nos esforços do governo brasileiro para cumprir com os compromissos que assumiu sob o Acordo de Paris para combater o aquecimento global, por meio de metas de redução de emissões nas quais o combate ao desmatamento e a valorização da floresta em pé têm importância central.

Caso seja aprovado no Plenário, o Ministério irá reco-mendar o veto do Presidente da República, com base nos pareceres técnicos do ICMBio.

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A Câmara dos Deputados pode votar a qualquer momento o Projeto de Lei que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 3729/04). A votação, em regime de urgência, é mais um desserviço para o país. A norma, que afeta dras-ticamente a vida de todos os brasileiros, não pode ser votada sem transparência e participação da sociedade, principalmente num momento tão conturbado, de instabilidade política e socioeconômica.

Desde Junho do ano passado, o Ministério do Meio Ambiente tem conduzido uma negociação em torno de um Projeto de Lei que permita resolver os problemas decorrentes da falta de estrutura dos órgãos ambientais, do excesso de burocracia e da precariedade técnica dos projetos submetidos à análise ambiental e que, fundamentalmente, não traga retrocessos à legislação ambiental brasileira.

As negociações envolveram deputados federais das Frentes Parlamentares Ambientalista e do Agronegócio, ministérios, representantes dos setores produ-tivos, de infraestrutura, diversas organizações ambientalistas, associações nacionais de muni-cípios, além de órgãos estaduais e do Ministério Público.

A versão do dia 4 de Abril da minuta elaborada pelo IBAMA, com a contribuição de todos esses setores, foi considerada um texto equilibrado e de consenso. Essa versão define regras gerais sobre o rito e a forma dos processos de licenciamento, envolvendo, com base nas competências, os entes da Federação e o Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA). Também fixa prazos e inova ao incluir a Avaliação Ambiental Estratégica e mecanismos de transparência. Embora contemple dispensa de licenciamento ambiental às atividades agrossilvopastoris, vincula a provável dispensa ao cumprimento de outras Leis e instrumentos vigentes, como a Lei da Mata Atlântica, o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural (CAR).

Fruto de negociação, essa versão evita graves retrocessos e judicializações, minimiza pressões setoriais e, apesar de não ser o texto ideal, por fazer concessões, deveria ser enviada para votação na Câmara Federal na forma de um novo substitutivo, com regime de urgência.

Mario Mantovani | Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica

Licenciamento Ambiental: proposta-bomba para o Brasil

A votação dessa proposta, porém, depende do amplo acordo costurado pelo Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, com os deputados federais relatores do Projeto de Lei 3729/2004 – Ricardo Tripoli (PSDB-SP), pela Comissão de Meio Ambiente, e Mauro Pereira (PMDB/RS), pela Comissão de Finanças e Tributação.

Esse acordo evitaria também a tramitação de diferentes projetos sobre o mesmo tema no Senado, que buscam flexibilizar ainda mais o processo de licenciamento ambiental. Porém, uma “proposta-bomba”, apresentada na última semana ao Ministério do Meio Ambiente por representantes do velho agronegócio e da velha indústria – e que não condiz com os representantes mais modernos desses setores, que concordam com a versão até então negociada –, inviabilizou o acordo.

O texto unilateral que foi apresentado dispensa diversas atividades do licenciamento ambiental, como mineração e grandes obras de duplicação de rodovias, energia, sistemas de saneamento, transformando o Projeto de Lei em uma “lei de liberação”, à exemplo do que ocorreu com o novo Código Florestal que trata pouco das florestas e mais parece um código rural. Além disso, fere vários princípios Constitucionais e prerrogativas da União.

Diante desse contexto, a Fundação SOS Mata Atlântica reitera seu posicionamento de que o licenciamento ambiental é um instrumento estratégico de plane-jamento. Garante à sociedade a transparência e a participação na tomada de decisões para obras, empreendimentos ou atividades econômicas que visem ser imple-mentadas ou regularizadas no país, bem como a conservação

de patrimônios naturais, da biodiversidade e de ecossistemas essenciais para a regulação da água e do clima.

Portanto, a ameaça de votação de um texto unilateral, desconhecido da sociedade, deve ser repudiada. É fundamental que o Governo Federal se posicione em defesa da proposta de consenso que vinha sendo construída no Ministério do Meio Ambiente, reafirmando os compromissos internacionais que assumiu perante o Acordo de Paris sobre Mudanças do Clima e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Flexibilizar o licenciamento ambiental para favorecer setores pontuais traz enormes prejuízos à sociedade e ao ambiente no Brasil e acaba com a oportunidade de construir uma proposta capaz de transformar o licenciamento ambiental em um instrumento ágil e moderno, que equilibre desenvolvimento e sustentabilidade.

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Mario Mantovani

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O 4º Congresso Global Greens

O Global Greens foi criado em Abril de 2001 em Can-berra (Austrália), como uma rede de parcerias de partidos e movimentos políticos verdes ao redor do mundo, com base em princípios e propostas políticas para a ação, a Carta Global Greens, incluindo a elaboração conjunta começou em 1996 por iniciativa dos Verdes australianos.

Atualmente a organização dos Greens congrega cerca de 90 Partidos Verdes em 4 federações continentais: África, América, Europa e Ásia-Pacífico.

Constitui uma nova visão política internacional que pretende mudar o mundo na direção do desenvolvimento sustentável, justiça social, proteção ambiental, democracia, rompendo com as duas linhas que ocupam a maioria do poder no mundo de hoje: os conservadores e os socialdemocratas.

Declaração de Liverpool: movimento global, visão única

Global Greens | Documento

Os membros dos Partidos Verdes globais reconhecidos pelas 4 federações continentais são geralmente associados de direito pleno. O Global Greens também trabalha com organi-zações ambientalistas da sociedade civil que participam sem direito de voto. O centro de tomada de decisões do Global Greens é o Congresso realizado a cada cinco anos, cada vez num continente diferente.

O primeiro Congresso foi realizado em Canberra, em 2001; o segundo em São Paulo, em 2008; o terceiro em Dakar, em 2012 e o quarto, agora, em Liverpool, aconteceu entre os dias 30 de Março e 2 de Abril deste ano.

Após dias de intenso debate e discussões sobre o futuro e políticas para o meio ambiente, o “Global Greens”, maior encontro dos Partidos Verdes do mundo terminou com a elaboração da “Carta de Liverpool”, que traz uma série de diretrizes para a melhor atuação dos Verdes.

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Declaração de Liverpool, 2 de Abril de 2017.

O mundo enfrenta tendências perturbadoras e perigosas. Vários atores estão se organizando para combater os desafios que essas tendências apresentam. O Global Greens como agente de mudança, promovendo um futuro sustentável, justo, pacífico, livre e democrático para a civilização humana na Terra, ingressou em inúmeras batalhas em busca dos valores que compartilhamos. Prometemos cooperar ainda mais fortemente no futuro para as transformações fundamentais necessárias para devolver às gerações futuras o mundo que só emprestamos deles.

Crises ambientais, desigualdades e conflitos estão cres-cendo, levando a apelos por mudanças políticas e sociais. Polí-ticos de direita, autoritários e sem escrúpulos estão explorando esta insatisfação. Eles usam meios populistas para colocar a culpa de todos os problemas nas minorias, nos dissidentes, no “outro”, especialmente os migrantes e aqueles que pedem asilo. Para problemas reais, como mudança climática, austeridade e divisão social, líderes como Putin, Trump, Erdogan, Duterte, e outros, oferecem soluções imaginárias. Nós, Verdes, somos o oposto – buscamos substituir o medo pela esperança, o ódio pela compaixão, o racismo pelo respeito por todos.

Nós, Verdes, oferecemos uma política que é ao mesmo tempo prática e visionária. Acreditamos numa sociedade que respeita a diversidade, promove a paz, cria democracia de ver-dade, desafia a desigualdade e acima de tudo, respeita ambos: natureza e futuras gerações. Estes valores são encontrados em partidos verdes por todo o mundo. Ao mesmo tempo em que respeitamos a diversidade dos Partidos Verdes, defendemos prin-cípios em comum e uma abordagem prática para colocá-los em ação.

Mudanças climáticas

As mudanças climáticas são a maior ameaça que enfrentamos, elas ameaçam as pessoas, a huma-nidade, o meio ambiente e o futuro. Nós, Verdes, nos comprometemos a agir rapidamente para cumprir o objetivo do Acordo de Paris, que limita o aquecimento a não mais de 1,5 graus acima dos níveis pré-industriais.

Eletricidade limpa para todos – Energia solar, eólica e outras fontes renováveis podem eletrificar o planeta. Os Verdes estão trabalhando para que todos tenham acesso à energia limpa, eliminando a energia nuclear e rejeitando novas barragens de grande escala e energia gerada a partir de biomassa em escala industrial.

Manter os combustíveis fósseis no solo – Nós, Verdes, estamos fazendo campanha para acabar com subsídios nos países do G20 até 2020 e para reduzir investimentos em combustíveis fósseis pelos governos e agências públicas em todos os níveis. Os verdes se opõem ao frackling (fraturamento hidráulico), expansão ou instalação de novas minas de carvão, e de offshores de perfuração de petróleo e gás.

Proteger as florestas – As florestas naturais fazem parte da solução climática, assim como outros ambientes naturais. Os Verdes as protegerão.

Compensar por perdas e danos – Nós, Verdes, nos compro-metemos a ajudar os países vulneráveis a obter compensações, inclusive sob a lei internacional, para restaurar perdas e danos causados pelas alterações climáticas.

Ecologia – Sistemas terrestres, dos quais depende toda a vida, estão sendo destruídos, poluídos ou degradados a taxas sem precedentes. Sem uma mudança urgente para colocar as atividades humanas dentro dos limites da sustentabilidade global, as consequências serão potencialmente catastróficas. Os verdes estão unidos, em torno da sustentabilidade ecológica e da resiliência em todos os níveis, do local para o global.

Proteger e restaurar a natureza – Nós, Verdes, estamos empenhados em proteger e restaurar a biodiversidade de ecossistemas críticos, incluindo florestas, oceanos, calotas polares e geleiras em montanhas.

Transformar sistemas essenciais à vida humana – Nós Verdes promovemos uma economia ecológica e uma nova governança que apoia alimentos sustentáveis, água e sistemas urbanos. Os Verdes estão comprometidos com a Sustentabilidade. Os Verdes são defensores dos animais, promovendo compaixão por outras espécies e desafiando a pecuária industrial e outras formas de crueldade.

Democracia

É preciso uma democracia vigorosa para obter êxito na abordagem das questões climáticas, ambientais e sociais. Nós acreditamos que a democracia participativa permite aos cidadãos desenvolver soluções eficazes para os problemas que

enfrentamos.Possibilitar representação – Nós,

Verdes, estamos empenhados em eliminar as barreiras à representação política – tais como a cobrança de altas taxas de nomeação e regras de registro de partido proibitivas – e trazer para o partido representação proporcional. Condenamos as práti-cas antidemocráticas, como o regime de partido único e o “presidente vitalício”. Os Verdes irão se juntar às missões de observação eleitoral sempre que possível.

Capacitar as mulheres para que elas participem plenamente na vida política – Nós, Verdes, vamos

cooperar para remover barreiras que dificultem a partici-pação política das mulheres, assim como vamos promover a igualdade de gênero em todas as facetas da vida política. Nós vamos apoiar e ampliar o trabalho da rede de mulheres da Global Greens.

Incentivar os jovens a se engajar na política – Nós, Verdes, vamos incentivar o engajamento de jovens em todos os aspectos da vida política. Vamos trabalhar com a rede de jovens da Global Greens. Trabalharemos com os Jovens Verdes para capacitá-los no âmbito da democracia participativa.

Comprometer-se mais uma vez com o “Green Shield” – O “Green Shield” lançado em 2001, mobiliza parlamentares e ativistas verdes para ajudar na defesa dos Verdes sob ameaça. Trata-se de um mecanismo para pressionar governos onde as pessoas são aprisionadas, torturadas, privadas de seus direitos ou estão vivendo sob extrema ameaça.

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Governos, não corporações, estabelecem políticas públicas – Nós, Verdes, trabalharemos para recuperar o espaço público e o poder, e reverteremos o domínio das empresas sobre a democracia. Desmantelaremos as disposições dos acordos comerciais que dão às empresas estrangeiras o poder de processar os países em tribunais secretos fora dos marcos legais normais (Mecanismos de Solução de Controvérsias de Investidores entre Governos).

Nós, Verdes, nos comprometemos a cooperar contra a exploração e os danos ecológicos causados por corporações transnacionais e aquelas domiciliadas no exterior – como as empresas mineradoras canadenses na América Latina e a Shell na Nigéria – expondo suas atividades e impactos nos parlamentos do país de origem da corporação.

Defender a sociedade civil – Nós, Verdes, defendemos a autodeterminação de cada indivíduo, todos os grupos cívicos e iniciativas a auto-organização social. Valorizamos todos os avanços na criação de mais espaço para a sociedade civil e suas organizações e nos opomos a qualquer violação por regimes ou tendências autoritários.

Defender a liberdade de imprensa – Nós, Verdes, promove-mos o respeito pela liberdade da imprensa e todas as liberdades civis. Rejeitamos a detenção ilegal de jornalistas e a repressão de meios de comunicação independentes.

Justiça social

Nós, Verdes, defendemos uma sociedade mais igualitá-ria. A desigualdade é prejudicial para todos. Aprofunda a desigualdade de renda e riqueza e gera a pobreza levando à corrupção social. Enquanto a globalização criou oportunidades maravilhosas para o progresso social e novas possibilidades, o lado negativo incluiu o enorme crescimento da riqueza e do poder de uma pequena minoria. Inclusão e igualdade é a chave para melhorar a qualidade de vida de todos.

Gênero e identidade sexual – Nós, Verdes, promovemos a liberdade e a diversidade. Rejeitamos uma sociedade onde as mulheres não são totalmente iguais e defendemos que o empoderamento das mulheres é uma pré-condição para os valores Verdes fundamentais. Reconhecemos que o gênero não é binário e as identidades de gênero são diversas. Os Verdes promovem há muito tempo a igualdade de direitos para as comunidades gays, lésbicas, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI).

Migração e refugiados – Nós, Verdes, defendemos o direito de procurar asilo e de defender os direitos dos migrantes. Rejeitamos a política de usá-los como bode expiatório. A mudança climática, a desigualdade global, a guerra e o conflito político estão acelerando o aumento do número de refugiados. Todos os governos, especialmente nos países mais ricos, têm a obrigação de lidar com as causas dos movimentos forçados de populações e de ajudar a encontrar soluções.

Justiça fiscal – Nós, Verdes, nos comprometemos a com-bater a evasão fiscal nos níveis nacional, regional e global e a garantir que corporações e pessoas ricas paguem a parte que lhe é justa. Os verdes rejeitam as condições que permitem a oito indivíduos super-ricos controlarem uma riqueza igual ou maior que aquela de 50% da população global combinada.

Educação – Nós, Verdes, defendemos o direito de cada indivíduo a uma educação de qualidade gratuita. Os Verdes promovem intercâmbios internacionais entre os jovens como uma importante contribuição para a educação democrática e internacionalista. Os indivíduos devem ter oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para adequar-se as constantes mudanças nas condições de trabalho.

Transições justas – Nós, Verdes, nos comprometemos a fornecer transições justas para indivíduos e comunidades impactados pela mudança na natureza e distribuição do tra-balho decorrente dos imperativos ambientais, da revolução digital e da mecanização.

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Desenvolvimento sustentável

Nós, Verdes, queremos construir uma nova econo-mia originada e voltada para as pessoas que protegem os ecossistemas e respeitam a natureza.

Transformação econômica – Nós, Verdes, promovemos ativamente estratégias de transformação econômica na indústria, serviços e agricul-tura, que combinem o sucesso econômico com os imperativos de sustentabilidade de acordo com os ODS. Essas estratégias também restringem monopó-lios, privilégios ou controle corporativos, e latifúndios.

Viver dentro dos limites do Planeta – O crescimento econômico inf inito é impossível. Nós, Verdes, nos comprometemos a cooperar ativamente e urgen-temente na mudança para viver dentro de possibilidades justas e seguras para a humanidade na Terra.

Desenvolver inovações sociais – A cultura Verde opõe-se ao consumismo. Os Verdes apoiam uma economia circular onde é fácil reutilizar, reparar e reciclar. Apoiamos uma economia social baseada na propriedade comum através de cooperativas e instituições similares, de modo que a economia funcione para a maioria.

Paz

Questões ecológicas, justiça social, democracia e paz estão ligadas. Somente onde as pessoas têm democracia e

desfrutam de seus direitos civis e humanos, incluindo os direitos das mulheres, haverá oportunidades

para resolver as contradições pacificamente. A humanidade deve “elaborar regras em múltiplos níveis que permitam aos seres humanos adaptar-se, aprender e mudar através do tempo” (Elinor Ostrom), a fim

de transmitir às gerações futuras o que herdamos.

Mundo livre de armas nucleares – Nós, Verdes, trabalharemos para acabar com a mineração, exportação e uso de urânio e faremos campanha pelo desar-

mamento nuclear.Estado de Direito – Nós, Ver-

des, trabalharemos para sustentar e desenvolver uma ordem internacional

multilateral com a ONU na sua essência. Rejeitamos um sistema de relações internacio-

nais no qual os poderosos atuem como querem e os fracos têm de agir como lhes é dito.

Comércio justo – O comércio justo é uma condição necessária para o desenvolvimento internacional pací-

fico. Nós, Verdes, nos opomos à exploração através do comércio que seja predatória para uma sociedade.

Rejeição à militarização – Nós, Verdes, rejeitamos a militarização das relações internacionais. Nunca aceitaremos o uso de meios militares para mudar fronteiras ou privar um povo de sua liberdade.

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O Estado do Rio de Janeiro atravessa a maior crise de sem-pre. Necessita de mudanças de gestão, apoio federal, equilíbrio fiscal e retomada do desenvolvi-mento. Não há solução única, nem fácil. Ela não pode ser mais recessiva ou cruel com os funcionários.

Foi apresentado o pacote como a panaceia dos males; seus críticos são ditos defensores da crise e das corporações de servi-dores. É necessária reflexão profunda, não maniqueísta.

Nos projetos apresentados não há proposta de recuperação do setor naval, de retomada da construção civil e do turismo. Só aumentos de impostos ao setor produtivo e de contribui-ções dos funcionários: medidas perversas e recessivas. Não há esforço para cobrança de R$ 68 bilhões de dívidas. Dois desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) propuseram força tarefa com a Procuradoria Geral do Estado (PGE) e Secretaria de Fazenda, que não aconteceu. Recuperar 10% deste total, R$ 6,8 bilhões, seria o dobro do empréstimo salvador.

Carlos Minc | Deputado Estadual - RJ (sem partido) Presidente da Comissão pelo Cumprimento das Leis da ALERJ

Crise do Rio: uma reflexão críticaNa Lei aprovada pela ALERJ, por 41 a 28 votos contrá-

rios, inclusive o meu, há ilegalidades. Autorização legislativa para contrair empréstimo de R$ 3,5 bilhões sem definir prazo, carência e juros fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. Autorizou-se empréstimo sem saber se o juro será de 5 ou 50%. Foi aprovada a alienação das ações da CEDAE sem que estudo prévio definisse o ativo, o passivo e a modelagem. O ativo é de 20 ou de R$ 40 bilhões? Quais vantagens do Estado em manter o tratamento da água no Guandu? Não se sabe. O STF deliberou que o saneamento não pode ser decidido só pelo Estado ou pelos municípios, mas por um ente metropolitano. Este PL foi apresentado há um ano, mas não foi votado. Esta Lei contraria o STF.

Ecologista, sou crítico da CEDAE. Realizamos a Rolha Ecológica em canos da CEDAE que despejavam esgoto em lagoas, rios e baías. Lutamos pela regulação da CEDAE por Agência Reguladora: é a única empresa estadual de água e esgoto do país não regulada. O processo se iniciou, lentamente. No nosso período na Secretaria de Estado do Ambiente (SEA), 100% do investimento na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), elevatórias e redes da Barra, Recreio e Jacarepaguá, que ampliaram o tratamento na bacia de 5% para 50% foram do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (FECAM), sem recursos da CEDAE.

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Operação Rolha Ecológica Debate sobre os lixões na ALERJ

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Assim como na recuperação das ETEs de Alegria, Pavuna e Sarapuí. O desperdício de água é de 40% e a cobertura de esgoto na Baixada e São Gonçalo é inferior a 10%. Dessa forma, o modelo tem que mudar muito. A Lei da privatiza-ção não propôs medidas para a cobertura universal de água tratada em 10 anos, do esgoto tratado em 15 anos, e redução de 80% do desperdício de água em 5 anos. Foi moeda de troca; o saneamento evaporou. Há que ter diálogo, proposta e fundamento.

Nós, da oposição, queremos que o Rio saia da crise, com medidas fortes de recuperação de créditos e contenção de despesas. Não é aceitável recriar 6 Secretarias de Estado e distribuí-las aos parlamentares para garantir votos para uma política austera!

Crise pode causar volta dos lixões

Em 2007, 90% do lixo produzido no Estado ia para lixões a céu aberto. Em 2014, o mesmo percentual passou a ter destinação adequada em aterros sanitários licenciados. Porém, essa conquista está ameaçada pela crise econômica que atinge o estado e municípios. As prefeituras não pagam os aterros privados, que ameaçam fechar, trazendo de volta os lixões, o que representaria um grande problema ambiental e de saúde.

Apresentarei um Projeto de Lei para obrigar os municípios a cobrarem uma taxa para financiar o serviço. Os prefeitos têm receio de criar uma taxa, mas o serviço tem que ser custeado. As prefeituras precisam cobrar para coletar, dispor adequadamente e tratar o chorume. Dos 92 municípios do Estado do Rio, 69 destinam o lixo para aterros sanitários e 23 para lixões.

Lei institui educação ambiental Rio

A Lei 7549/17, de minha autoria, estabelece as diretrizes para a implementação de programas de educação ambiental relacionados a ações de prevenção para evitarmos crises hídricas no Estado, foi sancionada pelo Governador do Rio, Luiz Fernando Pezão.

A Lei, publicada no Diário Oficial (no dia 7/4), foi idea-lizada em função da grave crise hídrica que assolou o Estado do Rio de Janeiro em 2015. O objetivo da nova legislação é formar uma nova cultura ambiental nas escolas. A partir de agora, serão ensinados nas escolas públicas estaduais temas como o combate ao desperdício de água, a utilização de água da chuva coletada, métodos de reuso da água e o gotejamento na irrigação agrícola.

Passamos por uma grave crise hídrica, e vimos que a cons-cientização para evitar o desperdício de água era insuficiente. Por isso, idealizamos a Lei 7549/17. A água para irrigação da agricultura, por exemplo, deve ser distribuída por goteja-mento. A temática de prevenção precisa ser debatida desde os bancos escolares.

A nova Lei estabelece os princípios, fundamentos e diretri-zes para a criação, implementação e manutenção de programas de educação ambiental, de desenvolvimento de capacidades, de mobilização social e de comunicação de informações em Gestão Integrada de Recursos Hídricos.

Programas educacionais que serão recomendados a todos os entes do Sistema Estadual de Gerenciamento de Recur-sos Hídricos, em conformidade com a Política Nacional de Educação Ambiental (Lei 9.795, de 1999), a Política Estadual de Educação Ambiental (Lei 3325/99) e a Resolução 98, de 2009, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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| opinião |

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O Ministério do Meio Ambiente começou o mês de Abril fazendo contas. O mais incisivo corte no orçamento da área ambiental federal das últimas décadas fez acender o alerta. O orçamento previsto para este ano – atualizado em Fevereiro – de R$ 782 milhões caiu praticamente pela metade (43%), restando apenas R$ 446, 5 milhões para despesas de custeio ao longo do ano.

Neste valor não estão incluídas as emendas parlamentares, que dariam mais R$ 129 milhões de folga. O MMA não considera que esse recurso extra venha compor seu orçamento. Assim, a pasta terá que se desdobrar este ano se quiser manter ações essenciais como fiscalização, atividades de licenciamento ambiental, combate ao desmatamento ilegal e queimadas e gestão de Unidades de Conservação.

Estas atividades estão centradas basicamente no IBAMA, responsável pelo controle e fiscalização, e no Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), a quem cabe gerir, por exemplo, os parques nacionais, que já vinham sofrendo com a penúria.

Mas os cortes não se restringem a estas duas autarquias da área ambiental. Atingem em cheio também o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), a Agência Nacional de Águas (ANA), o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) e o Fundo Nacional sobre Mudança no Clima (FNMC). No entanto, o IBAMA e o ICMBio ficam com a maior fatia dos recursos, cerca de 70% da pasta.

O Diretor Executivo do WWF-Brasil, Maurício Voivodic lamentou o corte na área ambiental em um momento em que o desmatamento aumentou na Amazônia e segue em alta no Cerrado. Ele lembrou ainda que é preciso fazer todo o esforço possível para garantir o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, as ações de fiscalização e controle e os investi-mentos em conservação da biodiversidade.

Meio Ambiente perde metade dos recursos para 2017

Jaime Gesisky | Jornalista do WWF

“O momento é sensível, pois o cenário aponta para a fragi-lização do licenciamento ambiental, a ataque sistemático para redução de áreas protegidas na Amazônia, comprometendo um dos principais ativos do país”, comentou.

A avaliação no MMA é de que ainda é cedo para se falar em quais as atividades finalísticas ficarão mais prejudicadas com o corte. Não há dúvidas, porém, de que os recursos são insuficientes e que o impacto poderá ser sentido na ponta. Inclusive podendo comprometer metas internacionais do país nos temas da biodiversidade e do clima. Por isso a apreensão nos corredores do Ministério. O que não se pode é parar.

Por isso, o Ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, tratou de defender as ações de sua pasta. No dia 4 deste mês (Abril), o Ministro iniciou um périplo pelo Palácio do Pla-nalto e pelo Ministério do Planejamento para tentar garantir que não faltem os recursos para ações cruciais, tratando de minimizar os efeitos do corte sobre as atividades que estão sob seu comando. É sobre a mesa dele que batem primeira-mente os números do desmatamento – que aumentou 29% no ano passado em relação ao ano anterior –, os alertas de incêndio florestal, o comércio ilegal de madeira, o tráfico de biodiversidade.

Os cortes orçamentários não atingem apenas a área ambiental. Além do MMA, os ministérios dos Transportes, do Esporte, do Turismo, das Cidades, da Integração Nacional e do Planejamento, Orçamento e Gestão também tiveram seus orçamentos ceifados pela metade. O exercício no MMA também vai no sentido de identificar medidas que possam ganhar mais efetividade com menor custo. Desde a redução na quantidade de viagens feitas pelos técnicos da pasta, com maior uso de reuniões virtuais, até o planejamento de ações conjugadas com outros órgãos como a Polícia Federal, por exemplo. Vale tudo para tentar reduzir os impactos do con-tingenciamento de gastos.

Para dar conta das responsabilidades, os órgãos do Governo terão de trabalhar de forma solidária – o que é um grande desafio em momentos de pouca verba. Trata-se de um dos mais duros golpes no orçamento para ações de custeio no Governo Federal nas últimas décadas. Os efeitos são imprevisíveis. O desequilíbrio fiscal do Brasil significa um déficit de R$ 139 bilhões – podendo chegar a R$ 200 bilhões na opinião de alguns economistas ouvidos pelo WWF-Brasil, um rombo histórico e sem perspectivas de solução no curto prazo – o que projeta um cenário futuro sombrio, infelizmente não só para a área ambiental.

Sem credibilidade, o Governo não tem como atrair inves-timentos, nem aumentar a receita. O jeito é cortar e remediar de modo amargo para tentar tirar o paciente do estado de coma em que se encontra.

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| política |

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O Ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, defendeu as Unidades de Conservação (UCs) e, especialmente, os Parques Nacionais, como fontes de desenvolvimento e geração de renda para os municípios, no 3º Encontro Brasileiro das Cidades Históricas Turísticas e Patrimônio Mundial realizado neste mês em Brasília. De acordo com Sarney Filho, as atividades turísticas e recreativas desenvolvidas nas UCs movimentam setores econômicos variados, como o hoteleiro, gastronômico, de guias, locação de veículos e equipamentos. “Turismo, lazer e educação ambiental têm potencial para ampliar a preservação e estimular as economias locais, beneficiando amplamente as comunidades próximas”, afirmou o Ministro.

Segundo ele, alcançar uma melhor gestão das UCs como vetor para o desenvolvimento sustentável é uma das prioridades da pasta. “Pretendemos dinamizar a abertura de Parques Nacionais para o turismo, para ampliar a infraestru-tura e melhorar os serviços”, disse. Nesse sentido, o Ministro lembrou que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) publicou, no início do mês, avisos de licitação de concessão de serviços de apoio à visitação nos Parques Nacionais de Brasília (DF) e do Pau Brasil, em Porto Seguro (BA).

Com as licitações, acrescentou, o ICMBio acelera o programa de concessão de serviços de uso público nas UCs federais. A previsão é de que sejam pelo menos 15 UCs até 2018. “Estamos determinados a atingir um novo patamar de desenvolvimento e de gestão de nossas UCs, sobretudo dos nossos Parques Nacionais, de modo a torná-los rentáveis e sustentáveis, beneficiando os empreendedores, as unidades de conservação e a população”, afirmou. Sarney Filho falou do interesse do Ministério em priorizar os municípios na formulação de políticas públicas de cunho socioambiental e disse considerar as parcerias uma das diretrizes fundamen-tais da sua gestão. “Temos procurado trabalhar com todos os setores da sociedade, sempre em busca de consenso. Mas também com todas as esferas federativas, chamando estados e municípios para dialogar de forma transparente e participar das decisões”.

O encontro é uma parceria do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) com a Confedera-ção Nacional de Municípios e a Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial (OCBPM). Reúne cerca de 300 prefeitos e secretários municipais de todo o país. O objetivo é planejar e consolidar ações para a gestão das cidades históricas brasileiras para alavancar o crescimento econômico e social desses municípios, aliando a preservação do patrimônio cultural e o desenvolvimento sustentável em ações transversais entre as diversas políticas públicas, como turismo, educação e geração de emprego e renda.

Waleska Barbosa | Jornalista do MMA. Com a colaboração de Elmano Augusto do ICMBio

Sarney Filho defende geração de renda em Parques

O ICMBio publicou no Diário Oficial da União (3/4), avisos de licitação de concessão de serviços de apoio à visitação nos Parques Nacionais (PARNA) de Brasília e do Pau Brasil, em Porto Seguro. Com as licitações, o ICMBio acelera o programa de concessão de serviços de uso público nas UCs federais. O modelo, que já é adotado com sucesso nos Parques Nacionais de Iguaçu (PR), Tijuca (RJ), Fernando de Noronha (PE) e Serra dos Órgãos (RJ), busca aprimorar o atendimento ao público por meio de parcerias com a iniciativa privada.

De acordo com esse modelo, as empresas ganham o direito de explorar serviços relativos à visitação nos Parques Nacionais por um determinado período de tempo e, em contrapartida, assumem o compromisso de fazer investimentos nas Unidades de Conservação.

Tudo isso baseado em estudos de viabilidade econômica feitos com antecedência. Os Parques continuam sob o controle administrativo e territorial do Governo, já que não se trata de privatização. “Com as concessões, entramos numa nova fase”, disse Fabio Faraco Chefe do PARNA do Pau Brasil, ao lembrar que a equipe trabalhou durante 5 anos, com o apoio de parceiros, para montar a nova estrutura de visitação da UC, inaugurada no final do ano passado.

No PARNA de Brasília, cujo maior atrativo são as pis-cinas de água corrente, as opções de serviço e diversão serão ampliadas. O Parque deverá contar também com novas lanchonetes e um local para exposições. “As concessões vão ajudar a solucionar alguns dos principais problemas de gestão do Parque, como o fluxo de veículos, as filas, a espera para entrar nos dias de grande movimento. Com a licitação dos serviços de bilheteria, as pessoas vão pode comprar ingresso com antecedência, pela internet. Assim, teremos atendimento de qualidade compatível com um parque nacional”, afirma a chefe do Parque Nacional de Brasília, Juliana Alves.

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| iniciativas |

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| lixo plástico |

Plásticos têm impulsionado a economia por serem versáteis, baratos e duráveis. Porém, graças a essas características, no decorrer do estabelecimento de uma indústria global de US$ 750 bilhões, também foi criado um enorme problema. Os rios estão cheios de lixo plástico. Garrafas de plástico lotam as areias das praias. Muito plástico flutua nos oceanos. Os animais ficam presos em pedaços de plástico e os estômagos das baleias se enchem de detritos plásticos. Os plásticos também prejudicam os seres humanos liberando toxinas.

E a questão está piorando: a produção de plásticos atingiu 311 milhões de toneladas métricas (343 milhões de t) em 2014 e continua a aumentar em todo o mundo. Os cientistas esti-mam que somente em 2010 entre 5 e 13 milhões de toneladas métricas (6 e 14 milhões de t) de plásticos foram lançados ao mar. Muitas esperanças foram colocadas em plásticos biode-gradáveis, mas eles ainda não se destroem facilmente.

Uma série de iniciativas tem reconhecido a necessidade de combater a poluição de plástico mais decisivamente, incluindo os ODS. Na Declaração dos Líderes do G7 na cúpula de 2015, se assume o compromisso de “combater o lixo marinho”.

O PNUMA publicou vários relatórios sobre o impacto ambiental dos plásticos, lançou uma série de iniciativas contra o lixo marinho, e aprovou uma resolução sobre micro-plásticos no campo marinho na última reunião da Assembleia de Meio Ambiente das Nações Unidas, em Maio de 2016.

Nils Simon | Gerente Sênior de Projetos no think tank Adelphi de Berlim

Precisamos de um Tratado global sobre plásticos

Embora a resolução reconheça a poluição plástica como “uma questão séria em rápido crescimento, motivo de preo-cupação global que precisa de uma resposta global urgente”, até agora essas iniciativas pouco fizeram para resolver este problema.

Plástico acaba nos oceanos, mas não começa lá

Por que a poluição plástica tem sido tratada de forma tão intransigente através da perspectiva de governança global? Uma razão é a inevitável dificuldade de lidar com problemas políticos complexos, onde muitos atores têm uma participação no jogo e não existe um remédio claro. Ainda assim, acredito que uma abordagem mais prática pode pelo menos pavimentar o caminho rumo a soluções mais duradouras.

No entanto, para isso, devemos repensar os atuais esforços para moldar as ações multilaterais, que ocorreram principal-mente com foco nos oceanos. Afinal, o plástico acaba nos oceanos, mas não começa lá.

Os acordos baseados nos oceanos simplesmente não têm o que é necessário para enfrentar as principais fontes de poluição plástica. É hora de intensificar o jogo através da negociação de um tratado global destinado a reduzir a poluição plástica que vá além da poluição marinha e aborde as raízes do problema.

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Voltar para a terra

Duas opções parecem mais viáveis para elaborar um acordo internacional vinculativo para lidar com plásticos. Em primeiro lugar, poderia ser negociado um tratado autônomo, um acordo ambiental multilateral que tratasse especificamente da produção, uso e descarte de plásticos. Não teria de ser ela-borado inteiramente a partir do zero, porque a ONU já tem um conjunto de tratados que tratam de uma gama de produtos químicos (que são os plásticos) e de resíduos (que se tornam a maioria dos plásticos). Este conjunto de produtos químicos e resíduos é tratado pelas Convenções de Basileia, Roterdã e Estocolmo, que tratam da transferência e tratamento de resí-duos perigosos, comércio internacional de produtos químicos tóxicos e poluentes orgânicos persistentes, respectivamente. Este grupo em breve estará ao lado da Convenção de Mina-mata, que restringe a utilização, o comércio de mercúrio e lida com a sua eliminação. Qualquer uma dessas Convenções poderia ser modelo para um tratado de plásticos que seria muito mais apropriado do que um acordo marítimo, porque elas contêm disposições sobre como lidar com substâncias nocivas sob uma perspectiva de ciclo de vida, banir as mais perigosas e oferecer uma estrutura através das quais os países em necessidade poderiam receber assistência.

Em segundo lugar, a Convenção de Basileia sobre o Con-trole dos Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e a sua Eliminação (Control of Transboundary Movements of Hazardous Wastes and Their Disposal) poderia ser alterada de forma a abranger especificamente o plástico ao longo de todo o seu ciclo de vida. Em 2002, os Estados membros da Convenção de Basileia aprovaram diretrizes técnicas sobre como lidar com os resíduos plásticos. Estas diretrizes pode-riam servir de base para a negociação de uma emenda que, uma vez ratificada, tornaria obrigatória para seus membros a gestão sustentável dos plásticos.

Uma visão comum e metas claras são cruciais

Existem também alternativas mais peculiares baseadas numa combinação de medidas juridicamente vinculativas e voluntárias. Por exemplo, as chamadas questões de política emergentes como nanopartículas ou chumbo na pintura são abordadas sob a Abordagem Estratégica para a Gestão Internacional de Produtos Químicos. O SAICM (Strategic Approach to International Chemicals Management) é um marco voluntário de múltiplos intervenientes para a gestão sustentável dos produtos químicos. Poderia ser usado para lançar um programa baseado em plásticos, para aumentar a conscien-tização entre atores governamentais e não-governamentais, e para preparar negociações sobre um Tratado. Além disso, as abordagens baseadas em terra e nos oceanos poderiam ser combinadas para construir os seus respectivos pontos fortes. O primeiro poderia ser considerado em um Tratado autô-nomo ou em uma emenda do Tratado como descrito acima, enquanto este último poderia ser abordado sob a Convenção da ONU sobre o Direito do Mar, a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL) ou os diversos acordos de mares regionais para focar no lixo jogado no mar como a Iniciativa Global Ghost Gear (GGGI) – uma aliança intersetorial comprometida com a busca de soluções para o problema das artes da pesca perdidas e abandonadas em todo o mundo.

Elementos críticos

Seja qual for a forma que o novo Acordo vai tomar, o conteúdo específico será a chave para o seu sucesso na redu-ção da poluição plástica. Cinco elementos críticos devem ser incluídos. Em primeiro lugar, é crucial uma visão comum e metas claras. A visão deve focar na gestão sustentável de todos os plásticos ao longo do seu ciclo de vida. Uma série de metas concretas poderia especificar os passos para conseguir isso, e um sistema de revisão para medir o quão bem todas as nações as implementariam, fariam o progresso transparente.

Em segundo lugar, um Tratado de plásticos deve exigir (e apoiar) a construção de sistemas nacionais de coleta e reciclagem, porque eles são o meio mais eficaz de prevenir o lixo plástico. Poderiam ser incentivados normas e regimes de ampla responsabilidade dos produtores e de parcerias entre as várias partes interessadas, a fim de ampliar a cobrança sempre que os governos não tiverem capacidade. Quando isso não for suficiente, os fabricantes de plástico podem ser cobrados para fornecer receitas para o estabelecimento de sistemas de reciclagem.

Em terceiro lugar, o Tratado deveria criar condições para uma economia plástica mais circular. As empresas químicas e outras devem ser estimuladas para a inovação de produtos mais sustentáveis, incluindo plásticos que se degradem mais facilmente no meio ambiente. Este é um grande desafio de inovação para a indústria, mas pode provocar uma corrida pela liderança; assim como as normas para proteger a Camada de Ozônio, estabelecidas há 30 anos, através do Protocolo de Montreal. As empresas que se movimentarem primeiro terão as maiores vantagens nos próximos anos.

Em quarto lugar, não importa quão bons sejam os pro-gramas de coleta e quão inovadores e seguros os plásticos se tornarão, alguns deles ainda acabarão no ambiente (se somando aos milhões de toneladas já existentes). Um Tratado sobre os plásticos deve, portanto, prever mecanismos para lidar com qualquer resíduo de plástico que subsista.

Em quinto lugar, para que tudo isso funcione, um Tratado de plásticos deve fornecer fundos para a implementação. Hoje em dia, levantar dinheiro para acordos multilaterais é um trabalho realmente difícil. Mas há um forte argumento eco-nômico para assumir o desafio dos plásticos: não só os danos ambientais e sanitários da poluição plástica não tratada são extremamente caros, como também há um grande potencial de poupança. Por exemplo, a Ellen MacArthur Foundation estima que 95% do valor de embalagens de plástico é perdido (entre 80 bilhões a 120 bilhões de dólares) a cada ano quando o material é descartado.

É hora de trazer o direito internacional para a cena

O problema da poluição plástica não será resolvido pela simples negociação de um novo Tratado internacional. No entanto, tal Tratado poderia ser a pedra angular de uma abordagem mais abrangente que vincule os atores públicos e privados, a regulamentação vinculativa e os regimes de mercado, as atividades terrestres e as atividades centradas nos oceanos.

Vimos no passado uma série de ações baseadas em parcerias focadas no oceano, principalmente voluntárias. É hora de trazer o Direito Internacional para este quadro e elaborar um Tratado que pode liderar uma solução real e duradoura.

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No momento em que a Lei das Águas do Brasil completa 20 anos, apenas seis rios dos estados da Mata Atlântica apresentam qualidade de água boa. O retrato da qualidade da água, “Obser-vando os Rios 2017 - O retrato da qualidade da água nas Bacias da Mata Atlântica”, elaborado a partir do levantamento que a SOS Mata Atlântica realizou de Março de 2016 a Fevereiro de 2017 mostra a dura realidade que o país precisa encarar para garantir o acesso à água, em qualidade e quantidade, à sociedade.

A análise ocorreu em 240 pontos de coleta de água de 184 rios de 11 Estados e do Distrito Federal. A qualidade regular da água encontrada em 70% dos recursos hídricos avaliados é um alerta à fragilidade das regiões de maior concentração populacional do país em relação à gestão da água. É também um chamamento à responsabilidade dos gestores públicos, da iniciativa privada e da sociedade para a necessidade de aperfeiçoamento e implementação do Sistema Nacional de Recursos Hídricos e, sobretudo, da necessidade de mudança de comportamento em relação à água.

Por mais moderno que seja o arcabouço legal e por muitos avanços que a Lei das Águas trouxe, na prática ainda convivemos com a exclusão hídrica, a escassez, a poluição e o desperdício. Agravantes que potencializam os impactos de eventos climáticos extremos, como os que levaram a região sudeste à crise hídrica.

Malu Ribeiro | Especialista em Recursos Hídricos da Fundação SOS Mata Atlântica

Cuidar da água demanda educação e políticas públicas integradas, modernas e eficientes. Não podemos mais aceitar rios urbanos fétidos e contaminados, além represas e grandes reservatórios, como a Billings, indisponíveis para usos públi-cos por falta de saneamento ambiental. Temos tecnologia e recursos para avançar nos índices de qualidade da água. Falta inclui-la na agenda estratégica do país.

Qualidade da água em 184 rios, córregos e lagos

A Fundação SOS Mata Atlântica apresentou no Dia Mun-dial da Água (22 de Março) um panorama sobre a qualidade da água de 240 pontos de coleta distribuídos em 184 rios, córregos e lagos de bacias hidrográficas do bioma. Apenas 2,5% dos locais avaliados possuem qualidade boa, enquanto 70% estão em situação regular e 27,5% com qualidade ruim ou péssima. Isso significa que 66 pontos monitorados estão impróprios para o abastecimento humano, lazer, pesca, produ-ção de alimentos, além de não terem condições de abrigar vida aquática. Nenhum dos pontos analisados foi avaliado como ótimo. O levantamento foi realizado em 73 municípios de 11 Estados da Mata Atlântica, além do Distrito Federal, entre março de 2016 e fevereiro de 2017. Os dados foram obtidos por meio de coletas e análises mensais de água realizadas por 194 grupos de voluntários do programa “Observando os Rios”, com patrocínio da Ypê.

A principal causa da poluição dos rios monitorados é o despejo de esgoto doméstico junto a outras fontes difusas de contaminação, que incluem a gestão inadequada dos resíduos sólidos, o uso de defensivos e insumos agrícolas, o desmata-mento e o uso desordenado do solo.

Rios poluídos, cidades com sede

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A qualidade regular em 70% dos pontos é um grave alerta. Além, disso, a indisponibilidade de água decorrente dos maus usos dos recursos hídricos é intensificada pela falta de atualização da legislação ambiental. É fundamental aperfeiçoar a legislação que trata do enquadramento dos rios, de forma a excluir os de Classe 4 da norma nacional. Essa Classe, que na prática permite a existência de rios mortos por ser extremamente permissiva em relação a poluentes, mantém muitos em condição de qualidade péssima ou ruim, indisponíveis para usos.

Comparativo 2016-2017

O estudo comparou os resultados do monitoramento de 152 pontos fixos de coletas, distribuídos por cinco Esta-dos – Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo –, além do Distrito Federal. Foram consideradas as médias dos indicadores mensais do Ciclo 2016 (Março de 2015 a Fevereiro de 2016) e do Ciclo 2017 (Março de 2016 a Fevereiro de 2017).

Os indicadores apontam uma diminuição de pontos com qualidade ruim, passando de 54 (35,5%) para 48 (31,6%), mas um aumento de locais com água péssima, de 1 (0,7%) para 3 (2%).

O estudo também destaca um aumento na qualidade regular, passando de 94 (61,8%) para 97 (63,8%), e nos pontos com qualidade boa, de 3 (2%) para 4 (2,6%). Essa leve tendência de melhora está associada a fatores climáticos, já que o aumento no volume e na vazão dos rios na região Sudeste no último ano contribuiu para a diluição de poluentes. Entretanto, tivemos a perda de qualidade em 15 pontos, sendo 13 localizados em capitais, resultado dos baixos índices de coleta e tratamento de esgoto.

Metodologia

Os dados das análises desse estudo seguem a metodolo-gia de monitoramento por percepção da qualidade da água, especialmente elaborada para a Fundação SOS Mata e que tem como base o Índice de Qualidade da Água (IQA). Para a medição dos parâmetros definidos no IQA, a SOS Mata Atlântica desenvolveu um kit de análise que é utilizado em campo por voluntários do projeto “Observando os Rios”.

Os indicadores apurados são reunidos em um sistema online de dados georreferenciados, que totaliza e disponibiliza o resultado obtido em cada ponto de coleta pelos grupos de monitoramento em tempo real.

São avaliados 16 parâmetros do IQA: temperatura da água, temperatura do ambiente, turbidez, espumas, lixo flu-tuante, odor, material sedimentável, peixes, larvas e vermes vermelhos, larvas e vermes brancos, coliformes totais, oxigênio dissolvido (OD), demanda bioquímica de oxigênio (DBO), potencial hidrogeniônico (pH), fosfato (PO4) e nitrato (NO3). A totalização dos indicadores medidos resulta na classificação da qualidade da água, em uma escala que varia entre: ótima, boa, regular, ruim e péssima.

Sobre o Observando os Rios

O programa surgiu no ano de 1991, com uma campanha que reuniu 1,2 milhão de assinaturas em prol da recuperação do Rio Tietê e originou o primeiro projeto de monitoramento da qualidade da água por voluntários, o “Observando o Tietê”. Para agregar outras bacias hidrográficas, a iniciativa foi ampliada e passou a se chamar “Observando os Rios”.

Em nova fase, já com o patrocínio da empresa Ypê, o projeto agora tem como objetivo formar 10 grupos de monitoramento da qualidade da água em cada um dos 17 Estados da Mata Atlântica. Atualmente, são 212 grupos de monitoramento que analisam a qualidade da água em 257 pontos, 197 rios, em 80 municípios dos estados de SP, RJ, ES, BA, MG, PB, PE, AL, CE, SC, PR, RN e DF envolvendo cerca de 3,4 mil pessoas.

Sobre a Ypê

Marca do segmento de higiene e limpeza no Brasil, a Ypê possui uma linha completa de produtos para auxiliar nos cuidados com a roupa, a casa e o corpo. Com matriz localizada em Amparo, interior de São Paulo, conta com mais quatro unidades fabris: Salto (SP), Simões Filho (BA), Anápolis (GO) e Goiânia (GO). Fundada em 1950, a Ypê é uma empresa 100% brasileira, com aproximadamente 4.000 funcionários, exporta para mais de 20 países da América Latina, Ásia, África e Oriente Médio e ainda detém as marcas Atol, Assolan e Perfex.

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O ponto de partida foi o pedido do líder comunitário Otávio Barros, que queria um modo de resolver o problema do tratamento de esgoto sanitário na comunidade do Vale Encantado que, como o nome bem sugere, é um enclave de 27 casas em meio ao verde da Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista. Para os pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), Leonardo Adler e Tito Cals, que há sete anos conheciam o potencial do biodigestor em sistemas de pequena escala, o problema seria um bom meio de testar na prática o que andavam pesquisando.

Desafio aceito, Adler e Cals procuraram o apoio do professor Tácio de Campos, cientista do nosso estado, da FAPERJ, e coordenador do Núcleo de Excelência em Geo-tecnia Ambiental do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da PUC-Rio, e foram pesquisar o que já havia sido feito nesse campo.

Uma ideia sustentável para tratar esgoto em favelas

Vilma Homero | Jornalista e Editora do Boletim FAPERJ

A equipe estudou o modelo indiano, que vem sendo instalado naquele país desde 1939, e o modelo chinês, que, nos anos 1970 já contava com mais de 7 milhões de sistemas do gênero instalados, aproveitando esterco animal para gerar gás em zonas rurais.

No Brasil, foi criada uma organi-zação não-governamental, o Instituto Ambiental (OIA), para gerir o pri-meiro sistema implantado no muni-cípio de Silva Jardim pelo instituto alemão Hamburger Umweltinstitut, projeto que mais tarde foi estendido à região de Petrópolis.

“Para a construção do projeto na comunidade do Vale Encantado, celebrou-se acordo de transferência de tecnologia entre a PUC-Rio e a ONG Viva Rio, que contratou um dos fundadores do OIA, Valmir Fachini, para construir biossistemas no Haiti. Naquele país já foram construídos aproximadamente 100 biossistemas. Parte da mão de obra utilizada é de moradores da própria região”, diz o coordenador Tácio de Campos. Para implantação do sistema no Vale Encantado, a equipe também contou com recursos do Auxílio Básico à Pesquisa (APQ 1), da FAPERJ.

Para quem ainda não ligou o nome ao objeto, biossistema é a integração das etapas anaeróbica e aeróbica do tratamento de esgoto. A biodigestão é a primeira etapa. Nela, os resíduos passam pelo biodigestor, uma câmara inteiramente fechada, onde não há entrada de oxigênio, o que favorece a proliferação de bactérias anaeróbicas que digerem aquela matéria orgânica presente nos esgotos domésticos, gerando, em contrapartida, biogás, que nada mais é do que uma combinação dos gases metano, carbônico e sulfídrico. Com a vantagem que o biogás gerado pode ser muito bem aproveitado, alimentando, por exemplo, um fogão, ou mesmo um aquecedor. “Em escalas maiores é possível gerar energia elétrica ou até combustível automotivo”, anima-se Adler.

Os sólidos não digeridos se depositam no fundo do bio-digestor, de onde são removidos manualmente uma vez por ano e encaminhado à caixa de compostagem.

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Ali, em condições ideais de temperatura, aeração e umi-dade, a ação dos micro-organismos presentes nos resíduos promove a degradação aeróbia desse material. O que resulta desse processo inteiramente natural pode ser utilizado como fertilizante, empregado em plantações de frutíferas. É a cha-mada compostagem.

Já os efluentes líquidos são encaminhados à segunda fase do tratamento, a chamada zona de raízes, uma sequência de tanques, preenchidos com material filtrante – que nada mais são do que pedras de brita de tamanhos diferentes, no caso, 1 e 4 – e plantas de brejo (que podem ser sombrinha chinesa ou papiro).

Essas plantas absorvem os nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) e transferem oxigênio para esses efluentes. “Também há oxigenação do material a partir do preenchimento e do transbordamento dos tanques que compõe a zona de raízes. No final, o que resta é água limpa, livre de contaminantes ou tratamento químico, que pode ser descartada sem maiores problemas. A grande questão é que um biossistema depende de espaço. O biodigestor do Vale Encantado, dimensionado para 150 pessoas, possui 3,40 metros de diâmetro x 1,70 de altura. A zona de raízes pode ser dimensionada considerando 1m2 por pessoa ou usando todo o espaço disponível caso não seja possível utilizar o dimensionamento proposto pela litera-tura. Faltando espaço, o biodigestor pode ser completamente enterrado, o que também ajuda a manter a temperatura ideal no interior do tanque”, afirma o engenheiro da Puc-Rio, Leonardo Adler.

Segundo ele, não há quaisquer riscos de explosões ou coisa semelhante, já que não há oxigênio e nem faíscas que possam se inflamar. Na pior das hipóteses, em caso de vazamento, como o biogás é mais leve do que o ar, ele acaba se dispersando naturalmente. “Nós já fizemos testes neste sentido”, garante Adler.

No Vale Encantado, aderir ao sistema será compensador. Cinco casas já estão conectadas à rede e produzindo biogás, o qual já está abastecendo a família que mora mais perto do sistema. Na próxima etapa do projeto, será construída a rede que ligará todas as casas da comunidade ao biossistema, preservando os recursos e a saúde humana.

“Com o esgoto de 5 casas, conseguimos gerar uma hora de gás por dia. Quando ligarmos as 27 casas da comunidade ao sistema, acreditamos que poderemos abastecer integralmente três ou quatro famílias. Se isso não parece tanto em termos de geração de gás, temos que pensar que estamos evitando a poluição dessa região da Floresta da Tijuca. E isso, por si só, já é um ganho e tanto”, afirma Leonardo Adler.

Além do ganho ambiental do projeto, há também os ganhos sociais. Diversos grupos nacionais e estrangeiros foram visitar o biossistema e aproveitaram a ocasião para almoçar no res-taurante comunitário do Vale Encantado. Entre esses grupos houve a visita de uma delegação de estudantes e professores da Columbia University, de Nova York. “Tudo isso mostra que, com a implantação do biossistema no Vale Encantado, o que era um grande problema pode se transformar numa ótima solução”, finaliza Adler.

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Em tempos de grave seca no Nordeste e no Norte de Minas Gerais, a Fundação Banco do Brasil (FBB) anunciou recentemente um novo investimento social para garantir o acesso à água potável a cerca de 14,3 mil pessoas em nove Estados do Semiárido. Serão destinados RS 17,3 milhões para a implantação de 3.588 cisternas para captação e armazena-mento de água nos Estados de Alagoas, da Bahia, do Ceará, de Minas Gerais, da Paraíba, do Piauí, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e de Sergipe.

A Fundação Banco do Brasil firmou convênio com a Articulação do Semiárido (ASA), rede formada por mais de 3 mil organizações da sociedade civil, que será responsável pela identificação e mobilização dos beneficiados, além da construção dos reservatórios e da assessoria técnica. As novas cisternas serão divididas em dois tipos: 3.198 voltadas para o consumo básico, que é água de beber, conhecidas como Cisternas de Placas; e 390 relacionadas à produção de alimen-tos e à criação de pequenos animais, chamadas de Cisterna Enxurrada e Calçadão.

Nos últimos quatro anos, a FBB já implantou 80 mil uni-dades de consumo básico e 12 mil de produção, em parceria com a ASA, correspondendo a investimento total de R$ 327 milhões, que beneficiou 350 mil pessoas. “Estudos sobre os impactos positivos gerados por essa tecnologia social indicaram a redução na incidência de doenças e o aumento na frequência escolar entre crianças e jovens”, informou a fundação.

Por exemplo, o sítio da família Silva Oliveira, localizado na cidade de Esperança, zona rural da Paraíba, foi um dos beneficiados pelo projeto de cisternas. Dona Lia e seu Miguel Antônio tiveram oito filhos, que foram migrando para a cidade em busca de renda e sustento. A cisterna, além de garantir água para beber e cozinhar, possibilitou que seus filhos con-seguissem renda a partir da plantação no próprio sítio.

Hoje, Delfino, 23 anos, um dos filhos do casal, fincou raízes na zona rural, onde se casou e pretende continuar vivendo. Mas nem sempre foi assim, contou o rapaz.

Cisternas no SemiáridoCamila Boehm | Jornalista da Agência Brasil

“A gente nasceu e se criou aqui. Alguns dos meus irmãos foram para a cidade, eu também queria ir para a cidade, meu pensamento era esse. Com o passar do tempo, quando completei a idade, eu disse ‘não, agora chegou a minha vez, eu vou para a cidade que lá é onde vou ganhar o meu pão’”.

Os jovens da zona rural acabam saindo de suas casas pela falta de trabalho, imposta pela seca que assola a região. “Não tinha incentivo, como eu ia ficar no sítio?”, disse Delfino. Após ter acesso a projetos sociais, como o da FBB, Delfino enxergou uma oportunidade no sítio.

Primeiro, a família conseguiu uma caixa d’água, depois a irrigação por gotejamento e finalmente a cisterna, que pos-sibilitou melhor produção de legumes, verduras e hortaliças. Atualmente, a família vende essa produção em uma feira da cidade. “Eu e meu irmão estamos incentivados, a gente vai ficar no sítio. Essa casa aqui (construída para ele e a mulher) já é fruto da feirinha, já consegui construir. É pequena, mas dá para morar. No futuro, eu cresço. Esse carro aqui já foi fruto de renda”, comemorou o rapaz.

Dona Lia, 54 anos, contou como levava água para casa antes da construção da cisterna no sítio. “Trazia no carrinho de mão, nos baldes ou então na cabeça. Era longe que a gente pegava água (a um km de distância). Era água para tudo, era para tomar banho, para beber, para cozinhar. E agora, com essa água para beber, da cisterna de 16 mil litros, a gente tem água boa, água limpa, não é mais água de barreiro”, disse.

Depois de ver cinco de seus filhos migrando para a cidade, que ela chama de “rua”, dona Lia disse estar feliz com a deci-são de Delfino e de mais dois filhos, de permanecer na área rural. “Ele falava sempre de arrumar um emprego na rua, que também não dava para ficar no sítio, mas agora ele não quer mais viver em rua”.

Ela comemora também a renda própria e sua individua-lidade. “Eu faço polpa de fruta, as frutas eu aproveito tudo, para vender e para a gente consumir. Graças a Deus, tenho minhas plantinhas, arrumo meu dinheirinho”, disse. Segundo dona Lia, sem a cisterna não tinha condição de plantar: “não plantava porque não ia carregar água na cabeça para aguar as plantas. Mas, por toda a vida eu sempre fui apaixonada por flor e agora consigo vender”.

As Cisternas de Placas foram certificadas como tecnolo-gia social em 2001 pela FBB, com a finalidade de captar e armazenar água de chuva. Para o consumo das famílias, o sistema permite o acúmulo de até 16 mil litros, que atende às necessidades de uma família de cinco pessoas pelo período de até oito meses. O equipamento é composto por encanamento simples para recolher água da chuva nos telhados das casas e por um reservatório no subsolo, revestido com placas.

Para as atividades produtivas, as cisternas possuem dois modelos: Calçadão e Enxurrada, as quais são construídas perto das residências. As duas têm capacidade para 52 mil litros de água. A diferença é que a Enxurrada é instalada no caminho por onde passa o fluxo pluvial e a Calçadão capta de áreas em declive.

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Os Estados precisam ampliar seu comprometimento em garantir o acesso a serviços de água e saneamento para as populações, tal como previsto pelas resoluções internacionais, afirmou no Dia Mundial da Água (22/3), o Relator Especial da ONU para o Direito à Água e ao Saneamento, o brasileiro Leo Heller. Ele disse que, no Brasil, existe a necessidade de aperfeiçoamento das políticas públicas nesse setor, que precisam ser contínuas, além de uma maior ênfase no acesso da população rural.

Com motivo da celebração do dia dedicado à água, Hel-ler declarou que são múltiplos os desafios enfrentados para garantir o direito à água e ao saneamento de forma efetiva no mundo. “Exige forte comprometimento dos Estados. Exige um novo olhar para a implementação das políticas de água e saneamento, que devem ser lastreadas nos princípios dos direitos humanos”.

Segundo o especialista, os países têm trabalhado suas polí-ticas de água e saneamento “de forma mais tecnocrática”, o que não é suficiente para abranger as dimensões da acessibilidade financeira, da não discriminação, do direito à informação, do direito à participação, entre outros aspectos.

“Sem dúvida houve progressos, se olharmos os ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), houve avanços entre 2000 e 2015, tanto na água como no saneamento”, disse. “Mas também enxergamos um grande contingente da população mundial sem acesso adequado”, completou.

Os dados de monitoramento dos ODM mostraram que cerca de 700 milhões de pessoas no mundo não têm acesso a água segura e 2,5 bilhões não têm saneamento adequado. Além disso, quase 1 bilhão de pessoas defecam a céu aberto. “São desafios que a Agenda 2030 terá que enfrentar com maior comprometimento dos governos. Os governos têm se comprometido, não de forma homogênea, mas a nova agenda vai impor um comprometimento muito determinado dos vários Estados para avançar mais nesse aspecto e eliminar esse enorme déficit.”

Sobre o Brasil, o especialista afirmou que existe a necessi-dade de aperfeiçoamento das políticas públicas, que precisam ser contínuas, e de ênfase no acesso da população rural à água e ao saneamento.

Em comunicado publicado no dia 21 do mês passado (Março), o Relator Especial da ONU chamou todos os envol-vidos em cooperação para o desenvolvimento a trabalharem juntos para garantir que o direito humano a esses serviços estejam disponíveis a todos.

O apelo teve como intenção levar luz ao papel-chave da cooperação para o desenvolvimento - esforço internacional conjunto para apoiar países em dificuldades socioeconômi-cas - na garantia dos direitos à água e ao saneamento. “A cooperação para o desenvolvimento é um elemento crucial no financiamento desses serviços em muitos países em desenvolvimento e parece estar aumentando de acordo com os compromissos firmados na Agenda 2030 para o Desen-volvimento Sustentável”.

Viktoria Aberg | Jornalista do UN Human Rights – com informações da ONU News

Leo Heller: falta saneamento

Apesar de muitos Estados e organizações multilaterais terem declarado sua intenção de garantir o direito à água e ao saneamento por meio da cooperação para o desenvolvimento, o relator especial afirma que “uma abordagem baseada em direitos humanos em programas e projetos de desenvolvimento parece ser mais a exceção do que a regra”.

Além disso Hellert esclareceu que “Está claro que a coo-peração para o desenvolvimento pode estabelecer um parâ-metro para aqueles envolvidos no setor de água e saneamento, incluindo governos de países em desenvolvimento que façam parte dessas parcerias. Se tais iniciativas forem guiadas por uma abordagem de direitos humanos, elas podem contribuir para a conquista dos direitos à água e ao saneamento. Caso contrário, elas terão impacto negativo.”

O Relator Especial pede um conjunto de diretrizes soli-damente baseadas em direitos humanos, priorizando projetos que beneficiem os mais pobres e apoiando Estados a pro-gressivamente garantir esses direitos. “Para que os resultados sejam efetivos e sustentáveis, os Estados precisam de fortes políticas e diretrizes legais e regulatórias. A cooperação para o desenvolvimento, portanto, precisa focar em atividades que fortaleçam capacidades, que fortaleçam as comunidades locais. O financiamento para a cooperação para o desenvolvimento está crescendo, mas a água geralmente recebe mais dinheiro do que o saneamento. Grandes sistemas recebem regularmente cerca de duas vezes mais que os pequenos, sugerindo que as áreas urbanas estão sendo favorecidas em detrimento das rurais”, completou.

O Relator Especial está conduzindo mais pesquisas envolvendo conversas com atores-chave, assim como visitas a campo. Suas conclusões e recomendações serão publicadas em relatório a ser apresentado à Assembleia Geral da ONU em Outubro deste ano.

Leo Heller

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Um novo relatório lançado hoje na Alemanha mostra como os impactos das mudanças climáticas contribuem com o surgimento e crescimento de grupos terroristas, como Boko Haram e o Estado Islâmico. Elaborado pelo think-tank alemão Adelphi, o estudo “Insurreição, Terrorismo e Crime Organizado em um Mundo em Aquecimento” concluiu que as alterações do clima multiplicam e interagem com ameaças, riscos e pressões já existentes, como a escassez de recursos, o crescimento populacional e a urbanização. Segundo Lukas Rüttinger, autor do relatório, a junção desses fatores leva à fragilidade e conflitos violentos nos quais esses grupos podem prosperar.

Cada vez mais os grupos terroristas estão usando recursos naturais – como a água – como arma de guerra, controlando o acesso a ela, agravando ainda mais e exacerbando sua escassez. Quanto mais escassos os recursos se tornam, maior poder é dado àqueles que os controlam, especialmente em regiões onde as pessoas dependem particularmente dos recursos naturais para sua subsistência.

Por exemplo, ao redor do Lago Chade, as alterações climáticas con-tribuem para a escassez de recursos que aumentam a concorrência local por terra e água. Esta competição, por sua vez, muitas vezes alimenta tensões sociais e até conflitos violentos. Ao mesmo tempo, esta escassez de recursos erode os meios de subsistência de muitas pessoas, agrava a pobreza e o desemprego e leva ao deslocamento populacional. Grupos terroristas como Boko Haram ganham poder neste ambiente frágil.

À medida que as alterações cli-máticas vão afetando a segurança alimentar e a disponibilidade de água e de terra, as pessoas se tornam mais vulneráveis não só aos impactos negativos do clima mas também ao recrutamento por grupos terroristas que oferecem meios de subsistência e incentivos econômicos alternativos. “As áreas já vulneráveis podem ser colocadas em um ciclo vicioso que torna mais fácil a operação do terrorismo, o que, por sua vez, leva ao surgimento desses grupos, com consequências para todos”, resume Rüttinger.

Às vezes, os grupos terroristas tentam preencher a lacuna deixada pelo Estado, fornecendo serviços básicos para ganhar apoio da população local. À medida que os impactos do clima se agravarem, alguns Estados terão que lutar cada vez mais para conseguir fornecer serviços e manter sua legitimidade.

Mudanças climáticas favorecem o terrorismo

Christopher Stolzenberg | Cientista político. Diretor de Comunicações de Adelphi

Este relatório coincide com a ameaça da fome, da seca e da guerra sobre milhões de pessoas na região em torno do lago Chade, na África. Em 31 de Março, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) aprovou uma resolução sobre essa região, onde o Boko Haram atua, a qual destacada a preocupação com a interação dos fatores que levam à crise e pedindo uma melhor colaboração entre os membros das Nações Unidas para lidar com a situação. A resolução, que também solicita que o Secretário Geral da ONU emita um relatório sobre a crise, veio depois que os embaixadores do CSNU visitaram a região recentemente.

O relatório lançado hoje confirma algumas das conclusões da ONU:

• Lidar com a mudança do clima, impulsionar o desen-volvimento e fortalecer os governos reduzirá a ameaça do terrorismo.

• A ação climática, o desenvolvimento, as estratégias de luta contra o terrorismo e a consolidação da paz devem ser

conduzidas de forma holística e não isoladamente, como acontece frequen-temente e que gera o risco de agravar cada um dos fatores.

• Melhorar o Estado de Direito e fortalecer as instituições locais ajudará a reduzir o risco que a mudança cli-mática representa para o crescimento e crescimento de grupos terroristas, além de ser um componente essencial da adaptação e construção da paz.

• As pessoas que são vulneráveis ao recrutamento por grupos terroristas dependem frequentemente da agricul-tura para a sua subsistência, pelo que os esforços de desenvolvimento devem centrar-se na garantia de que esses meios de subsistência são sustentáveis diante de um clima em mudança.

• As cidades são frequentemente a válvula de pressão quando o clima,

conflito e fragilidade ocorrem - a construção de cidades resi-lientes minimizará as chances de as tensões se derramarem.

“Uma perspectiva mais ampla ajudará a enfrentar melhor as causas do surgimento e o crescimento de grupos armados não estatais”, disse Rüttinger.

Sobre a Adelphi - A Adelphi é um dos principais grupos independentes de especialistas e consultores de políticas públicas sobre clima, meio ambiente e desenvolvimento. Sua missão é melhorar a governança global através da pesquisa, do diálogo e da consulta.

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| análise |

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Com cerca de 90% do comércio mundial realizado por barcos, garantir que um navio opte pela rota mais rápida tem claros benefícios econômicos. Ao reunir as medições de diferentes satélites, a ESA (Agência Espacial Europeia) está fornecendo informações importantes sobre as correntes oceâ-nicas, o que não só torna o transporte marítimo mais eficiente, como também contribui para reduzir as emissões de CO2.

As companhias marítimas preveem correntes oceânicas até uma profundidade de cerca de 15 metros para encaminhar os seus navios através de correntes favoráveis e evitar as que possam dificultar uma viagem.

Previsões confiáveis são essenciais para garantir que as mercadorias cheguem a tempo e que os navios usem o menor combustível possível. O problema é que as previsões nem sempre são precisas. A combinação de medições por satélite, como a altura e a temperatura da superfície do mar, os ventos de superfície e a gravidade, juntamente com as medições rea-lizadas in situ, podem produzir uma visão única da circulação da superfície oceânica.

O Projeto Globcurrent da Agência Espacial Europeia (ESA) reuniu medições para construir uma imagem das correntes diárias da superfície oceânica global, durante os últimos 24 anos. As empresas de transporte marítimo podem utilizar estas informações para compreender as características de circulação geral de regiões específicas. Com base no Globcurrent, um produto quase em tempo real, permite escolher a previsão mais confiável para um determinado tempo e local.

Franco Bonacina | Jornalista. Diretor de Publicações da ESA

ESA ajuda no transporte marítimo mais limpo

Os cientistas oceânicos, portanto, se uniram ao CGM-CMA, um grupo mundial de navegação, para otimizar o roteamento, utilizando dados do Globcurrent. Fabrice Collard, do Laboratório de Dados Oceânicos, disse: “A falta de confiança nos modelos de circulação oceânica dificultou o roteamento dos navios. Hoje, o Globcurrent pode ajudar a avaliar quais os produtos de previsão são os mais confiáveis para uma determinada área local. Isto, por sua vez, ajuda as companhias de navegação a escolherem uma rota específica que faça uso de correntes favoráveis”.

Patrice Bara, do CMA-CGM, comentou: “Reduzir o consumo de combustível dos navios que transportam contêineres é um desaf io importante, especialmente quando se tenta reduzir as emissões que contribuem para o aquecimento global. Com base na nossa experiência com a rota Europa-Ásia, usando produtos de previsão oceânica já existentes nos permite uma economia de custos de 0,4%. No entanto, o Globcurrent pode nos ajudar a economi-zar até 1,2% no consumo de combustível. É extrema-mente importante para nós avaliar a confiabilidade das previsões dos modelos contra os produtos do Globcurrent em tempo quase real e atingir o nosso primeiro objetivo

de reduzir as emissões de dióxido de carbono em 180 mil toneladas por ano.”

Craig Donlon, cientista oceânico da ESA, acrescentou: “a importância de correntes de superfície do oceano não pode ser exagerada para aqueles que trabalham nos mares. Ajudar a indústria europeia a aperfeiçoar as suas operações de rote-amento de navios com o Globcurrent traz, não apenas uma economia financeira, mas também o potencial para reduzir as emissões de Gases de Efeito Estufa. Agora que o Projeto Glo-bcurrent foi demonstrado, a geração operacional de produtos será transferida para o Serviço de Monitorização Ambiental Marinho da Copernicus, durante os próximos meses. A ESA continuará a tarefa fundamental de pesquisa científica e desenvolvimento, para manter e evoluir o novo sistema e tirar pleno proveito dos satélites Copernicus Sentinel-1, Sentinel-2 e Sentinel-3 e do futuro Sentinel-6.”

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| ciências do espaço |

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As emissões de carbono globais relacionadas à energia podem ser reduzidas em 70% até 2050, afirma um novo relatório desenvolvido pela Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) e pela Agência Internacional de Energia (IEA). Para isso, os países comprometidos com o Acordo de Paris precisam reforçar e acelerar os objetivos com que se comprometeram. Esse número só será possível a partir de inves-timentos em tecnologias de baixo-carbono para a geração de energia, transporte, construções e indústria. Em escala global, apenas o setor de transporte é responsável 20% das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) relacionadas à energia, com-postas quase inteiramente de CO2 da combustão de óleo. Trata-se, portanto, de um setor crucial no combate ao aquecimento global.

Segundo informações do relatório, as emissões do setor aumentaram mais de 30% desde 2000, em grande parte como consequência de um aumento na frota de veí-culos em 300 milhões neste período. Mais da metade do aumento nas emissões de CO2 é proveniente do grupo de países que integram o G20 (as maiores economias mun-diais), mais China e Índia, onde a crescente demanda por mobilidade para as classes médias em expansão resultou em 130 milhões de veículos adicionados à frota automotiva.

O aumento das emissões de CO2 relacionadas aos trans-portes acompanha quase exatamente o aumento da procura de energia nos transportes, dada a forte dependência do setor de combustíveis derivados do petróleo. Em outras palavras: cada aumento percentual da demanda de energia nos transportes provoca um aumento proporcional das emissões.

Por outro lado, a intensidade das emissões de CO2 dos novos automóveis vendidos na Europa, por exemplo, diminuiu quase 30% desde 2000, com a taxa de melhoria acelerando após 2009, quando foi introduzida a primeira norma de emissões. O resultado europeu comprova a eficácia e a importância de ajustes nas normas adotadas em cada país. A própria oferta de petróleo de menor custo pode dificultar fortemente o desenvolvimento de tecnologias e alternativas eficientes ao uso dos derivados de petróleo no setor de transportes.

Mobilidade de baixo carbono freará o aquecimento global

Paula Tanscheit | Jornalista do WRI-Brasil Cidades Sustentáveis

Em algumas cidades, a mudança de hábito em relação aos meios de transporte já resultou em quedas significativas no número de carros privados em uso. Em Paris, por exem-plo, a introdução dos programas “Vélib” e “Autolib”, que disponibilizam bicicletas compartilhadas e carros elétricos, respectivamente e a implantação de mais corredores de ôni-bus e ciclovias, contribuíram para uma redução de 25% no uso do automóvel individual. Autolib é um serviço pago de carros elétricos compartilhados inaugurado em Dezembro de 2011. O sistema Vélib de emprétimo gratuito de bicicletas foi inaugurado em Julho de 2007 com 10 mil bicicletas.

No Brasil, os transportes são responsáveis por 46% das emissões de GEE no setor de energia. Desde que o Acordo de Paris entrou em vigor, em 4 de Novembro de 2016, o país assumiu o compromisso de implementar ações para o cumprimento das metas estabelecidas em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), documento que comu-nica internacionalmente as medidas que serão tomadas aqui para lidar com as mudanças climáticas e como o Brasil se direcionará para um futuro de baixo carbono.

Para isso, o país trabalha atualmente na elaboração de uma Estratégia Nacional de Implementação e Financiamento da NDC e lançou um documento-base para os debates que serão organizados este ano pelo MMA. O Programa Mobilidade Urbana de Baixo Carbono em Grandes Cidades foi idealizado pelo Ministério das Cidades, pelo BID e pelo Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

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| mobilidade urbana |

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Ele aparece no documento-base como instrumento de suporte do Governo Federal à atuação municipal na mobilidade urbana, cumprindo importante papel para a implementação dos princípios, diretrizes e objetivos tanto da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) quanto da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC).

Para que as metas do Acordo de Paris tenham 66% de chance de serem cumpridas, são necessárias medidas excep-cionais. Considerando o uso de energia global em geração de energia, transporte, construções e indústria, o relatório estima que o orçamento global de carbono entre 2015 e 2100 precisa ficar em 880 giga toneladas (Gt). Atualmente, as NDCs vinculadas ao Acordo de Paris sugerem que o setor de energia vai emitir cerca de 1.260 Gt até 2050 – mais de 60% acima do orçamento projetado. Para mudar essa perspectiva, o estudo projeta uma transição energética de “escopo, pro-fundidade e velocidade excepcionais”, considerando que as emissões relacionadas à energia chegarão ao pico antes de 2020 e depois precisariam cair 70%. A geração de combustíveis fósseis precisaria ser reduzia pela metade até 2050, enquanto as fontes de baixo carbono teriam que triplicar globalmente para representar 70% da demanda de energia em 2050.

As agências responsáveis pelo relatório descrevem, então, um cenário de 66% de probabilidade de o mundo atingir os objetivos do Acordo de Paris, como uma maneira de contri-buir para a meta que visa manter o aumento da temperatura abaixo de 2°C até o fim do século. Os transportes represen-tam atualmente 27% da demanda final de energia e quase 40% do uso direto de combustíveis fósseis em setores de uso final. Considerando esse cenário, as novas políticas a serem desenvolvidas no setor de transportes deveriam contemplar cinco pontos principais:

• Economia de combustível rigorosa e normas de emis-sões.

• Suporte a veículos elétricos e à infraestrutura de que necessitam para operar, incluindo linhas de catenária (de alimentação elétrica) para caminhões.

• Maior tributação dos combustíveis à base de petróleo.• Qualificar os processos de planejamento urbano e aumen-

tar a oferta de transporte coletivo de baixo carbono.• Padrões internacionais de eficiência de combustível para

a aviação e navegação e incentivos para biocombustíveis.

De acordo com os cálculos das agências, seria necessário um investimento total de mais de 120 trilhões de dólares relacionado à energia até 2050 para ser alcançado o cenário de 66%. Cerca de metade desse investimento teria de ser destinado à oferta de tecnologias, incluindo combustíveis limpos, biocombustíveis e eletricidade (geração, transmissão e distribuição).

A outra metade seria alocada na procura de tecnologias de baixo carbono, incluindo o investimento em tecnologias mais eficientes para o consumo consciente de energia e materiais nos setores de utilização final.

O investimento calculado para tecnologias de redução de emissões diretas nos setores de uso final é de 26 trilhões de dólares. O setor de transportes (principalmente o investimento adicional em veículos elétricos para a substituição de veículos convencionais) representaria 65% deste total acumulado: a frota de automóveis elétricos precisaria crescer cerca de 50% por ano nos próximos 15 anos para alcançar as metas do cenário de 66%.

Mudança de tecnologia e comportamento

Aliado a um esforço em curto prazo para reduzir o con-sumo de combustível dos veículos convencionais, os principais meios para descarbonizar o transporte no cenário de 66% são a eletrificação (incluindo veículos de passageiros e de cargas) e um avanço substancial no uso de biocombustíveis na aviação e na navegação.

Em 2050, cerca de 60% de todos os combustíveis no setor dos transportes teriam de ser de baixo carbono – uma mudança significativa ante os 3% atuais.

Um planejamento urbano eficiente também pode contribuir para a redução da demanda crescente de energia ao facilitar uma “mobilidade inteligente”, afirma o estudo.

A coordenação previa entre os urbanistas e os planejadores de trânsito é importante, nomeadamente quando se prevê o desenvolvimento de um sistema de transporte, mas também porque ajuda a garantir a disponibilidade de espaços dedicados aos pedestres e às redes de transporte coletivo. A mobilidade inteligente vai além do uso das tecnologias de informação e comunicação para otimizar os fluxos de tráfego. A conscien-tização também é vital, uma vez que o transporte inteligente depende de trocar conhecimentos e boas práticas.

O compartilhamento de viagens e as caronas, que hoje já aparecem como promessas para amenizar os congestionamentos nas grandes cidades, são considerados no estudo, porém serão mais profundamente analisados nas futuras projeções das instituições. O relatório ressalta, ainda, que o uso de serviços de transporte disruptivos precisa ser introduzido nos hábitos da população e que são necessários esforços mais profundos para a mudança de comportamento das pessoas.

Muito além das novas tecnologias e recursos, a população precisa deixar de recorrer apenas ao transporte individual e motorizado para qualquer deslocamento e passar a optar pelo transporte coletivo, bicicleta ou caminhada. Essa mudança é parte fundamental da construção de cidades inteligentes. Ao incentivar mudanças culturais, o planejamento urbano e da mobilidade pode ser um dos pilares para a redução das emis-sões originadas no transporte a partir, por exemplo, de uma rede de ciclovias densa e conectada, da oferta de transporte coletivo de qualidade e baixo carbono e da disponibilização de infraestrutura para os modos elétricos.

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| mobilidade urbana |

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O atual ritmo de avanços em três metas globais de energia - acesso à eletricidade, energia renovável e eficiência energética - não tem a rapidez necessária para que elas sejam atingidas em 2030, de acordo com o último Relatório do Global Tracking Framework (GTF) divulgado hoje em Nova York pelo Banco Mundial e pela Agência Internacional de Energia. O Relatório traz dados sobre o número de pessoas que usavam combustí-veis sólidos tradicionais (como carvão) para cozinhar que em 2014 era de 3,04 bilhões, 40% da população do Planeta. No Afeganistão e na Nigéria, o acesso a uma cozinha sem fumaça caiu cerca de um ponto percentual por ano. A Indonésia fez o maior progresso, aumentando o acesso a uma cozinha limpa em mais de 8 pontos percentuais por ano.

Mais de um bilhão de pessoas não tinham acesso à eletricidade em 2014. A preocupação é maior com os países populosos e de baixo acesso à eletricidade, como Angola e República Democrática do Congo, onde as taxas de eletri-ficação estão caindo. Alguns países de baixo acesso fizeram progressos rápidos, aumentando a eletrificação de dois a três pontos percentuais anualmente. Outros, como Afeganistão e Camboja, estão progredindo rapidamente graças ao maior uso da energia solar fora da rede, destacando como as novas tecnologias podem impulsionar o progresso. Os países que estão reduzindo a exclusão serão beneficiados com melhorias na educação, saúde, emprego e crescimento.

Em matéria de energias renováveis, o progresso global é modesto. Embora as novas tecnologias de geração de energia, como a eólica e solar, estejam crescendo rapidamente – represen-tando um terço da expansão do consumo de energia renovável em 2013-2014 – este crescimento se da a partir de uma base muito pequena, apenas 4% do consumo de energia renovável em 2012. O desafio é aumentar a dependência das energias renováveis nos setores de aquecimento e de transportes, que representam a maior parte do consumo global de energia.

O Relatório mostra que o aumento de pessoas com acesso à eletricidade está mais lento. Se essa tendência não for revertida, as projeções são de que em 2030 quase 8% da população não terão energia elétrica.

Beth Woodthorpe-Evans | Jornalista do Energia Sustentável para Todos – SEforALL

Um bilhão de pessoas sem acesso à eletricidade

Ou seja, o mundo não alcançará a meta de acesso universal à eletricidade. Entre os eixos analisados, apenas a eficiência energética progrediu: a quantidade de energia economizada durante os anos de 2012 e 2014, período abordado no Relatório, equivale ao necessário para abastecer o Brasil e o Paquistão combinados.

Para atingir os objetivos de Energia Sustentável para Todos, estima-se que o investimento em energia renovável deveria aumentar de duas a três vezes, enquanto o investimento em eficiência energética teria de aumentar em de 3 a 6 vezes. Estimativas sugerem que um aumento geral de cinco vezes seria necessário para alcançar o acesso universal até 2030.

Embora a pesquisa tenha descoberto que a maioria dos países não está fazendo o suficiente, há exceções, com progres-sos encorajadores: Afeganistão, Camboja, Quênia, Malawi, Sudão, Uganda, Zâmbia e Ruanda. Estes países provam que é possível acelerar o progresso rumo ao acesso universal com políticas adequadas, investimentos robustos (públicos e privados) e tecnologias inovadoras.

“Se quisermos tornar em realidade o acesso a energia limpa, acessível e confiável, a ação deve ser conduzida por meio da liderança política. Esses novos dados são um alerta para que os líderes mundiais tomem medidas mais urgentes e focadas no acesso à energia, melhorando a eficiência e o uso das ener-gias renováveis para atingir nossos objetivos”, alerta Rachel Kyte, CEO e Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para a Energia Sustentável para Todos. “Embora este-jamos fazendo alguns progressos - com a disponibilidade de muitas das tecnologias que precisamos e roteiros de políticas públicas cada vez mais claros – isso não é suficiente. Todos nós assumimos o compromisso de agir e cada dia de atraso torna mais doloroso e caro”, completa.

Em sua terceira edição, o Relatório mede o progresso de 2012 a 2014 em três metas globais de sustentabilidade: acesso universal à eletricidade e cozimento limpo, dobrando a taxa global de melhoria na eficiência energética e dobrando a participação das energias renováveis no mix energético global até 2030.

O Relatório se baseia em dados oficiais em nível nacio-nal e fornece uma análise harmonizada em nível regional e mundial. O Quadro Global de Monitoramento de Energia Sustentável para Todos é produzido conjuntamente pela Prática Global de Energia e Extrativos do Banco Mundial, e a Agência Internacional de Energia, e conta com o apoio de outras 20 organizações e agências parceiras. O Relatório Indicadores Regulatórios para a Energia Sustentável (RISE), recentemente lançado, complementa as conclusões deste Relatório, colocando a tónica na adoção de políticas e regu-lamentos que ajudam a estimular progressos mais rápidos e em maior quantidade.

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| energia |

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No seu sentido mais amplo, educação significa o meio formal (ação do Estado) e informal (ação difusa) em que os hábitos, saberes, costumes, maneiras de interagir com o ambiente e valores de uma comunidade, são transferidos de uma geração para a seguinte. Por sua vez, a educação ambiental é uma dimensão da educação, atividade intencional que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar a prática social e a ética ambiental.

O princípio do desenvolvimento sustentável não é mais o caminho único para enfrentar as diferentes facetas da temática ambiental. Já passamos da fase do “desenvolvimento” susten-tável; a hora agora é da “produção e consumo sustentáveis”. Para isso as ações de governo e as pressões da sociedade devem ter a adequada, imediata e responsável resposta por parte do setor produtivo, com práticas sustentáveis, sem a qual não há como levar o Brasil a tais padrões.

Por outro lado, neste caso, ao analisar a posição das maiores economias mundiais, observa-se uma nítida preocupação com a crise financeira, porém, com um discurso vago e breve em relação à problemática ambiental. Porém, entre o contexto limite das visões dos pesquisadores e dos políticos, persiste uma análise de idêntica importância, ainda não suficien-temente abordada, voltada a saber como a sociedade está preparada para, depois de devidamente informada, pressionar por soluções proteladas, aceitar as consequências da adoção das mesmas e, sobretudo, como nossos futuros gestores, no horizonte do curto e médio prazo, estão preparados não apenas para implementar as propostas conhecidas, mas gerar novas e efetivas respostas para o cenário que a sociedade deverá enfrentar, já que o tempo, neste novo contexto, é uma variável progressivamente mais crítica.

Se agregarmos a este cenário os resultados do estudo desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desen-volvimento Econômico (2006), com a pesquisa realizada em 57 países em diferentes continentes, que mostra que 37% dos alunos brasileiros com 15 anos de idade apresentam um nível mínimo de conhecimento ambiental, ficando abaixo da avaliação do Brasil apenas países como Catar, Quirguis-tão e Azerbaijão, vemos que nossos jovens estão em posição carente de conhecimento mínimo necessário para lidar com os desafios ambientais.

Ou seja, a pesquisa deixa claro, inclusive no Brasil, que os estudantes estão preocupados e conscientizados de que é preciso agir como ponto positivo, entretanto, não evidenciam condições plenas de explicitar e assumir seu papel no processo da ação desejada. O estudo infere, entre outros pontos, que os estudantes falam muito sobre temas ligados à área ambiental, mas parecem saber pouco a respeito do assunto, apesar das múltiplas, com alocação significativa de recursos financeiros, investidas, através de programas de educação ambiental desenvolvidos e implementados. O problema está no reduzido compromisso de verificação da eficácia dos mesmos.

Educação ambiental no séc 21Roosevelt S. Fernandes | Engenheiro Químico. Fundador do Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental e Social (Nepas)

Tendo estes aspectos em foco, em 2003 foi criado o “Núcleo de Estudos em Percepção Ambiental (NEPA)”, vol-tado especificamente a avaliar o nível de percepção ambiental e social de segmentos formadores de opinião, priorizando as áreas educacional e ambiental. Desde então o NEPA (hoje, NEPAS) vem consolidando um significativo banco de dados, gerado a partir de pesquisas desenvolvidas com estudantes e professores dos ensinos fundamental, médio, médio-técnico e superior, assegurando o conhecimento efetivo e quantificado o perfil de cidadania ambiental de tais segmentos.

Como decorrência da análise deste banco de dados, em 2006 o NEPAS fez a proposição da criação do Enade Ambiental (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes), não compulsório, de iniciativa das próprias instituições de ensino superior, voltado a identificar e quantificar as lacunas do conhecimento ambiental de estudantes ingressantes e concluintes. Trata-se de propiciar aos gestores educacionais e aos gestores públicos informações que possam dar base à definição de ações preventivas e corretivas que assegurem um mínimo nível de conhecimento ambiental, com os quais se chegue ao mercado de trabalho.

Tudo isso nos leva a caracterizar a necessidade de uma reavaliação profunda da retrospectiva da educação ambiental no século 20. É preciso ter em conta a perspectiva sobre o que deverá ser definido como novos paradigmas para a educação ambiental do Século 21. Não que isso seja entendido como uma identificação de erros, dado que na realidade não erra-mos na forma como até então vínhamos encaminhando o processo de educação ambiental, mas de reconhecer e assumir que posturas aceitas como válidas precisam passar por uma profunda reflexão. Assim, poderemos projetar o que deverá ser a educação ambiental no Século 21.

Pensar, por exemplo, em estruturar programas de educação ambiental sem um diagnóstico prévio da percepção ambiental e social do segmento a ser atendido, bem como não dispor de formas de pós-avaliação da eficácia dos resultados de tais programas, não poderá mais constar das premissas para as novas intervenções. Ou seja, não basta “oferecer educação ambiental”, há que se ter certeza de que estamos realmente “mudando a percepção ambiental e social da sociedade” com conscientização, exame crítico e desenvolvimento da cidadania.

Um bom exemplo disso pode ser visto através da Reso-lução 001/2016 do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA) do Estado do Espírito Santo, que inseriu os estudos prévios de avaliação da percepção ambiental e social como base para a estruturação de programas de educação ambiental e de comunicação social.

Poder Público e empresas, cada um na sua área de atu-ação de gestores e financiadores de programas de educação ambiental, devem fazer, isoladamente e em conjunto, esta reflexão. A sociedade, por sua vez, deve acompanhar e cobrar resultados.R

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| educação ambiental |

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Cresce exponencial-mente a mobilização dos paranaenses contra o fra-turamento hidráulico, tec-nologia altamente poluente usada para explorar o gás do folhelho de xisto, também conhecida como fracking.

Depois da maciça mobilização no Estado do Paraná, agora mais 46 cida-des da região Norte estão debatendo o banimento do gás e óleo não convencional através da aprovação e sanção de leis municipais.

Desde 2013, quando a campanha Não Fracking Brasil começou, já são perto de 280 cidades que baniram a tecnologia e a tendência é aumentar em 2017. “Vamos unir as cidades que ficam no entorno da Bacia do Rio Tibagi numa clara demonstração de que não queremos nem permitiremos os testes sísmicos e o fracking”, alerta Izabel Marson, professora e voluntária da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) e da ONG climática 350.org.

Izabel ressalta que realizar esta jornada pelas 46 cidades foi decisão da sociedade civil de Cornélio Procópio em soli-dariedade a população destas cidades. “Entendemos que a proibição em conjunto com as 46 cidades garantirá maior proteção, evitando o que acontece na Argentina onde as ações são isoladas e não protegem a região”.

No sentido de ampliar a proibição, os vereadores de Cornélio Procópio, cidade de 48 mil habitantes do Norte Pioneiro, estão atualizando a legislação aprovada em Outubro do ano passado, incluindo a proibição dos testes e pesquisa sísmica. “Temos recebido o apoio unânime dos vereadores nas Câmaras Municipais para proteger as cidades no que se refere à contaminação da água e dos aquíferos, à qualidade do solo e de vida das pessoas”, garante Izabel. Em Cornélio Procópio, Congonhinhas e Ribeirão do Pinhal, o Projeto de Lei que proíbe as pesquisas e a exploração do gás de xisto deve ser sancionado dem pouco tempo. “Serão as primeiras cidades do Paraná a banir o fracking em 2017”, comemora Izabel Marson.

Enquanto isso, outras cidades no Norte Pioneiro votam a proibição como Santo Antônio da Platina, Wenceslau Brás, Cambará, Jacarezinho e Ibaiti. Já na região Norte, o projeto está sendo votado nas Câmaras Municipais de Assai, Andirá, Uraí, São Sebastião da Amoreira, Santo Antônio do Paraíso e outras. Na região Central, a cidade de Castro também está debatendo a proibição.

Silvia Calciolari | Jornalista da 350.org Brasil e da Coalizão Não Fracking Brasil - COESUS

Banimento do fracking une 46 cidades do Paraná

De acordo com Patrícia Watfe, voluntária da Fun-dação Arayara e membro da 350.org, “em Ibaiti está tramitando a versão mais atualizada na legislação, que inclui a proibição de se explorar outros hidro-carbonetos que utilizam métodos não convencionais tão destrutivos quando o fracking”.

Idealizado e sugerido aos municípios pela COE-SUS e 350.org Brasil,

o Projeto de Lei prevê diversos mecanismos que proíbem operações de fracking para extração do gás e óleo de xisto. O PL proíbe definitivamente a concessão de licenciamentos e outorgas de água com a finalidade de exploração e/ou explo-tação dos gases e óleos não convencionais pelos métodos de fratura hidráulica – fracking e refracking – refraturamento hidráulico – na esfera da competência municipal. Além de proibir o tráfego de caminhões com produtos químicos e a queima de gases, há ainda a proposição de uma multa para quem descumprir as determinações contidas na Lei.

A legislação proíbe ainda a instalação, operação de ati-vidades, produção, comercialização, transporte, armazena-mento, utilização, importação, exportação, destinação final ou temporária de resíduos, ou quaisquer outros produtos usados para o fraturamento ou refraturamento hidráulico, componentes e afins, em todo o território do município. A proibição é extensiva aos testes e pesquisa sísmica, que são tão impactantes para o meio ambiente e para as pessoas como a tecnologia do fracking. “O recado para a Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP) é claro: Não vamos permitir que o Paraná, e nenhum lugar desse país, seja destruído pela indústria do gás da morte e dos combustíveis fósseis”, garante Juliano Bueno de Araújo, coordenador de Campanhas Climáticas da 350.org e coordenador nacional da COESUS.

De acordo com o coordenador, “a meta é trabalhar para que 100% das cidades que tenham reservas de gás de xisto (shale gas), tight oil e outros hidrocarbonetos aprovem o banimento dos métodos não convencionais. Serão mais de 254 cidades do Paraná e até o final de 2017 quase 400 do Brasil”. Juliano destaca também que “o movimento contra o fracking recebe mais e mais adesões a cada dia, pois quando é informada sobre os riscos de contaminação da água, da produção de alimentos, da biodiversidade e para a saúde humana e animal, não há pessoa que seja favorável à destruição, contaminação e morte provocadas por essa atividade minerária”.

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Dentro do tema da Campanha da Fraternidade de 2017, “Fraternidade: Biomas Brasileiros e Defesa da Vida”, estava presente, em seu objetivo, “promover relações fraternas com a vida e a cultura dos povos, à luz do Evangelho”. Nos biomas, como estrutura de vida, não podem ser esquecidos os povos que neles habitam, especialmente os povos originários.

Pero Vaz de Caminha, no primeiro relatório que escreveu ao Rei de Portugal, descreveu detalhadamente o primeiro encontro com o povo que encontraram na Terra de Santa Cruz e de como se aproximaram daquelas pessoas. (Creio que seja importante ler a Carta na íntegra.) Estima-se que, naquela época, existiam mais de 1.000 povos como aquele, somando entre dois e quatro milhões de pessoas.

Vivem hoje no Brasil, segundo dados do IBGE (2010), 305 povos indígenas em milhares de aldeias, com uma população de 896.917 pessoas, falando mais de 274 línguas diferentes, além de 70 tribos vivendo em locais isolados e que ainda não foram contatadas. Destes, 324.834 vivem em cidades e os outros 572.083 em áreas rurais, o que corresponde aproxi-madamente a 0,47% da população total do país.

Desde 1680, temos uma atenção legislativa relativa aos territórios indígenas, até chegarmos a Constituição de 1988. Hoje, existem 1.116 áreas reconhecidas ou reivindicadas como Terras Indígenas, porém até Dezembro de 2016, apenas 398 territórios tinham seus processos administrativos finalizados e as terras registradas pela União. No Rio Grande do Sul entre 1910 e 1918 foram demarcadas 11 Áreas Indígenas. Infelizmente, nas décadas de 1950 e 1960, parte dessas ter-ras demarcadas foram destinas para Reforma Agrária e para Reserva Florestal.

Rodolfo Luís Weber | Arcebispo de Passo Fundo

Reflexões na Semana dos Povos Indígenas - 2017

É preciso reconhecer que a questão indígena ainda está longe de ser resolvida. Cada região do Brasil os conflitos tem marcas próprias. No dia 21 de Março de 2013, a Arquidiocese de Passo Fundo, em parceria com o Instituto Superior de Filosofia Berthier (IFIBE) e com a Faculdade de Teologia e Ciências Humanas (ITEPA Faculdades), promoveu um debate sobre a demarcação de terras nas áreas de conflito no Norte do Rio Grande do Sul.

O objetivo era proporcionar uma oportunidade de apro-fundamento e esclarecimento sobre o assunto, tão delicado e emergente no contexto atual.Deste debate, retomo algumas colocações considerando a especificidade da região norte do Rio Grande do Sul.

Grande parte dos conflitos atuais tem a sua origem no Estado que usou de uma política territorial indígena oscilante e contraditória. Uma vez demarcando áreas territoriais indí-genas e em outra oportunidade vende as mesmas áreas para agricultores. Com isto, os dois lados, indígenas e agricultores, foram injustiçados. Além disso, a lentidão para encaminhar a solução do problema gera grande ansiedade em ambos os lados. A grande conclusão do debate é que o conflito precisa ser mediado para não resultar em violência, agressão e ódio podendo terminar com destruição da vida.

Em 1940 aconteceu, no México, o 1º Congresso Inter-nacional de Lideranças Indígenas das Américas. Em 1943, o Presidente Getúlio Vargas, através do Decreto-Lei 5540, fixou o dia 19 de Abril como o “Dia do Índio”. A data é opor-tuna para reler a história passada, aprofundar os problemas atuais, desconstruir preconceitos e, juntos, construir relações fraternas e justas.

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