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CADERNO www.jusdh.org.br m um momento em que milhares de pessoas tomaram as ruas para manifestar indignação, reivindicar reforma das instituições e a reali- zação de direitos, é imprescindível e oportuno identificar e situar o debate acerca do sistema de justiça nesta conjuntura. O Poder Judiciário compõe, resguardadas a sua autonomia e independên- cia, o quadro das instituições do sistema político brasileiro, e não pode ficar à distância, deslocado ou resguardado das transformações que o Brasil demanda. Não se pode discutir reforma do sistema político, nem reivindicar mudanças es- truturais em nossa sociedade, sem retomar o debate acerca da reforma do sis- tema de justiça, agora fundada sobre as bases de uma cultura de direitos humanos. A justiça brasileira precisa dialogar com o povo, precisa se sensibilizar com o momento de demandas de direitos colocadas nas ruas, precisa incorporar mecanismos de participação social e de transparência, e se comprometer com o combate às violações de direitos humanos. É tempo de repensarmos o modelo de ingresso e a captura oligárquica nas carreiras jurídicas, de discutirmos os desafios de como incorporar a plurali- dade de nossa sociedade no universo jurídico, de rompermos com a elitização desse espaço. É momento, portanto, de reforma política da justiça e de cons- truirmos um sistema de justiça que esteja a serviço e compromissado com a efe- tivação dos direitos humanos no Brasil. Índice Ë Magistratura precisa de democracia, independência e pluralismo 2 Ë A experiência do Fórum Justiça no Ceará 3 Ë O importante passo rumo às Ouvidorias Externas 4 Ë Ouvidorias Externas: inovações democráticas em nosso Sistema de Justiça 5 Ë Ações afirmativas no Poder Judiciário: um processo em pauta no CNJ 6 Ë As estratégias de incidência sobre o Poder Judiciário 7 Ë Carta do II Seminário da JusDh: O Potencial Democrático dos Direitos Humanos para a Política Pública de Justiça 8 Ano 4 l Nº 4 l Julho 2013 Direitos Humanos, Justiça e Participação Social É tempo de Discutir a Sociedade, Transformar o Sistema Político e Democratizar a Justiça Sobre os Cadernos Nesta 4ª edição, o Caderno Direitos Humanos, Justiça e Participação Social se apresenta com um caráter muito especial: é a 1ª edição produzida com a identidade vi- sual e a construção coletiva da Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh. Os textos são reflexo da agenda política de justiça que vem sendo acompanhada pela articulação, bem como da pluralidade de interlocutores/as da JusDh. Contamos, assim, com análises de grandes parcerias, como Marcelo Semer (AJD), Luciana Zaffalon (Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo) e Rodrigo de Medeiros (Fórum Justiça Ceará). Apresentamos também a carta da JusDh, fruto de nosso II Seminário, elencando as discussões e os próximos de- safios postos para a articulação na temática da democratização da justiça. E

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CADERNO

www.jusdh.org.br

m um momento em que milhares de pessoas tomaram as ruas paramanifestar indignação, reivindicar reforma das instituições e a reali-zação de direitos, é imprescindível e oportuno identificar e situar o

debate acerca do sistema de justiça nesta conjuntura. O Poder Judiciário compõe, resguardadas a sua autonomia e independên-

cia, o quadro das instituições do sistema político brasileiro, e não pode ficar àdistância, deslocado ou resguardado das transformações que o Brasil demanda.Não se pode discutir reforma do sistema político, nem reivindicar mudanças es-truturais em nossa sociedade, sem retomar o debate acerca da reforma do sis-tema de justiça, agora fundada sobre as bases de uma cultura de direitoshumanos. A justiça brasileira precisa dialogar com o povo, precisa se sensibilizar com

o momento de demandas de direitos colocadas nas ruas, precisa incorporarmecanismos de participação social e de transparência, e se comprometer como combate às violações de direitos humanos.É tempo de repensarmos o modelo de ingresso e a captura oligárquica nas

carreiras jurídicas, de discutirmos os desafios de como incorporar a plurali-dade de nossa sociedade no universo jurídico, de rompermos com a elitizaçãodesse espaço. É momento, portanto, de reforma política da justiça e de cons-truirmos um sistema de justiça que esteja a serviço e compromissado com a efe-tivação dos direitos humanos no Brasil.

ÍndiceË Magistratura precisa

de democracia, independência e pluralismo 2

Ë A experiência do Fórum Justiça no Ceará 3

Ë O importante passo rumo às Ouvidorias Externas 4

Ë Ouvidorias Externas: inovações democráticas em nosso Sistema de Justiça 5

Ë Ações afirmativas no Poder Judiciário: um processo em pauta no CNJ 6

Ë As estratégias de incidência sobre o Poder Judiciário 7

Ë Carta do II Seminário da JusDh: O Potencial Democrático dos Direitos Humanos para a Política Pública de Justiça 8

Ano 4 l Nº 4 l Julho 2013

Direitos Humanos,Justiça e Participação Social

É tempo deDiscutir a Sociedade, Transformar o Sistema Políticoe Democratizar a Justiça

Sobre os CadernosNesta 4ª edição, o Caderno Direitos Humanos, Justiçae Participação Social se apresenta com um caráter muitoespecial: é a 1ª edição produzida com a identidade vi-sual e a construção coletiva da Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh. Os textos sãoreflexo da agenda política de justiça que vem sendo acompanhada pela articulação, bem como da pluralidade deinterlocutores/as da JusDh. Contamos, assim, com análises de grandes parcerias, como Marcelo Semer (AJD),Luciana Zaffalon (Ouvidoria da Defensoria Pública de São Paulo) e Rodrigo de Medeiros (Fórum Justiça Ceará).Apresentamos também a carta da JusDh, fruto de nosso II Seminário, elencando as discussões e os próximos de-safios postos para a articulação na temática da democratização da justiça.

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2 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA JusDh l JULHO 2013

Ativista em várioscampos, nossaCorte Supremapersevera na sobrevida a um

entulho autoritárioquando o assunto é o

próprio Judiciário.

A forma hierarquizada da justiçacontribui enormemente para impedira renovação da jurisprudência, umavez que as novas gerações são estimu-ladas a se amoldar ao pensamento tra-dicional das cúpulas, responsáveis aomesmo tempo pelas promoções e pelajurisprudência dos tribunais. Uma reforma infraconstitucional

do Judiciário deve conter três eixospara que a mudança de estruturapossa reduzir essa sensação de anacro-nismo: democracia, independência epluralismo.A extemporânea oligarquia dos

tribunais sobrevive com o arcaísmodo voto censitário, que apenas os de-sembargadores podem exercer. Tudoà custa da tortuosa interpretação quereconhece que os juízes são recruta-dos, pagos, regrados, fiscalizados,promovidos e punidos pelos tribu-nais, mas ainda assim não são mem-bros destes. São “órgãos” à parte.A hierarquia, que é aceitável em

uma carreira baseada na disciplina esubordinação, como a militar, nadatem a ver com uma instituição cons-truída sobre a pedra fundamental daindependência. A independência do juiz, é bom

lembrar, não se esgota na separaçãodos poderes: é preciso preservar o juiztambém das ingerências internas. A figura do juiz natural, premissa

de imparcialidade e consagração dainamovibilidade, deve ser prestigiadae não desprezada como ocorre atual-mente com proliferação de cargos delivre designação. Se presidentes podem remover juí-

zes de seus cargos (incluindo vitalíciose até substitutos nos tribunais) ao bel-prazer a independência se destroça.Juízes não podem julgar receandoconsequências de desagradar o chefedo poder.A liberdade de expressão, de esta-

tura constitucional, se choca frontal-mente com os ditames da LOMAN.Com o diploma de 1969, juízes foramproibidos de tecer qualquer tipo deopinião sobre outras decisões oumesmo processos em andamento, cei-fando a cidadania. O projeto da comissão anterior re-

vigora a mordaça (caracterizandoainda meras opiniões como ‘atividadepolítico-partidária’), e só abre exceçãoao corporativismo da “lista de apoio”.Um juiz que não convive com a

sociedade em que está inserido, am-putado de sua cidadania, que dela seesconde em uma torre de marfim,

Magistratura precisa dedemocracia, independênciae pluralismo

Constituição Federal estácompletando 25 anos e oSTF ainda não conseguiu

preparar, como lhe compete, projetopara regulamentar a carreira da ma-gistratura. Para quem está acostu-mado a suprir omissões alheias, não épropriamente um grande papel.No caminho, vieram mudanças

constitucionais, que não dependeramda iniciativa do tribunal. E o Supremoainda resistiu aplicando critérios daantiga Lei Orgânica da Magistratura(LOMAN), diante do novo perfil de-senhado pela Reforma do Judiciário.Um exemplo claro é a eleição para

cargos diretivos, cujas candidaturas oSTF manteve restrita a rígidas regrasde antiguidade, prolongando indefini-damente a gerontocracia. A PEC 45instituiu eleição para órgãos especiais,justamente para relativizar este critério.Ativista em vários campos, nossa

Corte Suprema persevera na sobre-vida a um entulho autoritário quandoo assunto é o próprio Judiciário. Joaquim Barbosa montou nova

comissão para elaborar o projeto. Masnão há motivos para otimismo. O úl-timo texto, relatado pelo ministro Le-wandowsky, mantinha intactas asestruturas políticas da LOMAN. In-corporava ditames disciplinadores doCódigo de Ética do CNJ (que cometegrosseiro equívoco ao confundir obe-diência com mérito), compensandocom aportes corporativistas – inclu-sive o de conferir foro privilegiado ajuízes aposentados.

A

Ë Marcelo Semer Juiz de Direito em SP, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia. Mestre em Direito Penal (USP), colunista no Terra Magazine

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JULHO/2013 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA JusDh l 3

sociações das carreiras jurídicas para a iniciativa. Háum leque de representações de espaços da luta pormais participação popular e direitos humanos como aIgreja progressista, e de movimentos vários como: demulheres, LGBT, infância, Moradia, de luta nocampo, direito à cidade, etc. Cabe ainda destacar opapel da Rede Nacional de Advogados e AdvogadasPopulares – RENAP, Associação dos Defensores Pú-blicos do Estado do Ceará e do Núcleo da Associaçãodo Juízes pela Democracia – AJD no Ceará.Faz parceira com o Fórum Justiça a Articulação

Justiça e Direitos Humanos- JusDH, no sentido decontribuir com debates políticos estruturantes dasinstituições do Sistema de Justiça. Ao mesmotempo procuram criar juntos mecanismos mais efi-cientes para a população em geral, e para que os es-paços organizados se apropriarem da dinâmica doSistema de Justiça, a fim de que este cumpra seupapel e não, por vezes, colabore ou ratifique viola-ções de direitos.

A experiência doFórum Justiça no Ceará

órum Justiça no Ceará é decorrente da inicia-tiva do Fórum Justiça, iniciado por defenso-res(as) públicos(as) junto a movimentos

populares e sociedade civil organizada, no intuito dediscutir, propor e agir em prol do aperfeiçoamento doSistema de Justiça. A idéia no Ceará foi lançada du-rante momento específico, no Congresso Interameri-cano de Defensorias Públicas – AIDEF, em agosto de2012, em Fortaleza (CE).A partir deste primeiro momento houve um lan-

çamento para movimentos e organizações ligadas alutas populares e agentes públicos da Defensoria, Mi-nistério Público e Magistratura conscientes do deverinstitucional de realizarem direitos humanos funda-mentais de maneira efetiva. Ocorreu, então, um lan-çamento da proposta, no centro das Pastorais Sociaisem Fortaleza, em novembro de 2012, e um planeja-mento, tentando agregar diversos movimentos popu-lares e organizações, em abril de 2013.Conseguiu-se, hoje, dialogar com as principais as-

F

tende a desconhecer os efeitos sociaisde suas decisões e mergulhar no am-paro de relações classistas, vitami-nando o corporativismo.

A democraciaimpõe pluralismo,juízes que tenhamidades e expe-

riências diversas,origens distintase pensamentosque não nos per-mitam cair na

mera reprodução

O concurso é preferencialmentedestinado a jovens recém-formados,com diminuta vivência forense e for-matado por mecanismos que permi-tem manter intacto o perfil desejadopela própria cúpula. Como renovar,reproduzindo perfis similares?A democracia impõe pluralismo,

juízes que tenham idades e experiên-cias diversas, origens distintas e pen-samentos que não nos permitam cairna mera reprodução. Para alimentar o pluralismo, é ne-

cessário, por exemplo, proibir expres-samente a entrevista sigilosa (queadmite escolha por padrões ideológi-cos, sexuais ou religiosos), suprimircritérios de pessoalidade e subjetivi-dade, como provas orais, substituindo

por provas práticas que privilegiemtambém a experiência. E curial a in-trodução de Direitos Humanos comodisciplina obrigatória, para provocaruma perspectiva transversal que valo-rize a cultura dos princípios e a com-preensão do papel do juiz comogarantidor dos direitos fundamentais.Quebrar o desenho de hierarquia,

assegurar independência, resgatar a ci-dadania do juiz, evitando embotá-lo nocaminho do corporativismo e aumentaro pluralismo no concurso são mecanis-mos indispensáveis para um Judiciáriocompatível com o estado democrático. É preciso não apenas sepultar uma

lei autoritária, mas, sobretudo, evitarque seu pensamento se reproduza nonovo diploma.

Ë Rodrigo de Medeiros SilvaRede Nacional de Advogados e Advogadas Populares, Membro do Fórum Justiça

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4 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA JusDh l JULHO 2013

é só de eficiência e rapidez no julgamento dos proces-sos que se gostaria de alcançar – pauta já encampada eprioritária do CNJ. O Poder Judiciário tem uma organização institu-

cional absolutamente hierarquizada e procedimentosde promoção e remoção que afrontam o princípio daindependência. Tais características estimulam seusmembros a reproduzirem entendimentos e jurispru-dências já consolidados, dificultando mudanças inter-pretativas ou entendimentos diversos a respeito de

textos normativos. A homoge-neidade jurisprudencial tam-bém decorre do fato de haver –ao contrário da sociedade bra-sileira – elevada homogenei-dade de origem social eeconômica entre os membrosda magistratura: tanto a formacomo as exigências dos concur-sos não são pensados para ga-rantir a pluralidade dosmembros. Para começar a modificar

tanto a homogeneidade nacomposição dos membros dasmagistraturas (pluralismo),como sua organização institu-cional extremamente hierár-

quica, reprodutora de entendimentos (independência)e pouco aberta ao controle social – pode-se dizer que oPoder Judiciário é o mais fechado e menos sujeito aocontrole social dentre os três poderes (democracia) –uma das principais propostas da JusDh é a criação deuma instituição capaz de ser o caminho de comunica-ção entre sociedade e Poder Judiciário. Nos moldes dobem-sucedido exemplo da Defensoria Pública do Es-tado de São Paulo, Ouvidorias Externas em todos osórgãos do Poder Judiciário seriam boa medida para au-mentar a interlocução entre aqueles que exercem oPoder e aqueles que a ele se submetem. Se nem todasas batalhas podem ser vencidas neste projeto de modi-ficação da LOMAN, a inclusão de ouvidorias externasestruturadas certamente seria um passo importantepara atingir outros objetivos mais amplos.

O importante passo rumo àsOuvidorias Externas

ma nova proposta de reforma da Lei Orgânicada Magistratura (LOMAN) deve ser apresen-tada em breve para a sociedade brasileira: em

fevereiro de 2013, foi constituída uma Comissão noâmbito do Supremo Tribunal Federal – convocada porsua presidência – para elaborar um Projeto de Lei que,seguindo o trâmite normal, será encaminhado para dis-cussão e deliberação do Congresso Nacional e sançãopresidencial. A JusDh entende que a reforma da LOMAN é uma

oportunidade para discutir eincidir sobre diversos proble-mas do Poder Judiciário e pro-mover avanços necessários nosentido da democratização, dopluralismo e da independência.Especificamente na pauta dademocratização, a Articulaçãoreivindica a criação de ouvido-rias externas em todas as insti-tuições e a participação defuncionários nas eleições parapresidentes dos Tribunais.O escasso debate público

sobre a organização e as carac-terísticas do Poder Judiciáriolimita-se a chamar a atençãopara seus privilégios e as maze-las que seu funcionamento impõe aos cidadãos: fériasde 60 dias, aposentadoria compulsória como máximapunição para desvios conduta de seus membros, alémda morosidade na condução dos processos judiciais sãoalguns dos exemplos. Pode-se ter a impressão de queos problemas do Poder Judiciário devem ser enfrenta-dos a partir dos excessos de direitos garantidos ou apartir dos enfrentamento de casos de corrupção, vendade sentenças, falta de compromisso com a função pú-blica desempenhada. É certo que uma forma menos corporativista de en-

frentar as exceções seria louvável e desejável em umareforma da Lei Orgânica a ser proposta. No entanto,parece que os principais problemas da Magistraturadevem ser identificados a partir da normalidade, dofuncionamento regular do exercício desse Poder. E não

U

Ë Ester Gammardela Rizzi, Assessora Jurídica da Ação Educativa - Assessoria, Pesquisa e Informação – Programa Ação na Justiça

A JusDh entende que a reforma da LOMAN éuma oportunidade paradiscutir e incidir sobre diversos problemas doPoder Judiciário e promover avanços necessários, como a implementação de

ouvidorias externas nosistema de justiça.

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à medida que a definição de suas prio-ridades e a construção de possíveis so-luções para seus conflitos e desafios, seelaboradas de forma coletiva e com par-ticipação social, tendem a se tornarmais repletas de legitimidade e, ao final,de realidade – ao menos da realidadeque acompanha aqueles que são comu-mente submetidos à justiça via Defen-soria e que, portanto, devem ser o focoda priorização desta instituição. As Ouvidorias Externas restaram

inseridas no organograma das Defen-sorias como resultado de uma demandasocial, vocalizada pelo Movimento pelaDefensoria (SP), que pautou a criaçãode uma Defensoria democrática, autô-noma e transparente. Trata-se de expe-riência vivenciada inicialmente em SãoPaulo que, por força de Lei Federal, noano de 2009 foi expandida para todopaís com o objetivo de viabilizar e in-crementar a aproximação da sociedadecivil com a instituição1.A Ouvidoria Externa da Defenso-

ria, que já é uma realidade em estadoscomo Acre, Bahia, Ceará, Maranhão,Mato Grosso, Rio Grande do Sul e SãoPaulo, procura incorporar as vozes dosdestinatários da assistência judiciária di-retamente na determinação de suas de-finições políticas, caminhando nadireção oposta ao excludente legado ju-dicial brasileiro e criando oportunida-des para que os usuários da Defensoriapossam criticá-la, aperfeiçoá-la e even-tualmente transformar suas diretrizes. Com este novo modelo de Ouvido-

ria passa a ser possível uma melhor

Ouvidorias Externas:inovações democráticas em nossoSistema de Justiça

uando se observa o Sistema deJustiça no Brasil nota-se que opúblico alvo da prestação ju-

risdicional nunca contou com qualquerespaço de intervenção nos modos deoperação de suas instituições, assimcomo não conta com espaços de diá-logo ou possibilidades de fiscalizaçãodas funções exercidas pelo Estado nesteuniverso. Este cenário começa a mudar com

a implementação das Ouvidorias Exter-nas nas Defensorias Públicas, titulariza-das por representantes de movimentossociais eleitos a partir de listas trípliceselaboradas pela sociedade civil, com oobjetivo de contribuir para que os ato-res historicamente alijados da operacio-nalização judicial formal possam seconverter em sujeitos de direito, pormeio do acesso à Defensoria e, em úl-tima análise, à Justiça.Facilitar o acesso dos cidadãos, das

organizações não governamentais, dosmovimentos sociais e populares à De-fensoria, por meio da desburocratizaçãoe da diversificação de procedimentos eformas, é função primeira destas Ouvi-dorias que encontram na desmistifica-ção do universo jurídico e no necessáriofortalecimento dos mecanismos de par-ticipação popular uma nova fórmulapara que o controle social alcance as his-toricamente herméticas instituições donosso Sistema de Justiça.Falamos aqui de governança demo-

crática, que pressupõe a existência depolíticas públicas deliberadas, o quetambém se aplica ao Sistema de Justiça

compreensão do que precisa ser supe-rado, do que precisa ser priorizado apartir da ótica do destinatário dos ser-viços das Defensorias. Trata-se de ins-trumento para que as desigualdadesaflorem na forma de questões prioritá-rias e possíveis soluções coletivas – oque ganha especial relevo diante doprotagonismo cada vez maior das deci-sões judiciais na concretização de polí-ticas sociais.A Ouvidoria da Defensoria de São

Paulo, que serviu de base para o modelonacional, conta com um Conselho Con-sultivo igualmente externo, destinado àconsolidação e sustentação de pautas so-ciais que carecem de espaço para suasjustas legitimações, constituindo umainstância participativa qualificada e di-versificada, composta exclusivamentepor membros da sociedade civil.Importante notar que a Ouvidoria é

órgão superior2 da Defensoria, devendoparticipar da gestão e fiscalização da ins-tituição e neste sentido lhe é garantida aparticipação, como membro nato, doórgão gestor da Instituição, o ConselhoSuperior da Defensoria Pública. As Ouvidorias externas tem repre-

sentado uma oportunidade de se rever aforma pela qual as instituições quefazem parte do Sistema de Justiça Bra-sileiro se abrem às opiniões dos atoressociais, à participação popular, se trans-formando mesmo em catalisadores deiniciativas nesse sentido, como umachancela, um atestado de que é possíveluma outra forma de se construir e apli-car justiça.

Q

Ë Luciana Zaffalon, Ouvidora-Geral da Defensoria Pública de São Paulo e Diretora de Assuntos Legislativos do Colégio Nacional de Ouvidorias das Defensorias. Para saber mais: www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=5485

1. O modelo de Ouvidoria Externa surge com a Lei Orgânica da Defensoria de São Paulo, por meio de texto elaborado e defendido pelo Movi-mento pela Defensoria, que congregou mais de 400 entidades sociais. Quando tratamos do modelo nacional, nos referimos à Lei Comple-mentar 80/1994, reformada pela Lei Complementar 132/2009, que organiza e prescreve normas gerais relativas às Defensorias Públicas dosEstados, Distrito Federal e da União.

2. O modelo Federal não acompanha o paradigma Paulista neste ponto: a Lei 132/2009 qualifica as Ouvidorias como órgãos auxiliaries da De-fensoria. Também não há previsão de Conselhos Consultivos.

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6 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA JusDh l JULHO 2013

sões sobre os bens co-letivos. No Poder Judi-ciário, por exemplo,em 2005, os negrosrepresentavam pouco maisde 10% dos magistrados, ao passo que86,5% eram brancos5. Dentre as carreiraspúblicas tradicionais do campo do direito,a Magistratura é a mais homogênea noque concerne ao perfil racial6.Isso acontece, em grande parte, por

conta do modelo de processo seletivo. Oingresso na carreira se dá mediante con-curso público de provas e títulos, exigindo-se do bacharel em direito no mínimo trêsanos de atividade jurídica. A Resoluçãonº75/2009 do CNJ estabelece as seguintesetapas consecutivas: prova objetiva sele-tiva, duas provas escritas, sindicância davida pregressa do candidato e investigaçãosocial, prova oral e avaliação de títulos. A inserção do mérito como critério

visa evitar privilégios e escolhas pessoais,porém tem produzido o resultado per-

verso de favorecer um mesmo perfilde candidatos que, em geral,são aqueles que não passarampelas piores condições de ex-clusão e desigualdade. A de-dicação necessária paraaprovação nesses concursosexige um tempo do qual as pes-soas que precisam garantir sua

renda, muitas vezes, não dispõem.Além disso, o estudo depende quasesempre do acompanhamento de um cursopreparatório, notoriamente de alto custofinanceiro. Como se vê, a seleção acabarealizando um “filtro” daqueles que têmmais recursos para se candidatar, medindomais investimento e menos conheci-mento. Ainda, as entrevistas individuais que

compõem esses processos de seleção têmabordado perguntas de cunho pessoal – re-lativas a família, casamento, orientação se-xual etc. –transformando-se em uma buscapor determinado perfil a partir de umalente que pode ser moral ou ideológica.Todo esse cenário mostra a importân-

cia do debate que vem sendo propostopelo CNJ e da implementação de açõesafirmativas no Poder Judiciário. Para quetal processo prossiga, é fundamental queo Conselho se abra à opinião da socie-dade, chamando diversos atores à discus-são, como tem sido reivindicado pelaJusdh.

Ações afirmativas no Poder Judiciário:um processo em pauta no CNJ

o fim do ano passado, o Conse-lho Nacional de Justiça decidiuaprofundar-se no tema das ações

afirmativas no âmbito do Poder Judiciá-rio. Em outubro, aprovou a realização deum estudo sobre ações voltadas ao acessode grupos historicamente excluídos dascarreiras do Judiciário1. Recentemente, oCNJ também deu início à realização deum “Censo do Poder Judiciário” por meiodo qual busca traçar o perfil atual da Ma-gistratura2. Trata-se de um passo impor-tante para o desenho de uma políticacalcada na realidade. A questão é da maior relevância uma

vez que a sociedade brasileira ainda émarcada pela exclusão tanto econômicaquanto social de grande parte de sua po-pulação. Sabe-se, por exemplo, que ne-gros e indígenas estão excluídos dasesferas de poder. A conclusão do Relató-rio de Desenvolvimento Humano doPNUD é ilustrativa: “quanto mais seavança rumo ao topo das hierarquias depoder, mais a sociedade brasileira se tornabranca”3. Há estudos que mostram, nessesentido, que os negros estão sobrerrepre-sentados nos nichos profissionais menosvalorizados, ao passo que estão sub-re-presentados em ocupações mais valoriza-das pela sociedade.4

Essa desigualdade também tem umadimensão política e está presente nos es-paços de poder onde são tomadas deci-

N

1. Comissão n° 0006755-50.2012.2.00.0000 (relator Jorge Helio). Este artigo sistematiza os argumentos e dados levados ao CNJ por meio demanifestação da Conectas Direitos Humanos em resposta a pedido do conselheiro relator.

2. Processo nº 0006940-88.2012.2.00.0000, de relatoria do Conselheiro Jefferson Luis Kravchychyn.3. Relatório de Desenvolvimento Humano - Brasil 2005. Racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,

p. 52.4. Anual das Desigualdades Raciais 2007-2008. Org: Marcelo Paixão e Luiz M. Carvano. Rio de Janeiro: Garamond, 2008, p.148.5. Maria Tereza Sadek (coordenação). Associação dos Magistrados Brasileiros. Magistrados brasileiros: caracterização e opiniões, 2005, p. 8. 6. Frederico Normanha Ribeiro de Almeida. A nobreza togada: as elites jurídicas e a política de justiça no Brasil. Tese de doutorado apresentada

na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 211.

Ë Flávia Annenberg, Advogada do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos

Ë Rodnei Jericó da Silva, Advogado do Geledés – Instituto da Mulher Negra

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JULHO/2013 l CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social l UMA PUBLICAÇÃO DA JusDh l 7

As estratégias de incidência sobre o Poder Judiciário

danos causados a fumantes e familia-res. Nestas últimas, a maioria das de-cisões não tem sido favoráveis aosautores, o que é curioso diante do con-senso internacional de que o taba-gismo é o principal fator de risco paradiversos tipos de doenças, como ocâncer de pulmão, e a principal causade mortes evitáveis no mundo. A indústria, por sua vez, estrategi-

camente divulga números para inibirconsumidores e advogados de ir à Jus-tiça buscar a devida reparação pelosdanos à saúde que o consumo do seuproduto causa. Segundo dados daSouza Cruz divulgados pela revistaVEJA2 (jan/2013), “desde 1996,quando o primeiro processo destetipo foi julgado 442 decisões definiti-vas já foram dadas. Os ex-fumantesperderam todas para a Souza Cruz”.Os patrocínios a eventos jurídi-

cos, portanto, não decorrem da be-nevolência da indústria do tabaco

Supremo Tribunal Federalreconheceu a validade da Re-solução 170/2013, do Con-

selho Nacional de Justiça, queregulamenta a participação de magis-trados em eventos jurídicos, culturaise similares, limitando o financia-mento destes eventos por empresasprivadas, e proibindo magistrados dereceber prêmios e afins de pessoas fí-sicas, entidades públicas ou privadas. Esta resolução representa um freio

na tentativa de interferência indevidano Poder Judiciário por empresas, emsua maioria litigantes habituais. É ocaso da indústria do tabaco, que tempatrocinado sistematicamente referi-dos eventos, além de atuar em todosos poderes para retardar ou impedir aimplementação de políticas públicasde controle do tabagismo, orientadaspela Convenção Quadro para o Con-trole do Tabaco1.No Judiciário, o instrumento uti-

lizado para tanto é a judicialização,por parte da indústria do tabaco e deseus aliados, de todas as políticas pú-blicas consideradas efetivas para re-dução dos danos do tabagismo, comoas restrições à publicidade e as leis an-tifumo. Assim, está nas mãos de ma-gistrados a última palavra sobre avalidade dessas políticas de saúde. O Judiciário também dará a última

palavra nas ações judiciais em que a in-dústria do tabaco é ré, movidas peloMinistério Público e fumicultores, enas ações de responsabilidade civil por

O

Ë Adriana CarvalhoCoordenadora Jurídica da Aliança de Controle do Tabagismo

1. Diante do consenso internacional sobre os malefícios da produção, consumo, exposição à fumaça do tabaco, mais de 170 países (como oBrasil – Dec. 5.658/2006) já ratificaram a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, tratado internacional que prevê uma série de medi-das com o objetivo de reduzir a demanda pelos produtos de tabaco, inibir a iniciação e ampliar a cessação. São medidas de saúde pública,que devem ser adotadas pelos países signatários.

2. http://veja.abril.com.br/blog/radar-on-line/diversos/souza-cruz-442-x-0-fumantes/3. Conforme definição do artigo 1º da Convenção Quadro, item (e) "indústria do tabaco" é o conjunto de fabricantes, distribuidores atacadistas

e importadores de produtos de tabaco.

para fomentar discussões jurídicascaras à sociedade. Na realidade,visam à legitimação desta indústriapara, por uma via indireta, potencia-lizar seus interesses comerciais emações judiciais. Despreza-se o fato deque seu produto mata no Brasil cercade 130 mil fumantes por ano, e 7pessoas por dia pelo fumo passivo, eque recolhem em tributos 3 vezesmenos do que se gasta com trata-mento de somente 15, das doençastabaco relacionadas.Para proteger as medidas previstas

na Convenção Quadro contra a forçae a capacidade de interferência da in-dústria do tabaco3, o próprio tratadoalerta ser necessário manter a vigilân-cia ante qualquer tentativa de minarou desvirtuar as atividades de con-trole do tabaco (Preâmbulo e artigo5.3). O tratado e a Resolução doCNJ estão, portanto, em harmonia.Em sentido contrário, as vitórias

judiciais da Souza Cruz – em 100%dos processos, frise-se – são exemplosde uma certa captura e hegemoniza-ção da via judicial pelo poder corpo-rativo das empresas. Esta tristerealidade indica um esgotamento davia judicial no que se refere à efetiva-ção dos direitos à saúde em temáticaantitabagista, colocando o desafio e aurgência de uma ação estratégica vol-tada para transformação estrutural edemocrática da Justiça. Neste cenário,a Resolução do CNJ aparece como oinício de um longo caminho.

Page 8: Ano 4 l l Julho 2013 Étempo de Índiceterradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2013/08... · truirmos um sistema de justiça que esteja a serviço e compromissado com a efe-tivação

Carta do II Seminário da JusDh: O Potencial Democrático dos Direitos Humanos para a Política Pública de Justiça

impacto da intervenção do sis-tema de justiça avança sobre osdireitos humanos, ora apon-

tando para a sua efetivação, ora agravando ereproduzindo padrões históricos, institucio-nais e culturais de violação. Verificar esta ten-dência se tornou algo cotidiano no Brasil.Identificar, no entanto, a sua complexidadepolítica, e compreender sua lógica de fun-cionamento, com vistas à construção de aná-lises, estratégias e ações que apontem para ademocratização da justiça, retirando-a desuas bases oligárquicas e reivindicando a suaresponsabilidade com a garantia, defesa epromoção dos direitos humanos, é desafiolatente na agenda política de justiça em nossopaís.Esta foi a análise que provocou e moti-

vou a nossa reunião de entidades que atuamcom litigância em diversos temas de direitoshumanos, movimentos sociais, organizaçõespolíticas, associações e agentes da justiça comagenda democrática, professores e pesquisa-dores ligados à academia, e assessoria jurí-dica popular universitária, para debater ocenário e as perspectivas do controle social eda política pública de justiça no Brasil, e dis-cutir o potencial democrático dos direitoshumanos para a realização da justiça.A avaliação acerca da distância entre a

forma e o conteúdo do sistema de justiça quepossuímos, e aquele que precisamos e pode-mos conquistar, deve nortear o debate sobrea justiça. Ilustrativo do problema é o fato deque quase a totalidade dos casos brasileiroslevados ao Sistema Interamericano de Direi-tos Humanos tem fundamento na negaçãodo acesso ou da efetivação da justiça. Poroutro lado, algumas experiências e alternati-vas ainda isoladas no Brasil e América Latinavêm abrindo caminho para a reflexão sobre

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Realização: JusDh – Articulação Justiça e Direitos Humanos • Produção de Con-teúdo: Érika Lula de Medeiros e Antonio Escrivão Filho • Jornalista Responsável: Ednubia Ghisi (Mtb 8997/PR) • Projeto Gráfico: Saulo Kozel Teixeira • Diagramaçãoe editoração: SK Editora Ltda. • Apoio Institucional: Fundação Ford • Disponível emwww.jusdh.org.br

as possibilidades democráticas de gestão e ju-risdição implicadas na efetivação dos direitoshumanos. Superar mitos, dogmas e preconceitos

ainda se apresenta como tarefa prioritária nocenário da justiça brasileira. Neste sentido,cresce a importância do debate, monitora-mento e incidência na agenda política de jus-tiça, com o desafio de superar a viaatomizada das ações judiciais, a fim de co-nhecer e entender a lógica política da justiça,de modo a não nos limitarmos a “delegar”esta dimensão política às carreiras públicasdo sistema de justiça, sem qualquer contra-peso, participação ou controle social demo-crático e responsável. Neste sentido, há que se provocar a

construção de uma participação e controlesocial que não interfiram, mas ao contráriopotencializem a autonomia e independênciado sistema de justiça brasileiro, fortalecendo-o em relação ao controle vertical interno,exercido pelas cúpulas das instituições da jus-tiça, bem como em relação à influência ex-terna do poder econômico, que hegemonizaa prestação jurisdicional, frequentemente tra-duzindo-se em negação de direitos econô-micos, sociais, étnicos, individuais eculturais. Identifica-se, portanto, a necessidade de

participação da sociedade civil no interior dosistema de justiça, através de mecanismostransparência e participação social na gestãoe administração da justiça enquanto políticapública, condição para efetiva realização demudanças no âmbito da justiça brasileira. Àrevelia da resistência das suas instituições aestas transformações democráticas, com-preende-se que a instauração de ouvidoriasexternas constitui importante mecanismo deacesso e democratização da justiça, consti-

tuindo-se como canal de interlocução para aincorporação do conteúdo dos direitos hu-manos na cultura institucional, e comoaliado na distribuição horizontal do poderinterno.Outro elemento relevante para o debate

da democratização da justiça é o ingresso nascarreiras jurídicas. O processo seletivo temsido óbice à democratização no que diz res-peito ao perfil dos agentes do sistema de jus-tiça, na medida em que não garante umapluralidade conforme a diversidade de nossasociedade. O atual processo seletivo insere nasinstituições de justiça um perfil elitizado dejuristas e não assegura que o compromissocom os direitos humanos seja um critério deseleção. Essas são questões que precisam ser con-

sideradas desafios a serem enfrentados a fimde garantirmos um sistema de justiça demo-crático e que está a serviço do povo brasi-leiro. A necessidade de repensarmos asestruturas e a cultura institucional do sistemade justiça apresenta-se de forma latente, rei-vindicando a efetivação de direitos humanosatravés de uma justiça mais inclusiva, plurale aberta ao diálogo com a sociedade.

Brasília, 8 e 9 de maio de 2013

SBN Quadra 2 l Bloco J l Edifício Eng. Paulo Maurício Sampaio l sala 712 l CEP: 70040-095 l Brasília l DF l Fone/Fax: 61 3327 2448 l [email protected]

CADERNO Direitos Humanos, Justiça e Participação Social