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ano 3, nº 5, 1Ed. 2008 – 1/58 Artigo A construção de sentido pela proposta metodológica da análise crítica do discurso: o MST nas páginas de Veja (2003-2004) Giovandro Marcus Ferreira* Emanuella Sombra** *Doutor em Ciências da Informação e Professor na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. **Graduanda de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq. Resumo Este Trabalho está divido em três partes. Inicialmente, busca-se fazer uma exposição sobre algumas características da Análise Crítica do Discurso, ressaltando aspectos fundamentais no estabelecimento da estratégia de aná- lise, da metodologia. Em seguida, passa-se a uma apresentação da macroes- trutura títulos pela sua importância na construção do sentido do discurso da imprensa, já que tal matéria significante representando uma espécie de vitrina da notícia. Na terceira e última parte, o artigo é constituído de uma análise de título da revista Veja, que tem o MST como protagonista das notícias em questão. Palavras-chave Discurso – Análise Crítica do Discurso - Ideologia – Contextos Sociais 1 Artigo 1. Da Análise Crítica do Discurso (ACD) Há uma variedade de definição do termo discurso, assim como de abordagens que preten- dem estudar e analisar tal discurso. A ACD é uma delas que vai fazer apelo a uma série de conceitos para criar uma estratégia de análise (metodolo- gia). O ponto de partida da ACD é a relevância dada ao contexto, enquanto dimensão funda- mental. O contexto pode ser desdobrado em di- versas facetas – contextos sociais - apreendidos pelas estruturas sociais e ideológicas que organi- zam e articulam a sociedade. A ACD constrói, então, seu processo analítico tendo os seres hu- manos a partir de sua socialização, o que faz esta abordagens ser diferente de outras circunscritas sobretudo no âmbito da lingüística. A socializa- ção remete, de sua parte, que os seres humanos são socializados, formam sua subjetividade e fa-

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ano 3, nº 5, 1Ed. 2008 – 1/58

1

Artigo

A construção de sentido pela propostametodológica da análise crítica do discurso:o MST nas páginas de Veja (2003-2004)

Giovandro Marcus Ferreira*

Emanuella Sombra**

*Doutor em Ciências da Informação e Professor na Faculdade deComunicação da Universidade Federal da Bahia.

**Graduanda de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UniversidadeFederal da Bahia e bolsista de Iniciação Científica – PIBIC/CNPq.

Resumo

Este Trabalho está divido em três partes. Inicialmente, busca-se fazeruma exposição sobre algumas características da Análise Crítica do Discurso,ressaltando aspectos fundamentais no estabelecimento da estratégia de aná-lise, da metodologia. Em seguida, passa-se a uma apresentação da macroes-trutura títulos pela sua importância na construção do sentido do discurso daimprensa, já que tal matéria significante representando uma espécie devitrina da notícia. Na terceira e última parte, o artigo é constituído deuma análise de título da revista Veja, que tem o MST como protagonistadas notícias em questão.

Palavras-chaveDiscurso – Análise Crítica do Discurso - Ideologia – Contextos Sociais

1

Artigo

1. Da Análise Críticado Discurso (ACD)

Há uma variedade de definição do termodiscurso, assim como de abordagens que preten-dem estudar e analisar tal discurso. A ACD é umadelas que vai fazer apelo a uma série de conceitospara criar uma estratégia de análise (metodolo-gia). O ponto de partida da ACD é a relevânciadada ao contexto, enquanto dimensão funda-

mental. O contexto pode ser desdobrado em di-versas facetas – contextos sociais - apreendidospelas estruturas sociais e ideológicas que organi-zam e articulam a sociedade. A ACD constrói,então, seu processo analítico tendo os seres hu-manos a partir de sua socialização, o que faz estaabordagens ser diferente de outras circunscritassobretudo no âmbito da lingüística. A socializa-ção remete, de sua parte, que os seres humanossão socializados, formam sua subjetividade e fa-

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Artigo

zem uso lingüístico no interior de contextos so-ciais e culturais eivados por formas ideológicas edesigualdades sociais.1

A ACD tem como um de seus objetivoscaracterizar o papel do discurso na (re) produçãoda dominação, deixando claro sua verve política,além de almejar o reconhecimento científico. Te-óricos, como Teun van Dijk, propõem uma aná-lise de conteúdo que priorize o caráter ideológicoda notícia e suas implicações dentro do contextosocial, mais especificamente de que maneira sãoabordados temas relacionados a grupos de mino-ria na Europa. Sua investigação foca o contextodos imigrantes residentes em países europeus e quaisos critérios de noticiabilidade estão por trás dasnotícias referentes a tais grupos. Busca criar umalinha de raciocínio que, em primeiro lugar, discri-mine, denomine os sujeitos detentores da notícia:na sua análise de caso na imprensa européia, quemdetém o discurso nos veículos de comunicação sãobrancos – lê-se grupos etnicamente europeus – ede classes média e alta. Estes grupos formadoresde opinião tendem, segundo tal teórico, a umponto de vista muitas vezes elitista e parcial, crian-do estereótipos a respeito destas minorias.2

O que será trabalhado pelo viés da Análisedo Discurso, e que foi delimitado de acordo comos principais critérios de noticiabilidade do temaescolhido, compreende uma análise cronológicade matérias, notícias e reportagens da revista se-manal Veja. Estes textos devem abordar, em seutema principal, o Movimento dos Sem Terra(MST), seja noticiando fatos e acontecimentosou simplesmente trazendo a temática à mídia.

Dentre os objetivos da perspectiva de VanDijk, destaca-se o contexto da notícia, a sua ma-nipulação e legitimação em beneficio das classesdetentoras do poder da informação.

El ACD se centra específicamente em las

estratégias de manipulación, legitimizaci-

ón, creación de consenso y otros mecanis-

mos discursivos que influyen em el pen-

samiento (e indirectamente en las accio-

nes) em beneficio de los más poderosos.

(DIJK, 1997, 17).

Busca-se, nesta perspectiva, analisar a es-trutura do texto e o contexto cognitivo ou his-tórico, além das funções sociais e culturais dodiscurso. A imagem negativa das minorias é as-sociada ao uso do estilo da escrita, de palavras eexemplificações no decorrer da construção danotícia. O padrão discursivo, além disso, anco-ra-se numa já prevista representação do texto peloviés da relação enunciador-destinatário – o mo-delo mental que se constrói sobre a notícia, ocontexto em que esta notícia é inscrita e o crédi-to ou descrédito do leitor por parte do assunto.

A ideologia dos grupos que detêm a infor-mação é ponto fundamental nas propostas demetodológica da ACD. Há também que ressal-tar os modelos de situações inerentes ao receptor(representação de suas experiências pessoais) e deque forma estes modelos se constroem no de-correr da assimilação das informações adquiridas.Uma característica importante destes modelossituacionais é a construção perene de um padrãode notícia que a própria linha editorial faz ques-tão de alimentar ao longo do tempo. Isso provo-ca no receptor uma sensação de familiaridade coma ideologia predominante da mídia a qual temacesso. Em cima dessa familiaridade, por conse-guinte, alimenta uma opinião particular acercado que lê, o que, em linhas gerais, é fruto dopróprio direcionamento ao qual foi submetido.A mídia constrói gradativamente tais juízos deforma indireta e estrutural, visto que os juízos eopiniões são algo implícito no inconsciente doemissor. Porém, mesmo que este leitor estejaabsorvendo informação partida de determinadojornal, nem sempre compactuará com a opinião

1 O, Emília Ribeiro (org.), Análise Criticado Discurso, Lisboa, Editorial Caminho, 1997.2 DIJK, T. van, Racismo y analisis critico de los médios, Barcelona, Paidos Comunicación, 1997.

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Artigo

tácita no texto, e isso tem a ver com pontos devista ou julgamentos particulares anteriores, ruí-dos ou acesso a outros tipos de opinião.

A transformação de crenças e conhecimen-tos em juízos de valor, por parte do sujeito emis-sor da notícia, é um dos critérios mais importan-tes a se estudar dentro desta perspectiva. É im-portante, além disso, ressaltar a relação existenteentre dos dois extremos nos mass media – emis-sor e receptor – e de que forma ambos atuam na(re) produção de ideologias através da posiciona-mento dos sujeitos discursivos enunciador-des-tinatário.

...las maneras em que los fabricantes de la

noticia y los lectores representan efectiva-

mente los acontecimientos informativos,

escriben o leen los textos periodísticos,

procesan diferentes textos fuente o parti-

cipan em los hechos de comunicación.

Sin uma explicación detallada tanto de

las estructuras textuales como del proce-

samiento cognitivo, no nos será posible

explicar cómo se hace realmente la noti-

cia, a qué responden sus estructuras ca-

racterísticas o qué hacen los lectores con la

información que obtienen del periódico”

(DIJK ,1997, p 250).

Prioriza, na Análise Crítica do Discurso,tanto a estrutura da notícia quanto as implica-ções sociais no surgimento das ideologias de seusemissores. Estas ideologias podem se manifestarde diversas formas, e dependem:

• das propriedades gerais do discurso jor-nalístico (estilo gramatical)

• das propriedades referentes aos disposi-tivos de atenuação ou reforço dos fatosatravés de jogos de linguagem (uso deforma passiva e forma ativa)

• do uso de termos que carregam idéias de-preciativas.

Todos estes aspectos, longe de comporapenas o universo lingüístico de como a notícia éproduzida, podem representar as diversas formasde como a ideologia tem um papel na constru-ção de macroestrutura do discurso em questão (anotícia) como, por exemplo, os títulos. A ma-croestrutura é quem regula o caráter da notícia,uma espécie de chave de leitura em relação à no-tícia em geral e ao artigo em particular.

2. Títulos: uma macroestrutu-ra que se referenda comovitrina da notícia

Para articular a importância dos títulos emrelação à construção do sentido da notícia, fare-mos apelo à produção de Maurice Mouillaud,mesmo sabendo que esse teórico não se inscreveno âmbito dos teóricos da ACD. Porém, ele nosoferece de elementos que poderão nos ajudar nacaracterização desta matéria signifiante (títulos)na articulação do sentido no interior da notícia,servindo como base de nossas análises na parteposterior deste artigo. O título maior do jornal éseu próprio nome, que irá de antimão, “semanti-zar” os diversos conteúdos no interior de suaspáginas. O nome do jornal se caracteriza comoum envelope que abarcar todos outros enuncia-dos, assegurando a coerência e a continuidade dosenunciados à maneira de uma pressuposição.3

O título, ver-se-á, é um sistema a dois

enunciados, um enunciado que diz res-

peito à informação, coberto por um

enunciado de referência; este está para o

primeiro como um pressuposto que re-

mete a um saber já constituído. Nesta

perspectiva, o nome-de-jornal é um

enunciado de referência, é entre o enun-

ciado que diz respeito à informação e o

enunciado de referência, no interior de

cada título, que se produz um hiato: o

3 - MOUILLAUD, Maurice: O jornal da forma ao sentido/Maurice Mouillaud e Sergio Dayrell Porto (org.) Brasília, Paparelo 15, 1997.

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corte não está mais situado entre o nome

do jornal e todos os seus outros enunci-

ados, o corte se dá entre os enunciados

que dizem respeito à informação e os

enunciados de referência (entre os quais

se encontra o nome do jornal)” (MOU-

ILLAUD, 1997, p. 91-92).

Mouillaud constrói uma idéia de títuloscomo sendo eles, dentre outras funções, os res-ponsáveis pela primeira percepção do leitor dojornal, uma região-chave articuladora e articula-da no veículo. Sendo, para ele, o título, a abóba-da do dispositivo completo do jornal, e concor-da com a idéia de que a sua função não é mera-mente expositiva, mas a “inscrição do jornal porexcelência”.

A diferença primeira entre os tipos de tí-tulos corresponde a um dos pontos que delimi-tará esta pesquisa:

Brasil

PT NO DIVÃDisputa pelo comando do partido faz

secretário-geral, Sílvio Pereira, recomendarque insatisfeitos deixem o governoGenoino ameaça mostrar deslizes

da esquerda

Em primeiro lugar, há uma característicabásica nos títulos temporários que subscrevem anotícia: não são autônomos, ou seja, não podemvir desacompanhados de um título informacio-nal. Estes títulos, também chamados de títulosanafóricos, excedem a duração cotidiana e exi-gem um saber latente do leitor a respeito da te-mática. São criados pelo jornal num dado perío-do em que a mesma notícia se desdobra em acon-tecimentos ou fatos sucessivos (no exemplo reti-rado da Folha de São Paulo ( edição nacional, 25de abril de 2005) corresponde ao enunciado “PTno divã”. O título anafórico é uma anunciação

prévia sobre qual assunto o jornal está falando, epode vir acompanhado de um artigo definido:“O escândalo Jefferson”, “O caso Michael Jack-son”. Difere-se dos títulos referência, comumen-te correntes em forma de “Brasil” (como é o casodo exemplo acima), “Economia e negócios”, “Po-lítica”, “Cultura”, etc.

O título anafórico normalmente deve suaexistência a um acontecimento temporário, quese transforma igualmente em pauta temporária,como foi dito. Aqui merecerá pouca atenção. Ésobre os títulos informacionais que se debruçarámais agudamente o ímpeto desta pesquisa, sobre-tudo porque é nesta gama que se encaixa a manei-ra como Veja constrói o MST nas suas páginas.

No exemplo usado, o título informacio-nal seria “Genoino ameaça mostrar deslizes daesquerda”, e traz expressa uma idéia clara de tem-po, relacionada à característica factual do aconte-cimento. Os títulos informacionais subdividem-se em três unidades temporais a se saber – passa-do, presente e futuro – que são ou não possíveisde ser recorridas. O passado dentro do campo danotícia, como algo que aconteceu, está fechado arecorrências, enquanto que o futuro, aberto àsorientações do jornal dentro do seu curso de umamesma temática. Esta dessimetria, como deno-mina Mouillaud, implica na premissa de que aconstrução cronológica se dá nos títulos numcurso para o futuro, largando sempre a existênciaanterior. O artigo, uma exceção dentro deste pro-cesso cronológico, não incorpora a marca tem-poral, além de apagar o próprio processo verbalda notícia.

O título informacional (que é o enunci-

ado específico do número) aparece como

um momento entre duas enunciações

opostas: em sua base, a narrativa históri-

ca (que é o limite do artigo, um limite

que nunca está completamente atualiza-

do); e, em seu topo, uma classificação. A

informação se produz na suspensão da

narrativa. Caso se considerem os proces-

sos na ordem de sua produção, o título

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Artigo

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informacional representa o momento

inicial, isto é, o ato presente; a presença

que se fecha em duas direções opostas:

de um lado, a narrativa encadeia o tem-

po, seqüência a seqüência; de outro, uma

lista de classes fecha o presente de cada

um dos números. Os títulos informacio-

nais, tão logo produzidos, alimentam

paradigmas em que se suprimem. Não

podem, corretamente falando, ser con-

servados. Reproduzem-se, mas em um

outro título, em um outro número. O

título informacional vive, apenas, de sua

incessante metamorfose”. (MOUI-

LLAUD, 1997, p. 115-116).

Partindo desta configuração sobre os títu-los jornalísticos, conclui-se que estes, por exce-lência, possuem características básicas quandoassumem esta posição de primeira leitura nas pá-ginas de um mass media:

• Matriz para a compreensão do discursodo meio de comunicação como relatoda atualidade.

• Detentor de marcas de identidade den-tro do texto.

• Representação, síntese e macro-estruturado acontecimento.

• Unidade principal do texto jornalístico.

Partindo à temática que se pretende anali-sar, a primeira preocupação (ou a mais pertinente)seria encontrar, dentro do contexto nacional, umaabordagem midiática que possibilitasse um estu-do metodologicamente compatível com os obje-tivos e finalidades da ACD. Haveria que se levarem conta as particularidades de cada caso, princi-palmente no que se refere ao tipo de minoria estu-dado: não haveria como encontrar casos situacio-nalmente semelhantes aos europeus no Brasil, jáque os teóricos da ACD tem se dedicato ao estu-do de produtos mediáticos inseridos no contextoeuropeu . Chegou-se à conclusão de que, maisimportante que estas semelhanças situacionais,poderia-se encontrar um ponto em comum no

que diz respeito a semelhanças sociais e políticasna construção discursiva da notícia.

3. A construção do MST nostítulos da revista Veja

A partir de então, surgiu a idéia de se fazeruma análise cronológica de matérias, notícias oureportagens da revista semanal Veja que abordas-sem, em seu tema principal, o Movimento dosSem Terra (MST), seja noticiando fatos e acon-tecimentos ou simplesmente trazendo à voga estatemática. Este objeto foi escolhido com o argu-mento primeiro de que possibilitaria um vastoestudo acerca da abordagem discursiva do veícu-lo em questão, bem como do distanciamento do“imparcial” em prol de uma linha ideologicamen-te construída.

A triagem do material do estudo consistiuem um arquivamento das notícias através do dis-positivo On Line de Veja, que disponibiliza estematerial a usuários de internet. A revista dá aoleitor, através do seu site, a possibilidade de con-sultar arquivos integralmente do ano de 1997 até2005, sendo possível ter acesso a qualquer textotrate ou se refira ao MST dentro deste período.

Procurou-se estabelecer um ponto de par-tida para o corpus da análise, determinado, igual-mente, um limite cronológico para o mesmo.Priorizou-se delimitá-lo dentro de um contextopolítico no qual a revista manifestasse claramen-te sua linha editorial. Surgiu, desta forma, a opor-tunidade de se analisar dois anos de Governo Lula(2003 e 2004) nos quais o MST possivelmenteganharia mais ênfase dentro do contexto socialnacional. A escolha dos anos de 2003 e 2004,excluindo o ano de 2005, já que o levantamentodessa pesquisa se desenvolve no segundo semes-tre de 2005. A triagem cronológica do material,partindo desta delimitação, encontrou o seguin-te panorama nas “páginas” de Veja: Tabela 1 napróxima página.

5

Artigo

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As matérias de caráter “irrelevante” foramaquelas correspondentes a entrevistas, cartas, aspasou até mesmo textos que apenas fizessem referên-cia ao MST sem que houvesse uma realidade con-textual sobre o Movimento (exemplo de notas noeditorial Gente e críticas de cultura). Tais matériaspouco ou nada contribuiriam neste estudo, poisnão traziam diretamente indícios sobre a linhaeditorial da revista. A última categoria, de “notíci-as que simplesmente se referiam ao MST”, cor-respondia a textos que não tratavam exclusivamen-te do tema, mas que se referiam, citavam ou acres-centavam informações sobre o mesmo. Normal-mente estas notícias correspondiam aos editoriaisde Política, Economia e Negócios e Brasil. Para aabordagem que segue, embora se tratassem dematerial relevante por emitirem juízos, não foca-vam o assunto no corpo do texto, e analisar taiscasos, de acordo com o que se propõe, não trariaresultados mais diretos.

Por fim, chegou-se à conclusão de que asnotícias a serem analisadas – que se transformari-am no corpus da pesquisa – seriam aquelas queabordassem, logo no título e na chamada, oMovimento dos Sem Terra. Tais notícias seriamas denominadas no quadro da página anteriorcomo de caráter “relevante”.

A metodologia da análise busca, por fim,realizar um estudo crítico que parta exclusivamen-te dos títulos, e que investigue o caráter ideoló-

gico que marca a abordagem do Movimento dosSem Terra nas páginas de Veja: de que maneiraeste veículo de comunicação expõe o tema e seposiciona diante do leitor. Pretende-se, sobretu-do, problematizar este posicionamento dentro deum contexto que deveria prezar pela busca daimparcialidade, empregando a ACD como fer-ramenta de observação e mecanismo para análi-ses conclusivas.

Numa análise primeira percebe-se que háum posicionamento similar no que se refere àsmatérias. Normalmente seguem uma linha edito-rial nítida, sendo reconhecível ainda no título dotexto. No que diz respeito à abordagem de con-teúdo pela revista, há dois desdobramentos cor-rentes: o primeiro trata propriamente da questãodo MST e sua implicação no contexto agrário dopaís. O segundo evidencia a figura de líderes domovimento ou o posicionamento do PresidenteLula diante da questão político-social em ques-tão. Há, portanto, duas constantes no seu critériode noticiabilidade: o movimento, o grupo social;e o personagem deste grupo – ou autoridade en-volvida direta ou indiretamente no fato.

4. Enunciador e Destinatário:Nós e Eles

A revista Veja corrobora concepções finca-das a receptores presumidos, tratando-os como

6

Artigo

1. NotíciasIrrelevantes

Primeiro semestre:7 notíciasSegundo semestre:19 notícias

Primeiro semestre:12 notíciasSegundo semestre:5 notícias

2. NotíciasRelevantes

Primeiro semestre:3 notíciasSegundo semestre:6 notícias

Primeiro semestre:4 notíciasSegundo semestre:5 notícias

3. Notícias que sereferiam ao MST

Primeiro semestre:12 notíciasSegundo semestre:14 notícias

Primeiro semestre:8 notíciasSegundo semestre:6 notícias

2003

2004

Tabela 1

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cúmplices de uma opinião similar. Trata seu pú-blico alvo como Nós – o afim com quem podecompartilhar juízos –, enquanto dá ao concomi-tante a pré-concepção do que vem relatar. O con-trataste ou a antítese do olhar é caracterizada comoEles, no papel ora retrógrado, ora marginal, orarebelde, ora insurreto. Observou-se títulos dematérias no período de dois anos, pretendendorestringir-se ao que seria a apresentação primeirada informação dentro nas páginas da revista.

Levanta-se aqui a hipótese de que a cons-trução midiática acerca dos grupos minoritários ecom visões diferentes sobre a realidade, no caso oMST, está eivada de uma relação social na qualalguns grupos detentores da informação são per-tencentes às classes ideológico-sociais hegemôni-cas (Nós) que por tal se distinguem destes gruposde minoria (Eles). Tratam-se de líderes de opiniãofincados em ideologias conservadoras que, por tal,abordam a chamada “esquerda” através de umaideologia nítida e estanque. Há, aqui, claramente,a disposição de Veja em tratar esta minoria segun-do padrões ideológicos pré-estabelecidos.

Um caso particular manifesta claramentea disposição de papéis que Aidar explica. Trata-sedo editorial de 2 de julho de 2003, intitulado“Veja avisou”, no qual a revista posiciona-se comotutora do seu público.

Carta ao leitor

VEJA avisou

O título e o subtítulo, intercalados pelaimagem, posicionam-se dialogando com um pú-blico que, supostamente, foi avisado, alertado, e

7

Artigo

que agora tem as provas de uma situação para aqual parece ter sido prevenido o tempo todo. Maisque isso, Veja assume claramente o distanciamen-to para com Eles. Isso talvez nos aponte para asmarcas de uma linha editorial que pretende esta-belecer esse distanciamento porque julga distintosos sujeitos (emissor e receptor) e se diferencia da-quele do qual fala, seja socialmente ou ideologica-mente. Estabelece-se, aqui, o perfil de um veículocomposto por uma elite que dialoga com seus parese de uma imprensa que trata homogeneamente osacontecimentos referentes a esta minoria específi-ca. Tanto pelo encabeçamento da carta ao leitor,que qualifica o sujeito pelo “modo como diz”,como pela totalidade de seus títulos, que apon-tam para uma mesma perspectiva do sujeito noti-ciado, há claro um tipo preferencial de aborda-gem que se prolonga por suas edições.

Há traços explícitos do uso de termos parapontuar a opinião na matéria. O próprio verbo“avisar” já transmite, como vimos, a idéia de con-selho, de alerta, cautela. Mais abaixo, no subtí-tulo, a confirmação de que Veja realmente avisa-ra seu público: as capas elucidadas comprovamsua afirmação, num joguete de imagens e pala-vras que caminham para um nítido direciona-mento de pensamento. O uso de determinadostermos completam a mensagem: o próprio “avi-sar”, e, mais adiante, “abusos” exemplificam atendência editorial. Ao tratar o assunto delegan-do ao Outro a responsabilidade por tais “abu-sos”, mais uma vez a revista deixa claro quem é ovilão da história, passando-se ilesa das responsa-bilidades diante do fato.

Outros exemplos também adiantam comotermos específicos podem pontuar a opinião doemissor, e de que forma Veja usa estes termos:

Exemplo 1:

O Brasil da solução...... e o Brasil do problemaEnquanto o agronegócio distribui riqueza,

o MST defende a distribuição da miséria

Capas de VEJA sobre o MST, suas táticas e seus líderes:há dezoito anos, a revista trata do assunto e sempre alertoupara os abusos

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Artigo

Exemplo 2:

O abril sem lei do MSTOs sem-terra voltam a agitar o campo,

mas contam com um duplo auxílio do governo

Exemplo 3:

O MST ataca o Brasilque dá certoInvasões de fazendas produtivas assustam

investidores e atrapalham a geração de novos

empregos no país

As propriedades que cada vocábulo poten-cialmente confere ao texto jornalístico são co-nhecidas na ACD, haja vista casos apontados porVan Dijk dessas ocorrências na imprensa da Eu-ropa. Não correspondem a palavras aleatóriasdentro do discurso, e por mais que até certo pontosejam produzidas involuntariamente, carregamimplícitas conotações valorativas.

No primeiro exemplo, entendemos “so-lução” e “problema” como vocábulos confron-tados numa única oração que, por justamenteaparecerem dispostos, impregnam em cada su-jeito um adjetivo oposto: ao MST, a parte pro-blemática da condição agrária do país. À expan-são do agronegócio, o caráter impulsionador daeconomia nacional. Fazendo isso, o título aca-ba sugerindo uma idéia maniqueísta que se es-tabelece na primeira leitura da revista, na leiturasuperficial do título.

No segundo caso o substantivo “lei” de-marca bem o contexto no qual estamos inseri-dos, enquanto “sem lei” marginaliza o sujeito daação. Um grupo ou indivíduo que esteja fora dalei é prontamente discriminado segundo esta ló-gica de raciocínio.

Os verbos “atacar”, “assustam” e “atrapa-lham” resumem ainda mais esta utilização devocábulos específicos em prol de um sentidoprontamente direcionado da informação. Reafir-mando, são construídos inconscientemente no

lugar de enunciação da revista, mas de qualquerforma resultam no direcionamento imparcial danotícia. “O Brasil que dá certo” não é mais que oBrasil do qual Nós (Veja e seu leitor) fazem par-te, ameaçado pelo inimigo que ameaça o cresci-mento e provoca a baderna.

Há inclusive casos em que a abordagemtendenciosa abre espaço a comparações maisagressivas, nas quais o uso de aspas chama paratermos de assumidamente inadequados. Veja pre-tende com isso deixar claro que a sua distorçãode significados tem razão de ser: A revista nãoassume tanto o papel de quem pretende aconse-lhar, o papel que nos casos anteriores era clara-mente pedagógico, mas agora resolve intimidarseu leitor:

Stedile declara guerraDiante de um pôster de Che Guevara,

o chefão do MST convoca seu “exército”

para “acabar” com os “latifundiários”

E o faz, obviamente, comparando o mo-vimento a um exército pronto para o ataque, sejamencionando líderes esquerdistas conhecidamen-te temidos pela classe conservadora, seja usandovocabulário informal para acentuar sua acusação.Outro exemplo de comparações com a guerraou a rebelião está na matéria publicada na ediçãode 21 abril de 2004:

Como na guerraOs sem-terra continuam agitando

o campo, e o governo lança um pacote

para acalmá-los

A relação entre Nós e Eles fica clara parti-cularmente quando Veja chama para perto de sio leitor, arrastando-o como partidário da mesmaopinião sua, ou melhor, coagindo-o a se posicio-nar no mesmo lado seu:

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Madraçais do MSTAssim como os internatos muçulmanos,

as escolas dos sem-terra ensinam o ódio

e instigam a revolução. Os infiéis, no caso,

somos todos nós

O “todos nós” inclui, obviamente, a revistae seus leitores. A presunção de enquadrá-los nocontexto da mesma opinião que o emissor é umatática da imprensa comumente debatida pela Aná-lise do Discurso. O fazendo, o emissor provocajustamente essa proximidade que é tão importan-te na construção de valores e na aproximação como público. É como se ambos – enunciador e desti-natário – se igualassem, tornando possível a iden-tificação do consumidor com a linha editorial doproduto informacional que adquire.

Considerações Finais

Não seria redundante defender, portanto,que Veja constrói sua argumentação ideológicajustamente a partir desta concepção macroestru-tural sobre o Nós e o Eles, a partir de um posici-onamento que se mostra presunçoso no sentidode antever a opinião do seu leitor e de se mostrarpartidário a este, cúmplice de uma ideologia ouponto de vista.

Ao mesmo tempo, Veja constrói, igual-mente, uma relação pedagógica com seus leito-res, pois diante desta relação de cúmplices, com-preende que deve assumir o papel de tutora, pos-suidora de uma opinião superior, que alerta eorienta a quem destina seu discurso. Tal realida-de não é ímpar dentro de um contexto social maisamplo e complexo, trata-se de um perfil particu-lar de um caso particular, mas que traz tantas ge-neralidades quanto se possa imaginar.

A Análise Crítica do Discurso admite se-rem os textos jornalísticos impassíveis de impar-cialidade por compreenderem microestruturassociais que refletem contextos político-ideológi-cas mais complexas. A construção discursiva ten-

de a incorporar papéis, seja por suas opiniões par-ticulares, seja pelas crenças ao qual é subjugado,seja até mesmo pelas implicações que uma opi-nião diferente pudesse implicar. A revista Veja éum exemplo que campeia no panorama mediá-tico, que tem reproduzido, de maneira explícitae buscado compartilhar uma visão bipolar e ma-niqueísta acerca da realidade brasileira, tendo oMST como protagonista.

Ao nível metodológico, resta saber comoa ACD poderá ser repensada a partir de algumascaracterísticas do discurso da imprensa sua con-tribuição analítica: Se a imagem se torna cada vezmais importante no discurso mediático em gerale no discurso da imprensa em particular, comopoderemos enriquecer a ACD para que ela nãofique estacionada no material verbal, deixandode lado matérias significantes fundamentais naconstrução de sentido do discurso da imprensacomo a diagramação, a fotografia e demais ilus-trações? Será que o retorno do conceito de ideo-logia, trazido com pedra fundamental da ACD,oferece a essa metodologia um processo analíti-co consistente em termos científicos, ou as análi-ses podem se deslizar para o leito dos apelos po-líticos, deixando sob as sombras do engajamen-to o rigor exigido de todo e qualquer métodoque pretende ser científico? A ACD sob a égidedo apelo político não estaria recuando em rela-ção a outras abordagens discursivas onde perce-be-se uma certa evolução no manejo e análise dasdiferentes matérias significantes? Será que a ACDpode representar um olhar progressista no queconcerne à política e um retrocesso no que con-cerne ao estado da arte do estudo do discurso?Essas são algumas questões que gostaríamos delevantar para o debate, como também, para nu-trir futuras pesquisas relacionadas ao domínio daAnálise do Discurso.

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MOUILLAUD, Maurice: O jornal da forma ao sentido/Maurice Mouillaud e SergioDayrell Porto (org.) Brasília, Paparelo 15, 1997.

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O fotográfico: a fotografia observada apartir da semiologia barthesiana

Rodrigo Fontanari*

*Publicitário e Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação eSemiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Resumo

O presente artigo ensaia a sua órbita em torno das imagens fotográficasveiculadas nos mais diversos meios de comunicação de massa. Ancorado nahistória da fotografia bem como na semiologia barthesiana, sobretudo, ins-pirado na leitura atenta de um dos capítulos fulgurantes de Mitologias, AGrande Família dos Homens, buscamos analisar a importância dessas ima-gens na construção do imaginário de uma cultura.

Palavras-chaveFotografia; Semiologia e Meios de comunicação de massa.

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Introdução

“A Grande Família dos Homens”(Barthes)

Em algum momento da década de 1950, Ro-land Barthes visita, em Paris, uma exposição defotografias pomposamente intitulada A GrandeFamília dos Homens. Logo percebe o intuito sub-terrâneo do fotógrafo: “mostrar a universalidadedos gestos humanos na vida cotidiana de todo omundo nascimento, morte, trabalho”. Tal intui-to, segundo o autor, tem a finalidade de “igualartodas as diferenças, impondo, por toda parte, osmesmos comportamentos”.

Nasce daí um dos mais corrosivos capítulosde Mitologias, a que o semiólogo dá, ironica-mente, o mesmo título da exposição: A grande

família dos homens. Barthes elabora à vista arma-da uma crítica às imposturas das imagens foto-gráficas. É com esse mesmo espírito crítico queolharemos para as fotografias e as imagens queos meios de comunicação brasileiros têm veicu-lado, que não são senão imagens que reforçam econtinuam a propagar essa mesma falsa grandefamília dos homens.

Façamos uma pequena viagem pela históriada invenção da fotografia. Ela surge por volta de1839. Desse período em diante somente ocor-reu o crescimento e o aprimoramento técnico nasofisticação das formas de registros humanos.Antes da invenção da fotografia não havia outraforma de registro, documentação e representa-ção dos gestos humanos, aqueles mesmos enfo-cados na exposição de que nos falava Barthes, quenão fosse por meio da pintura e da escultura, vale

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dizer, da arte. Como objetos únicos, a pintura ea escultura não favoreciam a reprodução e a có-pia. Foi realmente o nascimento da fotografia quetrouxe não só a possibilidade de contemplaçãodo mundo por meio de imagens, mas também,e com excesso, a possibilidade de reproduzir ima-gens que se tornaram por excelência superfíciesde superficialidades.

A era da reprodutibilidadetécnica

Walter Benjamin (1987) sinaliza, com pro-priedade, em seu ensaio clássico intitulado A obrade arte na era da reprodutibilidade técnica, a que-bra da “aura” que cercava a obra de arte. Comisso, essa obra de arte subordinou-se ao merca-do, ao consumo ligando-se diretamente à repro-dutibilidade. Ou seja, com a reprodução dosobjetos em centenas, milhares e milhões, que-bra-se a “aura” mística do objeto único, “apariçãopróxima de algo distante” (1987, p.129). Essaquebra é marcada pela busca da democratizaçãoda cultura. A partir de então, as tecnologias dacomunicação provocaram uma transformaçãoimensa na forma de produção e consumo da arte.Essa transformação é marcada pela democratiza-ção da cultura1 pelo capitalismo, uma vez queeste transforma os bens culturais em objeto deprodução industrial. Esse fenômeno é bem ob-servado na distribuição em massa de discos, fil-mes e impressos que invadem a sociedade, atin-gindo as massas. Denominou-se essa situaçãocomo perda da “aura” porque as obras de arte,produtos artísticos que eram únicos e agora es-tão subordinados ao capitalismo, passam a serproduzidas em massa. Em outras palavras, pas-sam de uma existência única – a obra de arte – auma existência em série.

Além da quebra da “aura” do único, a era dareprodutibilidade técnica inaugura uma gran-de mudança na concepção da obra de arte queé bem apontada por Baudelaire em seu ensaioO público moderno e a fotografia, em o Salão,de 1859:

Em matéria de pintura e de escultura, o

credo atual das pessoas da alta sociedade,

sobretudo na França (e não creio que al-

guém ousará afirmar o contrário), é este:

Creio na natureza, e apenas na natureza

(há duas razões para isso). Creio que a arte

é e não pode ser senão a reprodução exata

da natureza (uma seita tímida e dissiden-

te quer que os objetos repugnantes sejam

afastados, como, por exemplo, um urinol

ou um esqueleto). Assim, o engenho que

nos desse um resultado idêntico à nature-

za seria a arte absoluta. Um Deus vinga-

dor atendeu os pedidos da multidão. Da-

guerre foi seu messias. E então, ela diz

para si mesma: Já que a fotografia nos dá

todas as garantias desejáveis de exatidão

(eles acreditam nisso, os insensatos), a arte

é a fotografia. A partir desse momento, a

sociedade imunda precipitou-se, como

um único Narciso, para contemplar a sua

trivial imagem sobre o metal. (BAUDE-

LAIRE, 1995, p.801).

Por meio da agudeza de pensamento dessepoeta e crítico do mundo francês sobre as trans-formações ocorridas na passagem da arte paraaquilo que chamamos de modernidade, temosde certa forma uma possível pincelada do desviona concepção de arte que passou a ser apreciadocomo tal, na medida em que fosse capaz de cap-turar a vida com certa retidão e exatidão.

Mais adiante segue com sua acidez crítica so-

1 - Entendemos, nesse trabalho, a questão da “democratização da cultura” do mesmo modo como a entende Vattimo: com o surgimento dos meiosde comunicação de massa (jornais, rádio, revista, televisão), o que ocorreu realmente não foi uma democratização. Entende o autor que essefenômeno em que os jornais, as rádios, as televisões “se tornaram elementos de uma grande explosão e multiplicação de Weltanschauungen, devisões de mundo (....)”, ou seja, uma “(...) tomada de palavra [multiplicidade de vozes – cultura e subculturas de todas as espécies] nãocorrespondeu uma verdadeira emancipação política.”. (1998, p.11).

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bre a sociedade moderna que se entrega ao mitode Narciso na medida em que passa a se encantarcada vez mais com a sua imagem refletida sobreo metal (alusão do poeta aos sais de prata reque-ridos pela técnica fotográfica).

(...) o pintor natural, como o poeta na-

tural, é quase um monstro verdadeiro.

O gosto exclusivo pelo verdadeiro (tão

nobre quando limitado às suas verda-

deiras aplicações) reprime e sufoca o amor

pelo belo. Onde seria necessário ver tão-

somente o belo (imagino um belo qua-

dro, e pode-se facilmente adivinhar aque-

le que tenho em mente), nosso público

busca apenas o Verdadeiro. Ele não é

artista, artista por natureza; talvez filóso-

fo, moralista, engenheiro, apreciador de

historietas instrutivas, tudo o que se qui-

ser, mas espontaneamente artista, jamais.

Ele sente, ou melhor, ele se julga sucessi-

va e analiticamente. Outros povos, mais

favorecidos, sentem de imediato, simul-

tânea e sinteticamente. (BAUDELAIRE,

1995, p.801).

Dessa forma, para Baudelaire, a fotografia nãopode ser entendida com uma arte, pois para eleessa técnica “reprime e sufoca o amor pelo belo”e com ela se esgota grande parte da capacidadecriativa do artista, resumindo-a à captura e aoenquadramento de uma paisagem e de uma ver-dade. A era da reprodutibilidade, impulsionadapelo desenvolvimento da técnica fotográfica, fazrefletir a subjetividade. A arte torna-se mais ana-lítica, rompendo claramente com a concepção an-terior de arte como algo que provoca, faz sentirfelicidade e desperta a fantasia e a imaginação.Nesse sentido, Baudelaire observa: “Dia a dia aarte diminui o respeito por si mesma, prosterna-se diante da realidade exterior, e o pintor torna-se cada vez mais inclinado a pintar não o quesonha, mas o que vê” (1995, p.803).

Se cada vez mais o artista é conduzido a pro-duzir o que vê e não o que sonha, o que tem

feito de suas habilidades de aisthesia, no sentidoestético, uma inteligibilidade aparente das coisasdo mundo, sobretudo do olhar?

É em Baudelaire que se encontram algumaspistas epistemológicas capazes de conduzir a al-gumas hipóteses.

(...) a invasão da fotografia e a grande lou-

cura industrial são completamente alhei-

as a esse resultado deplorável? Não será

permitido admitir que um povo, cujos

olhos se acostumam a considerar os resul-

tados de uma ciência material como os

produtos do belo, não teve diminuída sin-

gularmente, ao cabo de um certo tempo,

sua faculdade de julgar e de sentir o que

há de mais etéreo e de mais imaterial?

(BAUDELAIRE, 1995, p. 803).

Se olharmos as mídias contemporâneas po-deremos supor que temos perdido exponencial-mente a capacidade de julgar e sentir o mundo eas imagens que dele se fazem. Parece, portanto,que a capacidade de distinção do que é belo, doque é mais imaterial e do que é etéreo esteja emcrise, pois na mesma proporção em que somosacometidos por uma avalanche de imagens, a ca-pacidade de referencialidade do real dessas ima-gens diminui. Mas pela insensibilidade do olharanestesiado, que é o contrário de aisthesia ou es-tesia, frente a essa avalanche de imagens, já so-mos quase incapazes de perceber como as ima-gens nos aprisionam num mundo que é só delas,em que elas se auto-referem. De certo modo,podemos afirmar que a retina de quem é toma-do pelo mundo das imagens fotográficas é edu-cada de maneira diferente daquela que tinha àsua frente as imagens primitivas da pintura sobreas pedras da caverna. No que se refere a essa ques-tão do excesso de imagens e do olhar, temos que:

Essa insaciabilidade do olho que foto-

grafa altera as condições do confinamen-

to na caverna: o nosso mundo. Ao nos

ensinar um novo código visual, as fotos

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modificam e ampliam nossas idéias so-

bre o que vale a pena olhar e sobre o que

temos o direito de observar. Constituin-

do uma gramática e, mais importante

ainda, uma ética do ver. (SONTAG,

2004, p.13).

Se para Sontag a fotografia elabora uma gra-mática da visualidade, então, questiona-se: o quetais imagens querem dizer, já que elas são investi-das da função de educar e elaborar ao olhar uma“ética do ver”?

“Colecionar fotos é colecionar o mundo”(Sontag)

Etimologicamente, a palavra fotografia de-compõe-se em photós (luz) e graphein (escrever,descrever, gravar, registrar). Trata-se, portanto,da escrita da luz. É a inscrição por meio da pro-jeção química (luz) do objeto sobre a tela. Es-crever a luz é escrever o objeto. A dúvida quefica é se a fotografia é ou não um signo amarra-do com a realidade.

Embora fotografar seja apropriar-se de umaparte da coisa a ser fotografada e aprisioná-la parasempre, ou melhor, pelo tempo em que durar aimpressão, num enquadramento de perspectiva queopera verdadeiras manobras que brincam com asescalas do mundo, elas em maior ou menor grau,para que se tornem imagens universais, apregoamao olhar, uma linguagem universal.

Nesse momento, podemos voltar a Barthes.Essas fotografias ensaiam um eterno giro em falsoque nos faz crer serem elas representações univer-sais do Homem, mas aquilo que as une e nos pos-sibilita intitulá-las como A Grande Família dosHomens não passa de um conjunto ideológico quejoga para fora do enquadramento fotográfico todaa história, fazendo com que essas imagens sejamvistas como “naturais” e “universais”, simplesmen-te por representarem a vida cotidiana, seus aconte-cimentos e comportamentos semelhantes.

Ao referir-se às fotos da exposição parisiense,Barthes nota que:

Conteúdo e fotogenia das imagens, dis-

curso que as justifica, tudo aqui visa a

supressão do peso determinante da His-

tória: somos obrigados a ficar na superfí-

cie de uma identidade, impedidos, pela

própria sentimentalidade, de penetrar

nessa zona posterior dos comportamen-

tos nos quais a alienação histórica intro-

duz essas ‘diferenças’ que aqui serão de-

nominadas simplesmente nos quais ‘in-

justiças’. (BARTHES, 2006, p.176).

Pode-se atribuir essa constatação à mídia im-pressa contemporânea, já que, quando observa-mos as fotografias dos anúncios publicitários,vemos que não nos dizem nada ou muito poucoa respeito daquilo a que se referem, pela supres-são do caráter histórico. Há um fosso ilusórioque não consegue descortinar a superfície da pe-lícula impregnada da luz irradiada pelo objeto.Sobre essa película é colocado um mundo de sen-timentalidades que fazem com que nosso olharpatine sobre ela, sem espírito crítico.

Para Barthes a fotografia é uma emanação doobjeto e, assim, a imagem e o objeto guardam emsi uma profunda relação. Porém, quando o autorfaz essa assertiva acerca da fotografia, interessan-do-se pelo grau de indicialidade das fotos, ele esta-belece uma clara diferença entre o punctum e ostudium. A denominação punctum vem do verbolatino pungere, ‘picar’, ‘furar’, ‘perfurar’. Conota-tivamente, aquilo que é pungente que corta, fere,sensibiliza, alfineta e amortiza. Já studium vem doverbo studare que é um estudo do mundo: tudoaquilo que não tem pungência. Quando o autorfaz tal classificação ele não fecha as imagens exclu-sivamente em uma única casa (studium/punctum):é possível encontrar os dois numa mesma foto,cabendo aos olhos enxergá-los.

Transportemos tais conceitos ao mundo damídia contemporânea, que nos bombardeia comimagens sem fim. São fotos, flashes e luz para to-dos os lados e momentos. Faltam olhos para tan-tas imagens e feixes de luz. Se passamos a viverinundados de fotografia talvez só consigamos co-

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nhecer o mundo se o aceitarmos tal como a câme-ra o registra , como afirmou Sontag (2004).

Se aceitarmos o mundo e passarmos a reco-nhecê-lo tal como as imagens fotográficas o re-gistram, estaremos diante de uma verdadeira ma-nipulação, um engodo, pois essas imagens quesão, num certo sentido, representações fiéis doobjeto, podem também mentir impondo um viésao olhar.

Um novo significado da idéia de infor-

mação construiu-se em torno da imagem

fotográfica. A foto é uma fina fatia de

espaço bem como de tempo. Num mun-

do regido por imagens fotográficas. To-

das as margens (“enquadramento”) pa-

recem arbitrárias. Tudo pode ser separa-

do, pode ser desconexo, de qualquer coi-

sa: basta enquadrar o tema de um modo

diverso. (Inversamente, tudo pode ser

adjacente a qualquer coisa). A fotografia

reforça uma visão nominalista da reali-

dade social como constituída de unida-

des pequenas, em número aparentemen-

te infinito - assim como o número de

fotos que podem ser tiradas de qualquer

coisa é ilimitado. Por meio de fotos, o

mundo se torna uma série de partículas

independentes, avulsas; e a história, pas-

sada e presente, se torna um conjunto

de anedotas de fait divers. A câmera tor-

na-se a realidade atômica, manipulável e

opaca. É uma visão de mundo que nega

a inter-relação, a continuidade, mas con-

fere a cada momento o caráter de misté-

rio. Toda foto tem múltiplos significa-

dos; de fato, ver algo na forma de uma

foto é enfrentar um objeto potencial de

fascínio. (SONTAG, 2004, p.33).

Essa passagem leva-nos a pensar que o mun-do regido pelas imagens fotográficas é um mun-do de signos arbitrários. Imagens manipuladas,recortes que não sabemos nem ao certo de ondevem. Quem são aquelas pessoas? Estão ao me-

nos vivas? São puramente imagens sem história,naturalizadas pelo discurso que inflaciona, inchaesses signos vazios e nos fazem crer que são aqui-lo que aparentam ser no enquadramento das fo-tos. Isso não é senão elaborar um mundo que ésó delas, das imagens. Pela força que elas adqui-rem dado o ritmo e a sincronia com o nosso tem-po de vida, somos impulsionados a encarar essemundo como mais real do que a própria realida-de. Nas palavras de Sontag, “Ao munir este mun-do, já abarrotado, de uma duplicata do mundofeita de imagens, a fotografia nos faz sentir que omundo é mais acessível do que é na realidade”(SONTAG, 2004, p.34).

Essa afirmação lembra outro fragmento dasMitologias de Roland Barthes, o qual também tratada fotografia: O Ator Harcourt. Nesse fragmento,o autor afirma que na França havia o Estúdio Foto-gráfico Harcourt. Todos os atores, para que real-mente fossem considerados atores no mundo fran-cês, deveriam ser fotografados pelas câmeras desseestúdio. Essas câmeras operavam uma verdadeiraconversão: acreditava-se que os atores estivessemnão em uma cidade qualquer, mas numa cidadeideal, onde nada mais havia senão festa e amores,enquanto “em cena” tudo era trabalho. Por fim,podemos afirmar que o ator de Hacourt é um deus,sempre captado pelas lentes da câmera da melhormaneira possível. Nada parece remeter ao mundoda vida; são corpos em eterno repouso, lânguidos,que insistem em negar a segunda lei da termodi-nâmica e outras leis da física, pois até mesmo quan-do representam a velhice e a feiúra, apresentam aoolhar do observador o rosto ideal. Ainda referin-do-se às fotografias do estúdio Harcourt , o autoracrescenta:

A iconografia de Harcourt sublima a ma-

terialidade do ator e continua em ‘cena’

necessariamente trivial (uma vez que

funciona) em uma ‘cidade’ inerte e, por

conseguinte, ideal. Status paradoxal, a

cena é a realidade neste caso; a cidade, na

verdade, é um mito, sonho é o maravi-

lhoso. O ator, desvencilhado do envol-

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tório da profissão, encarnado demais,

reencontra sua essência ritual de herói,

de arquétipo humano situado no limite

das normas físicas dos outros homens.

(BARTHES, 2006, p.28).

Embora Barthes se refira a um mundo parti-cular do estúdio Harcourt, é possível transportarsuas reflexões para as imagens da mídia contem-porânea. Ela não tem praticado de maneira vorazo mesmo tipo de manipulação?

Então, quando deixamos que as imagens fo-tográficas da mídia nos conduzam, não estaría-mos reproduzindo o mito da caverna de Platão?Vivendo das sombras, sombras que cada vez maissão farsas, puro signo arbitrário do mundo?

Considerações Finais

Talvez, a resposta para isso tudo seja sim. Omundo busca o prazer estético na fotografia. Tudoparece existir para acabar numa imagem, numafoto, o que não passa de uma forma de profundade poluição mental.

Por isso tudo, podemos afirmar que, tal comoa visita de Barthes à exposição A Grande Famíliados Homens, as imagens da mídia, com algumaspoucas ressalvas, apresentam fotografias com stu-dium. Nas palavras do próprio autor: “Assim,receio que a justificação final de todo esse acade-micismo seja dar à imobilidade do mundo a se-gurança de uma ‘sabedoria’ de uma ‘lírica’ que sóeterniza os gestos do homem para melhor tolhê-lo” (BARTHES, 2006, 178). Dessa maneira, es-sas imagens de caráter estudioso estão a serviçode um discurso que mobiliza o pensamento, con-gelando-o em gestos e atos que melhor expri-mem uma resposta à condição humana.

Possivelmente, a melhor maneira para enxer-garmos tudo isso, estaria em outro fragmento deMitologias, Foto-choque ou Fotos de Choque, con-forme as diferentes traduções, que podemos en-contrar, melhor expostas as primeiras críticas deBarthes às fotos. Neste outro fragmento, o au-tor faz critica a uma outra exposição, esta outra

realizada na galeria do museu Orsay e intitulada“Fotos-choque”. Desta vez, ele afirma categori-camente, que ali pouco há de fotos que seriamcapazes de nos chocar realmente. Para ele, as fo-tos expostas não têm nada de chocante, é o olharde quem vê que lhes dá a qualidade, que não lhepertence.

O mitólogo, no caso - o fotógrafo – entrega-se a um lirismo barato, na medida em que parecequerer capturar e abranger todo o sofrimento quedescreve, e assim não resta ao olhar do observa-dor senão patinar sobre aquela superfície de sen-timentalidade exagerada que tenta impor ao olhardesse observador todo um viés na formação dotema. É por isso que, essas fotos são tão estudio-sas, falam demais do tema, não permitem ao lei-tor ter qualquer tipo de emoção frente a elas. Naexpressão de Brathes, são como “comida sintéti-cas”, ou seja, o criador, em um movimento emvão, tenta enquadrar todo horror do ocorrido. Enessa tentativa o signo pleno se esvazia de signifi-cação. E aí, o mito se revela, todo o arcabouçohistórico por trás daquelas imagens fotográficasse apresenta ao leitor como algo natural, uma “co-mida sintética” que parece não haver mais nada oque fazer com elas e sobre elas, senão olhar sem omínimo de choque.

Assim, dando voz ao pensamento de Barthes,temos: (....) perante elas ficamos despossuídos danossa capacidade de julgamento: alguém tremeupor nós, refletiu por nós, julgou por nós, o fotó-grafo não nos deixou nada – a não ser a possibi-lidade de uma aprovação intelectual: só estamosligados a essas imagens por um interesse técnico(....). (2006, p.107).

Além disso, essa imagens parecem querer con-gelar o cena no melhor momento que representade forma exagerada a performance do fotografa-do. Isso se apresenta ainda hoje nas mídias, o fo-tógrafo busca capturar o melhor drible do joga-dor de futebol, o salto mais alto e perfeito daginasta, o andar todo costurado e construído damodelo, enfim, imagens que reverberam a idéiade corpos que se tornam automatizados ou ma-quínicos pela sua previsibilidade.

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Portanto, a saída dessa caverna platônica à qualas imagens inflacionadas da mídia nos levaramtalvez seja as fotos/imagens dotadas do punctum,isto é, que tenham capacidade de pungência, quesejam pontiagudas e não simplesmente uma re-presentação arbitrária. Para resgatarmos o pensa-mento de Walter Benjamim, é necessário que elasvoltem a ter “aura”. É preferível aclamar as ima-gens/fotografias com maior referencialidade. Deum modo geral, para a semiologia e a semiótica,é aquilo que está fora do signo que tem ligaçãocom a realidade. Nessas imagens com punctumo referente é incorporado à representação. Pas-samos a ver o referente dentro do signo. São,portanto, signos que não perderam sua referen-cialidade/indicialidade, que não se distanciaramdo referente. De maneira mais simples, a foto-grafia deve ser capaz de “(....) dizer: ‘Aí está asuperfície. Agora imagine – ou, antes, sinta, in-

tua – o que está além, o que deve ser a realida-de, se ela tem este aspecto’. Fotos, que em simesmas nada podem explicar, são convites ines-gotáveis à educação, à especulação e à fantasia”(SONTAG, 2004, p.33).

A questão que ainda permanece sem respostaé a que o próprio Barthes ensaia no final do frag-mento O Ator de Harcourt de Mitologias: quemousaria colocar em suas capas de revistas, em seusanúncios publicitários, nas imagens em geral, ato-res que representem e não finjam? Que não se-jam embonecados, lânguidos e virilizados, segun-do o sexo?

É realmente uma ousadia a mídia contempo-rânea não fazê-lo. Ela continua a preferir as fo-tos, imagens universais e universalizantes que nosinduzem a um narcisismo sem fim, pelo poderde penetração e convencimento que a fotografiaassume na cultura contemporânea.

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Artigo

Cultura e Sociedade de Consumo:um olhar em retrospecto

Sérgio Campos Gonçalves*

* Jornalista e historiador, é mestrando em História e Cultura Social na EstadualPaulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Franca.

Resumo

Este artigo representa um esforço para entender o desenvolvimento his-tórico da sociedade de consumo, do século XVIII ao início do XXI, e a emer-gência da cultura de massas, compreendida como produto cultural que visaa estimular o consumo, o qual colabora para a construção e a auto-reprodu-ção da sociedade capitalista.

Palavras-chaveSociedade de Consumo; Cultura de Massa; Comunicação de Massa.

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Introdução

“Os homens criam as ferramentas,As ferramentas recriam os homens”

Marshall McLuhan

Assim como o homem criou a sociedade, asociedade recriou o homem. Assim como o ho-mem criou a indústria, a indústria recriou o ho-mem. Esta pesquisa tratará da cultura de massa,criação humana, e de seus reflexos sobre seu cria-dor, notadamente no que diz respeito à compre-ensão da sociedade de consumo.

Através da perspectiva histórica, a propostadeste texto é observar como a cultura de massacontribui para a manutenção, reprodução e so-brevivência da sociedade de consumo em massa.Para isso, contextualizaremos a gênese e o desen-volvimento da chamada Cultura de Massas re-trospectivamente, focando-a em três períodos: o

Século XVIII, o século da Revolução Industrial,do Iluminismo e da Revolução Francesa; o Sécu-lo XIX, século da economia de mercado, da ur-banização; e o Século XX, século no qual emergea sociedade de consumo e da cultura de massas.A periodização utilizada visa a facilitar ao leitor acompreensão do desenvolvimento histórico dasociedade de consumo e da cultura de massas.

O caráter exploratório e contextualizador des-te estudo tem a intenção de fornecer um arca-bouço teórico para a compreensão da importân-cia atual dos meios de comunicação dentro dassociedades de consumo.

1. Século XVIII:produção cultural restrita

O “século das Luzes” representa um períodocujo entendimento é imprescindível para estu-darmos a cultura de massa, pois é nele em que a

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burguesia estrutura-se enquanto classe e definesuas metas para conquistar o poder.

Embora Gutenberg já tivesse criado, em 1438,a tipografia, faltava ainda tecnologia e uma classecujos interesses e recursos financeiros tornassempossível a disseminação de informação e, também,de produtos culturais. O acesso à cultura perma-necia, então, fechado aos setores superiores: à clas-se dos nobres, composta pelo alto clero e fidalgosreais, e à ascendente burguesia renascentista.

É neste século que a burguesia consegue, atra-vés da universalização dos ideais da RevoluçãoFrancesa, disseminar seus princípios e valores. Aburguesia inaugura na história a ModernidadeIluminista1; esta tem aversão ao Antigo Regime,e proclama-se a Liberdade personificada atravésde metanarrativas filosóficas, da Razão. A Razãoseria a primeira condição para atingir à Liberda-de que, por sua vez, levaria ao progresso e ao fu-turo. Tal idéia de futuro a ser perseguido proce-dia em função da concepção linear de causa e efeitoda História: o futuro é o meio a ser atingido,custe o que custar. Percebemos esse pensamentotanto nas idéias de evolucionismo, nas quais ohomem é impassível e objeto, jamais sujeito desua própria história, quanto nos ideais que pau-tavam a efervescência revolucionária - burguesa -da época. Em contrapartida, no ideário burguêspredomina a idéia do homem como o sujeito deseu futuro.

O projeto moderno iluminista legitima

toda violência contra o passado-presen-

te, encarado como entrave, obstáculo à

liberdade, e propõe uma ida vertiginosa

ao futuro. A utopia racional, a realização

absoluta da Razão legitima toda violên-

cia contra o passado-presente. O ilumi-

nismo levou a uma revolução permanen-

te do vivido, á subordinação do passa-

do-presente a uma teleologia (...) A his-

tória iluminista é dominada pelos con-

ceitos de “sistema” e de “totalidade”. Ela

é a realização de um sujeito universal, de

um singular coletivo, que sabe de si e

quer saber cada vez mais de si (REIS,

2003, p. 69).

É através do discurso da Razão que a burgue-sia proclama que age pelos interesses coletivos.Esse coletivo evidencia o surgimento da socieda-de de massa, a qual Baudrillard (1994, p. 10)observa como “um conjunto no vácuo de partícu-las individuais, de resíduos do social e de impulsosindiretos”. Na visão de Baudrillard, tratar-se-ia deuma massa amorfa, inerte, esperando para sermanipulada pela atuante classe burguesa. A “mas-sa” a que Baudrillard se refere diz respeito princi-palmente ao aspecto político, no nível da movi-mentação popular que legitima as ações burgue-sas de busca ao poder, mesmo quando inconsti-tucionais.

Os pensadores da burguesia em ascen-

são recitaram durante um longo tempo

a ladainha da educação para o povo. Por

um lado, necessitavam recorrer a ela para

preparar ou garantir seu poder, para re-

duzir o da igreja e, em geral, para conse-

guir a aceitação da nova ordem. Por ou-

tro lado, entretanto, temiam as conseqü-

ências de ilustrar demasiadamente aque-

les que, ao fim e ao cabo, iam continuar

ocupando os níveis mais baixos da soci-

edade, pois isto poderia alimentar neles

ambições indesejáveis (FERNÁNDEZ,

1989, p. 110).

Não devemos confundir sociedade de massacom cultura de massa. De acordo com Lima

1 - É comum a confusão entre os termos “Modernidade” e “Modernismo”. Embora o sentido de um e de outro estejam ligados, é importante quefiquemos atentos à diferença. Nesse sentido, é interessante a explicação de Harvey (2006, p. 97): “O modernismo é uma perturbada e fugidiaresposta estética a condições de modernidade produzidas por um processo particular de modernização”.

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(1982), a condição de existência da cultura demassa depende antes da indústria cultural comoprodutora em massa de bens culturais. No en-tanto, nota-se ser preciso primeiro existir a soci-edade de consumo para emergir a produção emmassa de bens culturais.

Ainda não há, nesta fase, algo que possamosclassificar como cultura de massa, pois a culturaainda é um produto consumido somente pelasclasses superiores, não sendo destinado ainda,majoritariamente, à grande massa. Ou seja, faltaum mercado abrangente da cultura, pois a pro-dução cultural no século XVIII era, notadamen-te, de luxo e, desse modo, restrita. Nessa fase, eraausente uma economia de mercado que permi-tisse o acesso de vários setores da sociedade aoconsumo a uma pluralidade de mercadorias, tantode ordem material quanto de substância imagi-nária (LIMA, 1982, p. 29-104).

Contudo, é neste período que se tomam fe-cundos os ideais e os meios sociais e tecnológicospelos quais a sociedade de massa nascente irá cri-ar e desenvolver a cultura de massa.

2. Século XIX: o surgimentoda economia de mercado

Embora as primeiras filosofias, ou simples-mente idéias, de caráter Realista tenham surgidono século XIX, permaneciam os valores e ideaisda Modernidade Iluminista burguesa, permane-cia a perseguição da “Verdade” e da “Liberdade”.São as mudanças de estrutura de produção que,entretanto, pavimentam o percurso que levará àgênese da cultura de massa.

É durante o século XIX que a economia demercado passa a existir efetivamente. E neste sé-culo que vemos o avanço e o triunfo da econo-mia de mercado, decorrentes de uma racionali-zação contábil e da reorganização nas esferas jurí-dica, política e administrativa, as quais, aliadas àfarta oferta de mão-de-obra barata, são os fatoresque formaram a conjuntura para a cristalizaçãodo modo de produção capitalista no Ocidente.

O desenvolvimento tecnológico neste perío-

do começa a despontar como importante fatorpara o incremento produtivo. Entretanto, o seunível ainda é insuficiente para propiciar a indus-trialização em massa de bens culturais. É insufi-ciente também a demanda: o mercado está emfase de expansão, porém, somente no século XXo consumo estará de tal forma disseminado edesenvolvido que se justificará a utilização dotermo “cultura de massa”. Surgem os veículos(mass media), mas não o consumo em massa deinformações e bens culturais.

Durante o século XIX, por conseguinte,

quebram-se as travas que prendiam o

consumo... Já existira agora cultura de

massa? A resposta permanece negativa...

O que falta então? Acontece que a gran-

de divisão cultural permanece baseada

na distância entre o campo e a cidade,

entre o provinciano e o citadino e, dai,

entre cultura de função ou procedência

rural, a folclórica ou popular, e a cultura

de função urbana, a superior ou escola-

rizada. Cultura folclórica e cultura esco-

larizada são os dois pólos cujo corte cons-

titui o sentido do universo mental do

século XIX. (...) Além do mais, por causa

do estágio insuficiente de seu desenvolvi-

mento tecnológico e pelo relativo desa-

fôgo político em que as nações burgue-

sas européias vivem depois de 1848, é

um processo produtivo que deixa in-

tactas inúmeras áreas de consumo não

exploradas.(...) Não bastou, portanto,

a arrancada do sistema capitalista, o in-

cremento da velocidade de comunica-

ção, o aparecimento dos primeiros mei-

os de reprodução técnica e a baixo pre-

ço para que se desse a cultura de massa.

Já existem sim os seus veículos, os mass

media, que aprendem o jeito de cativar

a tudo e a todos. Inexiste a integração

inconsciente de suas mensagens numa

modalidade de cultura (LIMA, 1982,

p. 132-133).

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O século XIX parece-nos uma extensão doXVIII no que tange ao pensamento moderno eao desenvolvimento do mercado. Contudo, oprocesso de urbanização dá seus primeiros e cadavez maiores passos, o que contribui para a des-truição do que restou da sociedade de subsistên-cia e para a sedimentação de uma sociedade deconsumo. Paralelamente à emergência de novosmodos de governo e à afirmação dos Estados-Nação, a educação se transforma em um elemen-to central no processo de homogeneização cul-tural e de invenção de uma cidadania nacional(NÓVOA, p. 22, 199-).

A tecnologia industrial e de comunicação con-tinua em processo de desenvolvimento, chegan-do, no século seguinte, à comunicação multidi-recional, que colocará à frente de todos, de todosos lugares, os bens culturais produzidos e pron-tos para o consumo. É no século XIX que se for-ma, também, o cenário político e econômico dadisputa de mercado de manufaturados, que re-dundará na eclosão da Primeira Guerra Mundialno século XX.

3. Século XX: a sociedadeda produção e do consumoem massa

No início do século XX eclode a PrimeiraGuerra Mundial e, em decorrência desta, a Se-gunda Guerra, ocasionada pela disputa por mer-cado orquestrada pelos países industrializadoseuropeus. Na esteira do desenvolvimento da so-ciedade de consumo, esse novo contexto econô-mico e social sugere duas seqüelas:

A primeira conseqüência provém do ambien-te de terror, destruição e morte da guerra: é a re-leitura do mundo realizada através de mudanças

de ideário e de percepção do tempo e da vidapelo homem. Desde então o pensamento oci-dental passou a ter aversão às ideologias que co-locam o devir humana a serviço de ações utópi-cas teleológicas. Cai no descrédito o discurso daRazão. O universal fragmenta-se nos indivíduos,no individualismo. O homem passa a viver emfunção de seu presente e não mais construindoseu futuro através de ações pautadas por filo-ide-ologias burguesas explícitas2.

Com as criticas à ingenuidade iluminista, aofalso e ilusório romântico, inaugura-se, então, opós-modernismo. O pós-moderno, segundo Reis(2003, p. 15-96), ainda desmembra-se em duasfases: na pós-moderna estruturalista, que apesarde criticar, ainda reproduz o discurso da Razãoatravés da busca do ideal verdade-liberdade; e napós-estruturalista, que procede pela falta de ide-ologia e pelo descrédito de toda e qualquer pro-clamada “Verdade”.

A segunda conseqüência diz respeito às ques-tões referentes às técnicas industriais de produ-ção e ao mercado. A indústria produz, agora emsérie, artefatos militares para promover a morte,ao passo que a guerra produz a demanda. Damesma maneira, há produção e mercado paraprodutos dos mais diversos gêneros e, entre eles,os culturais, os quais são veiculados através doteatro, da literatura, das artes plásticas, pelo rá-dio e, mais tarde, pela televisão. Cresce de formavertiginosa - e continuará crescendo - a indústriada comunicação, a qual mudará as formas de or-ganização social, de produção e de pensamento,pois a comunicação é inexoravelmente expressãoe parte da cultura (SCAVONE; BELLONI;GARBAYO, 1975).

(...) A comunicação, decididamente,

2 - Hobsbawm (1995, p. 328) compreende que a revolução cultural do final do século XX pode ser mais bem entendida como o triunfo doindivíduo sobre a sociedade, isto é, trata-se do rompimento dos fios que antes ligavam os seres humanos em texturas sociais. “Essas texturasconsistiam não apenas nas relações de fato entre seres humanos e suas formas de organização, mas também nos modelos gerais dessas relações eos padrões esperados de comportamento das pessoas umas com as outras (...) Daí a insegurança muitas vezes traumática quando velhasconvenções de comportamento eram derrubadas ou perdiam sua justificação; ou a incompreensão entre os que sentiam essa perda e aqueles queeram jovens demais para ter conhecido qualquer coisa além da sociedade anômica” (Ibidem, loc. cit.).

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molda a cultura porque, como afirma

Postman “nós não vemos a realidade...

como ‘ela’ é, mas como são nossas lingua-

gens. E nossas linguagens são mídias.

Nossas mídias são nossas metáforas. Nos-

sas metáforas criam o conteúdo de nossa

cultura”. Como a cultura é mediada e

determinada pela comunicação, as pró-

prias culturas, isto é, nossos sistemas de

crenças e códigos historicamente produ-

zidos são transformados de maneira fun-

damental pelo novo sistema tecnológico

e o serão mais ainda com o passar do

tempo (CASTELLS, 2000, p. 354).

A absurda velocidade de desenvolvimento dasesferas técnicas e científicas provoca mudanças emtodos os outros aspectos da sociedade. SegundoReis (2003, p. 55-56), tais mudanças acontecemtão aceleradamente que acabam levando as de-mais esferas à crise: os comportamentos, os valo-res, os hábitos e os diversos saberes formados “es-tão em xeque”. Nem a religião, nem a família,nem o trabalho, nem a arte, nem a vida cotidia-na, nem a vida sexual são mais os mesmos. Enem, obviamente, a cultura.

No inicio do século XX, a potência in-

dustrial estendeu a sua soberania sobre o

globo. A colonização da África e a domi-

nação da Ásia se completaram. Mas, eis

que começa a Segunda Industrialização:

aquela que se dirige às imagens e aos so-

nhos (...) A Segunda Colonização, não

mais horizontal, mas vertical desta vez,

penetra na grande reserva que é a alma

humana (...) qualquer molécula de ar

transporta mensagens que um aparelho,

um gesto tornam imediatamente audí-

veis e visíveis. A Segunda Industrializa-

ção, que é a industrialização do espírito,

a Segunda Colonização, que é a da alma,

progridem ao longo do século XX. Ocor-

re um progresso ininterrupto da técnica

voltada não mais para o mundo exterior,

mas voltada para o domínio interior do

homem e lançando nele mercadorias

culturais. Jamais a cultura e a vida priva-

da foram incluídas a tal ponto no circui-

to comercial e industrial... (MORIN,

1962 apud REIS, 2003, p. 56).

O mercado funciona da seguinte forma: a basetecnológica e industrial produzia mercadorias, en-quanto que a sociedade transformada em merca-do de consumo absorvia a produção. Até que, em1929, deu-se a crise do sistema capitalista: a criseda superprodução. A produção era tamanha que ademanda não conseguia absorvê-la, provocando oexcesso da oferta frente à procura, ocasionandouma absurda queda dos preços e, conseqüentemen-te, dos lucros da burguesia. Para sua manutenção esobrevivência, o sistema econômico necessitava demais consumidores e de mais consumo, e é nissoque se passará a investir. A indústria investirá nãosomente na produção de mercadorias, mas na pro-dução da própria demanda.

Na realidade, é o mesmo sentido da mer-

cadoria. Antigamente bastava ao capital

produzir mercadorias, o consumo sendo

mera conseqüência. Hoje é preciso produ-

zir consumidores, é preciso produzir a pró-

pria demanda e essa produção é infinita-

mente mais custosa do que a das mercado-

rias (BAUDRILLARD, 1994, p. 26).

Antes da crise de 1929 já tínhamos a socieda-de de massa, de consumo, e a cultura na sua for-ma vendável, na sua forma de mercadoria. Mas éa partir do século XX e, principalmente, da Se-gunda Guerra que a indústria, através da Comu-nicação, desenvolve a cultura de massa. SegundoBaudrillard3 (1982, p. 273-280), é por suas men-

3 - In: LIMA, Luiz Costa (org) Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

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sagens que incentiva o consumo para a manu-tenção e para o crescimento do sistema, e tam-bém é a serviço de uma racionalidade de merca-do que a indústria cultural difunde valores emfavor de estimular o consumo. A “industrializa-ção do espírito” e a “colonização da Alma”, a queMorin (1962) se referiu, dizem respeito a essaideologia de consumo cuja função latente é man-ter a demanda.

Este trabalho de coerção psicológica para oconsumo é realizado, notadamente, pela indús-tria cultural através da publicidade4.

A cultura é uma mercadoria paradoxal.

É de tal modo sujeita à lei da troca que

não é nem mesmo trocável; resolve-se tão

cegamente no uso que não é mais possí-

vel utilizá-la. Funde-se, por isso, com a

propaganda, que se faz tanto mais oni-

potente quanto mais parece absurda,

onde (sic) a concorrência é apenas apa-

rente. Os motivos, no fundo, são econô-

micos. É evidente que se poderia viver

sem a indústria cultural, pois já é enor-

me a saciedade e a apatia que ela gera

entre os consumidores. Por si mesma ela

pode bem pouco contra esse perigo. A

publicidade é o seu elixir da vida. Mas,

já que o seu produto reduz continua-

mente o prazer que promete como mer-

cadoria à própria indústria, por simples

promessa, finda por coincidir com a pro-

paganda, de que necessita para compen-

sar a sua não fruibilidade (ADORNO;

HORKHEIMER, 1982)5.

Após a Segunda Guerra Mundial desenvol-vem-se as teorias de mercado que mencionam otermo “capital humano”, que trata dos indivídu-os como componentes do sistema de produção.O conceito de “capital humano” prescreve quecada pessoa é um trabalhador e consumidor empotencial, e é em função destas qualidades que osistema social da produção é projetado. O mes-mo ocorre com as políticas educacionais: a for-mação do indivíduo é direcionada para formarum trabalhador-consumidor em potencial6.

O conceito de cultura de massa provém dasociedade de massa, da idéia do simples trabalha-dor transformado em trabalhador-consumidor,da obra de arte transformada em mercadoria;enfim, da cultura transformada em produto.Dentro dessa perspectiva nasce a dicotomia con-temporânea em que a cultura se divide em cultu-ra de massa e em cultura superior, erudita e/ouacadêmica - antes disso a cultura dividia-se empopular e em superior/erudita7. A sociedade foiproduto desse contexto; a cultura de massa, des-sa sociedade.

Esta estranha noosfera coloca problemas.

Estes passam da periferia para o centro

das interrogações contemporâneas. E não

se deixam reduzir ás respostas já prontas.

Eles só podem ser colocados por um pen-

samento em movimento. Aparece uma

nova cultura, saída de imprensa, do cine-

ma, do rádio e da TV, que se desenvolve

ao lado das culturas clássicas - religiosas e

humanistas - e nacionais. Após a Segun-

da Guerra Mundial, a sociologia america-

4 - Sobre esse aspecto, Harvey (2006, p. 103) observa que “a luta pela manutenção da lucratividade apressa os capitalistas a explorarem todo tipode novas possibilidades”. Em decorrência disso, são abertas novas linhas de produtos, com o fito de criar novas necessidades de consumo. Dessaforma, segundo Harvey (loc. cit.), “os capitalistas são obrigados a redobrar seus esforços para criar novas necessidades nos outros, enfatizando ocultivo de apetites imaginários e o papel da fantasia, do capricho e do impulso”. A conseqüência disso seria “a exacerbação da insegurança e dainstabilidade, na medida em que massas de capital e de trabalho vão sendo transferidas entre linhas de produção, deixando setores inteirosdevastados, enquanto o fluxo perpétuo de desejos, gostos e necessidades do consumidor se torna um foco permanente de incerteza e de luta”.5 - In: Ibidem.6 - Ver Frigotto, 1984, p. 121.7 - Cf. Gonçalves, 2008. A classificação do conceito de cultura de acordo com a hierarquia social foi bastante utilizada sobretudo em estudosrealizados até os últimos quinze anos, como nos trabalhos de Bakhtin (1999) e de Burke (1989). No entanto, recentemente outros autores têmacusado tal perspectiva de tratar a cultura como um conceito estanque, que não atende à complexidade que o social demanda (CERTEAU, 1994;CHARTIER, 1990, 1995).

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na detecta, reconhece a terceira cultura e a

nomeia: mass culture. Cultura de massa,

i.é., produzida segundo as normas massi-

vas da fabricação industrial (MORIN,

1962 apud REIS, 2003, p. 58).

Podemos dizer, em síntese e de grosso modo,que a cultura de massa floresceu em razão pri-meiro do processo de acumulação capitalista; emsegundo por haver uma potencialidade tecnoló-gica da indústria e, especificamente, da comuni-cação; e, por último, pelo acesso das classes po-pulares ao consumo.

Não devemos, no entanto, confundir esta fa-cilitação de acesso às produções culturais com ademocratização da cultura. Democracia cultural,segundo Chauí (2002, p. 429-431), significariadireito de acesso e de fruição das obras culturais,direito à informação, à produção e à formaçãocultural. A indústria cultural produz o caminhoinverso à medida que massifica e banaliza a ex-pressão intelectual e artística. Pois, para “vender”os produtos culturais, a indústria cultural operapela sedução do consumidor, isto é, há um nive-lamento da produção cultural com vistas ao mer-cado. Há, desse modo, a criação de um produto“médio”, voltado ao gosto público “médio” dosenso comum.

Em vez de difundir e despertar interesse pelacultura, a indústria cultural vulgariza as artes e osconhecimentos. Ou seja, a cultura não se demo-cratizou, apenas se massificou para o consumo rá-pido no mercado em que a moda e os meios decomunicação de massa criam, destroem e recriamos padrões culturais (CHAUÍ, 2002, p. 429-431).

Podemos ainda salientar que as idéias de bele-za, de aceitação social, de sucesso sexual, a fama,o status representado pela posse de determinadoproduto; em suma: os valores os quais a indús-tria cultural propaga e integra na sociedade sãoos mecanismos, de estruturas institucional e men-tal, necessários para que esse sistema social e deprodução perdure, pois enfatizam o consumo,do qual a sociedade de massas depende econô-mica e psicologicamente (LIMA, 1982, p. 243).

4. Mundo Atual: comunicaçãoglobal e em massa

Para passarmos efetivamente do século passa-do ao que chamamos de Mundo Atual – estipu-lado aqui como o último quartel do século XX einicio do XXI -, falta o período histórico conhe-cido como Guerra Fria, o qual é o representante,em nosso olhar retrospectivo, pela transição dasociedade pós Segunda Guerra para a dos diascorrentes.

Ao fim da Segunda Guerra Mundial, as eco-nomias dos países europeus estavam em ruínas.Nesse cenário despontam duas superpotências: osEstados Unidos (EUA) e a União das RepúblicasSocialistas Soviéticas (URSS). As duas superpo-tências travaram uma disputa pela hegemonia nomundo, a qual tradicionalmente recebe o nomeGuerra Fria. Este conflito, entretanto, não se rea-liza no plano de guerra ou do combate militar di-reto, mas no plano da competição ou da chamadacorrida aeroespacial, bélica e/ou nuclear.

No decorrer do conflito, as grandes empresasestadunidenses adaptaram as novas tecnologias aosseus interesses, pois requeriam, da mesma formaque o Pentágono no âmbito bélico, de estratégi-as semelhantes em seus negócios civis, visto queelas internacionalizavam seus negócios e interes-ses. A Guerra Fria termina, emblematicamente,com queda do Muro de Berlin em 1989 e, ofici-almente, com a derrocada da URSS em 1991.Porém, a indústria capitalista já havia aprendidoque, independentemente da Guerra, a tecnolo-gia era sua aliada e que desta dependia a sua so-brevivência.

A Guerra Fria fez com que a tecnologia avan-çasse de forma exponencial e fez, também, comque os meios de comunicação se tornassem glo-bais. Esses efeitos transformaram o mundo e asrelações humanas.

Pode parecer uma estranha ironia, com

seu império hoje destroçado, mas os so-

viéticos ao lançarem o Sputnik, não só

iniciaram a corrida espacial. Mais impor-

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tante que isso, criaram a possibilidade

das comunicações via satélite. Inicia-se a

era das comunicações globais, simbo-

lizada pela primeira transmissão inter-

continental de televisão pelo satélite

americano Telstar, em 1963, entre os

Estados Unidos e a Europa. Marshall

McLuhan acreditava que a televisão cri-

aria o que ele batizou de aldeia global.

Em verdade, o satélite de comunicação é

que a fez, de maneira insofismável

(ABREU, 2000, p. 41).

Segundo Hobsbawm (1995, p. 246), a Guer-ra Fria apenas chegou ao fim “quando uma ouambas superpotências reconheceram o sinistroabsurdo da corrida nuclear, e quando uma acre-ditou na sinceridade do desejo da outra de acabarcom a ameaça nuclear”.

Os meios de comunicação de massa, de fato,adquiriram melhores recursos e se tornam maisdinâmicos e de maior alcance em razão das tec-nologias dos campos da eletrônica e da informá-tica oriundas da Guerra Fria. Juntamente com oCapital, a Comunicação ultrapassa as fronteirasde Estado, as fronteiras culturais, de regime polí-tico, de idioma, de religião e de cultura. Ao di-fundir produções locais ou nacionais, ou mesmoao criar produções globais, a indústria culturalcolaborou para formar uma espécie de cultura demassa de âmbito mundial.

São produções musicais, cinematográfi-

cas, teatrais, literárias, e muitas outras,

lançadas diretamente no mundo como

signos mundiais ou da mundialização.

Difundem-se pelos mais diversos povos,

independentemente das suas peculiari-

dades nacionais, culturais, lingüísticas,

religiosas, histórias ou outras. São pro-

duções às vezes cercadas de aura cientifi-

ca ou filosófica, como os boatos sobre o

fim da história ou da geografia, a gênese

da terra-pátria, as maravilhas da socieda-

de informática, o mundo como paraíso

livre do castigo do trabalho alienado

(IANNI, 1999b, p. 94).

Chegamos, desse modo, ao conceito de Glo-balização – da cultura e dos mercados – que pas-sa, então, a designar uma nova configuração his-tórico-social pela qual passamos.

A globalização, que em grande medida repre-senta a mundialização do modo de produção ca-pitalista, é um processo que adquiriu excepcio-nal força desde a Segunda Guerra e, em especial,com a Guerra Fria, cujo fim marca o início daexpansão dos mercados e da produção culturalindustrializada pelo globo terrestre.

O globalismo é uma configuração histó-

rico-social abrangente, convivendo com

as mais diversas formas sociais de vida e

de trabalho, mas também assinalando

condições e possibilidades, impasses e

perspectivas, dilemas e horizontes. Tan-

to é assim que no âmbito do globalismo

emergem ou ressurgem localismos, pro-

vincianismos, nacionalismos, regiona-

lismos, colonialismos, imperialismos, et-

nicismos, racismos e fundamentalismos;

assim como reavivam-se os debates, as

pesquisas e as aflições sobre a identidade e

a diversidade, a integração e a fragmenta-

ção. Mas o que se desenvolve e predomi-

na, recobrindo e impregnando as mais

diferentes situações, é o globalismo. (...)

Ocorre que o globalismo é um produto e

condição de múltiplos processos sociais,

econômicos, políticos e culturais, em ge-

ral sintetizados no conceito de globaliza-

ção (IANNI, 1999ª, p. 217).

Nessa nova conjuntura, os veículos de comu-nicação de massa acabam, também, se transfor-mando: em função da diversidade e da pluralida-de de indivíduos, segmentam-se e especializam-separa atender aos diferentes tipos de públicos-alvo.

Youichi Ito, ao analisar a evolução dos

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usos da mídia no Japão, também con-

clui que existe a evolução de uma socie-

dade de massa a uma “sociedade segmen-

tada” (Buiishu Shakai), resultante das

novas tecnologias de comunicação que

enfocam a informação especializada, di-

versificada, tornando a audiência cada

vez mais segmentada por ideologias, va-

lores, gostos e estilos de vida. [..] Este é,

na verdade, o presente e o futuro da te-

levisão: descentralização, diversificação e

adequação ao público alvo. (...) O que

caracteriza o novo sistema de comunica-

ção, baseado na integração em rede digi-

talizada de múltiplos modos de comu-

nicação, é a sua capacidade de inclusão e

abrangência de todas as expressões cul-

turais... No entanto, não quer dizer que

haja homogeneização das expressões cul-

turais e domínio completo de códigos

por alguns dos emissores centrais. É pre-

cisamente devido à sua diversificação,

multimodalidade e versatilidade que o

novo sistema de comunicação é capaz de

abarcar e integrar todas as formas de ex-

pressão, bem como a diversidade de in-

teresses, valores e imaginações, inclusive

a expressão de conflitos sociais (CASTE-

LLS, 2000, p. 364-365).

Ou seja, ao lado das peculiaridades sócio-cul-turais de cada povo, de cada nação ou nacionali-dade, desenvolvem-se, segundo Ianni (1999a,p.218), tecnologias e mentalidades com base nosprincípios da produtividade e da competitivida-de - da lógica de mercado. Desenvolvem-se emundializam-se, também, padrões, instituiçõese valores sócio-culturais, formas de agir, pensar eperceber o mundo de acordo com as necessida-des da produtividade, do lucro e da competitivi-dade, imprescindíveis à indústria. Desse modo,ultrapassando as fronteiras do comportamento ede pensamento dos indivíduos, o consumismose generaliza e se intensifica.

Cria-se, com isso, a ilusão da existência de

uma sociedade civil mundial que, embora al-guns fatos possam reforçar essa idéia - como asONGs internacionais ou como as manifestaçõesde paz pelo mundo em protesto ao bombar-deio norte-americano ao Iraque, após o atenta-do terrorista no World Trade Center -, mais seidentifica com uma espécie de sociedade civilmundial de consumo.

A indústria cultural, através da cultura demassa, torna-se importante instrumento de po-der, dado que detém a capacidade de canalizarforçar para massificar e padronizar modelos deconsumo e de pensamento ao mesmo tempo emque reconhece e assimila a diversidade e a plurali-dade. A cultura de massa cultiva uma heteroge-neidade coerente na qual o fator de identidade éo consumo e o de integração é o mercado.

A cultura de massa, dessa maneira, contribuipara criar um exército industrial de consumo.Assim, frequentemente o homem, sem perceber,procede como peça de uma máquina (a socieda-de de consumo) cuja lógica de funcionamentonão compreende e que é de sua criação. Estamáquina passa, então, a recriar o homem.

Considerações Finais

Retrospectivamente, observamos o desenvol-vimento histórico da sociedade de consumo e deum de seus pilares, a cultura de massa. Nesse iti-nerário, o papel da Comunicação revelou-se fun-damental, dado que representa uma das princi-pais instituições sociais da sociedade moderna.

Ao tratar da gênese e da evolução da socieda-de de consumo e da produção cultural em mas-sa, enfatizamos as seguintes fases: (1) o séculoXVIII representou a produção cultural restrita àsclasses superiores; (2) o século XIX estampou osurgimento da economia de mercado; (3) o sé-culo XX foi o lugar da sociedade da produção edo consumo em massa; (4) os últimos 25 anosdo século XX e início do XXI significaram a cris-talização da produção e do consumo em massae, também, a difusão dos veículos de comunica-ção de massa em nível global.

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Breves anotações sobre o estudo do sensocomum e das manifestações populares

Frederico Daia Firmiano*

* Mestrando em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista, campus deAraraquara-SP; pesquisador-bolsista do CNPq.

Resumo

O presente texto tem por objetivo indicar breves anotações teóricas debase metodológica para a aproximação científica das manifestações do sensocomum e dos grupos sociais subalternos, a partir de algumas consideraçõesmetódicas de Antonio Gramsci.

Palavras-chaveSenso comum, manifestações populares, Gramsci.

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Não raro ganham evidência nos estudos dasciências sociais e adjacentes as manifestações cul-turais e políticas populares, do chamado sensocomum. Em especial suas potencialidades latentespara a promoção de rupturas na cultura hegemô-nica e nas formas de sociabilidade historicamenteconstituídas sob a égide do capital privado.

Exercendo importante função no desmoro-namento dos pilares teórico-explicativos do de-dutivismo presente nas décadas de 1960 e 1970,que influenciaram sobremaneira a análise cientí-fica das relações entre a cultura e a política, o su-jeito histórico e a comunicação, contribuiu paraessa difusão as reflexões do pensador italianoAntonio Gramsci, em especial, seus “Apontamen-tos para uma introdução e um encaminhamentoao estudo da filosofia e da história da cultura”,reunido no País pela edição crítica de CarlosNelson Coutinho, sob o título de Cadernos doCárcere, volume 1.

Gramsci havia se empenhado na elaboração

de “...uma ontologia da práxis política...” (COU-TINHO, 1981, p. 83), na reivindicação da pos-sibilidade de os grupos sociais singulares torna-rem-se, mediante um complexo processo catár-tico, de universalização das classes subalternas,agentes de transformação profunda das socieda-des complexas.

Na realidade, perante a atomização do indiví-duo na sociedade de classes, o fenômeno radicali-zado da alienação – que inclui os processos de rei-ficação do ser social e a fetichização das relaçõessociais – e as impossibilidades crescentes do de-senvolvimento livre do homem, substancializadopelas teorias nas quais os complexos de domina-ção presentes na sociedade de classes emergiamcomo forma onipresente, o politicismo gramscianoviria oferecer novos caminhos teóricos para a su-peração do profundo vazio no qual, até então,instalava-se a existência humana, sob o peso dasestruturas e supra-estruturas capitalistas.

Adorno e Horkheimer, integrantes da chama-

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da Escola de Frankfurt, já haviam percebido a cres-cente e decisiva influência dos meios de comuni-cação de massa e da cultura de mercado na consti-tuição da vida social contemporânea - como umamediação do processo histórico geral de desenvol-vimento das sociedades ocidentais modernas – e,a partir da negação da tese marxista de que a mar-cha da história levaria, invariavelmente, o homemao reino da liberdade, crivaram, dentre outros, oconceito de indústria cultural, indicando a erradi-cação da autonomia do indivíduo e seu grupo, desua capacidade livre de imaginar, sonhar e mesmorepresentar suas relações e a si mesmo:

[...] o aumento da produtividade eco-

nômica, que por um lado produz as con-

dições para um mundo mais justo, con-

fere por outro lado ao aparelho técnico e

aos grupos sociais que o controlam uma

superioridade imensa sobre o resto da

população. O indivíduo se vê completa-

mente anulado em face dos poderes eco-

nômicos. Ao mesmo tempo, estes elevam

o poder da sociedade sobre a natureza a

um nível jamais imaginado. Desapare-

cendo diante do aparelho a que serve o

indivíduo se vê, ao mesmo tempo, me-

lhor do que nunca provido por ele.

Numa situação injusta, a impotência e a

dirigibilidade da massa aumentam com

a quantidade de bens a ela destinados. A

elevação do padrão das classes inferiores,

materialmente considerável e socialmente

lastimável, reflete-se na difusão hipócri-

ta do espírito. Sua verdadeira aspiração é

a negação da reificação. Mas ele necessa-

riamente se esvai quando se vê concreti-

zado em um bem cultural e distribuído

para fins de consumo. A enxurrada de

informações precisas e diversões assépti-

cas desperta e idiotiza as pessoas ao mes-

mo tempo (ADORNO; HORKHEI-

MER, 1985, p. 14-15).

Da mesma maneira, noutra escola dopensamento social marxista europeu, a colabora-dora de Georg Lukács e expoente do InstitutoSociológico de Budapeste, Agnes Heller, desen-volveu com grande êxito o sistema dinâmico dascategorias da atividade e do pensamento cotidia-no, demonstrando as impossibilidades da supe-ração da alienação presente nessa esfera de apro-priação e objetivação do ser social. Heller bus-cou formular os termos das possibilidades dehumanização do homem, destacando o fenôme-no da alienação presente na vida do homem nassociedades de classes. Em sua análise, o processohistórico de desenvolvimento do gênero humanofora marcado pela emergência de esferas superio-res de objetivação, a partir do cotidiano da vida.Essas formas superiores de objetivação do indiví-duo produziam um enriquecimento ontológicodo ser humano, mesmo considerando o processode alienação presente nas relações sociais constitu-ídas, reservando ao cotidiano da vida do “homemcomum”, do senso comum, nas sociedades de clas-ses, todas as condições para a reprodução “muda ecega” dos processos de alienação.

Longe de afirmar o espaço da vida cotidianacomo a produção intrínseca das possibilidades desuperação das condições alienadas da vida dohomem, Heller dirigiu crítica às formas de re-produção da “menoridade humana”, no sentidode indicar a necessidade histórica de “elevação”dessa esfera constituinte da vida do ser social, nabusca pela humanização livre e plena do homem1.

Como importante referência para a reflexão dasmanifestações dos grupos sociais subalternos pre-sentes nas sociedades contemporâneas, a teoria gra-msciana, diferentemente, inseriu-se no que pode-

1 - Para uma análise mais detalhada acerca da vida cotidiana Ver: HELLER, Agnes. Sociologia de La Vida Cotidinana. Prefacio de György Lukács;Traducción, J. F. Tvars y E. Pérez Nadal. 4ª edição – Barcelona: Ediciones Península, 1994. E, da mesma autora, O Cotidiano e a História.Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder. 6ª edição – São Paulo: Paz e Terra, 2000.

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ríamos chamar de teorias que consideram os gru-pos sujeitos da história da qual participam. Abriupossibilidades para que os grupos sociais, políti-cos e culturais adviessem ao campo investigativo apartir de suas potencialidades transformativas dasrelações sociais nas sociedades de classes.

Assistimos, contudo, uma proliferação de suasformulações teóricas, na qualidade de fundamen-to metódico que, por vezes, restringiu o caráterdialético de sua produção, fomentando, não semprejuízos para o campo dos estudos acerca dasmanifestações das chamadas culturas populares,dos grupos sociais singulares presentes na socie-dade, além dos meios de comunicação e do su-jeito, um culturalismo antropológico, cuja aproxi-mação restringiu o objeto de estudo, “... isolan-do [suas] supostas propriedades imanentes...”.Dentre as dificuldades teóricas dessa vertente doestudo das manifestações culturais, apontou oprofessor de antropologia e pesquisador das cul-turas populares Nestor García Canclini, está aevidenciação da “... diferença sem explicar a desi-gualdade que confronta [os grupos distintos], eos vínculos a outros setores”; dissimulando asdistâncias entre culturas desiguais com a doutri-na do relativismo cultural (sic), essa espécie deindutivismo, como chamou Canclini, afirmaraque todas as culturas são valiosas à sua maneira.(Op. Cit., 1993, p. 71).

Dado que o entrevistado se define como

indígena, a investigação consiste em

<<resgatar>> o que ele faz em seus pró-

prios termos; a tarefa antropológica ou

folclorista se reduz a duplicar <<fielmen-

te>> o discurso do informante (...) Esse

empirismo ingênuo desconhece a diver-

gência entre o que pensamos e nossas

práticas, entre a autodefinição das clas-

ses populares e o que podemos saber so-

bre a vida delas a partir das leis sociais

que estão inseridas. Opera como se co-

nhecer fosse aglomerar segundo seu apa-

recimento <<espontâneo>>, em vez de

construir conceitualmente as relações que

lhes dão sentido na lógica social” (Idem,

1993, p. 71).

Para o filósofo brasileiro Leandro Konder, emgeral, está na base destes estudos a concepção bas-tante difundida nos séculos XVII e XVIII: que osenso comum é um “depositário de tesouros desabedorias” (KONDER, 2002). Com isso, cri-ara-se um dilema entre a dominação cega da estru-tura social na vida do homem contemporâneo e aafirmação de sua total autonomia, a partir de ex-periências singulares encontradas no interior dassociedades complexas. Nada mais falso.

Desde já, cumpre destacar, que o pensamentode Gramsci destaca-se, para nós, por se situarnum campo semântico que transcende a dicoto-mia entre a onipresença dos aparatos de domina-ção da sociedade burguesa e a liberdade plena dasculturas populares, tradicionais, do chamado sen-so comum. Suas formulações teóricas não dissi-mulam as formas de cerceamento do desenvol-vimento do gênero humano e nem mesmo afir-ma sua autonomia, mas cria mecanismos atravésdos quais pode se transformar radicalmente.

Nesse sentido, o pesquisador Silas Nogueira,em sua tese de doutoramento, afirmou a centra-lidade, no âmbito dos estudos acerca da cultura eda comunicação nas sociedades contemporâne-as, da interlocução entre as teorias que identifi-cam os processos de alienação presentes – já indi-cados por Marx – e o pensamento de AntonioGramsci, no sentido da busca por potencialida-des transformativas no âmbito das classes popu-lares. Ambas as teorias, antes de um dilema teó-rico-metodológico, podem ser complementares:

Identificar os aspectos alienantes - e que

levam ao empobrecimento - desses pro-

cessos não é equivalente a condenar os

indivíduos a seus possíveis efeitos. A

importância do conceito de alienação

reside, entre outras, nas possibilidades

de identificação das características em-

pobrecedoras das relações sociais capita-

listas, e nas possibilidades de, a partir da

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crítica e de um outro nível de consciên-

cia, buscar a sua superação pela atuação

efetiva nas mudanças sociais, isto é, pelo

engajamento e pela atuação política

(NOGUEIRA, 2005, p. 91).

Para o filósofo italiano, o senso comum, asmanifestações sociais e culturais populares são,por definição, uma concepção diversa, por se tra-tar, ao mesmo tempo, de um produto e um de-vir histórico. Assim, não se constitui por umconjunto unitária de idéias que fundamentampráticas coerentes, idênticas no tempo e no espa-ço, mas de um conjugado de juízos desagrega-dos, descontínuos e, na maioria dos casos, inco-erentes (tanto no plano ideológico, quanto narelação teoria/prática). Em seus dizeres, “predo-minam no senso comum os elementos <<realis-tas>>, materialistas, isto é, o produto imediatoda sensação bruta, o que, de resto, não está emcontradição com o elemento religioso, ao con-trário; mas estes elementos são <<supersticio-sos>>, acríticos” (GRAMSCI, 1999, p. 115).

Referindo-se a obra de Nikolai Bukharin, “Ateoria do materialismo histórico. Manual popu-lar de sociologia marxista”, o teórico italiano di-rige crítica enérgica ao tratamento dado pelo au-tor ao materialismo histórico e afirma o ethos dosenso comum:

Eis, portanto, um perigo representado pelo

Ensaio popular2: ele confirma freqüente-

mente estes elementos acríticos, graças aos

quais o senso comum é ainda ptolomaico,

antropomórfico, antropocêntrico, ao in-

vés de criticá-los cientificamente. O que

se disse acima sobre o Ensaio popular, a

saber, que ele critica as filosofias sistemáti-

cas ao invés de partir da crítica do senso

comum, deve ser entendido como obser-

vação metodológica, dentro de certos li-

mites (Idem, p. 115).

Nessa passagem, o autor está exigindo anecessidade, antes de ser relevado como base po-tencial de ação transformativa, que o senso co-mum passe pelo crivo da crítica. Portanto, nohorizonte da reflexão gramsciana, toda aproxi-mação científica das manifestações dos grupos emovimentos sociais e culturais deve partir da crí-tica ao “conjunto de noções e conceitos determi-nados” que fundamentam suas práticas. Mas issonão equivale a dizer que estão esgotadas as po-tencialidades transformativas de base cultural-ide-ológica de grupos e movimentos existentes nas“sociedades complexas”.

Em seu diálogo permanente, por um lado,com o pensamento marxista de seu tempo e, poroutro lado, com as correntes idealistas do pensa-mento filosófico, Gramsci rejeitou sobremanei-ra o determinismo e mesmo fatalismo com oqual, muitos autores, tratavam a filosofia da prá-xis, reivindicando, do ponto de vista da críticapolítica, o papel do sujeito na constituição daobjetividade social. Isso, contudo, não significouque o teórico marxista eliminasse de suas formu-lações o “peso” das supra-estruturas na confor-mação da vida dos grupos sociais. Ao contrário,sua teoria se dirige no sentido da busca pela su-peração “... da filosofia ou religião do grupo di-rigente e dos seus intelectuais [que] apresenta-sesempre como fanatismo e superstição, comomotivo ideológico próprio de uma massa ser-vil....” (Idem, 1999, p. 302).

Nesse contexto, a noção de subalternidademerece destaque – ante o conceito de explora-ção, comumente apresentado na literatura mar-xista acerca das classes e grupos populares - , poisse situa, como afirmou Sebastião Geraldo, citan-do a professora e pesquisadora Maria NazarethFerreira, para além do “lugar do sujeito na estru-tura produtiva”, alcançado as dimensões moral,

2 - Gramsci está se referindo a obra de

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intelectual e cultural e, portanto, definindo-se emtermos da posição da luta pela hegemonia, queinclui a reestruturação econômica, política, cul-tural e ideológica (GERALDO, 2006, p. 3).

Em termos metódicos, essa noção possibilitaum caminho em direção ao conhecimento dolugar do grupo social na sociedade em que vive,na história da qual participa, em sua totalidade;permite ainda conhecer os vínculos políticos,culturais e mesmo econômicos que estabelececom as classes presentes; a que interesses media-tos e imediatos aspira e quais os conteúdos polí-tico-ideológicos que orientam sua existência.

Por essa razão, o estudo das manifestações so-ciais e culturais das classes subalternas deve privile-giar as referências e fundamentos político-ideoló-gicos que orientam a existência concreta dos gru-pos sociais na sociedade; as mediações culturaispresentes em suas experiências, a introjeção de va-lores dominantes presentes nas sociedades, as ca-pacidades de projeção de um futuro distinto dopresente alienado e alienante, além da:

[...] 1) a formação objetiva dos grupos

sociais subalternos, através do desenvol-

vimento e das transformações que se ve-

rificam no mundo da produção econô-

mica, assim como sua difusão quantita-

tiva e sua origem a partir de grupos soci-

ais preexistentes, cuja mentalidade, ide-

ologia e fins conservam por um certo

tempo; 2) sua adesão ativa ou passiva às

formações políticas dominantes, as ten-

tativas de influir sobre os programas destas

formações para impor reivindicações

próprias e as conseqüências que tais ten-

tativas têm na determinação de proces-

sos de decomposição e de renovamento

ou de nova formação; 3) o nascimento

de novos partidos dos grupos dominan-

tes, para manter o consenso e o controle

dos grupos sociais subalternos; 4) as for-

mações próprias dos grupos subalternos

para reivindicações de caráter restrito e

parcial; 5) as novas formações que afir-

mam a autonomia dos grupos subalter-

nos, mas nos velhos quadros; 6) as for-

mações que afirmam a autonomia inte-

gral, etc (GRAMSCI, 2002, p. 140).

No contexto latino-americano quando, sobre-tudo, os movimentos sociais contemporâneosganham status de categoria analítica a partir desuas experiências em diversas frentes de luta, sãomuito significativas as considerações teórico-metodológicas de Antonio Gramsci. NestorGarcía Canclini já apontou corretamente que:

Nos últimos anos, assistimos à multipli-

cação de trabalhos que descobrem por

toda parte a resistência popular, basean-

do-se mais em aspirações políticas do que

nas escassas descrições científicas (ou,

então, confundindo-as). São atribuídas

propriedades de resistência contra o po-

der a fatos que são simples recursos po-

pulares para resolver seus problemas ou

organizar a vida à margem ou nos interstí-

cios do sistema hegemônico (solidarieda-

de de bairro, festas tradicionais). Em

outros casos, as manifestações de preten-

sa <<impugnação>> ou <<contra-hege-

monia>> representam sobretudo a am-

biguidade, o caráter não resolvido das

contradições das classes subalternas (por

exemplo, defesa de interesses localistas,

que não põem em discussão os pilares

básicos da exploração que os originou)

(Op. Cit., 1993, p. 74).

Do que decorre, para esse autor, se quiseremevidenciar se essas manifestações políticas e cul-turais dos grupos não passam de “mera auto-afir-mação conservadora” ou “resistência revolucio-nária”, deve-se, para esse autor, começar por re-conhecer “...os componentes que misturam oautônomo com a reprodução da ordem impos-ta...” (Idem, 1993, p.74). Para nós, trata-se desituar as práticas políticas e culturais dos grupossociais particulares, no horizonte do confronto das

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Referências bibliográficas

forças políticas presentes na sociedade sem, ou seja,caracterizando o senso comum perante as classes

hegemônicas e, assim, para além de um conjuntode características internas que apresenta.

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Rádio Centrinho – uma proposta deimplantação de rádio interna como

ferramenta de comunicação no âmbito deum hospital público

Marisa Romangnolli*

* Analista de Comunicação do Hospital de Reabilitação de AnomaliasCraniofaciais da Universidade de São Paulo (USP), Bauru, SP – Mestranda

em Comunicação Midiática pela FAAC/UNESP, Bauru, SP

Resumo

Partindo de problemas diagnosticados no diálogo entre profissionais desaúde e usuários de um hospital universitário público pesquisou-se, tantoem referenciais teóricos como iniciativas semelhantes, sobre o uso da lingua-gem radiofônica em ambientes não formais. Apoioado em tais referenciais,conclui o estudo com a proposta de implantação de uma rádio interna – aRádio Centrinho – no HRAC/USP, como facilitador do diálogo entre ohospital e os cidadãos usuários de seu serviço.

Palavras-chaveComunicação organizacional. Comunicação interna. Comunicação

pública. Comunicação em saúde.

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Introdução

O presente trabalho tem como objetivo pro-por, à luz de estudos teóricos sobre os temas cor-relatos à proposta e investigação sobre projetossemelhantes, uma ferramenta de comunicação in-terna para um hospital universitário público quevenha suprir uma lacuna existente em seu pro-cesso de comunicação com seus usuários. Consi-dera os benefícios e argumentos que demonstrema possibilidade de implantação de uma rádio in-

terna, em circuito fechado, com programação vol-tada a temas de prevenção em saúde e assuntosdo cotidiano do hospital, buscando favorecer orelacionamento com seus pacientes. Para tanto,no panorama de comunicação interna da organi-zação, faz-se um recorte numa parcela de seupúblico-alvo interno: os pacientes.

No caso da organização estudada, o pacienteé considerado público interno porque seu trata-mento é de longa duração, criando-se um víncu-lo entre o hospital e esses, sendo comum que

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pacientes recém-nascidos sejam matriculados e ini-ciem seu tratamento, retornando duas a três ve-zes por ano para cumprimento de suas etapas te-rapêuticas, e recebendo alta somente após com-pletado o tratamento, que se dá na idade adulta.

Trata-se a organização em questão do Hospi-tal de Reabilitação de Anomalias Craniofaciaisda Universidade de São Paulo (HRAC/USP),mais conhecido pela sociedade em geral comoCentrinho/USP de Bauru. Especializado no tra-tamento de malformações congênitas do crânioe da face (em especial as fissuras labiopalatinas),síndromes relacionadas a essas e deficiências au-ditivas, atua há 41 anos nesse segmento, apon-tando para um número registrado de aproxima-damente 72 mil pacientes já atendidos, muitosainda em fase de tratamento.

O presente trabalho considera, também, os re-sultados de pesquisa interna realizada em junhode 2006 pelo Serviço de Comunicação do HRAC/USP (SerCom) junto a seus colaboradores e queobteve um índice de 29,29% de respostas de umuniverso de mais de 740 pesquisados. Tais resulta-dos apontam para dificuldades no processo decomunicação entre a equipe de reabilitadores e ospacientes, refletindo no processo de tratamentodesses, dificuldades estas relatadas pelos própriosprofissionais do Hospital. Ao mesmo tempo, leva-se em consideração as características da organiza-ção que têm, dentre seus pacientes, cidadãos detodas as regiões do país, com seu repertório cultu-ral diversificado e rico; e a diversidade sócioeco-nômica destes, que influencia diretamente na cria-ção de ferramentas de comunicação, consideradoo repertório de cada um.

A opção pela linguagem radiofônica se dá pelofato de que, dentre todas as mídias, o rádio é oque apresenta maior grau de inserção nas dife-rentes realidades regionais de um país com di-mensões continentais como o Brasil. E, por setratar de um meio reconhecidamente presente nouniverso dos cidadãos, a aceitação e a interaçãocom o rádio é um fator positivo para se conside-rar no incremento da relação entre hospital e pa-cientes/familiares.

A metodologia escolhida é a pesquisa biblio-gráfica em iniciativas semelhantes já implantadase em áreas de interesse do estudo, como Comu-nicação Organizacional, Comunicação Interna,Comunicação Pública, Radiodifusão e Mídia-Educação, efetuando-se o desejável inter-relacio-namento entre os temas e contextualizando asreferências teóricas à realidade da organização.

Comunicação pública,contexto universitário eambiente hospitalar

Brandão (2006, p. 1) faz um amplo estudoda expressão comunicação pública, concluindoque essa vem sendo usada com os mais diversossignificados, muitas vezes contraditórios, de acor-do com o país, autor e contexto, o que indicaque a expressão ainda não é um conceito claronem uma área de atuação profissional delimita-da, podendo ser considerada, por enquanto,como um conceito em processo de construção.

Há, segundo Brandão (2006, p. 1-14), áreasdiferentes de conhecimento e atividade profissio-nal que são classificadas de comunicação pública,sendo de interesse do presente estudo dois desta-ques. A comunicação organizacional, que estudaas variáveis associadas à comunicação no interiordas organizações e entre elas e seu ambiente exter-no, de forma estratégica e planejada, visando tan-to criar relacionamentos com os diversos públicosbem como construir uma identidade e uma ima-gem dessas organizações, sejam elas públicas e/ouprivadas. E a comunicação científica, cujo objeti-vo maior é criar canais de integração da ciência coma vida cotidiana das pessoas em sociedade pelo usodos meios e de estratégias de comunicação volta-das à prática pedagógica, como na comunicaçãoem saúde pública, onde foram construídas estra-tégias de aproximação e informação, sobretudopara as populações necessitadas.

Há hoje um consenso de que essa é uma di-mensão cuja responsabilidade em estabelecer umfluxo informativo e comunicativo com seus ci-dadãos, é do Estado e do Governo, com o ob-

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jetivo de informar para construir a cidadania. Nestesentido, compreende-se a comunicação públicacomo um processo comunicativo das instânciasda sociedade que trabalham com a informaçãovoltada para a cidadania, entre elas, os órgãos go-vernamentais, as organizações não governamentais,associações profissionais e de interesses diversos,associações comunitárias - o chamado TerceiroSetor -, e outras instâncias de poder do Estado(conselhos, agências reguladoras e empresas priva-das que trabalham com serviços públicos).

Se as finalidades da comunicação pública nãodevem estar dissociadas das finalidades das organi-zações públicas, suas funções são de: informar (le-var ao conhecimento, prestar contas e valorizar);de ouvir as demandas, as expectativas, as interro-gações e o debate público; de contribuir para asse-gurar a relação social (sentimento de pertencer aocoletivo, tomada de consciência do cidadão en-quanto ator); e de acompanhar as mudanças, tan-to as comportamentais quanto as da organizaçãosocial. A comunicação pública, segundo Zémorapud Brandão (2006, p. 1), ocupa um lugar privi-legiado na comunicação da sociedade, pois estádiretamente ligada aos papéis de regulação, prote-ção e antecipação do serviço público.

O desenvolvimento da comunicação públicase deu em resposta à crescente complexidade denossa sociedade, atuando na arbitragem dos di-ferentes interesses e públicos e a relação entre es-ses. Para tanto, a principal característica é que suaprática deve contribuir para alimentar o conheci-mento cívico, facilitar a ação pública e garantir odebate público (ZÉMOR apud BRANDÃO,2006, p. 1-3).

Segundo o mesmo autor, considere-se que emcomunicação pública o interlocutor é o cidadão,considerado como um cliente acionário, já quedo pagamento de seus impostos é que sobrevivea estrutura pública. Ainda sob tal ângulo, o cida-dão espera ainda poder intervir nas políticas pú-blicas e, para tanto, exige estar a par do que ocor-re dentro das estruturas públicas. Não se devecometer o erro de considerar a relação do cida-dão com os serviços públicos à semelhança do

consumidor em uma relação comercial, pois atroca e a comunicação fazem parte do serviçoprestado pelo poder público.

Prosseguem Zémor apud Brandão (2006, p.4-5) com considerações sobre comunicação pú-blica, destacacndo três tipos de comunicação: a)de informação e de explicação; b) de promoçãoou de valorização das instituições e seus serviços;c) de discussões ou de proposições ao debate detemas que interessam à sociedade. Lembrandoque a comunicação pública baseia sua legitimi-dade no receptor, ela é verdadeira quando prati-cada nos dois sentidos; portanto a linguagem -ou código - a ser adotada deve ser adaptada aoreceptor, praticando assim a ansiada transparên-cia nessas relações, onde as informações devemnão somente ser colocadas à disposição, mas deveser feito de uma maneira clara e de forma a per-mitir ao cidadão interagir com o poder público.Destacam, ainda, que existem formas de praticara comunicação pública, diretamente relacionadasà sua missão e aos diferentes graus da necessidadede comunicar. Interessa-nos no presente estudoas ações que contemplem a relação dos serviçospúblicos com os usuários, na qual a assistênciapersonalizada e o diálogo são primordiais.

Tais ações passam pela capacitação de pessoalpara atendimento ao usuário, facilitando orien-tações e diálogo; pelo ato de ouvir, consideran-do-se aí a instituição de ouvidorias; e o diálogo,como elemento diário de avaliação da qualidadedos serviços. Scomazzon (2005, p. 5) relata queuma das maiores dificuldades na área de comu-nicação pública é o fato de que muitas organiza-ções públicas ainda não conseguiram identificaro seu verdadeiro cliente - o cidadão -, o que levaao equívoco de pautar suas ações para o atendi-mento de interesses pessoais de autoridades, ad-ministradores ou governantes sazonais.

No ambiente universitário, a estratégia decomunicação não difere muito daquelas adota-das pelo Terceiro Setor, uma vez que os assuntostratados no âmbito universitário público tam-bém são considerados “informações cívicas”, deinteresse da população. A ausência de uma polí-

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tica de comunicação adequada, tanto internacomo externa, resulta freqüentemente em ques-tionamentos de que as informações circulam ape-nas por setores restritos, o que é uma prática ob-servada nas universidades. Considerando as ca-racterísticas pluralísticas de uma universidade, éo ideal que seu plano de comunicação se caracte-rize pela comunicação integrada, contemplandocomunicação institucional, comunicação inter-na e comunicação administrativa. Há uma ten-dência crescente em redimensionar o papel dacomunicação nas organizações à luz de sua “fun-ção estratégica de resultados, isto é, ela tem queagregar valores e ajudar as organizações a cum-prirem a sua missão e concretizarem sua visão”(SCROFERNEKER, 2001, p. 12).

Amplo estudo realizado por Amorim, Freitase Gois (2006, p. 3-4) sobre o perfil das universi-dades enquanto organizações públicas apontampara o fato de que essas são um tipo de organiza-ção que se diferencia das demais dado seus meca-nismos de controle, suas atividades e seu papelna sociedade. Os hospitais universitários públi-cos, nesse contexto, são a face mais conhecida dauniversidade pela população brasileira, pois são abase do sistema público e gratuito de saúde noBrasil, oferecendo atendimento e pesquisas dequalidade que contribuem para o desenvolvimen-to da assistência em saúde para a população. Osautores apontam tal situação em confronto coma falência do sistema público de saúde não uni-versitário do país, pontuando que se tratam, es-sas instituições, de verdadeiras tábuas de salvaçãopara os graves problemas de saúde da população.Duplica-se, assim, a responsabilidade de tais or-ganizações em estabelecer um fluxo informativocom seu público, somando-se as responsabilida-des como universidade às de recurso para atendi-mento às necessidades da população.

Entendida, pois, a importância da comunica-ção pública e à luz dos autores estudados, é possí-vel concluir que o ambiente hospitalar público é olocal onde essa necessidade amplia-se, dado omomento de fragilidade física e emocional em quese encontra o cidadão, sujeito à intervenções e de-

cisões técnicas em seu organismo e cuja compre-ensão foge de seu repertório. O Ministério da Saú-de no Brasil preconiza, em sua “Carta de Direitosdo Cidadão do SUS”, que todo cidadão tem di-reito a compreender todo e qualquer tratamento aque é submetido, lhe sendo ainda facultado o di-reito de saber quem o está atendendo e ter esclare-cidas todas as alternativas terapêuticas, para podertomar decisão sobre o seu tratamento.

Nassar (2005, p. 6) procedeu a um amploestudo sobre a relação médico-paciente e refere-se à interface entre comunicação e saúde comoprimordialmente interdisciplinar, com foco nastécnicas comunicacionais visando a melhoria dessarelação e, por conseguinte, dos serviços presta-dos pelo profissional de saúde. Nesse sentido res-salta a autora que, sendo os profissionais médi-cos preparados para “olhar a doença” utilizandode recursos tecnológicos, o distanciamento como paciente se evidencia nas consultas, quando seperde a oportunidade do diálogo, já que o pro-fissional de saúde se coloca como interlocutorprincipal e solitário, cercado do aparato tecnoló-gico e linguagem tecnicista, sem estabelecer umarelação dialógica com o doente. O ruído nesseprocesso se dá pela quebra de expectativa do pa-ciente diante da comunicação unilateral, poisquando um cidadão procura um serviço de saú-de está em busca de uma relação que “pressupõeuma comunicação com duas vias de fluxo, per-mitindo, no momento em que o indivíduo bus-ca atendimento de saúde, o encontro de duas vi-sões de mundo diferentes (...)” (OLIVEIRA apudNASSAR, 2005, p. 6).

Maestri e Carissimi, em estudo desenvolvidosobre o tema, detectaram que os pacientes, aoprocurar um profissional de saúde, têm comomaior expectativa serem tratados com diferenci-al, caracterizando esse desejo como o de sentir“(…) uma preocupação real do profissional queas está atendendo. (…) É essencial ser amparadoe ter segurança em relação aos procedimentos”(MAESTRI e CARISSIMI, 2006, p. 2). Apon-tam ainda, citando Epstein, os seis maiores obs-táculos nesse processo de comunicação: envolvi-

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mento emocional, dado o estado psicológico dopaciente; diferença de status, marcada por fato-res sociais; o tempo de duração das consultas; adiferença de repertório técnico; a comunicaçãounilateral, onde só o profissional explana; e difi-culdades lingüísticas, ligadas à linguagem adotapelo profissional de saúde (EPSTEIN apudMAESTRI e CARISSIMI, 2006, p. 7).

Nassar (2006, p. 2-9), em estudo realizadono Hospital e Maternidade Celso Pierro, da Pon-tifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMP/SP), afirma que a comunicação é umaimportante estratégia na construção do relacio-namento com os pacientes. Discorre sobre as es-pecificidades de comunicação em um ambientehospitalar, ressaltando que ações integradas de co-municação devem ser determinadas pela organi-zação de forma que as informações cheguem aopúblico-alvo de modo claro, objetivo e específi-co. Tal fato traz para o foco de gestão hospitalara comunicação como fator de construção das re-lações entre seus diferentes públicos. Diante detal perspectiva, é possível concluir que o proces-so de comunicação num ambiente hospitalar éde suma importância, principalmente quando seanalisa aspectos da comunicação interna. A auto-ra, ainda em seu estudo sobre essa faceta da co-municação em saúde, conclui reafirmando a ne-cessidade de que um projeto de comunicação emhospitais deve ser estruturado de forma a atuarpositivamente no ambiente interno e refletir nodesempenho de seus públicos - profissionais, co-laboradores e usuários. Somente estruturado dessamaneira é possível esperar que novos modelos derelacionamentos envolvendo esses diferentes pú-blicos sejam fomentados por ações de comuni-cação.

O potencial da linguagemradiofônica e rádios em espaçosnão convencionais

Desde a instalação oficial da primeira emisso-ra de rádio no Brasil, em 20 de abril de 1923 porEdgard Roquette Pinto, no Rio de Janeiro, o rá-

dio como meio de comunicação de massa atin-giu patamar de destaque no país, graças a seu ca-ráter democrático e acesso fácil. Neto apud Cam-pos e Garcia (2006, p. 3-4) afirma que a pene-tração do rádio equipara-se à televisão, atingindoo índice de 90% de presença nos lares brasileiros.Em relação à audiência, Mika (2007, p. 20) apon-ta dados completos sobre cobertura, faixa etáriados ouvintes, índice de satisfação e outros dadosrelevantes, tendo como fonte boletins da Associ-ação Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT),de onde destaca-se:

(…) Quem ouve rádio? 98% da popu-

lação acima de 10 anos ouve; 75% da

população ouve todos os dias (…)

Alcance: O alcance do rádio também é

muito expressivo chegando a atingir cer-

ca de: 95% das mulheres e 97% dos

homens; 95% nas classes A/B/D/E e

97% na C; 96% entre 10 e 49 anos, de

92% entre 50 e 59 anos e 84% para os

maiores de 60.

Atingindo de forma homogênea uma grandemassa de público, desde os mais cultos aos iletra-dos, de crianças a adolescentes e adultos, o rádioé uma mídia que proporciona exercícios de cria-tividade, pela ausência das imagens, e fala maisalto no imaginário dos ouvintes pois como “mí-dia quente”, conforme o classifica MarshallMcLuhan (2006, p. 335-6), o rádio faz com que,somente através da palavra sonora os ouvintes cri-em interpretações individuais bem mais amplasdo que permite a imagem na televisão. Quandocompara o rádio a “tambores tribais” em seu es-tudo sobre os meios de comunicação como ex-tensão do homem, o autor exemplifica o poderdo rádio citando o seu uso durante outras ativi-dades e a prática de cidadãos que carregam o apa-relho portátil em várias ocasiões, o que, segundoele, “lhes propiciam um mundo particular pró-prio em meio às multidões” (MCLUHAN,2006, p. 335-7). Embora seja um meio de co-municação de massa, o fato de instigar a imagi-

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nação e interpretação do ouvinte o transformanuma relação direta entre o escritor-locutor e oouvinte; segue a argumentação citando que o rá-dio, pelo fato de independer da alfabetização es-crita para sua compreensão, possui um alcancedevastador pouco explorado, até a época em queo original desse texto (1968) foi escrito.

Piovesan assinala o caráter universal do rádio,pregando o poder inclusivo do meio, sendo quetal inclusão refere-se tanto a público-alvo comotipo de informação e alcance dessas. Diz:

O rádio inclui a todos: o letrado e o anal-

fabeto, o pobre e o rico, o jovem e o

idoso, a mulher e a criança. Na progra-

mação, por mais segmentada que seja, o

rádio inclui a música, a publicidade, os

vários formatos do jornalismo, a educa-

ção, o esporte, a cultura, a prestação de

serviços… O rádio inclui tudo, o local e

o global. Tudo cabe no rádio! (PIOVE-

SAN, 2004, p. 36).

Sobre o potencial de cobertura, Klöckner eBragança (2001, p. 157-158) apontam que oscidadãos sintonizam o rádio nas seguintes ocasi-ões: 40% nos carros, 22% no trabalho ou outrolocal e 38% nas residências. Nos deslocamentosaqui considerados viagens, as pessoas ouvem 32minutos de rádio, em média. Nas residências, orádio está presente em 90% dos lares brasileiroscontra 67% da tevê a cabo.

A pesquisa realizada sobre radiodifusão aber-ta serve ao propósito de demonstrar o grau defamiliaridade e inserção no cotidiano da popula-ção do rádio, assim como seu grau de aceitação.Tal constatação também está presente nas pes-quisas realizadas sobre rádios em ambientes nãoconvencionais e em circuitos fechados.

Pesquisa realizada sobre o uso do meio radio-fônico em ambiente hospitalar encontram diretarelação com o processo terapêutico do paciente.A iniciativa mais festejada na área refere-se à Rá-dio TanTan, criada na Casa de Saúde Anchieta deSantos/SP, em 1989, que não está mais em fun-

cionamento e cujos registros localizados em pes-quisa na internet referem-se à mesma como ins-piração a projetos semelhantes. A Rádio TanTanfoi implantada dentro de um hospital psiquiá-trico, tendo como atores do processo os própri-os pacientes, resultando em benefícios surpreen-dentes para seu tratamento. Uma parte da histó-ria da Rádio TanTan foi recuperada por Kessar(2003, p. 1), baseada em entrevista com RenatoDi Renzo, um dos facilitadores do projeto:

Mostrando “com quantos loucos se faz

uma cidade”, a Rádio TANTAN, seus lo-

cutores e voluntários chegaram a fazer

cerca de 300 shows ao vivo, sendo moti-

vo de matérias em inúmeros jornais, re-

vistas e programas televisivos do Brasil (…)

e do exterior (…). A história da TAN-

TAN, então, ficou conhecida mundial-

mente, fazendo com que Santos se tor-

nasse modelo em Saúde Mental em mea-

dos de 1989, revolucionando os concei-

tos mais tradicionais da psiquiatria.

Hayne relata a experiência da Rádio da Gen-te, do Hospital Juliano Moreira, em Salvador/BA, através de entrevista com a idealizadora doprojeto, a assistente social Edna Amato Nonato.Motivada pela convivência diária com pacientespsiquiátricos, então tratados como cidadãos semdireito à livre expressão e constante vítimas demaus tratos, a assistente social resume a iniciati-va: “a rádio nasceu como um grito de denúncia,como uma iniciativa para divulgar os aconteci-mentos internos no hospital” (NONATO apudHAYNE, 2004, p. 1).

O nome da rádio foi escolhido em pesquisacom os pacientes e em 2004 completou oito anosno ar, tornando-se referência no tratamento psi-quiátrico na Bahia. Hayne (2004, p. 1) relata quea convivência com a rádio estimulou pacientes eaté provocou uma reavaliação médica dos diag-nósticos primários. O principal ganho registra-do pelos profissionais do hospital foi a recon-quista, por parte dos pacientes, da convivência

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com a família, integração com as pessoas e facili-dade de se comunicar, fomentadas pela rádio.

Outro projeto semelhante, porém de umprograma de rádio assumidamente inspirado naRádio TanTan é o programa Maluco Beleza, pro-duzido e executado por pacientes do Serviço deSaúde Dr. Cândido Ferreira, de Campinas/SP, emparceria com a Rádio Educativa da mesma cida-de. Roldão e Moreira descrevem a iniciativa comoum programa de rádio mensal, veiculado pelaRádio Educativa desde maio de 2002, que pre-tende desmistificar o tema Saúde Mentalpois“tem tom irreverente e trata tabus com hu-mor. Quem apresenta o programa, por exem-plo, é chamado de ‘loucutor’” (MATTOS apudROLDÃO e MOREIRA, 2007, p. 2).

A iniciativa faz parte do plano de comunica-ção do Cândido Moreira, e se propõe ao caráterjornalístico, trazendo temas ligados ao contex-to dos cidadãos que apresentam problemas men-tais. Atua como instrumento de formação deopinião pública e como canal de esclarecimen-to de dúvidas e divulgação dos serviços de saú-de mental de Campinas/SP. O programa, comuma hora de duração, é composto de entrevis-tas, enquetes, debates e espaço para novos ta-lentos em artes como música e poesia (ROL-DÃO e MOREIRA, 2007, p. 3).

Uma outra iniciativa da qual não se localizammais registros, nesse caso exceção feita a mençãopor Klöckner e Bragança (2001, p. 163) apenascomo citação, é a Rádio Saúde GHC, do GrupoHospitalar Conceição (GHC) que, segundo re-gistros, foi implantada em 1994 e permaneceuno ar até abril de 1995 em Porto Alegre/RS. Di-ferente do projeto de Santos/SP, essa rádio ope-rava em freqüência aberta com um raio de abran-gência de três hectares do complexo hospitalar.

O uso de rádio em ambientes não convencio-nais encontra lugar, também, em ambientes edu-cacionais. Um dos projetos pesquisados, oEducom.rádio - A educomunicação pelas ondasdo rádio, foi idealizado e implementado peloNúcleo de Comunicação e Educação (NCE) daEscola de Comunicação e Artes da Universidade

de São Paulo (ECA/USP), sob coordenação doProfessor Doutor Ismar de Oliveira Soares, au-tor do projeto. O projeto Educom.rádio é intei-ramente construído sobre as teorias de Educo-municação, terminologia cunhada e utilizada am-plamente no NCE, que prega o indispensável en-volvimento de todos os atores sociais do meioescolar, bem como sua capacitação técnica e aces-so democrático aos meios produtivos, como fun-damental para seu sucesso.

Do presente estudo extraímos o conceito deEducomunicação, no qual encontra-se princípi-os consonantes com a proposta em tela: o de tra-zer o meio radiofônico para o ambiente hospita-lar, sensibilizando os profissionais de saúde sobreo potencial educativo do mesmo e estimulando-se a participar da construção de programas radio-fônicos direcionados a pacientes. Ao mesmo tem-po, apresenta ao pacientes o rádio como possibi-lidade de expressão e canal de comunicação como Hospital e sua equipe de reabilitadores, respon-sáveis diretos pelo seu processo de tratamento ereinserção social.

Em suma, defendemos a educomunica-

ção como um campo integrador, inter-

discursivo, que usa o sabor próprio aos

meios de comunicação para ensinar ges-

tão democrática, olhar crítico, participa-

ção, respeito às diferenças. (CAMPOS

et al, 2005, p. 23).

Lima e Santos (2006, p. 4), em seu manual parao projeto Educom.rádio, referem-se à estrutura téc-nica necessária para implantação de uma rádio noambiente escolar, que podem ser aplicados para umarádio interna, e deixam claro o baixo investimentoem equipamento e estrutura que deve nortear opresente projeto: mesa de som, microfone, CDplayer, tape deck, gravador (repórter), caixas de som,transmissor ou amplificador.

Observa-se na proposta semelhanças com aestrutura descrita por Araújo no projeto Seguraessa Onda que refere-se à rádios internas instala-das em cidades cearenses:

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(…) implantação de rádios em circuito

interno. Equipamentos simples e de fá-

cil manuseio como microfones; mesa de

som; aparelho de som com gravador K7,

CD e rádio AM-FM; e um amplificador

são suficientes para o funcionamento de

rádios nas escolas. Algumas caixas de som

espalhadas pelo pátio, cantina, refeitó-

rio, recepção, corredores e salas fazem com

que o som chegue a todos os espaços

desejados (ARAÚJO, 2004, p. 2).

Diante das informações coletadas, pode-seobservar que se trata de ação passível de ser de-senvolvida em ambientes alternativos. Observa-se, porém, a necessidade de coordenação das ati-vidades de uma rádio interna por profissionaisde comunicação, para que os conhecimentos téc-nicos sejam alinhados aos preceitos teóricos deforma que a proposta atinja seus objetivos: utili-zar de comunicação para dinamizar o diálogointerno do ambiente em que se instale uma rá-dio em circuito fechado.

Contextualização daorganização objetode estudo

A organização estudada no presente trabalhoé o Hospital de Reabilitação de Anomalias Cra-niofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), conhecido tanto pela sociedade científicacomo pela leiga por “Centrinho/USP de Bau-ru”, situado em Bauru, interior do Estado de SãoPaulo. Trata-se o HRAC/USP de órgão comple-mentar da USP, uma das três universidades esta-duais paulistas, com autonomia administrativa ediretamente vinculado à sua Reitoria, reconheci-do pelos Ministérios da Educação e da Saúdecomo Hospital Universitário de Ensino.

O HRAC/USP é considerado um hospital es-pecializado, reabilitando portadores de fissuras la-biopalatinas e malformações craniofaciais, desdeque congênitas, além de oferecer tratamento com-pleto na área da audição, integrando-os à socieda-

de, sem distinção de raça, cor, sexo, religião ou declasse social, dedicando 100% de seus atendimen-to a usuários do SUS – Sistema Único de Saúde.Desde a sua fundação, em junho de 1967, forammatriculadas no HRAC/USP de Bauru mais de72 mil pessoas de todo o país e de alguns paísesvizinhos. Dessas, mais de 47 mil apresentaram al-gum tipo de anomalia craniofacial e cerca de 25mil deficiência auditiva. Por dia chegam ao HRAC/USP cerca de 300 pessoas com fissura labiopalati-na, deficiência auditiva e outras malformações docrânio e/ou da face - a maioria, crianças.

No panorama nacional de saúde pública, oHRAC/USP não encontra instituição similar àestrutura que possui, dado seu caráter multidis-ciplinar. A experiência do Hospital de mais de40 anos na área trouxe para os protocolos cientí-ficos mundiais o tempo médio de reabilitaçãodesses pacientes, que varia de 18 a 20 anos, comintervenções contínuas de várias especialidades desaúde. Trata-se de um plano de tratamento se-melhante a um planejamento sistêmico, onde ainterface entre as especialidades e o crescimentodo paciente é determinante para o êxito do trata-mento. Nesse contexto, torna-se fácil entender ovínculo duradouro que se forma entre o Hospi-tal e seus pacientes.

Do ponto de vista da comunicação, o HRAC/USP conta com uma estrutura solidificada pornove anos de trabalho. Criado em 1999 comoassessoria de comunicação, o Serviço de Comu-nicação do HRAC/USP (SerCom) veio atenderà demanda institucional de consolidar um canalde comunicação com seus diversos públicos: amídia em geral, a sociedade, seus pacientes e fun-cionários. Entende o SerCom em seu planeja-mento estratégico que a comunicação numa ad-ministração pública deve estabelecer diálogo en-tre o órgão público e a sociedade, de modo aatingir e atender todo o seu público. Para cum-prir seu papel, trabalha para eliminar diferençasque circunstâncias econômicas e sociais impuse-ram aos diferentes públicos, com a mesma qua-lidade de informação. No presente estudo, inte-ressa-nos a interface com uma parcela desse pú-

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blico: os pacientes. Embora atuando de maneirasatisfatória junto à colaboradores, níveis gerenci-ais e mídias da sociedade - como “mídia das fon-tes” -, observa-se a carência de um maior númerode ferramentas que criem canais com os pacientes.

A maior dificuldade observada vêm de mani-festações dos profissionais de saúde, exatamenteno processo de educação para prevenção em saú-de e de cuidados com cada etapa do tratamento.A equipe interdisciplinar do HRAC/USP é com-posta de várias especialidades, cada qual com ne-cessidades específicas, e portanto materiais edu-cativos apresentam alto grau de complexidade eheterogeneidade. Esse é um dos pontos frágeisdo processo de comunicação da organização como paciente, pois a diversidade de repertório é umfator que influencia a aceitação e assimilação, porparte do paciente, dessas ferramentas.

Por outro lado, o tratamento é diretamenteinfluenciado pelo grau de ciência do paciente deterapias e cuidados com a saúde que podem edevem ser praticados em casa, como maneira defavorecer o tratamento. Manuais e fôlderes im-pressos não tem atingido o êxito que se esperava,criando um ruído de comunicação entre a equi-pe profissional e os pacientes e/ou familiares. Em-bora o SerCom proceda à adequação de lingua-gem, do técnico para o leigo, esses instrumentosnão tem se mostrado eficazes, apontando para anecessidade de criação de outras ferramentas quecumpram essa função.

A clientela interna do HRAC/USP é compos-ta de gerências, colaboradores e pacientes. Em re-lação a pacientes, considera-se os mais de 72 milcidadãos matriculados no HRAC/USP como ouniverso alvo, destacando-se que diariamente cir-culam em suas instalações uma média de 300 pa-cientes, sem contar acompanhantes eventuais. Parao atendimento à população, o HRAC/USP dis-põe de duas estruturas físicas: o prédio principal,localizado na Vila Universitária, em Bauru, den-

tro do campus local da USP, onde circulam umamédia diária de 200 pacientes com anomalias cra-niofaciais. Já os cidadãos com deficiência auditivasão atendidos no prédio da Divisão de Saúde Au-ditiva, no Jardim Panorama, onde circulam umamédia diária de 100 pacientes. Considerando-seque é raro o paciente vir sozinho para atendimen-to, sendo normalmente acompanhado de um fa-miliar, a circulação média diária projetada de cida-dãos no HRAC/USP é de 600 pessoas.

Considera-se a pluralidade cultural desses ci-dadãos, já que o Hospital recebe pessoas de to-das as regiões brasileiras, e os diferentes níveis só-cio-econômicos destes, determinantes para a ado-ção de estratégias de comunicação. No que se re-fere a esse aspecto, a população de pacientes éextratificada1 em baixa inferior (18,3%), baixasuperior (38,7%), média inferior (23,0%), mé-dia (8,7%), superior (1,6%) e alta (0,1%).

No prédio central, onde são atendidos os ci-dadãos com malformações craniofaciais – cujapopulação matriculada no Hospital chega aos 46mil pacientes - 5,2% são da região Norte do país,5,1% da região Nordeste, 11,4% da região Cen-tro Oeste, 16,2% da região Sul e 62,1% da re-gião Sudeste. É nesse prédio que se propõe, ini-cialmente, a instalação da rádio, considerado asnaturais dificuldades de implantação dessa ferra-menta num ambiente em que, prioritariamente,os usuários têm problemas auditivos – no caso,o prédio da Saúde Auditiva.

Descrição das pesquisasdesenvolvidas

Pesquisa documental: Todos os dados apre-sentados sobre a organização são baseados em in-formações colhidas em documentos disponíveisna internet e no arquivo do Hospital. São porta-rias, normativas de órgãos públicos com quemse relaciona a organização, portal da Universida-

1 - Níveis sócio-econômicos dos pacientes: determinados por estudos realizados pelo Serviço Social do HRAC/USP, que considera dados comorenda familiar, nível de alfabetização e outros dados amplamente utilizados em estudos demográficos. Fonte: Serviço Social do HRAC/USP

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de de São Paulo, projetos internos e relatóriosdiversos do HRAC/USP. Foram pesquisadas tam-bém fontes como o Sistema Único de Saúde ebanco de dados do Serviço de Informática, Ser-viço de Pessoal e do Serviço de Comunicação,todos do HRAC/USP. Tal etapa torna-se indis-pensável para descrever o contexto da organiza-ção, traçando um perfil realista do Hospital, pon-tuando suas políticas e as suas carências no que serefere ao processo de comunicação. Dos docu-mentos consultados, foi realizado uma leituracrítica, destacando-se os aspectos pertinentes àproposta.

Pesquisa bibliográfica: Para construir o arca-bouço teórico que justique a proposta, foi rea-lizada pesquisa bibliográfica em publicações ci-entíficas da área de comunicação, com foco emcomunicação e educação. Ampla pesquisa na in-ternet foi realizada, também, em busca de ini-ciativas semelhantes, ampliando-se essa pesqui-sa não somente para publicações técnicas, masnão científicas também, devidamente referen-ciadas. A metodologia utilizada foi a leitura crí-tica do material selecionado, e a seleção dos as-pectos relevantes para a proposta.

Proposta de criaçãode rádio interna no HRAC/USP

Como discorrido no referencial teórico, o rá-dio é um eficiente veículo para a difusão de in-formações. Acrescenta-se o fato de que essa mí-dia é uma das mais presentes na cultura do cida-dão brasileiro, seja ele de que região for, o quefacilita sua aceitação. A opção pela linguagem ra-diofônica, no universo do HRAC/USP, respeitaa diversidade cultural presente na organização,considerando-se que por seus corredores circu-lam cidadãos de todas as regiões do país, de dife-rentes níveis sócio-econômicos e culturais e, porisso, diferentes também são os níveis de alfabeti-zação letrada dessa população.

Com a instalação de uma rádio interna em cir-cuito fechado, que veicule programas educativos ede prevenção à saúde bem como informações de

interesse geral do paciente, atende-se tanto as ne-cessidades dos pacientes como dos colaboradoresno processo de comunicação entre a organização eseus usuários. A Rádio Centrinho deve utilizar-sede sistema interno de som nas áreas comuns, evi-tando consultórios de maneira a não interferir eprejudicar os atendimentos profissionais.

Pretende-se, com tal iniciativa, fomentar arelação dialógica entre o HRAC/USP e seus pú-blicos internos – gerência, colaboradores e paci-entes -, de forma a solidificar os laços entre essese aproximar a organização de ambos. Dessa ma-neira, constrói-se a base para um relacionamentoque resulte em benefícios para os colaboradores,que se sentirão mais motivados no desempenhode suas funções, gerando o crescimento da quali-dade dos serviços oferecidos, além de ofereceruma nova ferramenta que auxilie o processo dediálogo entre pacientes e profissionais da saúde.Já para os pacientes, o maior benefício é a totalcompreensão das potencialidades da organizaçãoe dos serviços à sua disposição, o que os instru-mentalizam a reivindicar perante à sociedade,autoridades e à própria organização, atendimen-to de qualidade e adequado à sua patologia. Alémdisso, na relação reabilitadores/pacientes, a com-preensão de todo o tratamento faz com que ograu de colaboração de pacientes e familiares sejaampliado, favorecendo a reabilitação e auxilian-do o envolvimento de ambos no tratamento.

No que se refere à estrutura humana, a equi-pe de produção jornalística do SerCom possuidois jornalistas amplamente familiarizados coma linguagem técnica dos reabilitadores e a dos pa-cientes, já que produzem outras ferramentas co-municacionais cujo alvo são os referidos. A equi-pe de reabilitadores é importante fonte de infor-mações, uma vez que detém o conhecimento téc-nico de temas a serem abordados, além de se con-figurar em importante elemento do diálogo quese pretende estabelecer.

Desde 2005 o SerCom desenvolve um proje-to com um grupo de pacientes de Bauru, comidade entre 10 e 18 anos - o Jornal Oficina -,com o objetivo de instrumentalizar os partici-

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pantes no uso de ferramentas de comunicaçãoem suas realidades sociais. Concentrando-se atéo presente momento em oficinas de jornal co-munitário, avançou levemente em 2007 na lin-guagem radiofônica, com resultados animado-res. Assim, esse grupo de 12 pacientes apresenta-se como potenciais colaboradores da Rádio Cen-trinho, conferindo o caráter dialógico entre am-bos os públicos – reabilitadores e pacientes – quese deseja imprimir para a ferramenta.

Apoiado nos referenciais pesquisados, projeta-se uma estrutura mínima de equipamentos e es-paço físico para a implantação da Rádio Centri-nho. Uma cabine acústica faz-se necessária para gra-vação de entrevistas e dos programas, sendo que aorganização dispõe de cabines audiológicas que seprestam para tal fim. Um equipamento de grava-ção, com microfones e um computador, equipa-do com software de edição e dispositivos para gra-vação em CD atende às necessidades de produção,ao mesmo tempo que possibilita a gravação, viainternet, de programas, campanhas e spots livresdisponibilizados por órgãos de saúde.

A reprodução configura-se na etapa mais dis-pendiosa da proposta, envolvendo o cabeamentode espaços físicos comuns - salas de espera, corre-dores e locais de grande concentração de pacientes- para colocação de pequenas caixas acústicas, in-tercaladas a espaços regulares. Equipamentos comotransmissor e reprodutor do som, gravado em CD,também fazem parte do kit mínimo para instala-ção da Rádio Centrinho. Outros como gravadorportátil em MP4, são desejáveis, pois conferemagilidade ao processo de produção, permitindomobilidade para repórteres e entrevistados.

Quanto ao formato, propõe-se uma progra-mação que contemple temas de saúde e qualidadede vida, no formato de programas de entrevistas,spots educativos ou programas temáticos, apoia-das no amplo conhecimento da equipe interdisci-plinar do HRAC/USP. Programas elaborados come pelos pacientes, trazendo as experiências destesna superação de suas dificuldades com o tratamen-to é um motivador fundamental para todo o pú-blico - tanto colaboradores como usuários -, pois

evidenciam os ganhos de um tratamento adequa-do para os pacientes e a responsabilidade dos cola-boradores na reabilitação dos cidadãos.

No universo do HRAC/USP, alguns temasexigem desdobramentos devido à sua complexi-dade, com séries de um mesmo tema para nãocansar o ouvinte com longos períodos de infor-mação, ao mesmo tempo que cada programaindividual seja suficiente para facilitar o entendi-mento do ouvinte sobre o assunto abordado, casoele perca os conteúdos de uma edição específica.No caso de temas amplos de saúde, que não serestringem aos atendimentos oferecidos peloHRAC/USP, deve-se citar a fonte e fornecer oque se chama em jornalismo de “serviço”, comendereços e contatos de outras organizações queatendam ao problema abordado.

A programação da rádio deve prever, ainda,entrevistas com colaboradores e pacientes, notí-cias factuais, campanhas institucionais, reprodu-ção de spots e programas disponibilizados livre-mente na internet ou cedidos por eventuais par-cerias. Com o grupo do Jornal Oficina, é possí-vel planejar programas com linguagem infantil eadolescente, de caráter lúdico, que atraia a aten-ção dos ouvintes e motivem os demais pacientesa participar do projeto. Narrativas do ponto devista do paciente é uma faceta a ser explorada pelaRádio Centrinho, de forma a desmistificar o pro-cesso de reabilitação e as dificuldades naturaisencontradas no decorrer deste.

Além de temas de saúde, pode-se abordar di-reitos do cidadão, qualidade de vida, educação, li-teratura, e temas de interesse direto do paciente,como informações rápidas sobre como acompa-nhar o agendamento de seu tratamento, recursosfinanceiros públicos disponíveis como TFD, o quetrazer na internação, dúvidas mais freqüentes notratamento, informações gerais sobre o hospital edicas locais de hospedagem, alimentação e trans-porte. Os temas citados, por serem recorrentes noâmbito do HRAC/USP, já foram objetos de estu-dos por parte da equipe de comunicadores do Ser-Com, na tentativa de contribuir para o processode comunicação e reabilitação em saúde.

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A proposta inicial de implantação da RádioCentrinho prevê uma programação diária de duashoras, concentradas no período entre 10 e 12 ho-ras, hoje considerado um espaço de tempo ociosoentre a confirmação dos dados do paciente, as pri-meiras consultas, exames laboratoriais e a preleçãopara as cirurgias, no caso de internações. Experi-mentalmente, propõe-se que a Rádio Centrinhofuncione por três meses nesse formato, sendo queposteriormente deve ser aplicada uma pesquisaqualitativa, tanto na equipe de reabilitadores comoem grupo amostral de usuários do HRAC/USP,que forneça embasamento para reestudo da pro-posta. O foco da pesquisa deve ser o impacto cau-sado pela ferramenta proposta, os resultados obti-dos em seu período experimental, tanto para ospacientes como para a equipe de reabilitadores,bem como deve analisar se o projeto editorial daRádio Centrinho atende aos anseios da comuni-dade interna. Pode, ainda, detectar outras temáti-cas a serem abordadas, assim como horário de fun-cionamento, e possíveis formatos de programas,como contação de histórias por rádio e outros te-mas do universo infantil e adolescente.

Considerações finais

Os estudos realizados que embasam a propostade implantação de uma rádio interna no HRAC/USP consideraram referências teóricas sobre a lin-guagem radiofônica, seu uso em projetos de mí-dia-educação, assim como iniciativas semelhan-tes à proposição apresentada, ou seja, uma rádioem ambiente hospitalar.

Como motivador para tal discussão, partiu-se da existência de pesquisa interna realizada quedetectou carências no processo de comunicaçãoentre profissionais de saúde e os usuários do ser-viço. No mesmo estudo, foi levantada a hipóte-se de resgate de sistema de som existente na orga-nização em meados de 1990, como alternativade ferramenta de diálogo, uma vez que seu fun-cionamento atingia níveis satisfatórios.

Diante de tais sinalizações receptivas internas ealicerçado em resultados positivos de projetos se-

melhantes, em contraponto com as dificuldadespresentes no relacionamento profissional de saúde/ paciente, propõe-se que seja instalada, em caráterexperimental e com veiculação limitada, um pilo-to de rádio interna como veículo facilitador dediálogo interno, sem a pretensão de resolver, defi-nitivamente, os problemas de ruído existente emtal diálogo. Para tanto, considera-se que um perí-odo de teste seja fundamental antes da aplicaçãode pesquisa interna específica. Há que se registraro fato de que o potencial da linguagem radiofôni-ca não é amplamente conhecido pela organização,ao mesmo tempo em que o paciente não está ha-bituado a tal iniciativa no ambiente hospitalar, fa-tores estes que podem influenciar as respostas aum eventual levantamento prévio.

Registra-se, ainda, que as temáticas sugeridassão as mesmas oferecidas pela equipe de reabilita-dores para outras ferramentas de comunicação quese mostraram ineficazes, caso específico dos meiosimpressos – cartilhas, fôlderes e manuais. Um dosfatores que pode ser apontado no insucesso de taisferramentas é a diversidade tanto cultural comosocial dos usuários, sendo o índice de eficiência dalinguagem escrita discutível, se considerarmos aexistência de analfabetos letrados nesse universo.Soma-se a tais considerações a possibilidade deenvolvimento de um grupo de pacientes de Bau-ru, o que confere à proposta um caráter bilateralde envolvimento no projeto, possibilitando quetanto profissionais como usuários de saúde sejamatores no processo de comunicação.

Por fim, destaca-se a importância do estreita-mento de relações entre ambas as partes como ele-mento positivo, não somente para a organizaçãocomo prestadora de serviços em saúde, mas para ocidadão, como membro ativo de seu processo detratamento e relacionamento com o Hospital.

Nesse contexto, a linguagem radiofônica apre-senta-se como uma alternativa altamente sedu-tora e passível de sucesso ao diálogo, contribuin-do tanto para a humanização do tratamento hos-pitalar como no processo de construção de cida-dania e conhecimento amplo de seu tratamento,por parte dos pacientes.

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A comunicação no âmbito de umaorganização pública – um estudo

desenvolvido no Departamento de Águae Esgoto – Dae/Bauru

Elton Amaro Rodrigues Mateus*

* Graduado em Relações Públicas pela Universidade do Sagrado Coração deBauru/SP – Aluno Especial do Programa de Pós Graduação da FAAC/Unesp

Bauru, na disciplina Gestão da Informação e da Comunicação

Resumo

Pesquisa integrante de um estudo monográfico realizado no segundosemestre de 2005, desenvolvida junto à alta-hierarquia do Departamentode Água e Esgoto de Bauru, com o propósito de abordar, a partir de referen-ciais teóricos, a aplicação dos conceitos, além de traçar o perfil e percepçãoque os profissionais integrantes do quadro da autarquia detêm em relação àutilização da comunicação. Com a pesquisa foi possível identificar os concei-tos que pontuam a realidade administrativa de uma organização públicano que tange à comunicação, enquanto ferramenta estratégica para a legi-timação das ações da organização.

Palavras-chaveComunicação organizacional, relações públicas, pesquisa qualitativa.

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Introdução

Este estudo se desenvolveu com o propósitode apresentar a possibilidade de associação dosconceitos e práticas de Relações Públicas aos con-ceitos de Comunicação Pública e Cultura/Co-municação Organizacional enquanto estratégiaspara potencializar a comunicação, bem como paralegitimar as ações do Departamento de Água eEsgoto de Bauru - DAE frente à municipalida-de. O DAE é a Autarquia Municipal que presta

serviços de saneamento básico para quase 100%dos atuais 350.000 habitantes da cidade de Bau-ru desde 1962.

A Vila de Bauru teve seu surgimento registra-do em 1888, enquanto a criação do ‘município’foi ratificada em 1.°de agosto de 1896. O po-voamento, o crescimento econômico e o desen-volvimento da cidade sempre estiveram relacio-nados ao entroncamento ferroviário formado por03 companhias de transporte: a Estrada de FerroSorocabana, que chegou à cidade em 1905; a

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Companhia Noroeste do Brasil (NOB) que al-cançou a cidade em 1906, e a Companhia Pau-lista de Estradas de Ferro.

O primeiro reservatório de água da cidade,precursor do sistema de abastecimento de água,foi entregue à população em 1912 para sanar par-te do problema de abastecimento da cidade quecresceu em torno do funcionamento e das ofici-nas da estrada de ferro Noroeste do Brasil. Apartir de então muitas pesquisas, tentativas e obrasforam desenvolvidas na cidade, até que em 1942foi inaugurado um novo sistema de abastecimen-to de água, que passou a captar a água do RioBatalha, definido então como fornecedor prin-cipal. A coleta de esgoto também foi inauguradana década de 40, para atender inicialmente a par-te central da cidade.

A empresa atualmente conta com 684 servi-dores, responsáveis pela captação, tratamento, ar-mazenamento, distribuição de 2,1 bilhões de li-tros de água por mês em sistema próprio, sejacaptada do Rio Batalha e tratada na Estação deTratamento, seja dos 50 poços – dos quais 28são poços profundos. A condição de empresapública não exime o DAE da adaptação e do aten-dimento das exigências da municipalidade emrelação ao saneamento básico e também ações deadequação aos conceitos de transparência, ética,que nasceram com o advento do Código de De-fesa do Consumidor. Atualmente a empresa tra-balha na construção de interceptores que fazemparte das obras de captação e tratamento de es-goto produzido no município. Os processos delicitação para a construção das Estações de Trata-mento de Esgoto encontram-se em estágio avan-çado para a contratação.

Cabe aqui destacar que a avaliação da realida-de comunicacional dentro de uma organizaçãodo 1.º Setor somente é possível a partir da per-cepção das formas como ela é gerenciada. No-gueira (2004, p. 02) comenta a respeito da “ne-cessidade de os comunicadores compreenderema mentalidade das instituições públicas. Em ou-tras palavras, sua cultura organizacional, os valo-res e crenças vigentes...” Foi, portanto, essa a fi-

nalidade da pesquisa aqui apresentada - detectara percepção que a alta hierarquia de uma organi-zação pública tem em relação à comunicação,desencadeada a partir das diversas decisões adota-das no âmbito interno.

Desenvolvimento

Objetivos da pesquisa• Levantar informações que possibilitassem

avaliar, em uma empresa pública do muni-cípio de Bauru, a visão dos profissionaispertencentes ao quadro da organização emrelação aos seus processos de comunicação.

• Avaliar se os profissionais e lideranças queatuam no processo decisório têm a noçãoda extensão dos métodos e meios de comu-nicação existentes dentro da empresa em queestão atuando.

• Identificar os instrumentos de comunica-ção utilizados e se o processo ocorre de for-ma estratégica, visando potencializar as fun-ções administrativas da organização.

• Avaliar a percepção que as lideranças possu-em sobre os públicos da organização

• Verificar a existência de possíveis distorçõesdos conceitos de comunicação presentes naempresa.

MetodologiaUtilizou-se para desenvolvimento deste estu-

do a pesquisa qualitativa, por intermédio da téc-nica de “entrevista em profundidade”, sendo quedesse processo participaram lideranças, cuja atu-ação é estratégica, pertencentes ao quadro da or-ganização e que estão diretamente ligados aos pro-cessos tanto decisórios, quanto comunicacionaisda empresa.

As entrevistas foram realizadas com profissi-onais da área Administrativa, Assessoria de Im-prensa e o Presidente do Conselho Administra-tivo. Essa delimitação teve por objetivo atingirmais especificamente as instâncias que atuam nosprocessos de decisão, regulamentação e divulga-ção de informações no âmbito da empresa. As

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entrevistas foram realizadas mediante agendamen-to prévio de data e horário, além do envio dematerial de apoio aos entrevistados. O materialde apoio consistiu de um artigo “Gestão da Co-municação Interna das instituições públicas: umrecurso esquecido”, de autoria da Prof.ª MariaFrancisca Magalhães Nogueira, encaminhado jun-tamente com o convite, e que se refere à temáti-ca que foi abordada com os entrevistados. Oroteiro da entrevista - elaborado previamente -foi baseado em tópicos buscavam a obtenção dasinformações consideradas necessárias.

Apresentação dos resultadosPara melhor visualização das opiniões mani-

festadas em relação às questões formuladas, apre-sentam-se a seguir os tópicos:

Questão 1: Como os entrevistados avaliam aorganização em termos de comunicação.

Foi possível perceber que a comunicação naorganização não é desenvolvida de forma siste-matizada. Segundo a avaliação dos entrevista-dos, as informações não atingem todos os públi-cos da organização e a que chega ao público finalnão é completa. Essa postura é prejudicial para aorganização, limitando a sua atuação junto à co-munidade onde está inserida. Sobre esse proces-so Kunsch (1997, p. 117) afirma que:

Para as organizações em geral, é muito

importante a integração de suas ativida-

des de comunicação, em função do for-

talecimento do conceito institucional,

mercadológico e corporativo junto à so-

ciedade. É preciso incorporar a idéia de

uma comunicação globalizante, que nos

ajude a compreender e acompanhar o

ritmo acelerado das mudanças no Brasil

e no mundo. Uma comunicação parcial

e fragmentada nunca conseguirá isso.

(KUNSCH, 1997)

Dessa maneira, a organização, modo geral, de-veria então proceder a uma revisão dos seus pro-cessos de comunicação, tendo em vista o fato da

alta hierarquia ter a percepção, bem como consci-ência em relação à desarticulação estratégica dacomunicação da organização – que pode impedi-la de “acompanhar o ritmo acelerado de mudan-ças” a que está exposta enquanto organização.

Questão 2: Sobre as formas utilizadas para gera-ção e disseminação de informações na organização.

Foi possível notar que a Assessoria de Impren-sa, embora exista no organograma da Autarquia,enquanto órgão especificamente ligado à comu-nicação, não atua como única fonte emissora deinformações que circulam tanto internamente,quanto externamente, ou seja, nota-se a existênciade focos de geração e disseminação de informa-ções, o que vem confirmar as manifestações dosentrevistados, constantes da questão anterior.

Esta postura remete às características da sim-ples divulgação, desprovidas de orientação para aconstrução de relacionamentos, ou obtenção defeedback. Isso pode estar obstruindo o desenvol-vimento adequado da função política da organi-zação, assim definida por Simões (2001, p. 35):

Entenda-se por função organizacional

política a contribuição do conjunto de

programas de ação (políticas, normas,

procedimentos, atividades, serviços e pro-

dutos) para a integração dos interesses

comuns e específicos da organização com

seus públicos, evitando o conflito e le-

vando-os ao estágio de cooperação e, as-

sim, à consecução da missão da organi-

zação. (SIMÕES, 2001)

A inexistência de sistematização, ou mes-mo de alguma forma de gestão das informaçõespara o desenvolvimento da comunicação organi-zação, demonstrada pelos entrevistados, denotauma obstrução da função política da organiza-ção. Simões (2001, p. 34) a respeito deste fatose posiciona que “quando se desfuncionaliza, levaa organização à não atingir sua missão, por serincapaz de influenciar com êxito, seus diversospúblicos a fim de obter cooperação”.

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Essa constatação permitiu concluir que na au-tarquia existem dificuldades em relação à legiti-mação de suas ações e posicionamentos perante acomunidade atendida pela organização, bem comooutras dificuldades geradas pela falta da efetiva sis-tematização da comunicação na empresa.

Questão 3: A respeito da instância do organo-grama onde é definida a política de comunicaçãoda organização.

Segundo as manifestações, a instância de de-cisão a respeito da comunicação na autarquia sedá na alta gerência, ou seja, as informações quepermeiam as decisões da Presidência em conjun-to com as Diretorias de Divisão, passando entãopara a instância da Assessoria de Imprensa. Esseenvolvimento se revela positivo em relação àpossível implantação de um programa de siste-matização da comunicação na autarquia, se le-varmos em consideração o que afirma Kunsch(1997, p. 128), a respeito da área de comunica-ção em uma empresa:

A primeira constatação que podemos fa-

zer é a necessidade de se considerar o

setor de comunicação interna como uma

área vital, integrada ao conjunto de polí-

ticas, estratégias e objetivos funcionais

da organização. É preciso haver total

assimilação da idéia por parte da cúpula

diretiva, dos profissionais responsáveis

pela implantação e dos agentes internos

envolvidos. Caso contrário, os progra-

mas a serem levados a efeito correrão o

risco de ser parciais e paliativos. (KUNS-

CH, 1997)

É valido lembrar que no organograma daempresa está prevista a área destinada à Comuni-cação – a Assessoria de Imprensa – que se situabem próxima da Presidência e da cúpula direti-va, sendo ao mesmo tempo importante retomaro que comenta Torquato (2002, p. 141):

[...] nos últimos anos, o processo de co-

municação governamental e política pas-

sou por uma evolução. Está esgotado o

ciclo do processo de comunicação restri-

to à operação clássica de Assessoria de

Imprensa, cujo fundamento é a cober-

tura de atos rotineiros do governo e da

presença do governador e do prefeito nas

mídias locais, por meio de entrevistas e

análises. As assessorias de imprensa têm

sido, normalmente, reduto de jornalis-

tas que acabam se acomodando às roti-

nas, regadas de releases e matérias lauda-

tórias. Esse processo está condenado ao

fracasso, em função das demandas soci-

ais diferentes e do caráter fiscalizador que

passou a exercer a sociedade. (TOR-

QUATO, 2002)

Essa afirmação, associada às informações daQuestão 2 – sobre a falta de sistematização dasinformações – serve como base para a inferênciade que à organização – conseqüentemente à suaAssessoria de Imprensa, é necessário afastar-se domodelo de simples divulgação, típica da comu-nicação governamental, para assumir uma pos-tura mais próxima do modelo proposto pela Co-municação Pública, em que esteja previsto o de-senvolvimento da gestão pública, a partir da cor-reta percepção do cidadão, da abertura para a par-ticipação efetiva e democrática da sociedade emprol dos assuntos de interesse público, além doestabelecimento de relações comunicativas base-adas em propostas de cidadania entre outros con-ceitos voltados para o atendimento das expecta-tivas da sociedade.

Questão 4: Como a alta hierarquia da organi-zação percebe a necessidade de utilização da co-municação de forma estratégica.

As manifestações dos entrevistados, associadaaos objetivos da pesquisa, permitiram perceber aexistência de preocupação da atual administra-ção, no sentido de reestruturação das políticas daempresa, e isso inclui a adoção de política especí-fica de Comunicação. Os participantes deixaram

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transparecer essa preocupação nas suas respostas,ao relacionarem diversos valores utilizados pelasorganizações modernas e privadas, como porexemplo: transparência, planejamento estratégi-co de ações, gestão estratégica, comunicação glo-bal. Cabe aqui a definição de Comunicação Glo-bal proposta por Matos (2004, p. 08):

É uma tentativa de organizar esse mosai-

co de discursos que se dirigem a um pú-

blico dividido sob várias formas, como a

mídia e seus vários veículos, o público e

suas grandes, médias e pequenas empre-

sas, pessoas físicas e jurídicas, razões soci-

ais, etc. Todos esses públicos têm interes-

se direto na vida da organização e se rela-

cionam com ela diretamente. (MATOS,

2004)

Sobre a percepção/visão dos dirigentes em re-lação ao desenvolvimento e operacionalização doplanejamento estratégico, ao abordar-se inclusi-ve sobre a comunicação na empresa, é possíveldeduzir que esse comportamento e consciênciafacilitam a adoção de uma nova política de co-municação, de novos valores, existe um pré-po-sicionamento favorável à adoção de políticas es-tratégicas. Ao expor essa conjuntura, a noção dosprofissionais confirma o proposto por Françaapud (Kunsch, 1997, p. 07) de que: “um dosfatores primordiais de relacionamento passou aser a comunicação, que assume importância vitalcomo recurso estratégico de entendimento, per-suasão e de negócios”.

Questão 5: Carências da organização em rela-ção à comunicação.

Destacam-se em função dos objetivos da pro-posta:

• a rigidez da empresa pública como fator di-ficultante dos investimentos na área de co-municação: à empresa pública não é permi-tida a contratação direta de serviços de co-municação ou publicidade, sendo necessá-rio um processo licitatório para isso;

• a falta de planejamento estratégico para nor-tear as ações da empresa e da comunicação;

• a falta de um profissional específico para,em conjunto com a Assessoria de Imprensa– órgão instituído pelo organograma daempresa, desenvolver especificamente a co-municação na organização;

• a empresa não conta com um sistema inter-no, atualmente, favorável que possibilite aefetiva disseminação das informações paraos seus públicos, tanto interna, quanto ex-ternamente;

• indefinição quanto à área/instância específi-ca no organograma para desenvolver a co-municação interna da empresa.

É válido destacar, que pelo menos duas carênci-as estão relacionadas ao aspecto do desenvolvimen-to da comunicação no âmbito do público interno.

Outro fator relevante a se destacar remete àseguinte manifestação: “Sinto falta de um pro-fissional de Comunicação que defina as questões,de como fazer, o estilo, os instrumentos a seremutilizados, definindo a comunicação da organi-zação de uma forma global”. Essa colocação rei-tera as informações da Questão 04, pois nova-mente reflete a percepção que um integrante daalta gerência tem sobre a atual forma que vemsendo conduzido internamente o processo comu-nicacional na organização.

Questão 6: Pontos fortes em relação à comuni-cação da organização.

Os entrevistados destacaram como pontosfortes:

• resposta imediata da Assessoria de Impren-sa aos assuntos que envolvem o nome daempresa;

• o fácil acesso da empresa aos meios de co-municação da cidade, através da Assessoriade Imprensa;

• o interesse dos funcionários em acompanharde perto as informações veiculadas sobre aorganização nos diversos meios de comuni-cação, da imprensa local.

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A respeitos dos pontos fortes apontados pe-los entrevistados é possível afirmar que estes seri-am fatores a serem explorados, enquanto aspec-tos favoráveis e facilitadores, em caso de interes-se da organização em implantar um plano de co-municação estratégica.

Questão 7: Sobre a existência de uma visãomercadologia associada à comunicação da empresa.

Três dos quatro entrevistados afirmaram nãoexistir a visão mercadológica associada à comu-nicação da organização. Essa percepção dos en-trevistados contradiz a afirmação de Matos (1999,p. 02), que destaca sobre a “possibilidade de in-tegrar a comunicação governamental como tare-fa da instituição pública, não utopicamente se-parada da lógica de mercado, mas sem eximirde todo o Estado de sua responsabilidade de me-diador legítimo da sociedade”.

Em contrapartida, um dos entrevistados des-tacou que a empresa é ‘da população’ e que ‘deveservir bem a população’ numa clara alusão à pre-ocupação com o atendimento do aspecto demo-crático e social, que deve estar atrelado ao traba-lho/prestação de serviços propostos pela organi-zação, enquanto organização pública: essa postu-ra demonstra a noção da necessidade de utiliza-ção mais apurada da comunicação pelo ‘gover-no’. Sobre esse aspecto Nogueira apud Kunsch(1997, p. 150) destaca:

[...] cedo ou tarde, os governantes des-

cobrirão a importância de trabalhar bem

nessa área, não para convencer a opinião

pública de que seu governo é bom - como

tantos mandatários já fizeram sem êxito

– mas para assegurar a compreensão e o

envolvimento dos públicos relevantes

nas estratégias importantes ... respeitan-

do o enorme avanço da democracia re-

presentativa em todo o mundo, e pro-

curarão melhorar seus sistemas de comu-

nicação.

Questão 8: Percepção sobre os benefícios que a

efetiva implantação de um programa de comuni-cação trariam para a empresa.

As manifestações dos entrevistados possibili-taram inferir que na organização pública em ques-tão existe a noção dos benefícios que a adoção deum programa de comunicação pode proporcio-nar, em diversos aspectos, seja para as funções daempresa (função de produção, função financei-ra, de marketing, de recursos humanos, de pes-quisa e desenvolvimento, da administração ge-ral) e, especialmente da função política que, se-gundo Simões (2001, p. 51) “contém as açõescorrelacionadas com o processo de exercício depoder/comunicação interno e externo à organi-zação”.

Destaca-se a seguir alguns dos benefícios lis-tados relacionando-os às funções ou subsistemasorganizacionais anteriormente citados:

• ... “transparência para o que acontece na em-presa”, relaciona-se às funções política, demarketing, da administração geral;

• ... “traria mais agilidade, poderíamos estarlevando mais conhecimento, mais informa-ção tanto para o público interno quanto parao público externo.”: relaciona-se às funçõesde produção, de recursos humanos, da ad-ministração geral;

• ... “divulgar, num trabalho de comunicaçãovoltada para o mercado, o esforço e o que aempresa vem fazendo, com isso trazer o cli-ente mais próximo da empresa”... : relacio-na-se às funções de marketing, da adminis-tração geral, a função política.

Todas essas afirmações confirmam o propos-to por Camargos apud (Oliveira, 2004, p. 148)na medida em que “sucessivos governos, seja naesfera municipal, estadual ou federal, tem sabidoidentificar essa necessidade de comunicação”.

Questão 9: Sobre o relacionamento da organi-zação com a opinião pública no debate dos assuntosde interesse público.

As informações obtidas neste item foram bas-tante abrangentes.

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Dois dos quatro entrevistados afirmaram quea organização tem ‘exercitado’ seu relacionamen-to com a sociedade bauruense através dos meiosde comunicação de massa locais: TV, rádios ejornais. A utilização desses meios de comunica-ção massivos pode caracterizar a existência de umacomunicação de mão única, que não possibilitao devido espaço para o diálogo e a discussão, oque contradiz a informação dos entrevistados.

Em oposição a essa idéia um dos participantesindica sobre a possibilidade de se utilizar, por exem-plo, o serviço de um ombudsman, ferramenta estamais adequada ao modelo democrático.

Outro participante afirma que a direção daempresa deve ter a noção de que o serviço presta-do tem que ser gerido em função e “voltado ex-clusivamente para toda a população” e que existea previsão de um programa de gestão que atendaessa demanda, através da criação de novos relaci-onamentos com os clientes.

Cabe aqui concluir que a “discussão” entre aempresa e a comunidade, sobre os assuntos de in-teresse público, é pequena. Porém, existe na orga-nização, mesmo que inconscientemente, a noçãodos princípios da Comunicação Pública, que con-siste no “conjunto de estratégias e ações táticas quevisam dar visibilidade aos projetos, programas eatividades das instituições e a reforçar-lhes a ima-gem, sob a ótica do interesse público”, conformeCamargo apud (Oliveira, 2004, p. 151).

Dentro do contexto da organização é possívelsugerir que a efetiva implantação dos conceitosde Comunicação Pública seja proporcionada –logo, ao seu público interno – a partir do desen-volvimento de experiências/ações voltadas parao atendimento do interesse público, ou seja, cri-ar “um campo de negociação pública, onde me-didas de interesse coletivos são debatidas e en-contram uma decisão democraticamente legíti-ma”, como propõe Matos (1999, p. 02).

Questão 10: Sobre a pressão exercida pelos di-ferentes setores organizados da sociedade em rela-ção à empresa e a atitude dos dirigentes em relaçãoa esse fato.

A pressão que os entrevistados identificaramrefere-se à: questão dos serviços prestados pelaempresa à população; à pressão dos meios de co-municação e à pressão política dos Poderes Le-gislativo e Executivo.

Essas afirmações permitem deduzir que emrelação aos Poderes Legislativo e Executivo nãoexiste uma única motivação ou um único assun-to específico que justifique a pressão exercidasobre a empresa.

A pressão exercida pela população refere-se,quase exclusivamente, a respeito dos serviços pres-tados, segundo os entrevistados.

Outro ponto relevante é apontado por umparticipante quando revela que a empresa procu-ra “responder à pressão externa, que aumenta acada dia em relação aos resultados da empresa”.Sob esse aspecto cabe destacar e relacionar a afir-mação de Nogueira (2004, p. 06) em relação àsorganizações públicas, que percebendo interna-mente as mudanças exteriores da organização sãocada vez mais pressionadas a “produzirem servi-ços de qualidade, a oferecerem opções diferenci-adas de informações e a tornar o processo de tra-balho imbuído de significado para os servidoresque respondem às necessidades do público”.

Questão 11: Canais de comunicação utiliza-dos pela empresa com os públicos interno e externo

Entre os canais de comunicação utilizados pelaempresa destacam-se:

Em relação ao público interno: jornal interno;intranet – apesar de grande parte da empresa tra-balhar externamente (cargos operacionais); murais;publicações no Diário Oficial do Município; co-municados internos, circulares, ordens de serviçoemitidas por diversas áreas, rádio – base de rádio –que atinge todas as viaturas da empresa.

Cabe aqui apontar a falta de critérios para adivulgação de informações internas, uma vez quealém da Assessoria de Imprensa, outros órgãosemitem informações que são disseminadas na or-ganização. É perceptível o grande número de ca-nais disponíveis para a organização atingir o pú-blico interno, porém, através dos depoimentos é

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possível perceber também que, em alguns casos,são subutilizados, ou seja, “não existe um con-trole/mapa dos locais onde estão os murais hoje,cada seção faz o quadro que quer”; “a intranetatinge um percentual pequeno de funcionários”,conforme dois dos entrevistados.

Para o público externo a empresa utiliza, basi-camente, os serviços da Assessoria de Imprensa,no relacionamento com a mídia – o que facilita adivulgação de informações na imprensa local: rá-dios, TV’s e jornais impressos. Além disso, existeo serviço 0800 (de ligações gratuitas) para o aten-dimento de reclamações ou solicitações de servi-ços emergenciais e o site da empresa – que contacom muitas informações de interesse geral.

Um participante destacou a necessidade deexistir um órgão de comunicação específico paratrabalhar as questões diversas da empresa, proje-tos educacionais, alterações de procedimentosafetos à empresa e os seus públicos: um órgãoque trabalhe as questões de comunicação de umaforma mais ampla e abrangente.

No que tange à comunicação com os públi-cos interno e externo pode-se inicialmente anali-sar em relação ao desenvolvimento de ações paraque o público interno – ao ser percebido comoestratégico pela organização – seria elevado à con-dição de disseminador da comunicação promo-vida pela empresa, onde o comentário de um par-ticipante, em outra questão ilustra bem a situa-ção aqui proposta: “O que esse funcionário rece-be dentro da empresa como informação, comoformação, ele acaba passando para fora também”.Para a operacionalização dessa proposta necessitade uma reavaliação dos canais de comunicaçãoatualmente utilizados, bem como a revisão dos‘conceitos’ que a diretoria tem intenção de ado-tar e veicular para os funcionários, em relação àcomunicação na empresa.

Por outro lado os canais com os públicos exter-nos utilizados atualmente devem ser potencializa-dos, bem como estudada a implantação de formasalternativas e ainda mais voltadas para o cidadão,que devem ser desenvolvidas de forma a driblar asdificuldades impostas à organização em função.

Questão 12: Se os entrevistados acreditam quea comunicação interna pode exercer certa influên-cia nas impressões que o público externo mantémem relação à organização.

Foi unânime entre os entrevistados a opiniãode que o fortalecimento da comunicação e o en-volvimento do público interno exercem reflexosna percepção que o público externo tem da em-presa. Esse envolvimento dos funcionários ga-rante a divulgação e, segundo um participante,“confiança e credibilidade à instituição perante opúblico externo”.

Essa percepção vem ao encontro da afirma-ção de Kunsch (1997, p. 129):

O público interno é um multiplicador.

Em sua família e em seu convívio profis-

sional e social, o colaborador será um

porta-voz da organização, de forma po-

sitiva ou negativa. Tudo dependerá de

seu engajamento na empresa, da credi-

bilidade que esta desperta nele e da con-

fiança que ele tem em seus produtos ou

serviços. (KUNSCH, 1997)

Questão 13: Sobre a existência de boato naorganização.

O boato existe dentro da organização, porém,os entrevistados divergem entre si sobre a ori-gem deles. Um participante atribui a existênciadeles à influência política, outros participantesatribuem ao grande número de funcionários, en-quanto outro atribui à falha de comunicação naempresa, confirmando o que Corrado, apudMatos (2004, p. 06) afirma: “na ausência de co-municação digna de crédito, os boatos preenchemo hiato.”

Barichello et all (2005, p. 04) complementaque o boato:

[...] integra a imensa rede da comunica-

ção informal das organizações e se cons-

titui num contraponto psicológico à cha-

mada rede formal, composta pelo dis-

curso normativo e oficial das empresas.

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O boato compensa falhas existentes na

comunicação formal e integra vários seg-

mentos internos, identificando posições

e valores, equilibrando, dessa forma an-

gústias e tensões.

A existência do boato é característica dodesequilíbrio entre a rede formal e a rede infor-mal de comunicação de uma organização e surgecomo tentativa de preencher lacunas da informa-ção oficial.

Questão 14: As ações de comunicação possíveisà organização.

Entre as sugestões dos entrevistados destaca-se o fato de apontarem a necessidade de planeja-mento de comunicação, bem como a possibili-dade de envolvimento de um profissional, espe-cificamente da área de Comunicação, para traba-lhar na empresa em todos os seus âmbitos. Valedestacar também que um dos entrevistados aoapontar essa necessidade, indica o profissional deRelações Públicas para a função.

As considerações dos entrevistados, sobre oprofissional de Relações Públicas, ao sugerir ‘umprofissional da área de Comunicação, e que en-tendesse do assunto, para que, em conjunto comoutras áreas da empresa, montar um planejamen-to estratégico’ refletem de forma bastante diretaa uma proposta de gestão da Comunicação deforma estratégica, voltada para a questão das in-formações internas da empresa, onde, de acordocom Nogueira (2004, p. 04):

[...] gerir significa desenvolver estratégi-

as financeiras, de recursos humanos, de

comunicação etc., a fim de que a insti-

tuição cumpra sua missão, assegurando-

se a continuidade. Pode-se, assim dizer

que, o modelo de gestão adotado pelas

instituições exercem forte influência na

concepção de comunicação, em virtude

de as crenças e os valores dos dirigente se

transformarem em convicções influen-

ciadoras do comportamento de todas as

pessoas que compõem o corpo de servi-

dores. (NOGUEIRA, 2004)

Consideraçõessobre a pesquisa

Em função da pesquisa qualitativa realizada pormeio das entrevistas pessoais com integrantes daalta hierarquia de uma organização do PrimeiroSetor existem pontos que possibilitaram o apro-fundamento em relação à temática, pois a visãodos profissionais, que possuem formação em di-versas áreas, reflete em vários aspectos o que foiobtido no levantamento teórico/bibliográfico.

Ao mesmo tempo, nas oportunidades em quea prática profissional dos entrevistados divergeda teoria, é possível perceber e realçar que aí estáexplicitada a realidade da organização pública,com suas dificuldades, burocracia, entre outrascomplexidades típicas.

Entre os pontos relevantes, a respeito das ma-nifestações, vale destacar que embora sendo umaempresa pública exista a percepção da necessidadede atuação estratégica dos profissionais que delafazem parte, da mesma forma que eles declararamestar cônscios que a Comunicação é uma ferra-menta importante para a moderna Administração.Entre outras coisas, os profissionais proporciona-ram esclarecimentos sobre a atuação da organiza-ção, sobre a existência da noção de orientação parao atendimento dos anseios da população; que opúblico interno é estratégico para a legitimação edivulgação das ações propostas pela empresa jun-to à sociedade. A contradição também pôde sernotada nos depoimentos quando os profissionaisafirmam que a organização exercita o diálogo,porém, para isso utiliza as mídias de massa da ci-dade – rádios, TV, jornais – que sugerem Comu-nicação de mão única.

A pesquisa originou informações bastanteconsistentes, possibilitando uma visão do todo,da comunicação de uma forma geral e suas pos-sibilidades dentro da empresa pública. FlávioSchimidt apud (Kunsch, 1997, p. 174) resumebem a experiência, em função do teor, das obser-

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vações possibilitadas pela experiência, bem comoo grau de importância do instrumento desenvol-vido no nível prático para a detecção de infor-mações em uma organização:

O importante é definir a filosofia global

de comunicação e ter este conceito mai-

or valorizado e adequado às ações especí-

ficas. Formar um conceito empresarial a

partir da identificação de seus princípios

e valores conquista a aceitação por parte

de seus públicos e gera confiança e cre-

dibilidade. Somente por meio da análi-

se global e do diagnóstico do perfil da

empresa é possível ter o embasamento

correto para o planejamento estratégico

da comunicação.

CAMARGO, V. R. T. A cultura do lazer e o papel da ONGs: o Exercício da Cidada-nia. In OLIVEIRA, M. J. C. (org). Comunicação Pública, São Paulo, Alínea, 2004. p.159 - 166.

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Referências bibliográficas

Artigo

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