anÁlise econÔmica do direito, capitalismo tardio e …

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ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, CAPITALISMO TARDIO E CRISE DA DEMOCRACIA SUBSTANCIAL Daniel Nunes Pereira Professor UVA Direito e Relações Institucionais. E-mail: [email protected] Carlos Eduardo Veloso de Souza Graduando em Direito; Pesquisador de Iniciação Científica UVA. E-mail: [email protected] Resumo: O presente estudo tem como tema central a(s) crise(s) recentes de modelos democráticos (substanciais e não meramente formais) à luz das recentes transformações do modo de produção capitalista e sua eventual convergência às práticas legiferantes e judiciais fundamentadas na chamada ‘Análise Econômica do Direito’. Aprioristicamente delimita-se o tema quanto a um específico modelo democrático, qual seja, a denominada democracia substancial. Em um segundo aspecto, o tema da pesquisa proposta circunscreve-se temporal e epistemologicamente no chamado ‘Capitalismo Tardio’ entendido como modo produção hegemônico. Ainda quanto a supradita delimitação epistemológica, opta-se por uma rotura geográfica/espacial e temporal focada prioritariamente no Brasil, especificamente a partir da década de noventa, paralelamente as demais democracias capitalistas em um contexto de mundialização do capital financeiro e rentista. Outrossim, tratando-se de um estudo jurídico- político, delimita-se a vertente epistemológica e metodológica do Direito afeita e transversal ao tema principal da pesquisa, a saber, a chamada ‘Análise Econômica do Direito’, especificamente seu discurso ideológico apologista à globalização e ao Neoliberalismo. Palavras-chaves: Democracia; Capitalismo Tardio; Análise Econômica do Direito. Abstract: The current study has as its central theme concerning the recent crisis on democratic models (substantial and not merely formal) in the light of the recent transformations of the capitalist mode of production and its eventual convergence to legal and judicial practices based on the so-called ´Law and Economics”. At first, the subject is delimited in terms of a specific democratic model, that is, the so- called substantial democracy. In a second aspect, the theme of the proposed research is temporally and epistemologically circumscribed under the 'Late Capitalism' understood as a hegemonic production mode. Still, the epistemological delimitation is based on a geographical / spatial and temporal break focused primarily on Brazil, specifically from the nineties onwards, in parallel with the other capitalist democracies under context of globalization of financial and rentier capital. Moreover, in the case of a juridical-political study, the epistemological and methodological side of the Law is defined and transverse to the main theme of the research, namely the so-called 'Law and Economics, specifically its ideological discourse apologetic towards globalization and Neoliberalism. Keywords: Democracy; Late Capitalism; Law and Economics.

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ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO, CAPITALISMO TARDIO

E CRISE DA DEMOCRACIA SUBSTANCIAL

Daniel Nunes Pereira Professor – UVA – Direito e Relações Institucionais. E-mail: [email protected]

Carlos Eduardo Veloso de Souza Graduando em Direito; Pesquisador de Iniciação Científica – UVA. E-mail: [email protected]

Resumo: O presente estudo tem como tema central a(s) crise(s) recentes de modelos democráticos

(substanciais e não meramente formais) à luz das recentes transformações do modo de produção

capitalista e sua eventual convergência às práticas legiferantes e judiciais fundamentadas na chamada ‘Análise Econômica do Direito’. Aprioristicamente delimita-se o tema quanto a um específico modelo

democrático, qual seja, a denominada democracia substancial. Em um segundo aspecto, o tema da

pesquisa proposta circunscreve-se temporal e epistemologicamente no chamado ‘Capitalismo Tardio’

entendido como modo produção hegemônico. Ainda quanto a supradita delimitação epistemológica, opta-se por uma rotura geográfica/espacial e temporal focada prioritariamente no Brasil,

especificamente a partir da década de noventa, paralelamente as demais democracias capitalistas em um

contexto de mundialização do capital financeiro e rentista. Outrossim, tratando-se de um estudo jurídico-político, delimita-se a vertente epistemológica e metodológica do Direito afeita e transversal ao tema

principal da pesquisa, a saber, a chamada ‘Análise Econômica do Direito’, especificamente seu discurso

ideológico apologista à globalização e ao Neoliberalismo. Palavras-chaves: Democracia; Capitalismo Tardio; Análise Econômica do Direito.

Abstract: The current study has as its central theme concerning the recent crisis on democratic models (substantial and not merely formal) in the light of the recent transformations of the capitalist mode of

production and its eventual convergence to legal and judicial practices based on the so-called ´Law and

Economics”. At first, the subject is delimited in terms of a specific democratic model, that is, the so-called substantial democracy. In a second aspect, the theme of the proposed research is temporally and

epistemologically circumscribed under the 'Late Capitalism' understood as a hegemonic production

mode. Still, the epistemological delimitation is based on a geographical / spatial and temporal break focused primarily on Brazil, specifically from the nineties onwards, in parallel with the other capitalist

democracies under context of globalization of financial and rentier capital. Moreover, in the case of a

juridical-political study, the epistemological and methodological side of the Law is defined and

transverse to the main theme of the research, namely the so-called 'Law and Economics, specifically its ideological discourse apologetic towards globalization and Neoliberalism.

Keywords: Democracy; Late Capitalism; Law and Economics.

Introdução

O presente estudo tem como tema central a(s) crise(s) recentes de modelos

democráticos (substanciais e não meramente formais) à luz das recentes transformações do

modo de produção capitalista e sua eventual convergência às práticas legiferantes e judiciais

fundamentadas na chamada ‘Análise Econômica do Direito’. Aprioristicamente delimita-se o

tema quanto a um específico modelo democrático, qual seja, a denominada democracia

substancial. Em um segundo aspecto, o tema da pesquisa proposta circunscreve-se temporal e

epistemologicamente no chamado ‘Capitalismo Tardio’ entendido como modo produção

hegemônico. Ainda quanto a supradita delimitação epistemológica, opta-se por uma rotura

geográfica/espacial e temporal focada prioritariamente no Brasil, especificamente a partir da

década de noventa, paralelamente as demais democracias capitalistas em um contexto de

mundialização do capital financeiro e rentista. Outrossim, tratando-se de um estudo jurídico-

político, delimita-se a vertente epistemológica e metodológica do Direito afeita e transversal ao

tema principal da pesquisa, a saber, a chamada ‘Análise Econômica do Direito’,

especificamente seu discurso ideológico apologista à globalização e ao Neoliberalismo. Sobre

a temática jurídica flexionada à economia, considera-se que:

A relação entre o Direito e a Economia deve levar em consideração esse papel ocupado pela ordem jurídica, de resguardar, com maior ou menor carga

ideológica, os anseios de preservação da infraestrutura. A dualidade de classes

existente na sociedade brasileira não pode ser meramente reproduzida na instância jurídica, que parte da premissa de que a cidadania associada a

isonomia tem a capacidade de gerar igualdade entre as pessoas. (...) O Direito

é uma esfera mediadora entre a função repressiva do Estado e a ideológica,

fazendo-se presente de acordo com a postura dos indivíduos em sociedade. (...) “Pensar o direito à luz de um método cunhado para análise da economia

política significa compreender a dimensão desse fenômeno e encará-lo como

um processo, que jamais tem um produto, pois é dinâmico. Além disso, instiga aos pesquisadores que enxergue para além da aparência, do formalismo

jurídico, do pensamento que está enquadrado na lógica estatal, e que busque

na diversidade das lutas sociais a fonte de inspiração para a sua transformação”. (KELLER, 2015, pp. 14, 151)

A investigação proposta no presente estudo justifica-se perante a profusão global de

debacles de modelos democráticos paralelas ao desmonte do ideal de Welfare State, cujas

políticas públicas centrais “ficam diluídas nas organizações sociais e no mercado, pelas

palavras de ordem do projeto neoliberal: descentralização, terceirização, privatização e

flexibilização” (GOMES, 2006, p. 31). Tal desmantelamento ocorre aliado à concentração de

capital e renda, bem como a intensificação de atividade rentista (LIMA, 2008, p. 18). Tal

cenário precipitou o mercado ai) uma expansão temerária do crédito para consumo (exempli

gratia, a crise iniciada em 2008), ii) exploração insustentável de matérias-primas, ocasionando

desastres ambientais cada vez mais intensos e amiudados. Em suma, observa-se o nefasto

império do rentismo financeiro em escala global, ou, em outras palavras, a “mundialização”

enquanto crise perene, sistêmica e juridicamente administrada. Outrossim, crítica à tese do

Racionalismo Econômico em modelos econômicos afeitos ao Liberalismo, circunscritos no

modo de produção Capitalista, parte da reflexão empírica acerca do aumento estrutural da

desigualdade econômica havido entre o século vinte e as primeiras décadas do século vinte e

um. Neste cenário, verifica-se que nas últimas décadas a taxa de retorno sobre o capital tem

sido inexoravelmente maior do que a taxa de crescimento econômico a longo prazo (PIKETTY,

2014, p. 34).Diante do descrito cenário ominoso, insta interpelar discursiva, ideológica e

cientificamente a ‘Análise Econômica do Direito’, que rende profanos festins de desmonte de

Direitos Sociais justificando-se em uma racionalidade (instrumental) mercadológica, de tal

forma que questões como justiça distributiva, direitos humanos ou o princípio da supremacia

do interesse público (para citar apenas alguns temas sensíveis) são ignorados, pois nesta senda

o Direito não serve à sociedade (ou projetos civilizatórios), mas à Economia de Mercado.

I. Análise Econômica do Direito e Racionalidade Liberal

Sobre a ‘Análise Econômica do Direito’ flexionada à ‘Racionalidade Liberal’,

detalhadamente, entende-se tratar de aplicação da análise microeconômica a problemas legais

buscando traçar as consequências econômicas partindo da premissa de que pessoas são mais ou

menos racionais (em sentido estrito) em suas interações sociais. A tomada de decisão racional

que maximiza o uso eficiente dos recursos é o objetivo declarado da análise econômica do

direito (POSNER, 1973, p.4). A eficiência torna-se o padrão para todas as soluções propostas,

e é medida em termos de valor maximizado, precificando as relações sociais, ou seja,

mercantilizando-as.

A AED [Análise Econômica do Direito] emprega principalmente modelos

mentais e ferramentas analíticas típicas da Economia para a discussão de

temas jurídicos. O tema é amplo, mas uma aproximação preliminar deve

destacar cinco conceitos centrais da microeconomia, como segue: 1. Escassez. Os indivíduos vivem em um mundo de recursos escassos. Se os recursos

fossem infinitos, não haveria o problema de se ter que equacionar sua

alocação; todos poderiam ter tudo o que quisessem e nas quantidades que desejassem. Mas num mundo de recursos escassos, os indivíduos precisam

realizar escolhas. Há aqui pelo menos duas implicações claras para o direito.

Primeiro, a proteção e provisão de direitos pelo estado é sempre custosa (na expressão clássica, “não existe almoço grátis”). Ou seja, qualquer oferta de

serviço ou benesse estatal terá que ser paga por alguém, de alguma forma.

Segundo a realização de uma escolha e a tomada de um caminho, qualquer

que seja, implica um ganho, mas também uma perda. Há, portanto, um trade off, na expressão inglesa consagrada. Logo, tanto no debate legislativo, quanto

no debate judicial, pode ser prudente considerar não apenas os benefícios de

determinadas decisões, mas também os custos. 2. Maximização racional: A AED parte da premissa de que os indivíduos calculam para alcançar os

maiores benefícios aos menores custos. O agir humano é instrumental. Faz-se

algo a fim de atingir um determinado objetivo. A ação humana é, nesse

sentido, dita “racional”. (...) A AED parte do pressuposto de que a Economia, especialmente a microeconomia, seja útil para a análise e prática do Direito.

Esse argumento possui duas versões proveitosas. Primeiro, a ideia de que a

Economia possa explicar a estrutura das normas jurídicas. Assim, os sistemas jurídicos poderiam ser compreendidos como sendo a resultante das decisões

de maximização de preferências das pessoas em um ambiente de escassez.

Essa ideia é comumente tratada de forma bastante abstrata. Por exemplo, os contratos surgem para facilitar a coordenação humana e permitir fixar o preço,

a propriedade privada evita o excesso de consumo ou descaso com bens

públicos, e assim por diante. (...) A segunda versão é a de que a AED possa

ser utilizada para prever as consequências das regras e interpretações jurídicas. Trata-se, então, de tentar identificar os prováveis efeitos de diferentes posturas

jurídicas sobre o comportamento dos atores sociais relevantes em cada caso.

Essa ideia é bastante contenciosa, porque se a previsão de consequências nos mercados organizados já é bastante difícil, que dirá fora deles (SALAMA,

2017)

A perspectiva acima descrita é claramente liberal, portanto, racionalista, entende as

relações sociais como concomitantes ao processo de utilização de recursos em um ambiente

sociocultural (SALISBURY, 1968). A abordagem centra-se na posição histórica e formal,

preocupando-se com o desempenho social no que tange o contraste entre contextos culturais,

ignorando o fato de como e onde a cultura é originário. Esta abordagem percebe a economia

como principal forma racional de tomada de decisão, enfatizando os aspectos ideais e

normativos em determinada sociedade. Esta abordagem, nominalmente Formalista, propugna o

Liberalismo, e, baseada na generalidade, supõe que o sistema capitalista é a ordem natural da

sociedade por todos os meios possíveis(SALISBURY, 1968).Uma vez que um modelo

formalista geralmente indica o que deve ser maximizado em termos de preferências, que muitas

vezes (mas não necessariamente) incluem metas de valor culturalmente expressas, ele é

considerado pelo Liberalismo como suficiente para explicar o comportamento humano em

qualquer contexto (PRATTIS, 1982, p. 207). Esta abordagem justifica ideológica e

teoréticamente a Teoria Econômica Neoclássica, pois foca no indivíduo, que, em tese, faz

escolhas racionais com base em informações completas com o fito de maximizar aquilo que

subjetivamente emprega valor (PRATTIS, 1982, p. 209). Contudo, por abordagem diversa,

nominalmente o Substantivismo, é possível entendera Economia como processo de produção

de bens para a sociedade, não considerando qualquer instituição social como fundamentalmente

econômica (GODELIER, 2013, p. 107). A abordagem Substantivista, todavia, não define

exatamente o que é compreendido pela esfera econômica, contudo argumenta que a atividade

econômica no modo de produção capitalista tende a se articular dentro de si mesmo,

circunscrevendo sua própria matriz institucional em um determinado sistema social (PRATTIS,

1982, p. 211). Ao partir da premissa que nenhum sistema social pré-industrial tem uma

instituição exclusivamente econômica, pode-se afirmar que, ao invés de uma racionalidade

estrita e apartada do fenômeno social, a Economia reverbera relações sociais relacionadas à

produção de material de meios de sustento dos indivíduos (GODELIER, 2013, p. 110). O

significado substantivo daquilo que é tido como ‘econômico’ deriva, portanto, da dependência

do homem em relação à natureza e outros indivíduos (POLANYI, 1971, p. 263), e, sendo uma

dependência contingente, não á raciocínio apriorístico e universal e atemporalmente necessário.

Neste sentido, importa ressaltar que a referida abordagem ‘Substantivista’ compatibiliza-se ao

referencial teórico do que se denomina ‘Democracia Substancial’ (pormenorizado adiante), na

mesma medida em que o formalismo político se paraleliza ao racionalismo econômico estrito,

núcleo ontológico (ou “sublime objeto da ideologia”) do argumento central da ‘Análise

Econômica do Direito’:

A maximização de riqueza como fundação ética para o Direito é uma tese radical. Richard Posner formulou-a em uma série de artigos da segunda

metade da década de 1970, e posteriormente, em 1981, consolidou os escritos

em um livro cujo título é bastante sugestivo, “A Economia da Justiça”. A ideia central dessa hipótese “fundacional” é a de que as instituições jurídico-

políticas (inclusive as regras jurídicas individualmente tomadas) devam ser

avaliadas em função do paradigma de maximização da riqueza. O Direito, visto como um sistema de incentivos indutor de condutas, deve promover a

maximização da riqueza. Dessa ótica, a pedra de toque para a avaliação das

regras jurídicas é a sua capacidade de contribuir (ou não) para a maximização

da riqueza na sociedade. Isto leva à noção de que a maximização de riqueza

seja fundacional ao Direito, no sentido de que possa ser o critério ético que

venha a distinguir regras justas de injustas. (...) Ao “converter-se” ao

pragmatismo, Posner deu novos contornos à noção de que a eficiência seja útil ao Direito. Descartou tanto a noção de que a eficiência seria um critério

operativo suficiente para avaliar as questões postas ao Direito, quanto a noção

de que a eficiência deveria se sobrepor aos demais valores da sociedade. Em seu lugar, colocou o problema da maximização de riqueza em um contexto

mais amplo, o da jusfilosofia pragmática. Da perspectiva pragmática, o Direito

é fundamentalmente um instrumento para a consecução de fins humanos. Posner rejeita a ideia de que o Direito esteja fundado em princípios

permanentes e de que seja posto em prática através da sua manipulação lógica.

Postula que o significado das coisas seja social, e não imanente, e que as

realizações humanas devam ser apreciadas relativamente às circunstâncias e avaliadas também por suas consequências. Isso conduz à rejeição de todos os

critérios fundamentais que possam de forma absoluta pautar a normatividade

do Direito, inclusive o critério de eficiência. (SALAMA, 2017).

II. Capitalismo Tardio

Aprioristicamente, insta notabilizar que “Capitalismo Tardio”, enquanto termo

conceitual e caracterização, é diversamente tratado por vários autores, não havendo consenso

(CIPPOLA, 1994, pp. 98-103). Rudolf Hilferding, pioneiramente (em 1910), identifica haver

uma importante mudança paradigmática (então) em curso no sistema econômico,

especificamente a financeirização, sintetizada pela fusão do capital bancário com o capital

industrial nos grandes bancos comerciais, sendo este a esta nova etapa do (ainda) vigente modo

de produção (HILFERDING, 1955, p. 306) por ele denominada “Jungstercapitalismus”

(“Capitalismo Recente”). Frederic Jameson (2007, p. 61), por exemplo, manifesta

conformidade com a proposição de Hilferding, na medida e em que compreende o atual estágio

do sistema econômico como um recente idiossincrático desenvolvimento do capitalismo, pois

dotado de características e fenômenos singulares. O termo também é ostensivamente utilizado

na Escola de Frankfurt e também pelos austromarxistas, (cujo nome mais famoso

provavelmente seja Kelsen, embora sua militância tenha sido muito discreta), sendo que estas

duas referidas vertentes do Socialismo Científico tratam (quase que) como sinônimos os termos

“Capitalismo Tardio” e “Sociedade Industrial”. Todavia, é o economista teuto-belga Ernst

Mandel quem provavelmente fornece um referencial teórico quase consensual quanto ao

susodito termo/conceito em sua seminal obra “O Capitalismo Tardio” (1974 [1972]), o qual é

caracterizado por Mandel como:

(...) atual fase do capitalismo monopolista, desencadeada a partir de uma

terceira revolução tecnológica (1940-1945), com a crescente introdução da automação na produção, a internacionalização e centralização do capital em

conglomerados multinacionais, a rápida depreciação e o encurtamento do

tempo de rotação do capital fixo e a busca do superlucro como principal estímulo de acumulação (...) O crescente uso da automação e da regulação

eletrônica da produção, que caracterizaria o capitalismo tardio, provoca,

segundo Mandel, aumento da composição orgânica do capital e queda da taxa

de lucro, definindo uma crise estrutural do modo de produção capitalista ou uma crise histórica de valorização do capital, já que nas fábricas inteiramente

automatizadas, não havendo trabalho humano, também não haverá produção

de mais-valia. O desenvolvimento tecnológico, mediante o aumento de despesas com pesquisas e sua organização como ramo autônomo da divisão

do trabalho (possibilitada pela valorização das rendas tecnológicas, que se

tornaram a principal fonte de superlucros), proporcionou uma depreciação

mais rápida do capital fixo e o encurtamento do tempo de sua rotação, exigindo um planejamento empresarial mais abrangente. Esse fato explicaria

a centralização do capital por meio dos conglomerados multinacionais e a

tendência inerente ao capitalismo tardio de ampliar o controle sistemático sobre todos os elementos dos processos de produção, circulação e reprodução.

No plano ideológico, o capitalismo tardio substituiu a crença no

individualismo e na competição sem limites pela fé na ciência e na técnica, cujos princípios devem organizar e planejar a sociedade e a economia”.

(SANDRONI, 1999, pp. 81-82).

As principais características do capitalismo tardio, de acordo com Mandel (1972 apud

SANDRONI, 1999, p.82), são (resumidamente): i) expansão de multinacionais; ii) globalização

de mercado e trabalho; iii) fluxo de capital intensificado; iv) expansão da capacidade produtiva,

aliada ao desenvolvimento tecnológico. Todavia, tais características são elas mesmas as causas

do desarranjo da economia de mercado, pois, inexoravelmente, causam superprodução, o que

interrompe o ciclo da mercadoria, causando uma crise cíclica. O Neoliberalismo, pensamento

hegemônico no Ocidende pós Guerra Fria, por cinismo, ignorância ou mera perfídia, alega que

tais crises são resultados, frutos naturais, de tendências inexoráveis da economia de mercado,

sendo a solução (cínica e/ou ironicamente) intensificar a “livre atuação das forças de mercado,

o término do intervencionismo do Estado, a privatização das empresas estatais e até mesmo de

alguns serviços público” (SANDRONI, 1999, p. 421).É neste sentido que se inicia uma

campanha ideológica de desqualificação do Estado, seja como garantidor de direitos básicos,

ou até mesmo mínimo denominador comum em sociedades complexas industriais. Neste

discurso alega-se que o poder estatal se tornou incapaz de prover a infraestrutura básica às

necessidades sociais, cujo centro provedor deveria deslocar-se absolutamente para iniciativa

privada. Ao analisar o referencial teórico concernente à delimitação temporal e epistemológica

(do modo de produção vigente) adotada pelo estudo proposto, pormenorizada anteriormente,

observa-se uma rotura cronológica identificada à economia de mercado posterior a 1945. Tal

constatação é relevante à análise bibliográfica a ser realizada dialeticamente, considerando que

a “Era de Ouro” do Capitalismo ocorreu entre as décadas de cinquenta e setenta do século vinte

(LIMA, 2008, p. 09), concomitantemente (não por acaso) ao período de reconstrução da Europa

(Plano Marshall) e Guerra Fria, verificando-se também que tal período inicia-se com o

incremento de investimento industrial bélico “metabolizado” pela crise do petróleo na década

de setenta. A confluência do principal referencial teórico acerca do ‘Capitalismo Tardio’ parece

indicar que seu desenvolvimento coincide com um distintivo reflorescimento da economia de

mercado, e, ao invés de findar-se com a referida crise de combustíveis fósseis, transforma-se

em algo inteiramente novo e perdura até o presente momento, sendo que seu nascimento e

mutação afetam necessariamente a sociedade, inclusive, e sobretudo, o Direito, objeto do estudo

ora proposto.

III. Democracia Substancial em Tensão

Considerando as disputas teóricas havidas tanto na jusfilosfia quanto na teoria política,

deriva a hodierna constelação de teorias que, seja por foco histórico ou epistemológico

(GOYARD-FABRE, 1999, pp. 43-48), clamam para si a explicação e fundamentação de como

a sociedade se organiza (ou deveria se organizar) de forma dita “democrática”. Ainda, as

disputas tendem a retornar a um mesmo campo, qual seja, o problema do ideal universalista no

Direito face às proposições historicistas (AGUILLAR, 2014, pp. 49-52). Embora a

metanarrativa jurídica acerca do termo ‘Democracia’, como ora retratada, tenha tido seu início

formal nos eventos posteriores ao arranjo westphaliano, sua feição atual, inclusive aporias e

idiossincrasias, se dá pelas disputas argumentativas e políticas havidas no decorrer dos séculos

XVIII e XIX, especialmente no que concerne às contradições sociais formadas e evidenciadas

pelas revoluções burguesa e industrial, bem como as discussões acerca das fundações e

legitimações da sociedade política, como em Locke, Hobbes, Hegel e Kant, dentre outros

(GOYARD-FABRE, 1999, pp. 21-43).

Isto posto, consideram-se as tradições de Hans Kelsen e Jürgen Habermas como ponto

de partida à discussão conceitual à temática posta. Para Kelsen liberdade combinada com a

igualdade fundamenta a democracia, de tal forma que assegure a participação direta ou indireta

do povo na criação e aplicação da ordem jurídica, sendo precípuas tanto a manutenção de um

caráter contraditório-discursivo na criação da referida ordem, como proteção de minorias

através da positivação de direitos fundamentais (KELSEN, 1993, pp. 67, 69). No que concerne

à sua ontologia, Kelsen ensaia um consequencialismo sociopolítico no que tange determinada

opção de crença filosófica, tendo, portanto, um raciocínio mais cético. O desiderato de Kelsen

concernente a Estado, Democracia e Direito, depende de uma Ontologia específica,

paradoxalmente, uma negação metafísica de qualquer crença ontológica última. Kelsen faz uma

analogia entre teoria política, epistemologia e axiologia. Na teoria de Kelsen, em última análise,

com fito meramente argumentativo e didático, há duas formas político-jurídico antagônicas

entre si absolutismo filosófico e relativismo filosófico. (KELSEN, 2000, p. 161), ao contrário

da caricatura de um totalitarismo exegético por vezes esboçada. Justamente por causa de seu

caráter relativista, a democracia procedimental é capaz de criar a ordem social coletiva, ou seja,

esta é a forma de governo que prevê regras e procedimentos que possibilitam aos cidadãos

tomarem decisões baseadas em standards de conduta estipulados dialogicamente, e não por

parâmetros absolutos postos aprioristicamente. Sendo as regras fundamentadas em relativismos

(KELSEN, 2000. p. 103), a regra da maioria, assim entendida, surge como característica

essencial da democracia procedimental, de tal forma que preserva a liberdade do maior número

de indivíduos da sociedade, sem recorrer a absolutizações indisponíveis ao governantes e

comandados. Há uma identificação, por conseguinte, entre democracia e liberalismo político

para Kelsen, mas o mesmo não vale para o liberalismo econômico. Ademais, Kelsen entende

que a relação entre liberalismo econômico e Estado é de tolerância, isto, pois, a burguesia o vê

como um eficaz instrumento para defender a propriedade privada (HERRERA, 1998, p. 204).

As teorias de Kelsen quanto ao Estado foram denunciadas tanto pela Direita como pela

Esquerda - o seu formalismo metodológico foi denunciado pelos conservadores como

"esquerdismo" e pelos marxistas como "fascismo”, quando na verdade tratavam de intensa luta

pela Democracia material e pelo Direito como meio e não fim para consecução dos ideais de

emancipação humana. O Estado Constitucional e (portanto) Democrático para Kelsen

imprescindiria de dialogia, razão crítica (como em Kant ou na phronésis aristotélica) e Regra

da Maioria em respeito à minoria como em Tocqueville (KELSEN, 1990: 283). Para Habermas

(1997, p. 12) é importante analisar o problema da democracia, a partir da ideia liberal, mas

além. Por quê? Democracia imprescinde de uma análise da dicotomia discurso e participação,

para fazer o sistema trabalhar para o mundo da vida (inverter a lógica), ao invés do mundo do

sistema, no qual se encontra o Direito, colonizar o mundo da vida, fazer o mundo da vida

colonizar o mundo do sistema. Inverter essa lógica através de uma ideia de democracia que

converge discurso e participação. E o mundo da vida é aquele dotado de linguagem e

significado. Ele pode transformar o mundo do sistema no qual se encontra o Direito. Habermas

propõe então um retorno à potência da agência humana, o ser humano agir discursivamente

para criar e mudar o mundo. E para ele o jurista fica preso no sistema, ou seja, o formalismo,

no positivismo. Embora ele tenha uma aproximação do Kelsen, ele diverge muito do

positivismo ensinado. Todavia, importa ressaltar que Habermas pressupõe uma situação ideal

de fala, na qual o litígio e debate são dotados de um princípio de universalização, no qual

inteligibilidade, veracidade, sinceridade e correção normativa são pressupostos alcançáveis por

todos os partícipes. As condições para essas pretensões são duas: i) ausência de

constrangimento externo (você participa da democracia enquanto comunicação e da

recolonização do mundo da vida, ou pelo menos a expansão do mundo da vida rumo ao

sistema), e aí inclui o constrangimento da mídia, e ii) uma motivação racional, ou seja, você

agir pelas suas razões, então não pode ter assimetria; uma discussão sobre uma criação de uma

norma não pode se dar enquanto temos uma relação assimétrica. Postas as balizas

argumentativas, considera-se a explicação analítica de Norberto Bobbio:

(...) faz referência prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais

característicos da tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como

Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um Governo do

povo; a substancial é mais um Governo para o povo. (...) Para não nos

perdermos em discussões inconcludentes é necessário reconhecer que nas duas expressões "Democracia formal" e "Democracia substancial", o termo

Democracia tem dois significados nitidamente distintos. A primeira indica um

certo número de meios que são precisamente as regras de comportamento acima descritas independentemente da consideração dos fins. A segunda

indica um certo conjunto de fins, entre os quais sobressai o fim da igualdade

jurídica, social e econômica, independentemente dos meios adotados para os alcançar. (BOBBIO, MATTEUCCI, PASQUINO, 1998, pp. 328-329)

A análise bibliográfica de tais conceitos, deve considerar eventual contradição entre

ideais da economia e da democracia, o que suscita a viabilidade da articulação dos valores da

liberdade política e da igualdade social:

Mesmo sob um regime democrático, a legalidade do Estado é uma mistura

complexa de igualdade e desigualdade. Por um lado, essa legalidade sanciona

os direitos universais da cidadania política e civil. Por outro, essa mesma legalidade sanciona dois tipos de desigualdades: uma, a resultante da

organização hierárquica, legalmente regulada, das instituições burocráticas do

Estado, bem como do respaldo ou da autorização que o sistema legal outorga a outras instituições privadas que também estão hierarquicamente

organizadas; outra, a desigualdade resultante do fato de que esta mesma

legalidade dá forma à condição capitalista da sociedade. Esta forma sanciona

e respalda uma ordem social que inclui, de 260 várias maneiras, a dominação social de quem controla os meios de produção, como também, e com crescente

importância no mundo contemporâneo, o controle dos circuitos do capital

financeiro. (HAAS, 2014, pp. 258, 268)

O estado da arte no tópico concernente à ‘Democracia Substancial’ evidencia uma

contraditória exigência em sociedades industriais a partir do último quartel do século vinte: a

necessidade de consolidar a democracia e, ao mesmo tempo, ajustar a economia, id est, avançar

na construção de institutos democráticos (procedimentais, pois substancialistas) em

concomitância às medidas econômicas que podem eventualmente implicar alto custo ao bem

estar social. Importante ressaltar que tal contradição possui um inerente limite de esgarçamento

do tecido social, porquanto, da própria democracia.

O que acontece a um regime democrático quando faltam à cidadania algumas

das suas condições sociais? O que acontece a um regime democrático quando faltam ao suposto cidadão os atributos sociais do indivíduo? Uma teoria da

democracia exige uma teoria da sociedade, pelo menos no sentido de que a

igualdade democrática dos cidadãos requer a suposição de algum nível de

igualdade social entre os indivíduos. (WEFFORT, 1992, p.25)

IV. Reformas Neoliberais na América Latina e seus Efeitos

Apesar de as reformas liberalizantes terem sido contidas (até certo ponto) na América

Latina em meados dos anos 2000 por governos de centro-esquerda, podemos afirmar que essas

reformas voltaram a avançar em países que compõem a periferia do capitalismo globalizado.

Os países periféricos, em sua maioria, possuem uma economia baseada em exportação de

commodities e mão de obra barata, contudo os impactos das reformas não se dão de maneira

homogênea nesses países, pois “os padrões nacionais são muito diferentes, a definição de seus

contornos é determinada por fatores de ordem diversa, mas se expressam conjuntamente nas

relações de força entre classes e grupos sociais – aí incluída a alta burocracia estatal –

mobilizados, em cada momento, para promover e/ou vetar tal ou qual tipo de política” (CRUZ,

2007, p. 413).

Apesar das diferenças, os países periféricos passam a adotar modelos políticos-

econômicos parecidos, sob influência de fatores externos. Essa medida pode ser observada a

partir da análise de fatores diversos como PIB (e sua composição setorial), renda per capita,

inflação, taxa de urbanização, expectativa de vida, de analfabetismo de adultos, percentual de

matrículas escolares por faixa etária, nota-se que mesmo em circunstâncias distintas. Neste

sentido, devemos levar em consideração as condições que levam à adoção desses modelos

parecidos: “Se países em tudo diferentes, em circunstâncias tão distintas, quebram seus antigos

padrões de política econômica e passam a adotar modelos de idêntica inspiração, fatores

internos a esses países não explicam esta mudança. Para entendê-la, temos que nos voltar para

condições que os afetam conjuntamente” (CRUZ, 2007, p. 130). O autor demonstra que em

países como Argentina, Brasil, México e Venezuela, as reformas liberalizantes ocorreram no

contexto de crises e negociações com agências internacionais. No caso do Brasil,, os tecnocratas

tiveram um papel de destaque enquanto as organizações internacionais exerceram função

fiscalizadora, como o autor comenta, “ (...) os casos nacionais não são independentes, que as

experiências nacionais de reforma são transmitidas e replicadas; mais importante ainda - que

o processo de propagação de modelos de política econômica é impulsionado por ações

emanadas de instituições vinculadas aos interesses predominantes em um sistema

internacional fortemente hierarquizado” (CRUZ 2007, p. 135).

Nesse sentido, é possível notar padrões e tendências que envolvem políticas sociais

sensíveis à relação de forças entre as classes, sendo expressado por meio da precarização das

relações de trabalho, reforçando a livre atuação das forças de mercado, expressão típica do

capitalismo tardio.

Com diferenças sensíveis no tocante ao conteúdo, à forma e aos custos sociais

das mudanças impostas, num caso e em outro – no centro e na periferia - ,

essas políticas tinham como norte o reforço dos direitos de propriedade, a remoção de entraves ao ‘livre’ funcionamento dos mercados, a criação de

condições próprias à maior lucratividade do capital. Em ambos os casos, aqui

como lá, essas políticas envolveram alterações sensíveis na composição das

classes sociais e nas relações de forças entre elas, fenômeno expresso entre

outras coisas no debilitamento sensível do trabalho organizado e na

preponderância marcante dos interesses financeiros no âmbito da burguesia. Em toda a parte, tais políticas têm produzido concentração de renda, exclusão,

aprofundamento das desigualdades sociais (CRUZ, 2007, p. 414).

Os conflitos gerados por tais políticas resultaram em crises políticas em países como

Argentina, Bolívia e Venezuela, já mencionados anteriormente. Em diferentes níveis, o

resultado das reformas liberais sob o prisma do racionalismo econômico resultou em um tecido

social esgarçado, mitigando a democracia substancial na medida que a mesma deixa de tutelar

os interesses do povo para atender o capital. Para Kelsen, liberdade combinada com a igualdade

fundamenta a democracia, de tal forma que assegure a participação direta ou indireta do povo

na criação e aplicação da ordem jurídica, sendo precípuas tanto a manutenção de um caráter

contraditório-discursivo na criação da referida ordem, como proteção de minorias através da

positivação de direitos fundamentais (KELSEN, 1993, pp. 67, 69).

Se não forem bem administradas, as pressões sociais desencadeadas pela

integração econômica global provavelmente resultarão em uma má economia

e um mal governo. Não apenas porque a globalização destaca e exacerba as tensões entre os grupos, o que realmente ela faz, mas também porque reduz a

disposição de grupos internacionalmente móveis para cooperar com outros na

resolução de desacordos e conflitos. (...) Ou como disse Albert Hirschman ‘o espírito comunitário, que é normalmente necessário em uma sociedade de

mercado democrática, tende a ser espontaneamente gerado através da

experiência de administrar os conflitos que são típicos dessa sociedade’. Mas e se a globalização reduz os incentivos para administrar esses conflitos? E se

reduzindo o engajamento dos grupos cívicos internacionalmente móveis, a

globalização afrouxar os laços cívicos que unem as sociedades e exacerbar a

fragmentação social? Portanto a globalização desfere um duplo golpe na coesão social, primeiro exacerbando um conflito sobre crenças fundamentais

relacionadas à organização social; depois, enfraquecendo as forças que

normalmente militariam em prol da resolução desses conflitos mediante debates e deliberações nacionais. (...) Recuo do governo, desregulação e

encolhimento das obrigações sociais são as contrapartes domésticas do

entrelaçamento das economias nacionais (...). As tensões entre globalização e coesão social são reais e é improvável que desapareçam espontaneamente.

(RODRIK, 2013, pp. 108, 109, 133).

A insatisfação popular que os resultados das reformas provocaram resultaram na

eleição de governos de centro-esquerda na América Latina, a título de exemplo: Lula em 2003

no Brasil e Hugo Chávez em 2001. Apesar das peculiaridades da política nacional de cada país,

os mesmos convergem no que tange a insatisfação popular com as reformas propostas, que

criaram expectativas se apoiando nos resultados obtidos no prisma da estabilidade monetária,

que, após pouco tempo, mostraram discrepância com a realidade.

Considerações Finais

De maneira geral é possível concluir que decisões judiciais, leis, normas e decisões

administrativas inspiradas e fundamentadas pela ‘Análise Econômica do Direito’, esta

consonante ao discurso hegemônico do neoliberalismo rentista globalizado no contexto do

Capitalismo Tardio, corroem instituições e valores de projetos democráticos substancialistas.

Isto, pois, paralelamente ao Direito, o desenvolvimento das ciências econômicas fixou-se em

grande parte ao paradigma cartesiano, próximo às construções cognitivas matemáticas

(CAPRA, 1993, pp. 95-97). Tal base paradigmática desenvolveu um sistema de valores isolado

das relações sociais, sendo as Leis Econômicas criadas e justificadas no Cartesianismo, ou seja,

uma “Racionalidade Estrita”. Contudo este economicismo-liberal (um reducionismo

epistemológico da experiência Ocidental), é a pedra de toque da ‘Análise Econômica do

Direito” e também uma ominosa ameaça ao projeto civilizacional do Direito, a busca pela

emancipação humana como horizonte normativo à própria humanidade.

Neste sentido, a implementação das teses da ‘Análise Econômica do Direito’ contribui

para a hodierna crise da Democracia Substancialista na medida em que o chamado

“Racionalismo Econômico”, hipostasiado entre o pós-guerra e a década de setenta (CIPOLLA,

1994, p. 183) entende as relações sociais como concomitantes ao processo de utilização de

recursos em um determinado ambiente sociocultural (SALISBURY, 1968), ou seja a mítica

tomada de decisão racional que maximiza o uso eficiente dos recursos é o objetivo declarado

da abordagem economicista ora criticada (POSNER, 1973, p.4). Neste sentido, a eficiência

torna-se o padrão para todas as soluções propostas, e é medida em termos de valor maximizado,

precificando as relações sociais, ou seja, mercantilizando-as. Consequentemente, questões

como justiça distributiva, direitos humanos ou o princípio da supremacia do interesse público

(para citar apenas alguns temas sensíveis) são ignorados, pois nesta senda o Direito não serve

à sociedade (ou projetos civilizatórios), mas à Economia de Mercado.

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