anjos, francisco chaves - lei 8429 e agentes politicos_final.pdf

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    ANJOS NETO, Francisco Chaves dos. Da

    plena compatibilidade da aplicao da Lei

    no 8.429/92 aos agentes pol t icos:

    Insustentabilidade da tese contrria. In

    Revista de Legislao Informativa, Braslia,

    ano 45, n. 177, jan./mar. 2008, pp. 67-74.

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    Braslia a. 45 n. 177 jan./mar. 2008 67

    Da plena compatibilidade da aplicao daLei no8.429/92 aos agentes polticosInsustentabilidade da tese contrria

    Francisco Chaves dos Anjos Neto

    Francisco Chaves dos Anjos Neto Procura-dor Regional da Repblica. Mestre em DireitoPblico.

    Costuma-se armar que a Constituio aquilo que o Supremo diz. curiosa essaarmao. A Constituio aquilo que, pordelegao popular, ela prpria transpareceou sugere, em menor ou maior grau declaricao, a cujos intrpretes, a apareceo Supremo, cabem bem xar o seu alcance.Um tribunal, por mais supremo que ele seja,no pode perder, na sua tarefa precpua deinterpretar uma Constituio, o seu sentidode instncia reexiva, sem a qual no po-der captar os sentimentos e os apelos dacoletividade, pois justamente isso que dlegitimidade s suas decises, como diriamAlexy e Habermas.

    O Supremo est prestes a perder essasintonia com a coletividade, caso conrme-se a sua tendncia, at agora em formao,no sentido de decidir, quando do julga-mento da Reclamao no2.138/DF e dasdemais que lhe seguem , pela inaplicabi-lidade da Lei no8.429/92 (a chamada leide combate improbidade administrativa)aos agentes polticos, assim entendidosaqueles que expressam as prerrogativas dospoderes estatais ou que esto na cpula dasdecises governamentais (como, p. ex., Pre-sidente da Repblica, Ministros de Estado,Governadores, Prefeitos, Juzes, Membrosdo Ministrio Pblico etc).

    de se dizer isso, porquanto, por oca-sio desse aludido julgamento, o entoMinistro Nelson Jobim sustentou que seria

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    incabvel a incidncia da Lei no8.429/92 emrelao a determinados agentes polticos e a cita o caso especco do Ministro deEstado, parte interessada na Reclamao no

    2.138/DF , por entender que os atos con-siderados como de improbidade adminis-trativa teriam correspondncia, pela citadalei, aos crimes de responsabilidade, comotais j tratados na Lei no1.079/50, sendoeste o nico diploma legal a ser aplicvel espcie, tendo presente o regime especialde responsabilizao a que tais autoridadespblicas esto submetidas no sistema cons-titucional ptrio, cujo julgamento caria a

    cargo do prprio STF, e no do juzo deprimeiro grau, ao qual cabe unicamenteapreciar os pedidos de carter reparatrio,a serem deduzidos por aes civis pblicas,populares ou qualquer procedimento ordi-nrio ou cautelar com o mesmo gurino,que no a ao de improbidade, a pretextode que esta ltima teria uma ntida naturezapenal ou punitiva (o que, alis, reete, nesteparticular, uma conhecida posio doutri-

    nria de um de seus pares, o Min. GilmarMendes, que compartilha um estudo comessa mesma perspectiva com o advogadoArnoldo Wald).

    Na seqncia do julgamento, esse votodo relator foi acompanhado por mais cincoMinistros (Gilmar Mendes, Ellen Gracie,Cezar Peluso, Maurcio Corra e IlmarGalvo, sendo que estes dois ltimos nomais compem o tribunal).

    A divergncia, pelo menos parcial, cou-be ao Ministro Carlos Velloso (que tambmdeixou o tribunal), ao sustentar que, emlinha de princpio, a Lei no8.429/92 aplicar-se-ia igualmente aos agentes polticos, amenos que sua conduta fosse tipicadacomo crime de responsabilidade, de quetrata a lei especial, conforme determinaa Constituio Federal (art. 85, pargrafonico), a aparece a Lei no 1.079/50, de

    modo que, s se no houver tpica previsonesta, admite o enquadramento naquela,numa ntida relao de subsidiariedadeentre uma e outra.

    Portanto, bem se v que as duas cor-rentes, at agora postas no tribunal, ca-minham, a primeira, do Min. Jobim eseus partidrios , no sentido de que, em

    sede de responsabilizao de agentes po-lticos supostamente envolvidos em atosde improbidade administrativa, h umaplena absoro da Lei no8.429/92 pela Leino 1.079/50, sendo esta ltima inerentea crimes de responsabilidade, a nica aser aplicvel, entendimento esse do qualdiverge parcialmente o Min. Velloso, paraquem o regime aplicvel seria o de tipicida-de estrita, s admitindo a invocao dessa

    lei de carter especial (Lei no

    1.079/50),quando a conduta estiver enquadrada emsua tipologia, sem o que se aplica, em suainteireza, a lei de improbidade administra-tiva (Lei no8.429/92).

    Em suma, ambas as correntes, em menorou maior grau, admitem a aplicao da Leino 1.079/50 como fator prejudicial para oenquadramento dos agentes polticos na Leino8.429/92, sendo que a primeira parte da

    premissa, que diramos de carter absoluto,de que aquela sempre absorveria a segunda,enquanto esta ltima, do Min. Velloso, tempresente que essa coincidncia tpica seria sparcial, por isso s aplicando a lei de impro-bidade administrativa de forma subsidiria.

    A par de as duas correntes passaremdistantes do seu compromisso de ter a Cor-te Suprema como uma instncia reexivados anseios e sentimentos populares, sob

    pena de carncia de legitimidade de suasdecises, pois no preciso correr mundopara saber que o esvaziamento, em menorou maior grau, da Lei no8.429/92 aos agen-tes polticos signica virar as costas para acomunidade, como um todo, que reclamapor um maior rigor nesse tipo de respon-sabilizao ou, dito por outras palavras,nenhuma razo plausvel teria para sesensibilizar por uma causa que s interessa

    a uma diminuta parcela de poder , o piorde tudo dar conta do descompasso queesse tipo de deciso acarreta em relao prpria vontade do constituinte de 1988.

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    Ora, o constituinte de 1988 quis porquequis inaugurar um regime todo especial deproteo tutela da probidade administra-tiva, que passa pelas mais variadas formas

    de responsabilidade, conforme consta daatual Constituio Federal, a saber: a) cri-minal (art. 37, 4o, parte nal, quandolana a ressalva de sem prejuzo da aopenal cabvel c/c o art. 52, pargrafo ni-co, parte nal, ao mencionar ressalva, atem maior extenso, eis que sem prejuzodas demais sanes judiciais cabveis); b)poltico-institucional ou poltico-criminal(art. 52, c/c o art. 85, pargrafo nico,

    que trata da lei especial disciplinadora doimpeachment, entre os vetores ali eleitos deproteo, a probidade da administrao,segundo o inciso V deste ltimo dispositi-vo); c) extrapenal, de carter administrativoou civil (art. 37, 5o, que trata dos ilcitosatribudos a servidores pblicos, e art.52, pargrafo nico, como decorrncia damesma ressalva acima citada); d) eleitoral(art. 14, 9o, naquilo que estabelece, entre

    os casos de inelegibilidade, tudo que venhaa ofender certos valores, entre os quais, aprobidade administrativa, moralidade elegitimidade das eleies).

    Dito isso, basta observar que a defesada probidade administrativa no se encerrano art. 37, 4o, da Constituio Federal,naquilo que faz ressalva, em nome mesmodo compartilhamento de mais de umainstncia sancionatria, entre os reexos

    punitivos da lei penal quando em convi-vncia saudvel com a lei de improbidadeadministrativa, de cujo passo no se afas-tou, pelo contrrio, tornou at mais ntidaessa multiplicao de responsabilidade,quando em conta o art. 52, pargrafo nico,da mesma Carta Magna, ao fazer meno,sem prejuzo do processo de impeachment,s demais sanes judiciais aplicveis.

    Assim, com tantas ressalvas de sanes

    e compartilhamento de instncias, comono nos deixam mentir esses dois dispo-sitivos constitucionais (arts. 37, 4o, e 52,pargrafo nico, ambos pelo que constam

    em sua parte nal), custa a acreditar que aCorte Suprema ainda encontre inspiraopara sustentar algum tipo de exclusividadepunitiva para agentes polticos em sede de

    proteo da probidade administrativa.Para completar, mesmo se fosse o casode trabalharmos com as correntes de pensa-mento que avultam dos votos dos ministrosno julgamento dessa Reclamao no2.138/DF, chegaramos concluso de que noh correspondncia aproveitvel entre ostipos previstos na lei de improbidade (Leino8.429/92) e na lei do impeachment (Leino1.079/50), tudo isso por uma razo bem

    simples: os tipos previstos nesta ltimalei, como sendo de carter especial, so detipicidade direcionada e casustica prpria,como reexo dos prprios valores eleitosno art. 85 da Constituio Federal, quaissejam: I a existncia da Unio; II o livreexerccio do Poder Legislativo, do Poder

    Judicirio, do Ministrio Pblico e dosPoderes constitucionais das unidades daFederao; III o exerccio dos direitos

    polticos, individuais e sociais; IV a se-gurana interna do Pas; V a probidadena administrao; VI a lei oramentria;VII o cumprimento das leis e das decises

    judiciais.Como diria Jos Afonso da Silva (1997,

    p. 519):Todos esses crimes sero denidosem lei especial, que estabelecer asnormas de processo e julgamento (art.

    85, par. n., j existindo a propsitoa Lei 1.079/50), respeitados natural-mente as guras tpicas e os objetosmateriais circunscritos nos incisosdo art. 85.

    Pois bem, sem muito esforo inter-pretativo, no h qualquer parmetro decomparao entre os bens jurdicos eleitosnos quatro primeiros incisos (proteo daUnio, do livre exerccio dos poderes cons-

    titudos e do Ministrio Pblico, em todosos planos federativos, dos direitos polti-cos, individuais e sociais, e da seguranainterna do pas), considerando-se a lei de

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    crimes de responsabilidade, de um lado,quando confrontada lei de improbidadeadministrativa, de outro lado, at porqueesta ltima mais direcionada para a fun-

    o administrativa do que propriamentepoltica do administrador.De igual modo, mesmo que consideran-

    do a tutela da probidade da administrao,que a razo de ser da Lei no 8.429/92,e o mesmo vetor de proteo, visto aquicomo um dos incisos do art. 85 (inciso V),da Constituio Federal, que justicou oadvento, e, a esta altura, a recepo da Leino1.079/50, tida como compatvel com a

    atual Carta Poltica, na linha de deciso doSupremo Tribunal Federal, quando do MSno21.689/DF, no se pode perder de vistaque um e outro diploma legal, ainda quepossam reetir a mesma questo, assimo fazem sob perspectiva diversa, por issomesmo dignos de convivncia harmoniosa,em suas vertentes prprias de responsabi-lidade.

    nesse mesmo sentido que tem que ser

    entendido o Decreto-Lei no

    201/67, aplic-vel aos prefeitos, no mbito de seus muni-cpios, sempre que envolvidos em algumasdaquelas condutas formuladas no art. 4o, eseus incisos, eis que, embora sem guardar amesma tcnica legislativa da Lei no1.079/50(tanto assim que o Min. Paulo Brossard,ento integrante do STF, quando do julga-mento do HC no70.671-1/PI, termina poracentuar que, bem ou mal disciplinado,

    o art. 4o

    , e no o art. 1o

    , desse diploma legal,que cuida dos crimes de responsabilidadedesses agentes polticos), de todo modo por meio dele que se impulsiona, na searalocal, a instncia poltico-institucional, comas peculiaridades prprias de s se subme-ter perda do cargo e de o julgamento caber Cmara de Vereadores, sob a presidnciado dirigente maior desta (portanto, semcumular com a pena de inabilitao tem-

    porria para o exerccio de funo e sem asubmisso do julgamento presidncia domagistrado que dirige o rgo jurisdicionalque, em sede criminal, seria o competente

    para apreciar e julgar o mesmo agentepoltico, caractersticas essas nsitas aomesmo processo de responsabilidade, noplano federal).

    O certo que a Lei no

    8.429/92 alcanao agente no seu exerccio administrativopropriamente dito, enquanto as disposiesda Lei no1.079/50 e porque no dizer oart. 4odo Decreto-Lei no201/67 tratamdos atos genuinamente polticos, assimentendidos naquela margem considervelde autonomia, em suas decises, mas quesofrem limitaes em nome mesmo de umaconvivncia harmoniosa com os demais

    poderes constitudos e em funo do pr-prio respeito aos pilares capitais da Cons-tituio Federal. Observe-se, a propsito, atipologia presente no art. 9ode um dessesdiplomas legais, mais especicamente a Leino1.079/50, como tal aplicvel instnciapoltico-institucional dos crimes de respon-sabilidade, no plano federal (como, p. ex.,a omisso ou retardamento de publicaode leis e resolues do Poder Legislativo ou

    atos do Poder Executivo, no prestao decontas ao Congresso Nacional, no chamarpara si a responsabilizao de seus subordi-nados envolvidos em delitos funcionais ouatentatrios Constituio, ordens ou re-quisies agrantemente inconstitucionaisou infrao s leis de concurso pblico),cujas condutas em nada se confundem comaquelas descritas naquele primeiro diplomalegal (Lei no8.429/92), mesmo no art. 11

    deste, porquanto inerente improbidadeadministrativa vista sob o enfoque do ges-tor, em sua rotina administrativa, carenteda mesma margem de discrio polticaque caracteriza aquele, em sua roupagemde governante.

    Como sabido, os agentes polticospraticam, alm de atos que fazem jus aonome, outros de natureza eminentementeadministrativa. justamente para esta l-

    tima situao que se reserva a lei de impro-bidade administrativa. Na pena rme deCelso Antonio Bandeira de Mello (2003, p.351-352), tem-se como atos polticos ou de

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    governo aqueles praticados com margemde discrio e diretamente com obedincia Constituio, no exerccio de funo pura-mente poltica, tais o indulto, a iniciativa de

    lei pelo Executivo, sua sano ou veto... Porcorresponderem ao exerccio de funo po-ltica e no administrativa, no h interesseem qualic-los como atos administrativos,

    j que sua disciplina peculiar.Destarte, nem toda atividade do agente

    poltico se apresenta com essa margem ex-clusiva de discrio poltica, sabendo-se queh determinado tipo de atuao, sobretudono manejo de recursos pblicos, que se re-

    veste de carter eminentemente administra-tivo, no havendo espao para maior lequede discricionariedade. Esse tema, enquantorelacionado aos gestores pblicos munici-pais, foi enfrentado com muita propriedadepor Jos Afonso da Silva (2000, p. 627-628):

    Caber Lei Orgnica de cadaMunicpio discriminar as funesdo Prefeito, que, grosso modo , sedistinguem em funes de governo

    e funes administrativas. As pri-meiras compreendem as funespolticas, tais como: representaodo Municpio, direo geral dosnegcios municipais, relaes comoutras autoridades; as funes co-legislativas, como: sancionar, pro-mulgar e fazer publicar as leis, vetarprojetos de lei, enviar mensagens Cmara sobre a situao do Muni-

    cpio; e as funes executivas estritosenso, como a xao de diretrizes dogoverno municipal, o planejamentoda administrao local, a direo dosnegcios municipais etc. As segundas as funes administrativas do Pre-feito absorvem grande parte de suaatividade. Dentre elas sobrelevama execuo das leis, pondo em mo-vimento a mquina administrativa,

    a nomeao e exonerao de seusauxiliares, o provimento de cargospblicos municipais, a expediode atos referentes vida funcional

    dos servidores locais, a arrecadaoe guarda das rendas municipais,tomando providncias sobre suaaplicao, autorizando pagamentos;

    a gesto do patrimnio e bens muni-cipais, enm, supervisionando todosos servios locais, executando obraspblicas reclamadas pelo desenvolvi-mento da comunidade local.

    Para exemplicar, impe-se observarque, embora a negligncia na arrecadaode tributo ou renda, bem como na conserva-o do patrimnio pblico, possa ser vistacomo um ato de improbidade administra-

    tiva (art. 10, inciso X, da Lei no

    8.429/92),ao mesmo tempo um ato sujeito respon-sabilidade poltico-institucional, quer noplano federal (art. 11, item 5, da Lei no1.079/50), quer no plano municipal (art.4o, inciso VIII, do Decreto-Lei no201/67),ressalte-se que estas ltimas duas condutashavero de ser tratadas sob a perspectiva dequem se encontra no seu papel tpico de go-vernante, maior ou mirim, e no como mero

    gestor, na sua rotina administrativa diria,que caracteriza aquela primeira conduta.Com isso se quer signicar que no h

    relao de prevalncia ou de uma cogitadaprejudicialidade (aqui entendida em umsentido menos tcnico) entre as condutasatribudas em qualquer um desses diplo-mas legais, quando considerados entre si,pois cada um deles tem um campo prpriode atuao, assim como tem sido reconhe-

    cido em relao convivncia harmoniosaentre os crimes de responsabilidade eos ditos comuns, quando imputados aomesmo agente poltico, conforme enten-dimento j pacicado em sede doutrinriae jurisprudencial, ao admitir a tramitaode processos simultneos sob essa ltimaperspectiva duplamente considerada, semque isso importe em dupla punio.

    A rigor, nessas situaes de interao

    tpica, em que a mesma ao atribuda aoagente poltico possa aparentemente im-pulsionar mais de uma responsabilidade,o que se exige to-somente uma perfeita

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    identicao dessas cogitadas condutas sconcepes ontolgicas de cada um dessesdiplomas legais, de modo que isso signicadizer que, nos demais casos, em que no

    existe essa tipicidade interativa o que sed, alis, na maioria das situaes , de seconcluir que cada tipo fala por si mesmo.

    O mesmo raciocnio se aplica ao incisoVI do art. 85 da Carta Magna, ao eleger,como um de seus vetores de proteo, orespeito lei do oramento, o que terminoupor se reetir no art. 10, e seus vrios itens,da Lei no 1.079/50, mas cujo dispositivolegal em nada guarda parmetro com qual-

    quer um relacionado Lei no

    8.429/92, nemmesmo no art. 10, dentro da particularida-de de seus incisos VI (realizar operaofinanceira sem observncia das normaslegais e regulamentares ou aceitar garantiainsuciente ou inidnea) e IX (ordenarou permitir a realizao de despesas noautorizadas em lei ou regulamento),pois nessas ltimas situaes o que estem jogo o descumprimento de rotinas

    administrativo-nanceiras impostas poralguns diplomas legais, como o caso daLei no4.320/64, ou mesmo infralegais, ase inclui o Decreto no93.872/86, diferen-temente daquele primeiro ato legiferante,voltado para a tipicidade por crimes de res-ponsabilidade, e como tal mais preocupadocom os cometimentos polticos inerentes observncia dessa lei especca, dotada deproteo constitucional, que aquela de

    formulao e execuo oramentria anual,para a qual dado exigir do governante umel cumprimento, em seus balizamentos econtornos prprios, perspectiva esta quese aplica igualmente aos prefeitos muni-cipais, a teor do Decreto-Lei no 201/67,mais precisamente no seu art. 4o, inciso VI(Descumprir o oramento aprovado parao exerccio nanceiro).

    Por igual perspectiva, aqui se toma o

    ltimo dos vetores eleitos no art. 85, daConstituio Federal, assim se entenden-do o respeito ao cumprimento das leis edas decises judiciais, pois o art. 12 da

    Lei no1.079/50, ao tratar dessas hipteses(como, p. ex., impedir, por qualquer meio,o efeito dos atos, mandados ou decises doPoder Judicirio; recusar o cumprimento

    das decises do Poder Judicirio no quedepender do exerccio das funes do PoderExecutivo; deixar de atender a requisio deinterveno federal do Supremo TribunalFederal ou do Tribunal Superior Eleitoral;impedir ou frustrar pagamento determinadopor sentena judiciria), mais parece levarem conta o equilbrio dos poderes constitu-dos, visto sob a tica da necessria harmoniaentre o Executivo perante o Judicirio, a

    qual resta violada por qualquer uma dessascondutas atribudas ao governante, o quemais uma vez signica dizer que a responsa-bilidade deste prpria de sua atividade dediscrio poltica, e no de rotina adminis-trativa, quando s nesse ltimo caso aplicar-se-ia a Lei no8.429/92, o que no o caso.

    Com tanto mais razo, no h porque in-vocar, como se fosse prejudicial aplicaoda lei de improbidade administrativa, os

    tipos previstos no art. 11 da Lei no

    1.079/50,at porque, em relao a estes, que tratamda guarda e legal emprego dos dinheirospblicos, tal bem jurdico no compe o rolprotetivo do art. 85 da Carta Magna, o quelevou alguns doutrinadores, como o casode Lus Roberto Barroso (2006), a sustenta-rem a no recepo desse dispositivo legaldiante da ordem constitucional, tanto a atu-al, a partir de 1988, como a imediatamente

    anterior, de 1967/1969, porquanto s arrola-da, na ltima vez, em plano constitucional,ao tempo do art. 89, inciso VII, da Carta de1946, e no mais repetida nas seguintes.

    Da para frente se pode assentar que, se,de um lado, nem todos os tipos previstosna Lei no1.079/50 ainda estariam em vi-gor, por outro lado, mesmo considerandoaqueles que foram recepcionados pela atualordem constitucional, h de se ponderar

    que, naquelas situaes de interao tpica,em que a mesma conduta aparentementepossa impulsionar mais de um tipo deresponsabilidade, de se concluir que h

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    uma perfeita convivncia daquela com aLei no8.429/92, na medida em que cadaum desses diplomas legais toma o ato doagente poltico sob uma perspectiva diver-

    sa; o primeiro, sob a margem de discriopoltica, peculiar quele, e o segundo, emface da rotina burocrtica que inspira oatuar administrativo de todo e qualqueragente pblico, a includo at mesmo umdirigente mximo de poder constitudo oumesmo uma autoridade maior de um rgode cpula administrativa.

    Em concluso, bem se v que exigirtratamento diferenciado para os agentes

    polticos mais parece defender uma teseque, de to casustica, no resiste ao testede universalidade, por isso mesmo se res-sentindo de maior rigor cientco.

    A propsito, basta observar que, de legelata, nem todo agente poltico necessaria-mente se submete a processo de impeach-ment, pois no basta a Constituio Federalarrolar diversas autoridades pblicasdignas de submisso a crimes de respon-

    sabilidade quando a lei regulamentadora,que a Lei no1.079/50, casustica em sarrolar certas autoridades: Presidente daRepblica (art. 4o); Ministros de Estado (art.13); Ministros do STF (art. 39); Presidentesde Tribunais Superiores ou no, que exer-cem cargo de direo ou equivalentes (art.39-A, pargrafo nico); Procurador-Geralda Repblica (art. 40); Advogado-Geralda Unio (art. 40-A, pargrafo nico, II);

    Procuradores-Gerais do Trabalho, Eleitorale Militar e dos Ministrios Pblicos dosEstados e Distrito Federal, bem assim osequivalentes, em igual plano federativo,ao Advogado-Geral da Unio, assim comoos membros dos Ministrios Pbicos daUnio e dos Estados, da Advocacia-Geralda Unio, das Procuradorias dos Estadose do Distrito Federal, quando frente defunes de chea das unidades regionais ou

    locais das respectivas instituies (art. 40-A,pargrafo nico, II, da Lei no1.079/50);Governadores e Secretrios de Estado (art.74, sendo que, em relao a estes, a fonte de

    inspirao a prpria lei ordinria, e no aConstituio Federal, porque silente quantoa estes agentes polticos, em particular).

    Digno de registro constatar que os

    parlamentares, a menos que estejam even-tualmente no exerccio de uma atividadeadministrativa (titular de um Ministrio ouSecretaria de Estado), esto fora da previsoda Lei no1.079/50.

    H mais um porm. Muitos dos corifeusdessa corrente que vem ganhando corpo naReclamao no2.138/DF, e para eles h dese emprestar uma presuno de boa-f, noderam conta da possibilidade de estarem

    patrocinando um festival de impunidade,pois, conforme j decidiu mais de uma vezo Supremo Tribunal Federal (Inq 1.350, de-ciso monocrtica do Min. Celso de Mello,e deciso colegiada no MS 21.564/DF), adesinvestidura do imputado do cargo a queresponde, por crime de responsabilidade,implica a impossibilidade de ser intentadoo processo de impeachment. Dito por outraspalavras, basta o imputado, nessa situao,

    trabalhar com a possibilidade de no sesubmeter ao controle jurisdicional, a pre-texto de sua condio de agente poltico, e,uma vez preclusa tal deciso, simplesmenteoperar um juzo de estratgia poltica sobrea necessidade ou no de renunciar ou pedirexonerao do cargo, para efeito de se sub-trair ao processo de impeachment, embora,se fosse o caso de submeter to-somente aeste, a nica pauta de julgamento se inspire

    num juzo de convenincia poltica, prpriadesse tipo de julgamento.Por tudo isso, acredita-se que a nossa

    Corte Suprema car sensibilizada com apreocupao da sociedade brasileira, queclama por mais rigor nesse tipo de impu-tao de responsabilidade.

    Referncias

    BARROSO, Lus Roberto. Crimes de responsabilidadee processos de impeachment. Juris Plenum, Caxias doSul, a. 87, v. 2, mar. 2006.

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    Revista de Informao Legislativa74

    MELLO, Antonio Bandeira. Curso de direito adminis-trativo. So Paulo: Malheiros, 2003.

    SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucionalpositivo. 13. ed. So Paulo: Malheiros, 1997.

    ______ . Curso de direito constitucional positivo. 16.ed. So Paulo: Malheiros, 2000.