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Didática DISCIPLINA Autores aula 01 Didática: o que é? Para que serve? André Ferrer Pinto Martins Iran Abreu Mendes

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DidáticaD I S C I P L I N A

Autores

aula

01

Didática: o que é?Para que serve?

André Ferrer Pinto Martins

Iran Abreu Mendes

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Governo Federal

Presidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministro da EducaçãoFernando Haddad

Secretário de Educação a Distância – SEEDRonaldo Motta

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

ReitorJosé Ivonildo do Rêgo

Vice-ReitorNilsen Carvalho Fernandes de Oliveira Filho

Secretária de Educação a DistânciaVera Lúcia do Amaral

Secretaria de Educação a Distância- SEDIS

Coordenadora da Produção dos MateriaisCélia Maria de Araújo

Coordenador de EdiçãoAry Sergio Braga Olinisky

Projeto GráficoIvana Lima

Revisores de Estrutura e LinguagemEugenio Tavares BorgesMarcos Aurélio FelipePedro Daniel Meirelles Ferreira

Revisoras de Língua PortuguesaJanaina Tomaz Capistrano

Sandra Cristinne Xavier da Câmara

IlustradoraCarolina Costa

Editoração de ImagensAdauto HarleyCarolina Costa

DiagramadoresMariana Araújo Brito

Adaptação para Módulo MatemáticoThaisa Maria Simplício Lemos

Imagens UtilizadasBanco de Imagens Sedis (Secretaria de Educação a Distância) - UFRN

Fotografias - Adauto HarleyMasterClips IMSI MasterClips Collection, 1895 Francisco Blvd,

East, San Rafael, CA 94901,USA.MasterFile – www.masterfile.com

MorgueFile – www.morguefile.comPixel Perfect Digital – www.pixelperfectdigital.com

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Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização

expressa da UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Divisão de Serviços Técnicos

Catalogação da publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Central “Zila Mamede”

Mendes, Iran Abreu Didática / Iran Abreu Mendes, André Ferrer Pinto Martins – Natal (RN) : EDUFRN – Editora da UFRN, 2006.

264 p.

ISBN 85-7273-279-9

1. Ensino. 2. Aprendizagem. 3. Planejamento. I. Martins, André Ferrer Pinto. II. Título. CDU 37 RN/UFR/BCZM 2006/17 CDD 370

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Aula 01 Didática 1

Apresentaçãoocê está começando o estudo da disciplina Didática. Mas o que é, afinal de contas, “Didática”? São “receitas”, ou um conjunto de técnicas para ensinar? Por que o conhecimento dessa disciplina é importante para a formação de professores? De

que forma ela pode contribuir para o ensino das Ciências Naturais e da Matemática?

Pretendemos que este curso lhe dê subsídios para responder a essas e outras questões. Para tanto, caracterizaremos o pensamento didático, situando-o no terreno mais amplo da Pedagogia e abordando aspectos de sua evolução histórica. A seguir, trataremos de temas e assuntos relacionados às recentes reformas educacionais e aos resultados das pesquisas das áreas de ensino de Ciências e Matemática. Por fim, discutiremos aspectos da organização do trabalho dos professores.

Esperamos que a Didática possa contribuir significativamente em sua formação, ajudando a promover uma reflexão constante sobre o fazer docente.

Além da leitura das aulas e da realização das atividades presentes em cada uma delas, você também deverá executar certas “Práticas” (assim identificadas ao longo das aulas) previstas na carga horária total da disciplina.

V

ObjetivosO principal objeto desta aula é oferecer a você uma visão preliminar e abrangente sobre a Didática enquanto disciplina pedagógica, com objeto e temas de estudo próprios. Esperamos, ainda, que você conheça aspectos da origem histórica do pensamento didático e seja capaz de perceber a importância dessa disciplina para a sua formação como professor.

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Aula 01 Didática�

Caracterizando a Didática

Atividade 1

Leia os dois pequenos diálogos (fictícios) abaixo. O primeiro, entre dois estudantes de graduação em História.

− Ei, você já “pagou” a disciplina de “História Moderna e Contemporânea I”?− Não, ainda não... Vai ser oferecida este semestre?− Vai, sim. Por aquele professor do departamento... não lembro o nome! Acho que é Manoel.− Ih... então não vou “pagar” este semestre, não. Dizem que ele é um ótimo historiador, mas não tem didática.E o segundo, entre um pesquisador e um aluno do Ensino Médio:− Estamos fazendo uma pesquisa sobre a qualidade das aulas do Ensino Médio. Você pode responder a algumas perguntas?− Claro...− Quais as matérias de que você mais gosta, e por quê?− História, Geografia e Ciências. Acho que gosto de ler, saber do passado, do que aconteceu... Geografia também é legal, a gente aprende sobre os diferentes lugares, as regiões... Ciências eu gosto porque o professor é legal! Ele ensina bem...− O que tem que ter um professor pra “ensinar bem”?− Sei lá... acho que tem que entender a matéria, ser legal com os alunos, ter paciência.

E tem que ter didática, né? Tem gente que não tem “jeito” pra dar aula, não...

E agora, procure responder às questões abaixo.

Que visão sobre a “didática” é passada pelos diálogos? O que parece significar, para os personagens, “ter didática”?

Você já presenciou diálogos como esses? Em que situações?

Você concorda com a visão apresentada nos diálogos? Qual a sua visão pessoal sobre a didática?

1

3

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Prática

Faça uma breve entrevista informal (munido apenas de um bloco de notas e uma caneta), com três pessoas diferentes, acerca do significado da palavra ‘didática’. Sugestão: escolha pessoas com vivências e idades diferenciadas, como, por exemplo, alguém mais velho da família (pai, mãe etc.), um professor de uma escola pública da sua região e um aluno do Ensino Médio.

Como produto, produza um texto comparando as visões entre si, estabelecendo semelhanças e diferenças entre elas.

É comum, como vimos nos diálogos da Atividade 1, e como você deve ter percebido nas entrevistas da Prática, associarmos a palavra ‘didática’ ao ensino, mas quase sempre como algo (provavelmente, um conjunto de “técnicas”...) que o indivíduo (professor) deve “possuir”, “ter”. Assim, o bom professor é visto como alguém que “tem didática”, o que normalmente parece ser uma espécie de “dom natural” ou uma “arte”.

Por outro lado, sabe-se que a disciplina Didática faz parte dos currículos dos cursos de Pedagogia e das Licenciaturas, sendo, portanto, um conjunto de saberes aparentemente constituído e sistematizado. Será, então, que ao cursar tal disciplina, o futuro profissional do ensino passa a “ter didática”, mesmo que não tivesse o “dom”? O que se estuda em tal disciplina? Qual o seu objeto?

Os pedagogos e teóricos da educação não concordam plenamente entre si quanto a uma definição de ‘didática’. Mas, isso não é um problema, porque, ao invés de uma “definição”, busca-se entender a Didática como um corpo de conhecimentos que evoluiu histórica e socialmente, e que comporta hoje múltiplas compreensões, embora com importantes pontos em comum.

Vejamos a seguir dois pequenos trechos, de autoria de dois importantes educadores da área de Didática.

“Didática para nós é uma reflexão sistemática sobre o processo de ensino-aprendizagem

que acontece na escola e na aula, buscando alternativas para os problemas da prática

pedagógica.” (MASETTO, 1997, p. 13)

“A Didática é o principal ramo de estudos da Pedagogia. Ela investiga os fundamentos,

condições e modos de realização da instrução e do ensino. A ela cabe converter objetivos

sócio-políticos e pedagógicos em objetivos de ensino, selecionar conteúdos e métodos

em função desses objetivos, estabelecer os vínculos entre ensino e aprendizagem,

tendo em vista o desenvolvimento das capacidades mentais dos alunos.” (LIBâNEO,

1994, p. 25-26)

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Aula 01 Didática�

É importante que não tomemos esses trechos como definições! Os autores citados procuram caracterizar a Didática ao longo de suas obras, e não apenas com esses trechos!

Ainda assim, é possível caracterizar o “fenômeno ensino” como o objeto de estudo da Didática enquanto disciplina. Note que isso abre um leque muito grande de temas, assuntos e conhecimentos específicos que passam a fazer parte do campo da Didática.

Vejamos o porquê.

O ensino é um fenômeno complexo. Ocorre na escola, mas não apenas nela. É uma prática social, portanto, condicionada por fatores históricos, políticos e econômicos. Considerar o ensino como objeto de estudo significa, então, em princípio, trazer para o debate todos os potenciais e reais fatores que podem influenciá-lo e determiná-lo. Desse modo, passa a ser relevante para a Didática conhecimentos oriundos da Filosofia, da Antropologia, da Sociologia, da Política, da Psicologia, entre outras áreas. Mais especificamente, podemos pensar em “sub-áreas” – como Psicologia da Educação ou História da Educação – que contemplam saberes de interesse para a Didática. Também estão aí incluídas as metodologias específicas das disciplinas, por exemplo.

Vemos, assim, que o campo da Didática é muito amplo, no sentido de que essa disciplina faz uso de uma gama significativamente grande de outros saberes para tentar constituir sua especificidade. A Didática pode ser vista, nesse sentido, como uma espécie de “disciplina integradora”, como a Figura 1, a seguir, tenta mostrar.

Figura 1 – A Didática como disciplina integradora de diversos saberes

Psicologia daEducação

Filosofia daEducação

Metodologia doEnsino de Ciências

História daEducação

Sociologia daEducação

Psicologia

Sociologia

DIDÁTICA

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A Figura 1 é, obviamente, uma aproximação. Além de não esgotar as diversas áreas que compõem o terreno da Didática, a figura não explicita outros vínculos, como os existentes entre Sociologia e Psicologia, ou entre essa última e a Filosofia da Educação, por exemplo.

Até aqui vimos que o objeto de estudo da Didática é o ensino, em sua totalidade, e que ela faz uso de saberes de diversas áreas do conhecimento humano. Poderíamos, então, perguntar: mais especificamente, o que a Didática vai estudar? Que temas são do seu interesse?

Como “teoria do ensino”, a Didática acaba por preocupar-se com diversos temas e problemas relacionados ao ensino, por exemplo:

1. o currículo escolar;

2. aspectos psicológicos do processo ensino-aprendizagem;

3. organização do trabalho pedagógico na escola;

4. motivação dos alunos para aprender;

5. ensino em espaços não-formais;

6. objetivos e fins do processo educativo;

7. planejamento do ensino;

8. relacionamento interpessoal na escola;

9. uso de novas tecnologias no ensino;

10. entre outros.

Tomemos como exemplo os itens 3 e 7, “organização do trabalho pedagógico na escola” e “planejamento do ensino”.

A escola tem um papel fundamental na sociedade, no que diz respeito à conquista da cidadania por todos. O acesso dos sujeitos ao conhecimento sistematizado e à promoção do desenvolvimento individual em diversas áreas (motora, afetiva, social, cognitiva etc.) são princípios da ação pedagógica. Para que esses princípios concretizem-se, é necessário organizar o trabalho pedagógico na escola.

Para isso, é preciso, dentre outras coisas, conhecer as leis e normas que regem a educação nacional, ter clareza dos fins e propósitos do processo educativo, estabelecer metas e objetivos adequados à realidade local, envolver a comunidade nas ações da escola, mobilizar recursos materiais e humanos para promover as ações desejadas. Assim, a “organização do trabalho pedagógico na escola” surge como condição para o bom andamento do processo de ensino que ocorre no espaço escolar. É, portanto, um tema (ou assunto) para a Didática, enquanto disciplina pedagógica.

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A organização do trabalho pedagógico implica planejamento. O ato de planejar deve ser compreendido como uma forma de organizar as ações, e não como uma atividade burocrática. Precisa envolver todos os atores do processo educativo (diretores, professores, alunos, comunidade escolar) e ser pensado para diferentes níveis e propósitos (planejamento da escola como um todo, das diferentes séries, das disciplinas etc.). A qualidade e eficiência do ensino dependem, portanto, de uma boa organização das ações, ou seja, de um bom planejamento. Daí que o “planejamento do ensino” seja também um tema (ou assunto) da disciplina Didática.

Atividade 2

Escolha outro item da nossa breve lista de “temas” da Didática (excetuando-se o 3o e o 7o), justificando por que ele deve ser objeto de preocupação dessa disciplina. Para tanto, use suas palavras, levando em consideração a caracterização feita até agora sobre a Didática.

Atividade 3

1Realize uma pequena pesquisa sobre “didática” em livros da área de educação que tratem do tema. Veja o que dizem os autores sobre essa disciplina, como (e se) a definem, e que temas associam a ela (sugestão: vá a uma biblioteca e procure – em “título” ou “assunto” – pela palavra ‘didática’).

Quais as principais semelhanças e diferenças entre as visões que você obteve e aquela apresentada aqui? Escreva um pequeno texto a esse respeito.

Retome o item 1, mas, agora, pesquisando no espaço virtual da Internet (sugestão: coloque a palavra ‘didática’ num site de busca).�

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Atividade 4

Na ação pedagógica que ocorre nas escolas, há certamente características que são compartilhadas nacionalmente, enquanto outras são regionais ou mesmo locais. Pensando em uma escola da sua comunidade, apresente aspectos didáticos de dois tipos:

a) aqueles que você considera que sejam compartilhados, em maior ou menor grau, nacionalmente;

b) e aqueles que você considera que sejam exclusivamente locais.

Você deve ter percebido, pela nossa caracterização da Didática, que o rol de conhecimentos abarcado por essa disciplina pedagógica é muito grande. Isso é muito importante para ser assinalado, pois é preciso ter consciência que o estudo da Didática não pode se esgotar apenas num semestre letivo, no conjunto de umas poucas aulas. Ao contrário, o profissional da educação deve estar em contínuo e constante processo de formação, incluídos aí os conteúdos dessa disciplina.

Em função disso, o que privilegiar?

Neste curso, especificamente, faremos um recorte particular da Didática. Iniciando com elementos da história do pensamento didático, privilegiaremos tópicos relacionados ao ensino na atual conjuntura de reformas educacionais no Brasil. Dada a característica primordial deste curso – de formação inicial de professores de Ciências da Natureza e Matemática –, abordaremos, também, tópicos particulares das áreas de Ensino de Ciências e Ensino de Matemática (aliás, essas áreas detêm conhecimentos específicos dentro da Didática, a ponto de podermos falar em Didática das Ciências ou Didática da Matemática como sub-áreas). Mais adiante, trataremos de alguns aspectos do que se costuma chamar de “Didática instrumental” ou “técnica”.

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Origens históricas da Didática como disciplina

O ensino e a aprendizagem, como processos sociais, são certamente tão antigos quanto as primeiras sociedades humanas. Na realidade, é possível identificarmos, inclusive, aspectos desses processos em outras espécies animais, além do Homo sapiens.

No entanto, desde as épocas mais remotas, a ação pedagógica de “ensinar” esteve vinculada às tradições de cada povo ou comunidade, à religião e aos rituais, às necessidades práticas, de uma forma mais ou menos espontânea. Desse modo, a “didática” como uma atividade planejada e intencional é algo relativamente recente na História. Os teóricos da área costumam concordar em situar o “surgimento” da Didática como disciplina no século XVII. Vejamos o que diz, por exemplo, Libâneo:

Na chamada Antigüidade Clássica (gregos e romanos) e no período medieval também se desenvolvem formas de ação pedagógica, em escolas, mosteiros, igrejas, universidades. Entretanto, até meados do século XVII não podemos falar de Didática como teoria do ensino, que sistematize o pensamento didático e o estudo científico das formas de ensinar. (LIBâNEO, op.cit., p. 57)

Qual o “marco” dessa época para a Didática?

O século XVII representa um período de profundas transformações políticas, sociais, científicas, filosóficas, religiosas e econômicas, no mundo ocidental. O mercantilismo e a expansão marítima européia, a formação dos Estados Nacionais, a reforma protestante, a proposta heliocêntrica são diferentes aspectos dessas transformações. É nessa época que João Amós Comenius (1592-1670) escreveu a primeira obra clássica sobre Didática: a Didática Magna, publicada em 1657.

Mercantilismo

Doutrina econômica, em voga no século XVII, que enfatizava a importância

do comércio exterior para a economia de um

país. Defendia a ação do Estado em favor da

expansão das exportações e de seu monopólio por companhias de

comércio, e da restrição às importações (Dicionário

Aurélio Eletrônico, versão 3.0, Novembro de 1999, verbete ‘mercantilismo’).

Reforma Protestante

Movimento religioso do começo do séc.

XVI que rompeu com a Igreja Católica Romana, originando numerosas

igrejas cristãs dissidentes (Dicionário Aurélio

Eletrônico, versão 3.0, Novembro de 1999,

verbete ‘reforma’).

Heliocentrismo

Sistema cosmológico proposto por Nicolau

Copérnico, mas que tem suas raízes na Antigüidade (com Aristarco de Samos),

e que postula ser o Sol o centro do Universo, com

os demais astros (planetas e estrelas) girando ao seu

redor.

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Comenius era um “homem do século XVII”, sintonizado parcialmente com os ideais da Modernidade que estavam por surgir. Pastor protestante, natural da Boêmia (atual República Tcheca), considerava a educação como um caminho para a salvação, uma formação para a vida eterna. “Ser homem” era, para ele, conhecer as coisas do mundo, e não apenas uma pequena área do saber. Disso decorre a importância do processo educativo tanto para a criação da identidade individual quanto para a socialização do indivíduo. A educação teria como uma de suas finalidades a transformação do indivíduo e da sociedade.

Em sua Didática Magna, que tinha a pretensão de apresentar a “arte de ensinar tudo a todos”, ele propõe uma série de princípios e regras que deveriam nortear a educação. Entre outras coisas, Comenius defende uma escola para todos, ou seja, a universalização do ensino (princípio da igualdade). Além disso, considerava a escola como espaço (locus) privilegiado da educação, e a figura do professor como a do profissional específico e qualificado para a ação de educar. Preocupou-se em estabelecer princípios para o ensino das ciências e um planejamento escolar com vários “graus” de ensino vinculados aos graus de desenvolvimento do indivíduo.

Para Comenius, o conhecimento vem dos sentidos, é trabalhado pela razão e iluminado pela fé. Em função disso, considera que o conhecimento verdadeiro provém de uma “observação correta” das coisas. Daí que o seu método de ensino – que ele pretendia “claro e único” – fosse baseado na observação da natureza e dos fenômenos, no olhar das próprias coisas e não na consulta aos livros. É por meio dos sentidos que se estabelece o contato entre a natureza e a mente. Esta, por sua vez, não é uma “tábula rasa”, mas “moldável”. Vemos, assim, que a epistemologia subjacente à proposta comeniana apresenta uma forte ênfase empirista e sensorialista (nesse terreno, Comenius foi influenciado pelo pensamento de Francis Bacon e pela idéia de “indução”).

Ainda que várias de suas idéias tenham sido superadas, principalmente no que se refere à compreensão psicológica do processo de ensino e aprendizagem, Comenius foi realmente avançado para a época, podendo ser considerado o precursor da Didática como disciplina pedagógica. Num período em que o catolicismo dominava e a educação católica voltava-se à formação das classes dirigentes, com privilégio do latim, Comenius propôs a educação para todos e o uso do vernáculo.

Apesar da Didática Magna só ter sido traduzida para o português em 1954, a obra de Comenius chegou a exercer certa influência no Brasil, ainda no início da República. Autores como Rui Barbosa e Fernando de Azevedo interessaram-se por suas idéias que, identificadas com o “método ativo e intuitivo”, foram em parte adotadas pela chamada Escola Nova e bastante utilizadas no ensino de Ciências.

Na aula seguinte, teremos a oportunidade de analisar algumas das principais correntes do pensamento didático ao longo da História. Veremos que as teorias do ensino oscilaram entre privilegiar a atividade do professor, a atividade do aluno e o método de ensino.

Comenius

Para falar desse autor, adotaremos como referência principal o trabalho de Kulesza (1992).

Tábula rasa

‘Tábula rasa’ é uma expressão muito usada em Educação que simboliza um estado de vazio completo da mente. Para Comenius, a mente não estaria nesse estado de vazio absoluto antes de qualquer experiência, mas teria a potencialidade de moldar-se, ajustar-se às experiências sensíveis.

Indução

Francis Bacon (1561-1626) procurou, no alvorecer da ciência moderna, estabelecer um método de investigação da natureza baseado na indução experimental. Para ele, deveria se partir da experimentação para se chegar às hipóteses que, testadas, levariam à formulação de leis e princípios gerais. Sinteticamente, o método baconiano iria da experiência para a racionalização, e do particular para o geral.

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Atividade 5

A partir do que foi apresentado sobre Comenius, tente apontar alguma de suas idéias e propostas que permanecem atuais, e outras que pareçam superadas. Justifique sua resposta.

sua

resp

osta

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Para que você possa aprofundar seus conhecimentos sobre o tema apresentado nesta aula, indicamos as referências a seguir.

CANDAU, V. M. (org.). A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 1986.

Esse conjunto de textos, organizados por Vera Candau, é um marco na história recente da Didática no Brasil. Resultado de um seminário realizado na PUC-SP em 1982, no qual se discutiu e se refletiu sobre os novos rumos da Didática a partir do processo de redemocratização do país, essa publicação contém artigos dos principais autores nacionais do campo da Didática, e tornou-se um dos trabalhos mais citados nos anos que se seguiram. Ganhou, recentemente, uma nova edição.

LIBâNEO, J. C. Educação: pedagogia e didática – o campo investigativo da pedagogia e da didática no Brasil: esboço histórico e buscas de identidade epistemológia e profissional. In: PIMENTA, S. G. (org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.

O autor inicia abordando a problemática da identidade no campo do conhecimento pedagógico, defendendo que a Pedagogia seja uma das “ciências da educação” que busca integrar e dar coerência a todas elas, sendo o seu objeto o fenômeno educativo em seu conjunto. A seguir, Libâneo faz uma retrospectiva histórica dos estudos teóricos da Pedagogia no Brasil, dos jesuítas à década de noventa do século passado. Aponta a necessidade de se buscar uma identidade epistemológica para esse campo e procura diferenciar o “pedagógico” do “didático”, caracterizando-os.

OLIVEIRA, M. R. N. S. Elementos teórico-metodológicos no processo de construção e reconstrução da didática (por uma nova teoria da prática pedagógica escolar). In: OLIVEIRA, M. R. N. S. (org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995.

Partindo de uma concepção dialético-materialista do ensino, Maria Rita Oliveira defende que a Didática rompa com o tecnicismo e volte-se a uma prática educativa transformadora da realidade social. A autora pensa o ensino na perspectiva da prática social, como uma “totalidade concreta”. As diversas dimensões do fenômeno ensino (histórica, ideológica, antropológica e epistemológica) delineariam os elementos teórico-metodológicos do campo da Didática.

PENIN, S. T. S. O Ensino como “Acontecimento”. Cadernos de Pesquisa, no 98, pp. 14-23, 1996.

Nesse artigo, Sônia Penin analisa o “objeto” da Didática, defendendo que ele seja o “acontecimento ensino”, em toda a sua extensão e profundidade. Discute as características da Didática como área do conhecimento em processo de epistemologização. Nessa direção, defende um rompimento com a epistemologia dominante (oriunda das Ciências Naturais), pois os parâmetros clássicos da investigação científica não esgotariam o estudo dos eventos presentes no ensino.

Leituras Complementares

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PIMENTA, S. G. Para uma re-significação da didática – ciências da educação, pedagogia e didática (uma revisão conceitual e síntese provisória). In: PIMENTA, S. G. (org.). Didática e formação de professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.

A autora propõe re-significar a Didática partindo da própria prática docente, rompendo com o triângulo professor-aluno-conhecimento. Aponta a importância da discussão epistemológica para a realização dessa tarefa, mas pensada a partir da prática, e não do ponto de vista teórico. Discute o objeto e o campo de atuação da Pedagogia e da Didática. No caso da última, defende que sua tarefa seja a de tomar o ensino como prática social e compreender o seu funcionamento enquanto tal, sua função social e suas implicações estruturais.

ResumoNesta aula, você percebeu que a Didática, enquanto disciplina pedagógica, tem como objeto de estudo o “fenômeno ensino”. Ela não é – como se costuma pensar – um “conjunto de técnicas para ensinar”, mas constitui-se em um corpo de conhecimentos amplo e complexo, que abraça saberes de diversas outras áreas. Por isso, os temas e assuntos que lhe dizem respeito são também variados e em grande número. Embora o ensino seja algo tão antigo quanto as primeiras sociedades humanas, a Didática configura-se como disciplina no século XVII, a partir da obra de João Amós Comenius.

Auto-avaliaçãoCom base na leitura do texto e nas atividades desenvolvidas por você, faça uma reflexão sobre o que aprendeu e analise os principais aspectos mencionados nesta aula, considerando os seguintes itens:

n a visão adquirida sobre a Didática enquanto disciplina pedagógica;

n a origem e as características do pensamento didático;

n a importância dessa disciplina para a sua formação como professor.

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Aula 01 Didática 13

ReferênciasCANDAU, V. M. (Org.). A Didática em Questão. Petrópolis: Vozes, 1986.

KULESZA, W. A. Comenius – a persistência da utopia em educação. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992.

LIBâNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.

LIBâNEO, J. C. Educação: pedagogia e didática – o campo investigativo da pedagogia e da didática no Brasil: esboço histórico e buscas de identidade epistemológia e profissional. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Didática e Formação de Professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.

MASETTO, M. T. Didática – a aula como centro. São Paulo: FTD, 4.ed.,1997.

OLIVEIRA, M. R. N. S. Elementos teórico-metodológicos no processo de construção e reconstrução da didática (por uma nova teoria da prática pedagógica escolar). In: OLIVEIRA, M. R. N. S. (Org.). Didática: ruptura, compromisso e pesquisa. Campinas: Papirus, 1995.

PENIN, S. T. S. O Ensino como “Acontecimento”. Cadernos de Pesquisa, no 98, p. 14-23, 1996.

PIMENTA, S. G. Para uma re-significação da didática – ciências da educação, pedagogia e didática (uma revisão conceitual e síntese provisória). In: PIMENTA, S. G (Org.). Didática e Formação de Professores: percursos e perspectivas no Brasil e em Portugal. São Paulo: Cortez, 1997.

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Anotações

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