Ângela maria mendes dias luiz eduardo silva souza · 2012-03-02 · diferença significativa (fig....
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12 Física na Escola, v. 12, n. 2, 2011Laboratórios de aprendizagem de física
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Propomos, neste trabalho, uma contribuição paraa cadeira de física no 9° ano do Ensino Funda-mental, com a introdução de Laboratórios deAprendizagem de Física - LAF - em ambientesformais e não-formais de estudo, em turmas deduas instituições de ensino no município do Riode Janeiro: o Colégio Estadual Federico Fellini e oColégio Militar do Rio de Janeiro. As atividadesutilizadas compreendem oficinas de baixo custo,com base na abordagem dos 3 R’s (Reduzir,Reutilizar, Reciclar) e a introdução de música clás-sica no ambiente formal de estudo, com o objetivode melhorar a concentração dos alunos. Assim,estes vivenciam interdisciplinarmente os fenôme-nos físicos descritos no conteúdo dos livros didá-ticos. Utilizando como primeira inspiração asoficinas propostas nas edições da Olimpíada Brasi-leira de Astronomia e Astronáutica (OBA),mostramos, também, uma avaliação compara-tiva dos resultados dos alunos em turmas com esem estes recursos. Projetos interdisciplinaressustentáveis resultantes do trabalho, assim comooutras contribuições e atividades, são documen-tados em um blog criado pelos próprios alunos.
Um problema que professores defísica enfrentam constantementeem sala de aula é a falta de inter-
esse por parte dos alunos, que muitas ve-zes se dispersam e acabam apresentandoum rendimento inferior ao esperado. Ou-tro desafio a ser superado é a conscienti-zação desses jovens quanto aos problemasrelacionados ao planeta e sua preservação,sugerindo atitudes sustentáveis que, alémde utilizadas em sala de aula, possam serincorporadas também na rotina diária.
Acreditando que uma das razões paraa dispersão dos alunos seja o fato dos con-teúdos da matéria serem apresentados damesma forma há gerações - e tendo comoexemplo o trabalho prático realizado pelasOlimpíadas Brasileiras de Astronomia eAstronáutica (OBA) [1] - iniciamos umtrabalho de inserção de atividades práticas,de baixo custo e con-feccionadas com ma-terial reutilizado ereciclável no ambientede ensino-aprendiza-gem, com o objetivode dar aos alunos achance de por em prá-tica aquilo que apren-dem em sala. O pró-prio ambiente de salade aula também foialvo de melhora-mento, com a execu-ção de faixas selecio-nadas de música clás-sica - este último ele-mento, com o objetivo específico de orga-nizar o raciocínio lógico dos alunos.
Bases da pesquisa
Após alguns meses lecionando noBrasil, nos anos 1950, o Prêmio Nobel deFísica, Feynman [2] observou as nossaspráticas de ensino de física e o modo comoos alunos memorizavam o conteúdo, masnão o associavam aos fenômenos do dia-
Ângela Maria Mendes DiasColégio Militar do Rio de Janeiro, Riode Janeiro, RJ, BrasilE-mail: [email protected]
Cristina Novikoff eLuiz Eduardo Silva SouzaPrograma de Mestrado em Ensino dasCiências na Educação Básica daUniversidade do Grande Rio, Duque deCaxias, RJ, Brasil
a-dia; simplesmente decoravam as aulas,e as repetiam nas provas, sem realmentesaber o que estavam dizendo. Em sua pa-lestra final, ressaltou que não existia ensi-no de física no Brasil, apenas memori-zação de conceitos sem entendimento.Finalmente, disse também que não conse-guia ver como alguém poderia ser educadoem um sistema autopropagante em queas pessoas passam nos exames e ensinamoutras a passar nos exames, mas ninguémsabe nada.
Gleiser [3], por sua vez, alerta que oensino da física deve sempre expressar suacaracterística mais fundamental, que é serum processo de descoberta do mundo natu-ral e de suas propriedades, uma apropria-ção desse mundo através de uma lingua-gem que nós, humanos, podemos com-preender.
Japiassu [4] res-salta a importância dacomunicação entre asdiferentes disciplinascomo elemento inte-grador do conheci-mento na vivência doaluno - e da própriahabilitação do mesmopara a socialização e acidadania.
Já Moreira [5] eDorneles [6] mostrama necessidade de inte-grar o conhecimentoteórico da escola àvivência anterior do
aluno, através de atividades práticas e quedespertem o interesse, para que oconhecimento seja solidificado e posto emprática pelo próprio aluno.
Em Giacomini [7] é possível entendero valor dos jogos e o uso de materiais debaixo custo para o ensino de física.
Assim, os três princípios básicos queorientaram esta pesquisa foram: quali-dade no ensino de física, laboratórios de
Acreditando que uma dasrazões para a dispersão dosalunos seja o fato dos con-teúdos da matéria serem
apresentados da mesma formahá gerações, iniciamos um
trabalho de inserção deatividades práticas, de baixocusto e confeccionadas com
material reutilizado e reciclávelno ambiente de ensino-
aprendizagem, com o objetivode dar aos alunos a chance de
por em prática aquilo queaprendem em sala
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aprendizagem e interdisciplinaridade.Todos considerados abertura para pensar-fazer a física de modo auto-sustentável.
Relato da experiência
O evento que serviu de inspiração ini-cial para este trabalho foi a OlimpíadaBrasileira de Astronomia e Astronáutica,exemplo principal da execução de oficinaspráticas e de baixo custo como elementode fixação do conteúdo teórico.
Na busca de um sistema pedagógicocompleto, que pudesse integrar a músicae as oficinas sem abandonar o foco na faci-lidade e na inovação - características pró-prias de ações do mundo moderno - bus-camos maiores informações nos seguintescursos e instituições: A Física na Música,da professora Maria Lúcia Grillo e ProjetoCom Ciência Física, ambos na UERJ;Museu de Astronomia; Museu Ciência eVida; Planetários da Gávea e Escola Na-val; Observatório do Valongo.
Em 2010, apoiados pela Universidadedo Grande Rio, desenvolvemos uma pes-quisa de campo, objetivando medir osresultados destas práticas em turmas deEnsino Médio de uma instituição estadualdo Rio de Janeiro - o Colégio EstadualFederico Fellini. Lá, a partir das turmas defísica, organizaram-se dois grupos comalunos voluntários e divididos de formaaleatória: em uma delas os alunos tinhamos recursos de música e oficinas e, naoutra, os conteúdos eram ministrados daforma tradicional.
Após seis semanas, o rendimento dosalunos das duas turmas foi avaliado comquestões idênticas. Houve uma pesquisade satisfação e outra sobre os conceitosfísicos ensinados. O que se viu foi umadiferença significativa (Fig. 1) entre os re-sultados das duas turmas: a média dosalunos da turma com música e oficinasfoi 7,5, enquanto a turma com ensino tra-dicional obteve média 4,5.
Na pesquisa de satisfação com amúsica e as oficinas (Fig. 2), 98% dos alu-
nos responderam ter visto os conteúdosde física com maior clareza através dasoficinas, e 90,9% alegaram ter tido maisconcentração com a presença da músicaclássica.
Após esta comprovação dos bonsresultados com as turmas do colégio esta-dual, decidiu-se expandir o uso das ofici-nas para os alunos do 9° ano do EnsinoFundamental do Colégio Militar do Rio deJaneiro (CMRJ), exemplificando o conteú-do do livro didático com experimentossimples e criando-se um sistema cíclicode atividades que pudessem ser implemen-tadas em todo o colégio. Estas oficinaseram desenvolvidas ora em sala de aula,ora em outro ambiente do CMRJ, fazendocom que o jovem vivenciasse um espaçonão-formal de estudo.
No ano de 2011 observaram-seavanços no envolvimento dos alunos: ex-tremamente motivados e inspirados pelasatividades da OBA e pelo exemplo de umcolégio estadual em Itaocara, norte flumi-nense, intensificaram-se as reuniões se-manais com os alunos, em espaço não-formal de estudo, que foram nomeadaspelos alunos como Clube de Astronomia;nelas, desenvolvemos as práticas da OBAe outras que, a posteriore, foram levadaspara dentro de sala. Assim, os alunos tive-ram a iniciativa de criar um blog , em queregistram seus experimentos e atividades,trocam informações e se socializam, rea-lizam pesquisas e postam iniciativasinovadoras relacionadas ao conteúdo dasaulas, para que os novos integrantes pos-sam acompanhar as atividades anteriorese também aprender com o que os alunosjá produziram.
O projeto Com Ciência Física2 e as ofi-cinas da OBA3 constituem a principalfonte de idéias para as oficinas.
Na Fig. 3 vemos o exemplo de umadas oficinas realizadas com os alunos e
postadas no blog: o foguete de garrafa PETmovido a álcool.
Professores de outras matérias parti-cipam da execução das oficinas, ilustrandotambém o conteúdo de suas aulas naquelemomento. Neste caso, houve a oportuni-dade de integração com os professores dequímica, que perguntaram aos alunos porque o foguete não funcionou da segundavez (a garrafa estava cheia de CO2, produ-to da primeira combustão).
Nessas práticas, vivenciamos os con-ceitos dos fenômenos envolvidos, e os pró-prios jovens se manifestam na direção demedir as grandezas. Assim, a parte de con-duzi-los às formulas torna-se uma conse-quência, uma necessidade do experimento- e não somente algo imposto pelo profes-sor e cobrado apenas nos testes e provas,para depois ser totalmente esquecido.
A partir das oficinas, propõem-seoutras atividades relacionadas, como apesquisa sobre garrafas PET e modos dereaproveitá-la. Os alunos coletam dados,e o melhor trabalho é publicado no blogsupracitado, juntamente com a experiên-cia. Neste caso, foi encontrado o exemplode uma casa inteira construída com gar-rafas PET, além de diversos outros utensí-lios e móveis.
Figura1 - Pesquisa de satisfação com amúsica.
Figura 2 - Pesquisa de satisfação com asoutras oficinas.
Figura 3 - Foguete movido a álcool. Legenda: 1. Árvores com distância aproximada de35 m entre si; 2. Cabo de nylon; 3. Garrafa Pet contendo álcool, presa ao cabo porsuportes de arame e com um orifício na tampa; 4. Fonte de chama (canudo longo de fastfood com 4 fóstoros grandes – 5 cm - na ponta, por razões de segurança).
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Essa experiência em particular,juntamente com as pesquisas realizadas,levou os alunos a colocar em prática açõesde sustentabilidade: pediram aos profes-sores que os ajudassem a criar um projetofuncional de reaproveitamento. O resul-tado é um projeto conjunto com a cadeirade química para coleta do óleo de cozinhautilizado no CMRJ e nas casas dos alunos.Esse óleo, depois de vendido para umaempresa especializada em reaproveita-mento, gera recursos que são revertidosem outras atividades sustentáveis, comouma horta orgânica.
Os 26 (vinte e seis) primeiros alunosque participaram das oficinas foram con-vidados a responder a um questionáriosimples, sobre como o trabalho com asoficinas alterou sua vivência com a cadeirade física. Seguem as questões do questio-nário:
1. A prática de experimentos tornouo conteúdo da matériade física mais claro?
2. Com a prática das ofi-cinas em sala de aula,você se sente maismotivado(a) a parti-cipar da OlimpíadaBrasileira de Astrono-mia e Astronáutica?
3. As oficinas contri-buíram para o enten-dimento dos fenôme-nos físicos?
As respostas de impactopositivo do experimentoqualitativo com uso de mú-sica e oficinas para o ensino
Referências
[1] J.B.G. Canalle, J.F.V. da Rocha, J.L.Ferreira, J.B. Pessoa Filho, M. Maia,T.M. Diniz e H.J.R. Pinto, in: A XIIOlimpíada Brasileira de Astronomia eAstronáutica no Ano Internacional daAstronomia. Relatório disponível emhttp://www.oba.org.br/site/, acessoem 20/3/2011.
[2] R. Feynman, O Senhor Está Brincando,Sr. Feynman! As Estranhas Aventuras deum Físico Excêntrico. Trad. de AlexandreCarlos Tort (Elsevier, Rio de Janeiro,2006).
[3] M. Gleiser, Física na Escola 1(1), 4(2000).
[4] H. Japiassu, Interdisciplinaridade e Pato-logia do Saber, (Imago, Rio de Janeiro,1976).
[5] M.A. Moreira, Uma Abordagem Cogni-tivista ao Ensino da Física; a Teoria deDavid Ausubel como Sistema de Referên-cia para a Organização do Ensino deCiências (Editora da UFRGS, PortoAlegre, 1983).
[6] B.V. Dorneles, in: Ciclos na Escola, Tem-pos na Vida: Criando Possibilidades,organizado por Jaqueline Mool (Art-med, Porto Alegre, 2004) p. 209-217.
[7] A.O. Bernardes e R. Giacomini, Física naEscola 11(1), 41 (2010).
[8] D.F. Lavouras e J.B.G. Canalle, Boletimda Sociedade Astronômica Brasileira18(3), 1 (1999).
de física, por parte dos alunos podem serobservadas na Fig. 4.
Na Fig. 5 apresentamos um esquemademonstrando o funcionamento do expe-rimento qualitativo adotado no 9° ano doEnsino Fundamental. Este experimentodenominado de Laboratório de Aprendi-zagem de Física Auto-Sustentável, que porsua natureza interdisciplinar permite ouso de materiais reaproveitados de baixocusto, com prática pedagógica pautada nacriação e autonomia dos alunos. Assim,pode ser utilizado em qualquer nível deensino. O que despertaria maior interessenos jovens pela física.
Uma vantagem do Laboratório deAprendizagem de Física Auto-sustentávelé a de ser um lugar em que se pode aplicarconhecimentos sobre as questões das pro-vas, assim como questionar erros concei-tuais tradicionalmente encontrados emlivros didáticos [8].
Figura 5 - Laboratórios de Aprendizagem Auto-Sustentável (A.M.M.DIAS, 2010), ondeos professores podem desenvolver atividades interdisciplinares de modo a incentivar acriação de atividades que demonstrem conhecimento do fenômeno e conceitos de físicaem espaços formais e não-formais, usando a musica e oficinas diversas. As atividadesali desenvolvidas com materiais reaproveitáveis podem ser descritos e/ou exemplificadosem blogs criados pelos próprios alunos são redimensionados no laboratório favorecendouma retroalimentação de conhecimentos.
Conclusão
A análise dos casos do C.E. FedericoFellini (Ensino Médio) e do Colégio Militardo Rio de Janeiro (Ensino Fundamental)indica que iniciativas simples e de baixocusto, no sentido por em prática os conhe-cimentos teóricos de sala de aula, podemdespertar o interesse e provocar mudançasna forma como os alunos se relacionamcom o currículo em seu cotidiano. Em ou-tras palavras, inovações podem ser asso-ciadas a orientações curriculares e pedagó-gicas capazes de provocar alterações noensino de física durante o ano letivo,criando uma relação dialética entre as ati-vidades formais e extra-classe.
O que se obteve com as iniciativasapresentadas com as turmas de 9° ano doEnsino Fundamental é um sistema lógicode ensino-aprendizagem, documentadoeletronicamente pelos próprios alunos,auto-alimentado e com práticas decidadania, visando a uma formação com-pleta do aluno como indivíduo preparadopara exercitar seus conhecimentos naconstrução de uma sociedade inovadora,sustentável e digna.
Notas1http://clubedeastronomia.tumblr.com/.2http://comcienciafisica.org/.3http://www.oba.org.br/site/index.php.
Figura4 - Gráfico de aprendizagem.