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    SPINOZA: O CONATUS E A LIBERDADE HUMANA

    Andr Paes Leme*

    Resumo: Este artigo tem por objetivo compreender o papel representado pelo

    conceito de conatus na losoa de Baruch de Spinoza. Partindo da leitura da da

    tica III buscaremos reconstruir a teoria da afetividade postulada pelo lsofo para

    demonstrar como a noo de conatus opera ao mesmo tempo como perseverao na

    existncia e armao do desejo. O passo posterior ser projetar uma unidade entre o

    existir e o desejar como a base para o correto entendimento da concepo de liberdade

    desenvolvida por Spinoza na parte V de sua tica.

    Palavras-chave: Spinoza, Conatus, Liberdade, Desejo, tica.

    O desejo a essncia da realidade.

    (Jacques Lacan)

    I - Introduo

    O intuito deste trabalho analisar a centralidade do conceito

    de conatus no projeto tico de Spinoza e o modo como esse conceito

    vai orientar sua teoria da afetividade.1 Para isso, exporemos um plano

    geral dessa teoria dos afetos, atentando ao momento em que surge

    nela a necessidade de um operador dinmico, capaz de fundamentar

    sua efetividade. Mostraremos como, para Spinoza, apenas o conceito

    de conatus pode suprir a necessidade de tal operador. A m de

    compreendermos a gnese de tal conceito, seremos obrigados a retomar

    seus pressupostos ontolgicos nos livos I e II da tica.

    * Graduao USP.

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    Notaremos que Spinoza identica o conatus com a essncia mesma

    do homem, mas tambm com o esforo por ele empreendido para perseverar e

    expandir sua potncia de existir. Buscaremos, ento, mostrar como o conatus

    representa, para o holands, ao mesmo tempo, um princpio de conservao e

    de armao da potncia do homem. Feito isso, analisaremos como Spinoza

    se serve da idia de conatus para operar a completa naturalizao da vida

    afetiva e, com isso, promover a desvalorizao da moralidade normativa

    e transcendente da tradio. Por m, observaremos as implicaes de tal

    conceito como critrio imanente de uma clnica dos afetos2 que visa a

    armao plena e viva da liberdade humana.

    II - Por uma cincia da Afetividade

    Comeamos, assim, por um sobrevo seletivo sobre o livro III

    da tica que busca ressaltar sua relevncia no edifcio tico spinozano

    e detectar o ponto de emergncia do conceito de conatus no interior da

    dissecao da vida afetiva realizada pelo lsofo. Para Spinoza, o campo

    da afetividade constitui uma dimenso especca dos procedimentos

    mentais. Se, na parte II de sua tica, ele se encarregara de enunciar as leis

    objetivas, no plano mais especicamente cognitivo, de tais procedimentos,

    isso no signica que sua losoa no reconhea tambm a existncia de

    uma lgica da afetividade por trs da aparente desordem da vida afetiva.

    Para o lsofo, e nisso consiste talvez sua grande novidade, a vida afetiva

    no irracional nem absurda, mas sim uma produo natural passvel

    de conhecimento e exame racionais. Na parte III da tica, ele se coloca

    a tarefa de elaborar uma teoria racional dos afetos (sentimentos) 3, uma

    geometria da vida afetiva, requisito indispensvel para a edicao de um

    projeto tico que vise a ao prtica.

    A especicidade da teoria spinozana dos afetos consiste

    precisamente no princpio central da considerao dos afetos, enquanto

    coisas naturais, como efeitos regulados e ordenados da potncia da

    natureza e da possibilidade de fazer deles objeto de um estudo plenamente

    racional, isto , desprovido de todo julgamento de valor a partir de uma

    normatividade moral. Outro ponto que deve ser destacado acerca da teoria

    spinozana exposta na tica III seu horizonte tico, que j se coloca para

    alm da iluso de exercer, pela via da razo, um poder absoluto sobre as

    paixes. Conhecer as causas e os mecanismos dos afetos, dar-se os meios

    por assim dizer de os transformar, em parte, em coisas que nos tragam mais

    efeitos bencos do que nocivos.

    Vale ressaltar que Spinoza no utiliza o termo afeco como um

    correlato de afeto, termo, alis, bastante raro no lxico losco da poca

    e que poderia ser apreendido no sentido mais usual que designa a expresso

    sentimento. Com efeito, ainda que a tradio tenha aproximado a afeco

    (affectio) daquilo que se d no corpo e o afeto (affectus) de seu desdobrar-

    se na alma, para Spinoza essa ainda no a verdadeira distino entre

    ambos. Para ele, as afeces referem-se aos acontecimentos que ocorrem

    aos modos nitos e aos efeitos nele gerados pela ao de outros modos.

    J os afetos (affectus) correspondem: passagem de um estado a outro,

    tendo em conta a variao correlativa dos corpos afetantes (Deleuze 5,

    p. 50).Quando o modo nito afetado por outro modo exterior a ele,

    a modicao nele causada pode transcorrer como um aumento ou uma

    diminuio do grau de perfeio em que se encontrava anteriormente.

    Por isso, Deleuze arma que se denominam afetos a intensidade da

    passagem de um estado a outro do modo afetado. Em outras palavras,

    o afeto o signo de como o modo afetado se modica atravs de uma

    afeco causada por outro modo, do aumento ou da diminuio de seu

    grau de perfeio anterior afeco. Assim, pode Deleuze dizer: Estas

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    duraes ou variaes contnuas de perfeio denominam-se afetos ou

    sentimentos (Deleuze 5, p.50). Na denio III da tica III, Spinoza

    arma: Por afeto compreendo as afeces do corpo, pelas quais sua

    potncia de agir aumentada ou diminuda, estimulada ou refreada, e, ao

    mesmo tempo, as idias dessas afeces. Ele quer dizer que, ao contrrio

    das afeces, os afetos no podem ser representados. Podemos apenas

    intu-los como a variao da potncia de agir (conatus) entre dois estados,

    antes e depois de uma afeco sofrida pelo modo nito. A questo parece

    complexa, mas Deleuze a explicita de maneira muito clara e elegante: se

    chamar de afeto todo modo de pensamento que no representa nada. O

    que isso quer dizer? Tomem ao acaso o que qualquer um chama de afeto ou

    sentimento, uma esperana por exemplo, uma angstia, um amor, isto no

    representativo. Certamente h uma idia da coisa amada, h uma idia de

    algo que esperado, mas a esperana enquanto tal ou o amor enquanto tal

    no representam nada, estritamente nada (Deleuze 6, p.6).

    Spinoza distinguir tambm entre afetos e paixes. Ele armar

    a existncia de afetos ativos e passivos. O modo nito tem afetos ativos,

    isto , ela age quando, nos termos spinozanos, sua ao se determina

    internamente e no por causas exteriores. Por outro lado, o homem padece,

    quer dizer, ele tem paixes, quando incapaz de ser a causa adequada de

    suas aes, ele determinado por causas exteriores a si. Assim, podemos

    concluir que todas as paixes so afetos, mas nem todos os afetos so

    paixes, pois, segundo Spinoza , h afetos que, como vimos, ao contrrio

    das paixes, so ativos. Se h afetos que no so paixes, isto quer dizer,

    como nos arma Macherey: [...] que a afetividade no exerce fatalmente

    sobre nosso regime mental uma inuncia perturbadora, denitivamente

    estranha sua funo positiva de compreenso racional: em outras palavras,

    sensibilidade e inteligncia, no so faculdades distintas, potencialmente

    em conito, mas suas intervenes, que procedem de uma nica fonte, a

    capacidade que possui a alma de produzir afeces puramente mentais que

    so idias (...), podem ser harmonizadas (Macherey 8, p.18)

    exatamente neste ponto que uma teoria da afetividade encontra

    sua questo e seu mbito ticos: como reduzir a quantidade de afetos

    passivos proporcionalmente ao incremento do nmero de afetos ativos?

    Cremos que o livro III da tica aponta apenas para a possibilidade e

    para os operadores dessa cincia da afetividade.4De modo que a questo

    acima colocada s pode ser plenamente respondida atravs do conceito de

    Beatitude e da transformao do prprio conhecimento em um afeto ativo,

    o que ocorre apenas na parte V, que no abordaremos sistematicamente.

    Mas podemos notar aqui que a via adotada pelo lsofo no Livro

    III da tica apostar em um esforo de separao e classicao dos afetos

    por meio de um estudo da gnese da vida afetiva. Para classicar os afetos,

    Spinoza precisar estabelecer um critrio de classicao. Caso contrrio,

    como saberemos quais afetos nos fazem ativos e quais nos tornam passivos,

    quais devem ser promovidos e quais devem ser evitados? A resposta a

    essa questo o conceito de conatus. Grosso modo, o lsofo adotar este

    conceito como um critrio de avaliao imanente da vida afetiva. De modo

    que, de acordo com um conhecimento adequado da natureza humana, ser

    positivo aquilo que fortalece o conatus, a potncia de agir do homem e

    negativo aquilo que rebaixa seu grau atual de perfeio.

    Spinoza dene o conceito de diversas maneiras no interior da

    tica, mas daremos especial ateno para a que surge nas proposies 6 e

    7 da tica III. No nos prenderemos, no entanto, ao esgotamento dessas

    proposies, mas as utilizaremos, isto sim, conforme se impuserem as

    diculdades naturais de exposio do conceito. Tentaremos demonstrar

    como o conatus se constitui em um princpio dinmico que a prpria

    essncia do homem.5Ora como conservao de sua natureza, ora como

    pura armao e expanso de sua potncia, isto , aumento de seu grau de

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    perfeio. Acreditamos que isso se deva indissociabilidade, no interior

    da tica, ao menos no que tange aos modos nitos da substncia, entre sua

    essncia singular e a ao de perseverao nessa essncia. Notada a forma

    como o conceito de conatus se encontra no fundamento da teoria spinozana

    da afetividade, passemos no prximo tpico a exposio deste conceito.

    III - Conatus e Natureza Humana

    H uma s substncia que possui uma innidade de atributos,Deus

    sive natura, sendo todas as criaturas apenas modos destes atributos ou

    modicaes desta substncia (Deleuze 5, p.25). Para compreendermos o

    porque de Gilles Deleuze apontar esta como a principal tese do spinozismo,

    a concepo ontolgica da existncia de uma substncia da qual, grosso

    modo, decorreria todo o existente, ser necessrio que analisemos o

    que Spinoza entende por substncia. A contrapelo das armaes do

    celebrrimo Descartes6 para quem o homem se caracteriza por um

    composto substancial entre alma e corpo, mas tambm de toda a tradio

    aristotlica, que considera substncia aquilo que existe por si mesmo,

    Spinoza demonstrar atravs das primeiras quinze proposies da tica I

    os aspectos primordiais da substncia: que ela nica, complexa, causa

    de si, pois de sua essncia decorre necessariamente a existncia, causa

    imanente de todas as coisas, pois necessariamente innita e consta de

    innitos atributos, dos quais conhecemos apenas dois, isto , o atributo

    pensamento e o atributo extenso.

    Deus, ou seja, uma substncia que consta de innitos atributos,

    cada um dos quais exprime uma essncia eterna e innita, existe

    necessariamente (E I P11). O que nos interessa aqui o fato de o lsofo

    reconhecer uma identicao entre Deus e seu conceito de substncia. Isso

    nos autoriza a armar que se Deus uma substncia, consequentemente ele

    causa de si, mas tambm de toda a innidade de coisas existentes, pois o

    ato pelo qual o existente por Ele produzido pode ser reduzido ao ato pelo

    qual Ele se autoproduz. Nisso consiste a idia spinozana de causalidade

    imanente. A potncia de Deus sua prpria essncia, por isso conforme

    Delbos, Spinoza substitui a noo teolgica de um Deus criador pela idia

    racional de um Deus que, por assim dizer, produz suas criaturas7. ODeus

    sive natura, destacado por Deleuze como a tese central do lsofo da tica,

    sustenta-se, portanto, pela constatao de que Deus imanente natureza,

    j que sua essncia se exprime em tudo aquilo que nela existe.

    Com efeito, sendo Deus a nica substncia8, toda a variedade do

    existente passa a ser considerada uma modicao desta substncia. Isto

    autoriza Spinoza a armar, dando sequncia a constituio de sua ontologia,

    na tica II: essncia do homem no pertence o ser da substncia, ou seja

    a substncia no constitui a forma do homem (E II P10). Ora, se levarmos

    a srio a idia de que tudo o que existe , no limite, uma modicao da

    substncia divina, a armao spinozana de que a substncia no constitui

    a forma do homem pode at mesmo ser considerada suprua. Resta saber,

    no entanto, a partir dessa ruptura de Spinoza com a tradio, claramente

    evidenciada pela proposio acima citada, o que vem a ser o homem. Para

    Chau: a causa de sua essncia singular a existncia de outros homens que

    o produzem. A causa de sua essncia Deus: o homem uma modicao

    (modus) dos atributos divinos, pensamento e extenso (Chaui 2, p.16). De

    acordo com o que arma Chaui, o homem um modo nito da substncia

    que se constitui a partir de duas modicaes de dois dos innitos atributos

    nela contidos: o atributo pensamento e o atributo extenso.

    O atributo pensamento dar origem ao que conhecemos por alma

    e o atributo extenso ao que entendemos por corpo. No decorrer da tica

    II, Spinoza desenvolve as concepes de corpo e alma e a relao existente

    entre eles. O holands -bastante inuenciado pelo princpio de inrcia e,

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    desse modo, pela causalidade eciente interna e no mais pelo nalismo

    - dene o indivduo mediante o equilbrio na proporo de relaes de

    movimento e repouso entre as partes que constituem o corpo. Spinoza

    dene o indivduo pela causa eciente, isto , pela atuao de suas partes

    constituintes em uma mesma direo9. A ao do corpo passa a pautar-

    se, ento, pela garantia e manuteno dessa proporo de movimento e

    repouso que o constitui. Quanto alma, o lsofo a denir como idia

    cujo objeto o corpo10 e como conscincia de si mesma. Podemos, assim,

    considerar a alma como a conscincia das afeces que se do no corpo.

    As relaes estabelecidas entre corpo e alma se explicam pela famosa tese

    do paralelismo11entre os atributos extenso e pensamento.

    Como aponta Deleuze, a tica estipula um ordenamento idntico

    entre as idias e os corpos, como duas sries diversas e autnomas,

    mas conectadas por um mesmo princpio e encadeamento12. O prprio

    Spinoza, a nosso ver, parece esclarecer esse ponto: A ordem e a conexo

    das idias o mesmo que a ordem e a conexo das coisas (E II P7).

    Para ele, como vimos, existe apenas uma substncia exprimindo-se no

    homem por meio de duas modicaes de dois dos innitos atributos,

    isto , o corpo e a alma. Como vimos, o corpo enquanto modicao

    do atributo extenso, um indivduo inserido na natureza e por ela

    afetado continuamente. Ao ser afetado, ele se comporta de forma

    passiva; quando afeta se comporta de forma ativa. No podemos nos

    esquecer de que do corpo e de sua relao de ser afetado e afetar os

    outros corpos que surgem as imagens denominadas por Espinosa como

    imaginao. J a alma, enquanto expresso do atributo pensamento,

    potncia de pensar, capaz de ordenar as imagens das afeces do corpo,

    bem como produzir ideias por si mesma. A a lma pode ser dita passiva

    se produz idias a partir da imaginao e ativa se as produz a partir da

    sua prpria potncia.

    Com efeito, a unidade do homem formada pela modicao

    do atributo extenso e a idia que representa, no atributo pensamento,

    esta modicao. De modo que no h relao de hierarquia entre tais

    modicaes de ambos atributos, ou se quisermos, a alma no pode

    comandar o corpo nem o corpo pode determinar de qualquer forma a

    alma. Cada um deles determinado pelo atributo do qual modicao

    e a causalidade por eles seguida determinada no interior de cada

    atributo. Isto signica que enquanto a alma se determina pelo atributo

    pensamento, o corpo determinado pe lo atributo extenso e no exis te

    nenhuma relao de causalidade entre o intelectual e o corporal. Na

    frmula de Chau: Alma e corpo exprimem no seu modo prprio o

    mesmo evento (Chaui 2, p.16). Essa unidade complexa, formada

    atravs do paralelismo entre as sries de modicaes do pensamento

    e da extenso, caracteriza uma potncia imanente da substncia, o que

    tambm podemos denominar, um conatus.13

    O conceito de conatus explicitado por Spinoza, como um

    princpio dinmico balizado apenas pela causalidade eciente, que

    determina as modicaes dos atributos da substncia, a partir da tica

    III. Diz ele: Cada coisa esfora-se, tanto quanto est em si, por perseverar

    no seu ser (E III P6). Na proposio seguinte o lsofo denomina tal

    esforo de perseverao como a essncia atual da coisa: o esforo pelo

    qual cada coisa se esfora por perseverar em seu ser nada mais do que

    sua essncia atual (E III P7). Essa essncia atual, o conatus, que se

    constitui por meio da unidade entre a proporo interna de movimento

    e repouso do corpo e do encadeamento interno das idias na alma, o

    prprio ser do homem, aquilo que lhe garante que ele seja o que , e no

    outra coisa. O esforo do homem para perseverar em sua existncia, para

    transpor quaisquer obstculos externos sua armao, mas tambm para

    desenvolver-se e realizar-se o mais plenamente possvel. Para Spinoza,

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    no possvel conceber o indivduo humano separado de seu esforo

    de perseverao em seu prprio ser, pois sua essncia singular s existe

    enquanto atualizao de tal esforo (conatus). Desse modo, podemos dizer

    que o corpo esfora-se internamente por assegurar a manuteno de seu

    equilbrio interior, enquanto a alma opera a conscincia deste esforo.

    Como cada conatus singular se v continuamente em relao aos demais, anatureza e a exterioridade se revelam um complexo de causas que podem

    incrementar ou reduzir a efetividade do esforo de cada um em perseverar

    em sua existncia, isto , o seu conatus.

    nesse sentido que o Conatus , como dissemos no incio,

    um princpio dinmico que funciona como fundamento para a teoria

    spinozana da afetividade, pois ser a partir do efeito de aumento ou

    diminuio causado potncia de existir que o lsofo distingur entre

    o agir e o padecer, ou se quisermos, entre os afetos ativos e os passivos

    (paixes). Quando se deixa tomar por todas as causas externas que

    visam o enfraquecimento de sua potncia de agir, a diminuio de seu

    conatus, o indivduo padece de uma paixo.

    No entanto, se ele capaz de aumentar sua potncia de existir

    aproveitando-se dessas causas externas, isto signica que o indivduo age

    ativamente. Podemos concluir que, quando afetado por paixes, o conatus

    incapaz de impor sua potncia sobre o que lhe externo, enquanto que por

    meio da ao ele aumenta sua potncia incorporando as causas exteriores

    e impondo-se sobre elas. Como nos diz o prprio lsofo: Digo que

    agimos quando, em ns ou fora de ns, sucede algo de que somos a causa

    adequada, isto (pela def. prec.), quando de nossa natureza se segue, em

    ns ou fora de ns, algo que pode ser compreendido clara e distintamente

    por ela s. Digo, ao contrrio, que padecemos quando, em ns, sucede algo,

    ou quando de nossa natureza se segue algo de que no somos seno causa

    parcial (E III D2). A partir disso Spinoza relaciona a ao idia de causa

    adequada e a paixo de causa inadequada, pois a ao determina um

    aumento do conatus, enquanto a paixo implica em seu enfraquecimento.

    Como explica Chau: A partir de agora, o indivduo singular passa a ser

    designado como causa: causa adequada (causa adaequata), se os efeitos que

    produzir puderem ser explicados apenas por sua prpria natureza; causa

    inadequada (causa inadaequata), se os efeitos que produzir no puderemser explicados apenas por sua natureza, mas pela interferncia de causas

    externas ou potncias alheias sua (Chaui 3, p.136). Assim, concebemos

    o conatus, a essncia do indivduo singular, como potncia no apenas

    de existir, mas tambm de agir. Para o conatus, j no se trata apenas de

    manter o atual estado, conservar o equilbrio nas relaes de movimento

    e repouso (inrcia) no corpo e de sua conscincia na alma, mas tambm

    de uma atividade pela perseverao no ser14. Acrescenta-se concepo

    mecanicista do conatus o esforo vital pela destruio dos impedimentos

    externos a tudo aquilo que possa expandir a potncia de agir. medida que

    no corpo o conatus atende pelos apetites, no que concerne alma podemos

    identic-lo com o desejo. Desse modo, o desejo , na alma, a conscincia

    dos apetites do corpo. No entanto, Spinoza no hesita em armar: O

    desejo a prpria essncia do homem, enquanto esta concebida como

    determinada, em virtude de uma dada afeco qualquer de si prpria, a agir

    de alguma maneira (E III DA1).

    O leitor atento rapidamente notaria que o lsofo parece hipostasiar

    o desejo como a denio mais precisa do esforo dinmico que caracteriza o

    conatus, em detrimento dos apetites surgidos dos mecanismos corporais.

    No entanto, Spinoza esclarece, na explicao de tal denio, que prefere,

    para evitar o risco da tautologia, no reduzir o desejo aos apetites, mas sim

    dar-lhe uma denio que abrangesse todos os valores, que abrangesse

    todos os esforos da natureza humana que designamos pelos nomes de

    apetite, vontade, desejo ou impulso (...) Compreendo aqui pelo nome de

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    desejo todos os esforos, todos os impulsos, apetites e volies do homem,

    que variam de acordo com o seu varivel estado e que, no raramente, so

    a tal ponto opostos entre si que o homem arrastado para todos os lados e

    no sabe para onde se dirigir (E III DA1 exp.).

    Se o desejo pde ser compreendido por Spinoza como a prpria

    essncia do homem, devemos entender seu funcionamento como umaespcie de motor-movente do conatus, sempre em busca daquilo que possa

    aumentar sua potncia. Assim, seja como causa adequada ou inadequada,

    o desejo tem o poder de determinar afetivamente o indivduo.

    Ora, isso mostra que da natureza do conatus exprimir-se por

    meio do desejo, da busca por objetos que sejam capazes de expandir sua

    potncia e auxiliar em sua preservao. Mas, como vimos acima, o desejo

    pode se estabelecer ativamente quando aumenta a potncia de existir, ou

    passivamente quando a diminui. Se determinado por causas exteriores a

    si, o desejo passividade, inadequao. Mas, quando determinado por

    causas internas, a passividade deixa lugar ao. O homem se torna

    causa adequada de si mesmo, pois cessa a distncia entre o conatus e o

    objeto de seu desejo. Ao tornar-se causa adequada de si mesmo, o homem

    fortalece seu conatus, aumenta sua potncia de existir e agir e reproduz,

    em escala modal, a imanncia entre a causa e o causado no plano de

    atividade da substncia.

    O lsofo nos oferece com o modelo do conatus nada menos que

    uma concepo de eticidade totalmente renovada, pois a possibilidade de

    exercer domnio sobre as paixes j no passa mais pela normatividade

    valorativa da moral crist, pela concepo do homem como um Imperium

    in imperio15 capaz de submeter racionalmente os afetos atravs do

    imprio da razo. A concepo tica de Spinoza vislumbra, pelo contrrio,

    a transformao da relao do homem com a afetividade, a reconciliao

    do homem com suas paixes, fazendo dele a causa adequada de sua vida

    afetiva para que ele possa determin-la adequadamente ao invs de por

    meio dela padecer. Em outras palavras, Spinoza prope uma tica que

    se pauta pela busca do prazer (aumento de potncia do conatus) e se

    encontra ciente da impossibilidade ontolgica de eximir-se do plano

    das paixes, anal, como vimos, o lsofo deniu o conatus, a essncia

    atual do homem, como uma inclinao natural ao aumento de sua potncia(desejo). A sada spinozana, reconhecendo a impossibilidade de superar a

    afetividade, realiza sua naturalizao e oferece ao homem a possibilidade

    de controlar seus afetos tornando-se causa adequada deles.

    Com efeito, podemos armar que o homem, por natureza, sempre

    buscar o que aumenta sua potncia e afastar o que a diminui, isto,

    porm, no signica que os homens saibam verdadeiramente (conhecer

    conhecer pela causa) o que aumenta ou diminui sua potncia de existir,

    seu conatus. No so poucos os que perseguem os objetos de seus desejos

    acreditando estarem em busca de um aumento de potncia, quando, na

    verdade, s alcanam o enfraquecimento do conatus. Estes so vtimas

    da inadequao, diz Spinoza, das paixes, que apesar de completamente

    naturais, os escraviza totalmente. Por ser um modo nito da substncia

    divina, o homem precisa, para existir e conservar-se, estabelecer relaes

    causais com outros corpos. desse modo que surgem as paixes, desse

    confronto originrio com as causas exteriores. Como nos mostrou Spinoza,

    no podemos dizer que tal conito se deva busca por um objeto comum,

    no sentido de uma nalidade pela qual se estabeleceria uma disputa, pois

    o homem se determina pela sua causa eciente, que o conatus. Por isso

    dissemos antes que o conatus (expanso da potncia) o nico critrio

    da ao humana, o que invalida completamente uma moral normativa.

    o homem, o conatus, que impe valor s coisas, diz Spinoza, como que

    num jubiloso e intempestivo cntico da desvalorizao de todos os valores.

    Conforme arma o lsofo, de nossa ignorncia da causalidade eciente

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    que se alimenta a misticao secular do nalismo16. Como ignoram as

    causas (ecientes) daquilo que desejam, os homens continuamente apontam

    para fora de si a nalidade de suas aes e pensam assim justic-las. Desse

    modo, crendo-se livres e autnomos na armao de suas vontades, nada

    mais fazem do que condenar-se passividade e resignao.

    IV - Concluso - O Conatus e a armao da liberdade

    Como vimos, a losoa de Spinoza sucede de uma maneira geral de

    um esforo intelectual pelo reconhecimento da importncia da afetividade

    para a realizao plena da vida. Retomamos os pressuposto ontolgicos

    do spinozismo para reconhecermos a centralidade do conceito de conatus

    nesse empreendimento e sua articulao com a cincia da afetividade.

    Denimos o conatus, juntos de Spinoza, como o esforo humano em

    perseverar na existncia, isto , a prpria essncia do modo nito, existente

    apenas enquanto rearmao da potncia de seu ser nito.

    A partir da demonstramos como o aumento da potncia do conatus

    o nico parmetro seguido pelos homens no balizamento de suas aes.

    Em seguida vimos que Spinoza dene a determinao afetiva do desejo

    em termos de adequao e inadequao s suas causas. Assim, o lsofo

    pode dizer que a grande maioria dos homens padece justamente porque,

    ainda que ajam sempre buscando expandir sua potncia, conforme manda

    sua natureza, eles so incapazes de perceber quais so as coisas realmente

    capazes de fortalecer essa potncia, pois, possuem um conhecimento

    inadequado das causas do desejo. Por outro lado aqueles que possuem

    uma postura ativa, ou seja conhecem adequadamente as causas daquilo

    que desejam, sero capazes de realizar aquilo que o lsofo entende por

    uma vida de liberdade. Desse modo, resta-nos apenas compreender como

    se d o conhecimento adequado das causas do desejo e auto-determinao

    do conatus par darmos por encerrada a tarefa que aqui nos propusemos.

    No pretendemos, contudo, esgotar as questes tratadas nos

    livros IV e V da tica, mas apenas fazer alguns apontamentos sobre a

    relao entre o conceito de conatus e a armao da liberdade por meio

    do conhecimento adequado das causas do desejo. Inicialmente, podemos

    dizer que, para o lsofo holands, valores-chave da moral crist comobem e mal, denem-se apenas pelo aumento ou a diminuio da potncia

    de agir. Com efeito, aquilo que aumenta a potncia singular de cada homem

    por ele considerado como um bem, j aquilo que diminui tal potncia

    tido como um mal. Assim, para Spinoza, bem e mal adquirem um carter

    nominalista, para no dizer at mesmo relativo. Ele nega a tais conceitos

    sua qualidade transcendente, aquela que seria, na ao moral, imposta de

    fora, ou perseguida pelo homem de forma pretensamente livre. Ao fazer

    isso, a tica naturaliza tais conceitos impossibilitando o julgamento moral

    transcendente da ao humana e a responsabilizao do agente moral.

    No spinozismo, saem de cena os valores transcendentes que

    pairavam sobre a conscincia pecadora dos homens como a sombra

    aterrorizante de um Deus antropomrco, e vm luz uma relao

    imanente de durao indenida17 entre o homem e o mundo na qual a

    potncia do conatus pode incrementar-se ou diminuir e at mesmo

    extinguir-se. A tbua das leis e o ressentimento moral so varridos do

    campo da tica para darem lugar ao conhecimento (pela causa) daquilo

    que nos envenena, ou fortalece. Conforme Deleuze: A lei sempre

    a instncia transcendente que determina os valores bem-mal, mas o

    conhecimento sempre a fora imanente que determina a diferena

    qualitativa dos modos de existncia bom-mau (Deleuze 5, p.35). quilo

    que aumenta verdadeiramente a potncia de existir e agir, que fortalece o

    conatus, ou seja o desejo do qual o indivduo causa adequada, Spinoza

    denominar afetos alegres. O ato mesmo pelo qual o conatus alcana

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    o aumento de potncia, incrementa seu grau de perfeio, Spinoza

    reconhece como alegria. J a tristeza ele distingue como o inverso, isto ,

    aquilo que diminui a potncia do indivduo.

    O esforo tico da teoria spinozana da afetividade caracteriza-se

    como uma crtica mordaz das paixes tristes e como o nico caminho,

    arrojado e prazenteiro, para uma armao afortunada da potncia venturosada vida. O vitalismo spinozano pode ser compreendido como uma espcie

    deprtica clnica18dos afetos. Pois, j no contando mais com o universal

    valorativo-transcendente como guia prtico da ao moral, a trilha para

    a realizao da liberdade humana se revelar como um procedimento

    teraputico, no qual a moderao do desejo atravs do conhecimento de

    suas causas faz do homem um ser ativo, capaz de determinar mais seus

    afetos, medida que por eles menos determinado.

    A grande contribuio da tica de Spinoza talvez consista na

    percepo de que o nalismo e sua moral levam o homem a uma vida de

    servido, sempre em busca da satisfao de seus desejos por um m exterior

    a si (o outro, Deus, a lei), quando, no limite, a liberdade consiste apenas

    no conhecimento interno e na realizao daquilo que fortalece a potncia

    humana de existir. A hiptese tica do spinozismo rompe denitivamente

    com a tradio ao deslocar a vida tica do solo tradicional do imprio

    racional sobre os afetos para uma espcie de cartograa dos desejos que

    permita ao homem orientar-se adequadamente neles.19E isso no signica

    guiar-se no limbo da vida afetiva pela luz natural da razo, pois, como

    demonstra o lsofo na tica V, um afeto s pode ser determinado por

    outro mais potente.

    Assim, orientar-se adequadamente signica fortalecer as paixes

    alegres, aquelas capazes de armar e expandir o conatus, em detrimento

    das tristes. Com efeito, apenas a intensidade de uma alegria pode afastar

    o homem do ressentimento, do dio, da vingana e de todos os outros

    afetos que diminuem a sua potncia. Orientar-se adequadamente, signica,

    portanto, fortalecer a virtude, que spinoza reconhece como armao da

    potncia, tanto do corpo, por meio de sua capacidade de afetar positivamente

    outros corpos, como tambm da alma atravs de seu poder de conhecer

    adequadamente. Se o desejo, motor-movente do conatus, j no se impe

    por uma causa exterior a si, a alma deixa de ser passiva e se torna ativa,o conhecimento sentido como uma atividade; ele se torna, segundo

    a famosa frmula, o mais potente dos afetose o homem se revela causa

    adequada de si mesmo.

    Desse modo, Spinoza conceber como livre no aquele que,

    imaginando-se detentor de uma vontade autnoma (livre-arbtrio), no

    cessa de encontrar-se distante daquilo que deseja, pois incapaz de

    conhecer as causas de seu desejo (e daquilo que por ele desejado). Mas

    sim, aquele que consolida-se como a causa adequada de seus afetos, pois

    capaz de romper a distncia entre desejo e objeto e restituir, no interior

    do modo nito, o esquema da imanncia entre a substncia divina e aquilo

    de que ela a causa adequada, isto , tudo o que no mundo existe. a

    onde ndam a servido e o nalismo que comea, plena e esplendorosa, a

    armao da liberdade:Beatitudo.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    1. BOVE, L.La stratgie du conatus. Paris: J. VRIN, 1996

    2. CHAUI, M. Vida e Obra. In:Espinosa. Coleo Os Pensadores. So Paulo: NovaAbril Cultural, 2004.

    3. ______.Poltica em Espinosa. So Paulo: Companhia das Letras, 2003.

    4. DELBOS, V.Le Spinozisme. Paris: Socit franaise dimprimerie, 1916

    5. DELEUZE, G. Espinosa: Filosofa Prtica. Traduo D. Lins e F. P. Lins. So

    Paulo: Escuta, 2002.

    6. ______. Cursos de Gilles Deleuze ministrados em Vincennes. Traduo de Emanuel

    Angelo da Rocha Fragoso e Hlio Rebello Cardoso Jr. Edio virtual

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    consultada em agosto de 2012:http://www.4shared.com/ofce/jWxoVn6z/

    gd_spinoza_vincennes_port.html?cau2=403tNull.

    8. MACHEREY, P.Introduction ltique de Spinoza: troisime partie. Paris: PUF,

    1997.

    9. SVRAC, P. Conhecimento e afetividade em Spinoza. In: O mais potente dos

    afetos: Spinoza e Nietzsche. So Paulo: Martins Fontes, 2009.

    9. SPINOZA, B. tica. Traduo de Thomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autntica,2009.

    SPINOZA: THE CONATUS AND THE HUMAN FREEDOM

    Abstract: This article aims to understand the role played by the concept of conatus

    in the philosophy of Baruch Spinoza. From the reading of the Ethics III well seek

    to reconstruct the theory of affection postulated by the philosopher to show how

    the notion of conatus operates at the same time as perseveration in existence and

    afrmation of desire. The subsequent step will be to design a unity between existence

    and desire as the basis for a proper understanding of the concept of freedom developedby Spinoza in Part V of his Ethics.

    Keywords: Spinoza, Conatus, Freedom, Desire, Ethics

    NOTAS

    1. tica III. A origem e a natureza dos afetos. Cf. Spinoza 9, p. 95.

    2. A psicanlise, enquanto uma mediao clnica da vida afetiva, encontra suas razes

    tambm em Spinoza. Jacques Lacan nunca deixou de endossar tal interpretao e a

    citao em epgrafe em sua tese de doutorado (Da psicose paranica em suas relaes

    com a personalidade) um trecho da tca.

    3. Sobre a noo de afeto em Spinoza, ver Deleuze 5, p.49

    4. Acreditamos que no mbito da integralidade do projeto tico spinozano a cincia

    dos afetos exera um papel fundametal para o desenvolvimento de seu conceito de

    liberdade em rompimento com a noo tradicional de vontade. Para ele, a liberdade se

    d em relao essncia e do que dela decorre. Cf. Spinoza 10, tica V, Prefcio.

    5. Identicando essncia e potncia, a demonstrao de que o conatus a essncia

    atual de um ser singular nos faz compreender que os apetites (no corpo) e as

    volies (na mente) so os aspectos atuais da potncia de agir e existir, que por

    isso mesmo so causas ecientes determinadas por outras causas ecientes e no

    por ns. Cf. Chaui 3, p. 141 .

    6. Spinoza reconhece o empreendimento cartesiano, mas critica sua m-compreenso

    da natureza humana que o acabou levando a equvocos tambm no que concerne

    viso sobre os afetos: O muito celebrado Descartes, embora acreditasse que a alma

    tinha, sobre as suas aes, um poder absoluto, tentou, todavia, explicar os afetoshumanos pelas suas causas primeiras e demonstrar, ao mesmo tempo, o caminho pelo

    qual a alma pode adquirir um imprio absoluto sobre os afetos. Mas, na minha opinio,

    ele nada demonstrou, a no ser a penetrao do seu grande esprito. Cf. Spinoza 10,

    Prefcio da parte III.

    7. Ver Delbos 4, p. 63.

    8. Spinoza demonstra a impossibilidade da existncia de mais uma substncia com o

    mesmo atributo. Cf. Spinoza 10, Proposies 1 a 8 da primeira parte.

    9. Graas a ideia do indivduo como integrao e diferenciao interna dos

    constituintes e do princpio de aumento ou diminuio da potncia ou intensidade da

    fora pelas relaes com as potncias externas os constituintes fracos submetendo-

    se s presses externas; os constituintes fortes no s resistindo a elas, mas sobretudo

    vencendo-as -, Espinosa pode conceber o conito com interno ao indivduo, tanto

    quanto externo a ele. Cf. Chaui 3, p. 137.

    10. Spinoza dene a alma como ideia do corpo. Cf. Spinoza 10, prop. 13 da segunda parte.

    11. Para uma reviso da questo de paralelismo, ver: C. Jaquet. Lunion du corps et de

    lesprit. Affects, actions et passions chez Spinoza. Paris: PUF, 2004.

    12. Cf. Deleuze, 1981, pg. 74-75

    13. Entramos, agora, na regio concreta na qual os indivduos no se esforam apenas

    para manter seu estado, mas para manter seu ser. Cf. Chaui 3, p. 135.

    14. Tal passagem, para ser mais perfeita, deveria expor aquilo que Spinoza entende

    por noes comuns (cf. Spinoza 10, EII P37, 38, 39), no entanto, dado nossointeresse em trabalhar o conceito de conatus e sua relao com a liberdade, no ser

    esta a ocasio para fazermos tal exposio de modo detido.

    15. Cf. Essa frmula aparece no prefcio da tica III para representar a concepo

    tradicional do homem como senhor das foras da natureza externa e de sua prpria.

    16. Ver: Spinoza 10, Apndice da primeira parte.

    17. Spinoza demonstra a questo da durao indenida de uma essncia atual na prop.

    8 da terceira parte da tica.

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    18. Ver nota 2.

    19. O homem livre na exata medida em que tem o poder para existir e agir segundo

    as leis da natureza humana [...]. A liberdade no tira, mas pe a necessidade do agir.

    Cf. Spinoza, Tratado Poltico, cap II 7 e 11.

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    BREVES CONSIDERAES

    SOBRE A METAFSICA DE LEIBNIZ

    Rafael Zambonelli Nogueira*

    Resumo:Neste texto, pretendemos fazer uma breve anlise da metafsica leibniziana,

    tomando como o condutor a noo de substncia individual que desembocar

    no conceito de mnada , de sorte a tentar acentuar algumas de suas implicaes e

    pressupostos. Passando pela criao e pelo sistema de determinao universal que ela

    acarreta, pretendemos mostrar de que maneira a substncia como que um espelho

    de todo o universo, a m de mostrar sua relao com o restante das substncias e,

    particularmente, explicitar aquilo que Leibniz denominar corpo orgnico, tentando

    resolver o clssico problema da unio da alma e do corpo.

    Palavras-chave: metafsica, mnada, expresso, unio substancial, corpo orgnico.

    Poucas teses leibnizianas causaram tanto estranhamento que o

    diga Arnauld! quanto a enunciada no 13 doDiscurso de Metafsica:

    a noo duma substncia individual encerra, duma vez por todas, tudo

    quanto lhe pode acontecer (LEIBNIZ 8, p. 128). Para compreend-la,

    todavia, devemos primeiramente precisar em que consiste a noo de umasubstncia individual. correto, diz Leibniz, quando se atribui grande

    nmero de predicados a um mesmo sujeito e este no atribudo a nenhum

    outro, cham-lo substncia individual (LEIBNIZ 8, p. 124). Mas tal

    denio, apenas nominal, no suciente para saber de que maneirao

    * Graduao USP.