andrÉ luiz de souza

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A Formação do Antigo Testamento - Identidade etiológica PEDAGOGIA Introdução O ciclo bíblico que enfatiza o aparecimento de Israel na história revela que nações, portanto, já possuíam um longo desenvolvimento cultural . E por mais que os hebreus tivessem contato com a alta civilização mesopotâmica e egípcia, seus ancestrais integravam os denominados clãs semíticos que no desenvolvimento do tempo ocuparam sistematicamente a parte cultivável da Palestina. Os antepassados hebreus tiveram nos arameus seu embrião tanto etnológico quanto teológico: "... Arameu, prestes a perecer, foi meu pai, e desceu ao Egito, e ali peregrinou com pouca gente, porém ali cresceu até vir a ser nação grande, poderosa, e numerosa". É neste processo que se tem o desdobramento dos três pilares da projeção de formação do povo hebreu no desenrolar do Antigo Testamento: - A promessa da posse da terra aos patriarcas; - A libertação da escravidão do Egito, e - E a revelação da aliança no Sinai.

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A formação do AT

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Page 1: ANDRÉ lUIZ DE Souza

A Formação do Antigo Testamento - Identidade etiológica

PEDAGOGIA

Introdução

O ciclo bíblico que enfatiza o aparecimento de Israel na história revela que nações, portanto, já possuíam um longo desenvolvimento cultural . E por mais que os hebreus tivessem contato com a alta civilização mesopotâmica e egípcia, seus ancestrais integravam os denominados clãs semíticos que no desenvolvimento do tempo ocuparam sistematicamente a parte cultivável da Palestina.

Os antepassados hebreus tiveram nos arameus seu embrião tanto etnológico quanto teológico: "... Arameu, prestes a perecer, foi meu pai, e desceu ao Egito, e ali peregrinou com pouca gente, porém ali cresceu até vir a ser nação grande, poderosa, e numerosa".

É neste processo que se tem o desdobramento dos três pilares da projeção de formação do povo hebreu no desenrolar do Antigo Testamento:

- A promessa da posse da terra aos patriarcas;- A libertação da escravidão do Egito, e- E a revelação da aliança no Sinai.

Este mecanismo de dá com os patriarcas: Abraão, Isaque e Jacó, que introduzem uma seqüência lógica, inserida em um contexto de família, genealogia e peregrinação, da Mesopotâmia ao Egito, do norte ao Sul do vale do Crescente Fértil.

Observe como Rolf Rendtorff define este acontecimento : "As sagas do AT tem muitas vezes uma intenção explicativa específica. Fala-se, nesse caso, de sagas etiológicas (do grego aitia, causa).

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Assim, p.ex., a narração da queda dos primeiros seres humanos quer explicar a origem dos distúrbios na vida humana (...). Frequentemente essas sagas etiológicas também querem explicar determinados nomes (...) o nome Isaque, em hebraico, ressoa a palavra 'rir' ; o nome de Jacó se assemelha ao som das palavras 'calcanhar' e 'enganar' ; o nome Israel é interpretado como 'o que luta com Deus' .

Tais etiologias encontram-se a cada passo e mostram a intenção destas sagas de interpretar e compreender o seu passado (...) 'ciclos das 'sagas' formaram-se de várias sagas individuais (...). Abraão e Ló (...), Jacó e Esaú (...) e outro de Jacó e Labão (...) o resultado é uma contextura artística de vários fios magistralmente entrelaçados (...)"

Gênesis: pré-história israelita e seus precendentes

O princípio da formação da nação hebréia no Gênesis se unifica de maneira coordenada em recursos como: gênero, tema, trama, drama e conteúdo. O livro de Gênesis atendeu dois pólos de desenvolvimento desta identidade:

- A História Primeva ; e- A Proto-História do povo hebreu .O progresso desta idéia encontra seu auge no vocábulo: 'toledot' "procriações", que vem da raiz 'yld', que tem a idéia de "Genealogias", no hebraico, são a rigor "nascimentos" e "descendentes", pois na origem do substantivo 'toledot', um plural está o verbo "dar à luz" 'yld' 'formando três derivados vitais: yaldat Mãe Ela deu a luz holid Pai Ele gerou nolad Filhos Ele nasceu A contribuição desta palavra promove o alicerce da existência da nação hebréia no panorama divino das nações.

Na seqüência ela abarca a estrutura não só do livro em si, mas sua penetração no pano teológico do AT. Por cinco vezes ela aparece no rol genealógico como inicial. Em seguida ela propõe um aspecto singular, abastecendo o ciclo patriarcal: de Abraão até José.

Toledot: pano de fundo do cenário bíblico

O aparecimento deste vocábulo não é acidental, ele está no contexto da promessa feita aos patriarcas: "... uma grande nação..." . Para isto é necessário o crescimento da descendência, para se compreender o desejo de um novo lar, uma nova terra e uma nova pátria. Daí que se emerge a idéia da terra prometida. Não para um homem, uma família ou um clã, mas um povo.

E para mobilizá-los na esperança do cumprimento, é que emerge o Êxodo. A saída dos filhos, das gerações, da genealogia do grande e opressor Egito. Assim como Abraão sai de Ur, Isaque do meio dos filisteus em Gerar, Jacó da casa paterna, agora e um nível mais profundo, o povo sairá do Egito. Há uma convergência que se ajusta em volta de um ângulo superior, a descendência.

E este tema é expresso neste vocábulo, trazendo à tona a busca pela vida, a luta pela sobrevivência, a benção da fertilidade e o apego a genealogia. As outras cinco aparições de 'toledot', amplia o cenário, promovendo uma nova abertura e uma nova etapa, que se surge em Noé .

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Este patriarca sobrevivente do Dilúvio, através de seu filho Sem (semita será o nome que aprofundará a existência etnológica dos israelitas), na continuidade emerge Éber ou Heber (Acredita-se que o termo hebreu venha deste nome, filho de Sem, neto de Noé e ancestral de Abraão. O nome hebreu vem da raiz 'a-vár', que tem seu derivado em passar, transitar, cruzar e atravessar).

Toledot: fio condutor do desenvolvimento teológico

Há um mover para trazer a pessoa do fundador histórico e teológico do povo israelita, Abraão . E neste caminho delineado, 'toledot', abre e rompe suas duas últimas e conclusivas envergaduras: o fator Jacó e o fator José. Pai e filho, contemporâneos da mesma geração, nascidos, ressurgidos e amadurecidos em mundos diferentes, selam o período familiar, procriativo e nômade do povo escolhido, e os conduzem para quatrocentos anos de anonimato e progresso no Egito. O Egito será o berço (arca de juncos), não só de Moisés , mas, de todos os descendentes do povo eleito. Mas, também será o caixão de José com seus ossos que não podem ser deixados, ossos que precisam de ressureição, de um profeta, de unificaçao, e principalmente de um novo espírito, espírito de nação, caixões que necessitam serem abertos, e ocuparem seu lugar na história.

Jacó: a dramaticidade do nascimento de uma nação

O embate dos filhos de Isaque Esaú e Jacó é distinto no panorama da biografia patriarcal. Nesses relatos sobre os a ancestralidade israelita, existe, claramente, um projeto que envolve dois pilares:

- O herdeiro - que tem sua trama na sucessão e na busca pelo horizonte do clã e da pré-nação; e- O pacto - que tem seu romance no altar do culto e na verticalização da comunhão divina.

Todavia, este episódio nos fornece um mural do relacionamento humano dentro da célula mater da sociedade: a família. E o método que a narrativa progride entrelaça as virtudes e os vícios e todos aqueles que fazem parte deste quadro. Se a história de Caim e Abel está inserida no início da formação da vida veterotestamentária, trazendo o primeiro fratricídio.

A trama de Esaú de Jacó se concentra no meio da literatura do primeiro livro hebreu. E suas histórias será um novo ângulo sobre o vínculo entre irmãos. A história de Esaú e Jacó é a redenção da vida fraterna .

A questão da primogenitura: direito de Esaú por nascimento e de Jacó por promessa

Os gêmeos Jacó e Esaú têm sua formação uterina em duas percepções:

- Univitelinos, também denominados de idênticos - são os que resultam da fecundação de um único óvulo por um único espermatozóide; por isso, têm exatamente a mesma carga genética e, necessariamente, o mesmo sexo. Eles são geneticamente idênticos e extremamente parecidos.

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- Bivitelinos - é formado através da fecundação de dois ou mais óvulos, cada um por um espermatozóide diferente. Isso acontece quando a mulher ovula mais de uma vez no ciclo menstrual.

Esses tipos de gêmeos têm cargas genéticas diferentes e não necessariamente são do mesmo sexo, podendo até ter tipos sangüíneos diferentes. Esaú e Jacó, embora gêmeos, eram fisicamente diferentes porque eram gêmeos fraternos, dizigóticos ou bivitelinos, e não se assemelhavam fisicamente entre si; não tinham o mesmo genoma, diferentemente dos gêmeos monozigóticos ou univitelinos .

Observemos na poesia do sermão de Pe. Antônio Vieira sobre o tema em questão, ano de 1655: "Esaú tinha por si todo direito, tinha por si a natureza e a idade, tinha por o si o talento e o merecimento, tinha por si o favor, o amor, à vontade, e o decreto e a promessa do pai, que lhe havia de dar a benção, ou a investidura. De maneira, que de irmão a irmão, de homem a homem, e de favorecido a favorecido, tudo estava da parte de Esaú contra Jacó. Tinha da sua parte Esaú a idade e a natureza, porque ainda eram gêmeos, e batalharam no ventre da mãe sobre o lugar, Esaú nasceu primeiro.

Tinha mais da sua parte Esaú o talento e o valor(...) forte, robusto,valente(...)com a aljava(...)e o arco e setas na mão(...)Finalmente Esaú tinha da sua parte o favor, o amor, e o agrado, porque era as delícias da velhice de Isaque seu pai, a quem ele sabia mui bem merecer a vontade(...)fazia o prato(..._dedicava os despojos. Este era Esaú, este era o competidor de Jacó, este era o seu direito(...)herdeiro sem controvérsia da Casa de Isaque. E contudo(...)Jacó foi o que venceu a demanda(...)levou a benção(...)ficou com o morgado..."

Antigo testamento: literatura traumática do alicerce do mundo bíblico

Ao saltarmos a trama inicial do projeto elementar e ter no Antigo Testamento a ideia de uma literatura básica, pavimentada pela individualidade de seus personagens até a sua formação completa, neste caso inicial o livro de Gênesis na dimensão da vida de Jacó com suas incidências no mundo patriarcal.

Descobrimos um elo que produz todo entrelaçamento oblíquo e peculiar: as etapas da vida são cadeias que se desenrolam no limiar das promessas divinas . Diante disso vemos o cenário traumático da literatura progredindo nível a nível com suas lições pessoais.

A questão materna e a infertilidade feminina

A dimensão veterotestamentária em Gênesis e na vida dos três pilares essenciais, Abraão, Isaque e Jacó, enquadra o mundo matriarcal do primeiro livro bíblico, com uma pena capital: as três mulheres mais relevantes deste ciclo são estéreis (Sara, Rebeca, e Raquel). Isto traz, à tona, que ambas são provenientes de um mundo teologicamente inapto para suas novas vidas.

- Sara já casada, sai de Ur com Abraão;

- Rebeca foi trazida, do antigo lar de Abraão, para ser esposa de Isaque; e

- Raquel desposou com Jacó, que saíra do novo lar de Abraão, enviados por seus pais pela

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contramão.

É neste contexto que o mundo bíblico do AT, emerge com uma liderança nova e participativa das promessas divinas: as mulheres. Estas neste cenário a partir do capítulo 11 de Gênesis terão sua eminência vinculada a uma dificuldade genética e religiosa: a esterilidade. Este processo as tornará heroínas da vida bíblica do AT, e seus corpos alvos da grandeza e da manifestação de Deus. Ao entrarem junto com seus maridos no desdobramento da literatura no Gênesis, suas dificuldades e adversidades, se projetarão como lugar de bênção divina ( o útero) e ativas no oferecimento da continuidade do enredo da história: os filhos, nascidos diretamente da intervenção de Deus, frutos do milagre e do dinamismo de suas mães. Estas matriarcas se tornam com os patriarcas a ferramenta da ação do milagre de Deus por meio de seus filhos: Isaque, Jacó e Esaú, José e Benjamin.

O elo matriarcal será o fio delineador do processo literário do mundo do AT. Ser mãe, ser mulher e ser estéril, nunca foi ser não atuante, ser menor, ou amaldiçoada. Mas ser o outro ser da história tão importante como os homens, pois elas carregam nos seus úteros: filhos prometidos, que não podiam existir sem a contribuição divina. A partir de Sara, Rebeca e Raquel ter e criar filhos sai do habitual e vai para o sobrenatural. É o ciclo do milagre.

A questão das controvérsias e discórdias

Outro ângulo fenomenal deste processo literário do AT com sua inserção em Gênesis no plano dos patriarcas é a querela que envolve os filhos. No caso de Isaque ele tem um irmão mais velho, por parte de pai, Ismael.

A primogenitura que tem seu campo avassalador na história dos gêmeos Jacó e Esaú, também encontra sua peculiaridade entre Isaque e Ismael. Se Rebeca foi extremamente importante no processo da aceitação de Jacó. Sem dúvida foi em Sara que ela encontrou seu precedente. Este desenrolar de fio firmará seu posicionamento nas bênçãos de Jacó ; quando pronunciará a perda da primogenitura de Ruben. E a conclusão deste processo é quando José, o filho da promessa de Jacó e Raquel traz seus filhos, Manassés e Efraim.

No momento das bênçãos sobre os meninos, mais uma vez, o método literário do embate entra em questão. Jacó pronuncia a bênção da primogenitura sobre o mais novo: Efraim, contrariando José, seu filho predileto. Este é o enredo desta trama literária: o menor é que se sobressai.

Até o próprio Jacó, no caso do seu casamento, enfrentará este dilema, ao escolher Raquel, a mais nova . Neste caso, a primogênita Lia, casou-se primeiro no lugar de sua irmã, enganando, Jacó, que enganara o primogênito Esaú.

Conclusão

O desenvolvimento da formação do AT, parte do geral para o particular com premissa no livro de Gênesis e seu contexto fundamental na vida dos patriarcas em questão a vida de Jacó.

O roteiro que se inicia com grandes acontecimentos como a Criação, A Torre de Babel e o Dilúvio, vão tornando o progresso literário mais individual, familiar e buscando sua causa

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principal no ser pessoal. Este processo vem do céu para terra, Deus para o homem, das nações do capitulo 11, para um único ser: Abraão. Assim, vai se constituindo um elo familiar, com seu emaranhado de ajustes providenciados por Deus, até a fomentação de um clã.

Esta oscilação, que premia pessoas e indivíduos terá suas vidas aparentadas por condições diretas da parte de Deus, construirão a identidade de um povo, mas, também principalmente da humanidade, na sua busca por continuidade e maturidade: "mas aquele que de tuas entranhas sair, este será o teu herdeiro" .

Este é aspecto que permeia a formação do AT no Gênesis pelo mundo patriarcal que ainda mexe com nossas aspirações mais humanas provindas de Deus.

Bibliografia

NOTAS de Rodapé BÍBLIA do Centenário Editora Betel A BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo, Paulus, 2003

ALTER, Robert - Guia Literário da Bíblia, UNESP, 1997 BACON, Betty - Estudos na Bíblia Hebraica, Vida Nova, São Paulo, 2000

BRUEGGEMANN, Walter - A terra na Bíblia: dom, promessa e desafio, Paulinas, São Paulo, 1986

CHOURAQUI, André - No Princípio, Imago, Rio de Janeiro, 1995

LASOR, W.S - introdução ao Antigo Testamento, Vida Nova, São Paulo, 1999

por MARCELO GONZAGAAcadêmico em Contabilidade Convalidação de Bacharel em Teologia Acadêmico de Filosofia

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