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Embrapa Informação TecnológicaBrasília, DF

2008

André Luiz Bianco

A Construção das Alegaçõesde Saúde para

Alimentos Funcionais

ISSN 1677-5473

Texto para Discussão 28

Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaSecretaria de Gestão e Estratégia

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

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Exemplares desta publicaçãopodem ser solicitados na:

Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa)Secretaria de Gestão e EstratégiaParque Estação Biológica (PqEB)Av. W3 Norte (final)70770-901 Brasília, DFFone (61) 3448-4468Fax (61) [email protected]

Ademar Ribeiro RomeiroAltair Toledo MachadoAntonio César OrtegaAntonio Duarte Guedes NetoArilson FavaretoCarlos Eduardo de Freitas VianCharles C. MuellerDalva Maria da MotaEgidio LessingerGeraldo da Silva e SouzaGeraldo Stachetti RodriguesJoão Carlos Costa GomesJohn WilkinsonJosé de Souza Silva

José Manuel Cabral de Sousa DiasJosé Norberto MunizJosefa Salete Barbosa CavalcantiMarcel BursztynMaria Amalia Gusmão MartinsMaria Lucia MacielMauro Del GrossiOriowaldo QuedaRui AlbuquerqueSergio SchneiderTamás SzmrecsányiTarcízio Rego QuirinoVera L. Divan Baldani

Revisão de textoMarcela Bravo Esteves

Revisão de formataçãoMaria Cristina Ramos Jubé

Normalização bibliográficaVera Viana dos Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Embrapa Informação Tecnológica

Todos os direitos reservadosA reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte,

constitui violação dos direitos autorais (Lei no 9.610).

© Embrapa 2008

Editoração eletrônicaJosé Batista Dantas

Projeto gráficoTenisson Waldow de Souza

1ª edição1ª impressão (2008): 500 exemplares

Editor da sérieIvan Sergio Freire de Sousa

Co-editorVicente Galileu Ferreira Guedes

Conselho editorialAntonio Flavio Dias AvilaAntonio Jorge de OliveiraAntonio Raphael Teixeira FilhoAssunta Helena SicoliIvan Sergio Freire de SousaLevon YeganiantzManoel Moacir Costa MacêdoOtavio Valentim Balsadi

Colégio de editores associados

Bianco, André Luiz

A construção das alegações de saúde para alimentos funcionais / AndréLuiz Bianco. – Brasília, DF : Embrapa Informação Tecnológica, 2008.

113 p. ; 21 cm. – (Texto para Discussão, ISSN 1677-5473 ; 28).

1. Alimentação. 2. Consumo alimentar. 3. Nutrição humana. 4. Saúdepública. I. Título. II. Série.

CDD 613.2

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Apresentação

Texto para Discussão é uma série demonografias concebida pela Empresa Brasileira dePesquisa Agropecuária (Embrapa) e editada – comperiodicidade por fluxo contínuo – em sua Secretariade Gestão e Estratégia (SGE). Foi criada paraencorajar e dinamizar a circulação de idéias novas e aprática de reflexão e debate sobre aspectosrelacionados à ciência, à tecnologia, à inovação, aodesenvolvimento rural e ao agronegócio.

O objetivo da série é atrair uma amplacomunidade de extensionistas, pesquisadores,professores, gestores públicos e privados e outrosprofissionais, de diferentes áreas técnicas e científicas,para a publicação e o debate de trabalhos, contri-buindo, assim, para o aperfeiçoamento e aplicação damatéria.

As contribuições são enviadas à editoria poriniciativa dos autores. A própria editoria ou o ConselhoEditorial – considerando o interesse da série e o méritodo tema – poderão, eventualmente, convidar autorespara artigos específicos. Todas as contribuiçõesrecebidas passam, necessariamente, pelo processoeditorial, inclusos um juízo de admissibilidade e aanálise por editores associados. Os autores sãoacolhidos independentemente de sua área deconhecimento, vínculo institucional ou perspectivametodológica.

Diante dos títulos oferecidos ao público, comen-tários e sugestões – bem como os próprios debates –

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podem ocorrer no contexto de seminários ou adistância, com o emprego dos meios de comunicação.Essa dinâmica concorre para consolidar, legitimar ouvalidar temas nos espaços acadêmicos, na pesquisa eoutros mais.

Em 2008, a série completa uma década deimportante contribuição técnica e científica e inicianovo ciclo em sua trajetória. Inaugura formatoeditorial que melhor valoriza a informação e é maiscompatível com as especificações de bases de dadosinternacionais e programas de avaliação de periódicos,ao tempo em que experimenta importante expansãoqualitativa de temas e de autores.

Endereço para submissão de originais à série:Texto para Discussão. Embrapa, Secretaria de Gestãoe Estratégia, Parque Estação Biológica (PqEB),Av. W3 Norte (final), CEP 70770-901, Brasília, DF.Fax: (61) 3347-4480.

Os títulos publicados podem ser acessados, naíntegra, em www.embrapa.br/embrapa/publicacoes/tecnico/folderTextoDiscussao

O Editor

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Dez Anos de Discussões Estratégicas

O ano de 2008 é especialmente significativo paraas publicações da Embrapa. Comemora-se o décimoaniversário da série Texto para Discussão. Essa é umavitória coletiva daqueles que se interessam pelacriação, difusão e intercâmbio de idéias novas.

Parabenizo os editores, autores, pareceristas,colaboradores, revisores, diagramadores, impressores,pessoal de acabamento, distribuidores, bibliotecáriose leitores. É dessa interação de talentos diferenciadosque resulta cada número da série que trouxe umadimensão nova ao quadro das nossas publicaçõestécnico-científicas.

Felicito também a Secretaria de Gestão eEstratégia (SGE), que criou, cuidou e dinamizou umasérie que discute e inspira idéias estratégicas relativasà ciência, tecnologia, produção agropecuária,problemas sociais, ambientais e econômicos dasociedade brasileira. São monografias lidas porprofessores e estudantes, pesquisadores e tecnólogos,extensionistas, administradores, gestores, especialistase o público em geral.

A publicação é um exemplo de parceria frutíferaentre a SGE e a Embrapa Informação Tecnológica.A série Texto para Discussão é, de fato, multiinstitu-cional; em suas páginas, estão publicadas idéiasoriundas das mais diferentes instituições. Nela,encontram-se colaboradores de universidades,institutos de pesquisa, diferentes órgãos do Executivoe de outros poderes públicos, secretarias municipais eUnidades de Pesquisa da Embrapa.

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O maior presente deste décimo ano é a decisãode torná-la mais produtiva em número de edições. Paraa Diretoria-Executiva da Embrapa, não poderia havermelhor forma de se comemorar o aniversário de umveículo dessa natureza.

Silvio CrestanaDiretor-Presidente da Embrapa

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Sumário

Resumo .................................................................................. 11

Abstract ................................................................................. 12

Introdução ............................................................................. 13

Mercado ........................................................................... 15

Questionamentos ............................................................... 16

Sistema alimentar e teoria social ............................................. 18

Sistema alimentar moderno e tradicional ............................ 19

“McDonaldização”, alimentação e nutrição ........................ 26

Reflexividade, sistemas peritos e confiança ........................ 30

Mito alimentar moderno .................................................... 35

Alimentos funcionais ............................................................... 44

Revoluções na alimentação ................................................ 51

Conflito nas definições ....................................................... 59

Governança, regulação e riscos .............................................. 81

Considerações finais ............................................................. 104

Referências .......................................................................... 107

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A Construção das Alegaçõesde Saúde para

Alimentos Funcionais1

1 Pesquisa realizada com auxílio de bolsa do Conselho Nacionalde Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e vin-culada ao NISRA – Núcleo Interdisciplinar em Sustentabilidadee Redes Agroalimentares, coordenado pela Profa. Dra. JuliaSilvia Guivant (UFSC).

2 Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal deSanta Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]

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Resumo

A Construção das Alegaçõesde Saúde para Alimentos Funcionais

O mercado de alimentos é freqüentemente impulsionado porinovações técnicas e científicas que, aliadas à retórica daalimentação saudável, criaram, na década de 1980, o conceitode alimentos funcionais, ou seja, alimentos que oferecembenefícios à saúde além da nutrição básica. Ao mesmo tempoem que esses alimentos oferecem soluções para problemas desaúde pública, geram confusão e engano nos consumidores,por estarem situados de modo ambíguo entre alimento emedicamento, o que dificulta sua classificação eregulamentação. Com base em leituras sobre a Sociologia daAlimentação e em teorias sociais contemporâneas, formuladaspor estudiosos como Giddens e Beck, este trabalho pretendediscutir a governança e regulação das alegações de saúde,enfocando o caráter de negociação e os conflitos entre gruposcomo indústria, cientistas, profissionais da saúde,governantes e consumidores.

Termos para indexação: sociologia da alimentação; sistemaalimentar; alimentação saudável.

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Abstract

Making HealthClaims for Functional Foods

The food market is often stimulated by technical and scientificinnovations which, combined with the rhetoric of health,created in the 1980’s the concept of functional foods: foodsthat provide benefits to health beyond basic nutrition. Theymay offer solutions to public health as well as confuse andcheat consumers, since it is hard to classify and regulate them – itis not clear whether they are food or remedy. This workintends to discuss the governance and regulation surroundinghealth claims, focusing its negotiable character and the debateamong groups like industry, scientists, health professionals,rulers and consumers. Sociology of Food and contemporarysocial theorists like Giddens and Beck are main theoreticalreferences.

Index terms: sociology of food; food system; healthy foods.

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.OIntrodução

s ômega-3 possuem um papel significativo em numerosasfunções do organismo, principalmente favorecendo odesenvolvimento do sistema imunológico e contribuindopara a redução dos níveis de colesterol e triglicérides,regulando, assim, a fluidez do sangue. Até parece bula deremédio. Afinal, os impressos que acompanham osmedicamentos existem para isso mesmo: explicar comouma determinada droga age no organismo, cominformações sobre posologia, resultados esperados eefeitos colaterais previstos – ou não? Pois o texto acimafoi transcrito de uma simples caixa de leite. Pode soarestranho, mas os brasileiros devem ir se acostumando comesse linguajar de médico impresso nas embalagens dascomidas e bebidas. Do prosaico leite de todo dia ao ovousado para fazer a omelete. Seguindo a tendência mundial,toma impulso no Brasil um novo conceito de nutrição: ode que os alimentos não servem apenas para matar a fomee fornecer energia ao organismo, mas precisam igualmentecontribuir para melhorar a saúde das pessoas. São oschamados alimentos funcionais: pães, sucrilhos oumargarinas em cuja composição entraram substânciascapazes de reduzir os riscos de doenças e alterar funçõesdo corpo humano (VIANA; JUNQUEIRA, 1999).

O Brasil nunca foi tão gordo. Os brasileiros commassa corpórea superior à considerada normal já somam43 milhões – o equivalente a 43% da população adulta,quase três vezes mais do que o contingente de meados dadécada de 90 (BUCHALLA, 2007).

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O reconhecimento oficial dos alimentos funcionaisno Brasil ocorreu em 1999, com aprovação de legislaçãoespecífica, apesar de produtos com tais característicasserem encontrados no mercado antes dessa data. Essainovadora classe de alimentos, que seguia a tendência daalimentação saudável industrializada, intensificada desdea década de 1980 com suplementos alimentares ealimentos diet e light, sinalizava, no início dos anos 90,uma nova concepção de alimentação. Os esforços daindústria nessa direção inovadora prometiam reflexospositivos nos problemas de saúde pública. Porém, o quese observa, dez anos depois da inserção desses produtosno mercado, é que os problemas continuam a crescer emtodo o mundo.

O relatório do Worldwatch Institute sobre fast-food, publicado em 2006, revela que “mais de 300 milhõesde pessoas são obesas em todo o mundo e a obesidadeatingiu nos últimos anos ‘níveis epidêmicos’”. De acordocom esse estudo, o aumento do consumo de alimentoscom grande densidade energética e calórica, como carnes,açúcares e frituras, é um fator que explica o crescimentoda obesidade. Deve-se destacar a proliferação dosrestaurantes fast-food, que, desde 1980, mais do quetriplicaram em todo o mundo. Em muitos dessesrestaurantes, uma única refeição contém uma quantidadedesproporcional – às vezes mais de 100 % – da gorduradiária recomendável, com colesterol, sal e açúcar.

Em 1999, nos Estados Unidos, foi estimado que65 % dos adultos estavam acima do peso ou eram obesos,causando uma perda anual de 300 mil vidas e pelo menos117 bilhões de dólares de custos com saúde. Em 19963,

3 NUTRICIONISTAS priorizam novo tipo de comida. Folha de São Paulo,São Paulo, 15 mar. 1998.

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período de expansão do mercado de alimentos funcionais,realizou-se uma pesquisa com mulheres brasileiras, entre18 e 49 anos, que revelou um aumento da obesidade emcerca de 130 % em 20 anos. Nesse mesmo período, adesnutrição caiu 30 %. No final da década de 1980, onúmero de obesos no Brasil era duas vezes maior que ode desnutridos, o que sugere não ser mais o maior desafioa falta de alimento, mas os maus hábitos alimentares.

4 Functional Foods – Market Assessment, march 1, 2004.5 Functional Foods – Market Assessment, january 1, 2007.

Mercado

O mercado de alimentos funcionais, em 2003,cresceu 10,8 %, depois do crescimento substancial de24,7 % em 2002. Produtos como cereais matinais,iogurtes, margarinas e outros foram responsáveis por87 % do valor do mercado nesse período4. Em 2006, ocrescimento foi de 14,9 %5. Especialistas acreditam queaté 2010 o mercado global relativo a esse tipo de alimentoatingirá 167 bilhões de dólares. Os maiores produtoressão, geralmente, companhias internacionais com recursospara subsidiar pesquisas fundamentais e bancar custos dedesenvolvimento. Algumas delas são Unilever, Bestfoods,Kellogg’s, Nestlé, Danone e PepsiCo.

A categoria dos alimentos funcionais ocupa umaposição horizontal, e não vertical nas prateleiras domercado, ou seja, trata-se de uma classe de alimentosque é constituída por vários itens, compreendendo comidase bebidas, sem ser claramente identificada. Podem estarincluídos nessa categoria produtos tais como margarinas,iogurtes, energéticos, barras de cereais, sucos e lacticínios

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em geral: Ades (suco à base de soja), Gatorade (bebidaesportiva), Activia (linha de iogurtes), Yakult (leitefermentado), Actimel (bebida probiótica) e Danacol (leitefermentado).

As grandes indústrias de alimentação têm interesseem acompanhar, desenvolver e financiar pesquisascientíficas que revelem potenciais novidades adaptáveisaos seus produtos. Uma visão geral da concentração deestudos científicos sobre o assunto pode ser alcançadaao se observar a proliferação de publicações na últimadécada. Assim, uma breve busca na seção acadêmica dosite Google6 retorna 7.040 publicações com a ocorrênciado termo “functional foods” no título, entre artigos e livros,apenas no período de 1996 a 2006. Pode-se observartambém um aumento anual considerável desde as primeiraspublicações ainda da década de 1980. A maior partedessas pesquisas é de caráter técnico, farmacêutico-nutricional. O debate pode ser enriquecido à luz deperspectivas sociológicas que favoreçam a discussãodessa realidade cada vez mais presente no cotidiano.

6 Disponível em: <scholar.google.com>. Acesso em: 13 abr. 2007.

Questionamentos

Quais os atores envolvidos e qual a relevância deseus papéis? Como as alegações de saúde em alimentospodem influenciar os consumidores? Quem provê essasalegações, e por quê? Quem as legitima, e como? Quemas aprova? Como o conhecimento científico passa deabstração a produto no mercado? Que riscos estãoimplicados e como são administrados? Como se dá agovernança de tal situação?

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Todas essas questões são norteadoras destapesquisa. Sem focalizar instituições ou organizaçõesespecíficas, pretende-se mostrar contradições e disputasnas definições e regulamentações, entre interesse públicoe de mercado, que tornam negociável a própriaobjetividade das argumentações.

A globalização do suprimento e a industrializaçãoda produção e da distribuição de alimentos proporcionamtanto garantias quanto instabilidade ao sistema alimentar,sob os aspectos de consumo e hábitos. O enfraqueci-mento das tradições alimentares causa a quebra,acompanhada da constante tentativa de reafirmação, dasregras da gastronomia, gerando ansiedade e incertezasquanto aos hábitos alimentares, o que Fischler (1988)citado por Beardsworth e Keil (1997) denomina gastro-anomia.

Neste contexto, o primeiro capítulo deste trabalhodiscute dinâmicas do sistema alimentar: diferenças entre osistema alimentar moderno e tradicional; formas quegeram tensão ou instabilidade e quebra das regras comoa reflexividade e novas relações no sistema; discute o outrolado da reflexividade, que é útil ao mesmo tempo parareafirmar regras e justificar práticas, mesmo que proviso-riamente; e, principalmente, as dinâmicas que tentamgerar confiança, reconstruir a segurança alimentar emoposição às forças “gastro-anômicas”, como a construçãode grandes marcas e a lealdade a elas, atuação de sistemasperitos, racionalização da nutrição, previsibilidade e apropaganda.

Do mesmo modo, podem ser citados os alimentosfuncionais. Enfatizamos neste trabalho os industrializados,produzidos por sistemas peritos com uma noção altamente

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racionalizada de alimentação que se baseia na lealdade econfiança em marcas, relacionados à previsibilidade ereforçados pela propaganda. Este capítulo se constitui numsubstrato teórico para a leitura de alguns aspectos dastransformações alimentares contemporâneas.

O segundo capítulo trata do surgimento e históriados alimentos funcionais, contextualizando as revoluçõessaudáveis da alimentação na segunda metade do século20; disputas e dificuldades de definição, comumentetécnico-científicas, com reflexos na regulamentação, numarede de atores com interesses diversos, como indústria,cientistas, profissionais da saúde, governantes econsumidores, buscando identificar também pressupostos,como a mecanização da saúde.

O terceiro capítulo aborda a questão da governança:novas formas que envolvem o local, o nacional e o global;ciência, legislação e mercado; como ocorre o intercâmbiode informação e legitimação; como ocorrem os conflitose percepção de riscos relativos aos alimentos funcionais;e como os envolvidos procuram negociar as resoluções,de modo a possibilitar a regulamentação.

.BSistema alimentar e teoria social

asicamente, sistema alimentar, sob o aspecto biológico,se refere a relações simbióticas, que podem ser verificadasnos animais e plantas. Nosso foco, no entanto, se concentranos aspectos social e cultural da alimentação, que incluemprocessos, tais como cultivo/criação, alocação, cozimento,

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ingestão, limpeza e fases, produção, distribuição,preparação, consumo; além de local, fazenda, mercado,cozinha, mesa (BEARDSWORTH; KEIL, 1997, p. 47).Assim, sistema alimentar é uma expressão abrangente eflexível e diz respeito principalmente à relação complexaentre atividades de produção, distribuição e consumoalimentar de uma sociedade.

Sistema alimentar moderno e tradicional

Desde o início da industrialização, o sistema alimen-tar tem sofrido transformações radicais, particularmenteaceleradas na segunda metade do século 20. Taistransformações têm-se mostrado bastante desafiadoraspara as sociedades e para o ambiente. As especificidadesdo sistema alimentar moderno se revelam no cotidianoglobalizado e de modo mais evidente na vida urbana. Elasserão discutidas em contraste com o que chamamossistema alimentar tradicional e em relação aos sintomasmais gerais da modernidade como descritos pelos teóricossociais contemporâneos.

Para Giddens (1991, p. 11-14), a princípio,modernidade “refere-se a estilo, costume de vida ouorganização social que emergiram na Europa a partir doséculo 17 e que ulteriormente se tornaram mais ou menosmundiais em sua influência”. Esse modo de vida possuicaracterísticas sem precedentes “tanto em suaextensionalidade quanto em sua intensionalidade”,rompendo, de certa forma, com modos de vida de socieda-des tradicionais. No plano extensional, estabeleceram-seinterconexões sociais que cobrem o globo; no intensional,alteraram-se características pessoais da vida cotidiana.

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Giddens (1991, p. 15-16) sugere pelo menos trêscaracterísticas básicas na identificação das descontinui-dades entre sociedades tradicionais e modernas: ritmo demudança; escopo da mudança; natureza intrínseca dasinstituições modernas.

Relacionamos alguns aspectos do sistema alimentarmoderno a essas características estabelecidas por Giddens(1984, p. 12):

1) Ritmo de mudança: verificado principalmente apartir do conjunto de inovações técnicas da RevoluçãoIndustrial, fenômeno que fez parte de mudanças sociais eeconômicas mais amplas. A revisão constante doconhecimento, ou reflexividade, aliada à inovação técnica,permite uma rápida mudança e apresentação de novosprodutos no mercado assim como conceitos alimentarese dietéticos de maneira ampla. O que, em outrassociedades, a tradição levaria gerações para modificar eestabelecer como práticas alimentares é justificado nasociedade moderna geralmente pela rápida revisão doconhecimento científico. No fim do século 20, surgiramgrandes tendências alimentares praticamente a cadadécada tais como suplementos, alimentos diet, light,funcionais.

2) Escopo da mudança: em virtude do fenômenoda globalização, as atividades de produção se tornaramdeslocalizadas. Um produto pode conter elementosprovenientes de várias regiões. A distribuição também setorna global. É certo que houve comércio entre localidadesseparadas por longas distâncias em outras épocas, masresumia-se a artigos de luxo, e não como atividadegeneralizada. Hoje pode ser mais vantajoso, economica-mente, negociar produtos do outro lado do mundo do

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que produtos locais. Multinacionais da indústria alimentícia,como Nestlé, Kellogg’s, Unilever, estão presentes emtodas as partes do mundo.

3) Natureza intrínseca das instituições modernas: osistema alimentar moderno é uma forma social semprecedente. O império romano, a Grécia antiga e a Assíriapossuíam sistemas de medidas para prevenir fraudes nomercado. Na modernidade, porém, com o ritmo e oescopo de mudança no sistema alimentar, há necessidadede instituições de natureza muito diferente, como o CodexAlimentarius, que é formado por um conjunto depadrões, códigos de prática e diretrizes. Algumas de suasrecomendações lidam com a operação e administraçãodos processos de produção ou a operação dos sistemasregulatórios governamentais que garantam segurançaalimentar e proteção do consumidor (FAO, 2005).

Beardsworth e Keil (1997) também adotam aperspectiva de identificar as continuidades/descontinui-dades entre moderno e tradicional, abordando maispropriamente produção, distribuição e consumo, que sãosintetizadas na Tabela 1.

Acontecimentos mais específicos transformaram osistema alimentar e passaram a fazer parte dascaracterísticas gerais de mudança. Em primeiro lugar,fundamental no sistema alimentar moderno é aespecialização e tecnicização da agricultura combinadacom a melhoria dos transportes de longas distâncias, taiscomo as ferrovias, implementadas em meados do século19. Muda-se, assim, a qualidade, isto é, o próprio modode se conceber e fazer agricultura – desenvolvem-se novastécnicas de aragem e colheita –, o que significa tambémuma mudança quantitativa, além da mudança do escopo,

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A Construção das Alegações de Saúde para Alimentos Funcionais

por seu caráter de deslocamento. As novas práticasmudaram paisagens: pastagens de gado e de ovelhas,plantações de chá, soja, trigo. Causaram, às vezes,desastres ecológicos como o Dust Bowl, na década de1930 nos Estados Unidos, uma série de tempestades deareia acompanhadas de secas decorrente de técnicasagrícolas erosivas praticadas por anos.

Os avanços na preservação dos alimentos pelocontrole de temperatura e refrigeração e pela adição deconservantes são fundamentais. Esse processo aumentaa eficiência da distribuição como mecanismo dedesencaixe, deslocando o produto por grandes distâncias,pois separa o “lugar” e o “tempo natural” do alimento, oque não acontecia no sistema alimentar tradicional. Oretardamento do tempo, ou seja, o prolongamento da vidaútil, pela conservação dos alimentos, aliado à “aceleraçãodo espaço”, decorrente da modernização dos transportesformam uma das bases da modernização e globalizaçãodo sistema alimentar.

Outros métodos específicos deram vida mais longaaos alimentos, como a pasteurização do leite. Novos tiposde alimentos foram criados por cientistas, como amargarina, substituta da manteiga, ou manufaturados, leitecondensado, chocolate em barra, cornflakes. Antes daindustrialização, os consumidores contatavam diretamenteos produtores, devido ao tamanho da cidade e à formade distribuição. Com a normalização das lojas, desde ametade do século 19, criou-se certa confiança nadistribuição e houve crescimento considerável do varejo(GUIVANT, 2003; OOSTERVEER et al., 2007).Investimentos em tecnologia, em alta escala, a fim de supriruma demanda sem precedentes, proporcionaram osurgimento de grandes marcas, que, por sua vez, ofereciam

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vantagens na tentativa de alcançar o consumidor(BEARDSWORTH; KEIL, 1997, p. 38).

A multinacional americana Kellogg’s Companycomeçou com a produção do Kellogg’s Corn Flakesem 1906. O inovador cereal “pronto para comer” mudariaa maneira do café da manhã pelo mundo inteiro. Aexpansão teve início em 1914 para Inglaterra e Austráliae, na década de 1950, o cereal já era produzido naAmérica Latina e Ásia. Os produtos Kellogg’s sãomanufaturados em 17 países e comercializados em maisde 180. Em 2006, suas vendas se aproximaram de 11bilhões de dólares. Outras marcas atuais que fizeram parteda construção da confiança no sistema alimentar moderno,como Nestlé, Unilever e Coca-Cola, foram criadas aindano século XIX (LANG; HEASMAN, 2004).

Segundo a lista The 100 Top Brands 2006 (Tabela2), publicada pela BusinessWeek7, 11 das 100 marcasmais valiosas são da indústria alimentícia8, o que sugere aimportância desses mecanismos modernos decomercialização para conquistar a confiança dosconsumidores.

A expansão do varejo e o surgimento dos supermer-cados parecem ser decorrentes da prosperidade,

7 Entre os critérios de avaliação estão os seguintes: a marca deve derivarcerca de um terço de seus ganhos fora do país de origem, ser reconhecívelfora de sua base de consumidores e ter dados financeiros e de mercadopublicamente disponíveis. Um ou mais desses critérios exclui marcascomo Wal-Mart. A pesquisa se baseia na projeção de ganho para ospróximos anos. O poder da marca é avaliado para determinar o perfil derisco dessas projeções. Para isto, são considerados liderança de mercado,estabilidade e alcance global, ou seja, “a capacidade de cruzar fronteirasgeográficas e culturais”.

8 Estão em itálico as marcas farmacêuticas que se relacionam com omercado alimentar por meio dos alimentos funcionais, somando assim14 marcas envolvidas na produção de alimentos entre as 100.

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A Construção das Alegações de Saúde para Alimentos Funcionais

particularmente relacionada a maiores salários, verificadosno fim dos anos 1950 em diante. O supermercado emestilo self-service tornou-se a marca dos negociantes maisbem-sucedidos (GUIVANT, 2003). O sucesso dessesegmento dependia de sofisticadas formas de embalagem.Além disso, a provisão das facilidades do novo estilo decompra se apoiava em fregueses com carro e tambémcom refrigerador. Em meados da década de 1980, autilização do forno microondas deu impulso à expansãodos pré-preparados congelados ou pratos frios(BEARDSWORTH; KEIL, 1997, p. 39-40).

A ausência de contato de grande parte da populaçãocom o segmento de produção de alimentos mudou ocaráter das interações no sistema alimentar e criou novosatores, novas disposições nas relações de poder, aoacrescentar o peso da autoridade científica às decisões,

Tabela 2. The 100 Top Brands 2006.

Fonte: Businessweek (2007).

Posição2006

19

222338404359606366677988

Posição2005

18

232431394357616663676991

Nome

Coca-ColaMcDonald’s

PepsiNescaféPfizer

Kellogg’sNovartisWrigley’s

KFCNestlé

Pizza HutDanone

KraftJohnson &

Johnson

País

EUAEUAEUASuíçaEUAEUASuíçaEUAEUASuíçaEUA

FrançaEUAEUA

Valor2006

($Mil)

67,00027,50112,69012,507

9,5918,7767,8805,4495,3504,9324,6944,6383,9433,193

Valor2005

($Mil)

67,52526,01412,39912,241

9,9818,3067,7465,5435,1124,7444,9634,5134,2383,040

Mudançano valor

(%)

-1%6%2%2%

-4%6%2%

-2%5%4%

-5%3%

-7%5%

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acentuando o papel dos distribuidores (supermercados)(PELAEZ, 2004; OOSTERVEER et al., 2007).

“McDonaldização”, alimentação e nutrição

Max Weber diagnosticava, no início do século 20,o processo de racionalização no âmago da modernidade.George Ritzer procurou reforçar a tese weberiana em seulivro The McDonaldization of Society (1993): enquantopara Weber a burocracia era a representante daracionalização, para Ritzer, os restaurantes fast-food setornaram emblemáticos de nossa época e seus conceitostendem a se expandir para outras esferas da sociedade.Aproximando-nos da chamada administração científica,a descrição de Ritzer identifica-se com uma espécie defordismo alimentar, mais flexível e adaptado às novascondições. As características essenciais apontadas porRitzer são: eficiência, calculabilidade, previsibilidade(predictability) e controle. Ele reconhece a “filosofia fast-food” como um novo impulso do processo deracionalização que vinha se desenvolvendo pelo menosdesde as fábricas e linhas de montagem fordistas eburocratização weberiana.

“McDonaldização” significa o “processo pelo qualos princípios do restaurante fast-food estão se tornandodominantes em cada vez mais setores da sociedade”(RITZER, 1993, p. 1). Os irmãos McDonald basearamseu primeiro restaurante (1937, Pasadena, CA) nosprincípios quantificáveis de velocidade, volume e preçobaixo. Para evitar caos, o menu era bem circunscrito. OsMcDonald utilizaram procedimentos de linha de montagem

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para cozinhar e servir: o menu limitado permitia reduzir opreparo a simples e repetitivas tarefas que podiam serrapidamente aprendidas. Desenvolveram regras queditavam as tarefas que os trabalhadores deveriamdesempenhar e até o que deveriam dizer. O McDonald’sreuniu princípios burocráticos (que compreendem umaforma de franquia centralizadora, portanto, uniforme) deadministração científica e de linha de montagem. A“McDonaldização” não representa algo novo, mas o augede uma série de processos de racionalização que vemocorrendo desde o princípio do século 20. Em 1958, foipublicado um manual de operações detalhado de comodeveria funcionar uma franquia: exatamente como serviro milk shake; o tempo preciso de cozinhar; todas astemperaturas indicadas; o padrão das porções(quantidade) de cada item (cebola, queijo); a forma decortar determinada por medidas e a forma de preparo –os grill men eram instruídos sobre como colocar oshambúrgueres na grelha e como movê-los da esquerdapara a direita, formando fileiras de seis, de modo a ficarempróximos do ponto mais quente pelo mesmo tempo(RITZER, 1993, p. 33).

A abordagem proposta por Ritzer (1993) possuivários críticos e é questionável por apresentar oMcDonald’s como emblema, nomeando sua tese a partirde uma marca conhecida mundialmente além de apresentarexemplos forçados para confirmar suas colocações. Noentanto, é notável que a burocratização, administraçãocientífica e linha de montagem como paradigmas sejamatualizados por um exemplo da indústria alimentícia. Comouma declarada expansão da interpretação weberiana damodernidade, era de se esperar que a racionalizaçãotomasse cada vez mais esferas da vida social.

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A observação da alimentação como ponto de partida deum novo impulso racionalizante indica uma atividadecotidiana mais elementar. Os exemplos anteriores sereferiam mais diretamente à esfera do trabalho, comefeitos, de certa maneira, limitados ao próprio (local de)trabalho, principalmente por tratarem de procedimentosde realização de tarefas, geralmente reclusos em escritóriosou fábricas. O McDonald’s, podemos dizer, industrializaa alimentação e, de maneira diferente de uma fábrica,contata diretamente os consumidores, criando um caminhopara a racionalização que a leva para fora do mundo dotrabalho, uma via de mão-dupla para o princípio daeficiência – não mais apenas no sentido único “patrão-empregado”. É crucial destacar o sentido duplo “ofertante-consumidor/consumidor-ofertante”.

Guiado por padrões quantificáveis, por um lado, oMcDonald’s possui, como todo estabelecimento comercial,uma meta de vendas e precisa dos melhores meios paraalcançá-la. Por outro lado, essa eficiência também é dointeresse do consumidor. O ambiente do McDonald’s émoldado para o consumo rápido, com menu reduzido eprevisível, com atendentes que executam tarefas simplese rápidas – muitas vezes uma simples operação demáquinas, que aceleram o tempo de reposição –, comassentos suficientemente desconfortáveis para não sequerer permanecer por muito tempo e drive-thru, queretoca a literalidade da expressão fast-food. Ou, comodescreve Ritzer, tudo leva os fregueses a fazer o que osadministradores desejam que eles façam, ou seja, comerrapidamente e partir (RITZER, 1993, p. 11). Consumidore comerciante, portanto, compartilham da mesmaeficiência: o consumidor em busca da comodidade econveniência (DIXON et al., 2006), em sua tarefa

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cotidiana de alimentar-se, e o comerciante em busca dofast, para acompanhar o fluxo (BAUMAN, 2001) deconsumidores.

A eficiência se apóia na calculabilidade, que setraduz na possibilidade de quantificar o tempoeficientemente despendido no fast-food, o tamanhovantajoso do BigMac e das large fries, e que, por suavez, estão intimamente ligados ao aspecto do controle: amecanização/robotização do trabalho. O trabalho humanose torna limitado, reduzido e realizado de modo o maispadronizado possível para ser previsível. A previsibilidadeestá relacionada à tentativa de responder à satisfação dodesejo de encontrar um mundo sem surpresas.Previsibilidade oferece segurança, pois se busca o mesmo,que é oferecido pela padronização através do tempo edo espaço. Isso significa que o McLanche não corre riscode ser pior, mas também não é melhor. É o mesmo, éprevisível. É uma repetição. As pessoas preferem saber oque esperar de todas as disposições sem importar o tempo.Para garantir a previsibilidade no tempo e espaço, umasociedade racional enfatiza disciplina, ordem,sistematização, formalização, rotina, consistência eoperação metódica (RITZER, 1993, p. 83). O sistemaalimentar moderno é capaz de disponibilizar recursosindependentemente das condições ambientais e climáticaslocais, fator decisivo para a alimentação nos estilos devida modernos, dando base ao mundo previsível doconsumidor provido de alimentos industrializados(alimentos congelados, pré-preparados, para microondas,prontos para consumo).

Ao aceitar a tese weberiana da racionalizaçãocrescente, é interessante pensar a distinção alimentação–nutrição. Diferenciamos alimentação basicamente como

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o processo que envolve os aspectos culturais ecircunstâncias que resultam no ato de comer (alimentar-se). A nutrição também se refere à ingestão de alimentos,mas representaria uma maior racionalização do processo,por exemplo, ao reconhecer o alimento como conjuntode nutrientes a serem absorvidos mecanicamente peloorganismo, como um processo biológico a ser descritoobjetivamente.

Uma questão fundamental que se deve discutir serefere ao fato de a nutrição com base racional-científicaestar tomando o espaço da alimentação como atividadetradicional. As influências tradicionais na escolha dosalimentos estariam sendo obscurecidas pelo convincenteargumento nutricional-científico? Isto significaria que aalimentação estaria, em parte, sendo substituída porregimes alimentares fundados em quantificação de calorias,recomendados por profissionais com o discurso dasindústrias alimentares.

A idéia de nutrição como racionalização daalimentação vai de encontro ao conceito de reflexividadede Giddens (1991). O que o autor chama de “monitoraçãoreflexiva da ação” continua fundamental na modernidade,mas não é sua característica própria. A monitoraçãoreflexiva9 pode ser orientada pela tradição (no nosso caso,alimentação), de modo que está na base da ação individual

Reflexividade, sistemas peritos e confiança

9 “Todos os seres humanos rotineiramente ‘se mantêm em contato’ comas bases do que fazem como parte integrante do fazer” (GIDDENS, 1991,p. 43).

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em qualquer sociedade. Por sua vez, a concepção quetomamos de nutrição está em sintonia com a modernidade,e seu caráter racional com a reflexividade. Para Giddens(1991, p. 45), “a reflexividade da vida social modernaconsiste no fato de que as práticas sociais sãoconstantemente examinadas e reformadas à luz deinformação renovada sobre estas próprias práticas,alterando assim constitutivamente seu caráter”. A fim delimitar o escopo da discussão, os legitimadores darenovação de informação e reformas das práticas sociaisalimentares são os sistemas peritos10, de maneira geral,constituídos, sob o enfoque proposto, por profissionaisda saúde como médicos e nutricionistas, ou engenheirosde alimentos e agrônomos (GUIVANT, 2000, 2001,2002).

A reflexividade é uma das características dodinamismo da modernidade, da intensidade dastransformações, juntamente com a separação do tempoe do espaço e do desencaixe de sistemas sociais. Aseparação do tempo e do espaço é a base do dinamismoporque proporciona os mecanismos característicos da vidasocial moderna (a contagem precisa e uniforme do tempocom a criação do relógio mecânico, por exemplo), aorganização racionalizada. Deste modo, “as organizaçõesmodernas são capazes de conectar o local e o global deforma que seriam impensáveis em sociedades maistradicionais, e, assim, afetam rotineiramente a vida demilhões de pessoas” (GIDDENS, 1991, p. 28). SegundoGiddens (1991, p. 69), a globalização pode então serdefinida como “a intensificação das relações sociais em

10 “Por sistemas peritos quero me referir a sistemas de excelência técnicaou competência profissional que organizam grandes áreas dos ambientesmaterial e social em que vivemos hoje” (GIDDENS, 1991, p. 35).

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escala mundial, que ligam localidades distantes de talmaneira que acontecimentos locais são modelados poreventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa”.

Fundamentais no processo de globalização são osmecanismos de desencaixe. Estes se referem “ao‘deslocamento’ das relações sociais de contextos locaisde interação e sua reestruturação através de extensõesindefinidas de tempo-espaço”. Um mecanismo dedesencaixe intrínseco ao desenvolvimento das instituiçõesmodernas é o estabelecimento de sistemas peritos(GIDDENS, 1991, p. 30), a que já nos referimos e queseriam responsáveis pela reflexividade e revisão doconhecimento. Porém, a alteração reflexiva das práticassociais só pode ter efeito e ser legitimada porque há, dealguma forma, confiança generalizada nos sistemas que apromovem. A definição de confiança que nos interessanesse caso é como crença na credibilidade de uma pessoaou sistema, tendo em vista um dado conjunto de resultadosou eventos, em que essa crença expressa uma fé nacorreção de princípios abstratos (conhecimento técnico)(GIDDENS, 1991, p. 41).

O sistema alimentar moderno, diferentemente dotradicional, fundamenta-se majoritariamente em “relaçõesde ausência”. A globalização torna as relações entre osatores envolvidos deslocalizadas, desencaixadas do lugare do contexto social. No geral, não há relação face a faceentre produtores e consumidores.

A confiança está relacionada à ausência no tempo e noespaço, pois não haveria necessidade de se confiar em alguémcujas atividades fossem continuamente visíveis e cujosprocessos de pensamento fossem transparentes, ou de seconfiar em algum sistema cujos procedimentos fosseminteiramente conhecidos e compreendidos. A condição

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principal de requisitos para a confiança não é a falta depoder, mas a falta de informação plena (GIDDENS, 1991,

p. 40).

A confiança é essencial, portanto, na relaçãoprodutores–distribuidores–consumidores, por exemplo, narelação com as redes de supermercados como intermédiode produtores e consumidores (GUIVANT, 2003;OOSTERVEER et al., 2007); e na relação do consumidorcom a própria produção (no sentido técnico),principalmente quanto a alimentos industrializados, em quesistemas peritos criam novos alimentos e utilizamprocedimentos muitas vezes completamente desconhe-cidos dos consumidores leigos (GUIVANT, 2001).A reflexividade do conhecimento, a orientação para ofuturo, na modernidade, são amplamente estruturadas

[...] pela confiança conferida aos sistemas abstratos... A fide-dignidade conferida pelos atores leigos aos sistemas peritosnão é apenas uma questão – como era normalmente o casono mundo pré-moderno – de gerar uma sensação de segurançaa respeito de um universo de eventos independentementedado. É uma questão de cálculo de vantagem e risco emcircunstâncias onde o conhecimento perito simplesmentenão proporciona esse cálculo mas na verdade cria (oureproduz) o universo de eventos, como resultado da contínuaimplementação reflexiva desse próprio conhecimento

(GIDDENS, 1991, p. 87).

Nessas condições, as atitudes de confiança emsistemas abstratos são rotineiramente incorporadas àcontinuidade das atividades cotidianas e são em grandeparte reforçadas pelas circunstâncias intrínsecas aocotidiano. Os riscos assinalados por esses sistemas nãosão sempre tomados conscientemente pelos indivíduos,pondo assim a confiança mais como uma “aceitação tácitade circunstâncias nas quais alternativas estão amplamentedescartadas” (GIDDENS, 1991, p. 93).

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O risco passou a ser reconhecido e gerido pelossistemas que o criaram, ou seja, em muitas circunstânciasos padrões de risco são institucionalizados. Isto serve paraamenizar a ansiedade dos indivíduos que lidam com osriscos. O risco aceitável, ou minimização do perigo, écentral para a manutenção da confiança. Os envolvidosno funcionamento das linhas aéreas, por exemplo,respondem demonstrando como são estatisticamentebaixos os riscos de um acidente. A segurança que se buscabaseia-se geralmente num equilíbrio de confiança e riscoaceitável (GIDDENS, 1991, p. 42-43). No âmbito daalimentação, há inúmeras certificadoras de produtos,agências reguladoras e órgãos fiscalizadores responsáveis,de alguma forma, pela minimização e gestão dos riscos,como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)no Brasil. A hipótese de que, na consciência rotineira, paraconfiar, basta ao consumidor imaginar que “há alguémresponsável pela qualidade e segurança deste produto”,e que se pode comprá-lo sem mais preocupações, nãoparece absurda.

Em uma entrevista, Alan Warde11 foi questionadosobre a confiança das pessoas nos alimentos e do queisso depende, num contexto em que vários países daEuropa já passaram por alguma situação alarmante (comoa doença da vaca louca) que causou o declínio da con-fiança. Ele respondeu que a confiança depende de políticaspúblicas, de regulação e da relação do mercado com osprodutores. Segundo Warde (2007), em países em que apopulação aprova a atuação do governo, como aDinamarca ou a Noruega, os consumidores confiam na

11 Warde é professor de Sociologia e co-diretor do Centro de Pesquisa emInovação e Competição da Universidade de Manchester. Atua na área desociologia do consumo, com ênfase em alimentos.

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qualidade da comida, e acrescenta que é como se aspessoas relacionassem a segurança alimentar com aatuação do Estado via regulação ou fiscalização.

A confiança está relacionada ainda a fatoresculturais, que influenciam a escolha de um produto. Grunerte Bech-Larsen (2003) compararam a aceitação dosalimentos funcionais entre consumidores dinamarqueses,finlandeses e estado-unidenses, a partir das percepçõesque determinam o que é saudável. Estão incluídos nadefinição do que é saudável valores como mastery(maestria: implica manipulação ativa e auto-assertiva doambiente natural e social, portanto intimamente ligado aoconceito de sistemas peritos e pressupõe confiança) eharmony (harmonia: enfatiza a coexistência com anatureza e rejeita a manipulação de recursos naturais).Grunert e Bech-Larsen (2003) também mencionam ainfluência da legislação na decisão do consumidor. Essalegislação controla as formas de classificação dos pro-dutos, as alegações de saúde e a linguagem utilizada(comunicação). Uma das hipóteses para justificar oceticismo geral quanto aos oligossacarídeos em relaçãoao ômega-3, está na conotação química do conceito que,menos conhecido, dificulta o entendimento de seus efeitosbenéficos.

Mito alimentar moderno

Ao tratar de segurança alimentar, é útil comparar-mos algumas formas de gerar segurança em sociedadestradicionais com formas modernas. Sabemos que asdefinições dos padrões aceitáveis do que é comestível ouo que é inaceitável variam de acordo com as culturas. Há

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nisso, porém, uma dinâmica psicológica geral, um tipofundamental de pensamento mágico, como apontaRappoport (2003). Estudos antropológicos mostram que,em praticamente todos os grupos humanos primitivos, asvariações sazonais na vida das plantas e o comportamentodos animais eram governados por forças misteriosas sobo controle parcial ou total de deuses e espíritos, e dissodependiam a escassez e disponibilidade de recursos parao consumo humano.

A maior parte dos alimentos básicos queconsumimos hoje, cereais, frutas, vegetais, carnes, temuma origem mítica. Alimentar-se de algo proveniente dosdeuses significava, para os primitivos, participar dosmistérios cósmicos. Os nomes de muitos alimentos básicosderivam de mitos antigos. Os cereais, por exemplo, deri-vam da deusa Ceres12. Mãe de Proserpina, Ceres foi aosubmundo em busca da filha raptada por Plutão, deixandopor onde passava seus presentes em forma de sementes,que só emergiriam durante a primavera e o verão, juntocom sua filha. A palavra hindi para arroz traduz-setoscamente por “sustentador dos humanos” e, no sul daÁsia, o leite derramado do seio de uma deusa teria dadoorigem ao arroz branco. Na Ásia, o arroz é símbolo defertilidade e pode estar aí a origem da tradição de saudaros recém-casados jogando neles arroz. O milho eracultivado na América por povos pré-colombianos e nãoera apenas alimento básico, mas fazia parte de práticasculturais e ritos religiosos (RAPPOPORT, 2003,p. 36-37).

12 Ceres corresponde a Deméter na mitologia grega, assim como Proserpinaa Perséfone e Plutão a Hades. A raiz que origina o nome Ceres significa“crescer”. Ceres era deusa das plantas e da agricultura e era filha de Opis,ligada à fertilidade – pertence à mesma raiz de “opulência” –, que eramuitas vezes representada segurando uma espiga de milho.

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Idéias “mágicas” sobre alimentos estão muitopresentes também na modernidade. Rappoport apontadietas saudáveis da moda, que prometem prevenir ou curaro câncer, como a macrobiótica. Dietas específicas à parte,não é difícil pensar em paralelos para a relação sagradacom os alimentos misteriosamente provenientes dosdeuses, que afirmava práticas alimentares de muitassociedades. O sistema alimentar moderno também precisamunir-se de mecanismos para assegurar suas práticas pormeio de regulamentações, códigos, fiscalização.

Aproxima-se dos mitos, porém, a lógica modernasubjacente à propaganda de alimentos com

a noção mágica de que consumindo os alimentos endossa-dos por nossos modernos deuses seculares, podemos nosidentificar com eles mais proximamente e talvez par-ticipar de algumas de suas conquistas. Tomar o “caféda manhã dos campeões” com a figura de um herói do esportepode parecer um apelo distante de tomar a hóstia e o vinhorepresentando o corpo e o sangue de Cristo na missa católica,mas a psicologia subjacente é similar (RAPPOPORT, 2003,p. 38).

Especialistas em marketing sabem que celebridades,não menos que os deuses antigos, representam valoressociais, e a comida que eles apresentam ou consomempode simbolicamente representar esses valores. Comoconstatou Lévi-Strauss sobre a preferência de alimentos,“o que é bom de pensar, é bom de comer”. Os jovenspodem saber que nunca se tornarão estrelas do esporte,mas, ainda assim, “é bom pensar”. Conscientemente ounão, quando comemos, não consumimos apenas oalimento, mas também o seu conceito (RAPPOPORT,2003, p. 39); ou, conforme o ditado, “você é o que vocêcome”.

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Quando consumimos nutrientes, consumimostambém experiências gustatórias, ou seja, consumimossignificados e símbolos. Cada alimento possui, além denutrientes, uma carga simbólica, sendo que os própriosnutrientes fazem parte da carga simbólica. Como indicamBeardsworth e Keil (1997, p. 52): “Não é exagero dizerque quando o ser humano come, ele come tanto com amente quanto com a boca”. Alguns alimentos possuemsignificados tão poderosos que vão além do gosto: aambivalência que envolve prazer e ansiedade relativa àsimplicações do consumo. Relacionam-se também comimoralidade (tabus), saúde, pureza espiritual, poluiçãoritual (BEARDSWORTH; KEIL, 1997, p. 52). Restriçõesdietéticas ocorrem em grupos religiosos como judeusortodoxos, islâmicos, hindus, mórmons e também católicos(não comer carne na Sexta-Feira Santa). Mesmo gruposmenos rigorosos sobre o assunto, como os protestantes,reconhecem a alimentação como sagrada, fazendo oraçõesde agradecimento antes das refeições (RAPPOPORT,2003, p. 40).

Propaganda

Pesquisas têm mostrado a influência da televisãona decisão sobre a ingestão de alimentos por crianças. Apsicóloga Paula Carolina Barboni Dantas13, daUniversidade de São Paulo (USP), realizou uma pesquisaque relaciona obesidade infantil à quantidade depropagandas de alimentos gordurosos, ricos em açúcar,sal e óleo, e concluiu que “a televisão pode, sim, serconsiderada um fator ambiental que contribui para oaumento da obesidade. Ela tem recursos que podem estar

13 Em entrevista concedida à Folha Online.

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promovendo hábitos alimentares inadequados e que issovem desde muito pequeno” (SANTIAGO, 2007).

Muitos pais temem uma exposição de seus filhos àexibição e ao consumo televisivo de sexo e violência. Naverdade, a comida é o produto mais oferecido às criançaspelas propagandas na televisão. Um estudo realizado pelaUniversidade de Indiana mostrou que mais de um terçodos comerciais para o público infantil ou adolescente é dedoces e lanches14. Em novembro de 2006, o NationalAdvertising Review Council iniciou uma nova campanhade alimentos e bebidas voltados a crianças. Participamdela dez companhias15 que representam dois terços dosprodutos vendidos para crianças. Elas garantem que pelomenos 50 % das propagandas direcionadas a criançasmenores de 12 anos serão voltadas a “produtos maissaudáveis ou estilos de vida saudáveis”.

A psicologia nos ensina que, quanto menor a criança, menoré a sua capacidade de julgamento racional, e maior é a fantasia.Nossos estudos mostram que grande parte das propagandasexplora os sentimentos de prazer e alegria associados aoconsumo do alimento, com grande influência sobre as crianças

(CIDADANIA..., 2007).

Ao nos referirmos ao pensamento “mágico” narepresentação dos alimentos, devemos acrescentar que

14 O estudo foi realizado entre maio e julho de 2005, com 1.600 horas deprogramação (Nenhum dos comerciais promovia frutas ou vegetais).Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/03/28/AR2007032800596.html>. Acesso em: 28 mar.2007.

15 As companhias são: Cadbury Schweppes USA; Campbell Soup Company;The Coca-Cola Company; General Mills, Inc.; The Hershey Company;Kellogg Company; Kraft Foods Inc.; McDonald’s; PepsiCo, Inc. e Unilever.Disponível em: <http://www.cbbb.org/initiative/>. Acesso em: 24 maio2007.

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as crianças são especialmente suscetíveis a esse tipo deapelo (RAPPOPORT, 2003, p. 38). A imagem dasgrandes estratégias de marketing para convencer a manterou mudar o consumo utiliza geralmente figuras carismáticas,personagens populares do universo do público-alvo. Emfevereiro16 de 2007, a Robert Wood Johnson Foundationanunciou a Coalition for the Health of Children, unindoAd Council, American Heart Association, U.S.Department of Health and Human Services eDreamworks Animation SKG. O plano consiste emutilizar personagens do desenho animado Shrek paradivulgar hábitos de alimentação saudável e mensagens deatividade física às crianças. Os críticos afirmam que essasmedidas não são suficientes para conter a obesidadeinfantil e que fazer as crianças se alimentarem de modomais saudável seria mais fácil se os pais não tivessem quelutar contra 12 bilhões de dólares de propaganda em junkfood por ano.

O U.S. Department of Health & Human Servicestem tido opositores como The Campaign for aCommercial-Free Childhood, contra o marketing paracrianças, por usar Shrek em seus anúncios públicos, queencorajam as crianças a serem fisicamente ativas, pois aimagem já é vinculada a produtos como Happy Meals,chocolates M&M’s e cereais da Kellogg’s Co. No casoHappy Meal do McDonald’s, Shrek é vinculado a postersnos restaurantes, comerciais de televisão, pacotes demaçãs e leite. Happy Meals são refeições de campanhasrecentes do McDonald’s que contêm salada e maçãs, emvez de hambúrgueres e batatas fritas. No site do

16 Study finds food is top product advertised for kids. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/>. Acesso em: 28 mar. 2007

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McDonald’s, Happy Meal17 se encontra na seção“Having Fun”, cujo lema é: O McDonalds é um dosmuitos pequenos prazeres da vida que milhões de pessoasno mundo todo desfrutam todo dia. Alimento excelente.Divertido comer. Ambiente casual. Local e familiar. Esempre algo novo.

Há, nesta seção, uma fusão evidente de alimentaçãoe entretenimento. A ligação entre Happy Meal ealimentação saudável se mostra apenas como parte dejogos eletrônicos – outras advertências seriam provavel-mente enfadonhas para o público infantil. Há basicamentetrês opções na seção Happy Meal do site: jogos, karaokee brinquedos. O apoio a práticas saudáveis é propostoindiretamente com incentivos virtuais a atividades físicasprincipalmente somando pontos por atividade. Assim éque praticar esportes soma mais pontos do que visitar ummuseu, ou a relação estabelecida entre o “verde saudável”e a cor do personagem Shrek, um ogro verde.

Psicólogos da Universidade de Liverpool18

mostraram em uma pesquisa que o consumo alimentardas crianças aumenta significativamente após propagandasde alimentos, comparadas com propagandas debrinquedos. O consumo pode variar entre grupos de pesosdiferentes, ou seja, o consumo das crianças obesas aumen-tou 134 %, das acima do peso, 101 %, e das de pesonormal, 84 %. Também foi constatado que o peso dascrianças dita as preferências, assim, crianças obesastendem aos alimentos gordurosos.

17 Disponível em: <www.macdonalds.com>. Acesso em: 13 abr. 2007.18 Disponível em: <http://www.liv.ac.uk/newsroom/press_releases/2007/04/

obesity_ads.htm>. Acesso em: 24 abr. 2007.

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Um exemplo de comercial para alimentos funcionaisno Brasil é o de Activia19. Apresentado pela atriz SuzanaVieira, o comercial propõe um desafio, convidando asconsumidoras com intestino “preguiçoso” a tomaremregularmente 15 unidades do iogurte funcional Activia afim de terem seus intestinos regulados. Caso não funcione,a Danone reembolsa o valor do produto. A razão é aseguinte (como apresentada pela atriz): “Só Activia garanteisso, porque é o único com o bacilo DanRegularis, oúnico que tem estudos científicos que comprovam quefunciona”.

O consumidor não esperaria, de modo geral, queestudos científicos não comprovassem o efeito. Activia,porém, é o único comprovado. Chama a atenção a misturade “esferas simbólicas”, a apresentação de noçõescientíficas por pessoas de um grupo que goza de prestígio,carisma ou confiança junto a um público-alvo, represen-tado por atrizes televisivas a participarem do comercial.Nesse caso, o importante não é um questionamento davalidade científica em si, mas a possibilidade de seudiscurso ser vinculado a pessoas não credenciadas, semque entre em jogo sua autoridade, e o possível efeito dessaestratégia na confiança do público consumidor.

O comercial de Activia mostra também outratendência: a da apresentação e confirmação, na prática,por “consumidoras comuns”, anônimas, através dedepoimentos. Estes são exemplos de que o sucesso dapropaganda não está apenas na explicação racional e

19 A Danone investiu R$ 10 milhões para levar ao ar oito filmes criadospela Young & Rubicam, em campanha publicitária a fim de divulgar apromoção “2º Desafio Activia”. No ano passado, a marca realizou omesmo desafio e viu suas vendas aumentarem 70%, de acordo comLucia Azevedo, gerente de marketing da Activia. Disponível em:<www.portaldapropaganda.com>. Acesso em: 05 fev. 2007.

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científica, no convencimento de que o produto é bom emtermos de nutrientes ou efeitos biológicos, mas residetambém no apelo emotivo e na imagem. O consumidornão deve ser considerado movido unicamente porargumentos científicos e econômicos. É preciso reconhecero impacto cultural no modo de consumir produtos, serviçose lidar com experiências relacionadas (GUIVANT, 2003;OOSTERVEER et al., 2007). Heasman e Mellentin (2001,p. 43) revelam como a experiência clinicizada emedicalizada com o alimento funcional pode ser frágil elogo abandonada devido à falta de engajamento emocionalcom a marca, por parte dos médicos e dos pacientes, econcluem: “A emoção é um dos mais poderosos guias dalealdade às marcas, e muitas marcas de sucesso o são,em parte, porque elas se tornam emocionalmenteconectadas com seus consumidores”.

Anúncios como o de Activia Danone remetem a“se sentir bonita e em equilíbrio”, a “uma vida mais leve”,um cotidiano com “disposição e energia”, “bomfuncionamento do intestino”, além de ser “diferente dosoutros produtos da mesma categoria” e ter sido“especialmente desenvolvido”. E ainda, para “regular ofuncionamento do seu intestino e fazer você se sentir muitomelhor”, Activia é uma “opção natural, gostosa e eficiente”.Conforme Lang e Heasman (2004), essas estratégiassaudáveis dependem de consumo diário por longosperíodos de tempo e são contra-intuitivas para oconsumidor moderno, já saturado de mensagens eescolhas. A eficiência saudável de tais produtos em longoprazo não está provada, e muitos alimentos funcionaisrepresentam meramente um atalho para novos mercadose grandes lucros. Diante disso, deixemos em aberto aquestão “o que é natural?”.

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O Brasil participa de uma tendência global embuscar melhor qualidade de vida diretamente associada amelhor nutrição, em combinação com alimentos que sejamsaborosos e aprazíveis (OOSTERVEER et al., 2007).Além disso, segundo Guivant (2003), o crescimento doconsumo saudável, no Brasil, está especialmente ligadoao estilo de vida caracterizado como “ego-trip” – emoposição ao estilo ecológico-trip –, uma tendência de osindivíduos buscarem autopreservação e promoção em seuambiente (beleza, saúde e forma). Essa tendência é bemcaptada pela apresentação de Activia aberta com a frase:“Toda mulher gosta de se sentir bonita e em equilíbrio”. Amesma tendência observada na comercialização de Activiapode ser observada na maioria dos alimentos funcionais,que, por sua vez, dependerá da regularidade de consumopara alcançar seus benefícios, o que pode ajudar a criarconfiança na marca, estabilizando-a no mercado com baseem um público fiel.

limento funcional, segundo a Sociedade Brasileira deAlimentos Funcionais (SBAF) se caracteriza por ser“aquele alimento ou ingrediente que, além das funçõesnutricionais básicas, quando consumido como parte dadieta usual, produz efeitos metabólicos e/ou fisiológicose/ou efeitos benéficos à saúde, devendo ser seguro paraconsumo sem supervisão médica, sendo que sua eficáciae segurança devem ser asseguradas por estudoscientíficos”. Alguns desses produtos atualmente no

.AAlimentos funcionais

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mercado são Activia Danone, Creme Vegetal Sadia Vita,Margarinas Becel, Ades e Cyclus (óleo composto).

Definir alimento20 é uma tarefa trabalhosa,principalmente considerando-se que o ser humano é classi-ficado como onívoro. Rappoport (2003) observa que “osespecialistas em nutrição e outras autoridades estãoaparentemente satisfeitos com a noção comum de alimentosimplesmente como aquilo que as pessoas comem,enquanto apontam que o que geralmente comemos não émuito saudável”. Indica ainda a definição do dicionárioWebster de alimento, de caráter mais científico: “materialque consiste em carboidratos, gorduras, proteínas esubstâncias suplementares (como minerais, vitaminas) queé absorvida dentro do corpo de um animal a fim desustentar o crescimento, reparo e todos os processos vitaise para fornecer energia para toda a atividade do organismo”(RAPPOPORT, 2003, p. 30-31). Trata-se de umadefinição geral, capaz de abarcar muitas possibilidades einterpretações, mesmo no que se refere a culturas diversas,ainda assim demasiadamente científica. Essa definiçãonegligencia certos aspectos culturais, já que nem tudo éingerido e absorvido pelo organismo com tais finalidades.Poderíamos ainda perguntar se tais finalidades sãodefinidas pela cultura ou pelo organismo (biologia/fisiologia). Parece que são definidas por uma relação entreambos os aspectos.

20 Segundo a Anvisa, alimento é “toda substância para o consumo humano,que se ingere no estado natural ou elaborada, pode ser sólido, líquido,pastoso ou qualquer outra forma adequada, que forneça ao organismohumano os elementos normais à sua formação, manutenção e desenvolvi-mento. Os alimentos incluem as bebidas e qualquer outra substânciautilizada em sua elaboração, preparo ou tratamento, excluídos oscosméticos, o tabaco e as substâncias utilizadas unicamente como medica-mentos”. Decreto-Lei 986/69; Portaria 42/98. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/cidadao/alimentos/index.htm>. Acesso em: 5 fev.2007.

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A alimentação, em cada sociedade, é uma atividadeconstruída historicamente. Em cada momento, a sociedadeou indivíduo julgou algo possível de ser ingerido (ounecessário) e, dependendo do efeito da digestão eaceitação do organismo, incorporou o novo alimento aocardápio. Uma definição do que seja alimento dependenão apenas do seu aspecto biológico, mas também deuma conjuntura social, sendo uma imagem construídaempiricamente baseada em tentativa e erro.

Obesidade e sobrepeso, como fenômeno decorren-te de uma má alimentação, são exemplos da relaçãobiológico-social, pois resultam de diversas interações entreaspectos biológicos, comportamentais, ambientais esociais. A obesidade é considerada tanto como um pro-blema biológico, relacionado a diabetes, câncer, doençascardiovasculares, quanto social, com conseqüênciaspsicológicas e sociais negativas em uma sociedade quevaloriza a magreza (DIXON et al., 2006), o que por suavez pode acarretar outras desordens alimentares comoanorexia e bulimia.

O termo “funcional” é ainda mais controverso.Alimentos funcionais são, segundo a definição do USInstitute of Medicine, “qualquer alimento ou ingredientemodificado que possa proporcionar um benefício à saúdealém dos nutrientes tradicionais que contém”.

No primeiro livro científico sobre funcionais,Functional Foods, Designer Foods, Pharmafoods,Nutraceuticals, publicado em 1994, por Goldberg,encontra-se a seguinte definição: “qualquer alimento quetem um impacto positivo na saúde, na performance físicaou no estado mental de um indivíduo além de seus valoresnutritivos” (GOLDBERG , 1994). Há ainda a definiçãopublicada no British Journal of Nutrition (FOREWORD...,

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1998) sobre a ciência dos alimentos funcionais na Europa:“um alimento é dito funcional se contém um componentealimentar (nutriente ou não) que afeta uma ou mais funçõesespecíficas do corpo de modo positivo”. Assim, podería-mos considerar incluir alimentos dos quais um componentepotencialmente prejudicial fosse removido por meiostecnológicos. No entanto, permanece implícita a idéia deque, geralmente, o bem é promovido por algo adicionadoao alimento processado com intenção de efeitos saudáveis.

Diante de definições tão complexas e vastas, torna-se difícil estabelecer uma fronteira entre as váriaspossibilidades. Os próprios cientistas entram emcontrovérsia e a legislação se torna um problema, quandoos alimentos funcionais são apresentados como capazesde prevenir ou reduzir risco de doença. Além disso, égrande a pressão por parte da indústria para a liberaçãodo uso das alegações de saúde, que são estabelecidaspelos governos via agências nacionais. No Brasil, o órgãoresponsável é a Anvisa.

A ambivalência mencionada por Bauman (1999), eque se traduz pela dificuldade com que nos deparamosao tentar nomear as coisas, e decorrente da velocidadedas transformações e emergência de novidades namodernidade, está claramente presente na discussão sobrealimentos funcionais: alimento ou medicamento? Ou asduas coisas simultaneamente, seguindo-se à risca arecomendação de Hipócrates, segundo a qual “o alimentoé teu medicamento”?

Breve cronologia

A relação entre alimentação e saúde remonta, pelomenos formalmente, aos antigos gregos com o próprio

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Hipócrates, e pode ser resumida pela frase mencionada.Na República, Platão trata a alimentação de maneirapróxima do que hoje entenderíamos como “problema desaúde pública”, e de modo tão rígido que chega aquestionar a necessidade de médicos para a cidade, poiscada indivíduo deveria ser responsável pela própria saúdepor meio da alimentação. Apenas no século 20, a relaçãoalimento-saúde voltou a ser explorada. Nesse período,principalmente após a Segunda Guerra Mundial, sedesenvolveram as tendências alimentares que possibilita-ram o surgimento dos alimentos funcionais. Não se tratade uma tendência única, mas de uma revolução nutricional.

A década de 1940 foi marcada pelo rápidocrescimento da ciência e tecnologia de alimentos, cominteresse em microbiologia e química alimentar. Nos anos1950, hipóteses foram mais seriamente verificadas assimcomo foram iniciados estudos que relacionavam nutriçãoe doenças degenerativas. Assim é que naquela época,pesquisas relacionaram a ingestão freqüente de gordurasa doenças do coração. Essa questão ocupou a agenda depesquisa e dominou a nutrição durante os anos 1970(HEASMAN; MELLENTIN, 2001, p. 3), popularizandouma tendência que continua forte no início do século 21.

Em 1953, a Assembléia Mundial da Saúde, corpoda Organização Mundial da Saúde (OMS), constatou queo crescente uso de produtos químicos em alimentosrepresentava um novo problema de saúde pública e propôsestudos sobre o assunto. O uso de aditivos foi consideradofator crítico, e foi criado um comitê perito para aditivosalimentares em atividade até hoje (FAO, 2005).

A industrialização dos alimentos, a adição decomponentes novos e criados artificialmente, estranhos àdieta humana tradicional, muitas vezes de difícil assimilação

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para o organismo, causou vários problemas de saúdepública ao longo da segunda metade do século 20. Nadécada de 1970, quando os alimentos passaram, por umlado, a ser objeto de discussões em governos de váriospaíses, as grandes indústrias alimentícias, por outro lado,investiram em pesquisas e buscaram soluções. Estavamem alta os discursos de “saúde para o consumidor”, masclaro, desde que inerentes ao “oportunismo merca-dológico”. Diante dessa injunção, surgiu a oportunidadede criar um novo mercado, um “mercado saudável”, queoferecesse produtos livres de açúcar e com pouca gordura(HEASMAN; MELLENTIN, 2001, p. XVI).

Ainda na década de 1970, vários comitês,associações de profissionais como cardiologistas enutricionistas; comitês criados por governos, ou de origemacadêmica, criaram pacotes contendo recomendaçõespara uma mudança na dieta da população. Nos EstadosUnidos foram 10, na Austrália, 4, Nova Zelândia, 3, eainda alguns no Reino Unido, Canadá e Noruega, alémdas recomendações para Dietary Fats and Oils, daOrganização das Nações Unidas para a Agricultura e aAlimentação (FAO) em 1977.

A reivindicação pelo estabelecimento de ummercado com produtos saudávis forçou a inovação daindústria alimentícia. Diante desse fato, verificou-se umacerta confusão sobre o papel da política de saúde pública,que deveria ligar institutos e universidades, e cujaspesquisas eram fomentadas por governos ao investimentoprivado. A indústria alimentícia passa a aplicar novosconhecimentos em seus produtos, despertando questões,envolvendo negociantes do mercado, reguladores,políticos, profissionais da saúde, nutrição, cientistas dealimentos sobre “como a ciência básica é transformada

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em realidade comercial?” (HEASMAN; MELLENTIN,2001, p. XXI). Essa fusão de objetivos – a criação demercados em busca de novos produtos de valor agregadoe as recomendações de padrões de alimentação eprevenção de doenças realizada nacionalmente – mostraque “as companhias estão efetivamente agindo comoprovedores de saúde pública” (HEASMAN;MELLENTIN, 2001, p.XIX).

A concepção mais apropriada relativa a alimentosfuncionais, ou seja, a de estar além da ação natural denutrir, surgiu em 1920, com o iodo acrescentado ao salpara combater o bócio. Os alimentos funcionais surgiram21

como conceito, mais precisamente em 1984, no Japão,quando cientistas estudavam relações entre nutrição,satisfação sensorial e fortificação e modulação de sistemasfisiológicos. Porém, em 1991, os japoneses passaram autilizar o termo Foshu (Foods for special health use) natentativa de não confundir a regulação dos alimentosfuncionais com a farmacêutica (HEASMAN;MELLENTIN, 2001, p. 135). Os alimentos Foshu sãodefinidos como aqueles que foram adicionados de umingrediente funcional para um efeito saudável específico esão designados para manter ou promover a boa saúde.O programa Foshu, voltado à pesquisa e regulamentaçãodos alimentos funcionais, tinha como objetivo a reduçãodos gastos com saúde pública, procurando conter oavanço de doenças crônico-degenerativas.

21 A descoberta na década de 1930 de propriedades benéficas de bactériasintestinais por Minora Shirota foi primordial. A filosofia de Shirota sebaseava em “prevenir doenças mais do que tratá-las; um intestino saudávelleva a uma longa vida”. Antes da “alimentação saudável” e dos alimentosfuncionais, foi fundada a companhia Yakult (1955), por Yakult Honsha,que já punha em prática a relação direta do alimento com determinadafunção do organismo aplicando o Lactobacillus casei Shirota emgarrafinhas de leite fermentado.

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Hoje, o que se entende por alimentos funcionais,está baseado em substancial consenso entrepesquisadores e em evidências sobre a relação entre dietae saúde. Além disso, parte-se da hipótese de que “certosconstituintes particulares dos alimentos – tanto nutrientescomo não-nutrientes, como é o caso das fibras –apresentariam capacidade de afetar diversos fatores derisco para doenças”.

Revoluções na alimentação

Heasman e Mellentin (2001, p. 55) identificam, nasegunda metade do século 20, duas revoluções naalimentação, distinguindo entre a cultura da alimentaçãosaudável e a “revolução dos alimentos funcionais”. Arevolução da alimentação saudável se refere à promoçãogeneralizada de guias e metas dietéticas por parte dosgovernos dos países desenvolvidos, indicando mudançaspara combater doenças, especialmente as do coração.Essas mudanças eram baseadas em um consenso notávelentre peritos. Suas propostas gerais eram variedadealimentar, manutenção do peso ideal, evitar açúcar, sódioe gorduras em excesso.

A revolução dos funcionais cria a oportunidade dacomercialização de alimentos, nutrição e saúde em umaescala sem precedentes. A indústria alimentícia, prejudicadapelas recomendações governamentais (da revolução daalimentação saudável), passou a questionar a validadecientífica dessas proposições, alegando não haveralimentos bons ou maus, mas apenas boas ou más dietas,com isso transferindo a responsabilidade de uma boa dietapara o indivíduo (LANG; HEASMAN, 2004).

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Este é um aspecto da individualização institucio-nalizada de Beck (2002, p. 23), que significa que asinstituições centrais de nosso tempo como educação,direitos sociais, políticos e civis, assim como asoportunidades no mercado de trabalho e processos demobilidade são voltados para o indivíduo, não para o grupoou família. Além dos próprios alimentos funcionais, areferência que se faz é a tendências recentes da ciênciada nutrição, como a chamada nutrição funcional, que tementre seus princípios a individualidade bioquímica/genéticae o tratamento centrado no paciente. Ou seja, a dieta deveser determinada de acordo com as característicasparticulares de cada indivíduo, deve ser uma dietapersonalizada.

Observa-se uma tendência a certo mecanicismo aose tratar de alimentos funcionais. A saúde é comparadaao bom funcionamento de uma máquina, com inputs eoutputs controlados lógica e racionalmente, como mostraliteralmente um trecho de apresentação do NutriçãoFuncional, um site de divulgação da área no Brasil:

Da mesma forma que os dados e comandos que colocamosem um computador determinarão o funcionamento destamáquina, as informações que colocamos em nossoorganismo, determinarão o seu funcionamento. Os nutrientes(sejam bons ou ruins, equilibrados ou desequilibrados),toxinas, hormônios e neurotransmissores são as“informações” que colocamos em nosso corpo diariamente.Caso você não goste de como sua máquina está funcionando,mude as informações que oferece a ela! Melhor ainda,“contrate” um programador, o nutricionista funcional, para

lhe ajudar nesta tarefa (NUTRIÇÃO FUNCIONAL, 2007).

A Sociedade Brasileira de Cardiologia tambémafirma, ao se referir ao seu selo de aprovação, que “onosso corpo é uma máquina perfeita, e para que este

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funcione de forma harmoniosa, além da prática constantede atividade física, você precisa de boas horas de repousoe, é claro, de uma boa alimentação”.

A revolução dos alimentos funcionais é resultadode um complexo processo que envolve, entre diversosaspectos, a necessidade de manutenção do mercado daalimentação industrializada, que precisou renovar etransformar-se diante dos desafios da saúde pública. Aassertividade da indústria ante a possibilidade de negaçãopública de seus produtos e, ao mesmo tempo, aoportunidade de novas estratégias de marketing e um novomercado, um mercado saudável, proporcionou a criaçãode produtos de alto valor agregado direcionados apúblicos seletos. Em resumo, a revolução dos alimentosfuncionais pode ser considerada como uma resposta daindústria alimentar à revolução da alimentação saudável.

O debate sobre saúde pública deve ser abordado.Definida de modo simples, saúde pública é uma avaliaçãodas necessidades e serviços de saúde destinados aoatendimento da população. Distingue-se da medicinaclínica por sua ênfase em prevenir, em vez de curar, e porseu foco estar nas comunidades em vez de em pacientesindividuais (BLOOM, 1999, citado por HEASMAN;MELLENTIN, 2001, p. 57). Não podemos desconside-rar aspectos como os encargos econômicos decorrentesde despesas com o tratamento das doenças, que recaemsobre a sociedade e as condições sociais que promovemseu desenvolvimento. Por isso a noção de saúde não seriasimplesmente uma escolha pessoal, mas também refletiriaprocessos sociais mais abrangentes que requeremresponsabilidade pública, e que superariam a denominada“individualização institucionalizada”.

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O interesse lucrativo de empresa privada deve sercitado, já que ocupa o espaço da saúde pública,oferecendo alimentos (funcionais) que se tornam parte dascondições que favorecem, ou não, o aumento dos índicesde doenças crônicas. Nas Ciências da Saúde, apesar deemergirem abordagens e tendências ambientais e holísticas,as soluções se tornam cada vez mais individuais.

Heasman e Mellentin (2001) apontam algumasdiferenças entre as duas revoluções (Tabela 3).

Fonte: Heasman e Mellentin (2001, p. 57).

Tabela 3. Diferenças entre revolução da alimentaçãosaudável e dos alimentos funcionais.

Alimentação saudável

Consenso científico substantivo

Resistência da indústria alimentícia

Promoção “oficial” generalizada

Foco em mudar a dieta inteira

Não há alimentos “bons” ou “maus”

Intervenções de políticas públicas nadieta

Fontes dominantes de informaçãodietética

Modelos de saúde públicaproeminentes

Abre espaço para os alimentosfuncionais

Alimentos funcionais

Validação científica confusa

Estímulo da indústria alimentícia

Promoção amplamente comercial

Foco em produtos/ingredientes desucesso

“Bons” alimentos agora disponíveis

Intervenções guiadas pelo mercado

Peritos parecem estar em desacordoou contradizer uns aos outros

O modelo médico domina

Baseia-se na revolução daalimentação saudável

Os mesmos autores indicam ainda três grandesfatores que impulsionaram a revolução dos alimentosfuncionais (HEASMAN; MELLENTIN 2001, p. 14):

a) Uma visão ambiciosa da saúde para paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento.

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b) As companhias trouxeram para o mercado opotencial de um novo tipo de consumidorsaudável.

c) Imperativos de mercado guiam a ambiçãocorporativa. Em um mercado altamentecompetitivo, com margens justas e vendas decrescimento lento, os alimentos funcionais sãovistos como um meio de conquistar maiorrentabilidade e valor agregado.

Hasler (2000) afirma que, a partir da década de1990, os consumidores passaram a perceber os alimentosde um ponto de vista radicalmente diferente: não apenaspara satisfazer a fome, prevenir doenças de dietasdeficientes ou prover o que é essencial para o organismo.O alimento se tornou meio para a melhor saúde e bem-estar. A dieta se tornou primordial na prevenção de doençascrônicas do envelhecimento, entre as quais podem sercitadas o câncer, doenças cardíacas, osteoporose e artrite.Nos Estados Unidos, principalmente num estágio em queos baby-boomers, indivíduos nascidos entre 1946 e1963, estão chegando à velhice, há crescente interessepúblico na boa alimentação. Em uma pesquisa doInternational Food Information Council, de 1998,95 % dos consumidores expressaram a crença em quecertos alimentos oferecem benefícios e poderiam reduzirrisco de doença ou melhorar a saúde (HASLER, 2000,p. 500). A pesquisa relaciona a isto o chamado self-carephenomenon, como um fator principal de motivação nasdecisões na compra de alimentos saudáveis, que continuarácrescendo à medida que a geração baby-boomer – emseu auge, com 150 bilhões de dólares em saláriodiscricionário – dominaria o mercado nos vinte e cincoanos seguintes.

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Entre os fatores que impulsionam o crescimentodeste mercado estão:

• O movimento self-care e os baby-boomersconscientes da saúde.

• Altos índices de gastos com a saúde associadoscom doenças crônicas.

• Avanços na tecnologia, principalmente na genéticanutricional.

• Mudanças nas regulações alimentares.

• Oportunidade de mercado.

• Crescente número de evidências sobre a relaçãode componentes de alimentos e saúde.

Bistriche et al. (2006) identificam quatro revoluçõesna história da composição de alimentos. A primeiradescrevia a energia advinda dos alimentos; a segundacaracterizava vitaminas e minerais que se mostravamimportantes para evitar as doenças decorrentes de suadeficiência. Na terceira revolução, conhecendo-se melhora composição dos alimentos, foram estabelecidasassociações entre dieta e doenças, até mesmo dasrelacionadas com má nutrição e doenças crônicas não-transmissíveis. A quarta relaciona-se com a descobertade outras substâncias nos alimentos, que também podemafetar a saúde humana e evidenciam que há um amplocampo de atuação a ser explorado. Este tem resultado naexpansão da pesquisa e do mercado, numa nova formade conceber a alimentação com a revolução dos alimentosfuncionais.

O desenvolvimento dessas abordagens modernaspermite esquadrinhar as relações entre elementos que

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A Construção das Alegações de Saúde para Alimentos Funcionais

compõem os alimentos e benefícios à saúde. As relaçõesse tornam cada vez mais específicas e estritas.

No entanto, o alimento nunca é considerado apenasem sua relação direta com a ótima saúde. Ele é essencialà existência biológica, e faz parte da cultura, interaçõespessoais e senso de bem-estar. Assim, possui boarepresentatividade comercial, por fazer parte dos desejos,ansiedades e necessidades individuais. A revolução dosalimentos funcionais, “em atrito” com a ainda recenterevolução da alimentação saudável, causa mudanças tantode cunho político como cultural.

Um dos aspectos mais interessantes a se observaré a lógica paradoxal que conduz o discurso dos alimentosfuncionais. Apesar do crescente reconhecimento damultifatorialidade das doenças, do maior interesse emabordagens holísticas da saúde, as justificativas científicaspara o uso desses alimentos são cada vez mais específicas,repousando muitas vezes sobre a beneficência singular deelementos transportados para outros alimentos de formaisolada. Essa tendência está associada com a forma comque se realizam as próprias pesquisas sobre os efeitosdesses elementos: isolam-se seus efeitos e se estabelecemrelações de causa-efeito lineais.

Os argumentos saudáveis nos rótulos destacamsempre, conforme determina a legislação, “como partede uma alimentação saudável, auxilia em...”. As margarinasBecel, Sadia Vita e Cyclus, por exemplo, auxiliam “naprevenção de doenças cardiovasculares”. As advertênciasmais comuns, como no caso de Becel, indicam ainda: “seuconsumo deve ser associado a uma dieta equilibrada eestilo de vida saudável”. O “estilo de vida saudável”significa que um conjunto de práticas cotidianas estáenvolvido, o que inclui uma dieta equilibrada e exercícios

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físicos regulares. Oosterveer et al. (2007, p. 4) esclarecemque “o estilo de vida é construído a partir de uma série deblocos que correspondem a um conjunto de práticassociais que os indivíduos invocam em suas rotinas”.Mencionam ainda que as práticas sociais não implicamcoerência entre si.

No caso dos alimentos funcionais e dos exemploscitados, dieta e exercícios, podemos considerar que umapessoa que pratica exercícios regularmente não necessa-riamente tem uma dieta saudável e pode consumiralimentos funcionais. Noutro caso, uma pessoa pode sersedentária, não praticar nenhum tipo de atividade física,mas buscar uma dieta saudável e, para isso, consumir osfuncionais. Segundo Roberfroid (1999), um dos maisinfluentes pesquisadores europeus, os funcionais sãosimilares em aparência aos alimentos convencionais, quefazem parte de uma dieta normal, mas foram modificadospara assumirem desempenhos fisiológicos além daprovisão de nutrientes. Aí repousa a promessa de sucessodos funcionais: os consumidores geralmente queremcomprar alimentos mais saudáveis, mas ao mesmo temposão relutantes em mudar seus hábitos alimentares, mesmoquando são reconhecidamente insalubres (GRUNERT;BECH-LARSEN, 2003).

Esse é outro choque entre a revolução dos alimen-tos funcionais e a revolução da alimentação saudável.As recomendações desta última se referiam justamente amudanças nas práticas e hábitos alimentares e, maisrecentemente, a partir de meados dos anos 1990,balancear as dietas com exercícios físicos. Os alimentosfuncionais são uma resposta da indústria, bem aceita pelosconsumidores, permitindo levar uma vida mais saudávelsem mudar os hábitos alimentares. Guivant (2003), ao

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tratar de alimentos orgânicos, cita Halkier: “de modo geral,pode haver alguma preocupação dos consumidores comalertas sobre a alimentação em programas de televisão,mas a experiência logo é filtrada pela imposição do hábito”.Seguindo a mesma lógica, os alimentos funcionais podemser o meio conveniente de ser, ou sentir-se mais saudávelsem mudar hábitos, pois são em forma e aparênciasemelhantes aos alimentos convencionais.

Ao mesmo tempo em que seus conselhos saudáveisse dirigem à observação do todo, a própria natureza dosalimentos funcionais industrializados é fragmentada.A opinião de praticamente todos os especialistas é a deque, melhor do que beber leite com ômega-3, é alimentar-se, por exemplo, de peixe, uma das suas fontes naturais.O ômega-3 não está naturalmente no leite, e o que muitosdefendem é que sua eficácia, assim como a de outroselementos funcionais, ou nutracêuticos, está relacionadaao alimento integral. No peixe, o ômega-3 se encontranuma interação específica com seus sais minerais próprios.Um contra-argumento recorrente é o de que, para se terum efeito adequado, seria necessário beber dois litros deleite por dia (ANJO, 2004; LANG; HEASMAN, 2004).

Conflito nas definições

As definições de alimentos funcionais formuladaspor especialistas, e, conseqüentemente, as definiçõeslegais, são muitas e variam entre os países. A discrepâncianão está apenas dentro e entre legislações nacionais(SALGADO et al., 2006; SILVEIRA, 2006), mastambém entre peritos e governos, governos e indústria edentro da própria comunidade científica (PELAEZ, 2004).

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A legislação brasileira entende que “o alimento ouingrediente que alegar propriedades funcionais ou de saúdepode, além de funções nutricionais básicas, quando setratar de nutriente, produzir efeitos metabólicos e oufisiológicos e ou efeitos benéficos à saúde, devendo serseguro para consumo sem supervisão médica”(ANVISA, 1999a).

Como observa Anjo (2004), por pertencerem osfuncionais a um campo de pesquisa recente, hánecessidade de maior número de estudos sobre essassubstâncias a fim de se determinar seus efeitos benéficos,bem como estabelecer a quantidade tóxica e efeitoscolaterais em longo prazo. Segundo esse autor, hánecessidade de revisão das evidências científicas e atençãopara o fato de que tais alimentos não devem ser consumidoscom exagero, pois o excesso de substâncias ativas podecausar efeitos danosos. Enquanto alguns estudos mostram,por exemplo, que o consumo de soja reduz o risco dedoença coronariana e câncer, outros sugerem efeitosprejudiciais. Conforme Anjo, portanto, “o limite máximode consumo de cada alimento ainda precisa serestabelecido” (ANJO, 2004, p. 149), o que não é referidona legislação, que deixa subentendido o consumo livre:“deve ser seguro para consumo sem supervisão médica”.

Jocelem Mastrodi Salgado, presidente daSociedade Brasileira de Alimentos Funcionais (SBAF) eprofessora do Departamento de Nutrição Humana daEsalq, USP, considera clara a definição, segundo a qual“alimentos funcionais são alimentos ou ingredientes que,além das funções nutricionais básicas, produzem efeitosmetabólicos, fisiológicos ou efeitos benéficos à saúde,como redução do risco ou prevenção de determinadasdoenças” (KANASHIRO, 2005).

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A respeito dessa questão, o grupo de peritos seposiciona contra a legislação: “as alegações podem fazerreferências à manutenção geral da saúde, ao papelfisiológico dos nutrientes e não nutrientes e à redução derisco a doenças. Não são permitidas alegações de saúdeque façam referência à cura ou prevenção de doenças”(ANVISA, 1999a).

Os funcionais, não possuindo histórico de consumo,são enquadrados na categoria de novos alimentos. Paraque o produto possa ser comercializado no Brasil, énecessário que as empresas interessadas apresentemdocumentação científica comprovando sua segurança deuso e solicitem seu registro na Anvisa. A relação próximaentre o conhecimento científico e o interesse privado daempresa torna-se necessária não apenas para justificaçãosocial, mas como requisito legal.

As empresas se queixam sobre a dificuldade deapresentar os benefícios de seus produtos ao público.Enquanto os cientistas utilizam livremente a expressão“prevenção de doenças”, a legislação não permite avinculação de tal enunciado a rótulos de produtos. O focoda legislação não é a funcionalidade dos alimentos em si,mas a possibilidade de vincular alegações de propriedadesfuncionais ou de saúde aos rótulos. A legislação se baseiana relação entre alimentos e efeitos benéficos, já quepodem facilmente confundir e enganar os consumidores.

Uma leitura atenta da definição permite concluir quea posição da Anvisa (1999a) não separa a funcionalidadedo alimento da alegação de funcionalidade no rótulo, masnão a garante “o alimento ou ingrediente que alegarpropriedades funcionais ou de saúde pode produzir efeitosmetabólicos e ou fisiológicos e ou efeitos benéficos àsaúde”.

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Ao esclarecer o âmbito de aplicação, a regulamen-tação serve para “as alegações de propriedades funcionaise/ou de saúde de alimentos e ingredientes para consumohumano, veiculadas nos rótulos de produtos elaborados,embalados e comercializados prontos para a oferta aoconsumidor” (ANVISA, 1999a).

As definições possíveis são:

1. “Alegação de propriedade funcional: é aquelarelativa ao papel metabólico ou fisiológico que o nutrienteou não nutriente tem no crescimento, desenvolvimento,manutenção e outras funções normais do organismohumano”.

2. “Alegação de propriedade de saúde: é aquelaque afirma, sugere ou implica a existência de relação entreo alimento ou ingrediente com doença ou condiçãorelacionada à saúde”.

A Anvisa possui uma Comissão de AssessoramentoTécnico-Científico em Alimentos Funcionais e NovosAlimentos (CTCAF), que, entre outros atributos, éresponsável por:

a) Avaliar as comprovações científicas de com-posição e não toxicidade de novos alimentos.

b) Avaliar pedidos de registro de novos alimentos,sob o enfoque do risco à saúde do consumidor.

c) Analisar as propostas de alegação de função emrotulagem de alimentos, à luz da documentaçãocientífica apresentada.

Com essa finalidade, a Anvisa possui uma listade Alimentos com Alegações de Propriedades Funcionais

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e/ou de Saúde22 aprovadas. A Anvisa esclarece, aoapresentar as alegações de propriedades funcionaisaprovadas, que estas são alegações horizontais23 – “fazemparte de um processo contínuo e dinâmico de reavaliaçãodas alegações aprovadas com base nas evidênciascientíficas atualizadas”. Entre os princípios que norteiama CTCAF estão:

a) Não definir alimento funcional, e sim aprovaralegações para os alimentos.

b) Avaliação de eficácia científica.

c) Avaliação, caso a caso, com base em conheci-mentos científicos atuais.

d) A empresa é responsável pela comprovação dasegurança do produto e eficácia da alegação.

e) As alegações não podem fazer referência àprevenção, tratamento e cura de doenças.

A CTCAF opera de modo a conferir validade àsalegações apresentadas pelas empresas com base nasalegações aprovadas pela Anvisa. No caso de novosalimentos e alegações, a comissão deve avaliar cada umcom base em dados apresentados pela empresa, à luz deconhecimento científico atualizado.

A legislação brasileira, porém, parece estar emdesacordo com as definições mais aceitas de alimentosfuncionais ao colocar a alegação de propriedade funcionalcomo “aquela relativa ao papel metabólico ou fisiológico

22 Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/ALIMENTOS/comissoes/tecno_lista_alega.htm>. Acesso em: 9 jun. 2007.

23 A definição das alegações horizontais se aproxima muito do conceito dereflexividade discutido no capítulo anterior.

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que o nutriente ou não nutriente tem no crescimento,desenvolvimento, manutenção e outras funções normaisdo organismo humano”. Trata-se de uma definição muitopróxima da própria definição de alimento: “toda substânciaou mistura de substâncias, no estado sólido, líquido,pastoso ou qualquer outra forma adequada, desti-nadas a fornecer ao organismo humano os elementosnormais à sua formação, manutenção e desenvolvimento”(BRASIL, 1969). Por isso os estudiosos dos alimentosconsideram muito abrangente a regulação para alimentosfuncionais.

Esta é a razão do desajuste e controvérsia nadefinição de alimento funcional no Brasil, segundo opesquisador José Alfredo Arêas, do Departamento deNutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP:

A regulamentação é tão vaga e ampla que qualquer coisa,que sabidamente é boa para a nutrição, pode ser classificadacomo alimento funcional. Acredito que a regulamentaçãoseja abrangente para permitir que várias coisas sejam assim

classificadas (KANASHIRO, 2005).

A definição oficial se refere à manutenção e funçõesnormais, mas a característica específica dos funcionais,segundo as definições mais comuns, é ir “além da nutriçãobásica”, sendo esses alimentos capazes de “modularfunções” no organismo. A manutenção e funcionamentonormal do organismo são, portanto, objetos dos nutrientescomuns, e não de propriedades funcionais.

Arêas afirma que a regulamentação é abrangentepor permitir que propriedades funcionais sejam atribuídasa “qualquer coisa sabidamente boa para a nutrição”. Épreciso considerar que as definições poderiam causarconfusão entre alimento e medicamento. Antônia Aquino,gerente de produtos especiais da Anvisa, rebate as

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acusações sobre a abrangência da legislação brasileira edefende que esta é muito semelhante à do CodexAlimentarius, estando de acordo, portanto, com a OMSe FAO. A Anvisa trabalha com alegações de propriedadesfuncionais, avaliando então a relação entre um alimento,ou substância de sua composição, e uma funçãometabólica ou fisiológica para o organismo, ou ainda, arelação entre um alimento e a diminuição de risco dedeterminada doença. Sobre a crítica de que a amplitudeda regulamentação e da definição de alimentos funcionaispoderia criar expectativas excessivas a algumas correntesde pesquisa que querem apregoar o alimento como tendofinalidade de tratamento, Aquino argumenta que

[...] a legislação não utiliza esse tipo de prerrogativa para oalimento, porque um decreto lei de 1969 prevê que essa éuma prerrogativa dos medicamentos”. Só são aceitas asalegações de redução de risco de uma doença, pois a agênciaentende que as doenças são multifatoriais, e o alimento éapenas um dos fatores que contribui para uma boa saúde.“O alimento não trata, nem cura, isso é função de medi-camentos, e também não previne, porque isso é função devacina (KANASHIRO, 2005).

Porém, associações de profissionais da saúde, comoa Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e também aSBAF, incluem nos atributos dos funcionais a prevençãode doenças, diferentemente da posição da Anvisa. Nanotícia “Brasil e França discutem os alimentosfuncionais”24, de 28/10/2002, divulgada pela EmpresaBrasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), constaque os funcionais “além de possibilitarem uma nutriçãoadequada em vitaminas, minerais, fibras, carboidratos e

24 Disponível em: <http://www.embrapa.br/imprensa/noticias/2002/outubro/bn.2004-11-25.5345962595searchterm=Brasil%20e%20fran%C3%A7a%20discutem%20os%20alimentos%20funcionais>.Acesso em: 5 dez.2007.

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outros nutrientes, contribuem também para a prevençãoe o tratamento de doenças crônico-degenerativas”. Odocumento25 resultante do Encontro Franco-Brasileiro deBiociências e Biotecnologia em 27/02/2003, edisponibilizado pela Embrapa Recursos-Genéticos eBiotecnologia (Cenargen) faz referência a alimentosfuncionais e nutracêuticos (distinção inexistente nalegislação brasileira) e destaca os componentes da sojaque foram abordados em seus aspectos de prevenção etratamento dos efeitos da tensão pré-menstrual, câncer eosteoporose. Nesse caso, a atenção da Embrapa,vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária eAbastecimento, está voltada para a funcionalidade doalimento, e não para a regulamentação de rótulos. Istosugere, de qualquer forma, um descompasso em relaçãoà Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde. Apesar deser comercialmente proibida a indicação de que o alimentopossui propriedades medicinais ou terapêuticas, Anjo(2004, p.148), como profissional da saúde, fala mesmoem incorporá-los ao “arsenal terapêutico”, ou seja, detratamento.

Essas considerações se aproximam da definição demedicamento mencionada por Aquino, que é a seguinte26:“produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado,com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para finsde diagnóstico”. O regulamento para alimentos funcionais

25 Disponível em: <http://www.cenargen.embrapa.br/publica/trabalhos/bne2003/arquivos/bne40.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2007.

26 No glossário contendo conceitos sobre farmacovigilância, a Anvisaapresenta ainda este outro conceito de medicamento: substância químicautilizada para modificar a função de um organismo biológico por razõesmédicas e, que são administrados na forma de um produto farmacêutico.Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/conceito_glossario.htm>. Acesso em: 5 dez. 2007.

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é claro quanto a isso – as alegações não podem fazerreferência à prevenção, tratamento e cura de doenças.Pode ser observada também uma proximidade designificado entre os termos redução de risco da doença,prevenção e profilaxia.

Entende-se por profilaxia parte da medicina queestabelece medidas preventivas para a preservação dasaúde da população; utilização de procedimentos erecursos para prevenir e evitar doenças, tais como medidasde higiene, atividades físicas, cuidado com a alimentação,vacinação.

Por prevenção não se pode entender senão umconjunto de medidas ou preparação antecipada, de modoque se evite mal ou dano. Ou, como define a SociedadeBrasileira de Cardiologia, na apresentação de seu selosaudável, vinculado aos alimentos: “Prevenir hoje é evitarum possível distúrbio que o seu corpo possa ter com opassar do tempo”.

A legislação não permite que esses termos sejamvinculados a rótulos de alimentos. Pode-se apenas fazerreferência à redução de risco de doença, o que, dequalquer maneira, constitui divisão tênue, pois, se umalimento é comprado com a intenção de reduzir risco dedoença, passa a ser entendido como medida profiláticaou preventiva. Ou, podemos argumentar ainda quemedidas profiláticas ou preventivas são tomadas a fim dereduzir riscos de doença.

Como mostra Silveira (2006, p. 50), alguns produ-tos como alho e guaraná podem ser registrados emdiferentes categorias de alimentos e medicamentos:alimentos com alegação de propriedade funcional/alimentos funcionais de saúde; novos alimentos e/ou

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ingredientes; e medicamento fitoterápico. Porém, a Anvisaafirma que, para serem considerados alimentos, nãopodem apresentar no rótulo, ou material publicitário,indicações terapêuticas ou medicamentosas que façamalusão à prevenção, tratamento ou cura (SILVEIRA, 2006,p. 62).

Segundo Hasler (2000), nos Estados Unidos, agrande quantidade de informação desencadeada com trêsdas grandes mudanças na legislação, a saber, NutritionLabeling and Education Act (1990), DietarySupplement Health and Education Act (1994) e Foodand Drug Administration (FDA) Modernization Act(1997), durante os anos 90, ajudou a tornar mais difusa afronteira entre alimentos, drogas e suplementos dietéticos.Os professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), Luiz Eduardo Carvalho e Mirian Ribeiro LeiteMoura, mostram que o mesmo aconteceu no Brasil econsideram frustradas as tentativas da legislação brasileirade normatizar os alimentos “para fins especiais” ecomplementos alimentares durante a década de 1990.

Para os denominados nutracêuticos (nome freqüen-temente equivalente a/ou confundido com alimentosfuncionais), uma norma teria pelo menos dois objetivos:

De um lado, assegurar a identidade e a qualidade do produto.De outro lado, assegurar uma rotulagem que não induza oconsumidor a erros. O Ministério da Saúde continuouestabelecendo e revisando inúmeras normas, nesse campo,desde a primeira, de 1995. E nota-se, ao longo dessastentativas, um nítido processo de transição, com a autoridadesanitária abandonando a intenção de estabelecer padrõesde identidade e qualidade, e procurando, ao menos, erestritivamente, cuidar dos aspectos de rotulagem einformação aos consumidores (LABORATÓRIO DE

CONSUMO, VIDA URBANA E SAÚDE, 2007).

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Hasler (2000, p. 502) apresenta os conceitospropostos pelo Federal Food, Drug, and Cosmetic Actde alimento e remédio, respectivamente, como “artigosusados principalmente para sabor, aroma ou valor nutritivo”e “artigos para uso no diagnóstico, cura, mitigação,tratamento ou prevenção de doenças”. Porém, com oNLEA em 1990, passaram a ser permitidas, em rótulosde alimentos, as relações entre substâncias alimentares edoenças ou condição de saúde, as chamadas healthclaims (alegações de saúde), tornando muito estreita adivisão entre alimento e medicamento. Em um documentosobre rotulagem de maio de 199927, a FDA indica quealegações de saúde podem ser formuladas, por exemplo,por meio de referências a terceiros (third-party referencescomo o National Cancer Institute), declarações(statements), símbolos (como um coração), ilustraçõesornamentais (vignettes) ou descrições. Algumas relaçõespermitidas são cálcio e osteoporose, gordura e câncer,gordura saturada, colesterol e doença coronariana e sódioe hipertensão.

As garantias da ciência sólida, porém, são minadaspela revisão contínua do conhecimento. O que, há algunsanos, era visto como certo, por recomendação oficial, eaprovado na legislação perde a garantia do valor saudável.Dietas possivelmente modificadas em busca de saúdepodem perder a credibilidade em um período de poucosanos sob observação científica. No Brasil, após cinco anosde trabalho da CTCAF, a Anvisa

[...] num processo contínuo e dinâmico, reavaliou osprodutos com alegações de propriedades funcionais e ou desaúde aprovados desde o ano de 1999. Utilizou como base

27 Disponível em: <http://www.fda.gov/opacom/backgrounders/foodlabel/newlabel.html>. Acesso em: 12 jun. 2007.

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os conhecimentos científicos atualizados, bem como relatose pesquisas que demonstram as dificuldades encontradaspelos consumidores em entender o verdadeiro significadoda característica anunciada para determinados produtoscontendo alegações (ANVISA, 2007).

A partir dessa revisão, alguns produtos deixaramde ter alegações e outros passaram por uma modificação.Em resumo, oito alegações perderam sua validade em umperíodo de cinco anos:

Assim sendo, as alegações, anteriormente aprovadas,relacionadas à cafeína, ao sorbitol, ao xilitol, ao manitol, aoestearato de sódio, ao bicarbonato de sódio, ao ômega 6,aos ácidos graxos monoinsaturados e poliinsaturados (emóleos vegetais), e ao composto líquido pronto para consumo,

não serão mais permitidas (ANVISA, 2007).

Apesar de serem oficiais, apenas as alegaçõesbaseadas em consenso científico sólido ou aceitaçãocientífica significativa (HASLER, 2000; HEASMAN;MELLENTIN, 2001; ANVISA, 1999a) são alegaçõeshorizontais, fazem parte de um processo contínuo edinâmico de reavaliação com base nas evidênciascientíficas atualizadas, ou seja, o que é certo é que elas“podem” estar erradas. Essa incerteza é gerida no mesmoprocesso que avalia e certifica. A palavra que indica essaindeterminação é “pode”, que já notamos anteriormenteno regulamento brasileiro: “o alimento ou ingrediente quealegar propriedades funcionais ou de saúde podeproduzir...” (itálicos do autor). Nos Estados Unidos, aFDA se posiciona de forma semelhante no documentodiscutido: “alegações de saúde não podem declarar o graude redução de risco e podem apenas usar “pode”28 nadiscussão da relação do nutriente ou alimento com a

28 No original: can only use “may” or “might”.

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doença”. Além disso, deve ficar claro que outros fatorespodem ter um papel representativo quanto à doença. Odestaque da palavra “pode” é principalmente uma formade evitar alegações exageradas e de que o consumidorseja enganado. No entanto, isto não é suficiente paraobscurecer, mesmo na legislação, os reflexos do aspectoincerto e inconclusivo da ciência e do caráter negociáveldo conhecimento na comunidade científica – interna eexternamente a esta (LOWE, 1992; HANNIGAN, 1995;GUIVANT 1998, 2000; PELLIZONI, 2003).

Vejamos alguns exemplos:

1) Em pesquisa divulgada por Science Daily, emmaio de 2007, são apresentados novos indícios dos efeitossaudáveis contraditórios dos bioflavonóides (componentesnaturais de frutas e vegetais). Os bioflavonóides são tidoscomo a fonte natural mais abundante de antioxidantes nadieta e são ordinariamente considerados bastantebenéficos na proteção contra doenças do coração, câncere outros problemas de saúde. Este estudo mostra, porém,que três classes principais de bioflavonóides interferemnas células de modo a prejudicar o DNA, com potenciaisefeitos adversos à saúde. A ingestão em altos níveis entremulheres grávidas está ligada a formas raras de leucemiainfantil.

2) Na Folha de São Paulo:

O alto consumo de vitamina D e de cálcio pode diminuir aschances de ter os tipos mais agressivos de câncer de mamaantes da menopausa, de acordo com um novo estudo daHarvard Medical School. A associação foi percebidaespecialmente nas formas mais malignas de tumores.Participaram da pesquisa 31.487 mulheres (VITAMINA...,

2007).

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O International Journal of Cancer, apenas doisdias antes29, publicou artigo contendo os seguintes dados:para os homens, o alto nível de cálcio pode aumentar orisco de câncer de próstata. O estudo que mostrou a forteassociação entre cálcio e câncer de próstata foi realizadocom dados completos de 27.028 homens ao longo de 17anos.

Quanto a essas observações, é importante lembrarque o cálcio é indicado pela FDA contra osteoporose.Diante disso, percebe-se que a alegação de saúde quantoà ingestão de maiores níveis de cálcio é hoje ambivalente:tanto pode ser benéfica quanto pode produzir efeitosadversos.

3) No British Medical Journal, peritos em saúdepública do Dutch National Institute for Public Healthand the Environment (RIVM) afirmaram que alimentosque supostamente melhoram a saúde e bem-estar deveriamser objetos de pesquisas que resultassem em confirmaçõesmais sérias e monitoração mais próxima, porque não sesabe o suficiente sobre sua efetividade e segurança emlongo prazo. No Reino Unido, em apenas quatro meses,duzentos produtos foram lançados. Os peritos destacamo vazio que existe entre a avaliação da segurança dessesalimentos antes que cheguem aos supermercados e a faltade regulação sobre problemas que podem surgir depoisdo lançamento e argumentam que

há pouco entendimento das circunstâncias em que osalimentos são consumidos, se públicos alvos são alcançadose se programas educacionais ou políticas públicas

29 INTERNATIONAL JOURNAL OF CANCER. High calcium levels mayraise prostate cancer risk. Disponível em: <http://www.reuters.com/article/healthNews/idUSKRA57460720070605?feedType=RSS>. Acessoem: 13 jun. 2007.

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direcionados deveriam ser recomendados. Muito pouco sesabe sobre exposição, segurança em livres condições de usoe se e como os alimentos funcionais interferem em drogasdesignadas para o mesmo objetivo (NUTRAINGREDIENTS,2007).

Apesar de não haver evidências de que essesalimentos podem causar males, deve-se notar que osdados são limitados a cinco ou seis anos de uso. Oscientistas têm se concentrado nas alegações de fitoesteróise consideram que com consumo diário realmente elespodem reduzir os níveis totais de colesterol, representandouma significativa redução de risco de doença cardiovas-cular. Observaram, todavia, que os níveis dessas subs-tâncias no sangue aumentaram significativamente, e nãose sabe se o aumento dessa concentração pode causarefeitos adversos.

Para eles, um programa sistemático de monito-ramento significaria que as pessoas poderiam ter acessoa informações práticas e imparciais sobre se devem comer,quando e como comer alimentos funcionais. E concluem:“Precisamos investir mais para saber no que os alimentosfuncionais podem contribuir à saúde pública e individualem relação às promessas feitas pelos produtores”.

4) Além dos exemplos citados anteriormente dealegações não mais permitidas pela Anvisa, há uma,atualmente aceita, porém, cuja validade já está sobsuspeita. Ao licopeno é permitido atribuir-se a seguintealegação: “O licopeno tem ação antioxidante que protegeas células contra os radicais livres. Seu consumo deveestar associado a uma dieta equilibrada e hábitos de vidasaudáveis”.

Em pesquisa publicada pela American Associationfor Cancer Research, a relação entre o licopeno do

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“tomate mágico” e o câncer de próstata foi quebrada30.De acordo com a pesquisa, o licopeno, predominante-mente encontrado em tomates, não combate efetivamenteo câncer de próstata. Na verdade, os pesquisadoresperceberam uma associação entre betacaroteno, umantioxidante relacionado ao licopeno, e um riscoaumentado de câncer de próstata agressivo.

Segundo a American Association for CancerResearch (2007), esta é uma das maiores avaliações sobreo assunto, com dados de 28.000 homens.

Isto é frustrante, já que o licopeno poderia oferecer ummeio simples e barato de reduzir o risco de câncer de próstatapara homens preocupados com esta doença comum.Infelizmente, esta resposta fácil simplesmente não funciona(AMERICAN ASSOCIATION FOR CANCER

RESEARCH, 2007).

Estudos anteriores sugeriam que uma dieta rica emlicopeno protegia contra câncer de próstata, estimulandointeresse público e comercial. As descobertas têmimpulsionado o mercado do licopeno, com previsões decrescimento para mais de 100 %. Nos últimos 12 meses,pesquisadores indianos têm informado que o licopenopoderia proteger contra câncer de próstata, confirmandoas evidências epidemiológicas anteriores. De acordo comPeters, estudos subseqüentes têm sido contraditórios einconclusivos: “Consistentes com outras publicaçõesrecentes, estes resultados sugerem que o licopeno, ouregimes baseados em tomate, não são efetivos naprevenção do câncer de próstata”. Pelo menos porenquanto, as novas constatações vão ainda contra amaioria das pesquisas publicadas.

30 A pesquisa foi publicada também em Cancer Epidemiology Biomarkers& Prevention, San Diego, v. 16, p. 962-968, may 2007.

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Em novembro de 2005, a FDA determinou que aotomate e a produtos derivados pudessem ser atribuídasalegações de saúde pesadamente qualificadas em seusrótulos sobre sua capacidade de reduzir risco de câncerde próstata, gástrico, pancreático e no ovário. Elasestariam, no entanto, reduzidas a termos muito negativos:improvável, altamente incerto e altamente improvável.

5) Há outros conflitos como sobre a cafeína, cujaalegação, conforme estabelecido anteriormente, não é maispermitida pela Anvisa. O The New York Times31, de 5 dejunho de 2007, publicou uma reportagem com referênciaa pesquisas que sustentavam que a ingestão de altos níveisde cafeína, durante a gravidez, aumentavaconsideravelmente o risco de aborto.

No Washington Post32, de 6 de junho de 2007,foi divulgado um estudo da Journal of the AmericanMedical Association, segundo o qual o ácido fólico nãoprevine tumores no cólon. Altas doses de ácido fólico nãoprevinem tumores pré-cancerosos em pessoas comtendência. Na verdade, uma vez iniciado o câncer, o ácidofólico pode alimentar seu desenvolvimento. Esta éconsiderada mais uma evidência de que ingerir vitaminasdemais pode ser maléfico. Novas pesquisas associaramo alto consumo de vitamina ao câncer de próstata fatal emostraram que pílulas de betacaroteno podem aumentaro risco de câncer de pulmão em fumantes. Os cientistas

31 O’CONNOR, A. Caffeine can increase the risk of miscarriage. The NewYork Times , New York, 5 jun. 2007. Disponível em: <http://w w w . n y t i m e s . c o m / 2 0 0 7 / 0 6 / 0 5 / h e a l t h / 0 5 r e a l . h t m l ? _r=1&ref=health&oref=slogin>. Acesso em: 5 jun. 2007.

32 FOLIC acid doesn’t prevent polyps. Washington Post, Washington,5 jun. 2007. Disponível em: <http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2007/06/05/AR2007060501071.html>. Acesso em:5 jun. 2007.

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têm se surpreendido com estudos como estes, pois osanteriores mostravam que dietas com pouco ácido fólicolevavam a maior risco de câncer no cólon.

Em maio de 2007, pesquisadores afirmaram, noAmerican Journal of Clinical Nutrition, que, embora aconexão entre fibras e câncer colorretal tenha despertado,por muito tempo, a atenção de pesquisas médicas e dopúblico, um grande e recente estudo não confirma talligação. As descobertas do estudo levam a recomendarmaior consumo de cereais e grãos não-processados e quese evite alimentos com amido refinado para reduzir o riscodo câncer.

6) Um caso notável sobre alegação de saúde emrótulo envolveu a Quaker Oats Company e o Centerfor Science in the Public Interest (CSPI), entre 2006 e2007, nos Estados Unidos. O CSPI ameaçou processara Quaker, caso a empresa não retirasse as alegaçõesexageradas de seus produtos. A empresa cedeu e modificouseus rótulos, evitando o processo judicial. A farinha deaveia não será mais apresentada ao consumidor comoum alimento integral “único” que “ativamente encontra” ocolesterol e remove-o do corpo e não apresentará tambémo gráfico que exagerava seu poder de redução docolesterol.

O CSPI concorda que o produto é um alimentosaudável, mas “isto não é suficiente para dar aos consumi-dores a impressão de que o colesterol será milagrosa-mente removido das artérias ou exagerar de outro modoseus benefícios”.

O rótulo de Quaker, que era intitulado “o caçadorde colesterol”, afirmava que a aveia não era apenas umalimento livre de colesterol, mas que esse tipo de alimentoentra, absorve o excesso de colesterol e o remove do seu

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corpo. Para o consumidor, bastaria “sentar e gozar deuma saborosa tigela de aveia enquanto ela faz seutrabalho”. A fibra solúvel contida no cereal “ativamenteencontra o excesso de colesterol, que pode bloquear asartérias causando doença cardíaca e o ataca. Como suacorrente sanguínea não pode absorver o colesterol, ele éremovido de seu corpo”. O benefício não é representadoapenas pelo símbolo saudável de um pequeno coração.Ele é ainda posto clara e objetivamente em um gráfico deredução significativa de colesterol em apenas quatrosemanas. Se restasse dúvida, o consumidor poderia aindatelefonar ou visitar o site da própria Quaker para obtercomprovação.

As novas embalagens conterão “como parte de umadieta saudável, a fibra solúvel na farinha de aveia ajuda aremover o colesterol” e “três gramas diários de fibra solúvelda farinha podem ajudar a reduzir risco de doença cardíacacomo parte de uma dieta saudável ao coração”. Asmudanças, consideradas “modestas, mas verdadeiras”pelo CSPI, serão efetuadas em produtos como “OldFashioned Oats, Instant Oatmeal, Oatmeal Squarescereal, Oatmeal To Go bars, Take Heart, and SunCountry Quick Oats”.

Os alimentos funcionais geralmente se encontramem uma situação ambígua entre alimento e remédio. Nocaso apresentado, o estatuto de Quaker parece tersuperado tal condição, indo além do remédio. É umremédio inteligente, que “caça”, persegue o colesterolprejudicial. Trata-se de um exemplo de como a publicidadeagressiva em um mercado tão competitivo pode extrapolaros limites das alegações. Torna-se claro que o produtonão é, em si, um “caçador de colesterol”, mas seu rótuloum potencial “caçador de consumidores”.

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O CSPI envolveu-se também no caso de Enviga,produto da parceria entre Coca-Cola e Nestlé. A Coca-Cola anunciou, no ano passado, que lançaria uma bebidaà base de chá que ajudaria a queimar calorias:

Em uma tentativa de eliminar todas as dúvidas sobre osefeitos do produto, a empresa apresentou os resultadosdos estudos elaborados pelo centro de pesquisa da Nestléem Lausanne (Suíça), junto com a universidade desta cidade,nos quais se afirma que a bebida realmente queima calorias.

Concretamente, a companhia afirma que o consumo de trêslatas de Enviga (300 ml) faria com que um indivíduo normal,sem sobrepeso, queimasse entre 60 e 100 calorias (COCA-

COLA..., 2006).

Na época, o The Wall Street Journal assegurouque os estudos da Coca-Cola se concentraram empessoas jovens que, basicamente, não precisam perderpeso, não sendo realizado um estudo com pessoas acimado peso normal. A questão reside na validade, ou seja, narelação custo/benefício de se ingerir três latas para queimarentre 60 e 100 calorias, que geralmente se perdemcaminhando por 15 minutos. Um nutricionista declarouao jornal que é tão fácil eliminar 100 calorias da dieta deuma pessoa que não vale a pena o esforço e a despesadas três latas.

O CSPI anunciou seu processo contra a Coca-Colae a Nestlé no dia 1º/2/2007, por alegações fraudulentasno marketing e no rótulo de Enviga, apresentado como“queimador de calorias” e comercializado como uma ajudaà perda de peso com alegações de que possui “caloriasnegativas” e pode “evitar que surjam as calorias extras”.O CSPI afirma ainda que, no site, Enviga33 é apresentadocomo uma escolha “muito mais inteligente que seguir modas

33 Disponível em: <www.enviga.com>. Acesso em: 14 jun. 2007.

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passageiras, soluções rápidas e dietas danosas”. Oscientistas da CSPI que revisaram os estudos da Coca-Cola e Nestlé argumentaram que Enviga é “exatamenteo tipo de dieta passageira e impostora que alega não ser”.

O conhecimento científico é claramente o centrodo argumento; é um instrumento utilizado por ambas aspartes para atacar e defender, como neste trecho doprocesso (da parte do CSPI):

Todos estes estudos foram feitos sob as condições artificiaisde um laboratório onde as dietas dos sujeitos da experiênciaeram estritamente controladas. Não há evidências queconsumidores vivendo livremente no mundo real quegastaram mais calorias devido ao EGCG e/ou cafeína nãocompensariam essas calorias simplesmente ingerindo umpequeno bocado extra de comida (CENTER FOR SCIENCE

IN THE PUBLIC INTEREST, 2007a).

O CSPI alega que “esta campanha de marketingenganadora precisa ser combatida desde a origem antesque milhões de americanos sejam explorados. Envigaqueima mais dinheiro do que calorias”.

É irônico que a Coca-Cola, uma companhia quetem sido considerada uma das grandes responsáveis peloganho de peso, esteja agora querendo salvar as pessoasdo sobrepeso. Não se trata de um caso isolado. Váriosgrandes nomes, como o McDonald’s, e mais recentementea Kellogg’s e a KFC, têm tido a necessidade de reformularseus produtos diante das novas expectativas dos consu-midores.

As revoluções dos alimentos funcionais e daalimentação saudável assinalam e condenam os vilões, masestes possuem, ao mesmo tempo, a chance de se tornaremheróis, os promotores da saúde. Essas companhias têmsido capazes de oferecer a continuidade dos hábitos e do

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prazer de seus produtos, mas eliminando ao máximo osmalefícios. A própria Coca-Cola nos esclarece com oexemplo da Coca-Cola Zero, sua “autoconcorrente”, umaalternativa a si mesma:

A Coca-Cola Zero é a nova marca do portfólio Coca-Cola,posicionada para atender um público jovem, que nãoquer abrir mão do sabor único de Coca-Cola, mas buscauma alternativa sem açúcar. Coca-Cola Zero proporciona osabor inigualável de Coca-Cola (COCA-COLA BRASIL,

2007).

Os ataques do CSPI não se dirigem apenas àindústria. Dirigem-se também à comunidade política, quecria o regulamento, mais especificamente à FDA , comonos comentários apresentados por seu diretor executivoMichael F. Jacobson por ocasião dos atritos com a Quakere Coca-Cola/Nestlé.

Claro que a Food and Drug Administration deveria policiarrótulos de alimentos, mas a agência é tão disfuncional epossui um grupo tão reduzido que os oficiais não agem nemquando uma acusação cuidadosamente empacotada é levadaa eles com um laço em volta e um arco em cima (CENTERFOR SCIENCE IN THE PUBLIC INTEREST, 2007b).

Se a Food and Drug Administration fosse digna de crédito,as maiores corporações como a Coca-Cola e a Nestlé nãotentariam levar os consumidores assim com um rodo. Imagine– duas das companhias em parte responsáveis por engordara América estão agora querendo nos persuadir a pagá-losquatro dólares por dia para emagrecer (CENTER FOR

SCIENCE IN THE PUBLIC INTEREST, 2007c).

No Brasil, outra questão abordada é a de que, antesde haver qualquer definição sobre alimentos funcionais,os produtos e propagandas sobre eles já circulavam, comoafirma Luiz Eduardo de Carvalho, professor do curso deFarmácia, vinculado ao Laboratório de Vida Urbana,Consumo e Saúde da UFRJ:

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A normatização veio depois. Não veio para categorizar,limitar, orientar. A legislação veio para legitimar, viabilizar eformalizar uma situação pré-dada”, questiona elecomplementando: “muitos ganham com essa situação, eoutros, os consumidores, alimentam seus sonhos e fantasiascom isso como, por exemplo, saber o que se pode comer

para deixar de ser careca (KANASHIRO, 2005).

Carvalho critica a mídia por apresentar a questãosem uma visão crítica. Suas observações se direcionamtambém ao regulamento da Anvisa, em mais uma crítica àabrangência excessiva dos conceitos:

Falam em melancias e licopenos, mas isso sempre existiu.Todo alimento pode ser considerado funcional. Na verdade,o que se faz é uma propaganda subliminar que terminaabrindo as portas para a liberação de fórmulas industrializa-das, com rótulo, propaganda e preço de remédio, lograndoregistro para tudo, sem ter que provar nenhuma daspropriedades terapêuticas e farmacológicas anunciadas,prometidas e cobradas. Em suma: registra-se fácil e barato,como comida, mas vende-se como remédio (KANASHIRO,

2005).

Essas considerações nos conduzem a uma discussãomais específica sobre a governança, isto é, sobre osprocessos diretamente relacionados às decisões.

.QGovernança, regulação e riscos

uando nos referimos à governança, tratamos dos“processos de tomada de decisão e implementação,incluindo a maneira em que as organizações envolvidas serelacionam entre si” (VAN KERSBERGEN; VANWAARDEN, 2004). Esses processos se dão em torno

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da percepção dos riscos, possibilidades de ocorrênciade eventos inesperados ou efeitos adversos; probabili-dades de insucesso, de fracasso de determinada iniciativa,em função de acontecimento eventual, incerto, cujaocorrência não depende exclusivamente da vontade dosinteressados. A governança diz respeito à negociação dasmedidas tomadas a fim de evitar riscos percebidossocialmente, envolvendo diferentes grupos de interesse.A regulação, como tentativa de controlar os riscos, resultado processo de governança. Seu produto é o regulamento,que pressupõe uma mínima concordância para as medidasserem tomadas, mesmo que provisoriamente, pois estãoem constante negociação, a fim de estabelecer ordem. Oregulamento é, pois, um instrumento normativo gerado pelacomunidade política, para reger as ações sociais,procurando reduzir riscos tanto quanto possível.

Nas últimas décadas, desestabilizaram-se mecanis-mos tradicionais de governança e houve um conseqüenteavanço de novos arranjos de governança. Isto se deu nasesferas privada, semiprivada e pública, envolvendo níveislocais, regionais, nacionais, transnacionais e globais.

Na introdução do primeiro volume de Regulationand Governance, os editores, voltados à Ciência Política,discorrem sobre a mudança do interesse em estudar osgovernos para entender a governança (BRAITHWAITEet al., 2007). Segundo eles, governos e governança estãorelacionados a prover, distribuir e regular. A regulação,por sua vez, é o aspecto da governança, que trata deguiar o comportamento e o fluir dos eventos diante daprovisão e distribuição.

Van Kersbergen e Van Waarden (2004) fazem umarevisão dos conceitos de governança em diversas

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literaturas. O tópico é apreciado por pesquisadores devárias áreas, não havendo consenso sobre que tipos defenômenos podem ser adequadamente agrupados sob otítulo de “governança”. Transitando pelos diferentesconceitos, tomaremos os aspectos relevantes para tentaresclarecer a situação exposta no capítulo anterior sobre aconstrução do conceito e imagem dos alimentos funcionaise suas alegações.

Nessa tarefa, é útil relacionar governança a“sistemas de regulamento, como atividades intencionaisde uma coletividade, que sustentam mecanismosdesignados para assegurar sua prosperidade, coerência,segurança, estabilidade e continuação” (VANKERSBERGEN; VAN WAARDEN, 2004).

Quanto à relação governo-governança, para torná-la mais clara: governança é uma categoria mais abrangenteque governo, por exemplo, as sociedades produzem umavariedade de instituições para governar transaçõeseconômicas, ajudar a reduzir seus custos e assim aumentara probabilidade de sua ocorrência. Os governos são,porém, apenas uma fonte dessas instituições (contam-seainda: contratos, hierarquias do setor privado, associaçõesvoluntárias e comunidades). Algumas linhas da sociologiaeconômica e política enfatizam que mercados não sãoordens sociais espontâneas, mas têm que ser criados emantidos por instituições. Estas provêem, monitoram eimpõem as regras do jogo, que, entre outras coisas,garantem contratos, protegem a competição, reduzemriscos e incertezas.

Há várias tendências relativas à governança pormeio de redes, entre as quais destacamos a que envolve amistura de organizações públicas e privadas. As redes são

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conceituadas como formas pluricêntricas de governançaem contraste com formas multicêntricas (mercado) eunicêntricas ou hierárquicas (Estado, hierarquia deempresas). Elas são consideradas como auto-organizadase resistentes ao comando do governo, desenvolvem suaspróprias políticas e moldam seus ambientes. São tambémcaracterizadas por um intercâmbio de recursos enegociações e por interações com caráter de jogo,enraizadas e reguladas por regras negociadas e aceitaspelos participantes da rede. As relações em rede reduzemo risco de oportunismo por meio de dois mecanismos: aextensão da “sombra do futuro” e a maior visibilidade dastransações. Assim, as redes como disposiçõesinstitucionais informais podem ajudar a superar problemasde ação coletiva.

Os atores políticos consideram, pois, a resoluçãode problemas a essência da política, e o ambiente deformulação de políticas é definido pela existência desubsistemas sociais organizados. Neste âmbito, “o Estadoé verticalmente e horizontalmente segmentado e seu papelmuda de uma posição ‘autoritária, de cima’ para o de‘ativador’” (VAN KERSBERGEN; VAN WAARDEN,2004). Isto significa que são colocados em conjunto oEstado, os atores sociais e círculos construídos em tornode assuntos específicos. Nesses padrões de interação, osatores estatais e organizações interessadas estãoenvolvidos em negociações multilaterais sobre a alocaçãode valores funcionais específicos. Nesse tipo de rede, queenvolve interesse público e privado, assume-se que osatores têm interesse próprio, mas também interesse emcomportar-se amigavelmente na comunidade.

Afirmar que as abordagens de governança em redesão pluricêntricas significa também que as redes organizam

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relações entre atores relativamente autônomos, masinterdependentes. Nelas, a hierarquia, ou liderançamonocrática, não é de suma importância, e o governoformal, embora importante, é apenas um dos atoresenvolvidos.

Nessas formas de governança, verticalmente, hámovimentos para cima, ou seja, do Estado-nação parainstituições internacionais com característicassupranacionais como União Européia, OMC, NAFTA eCodex Alimentarius. Questiona-se a capacidade doEstado-nação para estabelecer e desenvolver políticasnesse contexto.

Ainda verticalmente, numa escala simbólica dehierarquia entre instituições de todo o tipo, há mudançapara baixo, isto é, dos níveis nacional e internacional parasubnacional e regional. Essa disposição, em parte, estárelacionada à internacionalização, pois instituiçõesinternacionais se baseiam em agências locais paraimplementar suas regulações, assim fortalecendo-as.

O Codex Alimentarius é um exemplo claro dessamudança. Ou seja, sua concepção e elaboração seconstituem em uma coletânea de padrões, códigos deprática, diretrizes e recomendações. Alguns desses textoslidam com exigências detalhadas em relação a um alimentoou grupo de alimentos; outros com a operação e adminis-tração dos processos de produção ou a operação dossistemas regulatórios do governo para segurança alimentare proteção do consumidor.

Sua origem remonta ao rápido crescimento daciência e tecnologia de alimentos na década de 1940 e ointeresse em microbiologia e química alimentar. Houve,desde então, maior circulação de informações e o público

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passou a dar mais atenção ao assunto. Anteriormente, aspreocupações dos consumidores dirigiam-se apenas aoque era visível, conteúdo abaixo do peso, variações detamanho, rotulagem enganosa e má qualidade. Agoraincluíam o medo dos invisíveis, característico da sociedadede risco descrita por Beck (2002), isto é, riscos para asaúde, que não podem ser vistos, sentidos, ou experimen-tados, tais como microorganismos, resíduos de pesticidas,contaminantes ambientais e aditivos alimentares.

Em 1953, a Assembléia Mundial da Saúde (corpoda OMS) criou um comitê perito para aditivos alimentares.Enquanto FAO e OMS promoviam seu envolvimento comalimentos, ONGs internacionais começaram a trabalharcom padronização de alimentos. Os comitês das ONGsacabavam trabalhando conjuntamente com comitês doCodex ou até mesmo tornavam-se parte dele. O CodexAlimentarius atuava inicialmente na Europa (com suasorigens em regulamentações ainda do império austro-húngaro), no início dos anos 60. Com a crescenteinterdependência no mercado, decidiu-se que o Codexdeveria ser mais abrangente, propondo-se umapadronização mundial. A comissão do Codex foi entãocriada em 1961 (FAO, 2005). Vinculado às NaçõesUnidas através da FAO e OMS, o Codex possui caráterglobal de suficiente legitimidade, sendo implementado porgovernos nacionais e tendo alcance regional e local, ouseja, “de cima”. Porém, devemos esclarecer, suasrecomendações não são obrigatórias, mas se constituemem sugestões a serem discutidas e aceitas pelos paísesmembros. A fim de facilitar o contato com países membros,a Comissão, em colaboração com governos nacionais,estabeleceu os pontos de contato do Codex com o país,e muitos países membros têm Comitês Nacionais doCodex para coordenar atividades nacionalmente.

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No Brasil, o comitê é vinculado ao Instituto Nacional deMetrologia, Normalização e Qualidade Industrial(Inmetro), à Anvisa e a entidades de defesa do consumidor.

Em 2005, a comissão do Codex era constituídapor 171 países membros, representando 98 % dapopulação mundial. As delegações nacionais são lideradaspor representantes oficiais indicados por seus governos.As delegações podem e geralmente incluem representantesda indústria, organizações de consumidores e institutosacadêmicos. Nessa rede está em jogo o poder econômicoe político dos consumidores e da indústria e o podersimbólico-científico de institutos acadêmicos e associaçõesprofissionais.

A atuação do Codex envolve assuntos tais como:

• Inspeção e certificação de exportação e importa-ção de alimentos.

• Estabelecimento e aplicação de critériosmicrobiológicos para alimentos.

• Condução de avaliação de risco microbiológico.

• Análise de risco de alimentos derivados da biotec-nologia.

Um exemplo para legitimação e credibilidade “apartir de cima” foi apresentado no capítulo anterior, quandoAntônia Aquino, gerente de produtos especiais da Anvisarebateu as acusações sobre a ineficácia da legislaçãobrasileira, argumentando que esta é “muito semelhante aoCodex Alimentarius, estando de acordo, portanto, coma OMS e FAO”. A ordem do mundial (Codex) para onacional (Anvisa) basta e legitima-se por si só. Problemasda legislação nacional podem ser justificados por estarem

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de acordo com o Codex, assim evitando, ou reduzindo, acredibilidade de julgamentos contrários. O nacional buscalegitimidade transnacional. Por sua vez, o Codex sefortalece, à proporção que mais países adotamvoluntariamente suas medidas.

Horizontalmente, no setor público, há mudança dagovernança do Executivo e Legislativo para o Judiciário.Considera-se essa disposição parte de uma tendência dacrescente juridificação das relações sociais. Isto significaque as relações informais tornam-se cada vez maisformalizadas (VAN KERSBERGEN; VAN WAARDEN,2004). As cortes estariam assumindo um papel mais ativona interpretação da lei, resultando também em suaformulação, muitas vezes forçadas a isso por umapopulação cada vez mais litigiosa. Assim, os juízes e cortesestão de forma progressiva ocupando os lugares depolíticos e administradores e tomando decisões políticas,mesmo relutantes. Como exemplo, temos as açõesmovidas pelo CSPI contra grandes companhias comoCoca-Cola e Nestlé, em que o Judiciário deverá decidir,baseando-se não só na interpretação da lei, mas dos dadoscientíficos, e o modo em que foram utilizados e manipula-dos pelos grupos em questão. No outro caso, a Quakeraceitou modificar seus rótulos diante da ameaça doprocesso, o que também evidencia o poder do Judiciário.

Outra mudança horizontal pode ser verificada dagovernança e organizações públicas para semipúblicas. Aformulação das políticas, a implementação, a imposição eo controle se tornam funções separadas e diferenciadas.Por razões de eficiência em situações complexas eprudência política, ou credibilidade, algumas dessassubtarefas têm sido delegadas a organizações semipú-blicas, mais autônomas, tais como as agências que regulam

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setores privatizados como telecomunicações, energia emídia. Este fenômeno está relacionado a mudançashorizontais mais abrangentes no domínio público, para alémdos três ramos do governo, e podem ser verificadas deparlamentos para agências estatais semi-autônomas(Anvisa), de comando e controle para administração dainformação.

As decisões de governança são cada vez maisdeterminadas em redes complexas, que englobam atoressupranacionais, nacionais e subnacionais; públicos,semipúblicos e privados. Em redes mais complexas, asabordagens tradicionais de comando, controle e imposiçãosão menos eficientes. Novas formas substituem-nas, comonegociações, acordos e administração ou manipulação dainformação em redes – por exemplo, a comparação entreas melhores práticas.

Essas mudanças na governança podem revelar,conseqüentemente, uma efetividade de instrumentostradicionais de controle do poder menor. Torna-se maisdifícil responsabilizar os atores por suas ações. Surgemquestões sobre a legitimidade dos novos atores e arranjosde governança. O público confia nos tribunais, companhiasprivadas, agências regulatórias independentes e redes deperitos? Como se relaciona o controle institucional com aconfiança?

Observar como redes informais de intermediaçãode interesse e comitês anônimos de peritos poderiam sersubstitutos satisfatórios para a responsabilidade(accountability) democrática de representantes, cujosmandatos são derivados direta ou indiretamente deeleições baseadas na igualdade formal dos cidadãos, nãoé tarefa fácil. Este seria um problema de “governar sem

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governo”: o déficit de responsabilidade, ou seja, o fato deque a maioria das coletividades, no espaço globalizado,não é culpável (responsabilizável) por suas ações.

O crescimento de decisões políticas fundamentadasem conhecimento faz com que muitos participantes dagovernança em rede precisem estar abastecidos deconhecimento especializado ou fontes de informação econhecimento. Muitos se especializam na produção deconhecimento, como departamentos e agênciasgovernamentais, universidades, consultores e “os quereclamam” (por exemplo, CSPI). Sua produção deconhecimento envolve, entre outras coisas, comparaçãoe avaliação de políticas, análise de custo-benefício, testesde desempenho e competição a respeito de padrões. Istose sustenta nas arenas de decisões políticas, incluindo amídia, e confronta os que fazem as políticas com suasconseqüências, as conseqüências das políticas passadase a perspectiva das futuras.

A maior complexidade do Estado moderno, com a proli-feração de agências reguladoras e executivas em diversospaíses levando ao fenômeno da “agencificação”, traz novosdesafios à democracia, ao criar domínios controlados porburocracias técnicas com pouca ou nenhuma responsabili-zação pública (PÓ; ABRUCIO, 2006).

Essas novas formas de tecnocracia geram problemasde responsabilização (accountability), pois não fica claroquem possui “poder contra-perito” suficiente para controlaros peritos. Independência pode ser crucial para aobjetividade da informação e neutralidade dos provedores,mas quão independentes são os departamentos e agênciasgovernamentais?

Vejamos, na Tabela 4, a comissão tecnocientíficada Anvisa, criada em 1999.

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De acordo com o currículo dos membros34,observamos que, dos 9, todos possuem formação comênfase em nutrição, engenharia (ciência e tecnologia) dealimentos ou farmacologia, com exceção de 1, que possuitítulo de mestre, concentrado na área de saúde pública.

A avaliação desses peritos sobre os dilemascientíficos é fundamental e as críticas formuladas de outrasperspectivas, científicas ou não, podem não ter efeitobastante para contrapor o conhecimento técnico altamenteespecializado. Assim, de uma perspectiva cientificistatradicional, o conhecimento leigo é visto como inválidodiante da neutralidade e separação clara entre fatos evalores (GUIVANT, 2000; 2005b). É preciso atentar,porém, para a proximidade desses profissionais e daindústria. Suas atividades e interesses estão bemrelacionados. Em suas redes, é comum que essesprofissionais tenham contato, de alguma maneira, com ointeresse industrial.

A indústria, negativamente afetada pelasrecomendações de saúde pública durante a revolução daalimentação saudável (década de 1970), respondeuatacando os críticos e a validade científica de suascolocações. O argumento da indústria era de que “não há

34 O trabalho dos membros, na Comissão, não é remunerado, mas consideradoserviço público relevante, no campo da saúde e envolve as seguintesatribuições: assessorar a ANVS em assuntos científicos relacionados àárea de alimentos funcionais e novos alimentos; avaliar as comprovaçõescientíficas de composição e não toxicidade de novos alimentos; avaliarpedidos de registro de novos alimentos, sob o enfoque do risco à saúdedo consumidor; analisar as propostas de alegação de função em rotulagemde alimentos, à luz da documentação científica apresentada; subsidiar aANVS na realização de eventos tecnocientíficos, no interesse dostrabalhos da Comissão, que concorram para a ampla divulgação deconhecimentos e informações pertinentes ao controle sanitário dealimentos. Parents ‘don’t recognise obesity. Disponível em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/health/6451015.stm>. Acesso em: 12 jul. 2007.

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bons ou maus alimentos, mas apenas boas ou más dietas”(HEASMAN; MELLENTIN, 2001). Essa posição sefortaleceu nas últimas décadas, tornando-se comum entreespecialistas. Esse é um exemplo de aproximação entreperitos e indústria que, ao longo de um lento processo,não foi percebida como problema. Atualmente essaposição é defendida em importantes meios de divulgaçõescientíficas como o The Journal of Nutrition (HASLER,2002). A penetração do discurso da indústria alimentíciaem círculos científicos também se dá diretamente porpublicações científicas da própria indústria, como no TheAmerican Journal of Clinical Nutrition: “Solutions toobesity: perspectives from the food industry”, em que aConAgra Foods Inc. defende o papel da indústria comoprovedora de saúde pública, capaz de influenciar osconsumidores.

A indústria, por um lado, dispõe dos alimentosfuncionais como uma estratégia para agregar valor aosprodutos, somando-se ao potencial comercial de suasalegações (MAYNARD; FRANKLIN, 2003), e necessitada validação da comunidade científica para suasalegações. Por outro lado, na aplicação do resultado daspesquisas científicas, a indústria se mostra como o principalmeio de conectá-las com a realidade dos consumidores.No debate, porém, essas posições precisam ser balancea-das. Por exemplo, no Brasil, segundo recomendação doCodex Alimentarius, a alegação de saúde, ou função,não pode ser ligada a produtos específicos, pois se relacio-naria diretamente a marcas e companhias. As alegaçõesse referem às propriedades funcionais de determinadoselementos.

Um documento de consenso sobre os conceitoscientíficos de alimentos funcionais na Europa, resultado

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do debate promovido pelo Ilsi (International LifeSciences Institute), em 1999, foi publicado no BritishJournal of Nutrition (DIPLOCK et al., 1999). Osresultados foram aceitos por representantes da Danone,Coca-Cola, Kellogg’s, Nestlé, Monsanto, Yakult eNovartis; de universidades e centros de pesquisa de todaa Europa; e agências e departamentos nacionais, como oDepartment of Health do Reino Unido.

Mesmo que necessariamente estejam em jogointeresses próprios dos atores individuais, esse tipo dedebate em rede forçosamente se apresenta (e deve-seapresentar, a fim de legitimar-se) como um esforçoconjunto para combater determinado problema. Emoutubro de 2004, a Harvard Medical School Divisionof Nutrition promoveu o encontro “Science-BasedSolutions to Obesity: What Are the Roles of Academia,Government, Industry, and Health Care?”. Nessaocasião, apresentou-se uma tentativa de definição depapéis diante do problema da obesidade epidêmica(BLACKBURN; WALKER, 2005).

A ata do simpósio foi publicada como umsuplemento pelo American Journal of Clinical Nutrition.O evento teve suporte das companhias: The Coca-ColaCompany Family of Brands, ConAgra Foods, HealthyFoods of America, McNeil Nutritionals, NestleNutrition Institute, Nutrition & Health Partnership,The Peanut Institute, Slim Fast Foods Company eWyeth Nutritionals. Participaram ainda a AmericanDietetic Association Foundation, The Conrad TaffTeaching Fund, The Harvard Center for Healthy Living,National Institute of Diabetes and Digestive and KidneyDiseases e Boston Obesity Nutrition Research Center.

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A apresentação do simpósio justifica a reuniãodestes pela complexidade do problema da obesidade, querequer cooperação dos setores, pois “nenhum deles,academia, governo, indústria ou saúde pública foi bem-sucedido até agora no combate à doença”. Para direcionaros diferentes papéis, individual e coletivamente, foramdebatidos os tópicos que apresentamos em resumo:

a) As pesquisas e planos de pesquisa sobreobesidade do National Institutes of Health(NIH) com uma agenda detalhada e ambiciosaque impulsiona a perícia institucional e se dirigeàs áreas mais promissoras, incluindo pesquisasmoleculares, fisiológicas e comportamentais.

b) Pesquisas que enfocam a relação entre obesi-dade e genética, descrição de métodos sendousados para identificar genes da obesidadehumana e da importância de modelos animaispara o avanço na compreensão do assunto.

c) Necessidade de atualizar e refinar o currículonas escolas de medicina como objetivo para lutarcontra a obesidade (falta de instrução sobresaúde). Inovações na educação, com melhorespráticas de ensino e aprendizagem podem ajudaros médicos a orientar seus pacientes.

d) Na discussão sobre recomendações e guiasalimentares, observou-se o Count Calories,Choose Quality Foods, and Exercise Daily(CQE), conceito criado por S. Daniel Abraham,fundador da SlimFast Foods, que foiincorporado pelo Center for Healthy Livingda Harvard Medical School.

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e) O esforço do Nutrition Academic AwardsProgram, na liderança da busca por inovaçõesna educação nutricional e modos de integrar aquestão ao currículo e prática médica. Háinteresse em abordagens que ajudam os médicosa praticarem a medicina preventiva, como Wave(weight, activity, variety, and excess) e Reap(rapid eating and activity assessment forpatients).

f) Ferramentas e táticas usadas por aqueles queforam bem-sucedidos na perda de peso a longoprazo, os que perderam 14 kg e mantiveram aperda por mais de um ano. Foram descritospadrões de comportamento associados aosucesso, como boa dieta (de baixa caloria) eexercícios físicos regulares.

g) Interesse no enfraquecimento do ambienteobesogênico. Foi discutida a conseqüência dasporções servidas, cada vez maiores, para a crisede obesidade, e a conexão entre densidade deenergia e saciedade.

h) Problemas e riscos de dietas populares como a“Atkins Diet”. Destaca-se a necessidade demais dados sobre a segurança em longo prazo,principalmente de dietas ricas em proteínas.

i) Reconhecimento da cirurgia como o meio maisefetivo para perda de peso em longo prazo eredução dos problemas relacionados; discussãodos tipos de cirurgia; diferença fundamental entredieta e cirurgia, pois esta interfere na fisiologiapara recompor o equilíbrio de energia no corpo.

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j) A obesidade é percebida como um desequilíbrio,uma má combinação de entrada e saída deenergia. Discutiram-se meios de a indústriacorrigir esse desequilíbrio (programas comunitá-rios para crianças, desenvolvimento de produtossaudáveis e propagandas responsáveis) e aimportância de ações conjuntas entre governo eacademia.

k) O papel da FDA no combate à obesidade, queinclui mensagens dirigidas e mudanças no designdos rótulos a fim de torná-los mais fáceis deserem lidos, proporcionando melhor entendi-mento e comunicação com a população.

O evento se concentrou, no primeiro dia, no temaciência e fisiologia da obesidade e controle de peso e, nosegundo, em iniciativas estratégicas para combater oproblema. Num contexto em que participam atoresdiversos, que envolve também os não-peritos, é importanteressaltar a prevalência do caráter técnico-científico dassoluções. Outros encontros, como o promovido peloNational Heart, Lung, and Blood Institute, em 2003,buscam reunir representantes das comunidadesacadêmicas, profissionais e de consumidores com oobjetivo de “avaliar o progresso científico no tratamentoe prevenção da obesidade” (BLACKBURN; WALKER,2005). Os problemas de saúde, mais especificamente aobesidade, são entendidos como um desequilíbrio entreentrada e saída de energia, conforme observamos nasmetáforas do corpo como máquina. A obesidade podeser traduzida em fórmulas e números. É um problema aser resolvido com base em quantificação e cálculo: índicede massa corporal(IMC) 40 kg/m2; Wave, Reap, dietasprontas, guias alimentares, recomendações nutricionais

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para quantidade de energia; milhares de mortes por ano ebilhões de gastos em saúde.

Seja qual for o meio de intervenção, o papelcientífico é preponderante. No fim do encontro, diante dapergunta de participantes, “e o que fazemos agora?”, aresposta foi a seguinte: “A ciência e a fisiologia daobesidade e os esforços em andamento para combatê-laforam o foco deste simpósio, ilustrando que estamos agoraatacando o problema de todas as maneiras possíveis, delaboratórios em grandes empresas farmacêuticas aoscentros locais de saúde da comunidade”.

Os ataques em todas as linhas de frente, dolaboratório ao centro de saúde, não se dão apenashorizontalmente. Também ocorrem de forma vertical, “doalto do laboratório” ao centro de saúde da comunidade.Com isso, alcançamos a maioria dos debates sobre ciênciae fisiologia da obesidade. Quando há abordagens sociais,políticas e econômicas, se constituem, em geral, em apli-cações ou reforços das conclusões científicas. Os exem-plos são as recomendações e guias alimentares;abordagens em receitas e fórmulas (Wave, Reap); aresponsabilização da FDA pela melhor comunicação; aindústria oferecendo produtos para corrigir o desequilíbrio,para usar as mesmas palavras contidas nessas recomen-dações.

De modo geral, as autoridades, científicas epolíticas, determinam como tratar o problema. A FDA,os profissionais da saúde, médicos e os guias alimentaresdizem o que é e como combater o problema. Por fim, aindústria oferece soluções individuais ambivalentes, que,se por um lado são mais saudáveis, por outro, tendem amanter os hábitos, o que dificulta despertar nos

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consumidores um engajamento saudável. As discussões,porém, não envolvem abordagens sociológicas e depsicologia social sobre o reconhecimento e entendimentoda obesidade pelo público ou mesmo sua relação comhábitos e consumo. No mais próximo, a discussão deHarvard abordou o “ambiente obesogênico”, no entanto,em referência, novamente, ao tamanho das porçõesservidas e sua relação com a densidade energética, e nãocomo um ambiente socialmente construído de símbolos esignificados e o modo com o qual as pessoas se relacionamcom esse ambiente.

Nos Estados Unidos, as estatísticas mostram aprevalência de sobrepeso e obesidade em minorias comoafricanos e hispânicos. A busca de soluções, no entanto,tende a apagar as diferenças e basear-se em pacotesprontos de aplicação universal, seja em receitas paraemagrecer e medidas nacionais, seja em linhas de produtosde grandes companhias lançados internacionalmente.

Debates como os de Harvard mostram “comocombater a obesidade de cima para baixo”, porém, sobum enfoque mais amplo, não procuram entender “como aobesidade cresce de baixo para cima”, como ocorre essareação e resistência aos esforços científicos e políticos,os quais até agora sucumbiram diante do problema.

A idéia de que as soluções e as possíveis conse-qüências imprevistas são objetos técnica e cientificamenteidentificáveis e manipuláveis recorre nas medidas tomadasnacional e transnacionalmente, e nas mais diversas áreasde produção e conhecimento, além do que vimosdiscutindo (HANNIGAN, 1995; LOWE, 1992;BAUMAN, 1999; GUIVANT, 2000).

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Apesar do número reduzido de pesquisas sobre oassunto, cientistas e autoridades públicas já se têmdeparado com problemas, tais como as pessoas nãoreconhecerem sua obesidade e os pais não reconhecerema obesidade dos filhos.35 Afinal, essas pessoas não sabemque são obesas?

A fórmula da obesidade pelo IMC não é o conceitoque as pessoas obesas têm de si mesmas. As medidasque temos citado costumam definir o que é a obesidadecomo um fato, que se descobre pelo cálculo de IMC,que é necessariamente atribuído aos indivíduos dentrodesta ou daquela classe de peso. Nessa direção seconcentram os esforços das políticas públicas, que serefletem na produção e mensagem do mercado saudávele, por conseguinte, no consumo.

A carência de compreensão sociológica e social-psicológica pode ser um fator que contribui com aineficiência dessas políticas. A demanda técnico-científicacresce com a perplexidade de pesquisadores diante danão-resolução do problema, do reconhecido fracasso eda conseqüente reivindicação por políticas maisimpositivas. Por sua vez, a FDA, médicos e outrosprofissionais da saúde buscam mensagens e informaçõesmais claras no contato com consumidores e pacientes,mas, reconhecidamente, elas nem sempre resultam emmudanças de comportamento.

Os estudos mostraram que pessoas de peso normal(de 1,70 m) definiriam comumente obesidade como86 kg, enquanto pessoas obesas julgariam 106 kg (a linha

35 People don’t often recognize their obesity, study finds. Disponível em:<http://www.world-science.net/othernews/060404_obesefrm.htm>.Acesso em: 12 jul. 2007.

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que divide de fato é 87 kg). Das pessoas de peso normal,71 % definiram corretamente seu peso, das pessoas emfaixa de sobrepeso 73 %, enquanto entre os obesos houveapenas 15 % de acerto. A conseqüência dessa disposiçãopara as políticas públicas é que esses adultos não sereconhecem como obesos, e, por isso, é improvável quese sintonizem e se adaptem às medidas e mensagensassociadas com obesidade, que incluem doençascardíacas, diabetes e certas formas de câncer. Asmensagens e informações não são recebidas eressignificadas objetivamente pelo público comoacreditam e buscam os formuladores de políticas.

Por fim, relataremos dois eventos semelhantes aode Harvard, realizados no Brasil, voltados à produção,comercialização e consumo de alimentos funcionais. O “ICongresso Internacional sobre Alimentos Funcionais –Ciência, Inovação e Regulamentação”, realizado em SãoPaulo, em abril de 2006, organizado pela Federação dasIndústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a partir de seuComitê da Cadeia Produtiva da Alimentação (CAL), emparceria com a Associação Brasileira das Indústrias daAlimentação (Abia) e o International Life SciencesInstitute (Ilsi). O evento contou com o apoio institucionalda Anvisa, Secretaria de Defesa Agropecuária (Ministérioda Agricultura, Pecuária e Abastecimento), Secretaria deDireito Econômico (Ministério da Justiça) e Câmara deComércio Exterior (Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior). As características doencontro são semelhantes ao de Harvard, principalmentequanto aos aspectos tecnológicos e científicos comen-tados, e o público-alvo: comunidade científica, autoridadesgovernamentais e profissionais do setor. O objetivoapresentado na divulgação era:

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[...] para que empresas do setor possam acompanhar odesenvolvimento tecnológico mundial no setor de alimentoscom prioridades funcionais e/ou de saúde, precisamosdesenvolver base tecnológica e científica. Este consensocientífico dará suporte a propostas concretas para oencaminhamento de políticas governamentais, que é o papel

da indústria e objetivo do nosso evento (FIESP, 2006).

A diferença que se pode destacar, no Brasil, é aliderança industrial. Enquanto, nos Estados Unidos eEuropa, busca-se vincular necessariamente o assunto àsaúde pública, ainda enfatizando os riscos próprios daciência, no Brasil, as questões principais são o mercado ecrescimento industrial deste segmento. Nos EstadosUnidos, visa-se à comunicação mais clara nos produtospara combater problemas de saúde pública, o queinfluencia e causa mudanças na indústria alimentícia porcobrança de outros setores, tais como instituiçõesacadêmicas, governamentais e associações deconsumidores. No Brasil, busca-se melhor comunicaçãoe clareza na legislação para que os produtos tenham maiorvisibilidade no mercado, com o conseqüentedesenvovimento do mercado e da indústria. A cobrançageralmente ocorre no sentido inverso: a indústria pretendedemonstrar melhor os benefícios de seus produtos, o queé objeto de regulamentação da Anvisa. Este é o obstáculo.

O outro evento, “Bebidas & Alimentos Funcio-nais”36, foi realizado em fevereiro de 2007, em São Paulo.O encontro reuniu representantes da indústria alimentícia,cientistas, associações de profissionais da saúde e Anvisa.Novamente, o objetivo era tratar de fatores fundamentaispara o crescimento desta indústria:

36 Disponível em: <http://www.iqpc.com.br/cgi-bin/templates/genevent.html?topic=236&event=11780&>. Acesso em: 6 fev. 2007.

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• Atuação da Anvisa e seu papel determinante naevolução e crescimento do mercado de funcionaisno Brasil.

• Casos práticos: estratégias de marketing e desen-volvimento de novos produtos.

• Aspectos da tecnologia e da genômica no desen-volvimento de funcionais.

• Nutrição na cadeia agroalimentar dos alimentosfuncionais.

• Importância do design da embalagem e sualinguagem neste segmento.

• Papel do consumidor e a formação de uma culturade mercado consciente.

As apresentações foram de representantes deempresas como Nestlé, Goodlight Alimentos, B.U.Sweeteners, Unilever, Danisco e Yakult, principalmentede nutricionistas, diretores e publicitários. Outrosparticipantes, como a própria Fiesc, Abia e também aSociedade Brasileira de Alimentos Funcionais (SBAF)representam esforços de reunir indústria, mercado eciência. A maior parte das discussões tratou docrescimento industrial com ênfase no marketing: “umsegmento com múltiplas oportunidades”; design deembalagem e linguagem própria; “como transformar umafilosofia de vida em um grande negócio”; a busca da saúdee do bem-estar por meio de estratégias e tendências domercado de consumo; “transformando conhecimento emprodutos de sucesso”; como desenvolver um produtofuncional de sucesso.

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s alimentos funcionais, como indicamos inicialmente, fazemparte da reconstrução incessante da segurança alimentar.A lógica predominante é a da adequação comercial decaracterísticas do movimento alimentar saudável. A indústriaproduz e distribui em massa alimentos saudáveis, seapropriando comercialmente de estratégias retóricas como“tradição” e “naturalidade” (BEARDSWORTH; KEIL,1997).

A regulação como tentativa de conter os riscos éfundamental para a segurança alimentar/confiança e resultade processos conflituosos de negociação (governança),na incessante busca de resolução para as instabilidades/ansiedades. Desse modo, é muito importante a promoçãode um consenso conceitual para aperfeiçoar a regulaçãoe evitar confusões para o consumidor. Nesse sentido,principalmente no Brasil, há carência de pesquisas sobrea percepção dos consumidores. Não existem dados sufi-cientes que permitam afirmações sobre uma politizaçãorelativa ao consumo. As poucas ações contestadoras,geralmente partindo da própria Anvisa, ou de consumidoresespecializados como do Instituto de Defesa do Consumi-dor (Idec), parecem não refletir em um consumo maiscrítico.

Podemos tentar reconstruir pelo menos um caminhoa ser percorrido por um alimento funcional até atingir omercado: pesquisas científicas geram resultados que sãode interesse geral, sendo principalmente apropriados/produzidos pela indústria e traduzidos para a vida cotidiana

.OConsiderações finais

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por meio de alegações de saúde em produtos lançadosno mercado, que geram concorrência entre as empresas.Na busca de novos mercados, a concorrência produz maisdivulgação e propagandas, acarretando maiorreconhecimento público do assunto. Os alimentos firmam-se no mercado, conquistando o consumidor. Quandopresentes no mercado, os produtos geram conflitos entregrupos de interesses diversos, resultando em negociaçõesque dão origem à regulação. A legislação, desde que oobjeto no mercado já esteja estabelecido, procura resolveras falhas e as chances de dano ao consumidor. A mesmaciência que desencadeou o processo é também o pontofinal. Ela dá o parecer que valida a regulação, ou seja, decerto modo, a ciência é chamada para regular a si mesma.Da regulação decorre a legitimidade e controle daspráticas produtivas, comerciais e de consumo, que porsua vez se refletem na saúde pública e nas decisõesindividuais, mantendo ou alterando práticas. Os sistemasperitos, nesse caso, ligam a garantia (socialmente apro-vada) de estar certo à possibilidade individual de optar,amenizando ansiedades e incertezas (BAUMAN, 1999).

Não há, de fato, uma aproximação das ciênciassociais durante as discussões sobre as políticas. Essedebate seria fundamental para criar uma complemen-taridade entre ciências sociais e biológicas, pois focamaspectos que se diferenciam na resolução dos problemas.Enquanto as ciências sociais chamariam a atenção paraum “ambiente obesogênico”, historicamente construído,as ciências biológicas tenderiam a apontar que preferên-cias e padrões de dieta podem estar ligados a genesespecíficos. Nessa concepção, os problemas são geralmentepercebidos como naturais, ou biológicos/fisiológicos,devendo ser reparados por meio de intervenções clínicas/cirúrgicas e modificações nos alimentos.

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A maior participação das ciências sociais pode,portanto, com seu enfoque diferenciado, enriquecer odebate e ajudar a identificar falhas nas políticas e o porquêde sua comunicação ineficiente. Para isso são importantesestudos sociológicos principalmente sobre a percepçãopública dos riscos e benefícios à saúde e sobre os perfisdos consumidores, questões a serem exploradas no Brasil.

Por fim, identificamos tendências que continuarãoexpandindo as concepções alimentares, sugerindo umacontinuidade ou novas possibilidades para outraspesquisas.

1) Em junho de 2007, os Estados Unidos aprovamo primeiro remédio para emagrecimento que não precisade receita37. Os alimentos funcionais aproximaram osalimentos dos remédios. A participação da indústria far-macêutica no mercado alimentar já sinalizava esta outraaproximação de sentido inverso: de remédios paraalimentos. O novo remédio para emagrecer virá acompa-nhado de um guia de alimentação saudável, um diário, umcontador de gorduras e calorias e cartões de informações.

2) Nutricosméticos: “a ‘pílula da beleza’ marca aentrada das multinacionais no ramo de remédioscosméticos”38. Os especialistas defendem a dieta saudável,que é suficiente para fornecer os ingredientes dosnutricosméticos. Além da indústria farmacêutica, a decosméticos também se aproxima da alimentação. NoBrasil, a Natura, indústria de cosméticos, já lançoualimentos no interior de São Paulo.

37 UOL. EUA aprovam primeiro remédio para emagrecimento quenão precisa de receita. Disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultnot/efe/2007/06/08/ult1766u22172.jhtm>. Acesso em: 8 jun. 2007.

37 Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT499269-1664,00.html>. Acesso em: 12 jun. 2007.

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.Títulos lançados

1998No 1 – A pesquisa e o problema de pesquisa: quem os determina?Ivan Sergio Freire de Sousa

No 2 – Projeção da demanda regional de grãos no Brasil: 1996 a 2005Yoshihiko Sugai, Antonio Raphael Teixeira Filho, Rita de CássiaMilagres Teixeira Vieira e Antonio Jorge de Oliveira,

1999No 3 – Impacto das cultivares de soja da Embrapa e rentabilidade dosinvestimentos em melhoramentoFábio Afonso de Almeida, Clóvis Terra Wetzel e Antonio Flávio Dias Ávila

2000No 4 – Análise e gestão de sistemas de inovação em organizaçõespúblicas de P&D no agronegócioMaria Lúcia D’Apice Paez

No 5 – Política nacional de C&T e o programa de biotecnologia doMCTRonaldo Mota Sardenberg

No 6 – Populações indígenas e resgate de tradições agrícolasJosé Pereira da Silva

2001No 7 – Seleção de áreas adaptativas ao desenvolvimento agrícola,usando-se algoritmos genéticosJaime Hidehiko Tsuruta, Takashi Hoshi e Yoshihiko Sugai

No 8 – O papel da soja com referência à oferta de alimento e demandaglobalHideki Ozeki, Yoshihiko Sugai e Antonio Raphael Teixeira Filho

No 9 – Agricultura familiar: prioridade da EmbrapaEliseu Alves

No 10 – Classificação e padronização de produtos, com ênfase naagropecuária: uma análise histórico-conceitualIvan Sergio Freire de Sousa

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2002No 11 – A Embrapa e a aqüicultura: demandas e prioridades depesquisaJúlio Ferraz de Queiroz, José Nestor de Paula Lourençoe Paulo Choji Kitamura (eds.)

No 12 – Adição de derivados da mandioca à farinha de trigo: algumasreflexõesCarlos Estevão Leite Cardoso e Augusto Hauber Gameiro

No 13 – Avaliação de impacto social de pesquisa agropecuária: a buscade uma metodologia baseada em indicadoresLevon Yeganiantz e Manoel Moacir Costa Macêdo

No 14 – Qualidade e certificação de produtos agropecuáriosMaria Conceição Peres Young Pessoa, Aderaldo de Souza Silva eCilas Pacheco Camargo

No 15 – Considerações estatísticas sobre a lei dos julgamentoscategóricosGeraldo da Silva e Souza

No 16 – Comércio internacional, Brasil e agronegócioLuiz Jésus d’Ávila Magalhães

2003No 17 – Funções de produção – uma abordagem estatística com o usode modelos de encapsulamento de dadosGeraldo da Silva e Souza

No 18 – Benefícios e estratégias de utilização sustentável da AmazôniaAfonso Celso Candeira Valois

No 19 – Possibilidades de uso de genótipos modificados e seus benefíciosAfonso Celso Candeira Valois

2004No 20 – Impacto de exportação do café na economia do Brasil – análiseda matriz de insumo-produtoYoshihiko Sugai, Antônio R. Teixeira Filho e Elisio Contini

No 21 – Breve história da estatísticaJosé Maria Pompeu Memória

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No 22 – A liberalização econômica da China e sua importância para asexportações do agronegócio brasileiroAntônio Luiz Machado de Moraes

2005No 23 – Projetos de implantação do desenvolvimento sustentável noplano plurianual 2000 a 2003 – análise de gestão e política pública emC&TMarlene de Araújo

2006No 24 – Educação, tecnologia e desenvolvimento rural – relato de umcaso em construçãoElisa Guedes Duarte, Vicente G. F. Guedes

2007No 25 – Qualidade do Emprego e Condições de Vida das Famílias dosEmpregados na Agricultura Brasileira no Período 1992–2004Otávio Valentim Balsadi

No 26 – Sistemas de gestão da qualidade no campoVitor Hugo de Oliveira, Janice Ribeiro Lima, Renata Tieko Nassu,Maria do Socorro Rocha Bastos, Andréia Hansen Oster e Luzia Mariade Souza Oliveira

2008No 27 – Extrativismo, biodiversidade e biopirataria na AmazôniaAlfredo Kingo Oyama Homma

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Impressão e acabamentoEmbrapa Informação Tecnológica