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Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação ANDRÉ LUIZ BERTOLAI A Escola Complementar de Itapetininga (1897-1911) Campinas 2018

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Universidade Estadual de Campinas

Faculdade de Educação

ANDRÉ LUIZ BERTOLAI

A Escola Complementar de Itapetininga (1897-1911)

Campinas

2018

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ANDRÉ LUIZ BERTOLAI

A ESCOLA COMPLEMENTAR DE ITAPETININGA (1897-1911)

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em

Educação da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas para

a obtenção do título de Mestre em

Educação, na Área de Concentração de

Educação.

Orientador: MARA REGINA MARTINS JACOMELI

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO

ANDRÉ LUIZ BERTOLAI E ORIENTADA PELA

PROFA. DRA. MARA REGINA MARTINS JACOMELI.

CAMPINAS

2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

A Escola Complementar de Itapetininga (1897-1911)

Autor: ANDRÉ LUIZ BERTOLAI

COMISSÃO JULGADORA:

Professora Doutora Mara Regina Martins Jacomeli

Professora Doutora Luciana Cristina Salvatti Coutinho

Professor Doutor José Luis Sanfelice

A Ata de defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora encontra-se no processo

de vida acadêmica do aluno.

CAMPINAS

2018

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AGRADECIMENTOS

Ao fim desta etapa da minha vida, tenho muitos agradecimentos a fazer. Em primeiro

lugar, agradeço a Deus, o centro de todas as coisas na minha vida. À minha esposa, Daniela,

pelo incentivo, dedicação e paciência nas muitas horas de leituras e pesquisas. Às minhas

filhas, Alessandra e Helena, fontes de inspiração. Aos meus pais, Vera e Benedito, pelo

exemplo de vida e pela educação ímpar que me proporcionaram. Ao meu irmão, Eduardo, por

todo apoio. Aos meus cunhados Bruno, Camila, Bruna e Fernanda. A todos os meus amigos.

À minha orientadora, Mara Jacomeli, pelas valiosas dicas que ajudaram a nortear a pesquisa.

Ao grupo HISTEDBR pelas discussões que contribuíram no enriquecimento da minha

bagagem teórico-metodológica. À diretora da escola em que trabalho, Magda, pelos

malabarismos nos horários de aulas que permitiram a minha frequência nas disciplinas. Aos

funcionários de todos os acervos visitados.

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva a reconstrução histórica da Escola Complementar de

Itapetininga entre 1897 e 1911. Ela se enquadra no campo de pesquisa da História das

Instituições Escolares e busca, através do levantamento, análise e interpretação de fontes

primárias e secundárias, à luz da concepção materialista dialética da história, empreender uma

reflexão crítica sobre a referida instituição.

Palavras Chave: Escola Complementar. Instituições Escolares. História da Educação.

Itapetininga.

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ABSTRACT

This research aims the historical reconstruction of the Complementary School of

Itapetininga from 1897 to 1911. It contents fits into the study of the Scholar Institutions and

searches through the survey, analysis, and interpretation of primary and secondary sources,

according to the materialist conception of history, to undertake a general reflection on the

institution.

Keyworks: Complementary School. Schools Instituitions. History of Education. Itapetininga

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LISTA DE FIGURAS:

Figura 1: Sala do acervo da Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”...............................25

Figura 2: Orçamento da construção do prédio para a Escola Normal assinado pelo

Engenheiro Antônio By.....................................................................................81

Figura 3: Planta dos três prédios projetados por Ramos de Azevedo...............................82

Figura 4: Frente do prédio da Escola Complementar (1899)............................................83

Figura 5: Prédios da Escola Complementar e da Escola Modelo (1908)..........................83

Figura 6: Os três prédios (1914)........................................................................................84

Figura 7: Estudo realizado pelo escritório de Ramos de Azevedo, por volta de 1895 .....84

Figura: 8: Major Antônio Augusto da Fonseca..................................................................94

Figura 9: Corpo Docente da Escola Complementar de Itapetininga (s.d.).......................96

Figura 10: Professor Honorato Faustino e Diretor Major Fonseca.....................................97

Figura 11: Professores Antônio Oliveira Rodrigues, Theophilo de Mello, Sebastião

Villaça, Maria M.A. Corrêa e o diretor Pedro Voss (1902)..............................97

Figura 12: Professores Martinho Nogueira e Elvira Medeiros Dias e o diretor

Pedro Voss.........................................................................................................98

Figura 13: Alunas do 1º ano da seção feminina da Escola Complementar de Itapetininga

(s.d.).................................................................................................................104

Figura 14: Alunos do 1º ano da seção masculina da Escola Complementar de Itapetininga

(s.d.).................................................................................................................105

Figura 15: Quadro de professorandos de 1902 da Escola Complementar de

Itapetininga......................................................................................................110

Figura 16: Quadro de professorandos de 1904 da Escola Complementar de

Itapetininga......................................................................................................111

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Figura 17: Quadro de professorandos de 1909 da Escola Complementar de

Itapetininga......................................................................................................112

Figura 18: Professorando Amador Benigno de Oliveira (1904).......................................113

Figura 19: Professoranda Maria Laudelina Gonçalves (1904).........................................113

Figura 20: Professorando Raphael Gonsales (1909).........................................................114

Figura 21: Professoranda Benigna Prestes (1909)............................................................114

Figura 22: Exposição de trabalhos de torno e modelagem da seção masculina da Escola

Complementar de Itapetininga (1908).............................................................130

Figura 23: Exposição de trabalhos de roupas brancas da seção feminina da Escola

Complementar de Itapetininga (1908).............................................................131

Figura 24: Sala de armas da Escola Complementar de Itapetininga (fuzis com baionetas,

tambores, cornetas e a bandeira nacional).......................................................132

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LISTA DE TABELAS:

Tabela 1: Produção de café por região do Estado de São Paulo...................................... 32

Tabela 2: Produção de café em alguns municípios paulistas............................................33

Tabela 3: População de Itapetininga entre 1890 e 1920....................................................34

Tabela 4: Folha de Pagamento da Escola Normal da Capital...........................................62

Tabela 5: Folha de Pagamento das Escolas Complementares...........................................62

Tabela 6: Datas de instalação das escolas complementares no interior paulista...............64

Tabela 7: Dados estatísticos da população escolar de Itapetininga (1908-1910)..............76

Tabela 8: Número de diplomados pelas escolas complementares paulistas (1898 e

1911)................................................................................................................101

Tabela 9: Porcentagem de itapetininganos sobre o total de diplomados pela Escola

Complementar.................................................................................................103

Tabela 10: Dispensas de taxa de matrícula entre 1905-1909............................................109

Tabela 11: Quantidade de matriculados por seção e ano de curso (1897-1911) ...............116

Tabela 12: Principais motivos de eliminação de alunos....................................................118

Tabela 13: Lista de aprovados das seções feminina e masculina em 1901.......................119

Tabela 14: Lista de aprovados e reprovados das seções feminina e masculina

em 1906...........................................................................................................120

Tabela 15: Relação das escolas do Estado de São Paulo, providas e vagas, com declaração

dos títulos de habilitação dos professores em 1910.........................................124

Tabela 16: Trabalhos manuais de cada seção por ano do curso complementar................129

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13

CAPÍTULO 1 – Do Universal ao Local 27

1.1 – O Contexto Internacional 27

1.2 – O Brasil na Divisão Internacional do Trabalho 29

1.3 – Itapetininga e a Divisão Regional do Trabalho 31

1.4 – Por que uma Escola Complementar em Itapetininga? 35

CAPÍTULO 2 – A Boa Escola Republicana 46

2.1 – A Educação no Capitalismo Monopolista 46

2.2 – O Ideário Republicano 50

2.3 – A Reforma Paulista 55

2.4 – O Curso Complementar 60

CAPÍTULO 3 – A Escola Complementar de Itapetininga 75

3.1 – O Ensino na cidade de Itapetininga 75

3.2 – A Criação e Instalação da Escola Complementar de Itapetininga 78

3.3 – A Composição do Corpo Docente 92

3.4 – Quem eram os alunos? 100

3.5 – O Diálogo com a cidade 121

3.6 – O fim da Escola Complementar de Itapetininga 133

Considerações finais 135

Referências 138

Anexo 1 148

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Anexo 2 149

Anexo 3 150

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Introdução

O presente trabalho tem por objetivo a reconstrução histórica1 da primeira escola

complementar instalada no interior do Estado de São Paulo: a Escola Complementar de

Itapetininga, entre os anos de 1897 e 1911.

O caminho percorrido para definir o objeto de pesquisa se iniciou em 2008,

quando, recém-formado em História pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da

Unicamp, iniciei minha prática docente no ensino fundamental da educação pública. Após

algumas semanas de exercício profissional, percebi que não dispunha de uma base teórica que

pudesse me amparar nas práticas educacionais e nas intervenções políticas inerentes à ação

pedagógica de modo que estas não se acomodassem aos ditames econômicos e políticos

neoliberais.

Esse incômodo me levou a ingressar no curso de graduação em Pedagogia da

Faculdade de Educação da Unicamp. No decorrer do curso, aproximei-me da História da

Educação - um campo até então, confesso, desconhecido para mim. A participação nas aulas e

a leitura da bibliografia despertaram o interesse pela História das Instituições Escolares.

Escolhido o campo de estudo, faltava o objeto.

Sou natural de Itapetininga e, por diversas vezes, ouvia dos mais antigos a

respeito do glorioso passado da cidade - que trazia como alcunha “cidade das Escolas” ou a

“Atenas do Sul”2. Para estes, isso se justificava pelo fato da cidade ter sido designada para

receber a primeira Escola Normal do Interior Paulista, em 1894. No entanto, a cidade teve que

esperar um pouco mais para isso se concretizar, pois, em 1897, foi instalada a Escola

Complementar e, só em 1911, ela foi transformada em Escola Normal. O grandioso prédio

construído para o funcionamento da escola normal simboliza, até a atualidade, as glórias desse

“passado glorioso”.

1 Adotamos aqui o conceito de reconstrução histórica de acordo com Saviani (2007, p.17), isto é, “a reprodução,

no plano do conhecimento, das condições efetivas em que se deu a construção histórica da escola pública ou das

instituições escolares.” 2 Já em 1901, em uma edição do Jornal Tribuna Popular encontramos a alcunha de “Atenas do Sul” para se

referir à cidade. (Jornal Tribuna Popular, 7 de abril de 1901, anno XIV, nº 630, p. 2)

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Essas lembranças me motivaram a procurar estudos sobre a escola e descobri que

ainda não havia nenhuma pesquisa sistemática sobre essa instituição.3 Esse interesse me levou

a linha de investigação “História das Instituições Escolares”, vinculada ao Grupo de Estudos e

Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” – HISTEDBR.

As pesquisas sobre instituições escolares desenvolveram-se notavelmente a partir

da década de 1990. No entanto, alguns estudos foram desenvolvidos em épocas anteriores.

Buffa e Nosella (2005a) nos indicam que existem três momentos distintos nos estudos da

história da educação. O primeiro situa-se nas décadas de 1950 e 1960. Esse período é anterior

à criação dos programas de pós-graduação. A produção historiográfica desenvolveu-se

principalmente na Seção de Pedagogia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da

USP.

Esse primeiro momento se encontra dentro do contexto do processo de aprovação

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e da expansão do ensino superior pelo

interior do Estado de São Paulo. Seu principal tema foi educação e sociedade e já aqui é

possível encontrar alguns estudos sobre instituições de ensino.4

O segundo momento é marcado pela criação dos Programas de Pós-Graduação em

Educação, no interior dos governos militares. Situado entre as décadas de 1970 e 1980, possui

duas características essenciais: a crítica à Ditadura Civil-Militar e a institucionalização da

produção da pesquisa. Os principais temas desse período foram sociedade de classes, base

material da sociedade, atividade ideológica, compromisso político, democratização da escola,

reprodução simbólica, entre outros. Aqui o tema das instituições escolares ou era praticamente

ausente ou estava presente apenas para ilustrar o movimento histórico mais geral.

Finalmente, a partir da década de 1990, tem início o terceiro momento dos estudos

da história da educação. Entre suas principais características, estão a consolidação da pós-

graduação e a chamada crise dos paradigmas que levou ao pluralismo epistemológico e

temático com privilégio sobre o estudo de objetos singulares.

3 Na realidade, a cidade tem recebido pouca atenção para a elaboração de estudos sobre seu passado. Interessante

notar que até 1911, o estado de São Paulo teve quatro escolas complementares no interior do estado, nas cidades

de Itapetininga, Piracicaba, Campinas e Guaratinguetá. Dessas, somente a de Itapetininga não tinha sido objeto

de estudos monográficos. Conferir: TEIXEIRA JUNIOR (2005); CHIARELI (2007); CORBAGE (2010);

HONORATO (2011). 4 Por exemplo, a tese de doutoramento de José Ferreira Carrato.

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A respeito dos novos paradigmas, Bittar e Ferreira Jr. (2009, p. 490-491) tecem a

seguinte análise:

Marcados pela ideologia pós-moderna, mas com origem anterior a referida crise [dos

velhos paradigmas], os ‘novos paradigmas’ ganharam relevância e alcançaram

posição hegemônica no âmbito da história e, por extensão, na história da educação.

O declínio da influência do marxismo e a ascensão da pós-modernidade

engendraram outra maneira de produzir o conhecimento histórico, pois foram

abandonadas as preocupações explicativas do sentido da totalidade na qual se

inserem os objetos das pesquisas.

Dito de outra forma: os ideólogos da pós-modernidade desconceituaram o

significado histórico da multiplicidade de mediações complexas e contraditórias que

explicam a realidade objetiva da sociedade e, também, a independência e a

vinculação dos fenômenos ligados entre si de maneira completamente diversa.

Assim, no âmbito da produção acadêmica em educação, assistiu-se a um processo de

pulverização da pesquisa em micro objetos fragmentados e isolados dos fenômenos

econômicos, sociais e políticos que animam as relações capitalistas de produção, ou

seja, desconectados da ‘última instância’ que estabelece o traço distintivo, a

dominação geral do todo sobre as partes: a totalidade capitalista na qual os mesmos

objetos de pesquisas estão submersos.

Essa perspectiva privilegia temas como cultura escolar, formação de professores,

livros didáticos, disciplinas escolares, currículos, práticas educativas, questões de gênero,

infância e instituições escolares, entre outros. Segundo Nosella e Buffa (2005b, p. 3), “a nova

história, a história cultural, a nova sociologia, a sociologia francesa constituem as matrizes ou

a tela de fundo teórica das pesquisas realizadas.”

O historiador inglês Eric Hobsbawm (1998), ao analisar as mudanças ocorridas na

historiografia nas últimas décadas do século XX, defende que houve uma convergência entre

a História e as Ciências Sociais. Isso levou a um esmorecimento de suas fronteiras e trouxe

como consequência, por um lado, o alargamento do campo dos estudos históricos, mas, por

outro lado, promoveu a fragmentação desse mesmo campo.

Para situarmos o contraponto, resumidamente, apresentamos, com a ajuda de

Sanfelice (2009, p. 197-198), os principais pontos epistemológicos que caracterizam o velho

paradigma:

O velho paradigma busca explicar a história da sociedade humana pelas relações

sociais de produção; pelo desenvolvimento das forças produtivas; pelo conflito das

classes sociais antagônicas; pelo controle econômico e ideológico do Estado; pela

relação dialética entre a sociedade civil, sociedade política e Estado e pela

autonomia e criatividade das instituições superestruturais frente as determinações

materiais.

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A fragmentação promovida pelos novos paradigmas5 teve seu início no âmbito da

história, porém ela também alcançou o campo da história das instituições escolares. Segundo

Bittar e Ferreira Jr (2009, p. 492),

Na atual hegemonia, quanto mais desconectados, fugazes, isolados, tênues,

rarefeitos, fortuitos, bizarros e excêntricos forem os objetos de pesquisa, mais eles

serão nobres e relevantes para o conhecimento histórico. Nessa perspectiva

ganharam proeminência investigativa os fenômenos de natureza cultural, pois o

mundo cultural é interpretado como uma nuvem de fenômenos desprovida de

qualquer conexão que possa contar com um sentido explicativo lógico. Assim, as

manifestações culturais se expressam com base nelas mesmas, desconectadas da

materialidade que as originou e, portanto, não guardam qualquer forma de relação

com os elementos que dão movimento à totalidade societária. A concepção

culturalista da pesquisa também logrou êxito no campo da história da educação e,

particularmente, na linha que investiga as instituições escolares. Muitos estudos

resultantes dessas pesquisas deixaram de lado a relação entre sociedade e escola e

privilegiaram exclusivamente elementos pedagógicos isolados até mesmo do próprio

mundo interno das instituições escolares. Os resultados se constituem, na maioria

das vezes, em micro-histórias da educação que não dão conta de explicar nem

mesmo o próprio sentido do objeto investigado.

A História da Educação desenvolveu-se paralelamente e à margem das

investigações propriamente historiográficas. No entanto, como nos explica Dermeval Saviani

(2005), durante a última década do século XX, os pesquisadores em História da Educação

procuraram adquirir maior competência no âmbito da historiografia com o intuito de se

aproximarem dos “historiadores de ofício” e, assim, estabelecer com eles um diálogo em pé

de igualdade. Essa aproximação teria levado alguns especialistas em História da Educação a

assumir de forma acrítica e aligeirada a tendência “inovadora” dos novos objetos, novos

problemas, novos métodos e novas fontes. Segundo Sanfelice (2009, p. 197):

(...) a recente profusão de trabalhos sobre a história das Instituições escolares e/ou

educativas, tendo ou não seus autores inserido a pesquisa em tal recorte, acompanha

inquestionavelmente o movimento mais geral das transformações que ocorreram na

produção da História da Educação, ou, a rigor, da produção de todo conhecimento

histórico.

Apesar disso, o autor pontua que essa aproximação tem como aspecto positivo o

fato de ter conferido à disciplina História da Educação maior especificidade. Com isso, “a

disciplina revestiu-se de legitimidade científica, adquirindo reconhecimento junto à

comunidade de investigadores”. (SANFELICE, 2006, p. 24)

Ainda que vários historiadores da educação indiquem que essa fragmentação traga

como consequência a dificuldade de se compreender a totalidade do fenômeno educacional,

5 Alguns trabalhos na linha da História das Instituições Escolares consultados que se inserem nesse quadro:

TEIXIERA JUNIOR (2005), HONORATO (2011), CORBAGE (2010), BERGOZZA (2010), CHIARELI

(2007), PORCEL (2007).

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outros, como Nosella e Buffa (2005b, p. 3) pontuam alguns aspectos positivos como o

alargamento das linhas de investigação, a diversificação teórico-metodológica e a ampliação

da noção de fontes.

Em relação à diversificação das fontes, Lombardi (2004) salienta que, em História

da Educação, as principais fontes consultadas são: documentos oficiais; legislação; arquivos

institucionais públicos e privados; arquivos, cartas e anotações pessoais; dados estatísticos;

literatura; produção bibliográfica; livros didáticos; iconografia; memória docente e discente;

arquitetura escolar.

A História das Instituições Escolares está inserida, portanto, nesse processo de

renovação do campo da História da Educação. Por isso, existem – como nos advertem Nosella

e Buffa (2005b, p. 5) - perigos metodológicos neste tipo de pesquisa, fazendo com que esta

nem sempre chegue a resultados críticos e proveitosos. Entre os principais perigos, os autores

elencam reducionismos teóricos como particularismo, culturalismo ornamental, saudosismo,

personalismo e a descrição apologética ou laudatória.

Concluem os autores que, por mais atraentes e fascinantes que tais pesquisas

possam ser, muitas vezes não há um esforço para que tais estudos contribuam para a

compreensão da totalidade histórica. Esta só pode ser alcançada por meio da aplicação do

método dialético.

A pesquisa sobre a história de uma instituição escolar possui, portanto, muitos

riscos. Para se evitar a queda em algum dos perigos metodológicos acima, buscamos

investigar a história das instituições escolares de forma historicizada. Desse modo, conforme

nos aponta Sanfelice, o trabalho historiográfico buscará interpretar o sentido no qual essas

instituições “formaram, educaram, instruíram, criaram e fundaram, enfim, o sentido da sua

identidade e da sua singularidade.” (SANFELICE, 2006, p. 24)

No trajeto da reconstrução histórica, Saviani (2007, p. 3-27) – baseando-se em

uma análise desenvolvida por Magalhães (2004, p. 133-169) – indica-nos os elementos

constitutivos da instituição escolar. São eles: a materialidade (o instituído), a representação (a

institucionalização) e a apropriação (a instituição).

A materialidade é entendida como o suporte físico da escola instalada, isto é, o

prédio, os equipamentos – como materiais didáticos – e sua estrutura organizacional. A

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representação está relacionada com aquilo que antecipa o que será a atividade da instituição,

isto é,

traduziria o sentido atribuído ao papel desempenhado pela instituição escolar,

envolvendo a tradição (memórias), a bibliografia selecionada, a prefiguração

(planejamento) das ações, os modelos pedagógicos, os estatutos, o currículo, e a

disposição dos agentes encarregados do funcionamento institucional. (SAVIANI,

2007, p. 25)

Finalmente, a apropriação refere-se às práticas pedagógicas propriamente ditas, ou

seja, aquilo que foi incorporado do ideário pedagógico. A esses três elementos, Saviani

acrescenta um quarto: o público-alvo. Segundo o autor, informações sobre o público ajudam a

definir o perfil institucional e indicações importantes sobre a sua relevância social.

A perspectiva teórica desenvolvida por Marx nos permite compreender a grande

influência do fator econômico sobre a história da humanidade. Ora, se a história moderna e

contemporânea estão subordinadas ao domínio do capital, só é possível compreender a

história da sociedade atual e, obviamente, a história de uma instituição escolar, se a isso

articularmos os movimentos que formam as diversas fases do capital.

Entendemos, portanto, que

a educação (e o ensino) é determinada, em última instância, pelo modo de produção

da vida material; isto é, pela forma pela qual os homens produzem sua vida material,

bem como pelas relações nela implicadas, quais sejam, as relações de produção e as

forças produtivas são fundamentais para apreender a maneira que os homens vivem,

pensam e transmitem as ideias e os conhecimentos que têm sobre a vida e sobre a

realidade natural e social [...].

A educação (e nela todo o aparato escolar) não pode ser entendida como uma

esfera estanque e separada da vida social, pois está profundamente inserida no

contexto em que surge e se desenvolve, também vivenciando e expressando os

movimentos contraditórios que emergem do processo das lutas de classes e frações

de classes. (LOMBARDI, 2011, p. 11)

Em A Ideologia Alemã, Marx delineia os princípios básicos da concepção

materialista da história:

As representações, o pensamento, o comércio intelectual dos homens aparecem aqui

ainda como emanação direta do seu comportamento material. [...] São os homens

que produzem suas representações, suas ideias etc., mas os homens reais, atuantes,

tais como são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças

produtivas e das relações que a elas correspondem, inclusive as mais amplas formas

que estas podem tomar.

[...] não partimos do que os homens dizem, imaginam e representam, tampouco do

que eles são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação dos

outros, para depois se chegar aos homens de carne e osso; mas partimos dos homens

em sua atividade real, é a partir do seu processo de vida real que representamos

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também o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas desse

processo vital. (MARX, 1998, p. 18-19)

Assim, as manifestações históricas de uma instituição escolar precisam ser

compreendidas e explicitadas a partir do conhecimento histórico da realidade na qual se

encontra. Por isso, adotamos o conceito de instituição a partir da seguinte perspectiva:

Para satisfazer as necessidades humanas, as instituições são criadas como unidades

de ação. Constituem-se, pois, como um sistema de práticas com seus agentes e com

os meios e instrumentos por eles operados tendo em vista as finalidades por elas

perseguidas. As instituições são, portanto, necessariamente sociais, tanto na origem

já que determinadas pelas necessidades postas pelas relações entre os homens, como

no seu próprio funcionamento, uma vez que constituem como um conjunto de

agentes que travam relações entre si e com a sociedade a qual servem. (SAVIANI,

2007, p. 5)

Na história das instituições escolares, inevitavelmente, construímos um

conhecimento histórico da educação que é singular (local ou regional). No entanto, esse

conhecimento singular integra o nacional, o todo. Para Alves:

[...] os termos nacional e regional são expressões em escalas diferentes do singular.

O universal corresponde ao movimento dado pelas leis da totalidade, isto é, da

sociedade capitalista; e o singular cinge-se ao lócus em que esse movimento se

realiza: uma região, uma instituição educacional, a obra teórica e/ou prática de um

educador etc. Portanto, universal e singular são suficientemente capitados quando

revelam essa indissociabilidade. (ALVES, 2001a, p. 164)

Dentro da concepção materialista da história, qualquer formação social

historicamente dada pode ser pesquisada utilizando-se duas categorias fundamentais: o

singular e o universal.

Bittar e Ferreira Jr. aprofundam a compreensão dessas duas categorias. Segundo

os autores, podemos compreender o singular como a existência de objetos, fenômenos e

instituições diversos delimitados no espaço e no tempo e com uma determinação qualitativa e

quantitativa única. Nesse sentido, podemos identificar a singularidade de uma instituição

escolar em seus elementos internos que a tornam diferente de outras instituições. Assim,

“cada instituição não é mais que a parte do todo que forma um sistema societário integral e

em constante transformação, produzida pelo movimento histórico gerado com base na luta

entre elementos societários contraditórios.” (BITTAR, 2009, p. 501-502)

A totalidade é entendida como uma determinada formação econômico-social. Essa

formação se estrutura com base em um determinado sistema social, que forma um todo - uma

totalidade histórica. Assim, cada um dos seus componentes societários está conectado com

outros fenômenos sociais e cada um deles desempenha um papel específico no funcionamento

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e desenvolvimento da sociedade. Consequentemente, cada instituição é historicamente

construída e constituída em uma unidade contraditória do universal e do singular.

Sobre a relação entre a singularidade e a totalidade, Sanfelice nos adverte que

necessariamente só podemos captar a singularidade de uma instituição se olhamos para o

universal, a totalidade. Por um lado, o singular não existe por si, pois está inserido dentro do

universal. Por outro lado, o universal apenas se institui dentro das contraditórias relações das

múltiplas singularidades. Consequentemente, a pesquisa se constitui fundamentalmente em

captar o movimento, a tensão entre o singular e o universal. (SANFELICE, 2009, p. 198)

O autor pontua ainda que a pesquisa das instituições escolares acrescentará

conhecimentos históricos à história da educação se “além de revelar as minúcias das

singularidades escolares, inserir a explicação e a compreensão delas na totalidade histórica.”

(SANFELICE, 2009, p. 198)

A investigação segundo o método dialético deve supor, portanto, a íntima ligação

entre as bases materiais da sociedade e a escola que ela cria. A característica fundamental

deste método está na relação constitutiva entre a escola e a sociedade, pois somente nessa

situação eles existem. (NOSELLA e BUFFA, 2005a, p. 362)

Citamos como exemplos de pesquisas consultadas que se encontram dentro dessa

perspectiva teórico-metodológica: JACOMELI (1998), DA SILVA (2004), LAGE (2007),

GODOY (2009), PENTEADO (2010), SALGADO (2011), SANTOS (2011), MARTINIAK

(2011), VILLELA (2011), CARDOSO (2013), PEREIRA (2013).

Nas últimas décadas, as instituições escolares começaram a despertar o interesse

de muitos pesquisadores, especialmente os da História da Educação. Grupos de Pesquisa

foram criados em algumas Universidades, como UFSCAR e UNICAMP. Nesta última, em

particular, os professores José Luís Sanfelice e Mara Regina Martins Jacomeli, auxiliados por

um crescente número de graduandos e pós-graduandos – vinculados ao grupo de pesquisa

HISTEDBR - têm contribuído para o desenvolvimento e consolidação dos estudos sobre

instituições escolares.

Com o intuito de compreender como vem sendo realizadas as pesquisas sobre

escolas complementares, fizemos um levantamento preliminar sobre os trabalhos

apresentados nos eventos do grupo de pesquisas HISTEDBR. Um dos principais objetivos

desse levantamento foi encontrar informações sobre as escolas complementares que vinham

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sendo pesquisadas. Assim, atentamo-nos somente à quantificação e identificação das

pesquisas visando mapear a produção de um determinado período e lugar.

Em 2005, o grupo realizou dois encontros de pesquisadores que traziam como

tema central as instituições escolares. A “V Jornada do HISTEDBR” abordou o tema geral

“Instituições Escolares Brasileiras: história, historiografia e práticas”. A VI Jornada propôs o

tema “Reconstrução histórica das instituições escolares no Brasil”.

O eixo temático História das Instituições Escolares está presente na maioria dos

encontros do grupo, tanto nas Jornadas quanto nos Seminários Nacionais. A exceção foi o

VIII Seminário Nacional realizado em Campinas, em 2009.

No tocante às fontes pesquisadas nos trabalhos, há aquelas que se debruçaram na

análise de relatórios de inspetores e diretores de ensino; outros utilizaram a imprensa escrita e

fotografias; outros, ainda, a legislação e outras fontes oficiais. Alguns trabalhos se limitaram a

alguns tipos de fontes, enquanto outros estabeleceram uma amplitude de consulta dos

documentos históricos consultados.

Apesar da diversidade de trabalhos sobre a história das Instituições Escolares,

dentre as diferentes instituições escolares abordadas nesses encontros, não encontramos

nenhum trabalho cujo objeto fosse uma escola complementar. Isso demonstra que as

pesquisas têm privilegiado outros tipos de instituição, como grupos escolares e escolas

normais, deixando as escolas complementares à margem das pesquisas.

A investigação por dissertações e teses sobre essa modalidade de instituição

escolar corrobora essa constatação, pois encontramos parcos estudos com essa temática.

Citamos, por exemplo, CORBAGE (2010), TEIXEIRA JUNIOR (2005), CHIARELI (2007),

HONORATO (2011) e BERGOZZA (2010). Por isso, ressaltamos que ainda há muito

trabalho a ser feito e muitas instituições para serem pesquisadas. Ora, toda instituição escolar

possui informações que se relacionam com as questões locais e regionais. Sanfelice (2007),

com muita propriedade, nos adverte que “não há instituição escolar ou educativa que não

mereça ser objeto de pesquisa histórica... Não há instituição sem história e não há história sem

sentido”. (in: NASCIMENTO, 2007, p. 79)

As escolas complementares foram instituições de formação de professores

primários. Seu nível era inferior ao da escola normal. Contudo, sua adoção se justifica pela

crescente demanda de professores. As escolas complementares eram menos dispendiosas e

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conseguiam formar um número maior de docentes para o ensino primário. O surgimento das

escolas complementares está circunscrito ao período histórico no qual os republicanos

paulistas buscavam dar uma nova organização à instrução pública.

Por isso, compreender o surgimento e o desenvolvimento dessa instituição nos

ajudará a compreender melhor todo o contexto histórico no qual ela foi forjada. O resgate da

história das instituições escolares nos possibilita entender os diversos caminhos que a

educação traçou ao longo da história. Esta é uma forma de ajudar no fomento da luta por uma

educação de qualidade e da valorização e preservação de suas instituições escolares.

Auxiliado pela historiografia consultada e com o objetivo de resgatar e contribuir

para a preservação da história da Escola Complementar de Itapetininga – e, por meio dela, um

pouco da história da cidade – propusemos este projeto de pesquisa. Como a escola ainda não

tinha sido alvo de nenhum trabalho sistematizado de sua história, mas somente referências

sobre a sua criação, deparamo-nos com diversas questões a serem respondidas: Quais razões

levaram a cidade de Itapetininga a receber uma escola complementar? Foram motivações de

uma oferta equilibrada para o Estado, por interesses econômicos ou por interesses meramente

políticos? Quem eram os usuários desta instituição (docentes e alunos)? Eram provenientes

das classes privilegiadas ou das classes trabalhadoras? Como a escola dialogava com a

cidade? Quais eram as comemorações cívicas, os espaços e eventos de sociabilidade e

cultura?

O recorte histórico que adotamos neste estudo será o período correspondente aos

anos entre 1897 e 1911. A primeira data marca a instalação da Escola Complementar na

cidade de Itapetininga. A segunda refere-se ao ano em que a instituição foi transformada em

Escola Normal.

Nossa investigação se iniciou na Câmara de Vereadores de Itapetininga. Lá fomos

bem recebidos pela funcionária responsável pelo acervo que prontamente me levou à sala em

que os documentos ficam armazenados. Trata-se de uma sala bem organizada, reservada

somente para esse fim. Os documentos estão em prateleiras móveis, organizados em ordem

cronológica, em caixas de plástico. Nessas caixas estão as referências do ano e dos tipos de

documentos ali presentes6. Aqui foi possível encontrar a seguinte documentação: Atas da

Câmara entre 1895 a 1902; Livro de Leis Municipais de 1899 a 1902 e um Livro com

6 Algumas caixas, por exemplo, vinham com a marcação “Documentos da Câmara, 1841-1904” ou “Atas, 1879-

1928”.

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requerimentos e correspondências de 1899 a 1908. Cabe ainda apontar que alguns

documentos estavam dentro de caixas que demarcavam outro período histórico. Por exemplo,

o livro “Documentos da Câmara” 1900-1908 encontrava-se dentro da caixa “Documentos,

1841-1904”.

Essas visitas ao acervo da Câmara foram realizadas durante dez dias consecutivos,

aproveitando-me do período de recesso de julho de 2015, pois atuo no ensino público

municipal da cidade de Campinas. Um episódio inusitado foi o fato de o diretor da Câmara ter

me chamado em sua sala para saber o que eu estava fazendo. Ele demonstrou certa

preocupação em ser alguém da oposição a procurar alguma informação que “atrapalhasse” o

andamento do governo. Após o esclarecimento, ele quis conversar sobre a escola normal e

demonstrou que se preocupava se minha pesquisa iria “prejudicar” a imagem das personagens

históricas da cidade. Dizia ele que o “pessoal da esquerda” deveria valorizar mais os grandes

homens do passado, pois eles contribuíram muito para o desenvolvimento da cidade. Apesar

disso, permitiu que a pesquisa se desenvolvesse sem resistências.

Em seguida, iniciei minhas visitas à Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide” que

atualmente funciona no prédio que outrora abrigou a escola complementar. A direção também

foi muito receptiva em relação ao projeto e se dispôs a permitir o acesso ao acervo da escola.

No entanto, aqui encontramos muitas barreiras. A primeira delas relacionava-se aos dias de

visita ao acervo. Minha intenção era a de repetir o que havia feito na Câmara, isto é,

aproveitar as férias para mergulhar nas fontes. No entanto, a diretora disse ser inviável para a

escola, devido à falta de funcionários nessa época, pois uma parte deles também se

encontraria em férias.7

Isso me obrigou a reprogramar o planejamento, ocasionando outras dificuldades,

pois me restavam apenas os dias letivos. Fui levado a agendar as visitas com a direção da

escola e, concomitantemente, negociar uma folga na escola em que trabalho para poder viajar

e realizar a pesquisa. Isso foi realizado quatro vezes em 2015 e quatro vezes em 2016. No

entanto, em três dessas oportunidades a pesquisa não pôde ser realizada, pois, apesar do

prévio agendamento, a escola não dispunha de funcionários para me acompanhar ao acervo.

Além disso, em duas dessas visitas pude ficar somente em um turno, pois a escola não teria

disponibilidade para os dois turnos.

7 A direção da escola só permitia o acesso ao acervo se houvesse algum funcionário para acompanhar-me

durante todo o tempo da permanência dentro da sala.

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Outra estratégia traçada foi a de utilizar os feriados municipais de Campinas para

visitar a acervo da escola. Contudo, devido à dificuldade de acesso, nas oportunidades que

consegui adentrar ao acervo, limitei-me a fotografar todo e qualquer documento que estivesse

dentro do recorte temporal estabelecido para a pesquisa. Posteriormente, esses documentos

foram catalogados e organizados cronologicamente.

O acervo da escola estava em uma sala de aula. Quando a funcionária abriu a sala,

esta se encontrava encoberta por poeira, pois não era higienizada há muito tempo. Os alunos

que passavam pelo corredor questionavam que nunca tinham visto aquela sala aberta e

demonstraram muita curiosidade para saber o que havia ali – vale qualquer coisa para escapar

de uma aula.

Os documentos estavam dispostos em prateleiras e armários parcialmente

organizados cronologicamente e por tipo de documentos. Documentos oficiais como livros-

ponto, livros de matrícula, alguns boletins e diplomas, mapas mensais de notas e frequências,

livro do tesouro, entre outros, encontravam-se nas prateleiras. Nos armários estava uma

grande quantidade de livros antigos utilizados no período em que a instituição funcionava

como escola complementar e normal. Aqui, porém, não havia nenhuma organização. Estavam

apenas armazenados dentro dos armários. Cesário de Moraes Leonel (2004, p. 71), em seu

estudo sobre outra instituição de ensino de Itapetininga – A Escola de Farmácia e

Odontologia, já apontava as limitações dos acervos sobre a Escola Complementar:

Com relação ao histórico dessa instituição ainda não existe, em Itapetininga, um

acervo organizado que corresponda integralmente aos anseios de pesquisadores

cujos trabalhos estejam delineados ou direcionados para o estudo desse objeto.

Maria Cristina da Silva (2007) intencionava, em sua dissertação de mestrado, a

organização e o inventário que abrangeria os acervos das Escolas Estaduais “Dr. Peixoto

Gomide”, “Dr. Adherbal de Paula Ferreira” e “Coronel Fernando Prestes”. No entanto, devido

a limitações de ordem temporal, limitou-se a esta última instituição, apenas.

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Figura 1 – Sala do acervo da Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

Outro acervo pesquisado foi o do Arquivo do Estado de São Paulo. Aqui foi

possível ter acesso a diversos tipos de fontes, como relatórios de inspetores de ensino,

requerimentos, documentos estatísticos, ofícios e anais da Câmara dos Deputados do Estado

de São Paulo. As visitas a este acervo foram realizadas em dezembro de 2015 e janeiro,

fevereiro, junho e julho de 2016.

Finalmente, as últimas fontes a serem investigadas foram os exemplares dos

jornais Gazeta do Sul e Tribuna Popular. Estas fontes estavam no Centro Cultural e Histórico

de Itapetininga Brasílio Ayres de Aguirre, que se encontra no prédio que, construído em

meados do século XIX, sediou a cadeia e o Fórum até 1906 e, posteriormente, a Câmara e a

Prefeitura até 1989. Os dois periódicos eram produzidos no município de Itapetininga. Em

relação ao primeiro jornal, encontramos exemplares que cobrem o ano de 1901. Já o segundo

possuía maior quantidade de números preservados e abarcavam os anos entre 1893 a 1897 e

de 1900 e 1902. Contudo, o acervo do Centro Cultural não possui todos os números

relacionados aos períodos supracitados.

O objeto de pesquisa deste trabalho se relaciona com muitos fatores diferentes –

fatores políticos, sociais e econômicos. Por isso, faz-se necessário resgatar os diversos

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elementos que compõem o período histórico escolhido. Apresentamos a seguir a divisão dos

capítulos desta dissertação.

No primeiro capítulo, apresentamos o contexto econômico, social e político no

qual a escola foi forjada. Assim, buscamos compreender as características principais da etapa

de desenvolvimento do modo de produção capitalista da época - a fase monopolista - e

posicionar a cidade de Itapetininga dentro da divisão regional do trabalho. O objetivo desse

capítulo é buscar as razões econômicas, sociais e políticas que levaram a cidade ao privilégio

de receber a primeira escola complementar do interior paulista.

No segundo capítulo, traçamos um quadro sobre o papel da educação dentro do

modo de produção capitalista em sua fase monopolista. Além disso, também apresentamos o

papel “civilizatório” dado à educação pelos republicanos a fim de consolidar a ordem

burguesa e liberal paulista, especialmente dos fazendeiros do café. A classe hegemônica

paulista desejava “modernizar” o país seguindo os modelos dos centros capitalistas. A

educação das massas possuía papel central para o cumprimento desse projeto.

No terceiro capítulo, apresentaremos a criação e a implantação da Escola

Complementar de Itapetininga, em 1897. Por meio das fontes históricas consultadas e da base

teórico-metodológica que nos propomos a seguir, buscaremos responder as questões que

orientaram esta pesquisa.

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CAPÍTULO 1 – Do Universal ao Local

1.1- O Contexto Internacional

No dia 20 de julho de 1894, o Presidente do Estado de São Paulo – Bernardino de

Campos – assinou o Decreto nº 245 que criou a primeira Escola Normal do interior,

escolhendo, para isso, a cidade de Itapetininga. Contudo, essa escola não chegou a ser

instalada imediatamente, pois, em 1897, foi criada uma Escola Complementar na cidade. Esta

se tornou Escola Normal apenas em 1911.

Neste primeiro capítulo, perseguiremos as razões que levaram o município de

Itapetininga a ser escolhida para receber a referida instituição. Ora, temos como pressuposto a

existência de uma íntima relação entre a escola a ser estudada e a forma pela qual a sociedade

de sua época produzia sua existência material. Portanto, faz-se necessário entendermos, ainda

que em linhas gerais, todo o contexto econômico-social do final do século XIX e início do

XX.

O contexto do modo de produção capitalista desse período é chamado de fase

monopolista. Grosso modo, até a década de 1870, o capitalismo vivia a livre concorrência. No

entanto, isso fez com que houvesse uma superprodução e os preços ficassem cada vez

menores. Com isso, os lucros das empresas diminuíram. O capitalismo mundial entrou, então,

em uma grande crise, que ficou conhecida como Grande Depressão.

Em resposta a essa crise, e como uma forma de assegurar seus lucros, muitas

empresas industriais e comerciais fundiram-se, formando os monopólios e concentrando o

capital. Segundo Lênin:

O enorme desenvolvimento da indústria e o processo notavelmente rápido de

concentração da produção, em empresas cada vez maiores, constituem uma das

características mais marcantes do capitalismo. (LENIN, 2011, p. 118)

Esses monopólios industriais e comerciais também se uniram aos bancos,

transformando-se em capital financeiro. Se no antigo capitalismo reinava a livre concorrência

e exportavam-se mercadorias; na fase monopolista, reinam os monopólios e exporta-se

capital. Depois de constituído, o capital financeiro penetrou em todos os aspectos da vida

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social “independente do regime político ou de qualquer outra particularidade”. (LENIN, 2011,

p. 175)

Um dos aspectos mais marcantes do avanço do modo de produção capitalista é o

desenvolvimento econômico desigual entre as nações. De fato, a divisão internacional do

trabalho colocara o mundo em dois blocos que, combinados, formavam o sistema global.

De um lado, estavam os países dominantes, que formavam o centro do

desenvolvimento capitalista mundial. Constituíam a peça mais importante da economia

planetária e da sociedade burguesa. Eram industrializados ou estavam em vias de

industrializar-se, sua população era majoritariamente alfabetizada e passaram ou passavam

por um rápido processo de urbanização. Constituíam esse núcleo desenvolvido a Grã-

Bretanha, a Alemanha, a França, a Bélgica e a Suíça. (HOBSBAWM, 2005, p. 33-44)

Do outro lado, encontramos os países dependentes, que ocupavam a periferia da

economia global. Estavam sob o domínio direto ou sob a dominação política indireta de uma

nação do núcleo desenvolvido. Eram produtores especializados de um ou dois produtos

primários de exportação para o mercado mundial. Sua função era a de complementar as

economias centrais e, por isso, não haviam se industrializado. (HOBSBAWM, 2005, p. 94-99)

Outra característica marcante da fase monopolista do capitalismo é o

imperialismo. Em resposta à queda dos lucros, as nações adotaram o protecionismo para

diminuir a concorrência interna. Devido ao protecionismo presente nas nações desenvolvidas,

havia a necessidade de buscar novos mercados para resolver esse problema da superprodução

mediante a exportação. (HOBSBAWM, 2005, p. 100-101)

O Imperialismo foi o produto de uma era de concorrência entre economias

industrial-capitalistas rivais que implicou numa crescente intervenção do Estado em assuntos

econômicos. Portanto, a necessidade de garantir os lucros dos grandes oligopólios levou os

Estados desenvolvidos a interferir cada vez mais em assuntos econômicos. Uma das formas

de intervenção foi a partilha do mundo em colônias e esferas de influência. (HOBSBAWM,

2005, p. 109)

Em resumo, o recorte temporal deste estudo se encontra dentro da 2ª fase do

capitalismo internacional – a fase monopolista. Entre as principais características dessa fase

podemos elencar: a hegemonia do capitalismo industrial, a expansão do imperialismo, a

limitação da atividade industrial quase que exclusivamente aos países centrais, o fim da

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hegemonia britânica e início das rivalidades imperialistas, a formação de oligopólios e a

limitação do desenvolvimento da periferia colonial à produção de bens primários e das

atividades de infraestrutura necessária à sua comercialização – transportes, energia e serviços

urbanos. (SINGER, 1989, p. 348-349)

1.2 – O Brasil na Divisão Internacional do Trabalho

Ser um produtor especializado de produtos primários (café e borracha) era a

posição que o Brasil ocupava na divisão internacional do trabalho. Sua posição na economia

mundial era periférica, na segunda metade do século XIX. Era uma economia dependente das

economias industrializadas. O café era o principal produto de exportação nacional. Segundo

Celso Furtado (2007, p. 252):

Os empresários das economias exportadoras de matérias primas [...] tinham de

escolher dentre um número limitado de produtos requeridos pelo mercado

internacional. No caso do Brasil, o produto que apresentava maior vantagem relativa

era o café.

Dentro da estrutura em que o sistema capitalista se encontrava na segunda

metade do século XIX, o Brasil era uma das nações que supria sua necessidade de produtos

não industrializados. Consequentemente, tinha como função atender as necessidades das

economias industrializadas: alimentos ou matérias primas de ordem vegetal ou mineral. A

economia brasileira estava inserida, portanto, no Setor de Mercado Externo da Economia

Colonial. (SINGER, 1989, p. 352-353)

No entanto, essa integração do Brasil à economia global não acontecia de modo

uniforme. Até 1930, ela era bastante parcial. O setor de mercado externo brasileiro limitava-se

a três áreas: a zona cafeeira (Oeste Paulista e Vale do Paraíba), a zona açucareira (litoral

nordestino) e os seringais (Amazônia). (SINGER, 1989, p. 350)

Destacadamente, o principal produto de exportação era o café. No final do século

XIX e início do século XX, o Estado de São Paulo se tornou o maior produtor de café do

mundo. De acordo com Lalière (1909, p. 24):

D’après les renseignements que nous avons donnés antérieurement nous savons que,

si dans la moyenne de la production mondiale du café de ces dix dernières années, le

Brésil est intervenu pour 75%, l’État de Saint Paul revendique les deux tiers de cette

production, ce qui equivaut donc à la moitié de la production du monde entier.

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Rappelons que, pour l’année 1901/02, sur une production totale de 19.818.000

balles, Saint Paul est intervenu pour 10.166.000 balles environ, et que, pour 1906/07

il a fourni, aproximativement, 15.392.000 balles sur une recolte mondiale de

23.920.000 balles.8

Em resumo, de acordo com Celso Furtado (2007, p. 216-227), a participação do

Brasil no comércio internacional era a de país especializado na exportação de produtos

primários em uma economia dependente das economias industrializadas. Além disso, segundo

Francisco de Oliveira (1986, p. 391-414), podemos elencar entre as principais características

internas do Brasil: o avanço dos processos de acumulação primitiva e da divisão social do

trabalho rumo ao capitalismo industrial. Basbaum (1986, p. 92) complementa esse quadro ao

defender que a aceleração do ritmo de crescimento do capitalismo é a principal característica

do país nesse período.

O Estado de São Paulo passou por profundas alterações econômicas durante o

século XIX, mas essas foram intensificadas na sua segunda metade. Caio Prado Junior (1953,

p. 157) denomina essas transformações de revolução. Segundo o autor, essa revolução foi

ocasionada por dois fatores. O primeiro, de natureza geográfica, isto é, o deslocamento da

primazia econômica das regiões Norte para o Centro-Sul. O segundo foi a decadência

econômica das lavouras da cana-de-açúcar, do algodão e do tabaco e, paralelamente, do

considerável desenvolvimento do café.

A lavoura cafeeira contava com uma base financeira e de crédito, além de

aparelhamento comercial suficiente, que possibilitaram sua considerável expansão na segunda

metade do século XIX, mesmo que passando por várias crises de crescimento. Em São Paulo,

o café iniciou sua expansão pelo Vale do Paraíba e transferiu-se para o interior rumo ao oeste

e ao norte, devido à exaustão das terras. Assim, o ouro verde passou por Campinas, em 1830,

Limeira, Rio Claro, São Carlos, chegando em Ribeirão Preto na década de 1890.

Outros fatores essenciais para o desenvolvimento paulista estavam ligados à

produção do café, seja com núcleos urbanos pré-existentes ou com muitas novas cidades que

foram criadas. Estão relacionadas a essa economia a introdução do trabalho livre, por meio

dos imigrantes, e a construção de uma rede de transporte ferroviário para o escoamento da

8 De acordo com as informações apresentadas anteriormente, sabemos que, enquanto na média da produção

mundial de café da última década, o Brasil interveio com 75%, o Estado de São Paulo reivindica dois terços dessa produção, o que equivale à metade da produção mundial. Lembremos que, entre 1901 e 1902, sobre uma produção total de 19.818.000 sacas, São Paulo foi responsável por 10.166.000 sacas aproximadamente, e que, entre 1906 e 1907, ele forneceu, aproximadamente, 15.392.000 sacas sobe uma colheita mundial de 23.920.000 sacas. (Tradução Livre)

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produção. As linhas férreas estendiam-se em direção às lavouras e, com isso, possibilitavam o

desenvolvimento das cidades.

Os imigrantes distribuíam-se pelas terras paulistas para trabalhar nas lavouras,

mas não se restringiram a isso. Também estabeleceram negócios nas cidades, prestavam

serviços e colaboravam para o seu crescimento. O crescimento urbano paulista, impulsionado

pelo café, levou ao crescimento da demanda por educação em proporções até então inéditas.

Os governos foram progressivamente pressionados pela demanda social a instalar

estabelecimentos oficiais de ensino para a população em geral. De acordo com Da Costa

(1983, p.12):

A intensidade das necessidades de instrução, decorrentes do incremento

populacional cresceu ao mesmo tempo que a evolução das estruturas econômicas e

fez-se sentir, sobretudo, nas cidades onde a instrução aparece mais ligada às

possibilidades de melhoria de emprego e de nível de vida. O desenvolvimento

econômico conduz e aumenta a necessidade de aprender, criando, assim, condições

para uma demanda crescente.

Para Aranha (2006, p. 46) a expansão da indústria, do comércio, a diversificação

das profissões técnicas e dos quadros burocráticos na administração e na organização dos

negócios impulsionou a ampliação da rede escolar.

1.3 – Itapetininga e a Divisão Regional do Trabalho

Como exposto acima, a integração da economia brasileira à economia

internacional não era homogênea. Segundo Singer (1989), os setores que estavam integrados à

economia global configuravam “manchas”. A maior parte das regiões do país formava como

que um mundo semifechado às influências vindas do exterior.

A fim de podermos compreender qual era a posição de Itapetininga dentro da

economia paulista, adotamos a divisão regional proposta pelo mapa do Estado de 1929. Essa

divisão foi utilizada também por Lalière (1909) e por Milliet (1982), facilitando, desse modo,

a comparação dos dados. Segundo esta divisão, os municípios paulistas foram agrupados em

sete regiões: Norte, Central, Mogiana, Paulista, Araraquense, Noroeste e Alta Sorocabana.9

9 Essa divisão tem como fundamento o desenvolvimento cronológico do café dentro do Estado de São Paulo. O

zoneamento foi estabelecido de acordo com os limites geográficos naturais ou os canais de penetração da cultura

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Itapetininga se encontrava na zona central. Pertenciam a essa região os municípios

de: Angatuba, Anhembi, Araçariguama, Atibaia, Bofete, Bragança, Cabreúva, Campinas,

Campo Largo, Conchas, Capivari, Cotia, Guareí, Indaiatuba, Itatiba, Itu, Joanópolis, Jundiaí,

Juqueri, Laranjal, Monte-Mor, Nazaré, Parnaíba, Pereiras, Piedade, Piracaia, Piracicaba,

Porangaba, Porto Feliz, Rio das Pedras, Salto, Santa Bárbara, São Pedro, São Roque, Sarapuí,

Sorocaba, Tatuí, Tietê, Una, Vila Americana e a Capital. (MILLIET, 1982, p. 14)

Na tabela número 1, podemos visualizar a participação de cada região paulista na

produção total de café:

Tabela 1 – Produção de café por região do Estado de São Paulo

Zona Porcentagem sobre

a produção total de

café em 1886

Porcentagem sobre

a produção total de

café em 1920

Norte 19,99 3,47

Central 29,00 12,58

Mogiana 21,81 35,53

Paulista 23,69 18,77

Araraquense 4,05 18,79

Noroeste --- 3,27

Alta Sorocabana 1,46 7,59

Fonte: LALIÈRE, 1909, p. 22

Pelos dados, podemos averiguar que o município pertencia a uma região que

figurava entre os maiores produtores de café do Estado. Contudo, a produção itapetiningana

era bem reduzida se comparada com outros municípios da mesma zona, como podemos

identificar na tabela abaixo:

cafeeira. Embora com o tempo muitos municípios tenham se dividido e se multiplicado, a área de abrangência

permaneceu praticamente a mesma, permitindo, assim, a comparação dos dados presentes nas tabelas dentro do

período histórico proposto.

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Tabela 2 – Produção de café em alguns municípios paulistas

Município Produção de café em 1886

(em arroba)

Produção de café em 1920

(em arroba)

Itapetininga 28.833 9.587

Bragança 250.000 182.000

Itu 46.667 141.907

Campinas 1.500.000 795.680

Jundiaí 133.333 199.300

Piracicaba 300.000 170.300

Fonte: LALIÈRE, 1909, p. 48

Em 1886, o município foi responsável por 0,27% do café paulista. Já em 1920

essa participação caiu para 0,04%. Portanto, mediante os dados apresentados, percebemos que

Itapetininga estava à margem da produção cafeeira paulista (NOGUEIRA, 1962, p. 22). A

cidade contava ainda com a produção de algodão e de cana-de-açúcar. No entanto,

configuravam uma produção também limitada economicamente.

O município de Itapetininga possui sua história ligada à colonização da região sul

do Brasil e à sua anexação ao território português. Após a descoberta das minas, no final do

século XVII e início do século XVIII, iniciou-se o chamado ciclo do tropeirismo. Em

consequência, a região passou a servir de intermediação entre o gado vindo do sul e a região

das Minas. Tropeiros traziam o gado para vendê-los na feira de Sorocaba. No caminho que

ligava Sorocaba a Curitiba, as sesmarias tornaram-se fazendas que serviam de pouso para os

tropeiros, originando, consequentemente, as cidades. De Sorocaba a Itararé (a rumo sudoeste)

e de Itararé a Curitiba (a rumo sudeste), todas as cidades atuais foram antigos pousos para os

tropeiros: Itapetininga, Angatuba, Buri, Itapeva Itararé, Jaguaraíva, Castro, Ponta Grossa.

(LISBOA, 2006, p. 73-78)

A região de Itapetininga começou a se desenvolver como bairro de Sorocaba. Seu

povoamento foi estimulado pelo comércio de animais. Como a cidade fica a aproximadamente

60 quilômetros de Sorocaba, suas pastagens se configuraram como ponto de parada de

engorda do gado para a feira. Simultaneamente ao povoado, formou-se uma agricultura de

subsistência em que se plantavam em especial milho, feijão, arroz e mandioca para a venda

local. Além disso, desenvolveram-se as primeiras vendas e oficinas para o atendimento dos

tropeiros e mineradores. (NOGUEIRA, 1962, p. 46-48)

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Em 05 de novembro de 1770 foi fundada a Vila de Nossa Senhora dos Prazeres

com a cerimônia do levantamento do pelourinho, o sorteio dos juízes ordinários e demais

oficiais da Câmara. Essa fundação se deu por interesse do governo metropolitano que tinha

como objetivo melhorar a fiscalização sobre a atividade mineradora. Posteriormente, a vila foi

elevada à categoria de comarca (1854) e, em seguida, de cidade (1855).

Até meados do século XIX, além da agricultura de subsistência, desenvolveu-se a

plantação de cana-de-açúcar. A região passou por um acelerado processo de povoamento e se

constituiu no local uma população permanente (aproximadamente 20.000 habitantes – a maior

parte vivia na zona rural). Apareceram as primeiras oficinas destinadas à população

circunvizinha à cidade. Em 1855, a cidade contava com 57 comerciantes, além de um número

crescente de advogados, juízes, médicos, professores e funcionários burocráticos.

(NOGUEIRA, 1962, p. 182-184)

No tocante ao recorte temporal deste trabalho, isto é, a última década do século

XIX e a primeira do século posterior, Itapetininga não era um grande produtor de café.

Também não possuía outro produto economicamente rentável que pudesse impulsionar o

desenvolvimento econômico do município.

Apesar disso, esse também é o período de introdução de diversas melhorias

urbanas no município. Já em 1889 tem início a construção da rede de abastecimento de água.

Em 1890, chega à cidade o telégrafo da Companhia Sorocabana e, em 1895, os trilhos da

Estrada de Ferro Sorocabana. Nesse mesmo ano, a instalação da Escola Modelo. Em 1897, a

Escola Complementar. Na primeira década do século XX, instalam-se os primeiros esgotos

sanitários. Em 1911, a Escola Normal. Em 1912, a iluminação à energia elétrica.

À época, Itapetininga não possuía uma grande quantidade populacional, como

podemos verificar na tabela a seguir:

Tabela 3 – População de Itapetininga entre 1890 e 1920

Ano População de Itapetininga

1890 11.278

1900 13.278

1920 25.987

Fonte: NOGUEIRA, 1962, p. 190

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Como pudemos averiguar até aqui, no tocante à economia, o município de

Itapetininga não ocupava uma posição de relevância dentro do Estado de São Paulo. Além

disso, também não era um grande centro urbano do Estado. Portanto, o município participava

do intenso desenvolvimento econômico que todo o estado paulista vivenciou no final do

século XIX, porém marginalmente.

1.4. Por que uma escola complementar em Itapetininga?

No período histórico analisado, o crescimento econômico do Estado de São Paulo

condicionou-se de modo especial pela expansão cafeeira. Disso decorreu o processo de

urbanização e a diversificação das atividades produtoras. Segundo Ana Maria Infantosi da

Costa (1983, p. 12), a expansão da rede escolar acompanhou a cultura do café e concentrou-

se, de maneira particular, nos núcleos urbanos ligados às atividades relacionadas à cultura do

café.

Ora, como vimos até aqui, o município de Itapetininga estava às margens da

economia cafeeira. Além disso, também não se configurava como um grande centro urbano.

Segundo os dados de Nogueira (1962, p. 64), em 1890, o município contava com 11.278

habitantes, crescendo para 13.278, em 1900, e 25.987 em 1920. O autor nos aponta que, em

1890, apenas 22,17% da população habitava a zona urbana (NOGUEIRA, 1962, p. 190) e

acrescenta:

Localizado em zona que nunca ofereceu condições satisfatórias para o cultivo do

café e, tendo na pecuária e no comércio de animais, o principal fundamento e

elementos mais estável de sua economia, jamais constituiu o município um ponto

especial de atração para a imigração estrangeira. (NOGUEIRA, 1962, p. 228)

Para Da Costa (1983, p. 84), Itapetininga pertencia ao grupo de municípios em

que a diferenciação social entre trabalhadores era pequena, pois o crescimento urbano não foi

acompanhado de progressos significativos no campo das indústrias e do comércio. Assim, a

diferença social e econômica mais significativa registrava-se entre a elite local e o conjunto de

trabalhadores que compunha a maioria da população urbana. De fato, a rigidez da estrutura

social dos tempos do Império foi legada à República e não sofreu alterações substanciais pelo

menos até a Revolução de 1930.

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Como afirma da Costa (1983, p. 12), o crescimento demográfico e intensificação do

processo de urbanização e industrialização são elementos fundamentais para tornar efetiva a

demanda potencial de educação:

A expansão do ensino primário resultou, em grande parte, do crescimento sensível

da demanda social da educação. O crescimento demográfico – vegetativo e

imigratório, criou uma demanda potencial de educação, tornada efetiva pela

intensificação do processo de urbanização e industrialização. [...] A intensidade das

necessidades de instrução, decorrentes do incremento populacional cresceu ao

mesmo tempo que a evolução das estruturas econômicas e fez-se sentir, sobretudo,

nas cidades onde a instrução aparece mais ligada às possibilidades de melhoria de

emprego e de nível de vida. O desenvolvimento econômico conduz e aumenta a

necessidade de aprender, criando, assim, condições para uma demanda crescente.

A esse respeito, na sessão ordinária de 27 de abril de 1895, o deputado Alexandre

Coelho propõe à Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo um projeto de criação de

uma Escola Normal na cidade de Mogi Mirim.10

Acompanhemos os argumentos que o

deputado utiliza para defender a sua causa:

Pedi a palavra, sr. presidente, para submetter à consideração desta Camara um

projecto de lei que me parece satisfazer a uma necessidade urgentemente reclamada

pela zona mais rica e mais importante do nosso Estado, e ao mesmo tempo

corresponder a uma aspiração geral dos interesses de S. Paulo no tocante à solução

do grave problema do ensino publico.

Refere-se o projecto à creação de uma escola normal em uma cidade prospera, em

uma das mais importantes cidades do oeste de S. Paulo, cercada de todos os

elementos de prosperidade, possuindo toda a facilidade de communicação com os

pontos principais do interior, e que, pela sua excepcional collocação geographica,

está destinada a prestar relevantes serviços à causa da instrucção publica no dia em

que os nossos governos reconhecerem o erro que cometteram centralizando o ensino

na capital. (Não apoiados da maioria e apoiados da oposição.)

Quando procuramos estudar a questão da instrucção publica no nosso Estado,

quando procuramos fazer o inventario dos actos e dos esforços do Estado de S.

Paulo relativamente a esse ponto importantissimo; emquanto o nosso exame tem

deante de si os elementos officiaes; emquanto examinamos os relatorios pomposos

do funccionalismo encarregado desse serviço; emquanto nos deixamos deslumbrar

pelo explendor dos edificios não menos pomposos que se levantam nesta capital,

trazendo o distico – instrucção popular -; realmente parecerá que o Estado de S.

Paulo tem feito muito, e por momento paira em nosso espirito a convicção de que o

nosso Estado não se acha mais adeantado apenas no que diz respeito ao progresso

material, mas também no tocante ao progresso intellectual, porque nos parece que

elle corre com mais força, mais patriotismo e mais pujança em busca desse ideal das

democracias modernas – a conquista da instrucção integral do povo.

Mas, sr. presidente, quando saimos de S. Paulo, e procuramos o interior do Estado,

buscando estudar esse assumpto à luz do que por lá se passa, a nossa desillusão é

completa.11

10

É importante salientar que em 1895 havia somente uma Escola Normal em todo o Estado de São Paulo e esta

se encontrava na Capital. Outra havia sido criada em Itapetininga, em 1894, mas foi efetivamente instalada

apenas em 1911. 11

Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo. Annaes da Sessão Ordinária de 1895 (1º anno da 3ª

Legislatura). 1896, p. 143

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Interessante notar que o deputado, a fim de convencer seus colegas sobre a

pertinência de seu projeto, utiliza como um de seus argumentos a necessidade de

descentralizar o ensino paulista. Mas seu principal argumento repousa no fato de a região que

estava sob sua influência ser a “zona mais rica e mais importante do Estado”. Além disso,

tratava-se de uma “cidade prospera, em uma das mais importantes cidades do oeste de S.

Paulo, cercada de todos os elementos de prosperidade, possuindo toda a facilidade de

communicação com os pontos principais do interior, e [...] excepcional collocação

geographica”.

Para o deputado, portanto, a demanda por educação de sua região está ligada ao

grande desenvolvimento econômico que ela possuía.

Apesar disso, o Estado de São Paulo escolheu o município de Itapetininga para

receber a primeira Escola Normal do interior, em 1894, e, mais tarde, a instalação da primeira

Escola Complementar do interior, em 1897.

Quais razões levaram a presidência do Estado de São Paulo a escolher o referido

município, preterindo municípios com centros urbanos mais desenvolvidos, mais pujantes

economicamente e, portanto, com uma demanda maior por educação?

Para encontrarmos possíveis apontamentos de respostas a essa questão,

precisamos entender o funcionamento de uma das características políticas mais marcantes da

Primeira República: o coronelismo.

De acordo com Victor Nunes Leal (Apud: LISBOA, 2006, p.109), o coronelismo

pode se entendido como:

um sistema político dominado por uma relação de compromisso entre o poder

privado decadente e o poder político fortalecido. Essa relação se consubstancia

através de um acordo tácito de troca de proveitos, decorrentes da evolução do

sistema representativo e só é viável graças à estrutura agrária do país: a propriedade

rural concentrada nas mãos de poucos, numa economia voltada ainda em fins do

século XIX, integralmente para o mercado exterior, nos moldes da colônia,

mantendo em situação de extrema dependência a atrasada massa responsável pela

mão de obra.

O coronelismo não era algo novo no cenário político brasileiro. Para Edgard

Carone (1978, p. 153-157), a sua característica fundamental era a posse da terra, que

configurava a base da produção para o mercado interno e externo. Isso permitia a grande

exploração regular do trabalho e a acumulação de riquezas. Por isso, com raras exceções, os

coronéis exerciam um predomínio absoluto sobre a política.

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Em 1831, foi criada a Guarda Nacional. Uma de suas patentes era a de coronel,

que correspondia a um comando de nível municipal e regional. A posse dessa patente

dependia do prestígio econômico ou social do pretendente. Por isso, quase sempre era

concedido a um proprietário de terras (LEAL, 1997, p. 13). Mesmo após a extinção da Guarda

Nacional, a denominação “coronel” continuou em uso pela população – que assim designava

aqueles que pareciam deter em suas mãos grandes parcelas de poder econômico e político.

Maria Isaura Pereira Queiroz (1976, p. 163) aponta que o coronelismo como

forma específica de poder político lança suas raízes no Império. Segundo a autora, o

coronelismo:

como uma forma específica de poder político floresceu durante a Primeira

República, e cujas raízes remontam ao Império, já então os municípios eram feudos

políticos que se transmitiam por herança – herança não configurada legalmente –,

mas que existia de maneira informal.

Com a passagem do Império para República, a estrutura econômica-social não se

alterou. Por isso a influência dos coronéis não apenas permaneceu como aumentou, pois a

queda do poder Moderador permitiu que eles mesmos escolhessem seus representantes em

todos os graus da administração pública (CARONE, 1978, p. 153).

Portanto, o coronel exercia o controle total sobre o seu município ou zona de

influência. Como nos aponta Carone (1978, p. 254-255):

Assim, o controle do coronel é total no seu município ou zona. [...] A sua liderança

significa domínio, e o desrespeito às regras pode levar, também, à quebra do seu

status e ao seu desprestígio. O termômetro de sua afirmação regional está na

manifestação popular pelo voto. É através deste que ele mantém seu prestígio e

pressiona para obter favores necessários para continuar a dominar internamente. No

regime representativo, a sua força é o número de votos que pode fornecer ao

candidato: daí a relação existente entre votar no candidato a um cargo executivo –

governador ou deputado – e os favores recebidos: empregos públicos, verbas para

obras, controle sobre a política local etc. Maior quantidade de votos significa maior

poder, mais favores e mais imposições.

O coronel se interpunha entre os chefes políticos estaduais e a massa de eleitores

da sua zona de influência. Mesmo com a República “o processo político brasileiro continuava

girando em torno do coronel, cujos parentes e afilhados, representantes obedientes do seu clã,

ocupavam postos nos diferentes ramos do serviço público.” (QUEIROZ, 1976, p. 119)

Ainda sobre o funcionamento do coronelismo, Rodolpho Telarolli (1981, p. 111)

ressalta que:

é nos municípios que o fenômeno “coronelismo” se exercia –, carentes de autonomia

financeira, em tudo dependiam do governo do Estado que, por sua vez, em nada

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beneficiava o município a não ser pelas mãos do chefe político governista local que,

frequentemente era o ‘coronel’ ou um seu aliado e dependente [...]. Aí está delineado

o mecanismo de proveitos recíprocos através do qual se processava a perpetuidade

no poder: os detentores do mando estadual tiveram os votos garantidos pelo

‘coronel’ que, em troca, via assegurada a sua supremacia no município que, por sua

vez, só através dele se beneficiava dos recursos dos cofres estaduais [...]. Na prática,

a concretização do compromisso pelas partes se fazia por procedimentos,

providências e recursos os mais variados. O governo estadual tornava o ‘coronel’

credor de tudo; perante todos na comunidade.

Havia, portanto, uma relação de reciprocidade entre o coronel e o poder estadual

que fortalecia e perpetuava o poder de ambos. No âmbito local, o coronel dominava a

administração municipal, o poder judiciário, a polícia, a câmara municipal, manipulava as

eleições, dispensava favores, distribuía empregos públicos, entre outras coisas. No âmbito

estadual, o coronel conseguia “melhorias” para sua região por meio da fidelidade na garantida

de votos para os cargos estaduais e nacionais. Como afirma Leal (1997, p. 58):

A falta de espírito público, tantas vezes irrogada ao chefe político local, é

desmentida, com frequência, pelo seu desvelo pelo progresso do distrito ou

município. É ao seu interesse e à sua insistência que se devem os principais

melhoramentos do lugar. A escola, a estrada, o correio, o telégrafo, a ferrovia, a

igreja... O posto de saúde, o hospital, o clube [...], a luz elétrica, a rede de esgotos, a

água encanada -, tudo exige o seu esforço, [...]. E com essas realizações de utilidade

pública, algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio político, [...], é

com eles que, em grande parte, o chefe municipal constrói ou conserva sua posição

de liderança.

Obviamente, o coronelismo não se manifestou de modo homogêneo em todo

território nacional. Nos estados mais adiantados, por exemplo, seu funcionamento foi

suavizado e regulado devido a uma estrutura partidária mais desenvolvida. De acordo com

Carone (1978, 266):

O Partido é um órgão regulador das atitudes, premiando ou pondo no ostracismo os

seus elementos: daí a maior influência desses Estados, resultante por uma união

maior e um número menor de incidentes, pois qualquer divergência surge como um

ato aparente contra a coletividade e não como choques individuais.

O processo coronelístico do Estado de São Paulo estava inserido dentro das

características da citação acima. Veremos agora como o município de Itapetininga se inseria

nessa estrutura política.

Segundo Nogueira, o município ocupava uma posição geográfica que favorecia a

defesa do território paulista diante de possíveis ameaças de invasão vindas do Sul. Isso

concedeu a Itapetininga a condição de posto de coordenação da defesa do sul paulista. Por

isso, desde o Império e também na República, o município recebia certa prioridade na

instalação de serviços públicos de alcance local e regional. Isso contribuiu decisivamente para

a projeção dos políticos locais ao cenário estadual e nacional (NOGUEIRA, 1962, p. 192).

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40

Na década de 1890, Fernando Prestes de Albuquerque12

iniciou seu caminho de

ascensão política no âmbito estadual ao aderir ao movimento que depôs o presidente do

Estado – Américo Brasiliense de Almeida Melo – substituindo-o por José Alves de Cerqueira

Cesar, em 1891.

Mais tarde, em 1893, em meio a Revolta Federalista13

, as tropas rebeldes

invadiram o estado do Paraná e ameaçavam invadir também o estado de São Paulo. Fernando

Prestes e o então senador Dr. Peixoto Gomide – que, à época, residia em Itapetininga –

tornaram-se colaboradores do presidente do estado paulista, Bernardino de Campos, na defesa

do estado.

Em 07 de abril de 1894, na sessão solene de instalação da Câmara dos Deputados

do Estado de São Paulo, o presidente do estado discursou referindo-se à revolta da seguinte

maneira:

Ainda não se haviam dissipado os receios provenientes do perigo da propagação do

cholera em S. Paulo, quando foi o governo surpreendido pela revolta de uma parte

da armada, que desde logo poz o porto de Santos e outros do Estado em imminente

risco de ataque e depredação.

[...]

Egualmente fortes columnas estabeleceram-se na fronteira sul do Estado, em

Apiahy, Itararé, Rio Verde, Fartura, Pirajú, desde que o Paraná foi invadido.

À requisição do governo federal marchou para o Paraná, como auxilio à divisão ao

mando do ilustre coronel Gomes Carneiro, em dezembro do ano passado, uma

columna composta de força dos batalhões 1º, 2º, 108º e 111º da guarda nacional da

capital, com uma secção de artilharia às ordens do distincto coronel Adriano

Pimentel.

12

O Coronel Fernando Prestes de Albuquerque nasceu em Espírito Santo da Boa Vista (atual Angatuba), em

1854. Iniciou sua carreira política em Itapetininga, no Partido Republicano Paulista. Foi proprietário de terras,

dono da fazenda Araras. Recebeu a patente de Coronel da Guarda Nacional e do Exército por ter se destacado na

defesa paulista contra os federalistas. Foi Deputado Estadual entre 1892 e 1897; Deputado Federal em três

legislaturas; teve quatro mandatos de Senador Estadual; foi vice-presidente do Estado de São Paulo em três

oportunidades; e presidente do Estado entre 1898 e 1900. Morreu em 1937 e foi sepultado na cidade de

Itapetininga. 13

A Revolução Federalista (1893-1895) foi uma série de conflitos armados que ocorreram no sul do país. Ela se

iniciou no estado do Rio Grande do Sul. O Partido Federalista – partido de oposição ao Partido Republicano Rio-

grandense – defendia uma reforma da Constituição Federal e a adoção do parlamentarismo. O ex-fazendeiro

Gumercindo Saraiva, que era contrário à centralização da República, uniu-se aos federalistas contra o Presidente

do Estado gaúcho. Os combates começaram em 1893. Os federalistas conseguiram tomar pequenas cidades no

Rio Grande do Sul e marcharam rumo ao norte até chegarem ao estado de Santa Catarina, onde, no final de 1893,

uniram-se aos insurgentes de outra rebelião contra a República – a Revolta da Armada. Os combatentes

adentraram, em seguida, o estado do Paraná e, no início de 1894, ameaçavam invadir o estado de São Paulo.

Porém, as tropas republicanas conseguiram debelar a ameaça. A derrota final dos federalistas ocorreu em junho

de 1895. O acordo de paz foi assinado em 23 de agosto de 1895. (SÊGA, 2011)

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41

Os nossos briosos patricios honraram alli as tradições de sua terra e a bandeira

republicana. 14

De acordo com o documento acima, as preocupações se voltaram especialmente

para duas regiões do estado: o litoral – particularmente o porto de Santos – e o sul paulista. As

forças militares conseguiram dissipar a ameaça e ambas as frentes.

Os conflitos também interferiram diretamente no cotidiano dos cidadãos que

viviam nessas regiões. No caso de Itapetininga, o inspetor do distrito literário ao qual o

município pertencia consultou a Diretoria de Instrução Pública sobre a situação dos alunos

que não estavam comparecendo às aulas devido ao perigo de invasão dos insurgentes. Em

resposta à consulta, o Diretor Geral, Arthur Guimarães, enviou o seguinte ofício:

O inspector do 29º districto litterario, com sede em Itapetininga, cidadão José Carlos

Dias, consultou-me por officio de 13 de fevereiro ultimo, si, achando-se refugiada

daquella localidade grande parte da sua população em consequência dos acontecimentos

que alli se tem dado ultimamente e por isso desfalcada de alumnos algumas de suas

escolas publicas devem os respectivos professores eliminar da matricula aquelles que

faltarem às aulas durante trinta dias consecutivos.15

No relatório de 1895, o inspetor também faz referência às perturbações à educação

ocasionadas pela revolta:

a pedido do Presidente da Câmara desta cidade, cidadão Clementino de Oliveira,

ainda preparei grande numero de listas destinadas aquelle serviço, de cujo resultado

fallarei mais tarde, a não ser o facto da revolução, que tomando incremente e

estendendo-se pelos estados do Sul, não deixou de perturbar nesta zona os trabalhos

relativos a este ramo do serviço público [...].16

De acordo com os documentos, pode-se perceber que uma parte considerável dos

munícipes itapetininganos deixaram suas atividades habituais cotidianas devido ao perigo

vindo do sul. A revolta causou um sensível impacto político e na vida cotidiana dos paulistas.

Além disso, o Estado de São Paulo teve um papel relevante nos combates que levaram à

derrota dos federalistas.

A participação de Itapetininga no auxílio às tropas estaduais está presente no

relato feito por Alfredo Ellis Junior (1949, p. 81-98), como podemos acompanhar:

14

Câmara dos Deputados do Estado de São Paulo. Annaes da Sessão Ordinária de 1894 (3º anno da 2ª

Legislatura). 1895, p. 12 15

Ofício da Diretoria da Instrução Pública do Estado de São Paulo. In: S. Manuscrito. Instrução Pública do

Conselho Superior. “Ofícios”, Ano 1895, caixa 6, ordem 4971

16 José Carlos Dias. “Relatório Apresentado ao Ilustrado Conselho Superior da Instrucção Publica do Estado de

S. Paulo pelo inspector do 29º Districto Litterario”. In: S. Manuscritos/Instrução Pública do Conselho Superior,

“Ofícios”, Ano 1895, Caixa 6, Ordem 4971

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Ainda em ação contínua, Bernardino de Campos forneceu montaria aos onze oficiais

da coluna Pego Júnior, que partia de Itapetininga a 6 de dezembro.

[...]

A coluna Pires Ferreira chagara a Itapetininga, sem artilheria, por serem as estradas

a percorrer péssimas, segundo informava, então, o Tenente Abrantes.

Com o seu auxílio na organização e na chefia de forças para a defesa do governo

contra a ameaça de invasão, Fernando Prestes consolidou o seu prestígio político no âmbito

local e regional e o expandiu na esfera estadual. Prestes passou a ser um dos integrantes mais

influentes do Partido Republicano Paulista. A partir de então, e até 1930, a vida política de

Itapetininga foi inteiramente dominada pela família Prestes de Albuquerque. (NOGUEIRA,

1962, p. 533)

Essa hegemonia política de Fernando Prestes é atestada também por Carone

(1978, p. 266):

Em São Paulo, os municípios têm seus chefes políticos, que exercem grande

influência dentro de uma zona distrital. O Estado é dividido em dez zonas distritais e

cada uma delas tem um chefe incontestável: Itapetininga é a zona de influência de

Fernando Prestes; Piraju, de Ataliba Leonel; Batatais, de Washington Luís etc.

Podemos encontrar elementos claros que testificam a liderança política exercida

pelo Coronel Fernando Prestes nas atas da Câmara Municipal de Itapetininga. Na sessão do

dia 05 de novembro de 1897 os vereadores Christiano Rosa Porfírio, José Ayres e Joaquim

Fogaça propõem, por meio de uma indicação, que a Câmara:

mande collocar na sala de suas sessões os retratos dos cidadãos Peixoto Gomide e

Coronel Fernando Prestes, em reconhecimento dos serviços prestados a esta

cidade.17

Os retratos foram, de fato, fixados em sessão solene na Câmara no dia vinte e

quatro de março de 1898.18

Nesse mesmo ano, os vereadores itapetininganos autorizaram o

Intendente municipal a organizar uma festa de recepção às duas ilustres autoridades,

garantindo o pagamento das despesas com o dinheiro público:

Por deliberação unânime da Camara ficou o Intendente autorizado a faser as

despesas necessarias com a recepção do Dr. Peixoto Gomide e D. C. Presidente do

Estado [Fernando Prestes] que, segundo consta, vem visitar esta cidade.19

17

Livro Atas das Sessões da Câmara Municipal (1895-1899), p. 63, in: caixa Atas 1895-1899 18

Sessão do dia 24 de março de 1898. Idem, p. 73 19

Sessão do dia 30 de setembro de 1898. Idem, p.86-87

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Pelo que pudemos acompanhar nas atas das sessões da Câmara, as visitas do

Coronel Fernando Prestes à cidade eram sempre acompanhadas de festividades patrocinadas

pelo dinheiro público. Na sessão do dia 11 de maio de 1900, foram apresentadas as despesas

com um “festa em honra” ao coronel no valor de 2:442$30020

, por exemplo. Interessante

transcrevermos aqui os argumentos que o presidente da Câmara se utilizou para justificar essa

festividade:

O senhor Presidente declarou que interpretando os sentimentos do povo deste

município convocou a presente sessão para tratar-se da recepção nesta cidade do

nosso ilustre conterrâneo Exmo. Senhor Cel. Fernando Prestes de Albuquerque que

tem de regressar a esta cidade, em princípio do próximo mês de maio, por ter

findado o mandato que lhe conferio o eleitorado paulista; para exercer o honrado

cargo de Presidente deste Estado, desempenhando a sua árdua missão com toda

independencia e honestidade, tornando assim digna de estima e consideração do

povo Paulista, e especialmente dos Itapetininganos, que sempre lhe tributaram (...) e

consideração como um dos seus mais distintos conterrâneos.21

Portanto, a participação do Coronel Fernando Prestes na deposição de Américo

Brasiliense de Almeida Melo da presidência do Estado e, mais tarde, na luta contra a Revolta

Federalista consolidou sua liderança política no âmbito local e a expandiu na estrutura

coronelística do âmbito estadual. Além disso, o clima de ameaça revolucionária que ainda se

vivia no primeiro semestre de 1894 permitiu que o Coronel vencesse a concorrência de tantas

outras cidades e conquistasse o privilégio de uma Escola Normal para o município de

Itapetininga. Como atesta Nogueira (1962, p. 462-463):

O ascendente prestígio, no âmbito estadual, do chefe político local, Coronel

Fernando Prestes de Albuquerque, que há pouco se salientara com a mobilização de

forças contra os rebeldes “federalistas”, procedentes do Sul, e sua aliança com o

senador Peixoto Gomide, que desde algum tempo, mantinha residência temporária

no município, foram decisivos em fazer com que se escolhesse Itapetininga para se

criar a 1ª Escola Normal do interior do Estado [...], Itapetininga enfrentou a

competição de sua rival mais próxima – a cidade de Tatuí, cujo município se

desmembrou de Itapetininga em 1844.

Em 1893, o jornal local, Tribuna Popular, entrou em polêmica com a Gazeta de

Tatuhy, que se insurgira contra a criação da escola normal em Itapetininga,

entendendo que, se a região deveria ser contemplada com a nova instituição, sua

sede deveria ser a cidade de Tatuí, onde havia “uma apreciável proporção de gente

rica, em condições de frequentá-la”, enquanto Itapetininga “era terra de gente

pobre”.

O jornal local, em artigo em que se manifesta a indignação da população pelo

“bairrismo” da Gazeta de Tatuhy, argumenta que em Itapetininga “Haverá maior

frequência, porque aqui há mais gente nas condições de estudo na Escola do que em

Tatuhy”, taxando “a comparação e o sofisma’ da Gazeta de trazerem ‘um ranço de

sediça bacharelice” e acrescentando, com ironia: “O povo de Tatuhy é rico, e o de

20

Sessão do dia 11 de maio de 1900. Idem, p. 94 21

Sessão extraordinária do dia 15 de abril de 1900, in: D.O.V. 1899-1902 – Leis Municipais, p. 46

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Itapetininga é pobre: os filhos de Tatuhy , pois não têm necessidade de seguir uma

carreira que os factos nol-o mostram, só é procurada pelos pobres”.

No mesmo artigo, o redator da Tribuna Popular alega que ‘considera muito a cidade

de Tatuhy, onde consta bons amigos’ e prossegue: “Pena, porém, ser de seu dever

defender sua terra, injustamente atacada. E não o faz por causa da Escola Normal,

que irá para onde o Governo quizer, sem por isso deixar de ser amigo do mesmo:

pois a escola é um bem para o Estado, para a nação, para a República”.

Como sabemos, a escolha recaiu sobre Itapetininga. No entanto, a Escola Normal

não chegou a ser imediatamente instalada. Primeiro, instalou-se a Escola-Modelo22

preliminar, em 14 de janeiro de 1895. Posteriormente, por serem as escolas normais mais

dispendiosas e por ter sido dada às escolas complementares o encargo de formar professores,

o Governo do Estado optou pela criação de uma Escola Complementar no município.

A Escola Complementar foi criada por meio do decreto nº 428 de 06 de fevereiro

de 1897:

O Dr. Manoel Ferraz de Campos Salles, Presidente do Estado, attendendo ao que lhe

representou o Secretario de Estado dos Negocios do Interior, e em execução das leis n.

88, de 8 de Setembro de 1892, e n. 169, de 7 de Agosto de 1893. Decreta :

Art. 1.º - Fica creada uma eschola modelo complementar, annexa á Eschola Modelo de

Itapetininga, destinada aos exercicios praticos do ensino (art. 21 da lei n. 169 de 7 de

Agosto de 1893), servindo a alumnos de ambos os sexos.

Art. 2.º - O curso será o mesmo consignado no art. 222 do Regulamento de 27 de

Novembro de 1893.

Art. 3.º - Revogam-se as disposições em contrario.

A escola foi instalada em 29 de março do mesmo ano com o objetivo de diplomar

professores destinados ao ensino primário. A instalação e o seu funcionamento até o momento

em que foi transformada em Escola Normal, em 1911, será o objeto do terceiro capítulo desta

dissertação.

Segundo a base teórica que norteia este trabalho, a educação é determinada, em

última instância, pelo modo de produção da vida material. Contudo, no presente capítulo, por

meio das fontes consultadas, evidenciou-se que a escolha de Itapetininga para sediar a escola

22

Em 1890, o Estado de São Paulo iniciou uma ampla reforma da instrução pública. Inspirado no exemplo de

países como Alemanha, Suíça e Estados Unidos, o então diretor da Escola Normal de São Paulo, Caetano de

Campos, junto com Rangel Pestana elaboraram o decreto de 12 de março de 1890 que iniciou o processo da

reforma. Para Campos, era necessária a instalação de “escolas-modelo” de 2º e 3º graus, anexas à Escola Normal,

antes de se proceder a reforma da instrução pública. Segundo Souza (1998, p. 40): “A ênfase dada à formação

prática como base para a aprendizagem dos métodos modernos de ensino resultou na criação da Escola-Modelo

como escola de prática de ensino e experimentação dos alunos-mestres da Escola-Normal [...] servindo de campo

de experimentação dos futuros professores das escolas preliminares, consolidar-se-ia como centro de irradiação

da escola renovada. [...] a Escola-Modelo deveria ser a instituição modelar, o paradigma de escola primária a ser

seguido pelas demais escolas públicas do Estado.

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não se deu em razão de fatores econômicos, mas políticos. A aparente contradição entre o

suporte teórico e as evidências empíricas podem ser superadas por meio da compreensão da

definição marxista sobre o Estado.

Conforme (BESSA, 2013, p. 71) o Estado só se configurou como objeto de

pesquisa na teoria marxista a partir da década de 1960. Entre as razões para essa negligência,

estão a hegemonia do stalinismo, entre 1920 e 1950 – que teria levado ao empobrecimento

teórico; e a tendência predominantemente economicista no marxismo, que entendia o Estado

como um elemento superestrutural sem problematizá-lo. Os estudos mais recentes apontam

cada vez mais na direção do entendimento de que o Estado, em decorrência da sua

complexidade, possui uma autonomia relativa. Ainda que esparsos em suas obras, em diversos

textos, Marx e Engels já apontam para essa autonomia relativa23

. Assim, conclui Bessa (2013,

p. 73):

Para garantir os interesses gerais de classe e a reprodução do sistema, esta instituição

é obrigada, não raro, a contrariar e a enfrentar os interesses dos membros dispersos

nessa mesma classe, o que leva a crer que, quanto mais apartado o Estado estiver da

classe dominante, com mais eficiência realizará a sua função instrumental de

dominação [...]. Em contrapartida, é também daí que se abstrai o convencimento de

que esse distanciamento entre o Estado e a classe dominante gera e fortalece a

autonomia desse mesmo Estado, porém, repita-se uma autonomia relativa.

23

Por exemplo, O 18 Brumário (1852) e O Pograma de Gotha (1875)

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CAPÍTULO 2 – A Boa Escola Republicana

2.1 – A Educação no Capitalismo Monopolista

Ler, escrever e contar, sómente, não traduz o espirito da escola moderna. Sem

duvida a leitura, a escripta e as contas são disciplinas instrumentaes, servem para se

adquirirem outros conhecimentos; mas o que a escola se propõe a crear, a

desenvolver principalmente é o espírito de iniciativa, de perseverança, de energia, de

bondade e de dignidade. É formar homens fortes, bons e dignos, cheios de confiança

em si mesmos e conscientes de sua responsabilidade. Em summa, a boa escola é

aquella que se torna para a sociedade um viveiro de homens de bom carater.24

Como vimos, o momento de transição da Monarquia para a República está

inserido no contexto internacional em que o capitalismo imprimia uma nova ordem mundial,

buscando superar as dificuldades provocadas pela crise de superprodução que atingia a

Europa no final do século XIX.

Além dos aspectos já apontados dessa nova fase de desenvolvimento do modo de

produção capitalista, a fase monopolista se caracteriza, entre outras coisas, pela intensificação

do caráter parasitário assumido pelo capitalismo. A invenção da máquina moderna e as

constantes inovações tecnológicas permitiram que a economia capitalista produzisse imensas

quantidades de excedentes. No entanto, as máquinas substituíam grandes contingentes de

trabalhadores que, consequentemente, eram dispensados das fábricas. Por isso, se por um

lado, havia uma extraordinária concentração de riqueza, por outro, crescia o número de

desempregados que formavam o exército industrial de reserva.

No decorrer do século XIX, percebeu-se a necessidade de controle sobre esses

ociosos a fim de que estes não se tornassem uma ameaça ao processo de concentração de

capital. Esse controle foi assumido pelo Estado, que passou a organizar o parasitismo por

meio de impostos. Alves (2001b, p. 190-193) resume do seguinte modo a transformação do

Estado durante a fase monopolista:

É evidente que o Estado, na fase monopolista da sociedade burguesa, submeteu-se a

uma transformação profunda para se refuncionalizar e assumir, entre outras, essa

nova atribuição que lhe foi conferida. Ao transformar-se, tornou-se muito distinto se

considerado em relação às características de ser correspondente na fase

24

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910, p. 2

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concorrencial. Assim, para administrar as crises econômicas cíclicas, tornadas cada

vez mais regulares em prazos menores de tempo, o Estado capitalista assumiu, cada

vez mais claramente, uma política de intervenção direta sobre a economia. Tornou-

se mantenedor de empresas, ao lado das demais empresas privadas. Para tanto,

intensificou a utilização de mecanismos da captação de capitais, por meio de

impostos, da venda de títulos públicos e de empréstimos internos e externos.

[...]

Essa função reguladora da sociedade burguesa, inexistente em sua fase competitiva,

foi assumida pelo Estado a partir do último terço do século XIX [...].

O Estado, por meio dos impostos recolhidos, investia em atividades improdutivas

com o objetivo de reabsorver os contingentes de trabalhadores liberados pelas fábricas e, com

isso, diminuir as tensões sociais e garantir a reprodução do capital. A atividade exercida por

esses trabalhadores é chamada de parasitária porque é improdutiva, isto é, não produz mais-

valia. Alves (2001b, p. 194-195) resume esse processo do seguinte modo:

Esse novo estágio da sociedade capitalista também impôs uma nova configuração à

gestão do Estado burguês. Ele já não é mais dirigido de forma a expressar uma

vinculação direta e imediata com os interesses da burguesia. Pelo contrário, suas

relações com essa classe são cada vez mais mediadas por complexas articulações. O

burguês, por exemplo, não sente qualquer satisfação ao pagar impostos públicos,

cada vez mais onerosos, pois, imediatamente os vê como instrumentos que lhe

roubam expressivas parcelas de mais-valia extraídas dos trabalhadores. No entanto,

o desenvolvimento tecnológico, que libera trabalhadores produtivos ao incorporar-se

às máquinas, exige, em contrapartida, como forma de aliviar tensões sociais, que

parte dos contingentes liberados seja reabsorvida. Para tanto, devem ser criadas

oportunidades de trabalho cuja viabilização tem decorrido, também, do investimento

em atividades improdutivas mantidas pelo Estado. Essa é a forma de assegurar a

existência parasitária de uma parcela significativa desses contingentes; de manter o

equilíbrio social e, como decorrência, as condições de reprodução do capital. Claro

está que a burguesia, movida de forma reflexa pelo lucro imediato, não assumiria

voluntariamente tal solução. Só o aparato estatal pode levá-la à prática, com firmeza

e competência, como parte do exercício de sua função reguladora da sociedade

capitalista em sua fase monopolista.

O autor conclui que a expansão da escola pública e o seu sistemático aporte de

recursos por parte do Estado desde o último quarto do século XIX até a atualidade devem ser

entendidos dentro desse movimento de expansão das atividades improdutivas pela ação

reguladora do Estado a fim de atenuar as tensões sociais na sociedade capitalista.

Frigotto pondera que a educação não deve ser vinculada de modo linear à

estrutura econômico-social capitalista, mas que também não há um “desvínculo” total. Para

ele, não é razoável estabelecer um ligação mecânica entre infraestrutura e superestrutura. A

educação – enquanto prática que não é da mesma natureza daquela fundamental das relações

de produção da existência – no movimento global do capital, “existe e se dá por um processo

de diferentes mediações. O vínculo não é direto pela própria natureza e especificidade da

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prática educativa, que não se constitui uma prática social fundamental, mas numa prática

mediadora.” (FRIGOTTO, 1989, p. 17-23)

Outro aspecto discordante deste autor em relação a Alves é a definição da

educação como uma atividade improdutiva. Segundo ele, a escola passou a ocupar, em um

trabalho improdutivo, cada vez mais gente em maior quantidade de tempo. No entanto, apesar

de não produzir mais-valia, tornou-se “extremamente necessária ao sistema capitalista

monopolista para a realização da mais-valia; e, neste sentido, ela será um trabalho produtivo”

(FRIGOTTO, 1989, p. 27). A escola não se limitou a absorver os desempregados do setor

produtivo. Com o desenvolvimento da administração científica houve o crescimento de

trabalhadores dentro das fábricas que não estavam diretamente ligados à produção. Sua

participação na produção da mais-valia se dava por meio do trabalho intelectual e da

supervisão. Devido a isso, a função da escola se insere no âmbito ideológico do

desenvolvimento de condições gerais à reprodução capitalista e ao desenvolvimento das

condições técnicas, administrativas, políticas, pois permite ao capital identificar aqueles que

vão cumprir a função do capital no interior do processo produtivo, seja pelas mãos seja pela

cabeça (FRIGOTTO, 1989, p. 151). Sobre o papel da escola na produção da mais-valia, assim

pontua o autor:

Concebendo-se as relações capitalistas de produção não simplesmente como

relações técnicas, mas como relações sociais, relações de classes, vemos que a

escola, além de ter um papel na “formação” dos quadros de assalariados que

administram, controlam, supervisionam, planejam em nome do capital – os

portadores da “função do capital” – entende sua ação igualmente na formação dos

quadros que atuam nas instituições repressivas do Estado. Trata-se de quadros que,

embora pertencentes à categoria de trabalhadores improdutivos – enquanto

produtores das condições gerais (político-ideológicas, legais), não materiais,

necessárias à produção e realização da mais-valia – contribuem para a acumulação

capitalista. (FRIGOTTO, 1989, p. 153-154)

Portanto, no presente capítulo, buscaremos apreender as mediações sociais e

culturais que condicionaram a criação, instalação e funcionamento da Escola Complementar

de Itapetininga.

Em paralelo ao desenvolvimento da fase monopolista do modo de produção

capitalista, iniciou-se em solo europeu uma campanha pela democratização do ensino.

Hobsbawm (2005, p. 213) nos aponta que o período compreendido entre 1870 e 1914 pode ser

caracterizado como a era da escola primária na maioria dos países europeus. Segundo o autor,

mesmo em países que já possuíam a escolarização difundida, houve uma multiplicação na

quantidade de professores da escola primária.

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Essa campanha influenciou as novas repúblicas na América. Em países como

Argentina, Chile e Uruguai foram alcançados resultados mais concretos. No Brasil, fomentou-

se um amplo debate a respeito da educação das classes populares sob a tutela do Estado,

dentro de uma visão de modernização da nação por meio do trabalho assalariado, da

industrialização e do Estado democrático. Nas nações desenvolvidas, a campanha pela

universalização do ensino levou à criação, por parte do Estado, da escola primária de ensino

público, laico e obrigatório para as classes populares. Além disso, foram organizados os

Sistemas Nacionais de Educação.

Segundo Hobsbawm (2005, p. 114-115), a Era dos Impérios não se limitou a um

fenômeno econômico e político. Ela foi também cultural. As nações desenvolvidas

conquistaram o globo também por meio de imagens, ideias e aspirações. O imperialismo

levou às elites do mundo dependente a “ocidentalização”. Essas elites, colocadas sob a

dependência ou a conquista, precisaram se ocidentalizar para não desaparecerem. Por isso,

ainda que limitada às minorias, o principal legado cultural do Imperialismo foi a disseminação

de uma educação em moldes ocidentais para as nações dependentes. Para Infantosi da Costa

(1983, p. 37):

A implantação e extensão do ensino popular na Primeira República podem ser

consideradas como parte dos ideais de assimilação e aperfeiçoamento, no Brasil, das

formas econômicas, sociais, políticas e culturais de organização de vida, imperantes

no “mundo ocidental moderno”.

No Brasil, não obstante o intenso debate na propaganda republicana a respeito da

educação nacional, esta não ocupou uma posição prioritária no governo central. De acordo

com Nagle (2001, p. 367-369), nos primeiros anos da República, não houve mudanças

significativas no sistema escolar. Evidenciam isso a efêmera duração do Ministério da

Instrução, Correio e Telégrafos (pouco mais de um ano) e a atribuição dos assuntos

educacionais ao Ministério da Justiça e dos Negócios Interiores. Além disso, optou-se por

manter a interpretação corrente na legislação desde o Ato Adicional de 1834 (que delegava às

províncias a atribuição de legislar e administrar o ensino primário e secundário). Desse modo,

a responsabilidade sobre a educação primária ficou a cargo dos estados federados. Apesar das

intenções manifestadas no discurso republicano, o sistema nacional de ensino no Brasil não se

desenvolveu nesse momento, pois ainda não haviam sido processadas as transformações que

gerariam a necessidade de uma educação nacional. Segundo Saviani (2011, p. 170):

(...) embora a linha geral dos debates do final do Império apontasse na direção da

construção de um sistema nacional de ensino colocando-se a instrução pública, com

destaque para as escolas primárias, sob a égide do governo central, o advento do

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regime republicano não corroborou essa expectativa. Seja pelo argumento de que, se

no Império, que era um regime político centralizado, a instrução estava

descentralizada, a fortiori na República Federativa, um regime político

descentralizado, a instrução popular deveria permanecer descentralizada; seja pela

força da mentalidade positivista no movimento republicano; seja pela influência do

modelo norte-americano; seja principalmente pelo peso econômico do setor cafeeiro

que desejava a diminuição do poder central em favor do mando local, o certo é que o

novo regime não assumiu a instrução pública como uma questão de responsabilidade

do governo central, o que foi legitimado na Primeira Constituição Republicana.

Portanto, em um contexto em que crescia a complexidade da economia nacional -

pois tratava-se de uma nação agrário-exportadora que iniciava o longo processo de urbano-

industrialização - coube aos estados federados a tarefa de ampliar a oferta de escolarização

por meio do ensino primário.

2.2 – O Ideário Republicano

No final do século XIX, a universalização do ensino elementar já era um fato

concretizado na maioria dos países europeus e nos Estados Unidos. No Brasil, começava a se

difundir a crença no poder da educação escolarizada e ganhava força a defesa de uma escola

pública, laica e obrigatória. Até então a população brasileira vivia no campo. A capacitação

para o trabalho acontecia por meio de uma educação informal. A aprendizagem de ofícios

desenvolvia-se sem regulamentações institucionais. Porém, a República assumiu a

responsabilidade de pensar e executar um programa de educação que se adequasse ao

crescimento e à complexidade que a economia brasileira estava ganhando. Este era um ideal a

ser construído desde a sua origem.

O discurso republicano partia da crítica à orientação política escolar adotada no

Império, passava pela análise da situação deplorável em que se encontrava a instrução pública

para, finalmente, apresentar as propostas capazes de sanar os males elencados.

Alguns dilemas nortearam o ideário republicano sobre educação. O primeiro era a

substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado. Aqui a escola assumiria o papel de

difundir a instrução e diminuir o estado de ignorância em que se encontrava a maior parte da

população. Outro dilema eram as massas de imigrantes que chegavam ao Brasil. Isso

desenvolveu a necessidade de garantir a unidade nacional. A escola respondia a essa

necessidade por meio do ensino de uma única língua. Finalmente, o terceiro dilema era a

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necessidade da difusão da instrução elementar para a consolidação do novo regime. A

Constituição de 1891 estabelecera o direito de voto somente aos alfabetizados. Assim, a

instrução da população tornou-se uma necessidade para que a população fosse preparada para

exercer a cidadania e participar da vida política do país.

Para os republicanos, o Estado não coincidia com a nação, entendida como uma

entidade coletiva em que os cidadão se reconhecem como um só. A construção da nação

tornava necessário, primeiramente, formar o cidadão consciente de seus deveres cívicos. Isso

implicava a passagem pela educação escolar. Daí a defesa do ensino obrigatório. Esta defesa,

segundo Carmen Sylvia Vidigal Moraes (2006, p. 150), salienta dois aspectos que nos

revelam o entendimento dos republicanos a respeito da educação popular. O primeiro é que a

educação não é vista como um fim em si mesmo, mas como um dos instrumentos de

preparação dos indivíduos para a realização de objetivos determinados, isto é, o exercício da

cidadania. O segundo está relacionado ao fato das populações ainda não buscarem a escola

espontaneamente.

Moraes (2006) acrescenta que os republicanos presumiam a nação a partir do

povo entendido não apenas como manipulável, mas que obrigatoriamente deveria ser

manipulado. Assim, a obrigatoriedade do ensino desvela a intenção da fração de classe

dominante de dirigir o povo do alto. Por isso, havia limites bem demarcados no tocante à

participação popular na política. O papel dos votantes não é o de resolver os problemas

políticos, mas o de escolher homens que decidam em seu lugar quais os problemas políticos e

como resolvê-los. Portanto, as mudanças propostas no ideário republicano para a educação

visam “assegurar a dominação da fração [de classe] burguesa capaz de garantir a permanência

e o aperfeiçoamento das relações sociais capitalistas” (MORAES, 2006, p. 152).

Na sua análise sobre os Pareceres de Rui Barbosa (1883), Jacomeli (1998) nos

indica já ali a existência de alguns aspectos que estariam presentes no ideário educacional

republicano. Por exemplo, a preocupação em forjar o novo homem para atender às

necessidades do novo tempo. A autora também salienta que algumas reformas às vésperas da

República já antecipavam propostas republicanas. A Reforma Leôncio de Carvalho, por

exemplo, propunha a liberdade de ensino e a obrigatoriedade no nível primário. Decretada em

1879, a Reforma, no entanto, não chegou a ser aprovada pelo Legislativo.

Saviani (2011, p. 136-137) acrescenta que o higienismo, outro elemento central no

ideário pedagógico da Primeira República, já se fazia presente na referida reforma. Isso é

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claramente expresso logo no artigo primeiro ao proclamar que é “completamente livre o

ensino primário e secundário no município da Corte e o superior em todo o Império, salva a

inspeção necessária para garantir as condições de moralidade e higiene”.

Uma das principais bandeiras do novo Regime era o Liberalismo. No âmbito

econômico, defendia a liberdade de comércio entre os estados federados e as nações

importadoras e a necessidade de modernização da sociedade brasileira. Por isso, acreditavam

que a escolarização da sociedade brasileira era um elemento central para a modernização da

nação. A educação era também importante meio de controle da ordem social através da

inculcação de costumes e hábitos considerados “civilizados”. Entre as principais

características da ocidentalização, como nos aponta Hobsbawm (2005, p. 118):

A novidade no século XIX era que os não-europeus e suas sociedades eram

crescente e geralmente tratados como inferiores, indesejáveis, fracos, atrasados, ou

mesmo infantis. Eles eram objetos perfeitos de conquista, ou ao menos de conversão

aos valores da única verdadeira civilização, aquela representada por comerciantes,

missionários e grupos de homens equipados com armas de fogo e aguardente.

A Escola Pública ocupava papel central na divulgação da civilidade e da nova

ordem política. De acordo com Souza (1998, p. 28):

A escola pública emerge dos sentidos dessa relação intrínseca – é uma escola para a

difusão dos valores republicanos e comprometida com a construção e consolidação

do novo regime, é a escola da República e para a República. Esse vínculo entre a

educação popular e o novo regime democrático era exaltado pelos profissionais da

educação.

Em linhas gerais, os novos desafios da República fizeram com que o novo Regime

estabelecesse gradualmente uma política educacional liberal com o objetivo de incorporar

crescentes camadas da população brasileira para que o país pudesse se modernizar e

progredir. Para isso, o Estado pretendia formar o novo cidadão por meio da escola obrigatória

no nível elementar – onde a população adquiriria os rudimentos do ler, escrever e contar – e

seria dotada do mínimo de matérias e disciplinas que auxiliariam a disciplinar o corpo e o

espírito. O excerto abaixo mostra-nos a visão liberal que dominava os profissionais da

educação republicana:

Educar o homem é, de facto, formal-o para a vida; preparal-o physica e

espiritualmente para o mundo. Ahi o sucesso da propria vida depende sempre menos

da origem ou da situação pecuniaria dos indivíduos, porém de suas qualidades

physicas e psychicas grangeadas ou desenvolvidas na escola. Serão essas qualidades

a garantia da victoria em todos os emprehendimentos humanos. E, como está hoje

provado, é na escola que melhor apuram essas qualidades.25

25

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910, p. 1

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53

Sobre isso, Ana Maria Infantosi da Costa (1983, p. 36) salienta:

A oligarquia do café (a burguesia republicana) condicionava-se pelos requisitos

formais de uma ordem capitalista idealizada (existente, de fato, em países

hegemônicos centrais e de cuja cultura nutriam-se nossas elites locais) dentre os

quais a ideia de educação figurava, no conjunto do ideário liberal-democrático,

como fundamental.

Havia uma forte crença no poder educativo das ciências. Para Reis Filho, isso

levou o novo regime a adotar um plano de estudo enciclopédico que incluía todo o elenco de

noções científicas desde o ensino elementar. Nas argumentações dos reformadores é notável a

forte influência de Comte26

e Spencer. Difundia-se a ideia de que o homem perfeito e o

cidadão completo só seriam formados por meio do domínio do conhecimento científico.

Almejava-se, com isso, alcançar os padrões de ensino que vigoravam nos países mais

desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos. (REIS FILHO, 1995, p. 204)

Comte propõe que a educação deveria respeitar, em cada indivíduo, as etapas que

a humanidade percorrera: o pensamento fetichista da criança, depois a concepção metafísica

até chegar à concepção positivista, na idade madura Assim se dava, segundo ele, “la marche

progressive de l’esprit humain”. Herbert Spencer (1820-1903) foi um dos seguidores mais

próximos do positivismo. Para Spencer, a educação segue um processo evolutivo. Essa

convicção está baseada na ideia de progresso – fundamental no ideário positivista. Em sua

obra Educação, considera o ensino das ciências o elemento central de toda educação. Isso

tanto para a transmissão dos conhecimentos quanto para a formação do espírito científico.

(ARANHA, 2006, p. 205-206)

As novas condições materiais produzidas pela Revolução Industrial provocaram

mudanças nas relações sociais e promoveram uma profunda crença no poder da maquinaria

como único instrumento para promover o progresso entre as nações. Por isso, como

argumenta Da Silva (2004), o positivismo pode ser entendido como a filosofia da indústria,

propondo uma teoria política de organização da sociedade. No Brasil, o surgimento das

primeiras máquinas, ainda que de modo rudimentar, apontava para o novo papel da escola,

onde a preocupação a respeito dos cuidados com o corpo, a disciplina e a higiene ganhavam

26

O francês Augusto Comte (1798-1857) foi o iniciador da corrente positivista. Sua premissa é que toda a

humanidade passaria por diversos estágios até chegar ao estado positivo – que se caracteriza pela maturidade do

espírito humano. O conceito de positivo se refere ao real, em oposição às formas teológicas ou metafísicas de

explicação do mundo. Para ele, podemos encontrar as relações invariáveis entre os fenômenos por meio da

observação e do raciocínio. Essa corrente filosófica exprime a efervescência causada pelo avanço da ciência

moderna no século XIX. Esse entusiasmo levou ao desenvolvimento do cientificismo – visão que defendia que

somente a ciência é capaz de produzir um conhecimento válido. Por isso, propunha-se que o método das ciências

da natureza deveria se estendido a todos os campos de saber e a todas as atividades humanas.

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destaque. Para atender aos objetivos da indústria emergente, a educação escolar deveria

atender a todos, pobres e ricos, impondo a disciplina do hábito e a formação moral burguesa.

Os positivistas propunham que o império do saber deveria substituir o uso da

força. Apenas o conhecimento poderia libertar os indivíduos dos equívocos, das ilusões e das

fantasias. A formação e o conhecimento são entendidos como meio para alcançar uma vida

justa, virtuosa e feliz, libertando os indivíduos da miséria, das imperfeições e da opressão.

Segundo Da Silva (2004, p. 12): “estava em jogo no Brasil a necessidade de estabelecer uma

nova filosofia de educação, voltada à formação científica, em contraposição à filosofia

católica que predominou desde o período colonial.” A filosofia comtiana visa como homem

ideal um homem prático, empírico e empreendedor por meio de uma educação utilitarista. Por

isso, buscava-se suprimir os elementos que ensejavam uma formação cristã dos currículos,

substituindo-os pela doutrina que difundisse os valores do nacionalismo e da cidadania.

Almejava-se a construção de uma educação nacional cujos conteúdos valorizassem o

patriotismo, o caráter e a moral.

A República no Brasil marca a disseminação do positivismo como doutrina de

forte influência nos debates a respeito da organização da educação e da sua função. Neste

contexto, a educação, tendo por base o conluio entre família e escola, teria o potencial de

garantir a estabilidade social e política e inclusive possibilitar o alívio dos efeitos das

desigualdades socioeconômicas.

O positivismo foi muito influente entre os oficiais das gerações mais novas

formadas pela Escola Militar (fundada em 1874). Havia um distanciamento entre a tradição

humanista e acadêmica e o currículo dessa academia – voltado mais para as ciências exatas.

Benjamin Constant, um dos professores da Escola Militar, foi escolhido para ser o ministro da

Instrução, Correios e Telégrafos e empreendeu a reforma educacional de 1890. Por isso, é

considerado um dos maiores difusores dessa corrente ideológica no Brasil.

Para Aranha (2006, p. 300), no Brasil, o positivismo não alcançou seu objetivo de

superação do ensino de caráter humanístico e literário. No entanto, exerceu uma influência

paulatina em diversos segmentos sociais. As ideias positivistas não chegaram a entrar no

ideário da população, mas influenciaram intelectuais e professores que lecionaram em

diversas instituições, como o Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro e a Sociedade Culto à

Ciência, em Campinas. Para a autora, os efeitos da influência positivista no plano educacional

da Primeira República foram passageiros. Sua principal contribuição seria a introdução das

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ciências físicas e naturais nas escolas de nível elementar e médio. Segundo Hobsbawm (2005,

p. 365):

Para os professores de 2º grau, ao menos nos países latinos, dar aulas de ciências

significava inculcar o espírito dos enciclopedistas, do progresso e do racionalismo,

daquilo que um manual francês (1898) chamou de “libertação do espírito”, fácil de

identificar a “livre pensamento” ou à libertação da Igreja de Deus. Se alguma crise

existia para esses homens e mulheres, não era a da ciência ou da filosofia, mas a do

mundo daqueles que viviam no privilégio, na exploração e na superstição. E no

mundo fora da democracia ocidental e do socialismo, a ciência significava poder e

progresso em um sentido menos metafórico. Significava a ideologia da

modernização imposta às atrasadas e supersticiosas massas rurais pelos científicos,

elites políticas esclarecidas de oligarcas inspirados pelo positivismo – como no

Brasil da República Velha e no México de Porfírio Dias.

2.3 – A Reforma Paulista

O Estado de São Paulo aglutinava a prosperidade econômica e o controle político.

Isso lhe forneceu os meios necessários para, entre 1890 e 1896, buscar implantar uma

estrutura de ensino público que respondesse à necessidade de consolidar a construção de um

Estado democrático. Segundo Saviani (2011, p. 165), a reforma paulista pode ser considerada

“a tentativa mais avançada em direção a um sistema orgânico de educação”. A organização do

ensino público paulista realizou um intenso esforço de racionalização político-administrativa

e de criação de escolas públicas de todos os níveis e graus. Podemos perceber nessa reforma a

presença do ideal liberal, que se orientava pela liberdade de ensino, gratuidade, laicidade e

obrigatoriedade.

Dentro dessa perspectiva, foram criados os grupos escolares, isto é, um tipo de

escola com características que atendiam às aspirações de modernidade dos republicanos

paulistas. Os grupos escolares introduziram uma série de modificações e inovações no ensino

primário e podem ser considerados, nas palavras de Saviani (2011, p.171), “a grande

inovação” da reforma paulista.

Para Infantosi da Costa (1983, p. 74):

1890 marca o início do processo de alfabetização por parte do Estado. Revela o

surgimento no Brasil de uma nova maneira - característica da civilização moderna

fundada na economia capitalista – de valorizar a escola como fator de

aperfeiçoamento do indivíduo e da sociedade, concepção que consubstanciava a

motivação fundamental dos esforços do governo para expandir a rede de ensino.

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Na estrutura anterior, o ensino elementar acontecia em classes isoladas ou avulsas

e unidocentes. Isso significa que o mesmo professor ministrava, na mesma classe, o ensino

elementar para alunos em níveis ou estágios diferentes de aprendizagem. Com a reforma

paulista, essas escolas foram reunidas e deram origem aos grupos escolares.

Os grupos escolares contavam com um diretor e vários professores reunidos em

um prédio construído especificamente para esse fim. O ensino passou a ser graduado ou

seriado, isto é, os alunos eram agrupados em classes de acordo com o grau em que se

encontravam. Cada classe correspondia a uma série. A graduação do ensino proporcionava

uma melhor divisão do trabalho escolar por meio da formação de classes com nível de

aprendizagem semelhante.

Essa homogeneização do ensino, tendo por base o desenvolvimento cultural dos

alunos, proporcionava a estes um melhor rendimento escolar. Por outro lado, também se

desenvolveram refinados mecanismos de seleção, criando padrões de exigência para cada

série. As séries tinham tempo estabelecido de início e término. O acompanhamento da

aprendizagem dos conteúdos era feito por meio de avaliações rígidas e classificatórias. Isso

contribuiu sobremaneira para acentuados números de repetência e evasão nas primeiras séries

do ensino.

Segundo Reis Filho (1995, p. 68), os princípios pedagógicos introduzidos pela

reforma paulista que norteavam a atividade docente junto aos alunos podem ser elencados da

seguinte forma:

a) Simplicidade, análise e progressividade – O ensino deve começar pelos elementos

mais simples [...].

b) Formalismo – O ensino chega ao encadeamento de aspectos rigorosamente

lógicos. O ensino esforça-se por ser dedutivo.

c) Memorização – [...] A medida do conhecimento do aluno é dada pela sua

capacidade de repetir o que foi ensinado pelo professor.

d) Autoridade – A escola elabora um sistema de prêmios e castigos, de sanções

apropriadas de modo a garantir que a organização pedagógica funda-se sempre na

autoridade do professor.

e) Emulação – A ideia de dever, a necessidade de aprovação e o sentimento do

mérito são desenvolvidos para manter a atividade escolar, e completa, desse modo, o

sentido de autoridade.

f) Intuição – o ensino deve partir de uma percepção sensível. O princípio da intuição

exige o oferecimento de dados sensíveis à observação e à percepção do aluno.

Desenvolvem-se, então, todos os processos de ilustração com objetos, animais ou

figuras.

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No trecho abaixo, Souza (1998, p. 49-50) nos apresenta resumidamente as

principais contribuições dos grupos escolares para a educação paulista:

O processo de construção do Grupo Escolar como uma nova organização

administrativo-pedagógica do ensino primário concretizou-se em poucos anos. Uma

escola urbana, moderna e de melhor qualidade. A reunião de escolas trazia todos os

princípios fundamentais que propiciaram as mudanças no ensino primário: a

racionalização e a padronização do ensino, a divisão do trabalho docente, a

classificação dos alunos, os estabelecimentos de exames, a necessidade de prédios

próprios com a consequente constituição da escola como lugar, o estabelecimento de

programas amplos e enciclopédicos, a profissionalização do magistério, novos

procedimentos de ensino, uma nova cultura escolar.

O currículo do ensino primário estava diretamente ligado ao método de ensino

intuitivo27

. De acordo com as premissas deste método, o processo de aprendizagem exige a

observação direta, pois esta é a fonte de todo conhecimento que será, posteriormente,

completado pela linguagem. Desse modo, o processo educacional possui duas fases. Primeiro,

a observação e a experiência - onde se adquirem as ideias. Segundo, o conhecimento

sistemático e organizado através da instrução oral. (REIS FILHO, 1995, p. 69)

De acordo com Saviani (2011, p. 138-139), o método intuitivo tinha como função

tentar resolver o problema da ineficiência do ensino. Este se encontrava inadequado diante

das exigências sociais decorrentes da revolução industrial. A mesma revolução tornou viável a

produção de materiais didáticos – instrumentos requeridos pelo novo método de ensino. Esses

materiais – peças de mobiliário escolar; quadros-negros parietais; caixas para ensino de cores

e formas; quadros do reino vegetal, gravuras, objetos de madeira, cartas de cores para

instrução primária; aros, mapas, linhas, diagramas, entre outras coisas – eram difundidos nas

exposições universais que aconteceram na segunda metade do século XIX.

O método intuitivo estabelecia diretrizes metodológicas claras aos mestres por

meio de manuais que expunham modelos de procedimentos para a elaboração de atividades

que representam a orientação metodológica prescrita. Caetano de Campos foi grande defensor

do método e colocou-o como fundamento na organização das escolas-modelos e dos grupos

escolares na reforma da instrução pública paulista. Esse método se manteve hegemônico

durante toda a Primeira República.

27

O Método Intuitivo surgiu na Alemanha, no final do século XVIII. Durante o século seguinte, foi divulgado

pelos discípulos de Pestalozzi na Europa e nos Estados Unidos. No Brasil, já podemos identificar sua presença

nas reformas da instrução pública formuladas no final do Império. Aqui seu grande defensor e divulgador foi Rui

Barbosa, que apresentou seus princípios e fundamentos em seus famosos “Pareceres”. Também traduziu o livro

do americano Norman Allison Calkins intitulado Lição de Coisas (lançado em 1861), em 1881.

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A Reforma da Instrução Pública do Estado de São Paulo foi regulamentada pelas

Leis nº 88, de 8 de setembro de 1892, e nº 169, de 7 de agosto de 1893. As duas foram

aprovadas pelo Regulamento da Instrução Pública, em 27 de novembro de 1893, e

configurada com o Regime Interno das Escolas Públicas do Estado de São Paulo de 1894. A

concepção que embasava a reforma era a de que “a instrução bem dirigida era o mais forte e

eficaz elemento do progresso e que ao Governo Estadual caberia o rigoroso dever de

promover o seu desenvolvimento” (PEREIRA, 2013, p. 80). A nova estrutura administrativo-

burocrática no campo do ensino ficou assim delineada pelo Regulamento de 1893:

Artigo 52. – O ensino publico será leigo (art. 47 § 4 – D, da Constituição) e dividido

em

a) – ensino primário,

b) – ensino secundário,

c) – ensino superior (art. 1º da lei n.88.)

Artigo 53. – O ensino primário comprehenderá os dous cursos:

a) preliminar,

b) complementar (art. 1.º § 1.º da lei n. 88)

A difusão dos grupos escolares pelo Estado de São Paulo – que, em 1910, chegou

a 101, sendo 24 na capital e 77 no interior – demandava o aumento na formação de docentes.

A Reforma Estadual Caetano de Campos (1892), em acordo com a Reforma Benjamin

Constant (1890), alicerçada nos fundamentos da ideologia democrático-liberal, promoveu a

reorganização da escola de formação de novos professores. Encarregados de difundir a

instrução elementar e, com ela, o progresso e a modernização do Estado, por meio de uma

melhor qualificação da formação docente, o governo paulista almejava promover uma

educação elementar enciclopédica. Essa questão começou a ser trabalhada por meio do

Decreto nº 27, de 12 de março de 1890, que reformou a Escola Normal Paulista, sob a direção

do Dr. Caetano de Campos.

No Anuário do Ensino do Estado de São Paulo de 1908-1909, há um trecho que

fica evidente o papel que o professor ocupava dentro da reforma paulista. Vamos a ela:

O papel dos mestres, melhor compreendido, avulta constantemente aos olhos de

todos os espíritos previdentes que os consideram not merely leaders of children,

makers of society.28

28

Inspetora Geral do Ensino. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo. 1908-1909, p. 1

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59

Moraes (2006, p. 160-161) acrescenta que a intensificação do processo de

laicização da sociedade a partir da década de setenta do século XIX implicou uma nova

concepção do papel do professor. Assumia-se a compreensão que o seu papel social não se

limitava às paredes da sala de aula, mas as ultrapassava para atingir toda a sociedade. De certo

modo, o professor assumiu o papel que em épocas anteriores era atribuído aos sacerdotes. O

magistério tornou-se o novo apostolado. O desprendimento material e a destinação apostólica

são características entendidas como inerentes ao ofício docente. O movimento de

secularização da sociedade exigia a tarefa de moralizar e instruir a população por meio dos

preceitos da moral social.

Para formar os professores necessários, a lei nº 88 de 1892 definiu o seguinte:

Artigo 23. – Para formar os professores dos cursos preliminares e complementares,

haverá quatro escolas normaes primarias, e, para formar os professores destas

escolas e dos gymnasios, haverá, anexo á Escola Normal da capital, um curso

superior.

Artigo 24. – Nas escolas normaes primarias o curso será de três anos (...).

[...]

Artigo 25. – A matrícula nas escolas, normaes primarias se fará por meio de

concurso que versará sobre portuguez, francez, historia e geografia geral, noções de

cosmografia, arithimetica, geometria, noções de algebra e de sciencias physicas,

chimicas e naturaes, o desenho de mao livre (...), de modo a classificar, por ordem

de merecimento, os alumnos admitidos.

§ único – Para se inscreverem nestes concursos, os alumnos deverão ter pelo menos

16 annos de edade e fornecer provas de sua moralidade.

[...]

Artigo 31. – A duração dos estudos do curso superior da Escola Normal da capital,

será de dous anos e terá duas secções: uma scientifica e outtra literaria.

§ 1º - A admissão a este curso superior se fará por meio do concurso que versará

sobre as materias dos programmas das escolas normaes primarias. Além destas

provas, os alumnos que desejarem matricular-se na secção litteraria devem-se

mostrar habilitados em grego e latim, conforme o programma que será publicado

pelo Governo, observando-se no concurso de admissão nos exames de passagem de

um anno para outro e no exame final, as mesmas regras que as fixadas para as

escolas normaes primarias.

§ 2º - Para poderem ser admittidos ao concurso, os candidatos devem provar, além

de sua moralidade, terem dezenove annos de edade.

Os alumnos diplomados pelas escolas normaes primarias são dispensados destas

formalidades.

O Decreto nº 218 de 1893, no art. 260, assinado pelo Presidente do Estado,

Bernardino de Campos, e pelo Secretário do Estado de Negócio do Interior, Cesário Motta

Júnior, definiu a existência de uma escola normal secundária na Capital e outras três escolas

normais primárias no interior do Estado. Também estabeleceu que os alunos dessas últimas

fossem habilitados, por meio de uma educação teórica e prática, para o exercício do

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magistério primário nas escolas preliminares, complementares ou adjuntos destes (Art.261).

Finalmente, a legislação afirma que o ensino nas escolas normais será gratuito e ambos os

sexos podem concorrer a ele. No entanto, o acesso ao curso superior era restrito ao sexo

masculino. (Art. 264).

Embora a legislação determinasse a criação de três escolas normais no interior

paulista, isso não chegou a se concretizar. Contudo, a carência de professores era grande e

crescente. Em 1893, o Doutor Artur César Guimarães, em seu primeiro relatório ao Secretário

do Interior, nos informa que existiam 1398 escolas: 817 para o sexo masculino e 489 para o

sexo feminino e 92 mistas. No total, 751 escolas estavam providas, enquanto que as 647

restantes se encontravam vagas (REIS FILHO, 1995, p. 120). Com base nos números, o

relatório salienta a urgência de novos professores. Já em 1895, de acordo com Ana Maria

Infantosi da Costa (1983, p. 107), das 1954 escolas existentes, somente 819 funcionavam

regularmente. Uma saída encontrada pelo Governo do Estado para tentar equacionar o

problema foi habilitar os diplomados pelo curso complementar ao exercício do magistério no

curso preliminar. Desse modo, deu-se a descentralização da formação de professores, porém a

Escola Normal da Capital permaneceu como a referência de excelência.

2.4 – O Curso Complementar

Como já apontado, o ensino primário era composto pelos cursos preliminar e

complementar. O Decreto nº 218, de 27 de novembro de 1893 definia o curso complementar

da seguinte maneira:

Artigo 218. – O curso complementar, segunda divisão do ensino publico primario

(art. 1.º da lei n. 88) será ministrado em escolas complementares e destinados aos

alumnos que se mostrarem habilitados nas materias do curso preliminar (art. 1.º, §

3.º, da lei n.88)

Artigo 219. – Em todo o município, para dez escolas preliminares será creada uma

escola complementar (art. 11 da lei n. 88), que se installará de preferencia nas

cidades, cujas municipalidades se compromettam a fornecer predios e terrenos

apropriados ás aulas e aos demais trabalhos (art. 10 da lei n.88).

[...]

Artigo 221. – Nas escolas complementares o programma de ensino primario

comprehenderá as materias seguintes:

- Moral e educação cívica, portuguez e francez.

- Noções de historia, geographia universal, historia e geogrphia do Brazil.

- Arithmetica elementar e elementos de algebra até equações do 2º grau, inclusive.

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- Geometria plana e no espaço.

- Cosmographia.

- Noções de Trigonometria e de mechanica, visando suas aplicações ás machinas

mais simples.

- Noções de physica e chimica experimental e historia natural. Especialmente em

suas aplicações mais importantes á indústria e á agricultura.

- Noçoes de hygiene.

- Escripturação mercantil.

- Noções de economia política, para os homens; economia domestica, para as

mulheres.

- Desenho a mão livre.

- Caligraphia.

- Exercicios militares, gymnasticos e trabalhos manuaes apropriados á edade e ao

sexo (art. 9 da lei n. 169 e art. 13 da lei n.88).

Artigo 222. – O curso complementar será dividido em quatro anos, (...).

[...]

Artigo 225. – Cada escola complementar terá o seguinte pessoal:

1 director;

6 professores;

1 secretario-bibliothecario;

1 porteiro-servente;

1 continuo.

Percebemos que o currículo foi pensado de modo a contemplar a formação

cultural do cidadão que os republicanos paulistas julgavam indispensáveis, aprofundando as

matérias do curso preliminar e considerando a nova conformação social: o homem urbano-

industrial e sua formação para o novo mercado de trabalho: o comércio-industrial. Uma das

principais finalidades das escolas estatais era a de formar o “homem médio”, isto é, sem

especialização precisa, mas provido de uma formação básica para entrar no mercado de

trabalho (CATINI, 2013, p. 45).

Também podemos observar que o corpo docente e de funcionários da escola

complementar era pouco numeroso e, portanto, bem menos dispendioso financeiramente se

comparado à escola normal.

De acordo com o Decreto nº 218 de 1893, a folha de pagamento do pessoal da

Escola Normal da Capital alcançava o vultoso valor de 167:800$000. Conforme a tabela

abaixo:

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Tabela 4 – Folha de Pagamento da Escola Normal da Capital

Pessoal Vencimento

(para cada funcionário)

1 diretor 6:000$000

17 professores 6:000$000

6 mestres e mestras 4:800$000

1 diretor para Escola Modelo 6:000$000

1 secretário e bibliotecário 3:600$000

1 oficial 3:000$000

2 amanuenses 2:400$000

1 zelador do museu escolar 600$000

1 preparador de física e química 2:400$000

1 porteiro 2:400$000

3 contínuos 1:800$000

2 serventes 1:800$000

Total 167:800$000

A mesma lei havia fixado o quadro de funcionários das escolas complementares e

seus salários da seguinte forma:

Tabela 5 – Folha de Pagamento das Escolas Complementares

Pessoal Vencimento

(para cada funcionário)

6 professores 4:800$000

Adjunto 3:000$000

1 Porteiro e servente 1:800$000

1 Contínuo 1:400$000

Mais tarde, o Decreto nº 400, de 6 de novembro de 1896, definiu assim o corpo de

funcionários das escolas complementares:

Artigo 30. – O pessoal administrativo e docente das escholas complementares

constará de (art. 14 da lei n.88 e art. 1º da lei n. 374).

Pessoal administrativo

1 Director

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1 Auxiliar do director

1 Amanuense e bibliotecário

1 Porteiro

Uma servente (para a secção feminina)

1 servente

Pessoal Docente

4 Professores

4 Professoras

No Anuário do Ensino Público de 1908, podemos encontrar a descrição dos gastos

com cada estabelecimento de ensino. Em 1897, a Escola Normal e anexas custavam

343:480$000. Já a Escola Modelo e a Escola Complementar de Itapetininga alcançavam a

quantia 161:400$000. No mesmo relatório, encontramos a descrição dos gastos de 1907.

Enquanto a Escola Normal e anexas abocanharam 298:960$000 do erário público, todas as

escolas complementares do interior (quatro no total) exigiam 290:860$000.29

Deste modo,

podemos perceber claramente que as escolas complementares eram muito menos custosas que

uma Escola Normal, pois, mesmo somando as despesas de quatro, ainda assim, seus gastos

eram menores.

Ainda no Decreto nº 218, o Artigo 222 definia o programa de ensino das escolas

complementares por ano:

PRIMEIRO ANO – Portuguez, Francez, Arithmetica, Geographia do Brazil,

Historia do Brazil, Caligraphia, desenho e exercicios gymnasticos.

SEGUNDO ANO – Portuguez, Francez, Algebra, até equações de 2º grau inclusive,

e escripturação mercantil, Geometria plano e no espaço, Moral e educação cívica,

Desenho e exercício militares.

TERCEIRO ANO – Portuguez, Elementos de trigonometria e mechanica,

Cosmographia, Geographia e historia geral, Physica, Trabalhos manuaes

apropriados á edade e ao sexo, e exercicios gymnasticos.

QUARTO ANO – Complemento de physica, Chimica, Historia natural, Noções de

hygiene, Economia politica ou domestica, conforme o sexo e exercicios

gymnasticos.

O programa de ensino evidencia a crença dos republicanos paulistas no poder

educativo das ciências – o que levou à adoção de um plano de ensino enciclopédico.

As aulas eram ministradas por um único professor polivalente encarregado de

ensinar todas as matérias correspondentes a cada ano. A escola complementar possuía,

portanto, uma organização mais modesta para que cumprisse sua missão de “escola primária

29

Inspetora Geral do Ensino. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo. 1908-1909, pp. 316-317

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superior” e, além disso, possibilitar a sua multiplicação por todo o estado, já que o artigo 11

da lei nº 88 de 1892 previa uma escola complementar para cada dez escolas preliminares

existentes em cada município. No entanto, apenas uma escola complementar foi instalada no

estado – a Escola Complementar Modelo anexa à Escola Normal da Capital, em 1894.

Somente em 1897 outras escolas complementares foram instaladas: nas cidades de

Itapetininga e Piracicaba, e a Escola Complementar Anexa “Prudente de Morais”, na Capital.

Em 1903, as cidades de Campinas e Guaratinguetá também receberiam essa instituição. A

tabela abaixo30

traz as escolas complementares que foram instaladas no interior paulista:

Tabela 6 – Datas de instalação das Escolas Complementares no interior paulista

Ano Estabelecimento Data de Instalação

1897 Escola Complementar de Itapetininga 29/03/1897

1897 Escola Complementar de Piracicaba 21/04/1897

1903 Escola Complementar de Campinas 18/04/1903

1903 Escola Complementar de Guaratinguetá 13/05/1903

Tabela elaborada pelo autor. Fonte: Anuário do Ensino do Estado de São Paulo (1907-1908)

A escola complementar mostrou-se a solução para que se formassem mais

rapidamente os professores preliminares e, assim, combater a sua falta crônica. Isso ocorreu

por meio do Decreto nº 374, de 3 de setembro de 1895:

Artigo 1.º - O ensino das materias do curso das escolas complementares, dividido

em quatro annos fica confiado a quatro professores, um para cada anno.

§ único. – Os alumnos que concluirem o curso complementar e tiverem um anno de

pratica de ensino cursado nas escholas modelo do Estado poderão, na forma da lei

ser nomeados professores preliminares com as mesmas vantagens concedidas aos

diplomados pela Eschola Normal.

O Anuário do Ensino Paulista de 1908-1909 traz um resumo das medidas do

governo paulista para tentar equacionar o grande problema da falta de professores:

Desde 1890, é justo confessar, têm os governos de S. Paulo enfrentado com louvavel

patriotismo o magno problema do ensino publico.

Mantinha o Estado, então, 949 escolas primarias e 18 cursos nocturnos, e, nessa

época, a difficuldade na dissiminação do ensino, apparentemente insuperavel,

consistia na formação do mestre, de accordo com os novos moldes pedagogicos.

30

Inspetora Geral do Ensino. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo. 1907-1908

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65

Não dispondo de mestres, assim apparelhados e traquejados, não podia o Estado

manter boas escolas.

O problema do ensino publico estava, nesse período, na Escola Normal, que,

reformada e melhorada, começou a formar aos poucos, vagarosamente, aliás como

era natural, os primeiros professores.

A necessidade de diffundir o ensino exigiu, porém, escolas por toda a parte e, para

supprir o mestre diplomado, no provimento dellas, teve o governo de decorrer ao

mestre habilitado mediante concurso, ao professor provisorio, preparado no

momento e investido, após ligero exame, das funções de pedagogo.

Era a unica medida viavel no momento e posta em pratica pelo governo com o

intuito de augmentar o coeficiente das escolas.

O professor provisorio preencheu – seja dito com justiça e lealdade – os seus fins

tanto quanto possivel.

Estando, mais tarde, as escolas complementares em véspera de diplomar as

primeiras turmas de alumnos, o governo resolveu aproveital-os para o magisterio,

abrindo mão, para isso, dos provisorios.

Foi oportuna similhante medida: a Escola Normal ainda não se achava em condições

de fornecer professores para o preenchimento immediato dos claros existentes no

magisterio.31

Em 6 de novembro de 1896, foi assinado o Decreto nº 400 que trazia o Regimento

Interno das Escolas Complementares do Estado. Nesse documento podemos identificar a

ambiguidade dessa modalidade de ensino. Já o seu artigo 1º define que a escola complementar

destina-se a complementar o ensino primário e, ao mesmo tempo, facilitar a formação de

professores preliminares, mediante a prática didática em escolas modelo.

De acordo com o Regimento, a prática deveria acontecer pelo período de um ano

após o término do curso teórico. Mais tarde, a Lei nº 861, de 12 de dezembro de 1902, reduziu

o tempo da prática de ensino para seis meses após o término do curso, possibilitando sua

realização em grupos escolares onde não houvesse escolas-modelo. Finalmente, a Lei nº 1846,

de 19 de março de 1910, fixou que a prática poderia ser realizada desde o início do curso.

No tocante ao programa de ensino das escolas complementares, há de se destacar

a ausência da matéria específica para a formação de professores, evidenciando a sua

precariedade se comparada à formação da Escola Normal. De acordo com Reis Filho (1995, p.

159), todas as disciplinas deveriam ser ministradas pelos professores de modo que

possibilitasse aos seus alunos a assimilação dos modernos métodos de ensino. Portanto, a

formação pedagógica era garantida através da metodologia aplicada na Escola Complementar.

Obviamente, isso foi objeto de contestações à época. O diretor da Escola Complementar de

Campinas, por exemplo, manifestou sua discordância do seguinte modo:

31

Inspetora Geral do Ensino. Anuário do Ensino do Estado de São Paulo. 1908-1909, pp. 311-313

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a primeira observação a fazer é que o programma se resente da falta de uma

disciplina importantissima: - a methodologia.

Essa falta se explica talvez pela precipitação com que se fez a organização das

escolas complementares.

[...]

Sem tal iniciação, ao assumirem os encargos da vida pratica do ensino, elles

resvalam quasi sempre para o empirismo e não tem outras regras de conducta a não

ser a tradição do que outros fizeram. E nem se diga que a pratica de seis mezes os

salve desse perigo: a pratica, feita como é, não passa de uma formalidade.32

Nesta mesma direção, em 1909, o Inspetor Escolar Miguel Carneiro Junior,

também teceu profundas críticas, destacando que a falta de disciplina específica fazia com que

os professores se encontrem despreparados para as dificuldades que encontrariam no exercício

de sua profissão:

Estas escolas funccionam como estabelecimentos communs de curso secundário,

com um programma geral de sciencias elementares e não com programma especial

de curso profissional. (...)

Quanto ás escola complementares, observa-se ainda a extranha anomalia de não

constar de seu programma nem a mais ligeira noção de Psychologia, Pedagogia e

Methodologia. Desta sorte, os professorandos que em taes escola se diplomam

fazem pura e simplesmente um curso de humanidades.

Terminando o curso, os professorandos fazem nos grupos escolares, uma pratica de

seis mezes, cujo valor negativo ninguem desconhece.

É natural que, assim desapercebidos para as luctas que vão encetar, os jovens

professores encontrem, a cada passo, difficuldades que não poderão vencer. A

pratica, a verdadeira pratica, elles a vão fazer nas escolas isoladas, sem levar um

seguro preparo especial e desacompanhados da orientação da diretora de um mestre

competente ou do lente de Pedagogia do curso profissional.33

Em 1911, o Diretor Geral da Instrução Pública, João Crisóstomo B. R. Júnior, em

seu relatório, também expõe críticas à conversão das escolas complementares em escolas de

formação de professores. Para ele, isso teria prejudicado o ensino primário, deixando-o

incompleto e se resumindo aos quatro anos do curso preliminar:

Com a transformação das escolas complementares em normaes primarias – e de

facto ellas funccionam sob tal regimen desde 1895 – o ensino primario deixou de

passar por esse estadio como lhe prescrevia a lei e a propria satisfacção de seu

curriculum de estudos.

(...) Supprimindo o curso complementar, desfeita a correlação existente entre um

outro cyclo, a realidade é exactamente esta: os grupos resumem todo o curso

primario, que deixou de possuir duas phases – preliminar e complementar – para se

reduzir a uma só com quatro anos.34

32

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910, p. 72 33

Inspetoria Geral do Ensino. Anuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1908-1908, p. 60 34

Inspetoria Geral do Ensino. Anuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1910-1911, pp. 14-16

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Souza (1998, p. 64) define essa mudança de função da escola complementar como

uma descaracterização dessa modalidade de ensino:

Dessa forma, além de descaracterizar completamente a fase complementar do ensino

primário, foi estabelecida a dualidade do fato no sistema de formação do magistério

– a Escola Normal, com um ensino de qualidade superior, e as escolas

complementares, com um ensino pouco mais aprofundado que o elementar.

Infantosi da Costa (1983, p. 42) acrescenta que os desdobramentos pelos quais o

curso complementar passou “reproduz a história das contradições existentes entre as

instituições escolares transplantadas de fora – ao menos em termos de técnicas, valores e

princípios educacionais – e a utilização da educação escolarizada imposta por nossa ordem

social.” Reis Filho (1995, p. 161) assevera que essa redução da formação do professor marca

a “cultura geral superficial fornecida aos profissionais do magistério na Primeira República”.

Na primeira década do século XX, foram as escolas complementares que

formaram a maioria dos professores preliminares paulistas. Segundo dados de 1910

pesquisados por Tanuri (1979, p. 116), havia 1.175 escolas providas no Estado de São Paulo.

Nelas, 209 professores eram normalistas, 779 complementaristas, 24 adjuntos de concurso,

143 intermédios e 20 substitutos leigos. Em 1912, todo o corpo docente das escolas públicas

paulistas era composto por 998 normalistas, 1702 complementaristas, 96 normalistas

primários, 59 adjuntos de concurso e 171 intermédios. De acordo com Teixeira Junior (2005,

p. 227), entre 1898 e 1911, enquanto a Escola Normal da Capital formou 1.186 alunos, as

escolas complementares formaram 2.382. Além disso, em 1911, 55,6% das cadeiras dos

grupos escolares do interior e pouco menos das cadeiras nos grupos escolares da Capital eram

ocupadas por professores complementaristas.

Como a escola primária ocupava a centralidade no ideário republicano, a reforma

paulista não se limitou à constituição de novos métodos, mas também à configuração de

novos tempos e novos espaços escolares. O Regulamento das Escolas (Decreto nº 218 de

1893) previa para as escolas a delimitação de um espaço amplo para a realização de recreios e

exercícios físicos. Além disso, previa e existência de salas apropriadas para as aulas de

trabalhos manuais, laboratório para as aulas de física e química, além de objetos e

instrumentos necessários, como podemos observar no trecho abaixo:

Artigo 226. – Em cada escola complementar haverá uma pequena bibliotheca, uma

gabinete e laboratorio de physica e chimica e colleções de historia natural, com o

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material mais apropriado ao ensino, além dos objetos taes como lousas, mappas, etc.

(art. 15 da lei n.88)

Artigo 227. – Em cada escola complementar haverá também um officina apropriada

com as ferramentas mais empregadas em trabalhos simples, de madeira e ferro, a

que ficam obrigados os alumnos (art. 13, § unico da lei n.88).

No tocante aos prédios, o Decreto nº 400 de 1896 apontava as exigências legais

para a instalação de uma escola complementar:

Artigo 49. – As escolas complementares serão installadas de preferencia nas

cidades, cujas municipalidades se compromettam a fornecer predios ou terrenos e

material para a construção dos mesmos.

Artigo 50. – Emquanto não houver edificios apropriados, as escholas

complementares poderão ser installadas em predios alugados, que tenham as

seguintes condições:

[...]

2.ª) Vãos sufficientes para a penetração da luz e do ar de modo que á renovação seja

facil;

[...]

3.ª) Dous pateos cercados para recreio;

[...]

7.ª) Que tenham salas espaçosas para as aulas e commodos que sirvam para deposito

de chapeus e outros objectos de uso dos alumnos.

Artigo 51. – Os predios especialmente construídos deverão ter os seguintes

commodos:

1 salão para reunião geral dos alumnos e para solemnidades escholares;

8 salas para aulas com dimensões de 10mx8, sendo 4 para cad sexo;

1 gabinete para o Director e seu auxiliar;

1 sala para os professores, servindo também de deposito do material comum a todas

as classes;

1 sala para os professores, servindo também de deposito do material comum a todas

as classes da respectiva secção;

1 sala para a biblioteca;

1 salão bastante espaçoso e ventilado para officinas, sendo preferivel para esse fim

uma construcção independente;

1 gymnasio, servindo para ambas as secções.

A arquitetura das escolas paulistas na Primeira República foi o produto de um

momento em que o país buscava se modernizar. Encontrava-se dentro de um contexto de

transformação da ordem política e de renovação cultural, devido ao recrudescimento das

relações comerciais entre o Brasil e as nações capitalistas hegemônicas do final do século

XIX (WOLFF, 2010, p. 27).

O Governo escolheu Ramos de Azevedo para desenhar o projeto arquitetônico dos

prédios que abrigariam a Escola Normal, a Escola-Modelo Preliminar e a Escola

Complementar da Capital. Azevedo já vinha afirmando seu papel de arquiteto de obras

públicas no Estado de São Paulo desde o final do Império. Marcam seu estilo a

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monumentalidade dos prédios construídos com a técnica de alvenaria de tijolos e compostos

com ornamentos clássicos. Essa estética inovadora correspondia às expectativas

modernizantes dos republicanos paulistas. A participação de Azevedo na concepção de

escolas públicas começou pelo desenvolvimento do projeto da Escola Normal da Capital.

O projeto educacional republicano via como necessária a formação adequada dos

professores, o que demandava instalações apropriadas em um prédio exemplar. Dentro do

ideário republicano, as escolas exerciam papel central na intensão de tirar o país do atraso.

Esse propósito deveria ser salientado por meio de prédios monumentais que, além disso,

também tinham como função promover a concretude e as qualidades da ação governamental.

A arquitetura deveria refletir os conceitos pedagógicos que eram ensinados no seu interior.

Para Souza (1998, p. 123), o edifício da escola deveria ser um fator de elevação do prestígio

do professor, um meio para dignificar a profissão e provocar a estima dos alunos e dos pais

pela escola. Por isso, uma arquitetura escolar pública começou a ser gestada a fim de aliar a

configuração do espaço às concepções pedagógicas com as finalidades atribuídas à escola

primária. Segundo Wolff (2010, p. 153), o estilo transmitia a ideia de que a arquitetura

pública era feita para durar, expressando os ideais de nobreza e da dignidade das nações. O

classicismo – mesmo que reinterpretado em uma visão mais flexível – era o modelo que

melhor respondia a essas intensões. Por isso, o prédio da Escola Normal deveria ser novo,

funcional e digno. Deste modo, tornava-se capaz de desempenhar seu papel de propagador da

ideia de educação proposta pelos republicanos.

De acordo com Catini (2013, p. 69), a construção dos prédios escolares obedecia à

lógica do “primado da visibilidade”35

que

dava materialidade ao projeto de modernização e à centralidade que os republicanos

atribuíam à escola, um dos símbolos do progresso das cidades. Com isso, ocorreu

transformação dos “pardieiros” em que se realiza o ensino no período do Império, ou

a construção de escolas monumentais como “vitrines” da República, nos dizeres de

Vera Lúcia Gaspar Silvia (2006), pois mostravam a nobreza da tarefa dos

reformadores, embelezava a cidade, e ostentava poder. No mesmo sentido, montou-

se um discurso ideológico oficial acerca das imensas capacidades da escolarização

de promover a regeneração do povo e o progresso da nação.

O edifício escolar tornou-se, portanto, portador de uma identificação arquitetônica

que o diferenciava dos demais edifícios públicos e civis. Ao mesmo tempo, a construção se

impunha como um espaço próprio, isto é, o lugar específico para as atividades do trabalho

docente. Souza (1998, p. 124) acrescenta que a própria arquitetura deveria simbolizar as

35

Conceito delineado por CARVALHO (1989)

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finalidades sociais, morais e cívicas da escola pública. Deveriam atender a essa lógica, não

somente o estilo, mas também os espaços no interior da escola. A mesma autora observa:

Em realidade, a escola graduada pressupunha não apenas um edifício de grandes

dimensões para abrigar várias salas de aula, mas também outros espaços

diferenciados que atendessem às novas necessidades administrativo-pedagógicas:

gabinete para diretoria, sala para arquivo, portaria, depósito, biblioteca, laboratórios,

oficinas para trabalhos manuais, ginásio anfiteatro e pátios para recreio. (SOUZA,

1998, p. 125-126)

O Decreto nº 400 de 1896 definia rigorosamente como deveria se dar o tempo

escolar. Nos artigos 13 e 14, encontramos, por exemplo, que as aulas das escolas

complementares se iniciavam em 5 de fevereiro e se prolongavam até 25 de dezembro. Elas

aconteciam entre as 10:30 e 15:30, tendo, portanto, a duração de cinco horas por dia. Os

alunos tinham direito a trinta minutos de recreio ao ar livre. Havia também dois recreios

menores – de dez minutos – um no período da manhã e outro no vespertino. A legislação

também orientava os professores a colocar as lições que demandassem maior esforço

intelectual no período da manhã e que nenhuma lição deveria exceder quarenta minutos.

O modo de produção capitalista impunha um tipo específico de disciplina, de

controle e de intensificação do trabalho que exigia a dedicação, o cumprimento de horários e

o correto uso dos meios de produção. Essa indução de novos hábitos adaptados à nova ordem

foi imposta pelo capital por meio de diversas instituições (dentre as quais, a educação

escolar), leis e processos. Por isso, conforme Catini (2013) a escola tinha a importante tarefa

de ensinar a aprendizagem e a interiorização do “tempo abstrato”36

e a disciplina do trabalho,

mediante o próprio emprego do tempo em todas as atividades por um longo período, sendo a

origem de sua organização alheia e definida por um sistema externo à própria escola. A sala

de aula, portanto, se converteu “no lugar apropriado para costumar-se às relações sociais do

processo de produção capitalista, no espaço institucional adequado para preparar as crianças e

os jovens para o trabalho” (ENGUITA, 1989, p. 30-31).

De acordo com Catini (2013, p. 98):

36

[...] o sentido do uso do tempo cronometrado é uma necessidade que só pode ser apreendida a partir das

abstrações próprias às relações sociais capitalistas, quando o tempo passa a ser tudo e o homem nada, como

assevera Marx ao demonstrar que a principal medida de valor na sociedade capitalista é a quantidade de tempo

de trabalho abstrato empregado na produção da mercadoria. Essa transformação revolucionou as relações sociais

para além da produção, circulação e consumo de mercadorias. [...] a relação dos indivíduos com o tempo no

interior da sociedade capitalista e fundamentalmente dominada por uma medida exata e estritamente

quantitativa, o tempo dos relógios, uma temporalidade vazia. O tempo, assim, torna-se uma categoria do capital

[...]. Com isso, a medida temporal precisa dos relógios desloca a notação de um tempo qualitativo, e passa a se

definir por ele mesmo. Enquanto categoria própria da forma-capital, o tempo abstrato prevalece sobre seus

conteúdos, torna-se indiferente em relação às atividades, cindindo a relação entre a atividade e a passagem do

tempo. (CATINI, 2013, p. 99-103)

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No capitalismo, tudo é calculável, e assim é também com a educação. Aliás, é

notável esta característica da educação que se desenvolveu apenas no capitalismo: a

educação passa a ser contada e medida pelo tempo do relógio, assim como o tempo

de escolarização é completamente preenchido por um cronograma previamente

estabelecido, num continuum onde, socialmente, a quantidade tem mais relevância

que a qualidade. O tempo escolar vai se moldando em dois sentidos

complementares: de um lado, um tempo interno às práticas reguladoras das relações

educativas na escola – os tempos das aulas, avaliações bimestres, semestres, séries,

ciclos, etc.; e outro, externo: o tempo socialmente necessário de educação, medido

em anos e que torna possível a equivalência entre processos particulares de

escolarização.

No entanto, a mesma autora ressalta, apoiando-se em Faria Filho (1996), que essa

relação do tempo escolar com o tempo fabril não se realizou como uma mera transposição de

modelos. Isso ocorreu através de um complexo e dinâmico processo de incorporação e

recriação, dentro de uma mentalidade mais racionalista que já vinha sendo gestada há mais de

três séculos. Essa relação do tempo escolar com o modo de produção também não anula as

especificidades da forma escolar:

Quer dizer, a relação dos tempos da escola com os tempos da fábrica, do ritmo da

cidade, próprios da modernidade, não se dá abstratamente, de modo puramente

teórico e com a qual se pode fazer uma simples analogia. Nem por isso, sustentamos

que a escola seja apenas um reflexo da organização do trabalho fabril, uma aplicação

direta do seu modo de funcionamento. [...] sob uma aparência de autonomia e

independência, a forma escolar se desenvolve no interior desse complexo de

relações sociais, e é aqui que estabelece suas especificidades, num processo de

autonomização. (Catini, 2013, p. 105)

Na República, mediante a análise da legislação sobre a instrução pública, nota-se

o ímpeto de manter maior controle sobre as atividades. Almejava-se criar uma

homogeneidade temporal, colocando “todas as escolas numa mesma cadência, todos os

professores e alunos num mesmo ritmo” (SOUZA, 1998, p. 139). A forma de organizar o

tempo escolar introduzido pela reforma paulista tinha por meta sincronizar todas as

atividades.

Antes da instituição dos grupos escolares, o período das aulas não era regulado e a

prática educacional era pouco ordenada. Não existia uma previsão para o término do processo

de aprendizagem, por exemplo. Assim, os exames aconteciam quando os mestres indicavam

que os aprendizes estavam prontos. A reforma paulista instituiu os tempos regulares na

educação formal. A organização temporal foi se delimitando em cada nível do sistema

educativo. Assim,

Essa possibilidade do cálculo transforma o tempo numa justaposição de coisas ou de

instantes que não tem relação entre si, e torna impossível a experiência de uma

temporalidade que não seja abstrata. Numa sociedade onde a relação entre as

pessoas se realizam como uma relação entre coisas, relações reificadas portanto, o

tempo se transforma em espaço, ou seja, se reduz a uma dimensão que não é

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temporal porque se torna uma presença de coisas num espaço sem qualidades. E a

transformação do tempo numa imagem espacial está presente na forma peculiar pela

qual se organizam as escolas, o que pode ser constatado pelos simples fato se

empregarem agendas onde são preenchidos os horários de toda semana com as

atividades previstas – aulas das disciplinas, intervalos, provas, etc., ou nos

cronogramas de atividades dos bimestres, semestres, anos. Essa necessidade de

visualização do tempo com fragmentos espaciais a serem preenchidos é a própria

coisificação temporal, que nos objetifica e nos integra a ele. (CATINI, 2013, p. 122-

123)

A aplicação da mesma medida de tempo para indivíduos desiguais reduz as

características individuais às características gerais. Essa abstração das pessoas acontece em

torno da ideia de uma média. Um exemplo disso é a definição de conteúdos que devem ser

ensinados a todos e incorporados por todos até a avaliação final dentro de um tempo

considerado ideal. De fato, “o tempo com caráter disciplinar aos poucos vai se impondo à

prática pedagógica e às relações educativas de modo geral” (CATINI, 2013, p. 125)

Esse controle sobre o tempo escolar foi objeto de críticas por parte dos docentes e

diretores das escolas complementares. A respeito disso, em 1910, o diretor da Escola

Complementar de Campinas expressou sua contestação do seguinte modo:

O regime de reclusão, durante cinco horas seguidas, está condenado pela

experiencia, como altamente prejudicial á saude, e portanto ao desenvolvimento

intellectual dos alumnos.

Tratando-se dos professores, cabe a mesma observação, pois para executarem o

programma complexo das escolas complementares, seria de urgente necessidade

reduzir-lhes as horas de trabalho na escola, augmentando-lhes o tempo de preparo de

lições, correção de trabalho de classes, julgamento de provas etc.37

A divisão de matérias entre os professores era outro objeto de críticas constantes

entre os profissionais dessa modalidade de ensino. O diretor da Escola Complementar de

Itapetininga, Pedro Voss, em relatório enviado ao Secretário do Interior, Dr. Gustavo de

Oliveira Godoy, tece, em 1906, algumas críticas à forma como as disciplinas eram divididas:

Quanto à Escola Complementar continuam a subsistir os mesmos inconvenientes já

apontados em relatorios anteriores.

Julgo de necessidade uma reforma nessas Escolas no sentido de serem as materias

divididas em cadeiras e entregues somente a professores.

Neste ponto peço-vos licença para reproduzir as considerações apresentadas em

relatorio anterior:

Como está presentemente feita a divisão das materias da Escola Complementar, por

mais trabalhador que seja o professor, por mais robusta que seja a sua constituição

37

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910, p. 73

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physica, não poderá dar grande desenvolvimento às diversas materias do programma

e à sua saúde será naturalmente sacrificada.

Em relação às professoras essas difficuldades são muito maiores e mais prejudiciaes.

Não só é muito raro encontrar-se uma professora com o preparo necessario para

ensinar na Escola Complementar, como ainda as vigilias continuas a que estão

sujeitas com os filhos e outros misteres de casa, fazem com que as professoras não

possam se dedicar, como devem, às obrigações escolares. Por outro lado, são

demasiadamente benevolentes e nem sempre fazem a devida justiça, o que vem

confirmar a maxima de que o homem é o cerebro e a mulher o coração [grifos do

autor].

Penso, portanto, que às professoras deve ficar entregue o ensino preliminar e

somente aos professores o ensino complementar.

Outra necessidade, e como consequente corollario das considerações acima

expostas, é a divisão das materias em um certo numero de cadeiras, conforme a

primitiva organização dessas Escolas, a fim de se poder aproveitar as aptidões. Pela

actual organização é preciso que o professor seja encyclopédico...38

O artigo 238 do Regulamento da Instrução (Decreto nº 218) define que a

matrícula nas escolas complementares é gratuita e permitida apenas aos alunos que

concluíram o curso da escola preliminar. Mais tarde, o Regimento Interno das Escolas

Complementares (nos artigos 5º, 6º e 7º) fixou que os alunos deveriam apresentar o

certificado de habilitação geral nos estudos preliminares. Na ausência desse certificado, os

candidatos se submeteriam a um exame de habilitação, mediante arguição oral. Exigia-se,

ainda, que os candidatos não padecessem de nenhuma doença contagiosa e que tivessem sido

vacinados contra a varíola.

Posteriormente, a Lei nº 861, de 12 de dezembro de 1902, estabeleceu que os

alunos aprovados pelos cursos preliminares do Estado teriam preferência na matrícula. O

critério de escolha passou a ser as médias obtidas no curso preliminar. A estes alunos era

reservada 80% das vagas. As vagas restantes destinavam-se aos alunos pertencentes às outras

modalidades de escola do Estado. A classificação se daria por meio de concurso que versava

sobre o conteúdo do curso preliminar.

O grande desafio a que se propuseram os reformadores paulistas pode ser

resumido nos seguintes pontos: estabelecer uma racionalização na administração da instrução

pública, disseminar a instrução popular por meio de estabelecimentos públicos de ensino e

uniformizar os métodos de ensino, adequando-os aos moldes da educação dos países

hegemônicos. Deste modo, o Estado propôs uma organização hegemônica tendo por meta

38

“Relatórios Diretor-Inspetor: 1898-1906”. S. Manuscritos/Instrução Pública. Caixa 15, Ordem 4980

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uma nova conformação da sociedade, mantendo o controle ideológico da formação social e

transferindo para a escola a função de detentora e propagadora dos valores republicanos.

Instaurada nos últimos anos do século XIX, e buscando romper com o passado, a

Reforma do Ensino no Estado de São Paulo não conseguiu levar a termo o projeto inicial. A

ideia de modernizar e uniformizar métodos pedagógicos e a organização estrutural das escolas

mostrou-se mais complexa que o imaginado pelos republicanos paulistas.

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CAPÍTULO 3 – A Escola Complementar de Itapetininga

3.1 – O Ensino na cidade de Itapetininga

No primeiro capítulo da presente dissertação, analisamos o contexto econômico,

social e político no qual o município de Itapetininga estava inserido. O segundo versou sobre

a forma de educação escolarizada forjada no interior da fase monopolista do capitalismo e

como os republicanos buscaram, em um processo permeado de contradições, introduzir essa

forma educacional então vista como modernizadora e capaz de conduzir a nação ao progresso

vivido na Europa e nos Estados Unidos. Neste capítulo, adentraremos aos portões da Escola

Complementar de Itapetininga. Antes, porém, faz-se necessário compreender o panorama

geral da educação no município para possibilitar um melhor entendimento do impacto que ela

causou no município e se ele foi significativo ou não.

De acordo com Nogueira (1962, p. 440), em linhas gerais, a educação formal no

município passou por três estágios de desenvolvimento. O primeiro se estende desde o início

do povoado até 1875 e se caracteriza pela insipiência do próprio ensino elementar. Este, além

de ser o único disponível, era privilégio dos elementos masculinos econômica e socialmente

mais favorecidos que aspiravam ao exercício de funções e cargos públicos. O ensino era

ministrado por professores sem formação especializada.

No segundo período, entre 1875 e 1900, assiste-se à extensão do ensino elementar

ao sexo feminino e à propagação do interesse pela instrução à diferentes camadas sociais,

inclusive fora do quadro urbano. Encontramos aqui, ainda que efêmeras, as primeiras

iniciativas do ensino médio. Finalmente, no terceiro período, que abarca a primeira metade do

século XX, houve o desenvolvimento do ensino médio, o incessante aumento da capacidade

da rede de estabelecimentos do ensino elementar, a substituição do professorado improvisado

pelos professores formados na escola complementar e depois pela escola normal, o

movimento da renovação dos métodos, das técnicas e da organização disciplinar das escolas,

o crescimento do ensino pré-primário e a proliferação do supletivo.

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76

Nos anuários de ensino de 1908-1909, 1909-1910 e 1910-191139

, encontramos

alguns dados estatísticos sobre o município de Itapetininga que nos ajudam a compreender

melhor o contexto educacional da cidade:

Tabela 7 – Dados estatísticos da população escolar de Itapetininga (1908-1910)

Ano

Po

pu

lação

Ger

al

Po

pu

lação

em

id

ad

e

esco

lar

Ma

tric

ula

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Po

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a

po

pu

lação

qu

e

freq

uen

ta a

s esc

ola

s

1908 16.600 2.371 872 ------ ------ 1.499 36,7

1909 19.000 2.714 927 25 35 1.727 36,5

1910 19.200 2.742 1.221 ----- ------ 1.521 44,5

Tabela adaptada pelo autor. Fonte: Anuários de Ensino do Estado de São Paulo

É possível apreender pelos números que, em 1908, apenas 36,7% da população

em idade escolar estavam matriculadas. Esse número teve tímido aumento em 1910. Portanto,

mesmo após mais de uma década de funcionamento da escola-modelo e da escola

complementar no município, mais da metade da população em idade escolar ainda não tinha

acesso à educação formal em estabelecimentos oficiais. Os mesmos documentos nos

informam que, em 1908, a cidade contava com 18 escolas isoladas providas e 10 classes na

escola-modelo40

. Esse número aumentaria para 20 classes no grupo escolar e as 18 escolas

isoladas foram mantidas.

Em 22 de fevereiro de 1895, o inspetor do 29º Distrito Literário do Estado de São

Paulo, José Carlos Dias, apresentou ao Conselho Superior da Instrução Pública seu relatório

sobre a instrução pública em Itapetininga em 1893 e 1894.41

39

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 40

A escola-modelo foi convertida no Grupo Escolar “Dr. Peixoto Gomide”, pela Lei nº 930, de 13 de agosto de

1904. 41

Relatório do 29º Distrito Literário do Estado de São Paulo. Arquivo do Estado de São Paulo. Ano 1895, Caixa

6, ordem 4971

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No relatório, o inspetor atesta ter visitado sete escolas no município. Segundo ele,

essas escolas estavam longe de corresponder às suas expectativas. A maior parte dos

professores não possuía as habilitações necessárias. Entre eles, havia os que estavam tentando

se adaptar aos novos métodos propostos pela reforma e também outros que se colocavam em

posição refratária. Consta no relatório que em todo o Distrito não havia nenhum professor

normalista.

As escolas se achavam “completamente destituídas de móveis e mais utensílios

para o ensino”. Os móveis eram antigos e não se harmonizavam “com as leis que presidem a

moderna pedagogia”. Nos bairros mais afastados, algumas escolas chegavam mesmo a carecer

de bancos. O relator mostra grande preocupação de, em suas visitas, orientar os mestres

quanto à aplicação do método intuitivo – “unico capaz de produzir bons resultados” – e à

situação da higiene nas escolas. Neste ponto, o inspetor afirma não poder ser muito rigoroso

na fiscalização, devido à falta de “predios apropriados, de mobilias e mais utensilios que

satisfaçam as exigencias do ensino moderno e ainda mais – o estado de pobreza de muitas

crianças que frequentam as escholas publicas”.

Na conclusão do relatório, mesmo diante dos problemas apresentados,

encontramos aquilo que para o inspetor se configurava em um lampejo de esperança:

Itapetininga e por isso mesmo o 29º Districto Litterario, do qual sou humilde

representante, na qualidade de seu inspector, pode-se dizer que vai passar por uma

nova phase de grandezas e prosperidades. Sua posição topographica, seu clima

incomparavel, as bellesas naturaes de que é dotada e finalmente o patriotico e

acertado acto do Exmo. Governo, decretando a creação da eschola normal nesta

cidade, e bem assim, a recente instalação da eschola modelo, que deve ser anexa

àquella; tudo isso, alliado ao grande patriotismo de seus filhos, ha de contribuir

infallivelmente para que a risônha e encantadora cidade Itapetiningana venha a

brilhar no centro da grande zona sul paulista, como um astro de primeira grandeza.

Em 14 de junho de 1901, o Inspetor Municipal, Manoel José e Almeida Castanho,

encaminhou ofício à Câmara de Vereadores pedindo às autoridades municipais que não

suprimissem as escolas isoladas da cidade. Segundo Castanho, essa medida prejudicaria muito

o povo. Para embasar seu argumento, o inspetor apresenta alguns números que nos revelam

um pouco mais sobre a educação primária do município. Em seu ofício encontramos o

seguinte relato:

Pois como supprimir taes escholas quando tem ella frequencia superior a exigida

pelo Regulamento respectivo e quando alem disso ha perto de uma centena de

crianças de ambos os sexos – só de 7 a 12 annos que não frequentam escola alguma?

De mais é sabido que as crianças que frequentam as referidas escolas não podem em

geral frequentar as escolas Modelo cujas despesas não podem acarretar os

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responsaveis por elles. A instrucção publica enfim deve aproveitar, sobretudo, os

filhos dos pobres, e supprimir as escolas isoladas, seria difficultar, senão privar a

estes de receberem instrucção, será uma clamorosa injustiça.42

Por meio do documento, podemos perceber a dualidade do ensino ofertado no

município. A Escola Modelo – criada em 1895 – destinava-se aos filhos das camadas mais

abastadas. Já as escolas isoladas abrigavam as camadas mais pobres. Além disso, o inspetor

aponta que uma centena de crianças de ambos os sexos em idade escolar estavam fora da

escola. Devido ao fato de ele estar se referindo apenas ao centro urbano do município, é

razoável supor que esse número fosse ainda maior.

A esse respeito, Pereira (2013), em sua pesquisa sobre a implantação dos grupos

escolares da cidade de Campinas-SP e as diferenças existentes entre os prédios centrais e os

da periferia campineira, evidencia a existência de dois movimentos nos investimentos

públicos na construção de prédios escolares. O primeiro, destinado aos prédios da região

central, caracteriza-se pelo alto investimento financeiro para a construção de edifícios com

arquitetura magnífica, com salas de aulas amplas e bem arejadas. O segundo, a manutenção de

prédios escolares implantados na periferia em casas ou cômodos improvisados, com ou sem

sanitários, pátio ou refeitório. A autora conclui que as diferenças entre os espaços

arquitetônicos das escolas apontam os diferentes tratamentos dados às crianças e isso está

relacionado à sua condição de classe.

3.2 – A Criação e Instalação da Escola Complementar de Itapetininga

No relatório de 1895, o inspetor do 29º Distrito aponta a criação da Escola Normal

Primária na cidade como pedra fundamental para uma nova fase de grandezas e

prosperidades. De fato, conforme já apontado, a escola foi criada por meio do Decreto nº 245,

de 20 de julho de 1894, assinado pelo presidente do Estado Dr. Bernardino de Campos e pelo

secretário do interior, Dr. Cesário Motta Júnior. No entanto, por si só, o ato legal de criação

não gerava as condições materiais de existência das escolas. Por isso, a instalação da escola

normal acabou não se efetivando na prática, sendo adiada para 1911.

42

Atas das Sessões da Câmara Municipal (1895-1899). Caixa Atas 1895-1899

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Em 14 de janeiro de 1895, foi instalada na cidade, em prédio alugado pela Câmara

de Vereadores, sob a direção do Major Antônio Augusto da Fonseca, uma Escola-Modelo –

também a primeira do interior paulista – que seria anexa à escola normal até então prevista.

Na edição do dia 25 de novembro de 1896 do Jornal Tribuna Popular43

, encontramos a

publicação da Lei Municipal nº 24 que apresenta o relatório financeiro da cidade. Nele consta

o valor de 2:400$000 referente ao aluguel do prédio em que funcionava a escola.

Como a legislação preconizava a participação dos municípios para a instalação de

novas escolas, a Câmara de Itapetininga se comprometeu com a doação do terreno para a

construção dos prédios onde funcionariam os novos estabelecimentos de ensino. Na sessão do

dia 7 de dezembro de 1895, encontramos o seguinte projeto de lei44

:

A Camara Municipal de Itapetininga decreta: considerando que essa camara

municipal teve de doar ao Governo o terreno para edificar o prédio da escola normal

e suas dependências e tendo o engenheiro encarregado da escolha o local preferido

na Avenida Peixoto Gomide as duas primeiras quadras a partir da rua Campos

Salles, ao lado direito que desce para a estação. A Camara Municipal de Itapetininga

decreta: Art. 1º ficam declarados de utilidade pública as duas quadras de terrenos

situadas (...) na Avenida Peixoto Gomide a partir da rua Campos Salles pelo lado

direito descendo dessa para a Estação, tendo todo o terreno 180 metros de frente

para a Avenida e 100 metros de fundo. Art. 2º Fica instituída a autorização para

fazer a desapropriação particular ou judicialmente e entregar os mesmos terrenos ao

Governo do Estado.

Há de se destacar que o terreno escolhido não se encontrava no centro da cidade.

Na verdade ele se encontrava nos limites do centro, local para onde a urbanização da cidade

começava a se expandir. No entanto, o local não deixa de ser estratégico, pois a avenida que

passava em frente ao terreno da escola terminava na estação ferroviária, principal ponto de

chegada da cidade. Desse modo, aqueles que vinham a Itapetininga e se dirigiam ao centro

necessariamente passariam em frente ao terreno, podendo vislumbrar os majestosos prédios

que seriam construídos no local. O terreno escolhido contribuiu em grande medida como

vetor de urbanização para a cidade. Tal qual a Escola Normal da Capital (WOLFF, 2010, p.

149-150), o prédio monumental atuou como polo de atração para o desenvolvimento do seu

entorno. O terreno foi dividido em três partes. O prédio central possuía 75 metros de frente e

os dois laterais 52.

43

Fundado em 31 de março de 1887 por Antônio Galvão, o jornal Tribuna Popular era publicado semanalmente

em quatro folhas. O jornal possuía orientação republicana. 44

Atas das Sessões da Câmara (1895-1899), Caixa Atas 1895-1899, p. 16

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80

Os terrenos escolhidos foram adquiridos por meio de permuta. Na sessão de 15 de

agosto de 190145

, os cidadãos José de Moraes Rosa, Christiano de Arruda Moraes e

Norbertina de Moraes Rosa pedem a Câmara que esta lhes passasse o título dos terrenos que

receberam na troca. Em sessão extraordinária, no dia 23 de outubro do mesmo ano, foi

aprovado o parecer para a concessão do título.

Em maio de 1896 foi lançada a pedra fundamental do edifício destinado à Escola

Normal.

O projeto desenvolvido por Ramos de Azevedo foi uma das mais imponentes

concepções de arquitetura do interior do Estado. Foi projetado um conjunto de três prédios –

um central para a Escola Normal, ladeado por dois prédios gêmeos destinados à Escola-

Modelo Preliminar e à Escola-Modelo Complementar. Coube ao engenheiro Antônio By o

detalhamento em desenhos e o levantamento de custos. No ofício nº 1279, de 8 de outubro de

189646

, encontramos o orçamento e o pedido de liberação dos recursos para a construção dos

edifícios. O orçamento total foi da ordem de 290:947$300.47

O prédio principal e um dos

laterais foram concluídos em 1899. O segundo prédio lateral só foi concluído em 1911. Em

frente aos prédios foi implantada uma praça pública.

45

D.O.V (1899-1902) – Leis Municipais, p. 79-80 46

S. Manuscritos. “Oficios Diversos”. Ordem 4202, Caixa 84, ano 1896 47

Nesse total estão inclusos o valor 280:901$000 - referentes à escola - somados ao valor de 10:046$300,

referentes à construção da canalização de águas e esgotos.

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Figura 2 – Orçamento da construção do prédio para a Escola Normal assinado pelo

Engenheiro Antonio By

Acervo: Arquivo Público do Estado de São Paulo

Em sua planta, o prédio central é uma versão simplificada da Escola Normal de

São Paulo. No trecho a seguir, temos a descrição do prédio:

Com menor número de salas, não chega a formar um “U” e desalinhando-se as salas

das extremidades do eixo predominante do prédio, obtém-se um movimento na

fachada principal. Esses mesmos segmentos do edifício são guarnecidos por frontões

arrematando as cimalhas. O acesso principal centralizado, recebe também decoração

especial. A ornamentação é ainda mais sóbria que a de seu modelo, a Escola Normal

da Capital. Ainda como na concepção desse projeto, um auditório semicircular

localiza-se defronte à entrada principal.

Os dois prédios gêmeos vizinhos têm uma planta muito simples, a mesma que

Ramos de Azevedo e a Superintendência de Obras Públicas – denominada de “tipo

para grupo escolar” – vinham empregando desde o Grupo Escolar de Campinas.

(WOLFF, 2010, p. 176)

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Figura 3 – Planta dos três prédios projetados por Ramos de Azevedo

Fonte: Arquitetura Escolar: Restauro, 1998, p. 44

A ornamentação dos prédios era composta por um misto de elementos clássicos

com neorromânticos. A figura 4 traz o prédio no ano de sua inauguração. Na figura 5 – uma

fotografia de 1908 – podemos visualizar os dois prédios. Em primeiro plano o prédio da

Escola Normal e, ao lado, o prédio da Escola Modelo-Preliminar. A figura 6 nos revela os três

prédios já construídos, destacando o último prédio construído e destinado a abrigar a Escola

Modelo Complementar.

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Figura 4 – Frente do prédio em 1899

Fonte: Arquitetura Escolar Paulista: Restauro, 1998, p. 37

Figura 5 – Prédios da Escola Complementar e da Escola Modelo (1908)

Fonte: Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, 1908-1909

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84

Figura 6 – Os três prédios construídos (1914)

Fonte: LISBOA, 2006, p. 279

Figura 7 – Estudo realizado pelo escritório de Ramos de Azevedo, por volta de 1895

Fonte: Arquitetura Escolar Paulista: Restauro, 1998

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85

Enquanto os prédios eram construídos, o Governo do Estado decidiu adiar a

instalação da Escola Normal – devido aos altos investimentos que esta demandava - e optou

por instalar, em seu lugar, uma Escola Complementar.

Outro motivo que certamente influenciou a decisão do governo de adiar a

instalação da Escola Normal está relacionado ao público alvo dessa instituição. Reis Filho

(1995, p. 161) aponta que a clientela das escolas complementares do interior paulista era

constituída da classe média urbana, que encontrava no magistério primário condições de

trabalho. A historiografia tem demonstrado, além disso, que as elites estaduais preferiam que

seus filhos estudassem nas faculdades de Direito, Medicina e Engenharia, no Brasil ou no

exterior. O filho48

do Coronel Fernando Prestes, por exemplo, formou-se na Faculdade de

Direito de São Paulo, em 1906. Nosella e Buffa (2002, p. 59-64), em estudo sobre a Escola

Normal de São Carlos, demonstram que, até 1940, no tocante ao sexo feminino, o seu público

era composto por jovens da classe média alta. Já o público masculino era oriundo de grupos

sociais menos favorecidos. Em Teixeira Junior (2005) encontramos a informação que a classe

dirigente campineira desejava uma escola complementar para a cidade com o intuito de que

suas filhas pudessem concluir o ensino primário, já que os meninos tinham acesso ao Ginásio

de Campinas. Portanto, como a Escola Normal de Itapetininga teria como público apenas uma

fração da elite estadual e como esta modalidade de ensino destinava-se sobretudo ao sexo

feminino, a instalação da instituição acabou sendo adiada.

No dia 11 de novembro de 1896, o jornal Tribuna Popular49

traz uma nota em sua

segunda página, informando que os políticos já falavam que a cidade receberia uma escola

complementar no lugar da normal. Na publicação de 20 de janeiro de 189750

, o mesmo jornal

noticiava que a escola começaria suas atividades no mês seguinte e alertava os estudantes para

se prepararem para a matrícula.

A criação da Escola Complementar de Itapetininga se efetivou através do Decreto

nº 428, de 6 de fevereiro de 1897, assinado pelo presidente do Estado, Dr. Manoel Ferraz de

Campos Salles, e pelo Secretário do Interior A. Dino Bueno:

48

Trata-se de Júlio Prestes de Albuquerque. Exerceu as funções de Deputado Federal e presidente do Estado de São Paulo (1927-1930). Foi o último presidente eleito da Primeira República. Contudo, não chegou a assumir devido à Revolução de 1930. 49

Tribuna Popular, 11 de novembro de 1896, Anno X, nº 402 50

Tribuna Popular, 20 de janeiro de 1897, Anno X, nº 412

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86

Art. 1º - Fica creada uma eschola modelo complementar, annexa à Eschola Modelo

de Itapetininga, destinada aos exercicios praticos do ensino (...), servindo a alumnos

de ambos os sexos.

No dia 17 de fevereiro, o jornal Tribuna Popular engrandece a criação e

instalação da escola e relaciona esse fato como vetor de progresso para o município:

Como todos devem estar scientes, foi creada em Itapetininga uma eschola

complementar, cujo fim, por uma sabia resolução do Congresso, é formar

professores preliminares com as mesmas regalias a que tem direito aquelles que são

diplomados pelas Escholas Normaes do Estado.

Semelhante instituição já era ansiosamente esperada pela mocidade estudiosa desta

cidade; mas ainda mesmo assim, não foi sem muito especial agrado que a noticia de

sua creação foi por nós recebida, visto ser este um dos novos e pujantes elementos

cooperadores do progresso intelectual da terra de Venancio Ayres.

Todos aquelles que amam o estudo e o progresso e tem verdadeiro interesse pelo seu

berço, devem mostrar-se muitissimo jubilosos com semelhante nova. Com a eschola

complementar, Itapetininga só tem a auferir immensas vantagens que não são

precisas especificar. E’ mais um templo que se abre; é mais luz que se irradia; é mais

vida que apparece e conseguintemente mais progresso para esta nossa terra querida.

Não são precisas mais considerações e commentarios em prol da Eschola

Complementar; o tempo realmente nos mostrará as verdadeiras e utilissimas

vantagens que por alto estamos agora fazendo mensão. Por ora limitamo-nos a dar

em nome do povo sinceros parabéns aos propugnadores do progresso de Itapetininga

por terem conseguido do governo do Estado mais esse grande auxilio, que equivale

para Itapetininga a um enorme e inestimavel melhoramento.

(...) a Eschola Complementar abrir-se-á no começo de Março, faltando para isso

preparar a casa em que a mesma deverá provisoriamente funccionar.

Consta-nos mais que se trata de alugar para esse fim um prédio espaçoso situado á

rua Campos Salles, nesta cidade.51

Como o prédio ainda estava em construção, a escola foi acomodada em um

edifício alugado para recebê-la. Conforme relato presente no Anuário de 1907-1908, a escola

foi instalada em prédio particular, previamente adaptado, no dia 29 de março de 1897. O

Jornal Tribuna Popular dá destaque a esse fato em sua primeira página no dia 31 de março do

mesmo ano52

:

No dia 29 do corrente, ao meio dia, fez a inauguração da Escola Complementar

desta cidade, no predio da rua Campos Salles, pertencente a D. Damazia M. Prestes.

O acto da installação fez-se sem ruido, sem caracter festivo, attendendo-se á morte

recente de dois cidadãos estimados de nossa sociedade – o bom dr. Coutinho e o

nunca esquecido Antonio Paulino.

51

Tribuna Popular, 17 de fevereiro de 1897, Anno X, nº 416 52

Tribuna Popular, 31 de março de 1897, Anno X, nº 422

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A reunião, entretanto, foi muito concorrida, notando-se a presença do dr. Peixoto

Gomide que congratulou-se com Itapetininga pelo melhoramento que acabava de

obter, pedindo em seguida aos circumstantes que o acompanharam em suas

saudações, ao Major Antonio Augusto da Fonseca e ao Coronel Fernando Prestes,

como tendo grande parte na creação da Escola Complementar.

Oraram também alguns professores da Escola Modelo e Complementar, e alguns

alumnos desta, saudando muito ao Dr. Gomide, a quem se deve maior soma de

esforço para o estabelecimento de uma instituição de valor inestimavel para

Itapetininga.”

O predio acha-se perfeitamente mobiliado e dividido em duas partes sem

comunicação, de modo a ficarem inteiramente separados os dois sexos.

A notícia afirma que o prédio alugado para abrigar a escola se localizava na rua

Campos Salles.53

Apesar de nos revelar o proprietário do prédio e de noticiar que este se

achava mobiliado e dividido em duas partes para abrigar separadamente as duas seções, não

nos revela o número de sua localização. Conseguimos preencher essa lacuna por meio do

lançamento do imposto predial do município presente em uma edição de junho do mesmo

jornal.54

O lançamento dos impostos nos informa que a rua contava com 67 imóveis. A escola

encontrava-se no número 17. Também podemos ter uma noção do tamanho do prédio da

escola em relação aos demais imóveis da rua por meio do imposto pago. Deste modo, sessenta

prédios pagaram o valor entre 6$ e 42$; seis prédios, entre os valores de 4$500 e 16$300; e o

prédio da escola, 108$000. Infelizmente esse prédio não existe mais, pois foi demolido para a

construção de um galpão do Ginásio em seu lugar (GALVÃO JUNIOR, 1956, p. 259).

Algo que nos causou certo estranhamento na criação e instalação da escola

complementar foi o fato de o decreto descrever esta última como anexa à escola-modelo e não

o contrário, como era de se esperar. Esse fato foi alvo de questionamentos dos professores das

duas escolas. Em ofício de 11 de maio de 1898, os docentes questionam o Secretário do

Interior, Dr. João Batista de Mello Peixoto,

Ora, sendo a Escola Modelo desta Cidade annexa à Escola Complementar e tendo

esta seu Reg. especial, que determina periodos de ferias em tempo differente do da

Escola Modelo, resulta dahi a desigualdade do período escolar para cada uma dellas,

apesar de estarem sob uma só direcção.

Concedendo mesmo não estar revogado o Decreto de 1894 que creou a Escola

Normal nesta Cidade, ainda assim não deixam as escolas modelo e complementar de

ser anexas à Normal, pois que a existencia della seria legal, faltando unicamente o

seu funcionamento.

53

Na atualidade, essa rua corresponde ao principal centro comercial da cidade. À época, o centro político,

religioso e cultural da cidade se encontravam ao redor da prefeitura, na praça Marechal Deodoro da Fonseca. A

rua Campos Salles localizava-se entre o centro político e a linha de ferro Sorocabana, inaugurada em 1895. Isso

contribuiu para o seu desenvolvimento e projeção econômica no decorrer do século XX. 54

Tribuna Popular, 9 de junho de 1897, Anno nº 432

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88

Portanto, ou a Escola Modelo desta Cidade é annexa à Normal ou não. No primeiro

caso gozará das vantagens do Art. 97 do Reg. de 11 de janeiro de 1898; no segundo

caso não é, e então ha um completo desacordo entre as ferias das escolas

Complementar e Modelo, suspendendo-se umas aulas e continuando a funccionar

outras, o que torna a ordem dos trabalhos irregular, por falta de uniformidade nos

mesmos.

[...]

Para que a questão fique elucidada, de modo a não haver duvidas, resolveram o

abaixo assignado dirigir-vos esta representação para que decidaes, como de costume,

com vosso reconhecido criterio e alta competensia.55

Percebemos que essa ambiguidade causava algumas inconveniências à prática

escolar, como a não concomitância do período de férias entre as duas escolas.

As primeiras aulas tiveram início no dia 2 de abril de 1897. Finalmente, os prédios

das duas escolas (modelo e complementar) foram concluídos em 1899. Assim, em 8 de março

de 1900, as escolas foram finalmente alojadas em seus locais definitivos.

De todas as escolas complementares do interior, a de Itapetininga foi a única que

contou com prédio próprio construído pelo Governo do Estado destinado especificamente

para abrigar uma instituição escolar (TEIXEIRA JUNIOR, 2005, p. 161).

O Anuário de 1907-1908 traz um relato de alguns detalhes do edifício central e de

como seu espaço foi utilizado:

Consta o edificio maior, em que está presentemente installada a secção feminina, das

duas escolas, de 3 pavimentos: - o inferior, médio e superior. No pavimento inferior

estão confortavelmente intalladas as officinas de torno e marcenaria, aulas de

desenho, arrecadação do batalhão infantil e sala destinada aos empregados. No

pavimento médio funccionam seis aulas da Escola-modelo, e existem, o gabinete da

directoria, a portaria, a secretaria e bibliotheca e um museu com os mais importantes

especimens da nossa flóra e fauna, além da sala de ensaios da banda de musica. No

pavimento superior funccionam quatro aulas da Escola Complementar, e existem o

gabinete da professora de prendas domésticas, o gabinete e laboratório de physica e

chimica, e o esplendido salão em que se realizam os ensaios de canto e exercicios de

gymnastica da secção feminina das duas escolas.

No salão nobre está construido um excelente theatro, com um bellissimo scenario e

panno de boca, pintados pelo professor da Escola Complementar sr. Caetabo Bifone.

Possue o salão um piano para os exercicios de canto, e nas paredes lateraes estão

suspensos os quadros de diversas turmas de professorandos e os retratos dos

benemeritos das escolas: cidadãos dr. Peixoto Gomide, coronel Fernando Prestes de

Albuquerque, drs. Bernardino de Campos, Cesario Motta, Jorge Tibiriçá e Cardoso

de Almeida. A illuminação interna e externa é feita a gaz acetyleno.

55

“Ofícios Diversos ao Inspetor Geral”, Ano 1898, Caixa I, Ordem 5000

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89

O edificio menor, em que funcciona a secção masculina das duas escolas, também

consta de tres pavimentos, estando no pavimento médio intalladas as aulas da

Escola-modelo, e o pavimento superior as aulas da Escola Complementar.

Á frente dos dois edificios estão dois jardins que servem não só para o

embellesamento dos mesmos, coo também para estudo dos alumnos.

As áreas dos recreios das duas secções, separadas por muros de tijolos, são todas

arborisadas, e na da secção masculina foram construidos os apparelhos para

gymnastica constantes de parallelas, parallelas verticaes, trapézio, argólas, cordas

lisas e de nós, apparelhos para saltos em altura, extensão e profundidade, e um

cavallo mecanico.56

Destacamos deste documento, em primeiro lugar, a sua suntuosidade. Isso se

evidencia pela apresentação de salas preparadas para diferentes tipos de atividades –

marcenaria, biblioteca, museu, laboratório. Essa suntuosidade estava em sintonia com o

pensamento positivista a respeito da educação, cujos edifícios escolares visavam à higiene

escolar, “justificando um corpo escolar saudável que respirasse bem, que enxergasse bem, que

se locomovesse bem, que desse higienicamente fim aos dejetos de limpeza que seja

controlado através da interiorização das noções de ordem e progresso” (DA SILVA, 2004, p.

14).

Salta aos olhos a existência de um piano para as aulas de canto – como não se

recordar das escolas dos bairros afastados nas quais chegavam a faltar até bancos? No ideário

republicano, a escola devia se dar a ver. De acordo com Catini (2013, p. 69),

Daí os edifícios necessariamente majestosos, amplos e iluminados, em que tudo se

dispunha em exposição permanente. Mobiliário, material didático, trabalhos

executados, atividades discentes e docentes – tudo devia ser dado a ver de modo que

a conformação da escola aos preceitos da pedagogia moderna evidenciasse o

Progresso que a República instaurava [...].

Chama a atenção o uso dos prédios em seus primeiros anos de funcionamento.

Apesar de serem dois prédios – cada um destinado a uma modalidade do ensino (Modelo e

Complementar), a fonte nos revela que no prédio central – destinado à escola complementar –

ficavam as seções femininas das duas escolas; e no prédio menor – as seções masculinas. O

documento, contudo, não nos revela as razões disso.

No entanto, mesmo sendo um prédio novo, levou algum tempo para contar com

todo o aparato descrito no Anuário. Seis anos após a inauguração do suntuoso prédio, o

56

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1907-1908, p. 125

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diretor da escola, Pedro Voss reivindica ao Secretário do Interior a instalação do gabinete para

as aulas de química e física:

Alem disso, para o ensino proposto de Physica e Chimica, é necessário a instalação

de um gabinete e de um laboratorio. O ensino somente theorico dessas disciplinas é

completamente infructifero.57

Outro aspecto intrigante são os quadros que enfeitam o anfiteatro da escola. Além

de quadros de diversas turmas de professorandos – alguns desses quadros estão expostos até a

atualidade – encontramos também quadros dos “beneméritos das escolas”: Dr. Peixoto

Gomide, Coronel Fernando Prestes, Dr. Bernardino de Campos, Dr. Jorge Tibiriçá e Cardoso

de Almeida. Na Primeira República, os melhoramentos locais configuravam uma estratégia de

manutenção e promoção do prestígio político da liderança local – o coronel. A presença dos

quadros no ambiente mais nobre da escola evidencia essa estratégia, pois isso contribui para

reforçar o domínio político que o principal líder político da região – o coronel Fernando

Prestes– já exercia no município. Nas palavras de Leal (1997, p. 58):

A falta de espírito público, tantas vezes irrogada ao chefe político local, é

desmentida, com frequência, pelo seu desvelo pelo progresso do distrito ou

município. É ao seu interesse e à sua insistência que se devem os principais

melhoramentos do lugar. A escola, a estrada, o correio, o telégrafo, a ferrovia, a

igreja. O posto de saúde, o hospital, o clube (...), a luz elétrica, a rede de esgotos, a

água encanada -, tudo exige o seu esforço, (...). E com essas realizações de utilidade

pública, algumas das quais dependem só do seu empenho e prestígio político, (...), é

com eles que, em grande parte, o chefe municipal constrói ou conserva sua posição

de liderança.

Essa característica do coronelismo apontada no trecho acima é frequentemente

presente na imprensa da cidade. Em diversos números, o jornal Tribuna Popular relaciona a

criação e instalação da escola como um presente para Itapetininga e louva os esforços das

chefias políticas locais por esse benefício. Assim, por exemplo, na mesma edição em que se

noticia a inauguração do prédio da escola, encontramos, na primeira página:

Acha-se nesta cidade o benemerito vice-presidente do Estado dr. Francisco de Assis

Peixoto Gomide.

Nós saudamos o illustre chefe republicano, não podemos deixar de, em nome do

povo de Itapetininga, deixar aqui consignados os grandes beneficios que elle, em

derramando nesta terra, taes como a creação da Escola Modelo Complementar e

Normal, auxilio para abastecimento d’agua etc.

Praza ao céos que o dr. Gomide sempre continue a esforçar-se pelo progresso desta

terra.58

57

“Relatórios Diretor-Inspetor: 1898-1906”. S. Manuscritos/Instrução Pública. Caixa 15, Ordem 4980 58

Tribuna Popular, 31 de março de 1897, Anno X, nº 422

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Meses mais tarde, alguns exemplares do mesmo jornal trazem uma carta em que

se apresenta a história e as principais conquista da cidade. Em uma dessas edições

encontramos o seguinte:

Na minha primeira carta eu disse que esta cidade já se póde denominar Athenas

paulista, e agora preciso dar-lhe a razão porque assim escrevi. O meu saudoso e

dinstincto collega Cesario Motta, (...), abriu (...) em todo o Estado de S. Paulo (...)

um incomparavel campo de instrucção e estudo, sob todos os ramos dos

conhecimentos humanos.

Itapetininga partilhou largamente desses beneficios pelos bons esforços do dr.

Gomide, vice-presidente do Estado, e de um de seus mais prestimosos filhos, o

Coronel Fernando Prestes, hoje deputado federal.

Possue ela já uma Escola Modelo e uma Escola Complementar, que funccionam em

vastissimos e bem construidos predios e onde se acham matriculados mais de

quinhentos alumnos , com um habilitadissimo corpo docente, cujo director é o sr.

Antonio Augusto da Fonseca, (...).

Acha-se em construcção, sob a direcção do meu gentilissimo amigo Caleagno, (...)

um esplendido e monumental edificio, que o benemerito governo do estado de S.

Paulo destina á Escola Normal.59

Como vimos acima, no dia da sua inauguração não houve muitos festejos devido à

morte de duas personalidades itapetininganas. No dia 2 de abril de 1897, os alunos da escola

promoveram um baile no Clube Venâncio Ayres com a presença do diretor da escola e do

corpo docente.

O Estado designou o diretor da Escola-Modelo Major Antônio Augusto da

Fonseca para ser o primeiro diretor da Escola Complementar. Assim o Major Fonseca tornou-

se o diretor das duas escolas. A primeira turma de matriculados na Escola Complementar era

composta pelos alunos do 5º ano e alguns do 4º ano da escola modelo. No dia 3 de março de

1897, o jornal Tribuna Popular noticiou que os alunos da escola-modelo que quisessem se

matricular na escola complementar precisariam apresentar somente o requerimento de

matrícula. Para aqueles que não provinham da escola-modelo, a mesma edição do jornal

apresenta as matérias que seriam exigidas no exame de suficiência e os documentos

necessários para inscrever-se para o exame:

As inscripções serão requeridas ao Diretor da Eschola Modelo, juntando os

candidato documentos que provem:

1º Idade legal, (14 annos para cima).

2º Moralidade.

59

Tribuna Popular, 7 de agosto de 1897, Anno XI, nº440

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3º Ter sido vaccinado ou afectado pela variola.

4º Não padecer de moléstia contagiosa ou repugnante nem ter defeito physico

incompativel com o magisterio.

O exame de sufficiencia versara sobre as seguintes materias:

Portuguez (...)

Francez (...)

Arithemetica (...)

Desenho linear (...)

Geographia (...)

Botanica (...)

Zoologia (...)

Os exames terão logar no dia seguinte ao do encerramento das inscripções.60

3.3 – A Composição do Corpo Docente

O Governo nomeou o então diretor da Escola Modelo, o Major Antônio Augusto

da Fonseca, para ser o primeiro diretor da Escola Complementar. O Major Fonseca – como

era mais conhecido – nasceu em Portugal e veio para o Brasil em 1869. Fixou residência em

Itapetininga, em 1872, e vivia como negociante. Sete anos mais tarde, fundou o “Externato

Providência”. O externato funcionou por dez anos. Nesse período, naturalizou-se brasileiro.

Em 1886, foi eleito vereador e, com o advento do novo regime, foi designado para ser

subdelegado de polícia. Em 1892, foi nomeado delegado de polícia, função que ocupou até

1899. Participou ativamente na defesa do estado contra os rebeldes federalistas –

conseguindo, com isso, maior projeção política. Foi um dos fundadores do Partido

Republicano de Itapetininga, ao lado do Coronel Fernando Prestes. Chegou, inclusive, a

exercer a advocacia. Ainda no âmbito político, possuía relações estreitas com grandes

expoentes da liderança política paulista, como Francisco Glicério, Campos Salles e Cerqueira

Cesar, entre outros. Era adepto do positivismo e no âmbito local lutara pela abolição dos

escravos e pela proclamação da república. Coube a ele coordenar a instalação da escola e

organizar o seu primeiro exame de suficiência. O major Fonseca esteve na direção da escola

até o final de 1901.

60

Tribuna Popular, 3 de março de 1897, Anno X, nº 418

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No dia 8 de janeiro de 190261

, o jornal Tribuna Popular protesta contra a

exoneração do major sem, contudo, revelar o motivo. No entanto, nas edições que cobriram as

eleições que aconteceram no ano anterior, encontramos informações de que o major teria

optado por aderir ao partido de oposição aos governistas. Nossa hipótese é a de que isso

custou-lhe o cargo de direção das escolas modelo e complementar. Também contribui para

essa hipótese o fato de a matéria, mesmo que não tenha apresentado os motivos, ter

denominado a exoneração como resultado de “maroteiras da politica do meu paiz”. A mesma

edição do jornal comunica que o novo diretor designado para a escola modelo foi Pedro Voss

e para a escola complementar foi Theophilo de Mello. No mês seguinte, Pedro Voss acabou

sendo nomeado para diretor também da escola complementar e permaneceu no cargo até

1911, quando a escola foi transformada em Escola Normal Secundária.

Essa longa exposição sobre o Major Fonseca nos mostra como, apesar dos ideais

encampados pelos republicanos paulistas no início do regime para com a educação, na prática,

muitas decisões eram tomadas ao sabor dos jogos políticos entre as lideranças locais. Até

mesmo determinações legais poderiam ser deixadas de lado. O artigo 37 do Decreto nº 400 de

1896 definia que o cargo de diretor da Escola Complementar deveria recair sobre professores

complementares habilitados pela Escola Normal do Estado. Essa habilitação era exigida até

para o cargo de auxiliar do diretor, como vemos no artigo 42. Contudo, mesmo desprovido de

tal habilitação, o Major acabou sendo designado para o exercício do cargo de direção.

61

Tribuna Popular, 8 de janeiro de 1902, Anno XV, nº 669

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Figura 8 – Major Antônio Augusto da Fonseca

Acervo: Centro Cultural e Histórico de Itapetininga Brasílio Ayres de Aguirre

Para a composição do corpo docente das escolas complementares eram previstos

quatro professoras e quatro professores. Cada um deles era o responsável por aplicar todo o

conteúdo de cada ano em suas respectivas seções (feminina e masculina). Em outras palavras,

os professores lecionavam todas as disciplinas previstas para o ano ou série que lhes haviam

sido atribuídas.

O Decreto 400 fixou, nos artigos 61 e 62, que o quadro docente deveria ser

preenchido por professores formados pelo curso secundário completo da Escola Normal, o

que corresponde à conclusão do quarto ano do curso. O preenchimento se daria por meio de

concurso. No entanto, quando da inauguração, o preenchimento aconteceria por meio de

indicações das autoridades competentes, desde que somente um candidato se apresentasse à

vaga.

O artigo 65 estabelecia que os professores das escolas complementares deveriam

possuir os seguintes requisitos: ter mais de 19 anos, moralidade, ter sido vacinado contra a

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varíola ou já ter sido infectado, não padecer de doença contagiosa ou repugnante nem defeito

físico incompatível com o exercício do magistério e habilitação profissional.

O preenchimento do primeiro quadro de professores da escola complementar de

Itapetininga enfrentou algumas dificuldades. Entre elas, a ausência de professores habilitados.

O diretor, por meio de ofício, em 22 de fevereiro de 1897, pede ao Secretário dos Negócios do

Interior, dr. Antônio D. da Costa Bueno, a autorização para nomear em comissão uma

professora da Escola Modelo até que se encontrasse uma professora habilitada para ocupar o

cargo definitivamente. Segundo o diretor, era limitadíssimo o número de professores

complementares formados e, por isso, tal medida fazia-se necessária. O pedido foi acatado em

25 de fevereiro.62

No acervo da Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide” encontramos o primeiro

livro ponto do corpo docente, aberto no dia 30 de março de 1897. O primeiro dia anotado foi

1º de abril. Nesse dia constam os nomes de Theophilo Martins de Mello (1º ano), Henrique

Copertino Botelho (1º ano), Honorato Faustino de Oliveira (2º ano). No final do ano, a

composição alterou-se, pois Sebastião Vilaça substituiu Henrique C. Botelho63

. Chamou-nos a

atenção a ausência de professora para a seção feminina, tornando necessário que um professor

ministrasse as aulas no 1º ano. Há de se destacar também que o 2º ano era composto por uma

classe mista.

Por meio dos livros pontos encontrados, nota-se que a dificuldade de se encontrar

professores complementaristas não foi facilmente superada. Ainda em 1902, entre os oito

professores, somente duas eram do sexo feminino. Essas ausências eram frequentemente

preenchidas com docentes da Escola Modelo que assumiam interinamente as classes. Somente

em 1904 o quadro docente ficou completo com oito professores, quatro do sexo masculino e

quatro do feminino, sendo um para cada classe de cada seção.

62

“Ofícios Diversos”, Maço 131, Caixa 133, Ordem 6738, Ano 1899 63

Em ofício de 9 de agosto de 1897, o diretor informa que o professor Henrique C. Botelho pediu exoneração.

No mesmo ofício, encontra-se o pedido de autorização para nomear o professor normalista da Escola Modelo

Sebastião Vilaça para ocupar seu lugar. (“Ofícios Diversos”, Maço 131, Caixa 133, Ordem 6738, Ano 1899)

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Figura 9 – Corpo Docente da Escola Complementar de Itapetininga (s.d.)64

Acervo: Centro Cultural e Histórico de Itapetininga Brasílio Ayres de Aguirre

A seguir apresentamos algumas imagens de alguns professores da escola

complementar. As imagens são recortes do quadro de formandos dos anos de 1899, 1901,

1902 e 1904.

64

Foto sem data, mas certamente posterior a 1902, pois está presente o diretor Pedro Voss. A primeira à direita é

Maria Emília de Oliveira Fogaça. O terceiro à esquerda em pé é Sebastião Vilaça. O Primeiro à esquerda em pé é

Aderbal de Paula Ferreira. Acervo do Centro Cultural de Itapetininga

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Figura 10 – Professor Honorato Faustino (esquerda) e Diretor Major Fonseca

Acervo: Centro Cultural e Histórico de Itapetininga Brasílio Ayres de Aguirre

Figura 11 – Professores Antônio Oliveira Rodrigues, Theophilo de Mello, Sebastião Villaça,

Maria M. A. Corrêa e o diretor Pedro Voss (1902)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

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Figura 12 – Professores Martinho Nogueira e Elvira Medeiros Dias e o diretor Pedro Voss

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

No artigo 35 do decreto nº 400 de 1896, encontramos a especificação dos deveres

dos professores das escolas complementares:

Artigo 35. – E’ dever dos professores:

1º Permanecer na sala de aula durante todo o tempo escholar, (...);

2º Fazer a chamada e fazer notar as faltas dos alumnos;

3º Manter a ordem e a disciplina em suas aulas e no recreio;

4º Empregar o maximo desvelo na insipucção de todos os alumnos,

indistinctamente, propondo-lhes todos os exercicios tendentes a desenvolver-lhes a

intelligencia e fortalecer o conhecimento já adquirido;

5º Dar caracter pratico ao ensino e inspirar aos alumnos sentimentos moraes e

cívicos que os habilitem ao preenchimento do fim que se destinam;

[...]

7º Observar e fazer observar as instrucções do director quanto á política interna das

aulas, e prestar-lhe o auxilio necessario á manutenção da ordem e disciplina

escholar;

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8º Fazer o registro diario de suas lições, que devem amoldar-se aos seguintes

preceitos:

a) O ensino das linguas deverá ser graduado (...) de maneira a tornar facil a lógica e

systematização gramatical.

b) Nas demais disciplinas, bem como nas linguas, o ensino deverá ser encaminhado

de modo que, juntamente com a acquisição dos conhecimentos, os alumnos

assimilem o methodo que mais tarde deverão empregar quando professores (...).

c) Fazer por meio de perguntas bem dirigidas e concatenadas, que o alumno

descubra por si, bem comprehenda ou o principio ou a regra que quiser transmitir-

lhe, evitando o ensino directo daquella que o alumno pode descobrir por si mesmo.

d) Utilizar-se sempre que possa de objectos sensiveis, materiaes ou pelo menos de

sua imagem ou representação graphica, todas as vezes que tiver de ministrar noções

novas.

e) Dirigir os exercicios de modo compativel com a edade, condições physicas e grau

de intelligencia dos alumnos, tendendo sempre a desenvolver-lhes o bom senso pelo

exercicio do raciocínio, e o senso moral pela cultura dos bons sentimentos, de tal

modo que as lições não só o instruam como também o eduquem, formando-lhe o

caracter.

A leitura desses deveres evidencia a constante orientação para a aplicação do

método intuitivo nas atividades docentes. Isso é corroborado pela presença de apontamentos

como: a graduação do ensino, a orientação de levar o aluno a descobrir por si a regra (e não

somente a decorá-la), a utilização de objetos sensíveis e a indicação de se adaptar os

exercícios à idade, às condições físicas e à inteligência dos alunos. Há de se destacar também

a constante preocupação com a educação do caráter dos alunos. Cabia ao professor

desenvolver neles sentimentos morais e cívicos e manter a ordem e a disciplina. Com isso, os

alunos, assim educados, seriam os multiplicadores dos mesmos princípios nas diversas escolas

preliminares do estado.

No tocante à responsabilidade do professor quanto ao desenvolvimento de

sentimentos morais e cívicos, encontramos um episódio que ilustra de maneira emblemática

como as autoridades locais entendiam essa função atribuída pela legislação à instrução

pública. Para elas, a educação cívica era entendida como submissão às autoridades

constituídas. Seu papel, portanto, era auxiliar para a manutenção da ordem política

estabelecida e contribuir, através da instrução da população, para que esta pudesse caminhar

na direção do progresso. Progresso este entendido sob a ótica das autoridades políticas

republicanas. Na sessão ordinária do dia 12 de maio de 1900, lê-se o seguinte relato:

Constanto a Camara que o professor do 3º anno da Escola Complementar, Sebastião

Villaça, tem censurado à Camara Municipal na aula, ensinando deste modo os seus

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100

alumnos a desrespeitar a autoridade constituida, e tendo trez alumnos da escola

complementar quebrado de proposito uma lampeão da illuminação publica, á

Camara resolveu que se officiasse ao Director da mesma eschola pedindo-lhe que

desse as providencias precisas para prohibir esses abusos.65

No trecho acima, percebemos que não era função do professor levar os alunos a

uma reflexão crítica e até questionadora das estruturas econômicas, sociais, políticas e

culturais de seu contexto histórico. Na visão dos vereadores isso era entendido até como um

abuso. Também é intrigante o episódio em que os alunos danificam a iluminação pública.

Embora o fato tenha acontecido fora da escola, as autoridades municipais encaminham ao

diretor da escola complementar a tarefa de corrigir os jovens responsáveis pelo delito. Esses

dois episódios evidenciam o papel de educação do caráter delegado às escolas públicas

paulistas, através da ação dos docentes e da direção.

Para Reis Filho (1995, p. 203-204), a ideologia republicana pensava a educação

como o instrumento mais eficiente para a construção de um Estado republicano democrático.

Um regime que se definia do povo e para o povo precisava de uma sólida organização escolar

capaz de oferecer a formação política do povo necessária ao novo regime. As escolas

mantidas pelo Estado teriam a função de preparar o cidadão para o seu desempenho político.

Por isso, o novo regime atribuiu à escola a tarefa primordial de educação cívica compreendida

como a aceitação e o exercício dos deveres do cidadão.

3.4 - Quem eram os alunos?

De acordo com o que já foi apontado, após o Decreto nº 374, de 3 de setembro de

1895, a Escola Complementar deixou de ser o complemento do ensino primário e se tornou

formadora de professores que atuariam no ensino preliminar. É dessa forma que o jornal

Tribuna Popular apresentou aos itapetininganos a nova instituição que seria inaugurada na

cidade:

Pessoa bem informada nos communica que por todo mez de Fevereiro, commeçará a

funccionar, aqui, uma Escola Complementar.

Esta Escola forma professores preliminares com as mesmas garantias dos

normalistas de 3º anno de curso.66

65

Livro “D.O.V, 1899-1902” – Leis Municipais, Caixa Atas 1879-1928 66

Tribuna Popular, 17 de fevereiro de 1897, Anno X, nº 416

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101

Sendo Itapetininga um pequeno centro urbano, pouco industrializado, às margens

dos lucros do café e que não sofreu significativas influências do fluxo migratório europeu,

buscamos, por meio das fontes pesquisadas, entender a quem era destinada a educação

oferecida pela Escola Complementar de Itapetininga – à camada mais pobre ou à elite

itapetiningana? Havia alunos de outras localidades? Havia imigrantes? Enfim, quem eram os

estudantes que sairiam da escola complementar como professores preliminares? Também

objetivamos entender a importância que a instituição de ensino teve para a instrução pública

paulista.

Para iniciar nossa análise, apresentamos o quadro abaixo com a quantidade de

diplomados pelas escolas complementares do interior paulista:

Tabela 8 – Número de diplomados pelas escolas complementares paulistas (1898-1911)

Anos Anexa à Escola

Normal

Prudente de

Morais Itapetininga Piracicaba Guaratinguetá Campinas Total Geral

M F M F M F M F M F M F M F Total

1898 10 31 --- --- --- --- --- --- --- --- --- --- 10 31 41

1899 5 34 --- --- 8 10 --- --- --- --- --- --- 13 44 57

1900 21 20 7 33 20 25 5 10 --- --- --- --- 53 88 141

1901 23 45 5 19 24 30 5 9 --- --- --- --- 57 103 160

1902 18 24 13 28 22 27 12 12 --- --- --- --- 65 91 156

1903 11 26 13 25 28 39 15 28 --- --- --- --- 67 118 185

1904 35 34 23 48 33 32 31 29 --- --- --- --- 122 143 265

1905 14 40 24 53 23 32 10 16 --- --- --- --- 71 141 212

1906 28 39 --- --- 12 26 10 18 21 26 9 37 80 146 226

1907 17 24 --- --- 11 26 9 13 12 27 8 27 57 117 174

1908 16 32 --- --- 7 24 6 16 11 21 8 18 48 111 159

1909 12 37 --- --- 9 22 14 16 7 16 6 18 48 109 157

1910 40 50 --- --- 10 13 13 36 11 30 1 28 75 157 232

1911 27 32 --- --- 10 32 19 29 7 18 11 32 74 143 217

Total 277 468 85 206 217 338 149 232 69 138 43 160 840 1542 2382

Fonte: TEIXEIRA JUNIOR, 2005, p. 41

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102

A tabela nos informa que a Escola Complementar de Itapetininga foi a segunda

instituição do gênero de maior duração, ficando atrás apenas da escola anexa à Escola

Normal. Em termos quantitativos ela também fica em segundo lugar no número de

diplomados.67

A escola formou 25,83% dos professores e 21,91% das professoras

complementaristas do estado e, no total, ela correspondeu a 23,28%. Se reduzirmos a análise

às escolas do interior, verificamos que a escola de Itapetininga correspondeu praticamente à

metade dos professores diplomados no período – 41,23%. No tocante ao sexo dos

diplomados, a escola formou 45,39% dos professores e 38,94% das professoras.

O quadro revela que em todos os anos o número de alunas sempre foi superior ao

número de alunos – isso é uma constante em todas as escolas complementares. O número de

mulheres formadas pela Escola Complementar de Itapetininga é 155,76% superior ao de

homens. Esse número não está muito distante da proporção encontrada no conjunto das

escolas do Estado – 183,57%. A porcentagem de professoras sobre o total de diplomados

variou entre 55% (1899) e 77% (1908). Apenas em 1904 as mulheres tiveram uma

porcentagem menor que a masculina – 49%.

No livro “Relação de Professores diplomados pela Escola Complementar e pela

Escola Normal”, há uma relação da quantidade de professores formados e a naturalidade de

cada aluno, entre 1899 e 1911. Por meio dessa fonte, pudemos averiguar que a Escola

Complementar de Itapetininga era frequentada por alunos de diversos municípios paulistas.

As cidades que mais aparecem na relação são: Tatuí (58 diplomados), Tietê (42), Sorocaba

(41), São Roque (36), São Paulo (21), Faxina (17), Angatuba (12) e Capão Bonito (8).68

diplomados de outros estados: Rio de Janeiro (5), Paraná (3) e Minas Gerais (1), Rio Grande

do Sul (1) e Distrito Federal (1). Também encontramos alguns imigrantes diplomados pela

escola. Suas nacionalidades são: italianos (4), espanhóis (4) e um português. Os Livros de

Matrículas de ambas as seções nos revelam a existência de um número maior de imigrantes

matriculados que, contudo, não chegaram ao término do curso. Nessas fontes há 13 italianos,

67

Encontramos uma divergência em relação à quantidade total de diplomados pela Escola Complementar de

Itapetininga. No acervo da Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”, analisamos o livro “Relação de professores

diplomados pela Escola Complementar e pela Escola Normal”. O livro começou a ser escrito em 1910 e contem

a relação da quantidade dos professores diplomados e a naturalidade de cada um desde 1899 até 1975. Neste

documento, a quantidade de alunos diplomados foi de 559 professores no mesmo período histórico do quadro

acima. Há, portanto, uma diferença de 4 diplomados entre os dois documentos. Comparamos os números do

livro com os dados dos Anuários do Ensino do Estado e verificamos que, em alguns anos, os números não se

harmonizavam. Por isso, optamos por adotar os números do quadro acima. 68

Muitos outros municípios aparecem na relação. Tais como: São Pedro, Apiaí, Campinas, Capivari, Sarapuí,

Botucatu, Itararé, Avaré, Una, Descalvado, São Carlos, Itu, Porto Feliz, Guareí, Avaré, Amparo, Rio Claro,

Mogi das Cruzes, Mogi Mirim, Taubaté, entre outros.

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1 inglês, 3 uruguaios, 12 espanhóis e 1 português. Infelizmente os Livros de Matrículas não

nos trouxeram informações a respeito da profissão dos pais desses alunos.

A maioria dos estudantes diplomados era oriunda de Itapetininga. No quadro a

seguir apresentamos a quantidade de itapetininganos diplomados entre 1899 e 1911 e a sua

porcentagem em relação ao total de diplomados pela escola complementar:

Tabela 9 – Porcentagem de itapetininganos sobre o total de diplomados pela Escola

Complementar

Ano Total de diplomados

Total de

itapetininganos

diplomados

Porcentagem dos

itapetininganos sobre

o total de diplomados

1899 18 16 88,88

1900 47 21 44,68

1901 55 25 45,45

1902 51 12 23,52

1903 67 25 37,31

1904 65 17 26,15

1905 56 17 30,35

1906 38 9 23,68

1907 36 10 27,77

1908 32 13 40,62

1909 30 12 40

1910 22 8 25

1911 42 14 33,33

Total 559 199 34,97

Tabela elaborada pelo autor

No tocante à naturalidade do público da escola complementar, podemos concluir

que ele era bem variado. Alunos de municípios de todas as regiões do estado vinham estudar

em Itapetininga. Embora os itapetininganos formassem o grupo mais numeroso, a maior parte

dos alunos diplomados vinha de fora do município. Através do quadro, percebemos que, à

exceção de 1899, os professorandos itapetininganos representavam sempre menos da metade

do total de alunos diplomados. Há de se salientar também que apenas cinco imigrantes foram

diplomados pela escola – numero este muito reduzido. Isso se deve ao fato de Itapetininga não

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104

se localizar nas áreas cafeeiras do estado, desse modo, o município não se constituiu um polo

de atração de imigrantes.

A idade de matrícula dos alunos também era muito diversificada. Apesar do

decreto nº 400 de 1896 não definir uma idade mínima para a matrícula, vimos que, no ano de

instalação da escola, o diretor Major Fonseca exigia a idade de 14 anos para o 1º ano. Em

1897, na seção feminina, por exemplo, as idades variaram entre 14 e 27 anos. Todavia, nos

anos posteriores essa regra do Major Fonseca foi abandonada. Nos livros de matrículas da

seção feminina encontramos moças matriculadas com até 10 anos de idade.69

Para a sessão masculina só encontramos os livros de matrícula a partir do ano de

1907 até 1909. Nessas fontes, notamos também a grande variedade das idades entre os

matriculados. A menor idade encontrada foi de 11 anos. A variação de idade na seção

masculina era pouco menor que na seção feminina. Nas fotos abaixo, podemos notar um

pouco dessa variedade:

Figura 13 – Alunas do 1º ano da seção feminina da Escola Complementar de Itapetininga

(s.d.)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

69

“Livro de Matrículas da Secção Feminina, 1905-1909”, p. 5

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Figura 14 – Alunos do 1º ano da seção masculina da Escola Complementar de Itapetininga

(s.d.)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

Quais eram as condições socioeconômicas a que pertenciam os alunos da escola

complementar? No início da pesquisa, contávamos com as informações do livro de matrícula

dos alunos para responder a essa questão. No acervo da Escola Estadual “Dr. Peixoto

Gomide” encontramos os livros de matrícula da seção feminina referente a 1897, 1898, 1899,

1905, 1906, 1907, 1908 e 1909. Os livros da seção masculina eram ainda mais lacunares:

1905, 1906, 1907, 1908 e 1909. Além de não termos os dados sobre todo recorte histórico

desta pesquisa, os livros de matrícula também não traziam informações sobre a ocupação

profissional dos pais dos alunos, frustrando nossas expectativas. No entanto, buscamos

respostas a esse questionamento por meio de fragmentos encontrados em outras fontes

históricas. Em uma pesquisa, não é salutar restringir a investigação a uma única fonte.

Sanfelice (2007) indica a necessidade de se estudar um objeto histórico mediante o conjunto

de dados disponíveis sobre ele, sem privilegiar um ou outro.

O primeiro dado a ser analisado está na tabela sobre a naturalidade dos alunos. Por

meio da tabela apresentada anteriormente, vimos que a maioria dos estudantes

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complementaristas vinha de outros municípios do Estado de São Paulo e até mesmo de outros

estados. Geralmente esses “forasteiros” alugavam quartos em casas de pensão existentes na

cidade. Em diversas edições dos jornais Tribuna Popular e Gazeta do Sul, encontramos

anúncios dessas casas, que geralmente abrigavam indivíduos do mesmo sexo. Na edição do

dia 7 de setembro de 1901 do jornal Tribuna Popular, encontramos a seguinte propaganda:

O abaixo assignado, tendo de abrir nesta cidade, uma casa de pensão,

exclusivamente para alumnas as Escolas Modelo e Complementar, chama para ella,

a attenção dos interessados.

Escolhido para tal fim, o palacete do sr. João Adolpho, sito à rua Campos Salles,

esse edificio se recommenda, não sómente pela sua collocação topographica, como

pelos seus vastos e arejados commodos, grande área para recreio, observadas, em

tudo, as tudo as mais necessarias condicções de hygiene, e ainda pela commodidade

que offerece ás alumnas da escola, por ficarem a um minuto sòmente daquella casa

de educação

[...]

Por mez.............................................................................60$000

Inclusive nesse preço, luzes para os quartos, banhos quentes, sabão, etc.

[...]

O propprietario offerece hospedagem gratuita aos srs paes das pensionistas, que,

residindo fóra, venham á esta cidade, em visita às sua filhas.70

Em outra edição do mesmo jornal encontramos outro anúncio de casa de pensão

para alunos na mesma rua cujo valor fixado era de 50$000. Por esse preço estavam inclusos a

hospedagem e a alimentação.71

Encontramos também alguns anúncios de famílias que

alugavam um quarto da casa para alunos. De qualquer modo, é razoável inferir que essa

despesa não poderia ser facilmente assumida por integrantes das classes socioeconômicas

menos privilegiadas. Ora, na média, 64,04% dos estudantes diplomados pela escola não eram

itapetininganos. Esses dados variam pouco entre a seção masculina e feminina. Nesta, a média

é de 61,11%; enquanto que naquela é de 68,66%.72

Portanto, chegamos à conclusão que uma

parte considerável do público da escola era oriunda das classes mais abastadas dos outros

municípios.

Outro fragmento que pode lançar luzes em relação a este tema está na preferência

de matrícula ao curso complementar desfrutada pelos alunos das escolas preliminares. No dia

70

Tribuna Popular, 7 de setembro de 1901, Anno 15, nº 652, p. 3 71

Tribuna Popular, 15 de janeiro de 1902, Anno XV, nº 670, p. 3 72

Esses dados foram retirados do Livro “Relação de professores diplomados pela Escola Complementar e pela

Escola Normal”, do acervo da Escola “Dr. Peixoto Gomide”, pp. 1-9

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107

3 de março de 189773

, o diretor da Escola Complementar, por meio do jornal Tribuna

Popular, divulgou os requisitos necessários à matrícula da primeira turma da escola

complementar de Itapetininga. Aos alunos da escola-modelo da cidade seria necessário apenas

o requerimento de matrícula. Já aos outros exigia-se a apresentação de diversos documentos

além da aprovação no exame de suficiência. A necessidade de apresentação de documentos já

se colocava como uma barreira às classes mais pobres, pois tratam-se de documentos que

oneravam as famílias, limitando o acesso destas à escola.

Portanto, aos alunos da escola-modelo o acesso à matrícula era mais fácil. Mas a

qual grupo social pertenciam esses alunos? Conforme o já apontado, em 1901, no relatório do

Inspetor Municipal, Manoel José e Almeida Castanho, as crianças mais pobres da cidade não

frequentam a escola-modelo porque não podem corresponder às despesas da instituição. Por

isso, de modo geral, as crianças mais pobres estudavam nas escolas isoladas. Portanto, a

maior parte dos itapetininganos que se matriculavam no curso complementar saía da escola-

modelo que, como vimos, não possuía muitos estudantes das classes mais pobres. Deste

modo, mais uma vez, podemos inferir que a maior parte dos estudantes da Escola

Complementar de Itapetininga pertencia às classes socioeconômicas mais privilegiadas.

Isso é corroborado pela análise dos sobrenomes dos alunos da escola. Através do

livro de matrícula e da relação dos diplomados, encontramos alunos que pertenciam às

famílias mais tradicionais do município como os Rolim, os Hungria, os Prestes, os Brisola, os

Leonel, os Ayres, os Fogaça, entre outros. Embora não tenhamos encontrado a ocupação de

todos os pais, por meio da obra de Abuázar (s.d.), identificamos as ocupações dos sobrenomes

mais tradicionais do município. Ainda que tais nomes não completem a lista, são, sem dúvida,

numerosos e dão a tônica dos matriculados na escola complementar. Assim, entre as

principais ocupações encontramos: fazendeiros, comerciantes, pequenos industriais, dono de

jornal e profissionais liberais. Entre estes, há pais com dois ou três filhos matriculados.

Também encontramos filhos de trabalhadores manuais como mecânicos, marceneiros e

barbeiro.

Para as famílias mais tradicionais, o aprofundamento da formação profissional na

escola complementar (e, posteriormente, na Escola Normal) configurava um elemento

essencial de manutenção da influência política dessas famílias a nível local e regional. Por

meio do diploma adquirido nessas instituições, os descendentes ficavam aptos a ocupar e

73

Tribuna Popular, 3 de março de 1897, Anno X, nº 418

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monopolizar postos chaves da burocracia estadual e municipal bem como funções-chave no

ensino público e na política local e regional (LISBOA, 2006, p. 281-282). A maior parte do

público da escola pode ser definida como pertencente à elite agrária e à classe média urbana,

entendida aqui segundo a definição de Basbaum (1976, p. 171):

Todas aquelas categorias sociais que se colocam entre o proletariado e a grande

burguesia urbana. Nelas incluímos não apenas os pequenos fabricantes donos de

pequenas oficinas, artesãos e pequenos comerciantes, como ainda o funcionário

público, as chamadas “profissões liberais” e intelectuais e ainda os militares.

Outra barreira a ser enfrentada pelas classes desprivilegiadas era a taxa de

matrícula. A Lei nº 936, de 17 de agosto de 1904, no artigo 12 estipulou o valor de 60$000

para a matrícula nos Ginásios, na Escola Normal da Capital e nas Escolas Complementares do

Estado. O parágrafo primeiro do mesmo artigo descreve que a taxa será paga em duas

prestações, sendo uma no começo e outra no final do ano letivo. O segundo parágrafo abre a

possibilidade de concessão de gratuidade para a matrícula. No entanto, havia o limite de 10%

do total de matrículas e a dispensa seria concedida aos alunos que obtivessem as melhores

notas e as primeiras colocações nos cursos ou anos anteriores.

Encontramos alguns ofícios de alunos da Escola Complementar de Itapetininga

encaminhados ao Secretário dos Negócios do Interior pedindo a dispensa do pagamento da

taxa de matrícula.74

Infelizmente só encontramos ofícios referentes aos anos de 1910 e 1911.

Embora reduzido a um curto espaço de tempo, essa fonte auxilia a compreender um pouco

melhor o público da escola. Foram ao todo dez requerimentos encontrados. Desses, nove eram

de alunas do 3º e do 4º ano. Somente um pertencia a um aluno. Nos documentos, consta a

justificativa do pedido de isenção, a nota média do requerente e a sua colocação na

classificação final da classe no ano anterior. Há a confirmação de uma autoridade (delegado

de polícia ou juiz de paz) sobre a pobreza do requerente. Dos dez requerimentos, seis foram

deferidos. Nas requisições indeferidas, os alunos possuíam médias baixas (entre 7,0 e 7,3) e

não estavam entre os primeiros colocados da sala.

Nos livros de matrículas das seções masculina e feminina também constam

informações sobre a isenção de taxa dos professorandos. Essas fontes trazem informações dos

anos de 1905 a 1909. Por meio dos dados encontrados, montamos o seguinte quadro:

74

“Despesas de taxa”. S. Manuscritos/S.I., Maço 408, Ano 1911, Caixa 415, Ordem 7020

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Tabela 10 – Dispensas de taxa de matrícula entre 1905-190975

Seção Masculina Seção Feminina Total da Escola

Ano Número de

matriculados

Quantidade de

dispensas de

taxas

Número de

matriculados

Quantidade

de dispensas

de taxas

Número de

matriculados

Quantidade

de dispensas

de taxas

1905 77 7

(9,09%) 130

11

(8,46%) 207

18

(8,69%)

1906 71 8

(11,26%) 170

31

(18,23%) 241

93

(16,18%)

1907 69 7

(10,14%) 145

9

(6,20%) 214

16

(7,47%)

1908 85 11

(12,94%) 169

7

(4,14%) 254

18

(7,08%)

1909 86 4

(4,65%) 168

6

(3,57%) 244

10

(4,09%)

Tabela elaborada pelo autor.

Os dados nos revelam apenas aqueles que tiveram seu pedido de dispensa de taxa

deferido e, por isso, se matricularam na escola. Quantos, porém, tiveram seu pedido negado,

sendo-lhes, com isso, impedido o acesso ao curso complementar? Infelizmente não

encontramos dados que nos permitam buscar respostas a essa questão. Pelos dados

investigados, podemos perceber que a porcentagem geral de matriculados com dispensa de

taxa manteve-se abaixo dos 10% estipulados pela legislação. Há apenas a exceção do ano de

1906, ano em que a porcentagem foi de 16,18. É possível apreender dos números que na seção

masculina a porcentagem de alunos com dispensa é maior que na seção feminina.

Não obstante as classes abastadas fossem o principal grupo atendido pela Escola

Complementar de Itapetininga, havia também, ainda que em quantidade bem menor, alunos

pertencentes às classes mais populares. Em média, no período histórico em questão, 8,7% dos

alunos pediram dispensa de taxa alegando, para isso, pobreza reconhecida. No entanto, os

números também revelam que as classes mais populares tinham acesso muito restrito a esse

nível da educação paulista.

75

Livro “Matrícula Secção Feminina, 1905 a 1909” e Livro “Matrícula Secção Masculina”, 1905 a 1909.

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110

No acervo da Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide” encontramos alguns quadros

de formandos da Escola Complementar referentes aos anos de 1902, 1904 e 1909.

Reproduzimos a seguir as imagens dos referidos quadros.

Figura 15 – Quadro de Professorandos de 1902 da Escola Complementar de Itapetininga

(131x171cm)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

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111

Figura 16 - Quadro de Professorandos de 1904 da Escola Complementar de

Itapetininga (136x177cm)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

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112

Figura 17 – Quadro de Professorandos de 1909 da Escola Complementar de Itapetininga

(127x168cm)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

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113

Nesses quadros encontramos a presença de apenas quatro negros. Todos eles são

de Itapetininga, o que reforça a hipótese de que pertençam as classes mais populares.

Apresentamos abaixo as suas fotos:

Figura 18 – Professorando Amador Benigno de Oliveira (1904)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

Figura 19 – Professoranda Maria Laudelina Gonçalves (1904)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

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114

Figura 20 – Professorando Raphael Gonsales (1909)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

Figura 21 – Professoranda Benigna Prestes (1909)

Acervo: Escola Estadual “Dr. Peixoto Gomide”

Na figura número 13 podemos identificar a presença de 45 alunas do 1º ano da

seção feminina. Entre elas, há quatro negras que equivalem a 8,88% do total das alunas.

Infelizmente não dispomos de outras fontes que possam revelar mais dados sobre essa

questão.

Em Antunha (1976, p. 73) e Reis Filho (1995,p. 205) encontramos a informação

de que o público dos grupos escolares possuía melhores condições econômicas e sociais. No

entanto, algumas pesquisas têm demonstrado que o público dessas instituições não se

restringia a esse grupo social. Santos (2011) e Teixeira Júnior (2005), por meio das fontes

consultadas, aludem a essa diversificação socioeconômica. Por meio das fotografias acima,

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115

podemos perceber que, na Escola Complementar de Itapetininga, os estudantes

afrodescendentes não só conseguiam se matricular como alguns deles – bem poucos, é

verdade – conseguiam concluir os estudos.

Portanto, por meio das fotografias consultadas, podemos ponderar a presença de

alunos negros nas salas de aula da Escola Complementar, ainda que muito reduzida. Também

é possível concluir que dos poucos que conseguiam o acesso à matrícula, a maioria não

conseguia concluir os quatro anos do curso complementar.

Para Basbaum (1976, p. 179), no período pós-abolição, os negros não chegaram a

constituir uma classe social, mas se tornaram uma camada marginal dentro da sociedade,

possuindo características próprias. Livres, mas sem terra, sem instrução e sem profissão.

Formavam a grande parte dos trabalhadores mais simples, pesados e mal pagos. O ingresso no

curso complementar significava a possibilidade de melhores condições de manter sua

existência e de ascensão social.

Aliás, permanecer matriculado na escola até a conclusão do curso não era tarefa

das mais simples. Apresentamos a seguir os dados sobre a evasão escolar. Esses dados foram

produzidos a partir do cruzamento de informações dos Livros de Matrícula e dos Mapas

Mensais de ambas as seções e da tabela de diplomados acima. Infelizmente ficaram algumas

lacunas por falta de fontes.

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116

Tabela 11 – Quantidade de matriculados por seção e ano do curso (1897-1911)

1º Ano 2º Ano 3º Ano 4ºAno Total de

diplomados

Ano F M F M F M F M F M

1897 27 23 7 11 --- --- --- --- --- ---

1898 42 --- 27 --- 10 --- --- --- --- ---

1899 36 --- 32 --- 24 --- 10 --- 10 8

1900 54 39 35 43 32 25 27 20 25 20

1901 73 56 45 35 36 33 31 24 30 24

1902 --- 43 --- --- --- --- --- --- 27 22

1903 --- --- --- --- 42 --- 41 --- 39 28

1904 --- --- --- --- 41 --- --- --- 32 33

1905 35 17 27 30 30 15 33 23 32 23

1906 27 30 50 31 25 14 26 12 26 12

1907 50 31 59 46 34 16 26 10 26 11

1908 59 46 63 46 28 13 25 9 24 7

1909 63 46 63 46 19 13 22 9 22 9

1910 --- --- --- --- --- --- --- --- 13 10

1911 --- --- --- --- --- --- --- --- 32 10

Tabela elaborada pelo autor.

A tabela permite perceber que um número significativo de alunos não conseguia

acompanhar os quatro anos de duração do curso complementar. O quadro revela que o

número de matriculados decresce à medida que o curso avança. Enquanto a média de

matriculados nas seções feminina e masculina no primeiro ano é de respectivamente 46,6 e

36,7. No quarto ano, a média cai para 26,7 e 15,2, respectivamente. A média do número de

matriculados decresce, em média, 19,9 na seção feminina e 21,5 na seção masculina, entre o

primeiro e o quarto ano.

Se cruzarmos os dados de matriculados no primeiro ano do curso com o número

de formados quatro anos depois, encontramos as seguintes informações. Na seção feminina,

entre os períodos de 1897-1901 e 1905-1908, foram matriculadas um total de 439 alunas.

Dessas, apenas 254 conseguiram diploma do curso complementar. Portanto, 42,1% das

matriculadas não conseguiu concluir o curso. Na seção masculina, entre os períodos de 1897-

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1902 e 1905-1908 foram matriculados 285 alunos. No entanto, somente 141 conseguiram a

diplomação. Portanto, 50,5% do total ficaram pelo caminho.

Os dados revelam a existência de altas taxas de evasão na Escola Complementar

de Itapetininga. Nota-se, também, que essas taxas eram mais elevadas na seção masculina.

Portanto, a maior parte do público que se formava na escola complementar era composta pelo

sexo feminino. Isso corrobora os dados apresentados por Tanuri (1979), segundo os quais o

número de mulheres matriculadas nas escolas normais e complementares e, em consequência,

o número de mulheres formadas, a partir de 1890, foi sempre maior ao número de homens

matriculados e formados nessas instituições. Reis Filho (1995, p. 205) acrescenta que a escola

pública, na Primeira República, servia às elites devido ao fato de ser altamente seletiva, pois

“excluía da escola pela repetência e pela consequente evasão, considerável parcela da

sociedade”.

A maior taxa de evasão na seção masculina é em parte condicionada pelo

desenvolvimento econômico do município de Itapetininga, que não se pautou pelo

desenvolvimento industrial e comercial. Com isso, a visão dicotômica da sociedade imperial

senhor-escravo projetou-se na sociedade republicana em termos de ricos e pobres. Houve,

portanto, a conservação da tradicional organização oligárquica que condicionava a

participação dos indivíduos no poder político e nos privilégios sociais ao seu grau de

interação na “família” social, econômica e politicamente hegemônica na localidade. Segundo

Da Costa (1983, p. 86),

O crescimento urbano de Itapetininga processava-se, no começo do presente século,

ainda em estreita vinculação ao grande domínio rural do qual partia a determinação

de grande parte dos valores sociais. A dependência não só do trabalhador do campo

mas também do profissional da cidade ao senhor rural – o coronel – era total. Tal

situação tende a reduzir muito a mobilidade social e consequentemente diminui as

chances de o indivíduo perceber a escolarização como meio de ascensão social.

Além disso, vimos que na seção masculina havia uma proporção maior de alunos

oriundos das classes mais populares, ocasionando maior dificuldade de permanência no curso

até o seu término.

Há de se destacar o elevado número de matriculados no primeiro ano. Na metade

do período histórico disponível na tabela, a quantidade de matriculadas na seção feminina era

superior ao limite estabelecido pelo Regimento Interno das Escolas Complementares do

Estado, que no artigo 8º definia o número de 40 a 45 alunos em cada ano. Há anos em que a

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quantidade chega a alcançar 73 matriculados. Todavia, na maioria dos anos, o número de

matriculados se encontra dentro da meta legal estabelecida.

O mesmo Regimento fixa os motivos para a eliminação de alunos:

Artigo 10 – será eliminado das inscripções:

1º Os alunos que se despedirem com auctorização manifestada ao professor pelos

responsaveis por elles.

2º Os que sem causa justificada faltarem aos exercicios das aulas durante 25 dias.

3º Os que forem despedidos por inhabilidade physica superveniente.

4º Os que falecerem.

5º Os que tiverem completado o curso complementar.

6º Os que forem reconhecidamente incorrigiveis.

Por meio dos Livros de Matrícula das seções masculina e feminina76

, elaboramos

a tabela abaixo com os principais motivos de eliminação em cada seção da escola:

Tabela 12 – Principais motivos de eliminação de alunos

Motivos Seção Masculina Seção Feminina

Art. 10, 1º 34 16

Doença --- 2

Mudança --- 2

Falta de Meios --- 1

Não especificado 51 83

Faltas 23 2

Não obteve Média 50 ---

Art. 10º, 6º 1 ---

Total 159 106

Tabela elaborada pelo autor. Fonte: Livros de Matrícula

Infelizmente a maior quantidade de eliminações das duas seções – cerca de 50%

do total masculino e 77% da seção masculina – não são especificadas. Por outro lado,

podemos perceber algumas diferenças entre as seções. A primeira, já esperada, é a maior

quantidade de eliminações na seção masculina, mesmo sendo os dados provenientes de um

espaço de tempo menor. Nesta seção chama a atenção o elevado número de eliminações por

76

Os dados cobrem o período de 1898-1899 e 1905-1909 para a seção feminina; e 1905-1909 para a seção

masculina.

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falta de média. Destaca-se, também, a eliminação de um aluno por ser incorrigível, mas não

encontramos informações sobre qual ação o aluno teria feito para receber tal punição. Já na

seção feminina, os principais motivos apontados foram a requisição dos pais e o número de

faltas.

Nas edições dos dias 24 de novembro e 1 de dezembro de 1901, o jornal Tribuna

Popular77

publicou a lista de aprovados de cada ano das seções feminina e masculina. A partir

dos dados ali encontrados, produzimos a tabela. Também elaboramos a tabela a partir das

informações fornecidas pelo relatório do Diretor da Escola Complementar, Pedro Voss, em 10

de dezembro de 1906.

Tabela 13 – Lista de aprovados das seções feminina e masculina de 1901

Seção Feminina Seção Masculina

Grau 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º Total

Distinção (grau 11) 2 --- 2 6 2 --- 2 5 19

Plenamente (10) 5 7 5 6 5 1 3 2 34

Plenamente (9) --- 9 6 4 5 4 --- 1 29

Simplesmente (8) 6 6 3 11 5 1 4 4 40

Simplesmente (7) 6 6 2 4 3 3 5 8 37

Simplesmente (6) 11 11 10 --- 9 9 5 4 59

Reprovados 23 6 6 --- 18 12 10 --- 75

Total de alunos 53 45 34 31 47 30 29 24 293

Porcentagem de

reprovados (%) 43,3 13,3 17,6 --- 38,2 40 34,4 ---

Tabela elaborada pelo autor. Fonte: Jornal Tribuna Popular

77

Tribuna Popular, 24 de novembro de 1901, Anno XV, nº 663; e Tribuna Popular, 01 de dezembro de 1901,

Anno XV, nº 664

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120

Tabela 14 – Lista de aprovados e reprovados das seções feminina e masculina em 190678

Seção Feminina Seção Masculina

Grau 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º Total

Distinção --- --- --- 2 --- --- --- --- 2

Plenamente 1 7 2 9 1 1 4 7 32

Simplesmente 26 18 23 15 11 11 6 5 115

Perderam o ano 3 11 8 --- 18 3 4 --- 47

Total de alunos 30 36 33 26 30 15 14 12 196

Porcentagem de

reprovados (%) 10 30,5 24,2 --- 60 20 28,5 ---

Tabela elaborada pelo autor. Fonte: Relatório do Diretor da Escola Complementar de

Itapetininga (1906)

Os dados da tabela 13 nos revelam que, entre os graus de aprovação listados pela

escola, o de reprovados é o que contém a maior quantidade de alunos – 75. Isso significa que

25,59% dos alunos matriculados foram reprovados no total da escola. Se somarmos o número

de reprovados com o de alunos que foram aprovados no grau mais inferior (6), essa quantia

sobe para 134, que equivale a 45,7%. Em outras palavras, quase metade dos alunos da escola

ou não era aprovada ou era aprovada com a nota mínima necessária.

A tabela também nos mostra que a reprovação era mais elevada na seção

masculina que na seção feminina. Chama a atenção a permanência das altas taxas de

reprovação da seção masculina no 1º, 2º e 3º anos do curso. Esses dados ratificam as

estatísticas apontadas anteriormente. Na tabela 14 percebe-se uma simplificação na graduação

das notas. No entanto, permanecem os notáveis índices de reprovação, em especial na seção

masculina. Há de se salientar que esses números dizem respeito somente aos alunos que

chegaram ao final do ano letivo. Eles não abarcam, portanto, informações de evasão no

decorrer do ano.

Souza (1998, p. 240-245) aponta a contradição que caracteriza a escola pública do

final do século XIX, que propunha-se a universalizar a educação popular mediante uma

instituição austera e rigorosa. O sistema de ensino baseado na graduação escolar fixava a

necessidade constante de classificação e seleção do aluno. Instituíram-se padrões rígidos de

78

“Relatório da Escola Complementar e do Grupo Escolar Dr. Peixoto Gomide de Itapetininga”. S.

Manuscritos/Instrução Pública, Relatórios Diretor-Inspetor (1898-1906), Caixa 15, Ordem 4980

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121

avaliações (provas orais, escritas e práticas) cuja finalidade era a construção social da escola

pública como modelo educacional de excelência.

3.5 – O Diálogo da Escola com a Cidade

Cabe ainda ressaltar a respeito das instituições escolares que estas, desde suas

origens, com projetos sociais definidos, vêm impondo condutas, normas,

comportamentos, ao mesmo tempo em que seus agentes, de diferentes modos, vêm

se apropriando destas mesmas normas, comportamentos e condutas, modificando-as

no tempo e lhes atribuindo novos significados. Uma instituição se expande para

além de seus muros, dialoga com seu entorno, com o município e estado do qual faz

parte, transforma-se e o transforma. (GODOY, 2009, p. 11)

A instalação da escola complementar em Itapetininga se deu concomitantemente a

uma série de melhorias urbanas do último quartel do século XIX – a iluminação à querosene

(1885), a construção da rede de abastecimento de água (1889), o telégrafo da Companhia

Sorocabana (1890), a linha de Ferro Sorocabana (1895), entre outras – promoveram o

desenvolvimento da estrutura econômico-social do município e para forjar novos hábitos e

costumes. A instalação da escola complementar e, posteriormente, da escola normal pode ser

considerada um dos principais fatores que contribuíram para o desenvolvimento do

município.

Para o fato de Itapetininga ter sido o primeiro município do interior a receber uma

instituição de instrução pública desse nível concorreu sobremaneira o prestígio da principal

liderança política local, o Coronel Fernando Prestes de Albuquerque, e de seu principal aliado

político, o senador Francisco de Assis Peixoto Gomide.

Tanto as visitas desse ilustres benfeitores quanto a de seus aliados políticos eram

ocasiões de festejos nos quais a escola complementar sempre participava ativamente. No dia

15 de abril de 190079

, foi convocada pelo presidente da Câmara Municipal uma sessão cujo

objetivo era preparar uma festa de recepção ao Coronel Fernando Prestes, que faria uma visita

ao município no mês seguinte. Os vereadores optaram por formar uma comissão para a

organização dos festejos. Em ofício encaminhado no dia 11 de maio do mesmo ano80

, após a

recepção, o intendente apresentou as despesas com a mesma à Câmara. No total foram gastos

2:442$300. Entre os gastos, encontramos a quantia de 30$000 destinados a pagar os materiais

79

“Atas da Câmara 1899-1902”, Caixa: Documentos 1841-1904, p. 46 80

Livro “Diversos”, Caixa: Atas das Sessões da Câmara Municipal (1885-1899)

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122

utilizados pelas escolas Modelo e Complementar da cidade. Infelizmente, não dispomos de

fontes contendo os detalhes do que elas prepararam.

Na sessão de 3 de maio de 1902, a Câmara recebeu um convite do diretor da

Escola Modelo e da Escola Complementar, Pedro Voss, para assistirem à festa que as escolas

iriam promover no dia cinco do mesmo mês em homenagem ao Coronel Fernando Prestes e

ao Dr. Peixoto Gomide que se encontravam em visita à cidade. Esses eventos demonstram a

participação ativa dos professores e alunos da escola em eventos que auxiliavam na promoção

do prestígio político dos seus líderes locais. Esses dois personagens são os políticos mais

lembrados nas homenagens da escola. Já na festa da inauguração do prédio provisório que

recebeu a escola complementar os dois chefes políticos foram o centro das homenagens, como

encontramos no noticiário do dia 31 de março de 1897:

A reunião, entretanto, foi muito concorrida, notando-se a presença do dr. Peixoto

Gomide que congratulou-se com Itapetininga pelo melhoramento que acabava de

obter, pedindo em seguida aos circumstantes que o acompanharam em suas

saudações, ao Major Antonio Augusto da Fonseca e ao Coronel Fernando Prestes,

como tendo grande parte na creação da Escola Complementar.

Oraram também alguns professores da Escola Modelo e Complementar, e alguns

alumnos desta, saudando muito ao Dr. Gomide, a quem se deve maior soma de

esforço para o estabelecimento de uma instituição de valor inestimavel para

Itapetininga.81

Pouco mais de um mês depois, o diretor da Escola Complementar, Major Antônio

Augusto da Fonseca, enviou um ofício à Câmara de Vereadores requisitando que uma das

ruas da cidade recebesse o nome do já falecido Dr. Cesário Motta Júnior. Isso demonstra mais

uma vez o papel político exercido pela escola e por seus usuários.82

O prestígio da escola permitiu aos políticos locais maior força na angariação de

melhorias para a cidade junto ao Governo do Estado. Na sessão da Câmara do dia 23 de

novembro de 1895 vemos que os vereadores aproveitam a urgência da canalização da água

para os prédios das escolas para ampliar o serviço e favorecer “toda a população”:

(...) estando o Governo a lotar em termo de urgencias a edificação do predio para a

Escola Normal e suas dependencias, sendo de urgentissima necessidade a

canalização de agua portanto para essa cidade, com reconhecimento dos habitantes

de Itapetininga, indico: 1º Fui a Camara por intermedio do sr. Intendente faça ao

Governo uma proposta nas seguintes condições: a) Ficando o Governo de canalizar a

81

Tribuna Popular, 31 de março de 1897, Anno X, nº 422 82

Sessão de 01 de maio de 1897. Atas das Sessões da Câmara Municipal (1885-1899), Caixa Atas das sessões da

Câmara Municipal (1885-1899)

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123

agua para uso da Escola Normal, propoe a camara que amplie os canos e quantidade

de agua, de modo a chegar (...) a toda a população. (...) Foi aceita pelo Governo a

proposta desta camara (...).83

Além disso, os professores formados pela escola pleiteavam junto ao Governo a

criação de escolas tanto rurais quanto urbanas e as suas respectivas vagas. Até 1930, tinham

maior possibilidade de terem seus requerimentos atendidos devido à política clientelista e pelo

prestígio que os chefes políticos locais desfrutavam no âmbito estadual. Isso contribuiu para a

expansão do número de escolas públicas tanto em Itapetininga quanto nos municípios ao

redor. Como salienta Nogueira,

[...] o excesso que logo se estabeleceu de professores formados sobre o número de

vagas existentes nas escolas oficiais, no município, fez com que os próprios

diplomados, no afã de ingressar para a carreira para a qual se haviam preparado, se

constituíssem nos principais agentes de pressão sobre os políticos, pela criação de

novas unidades escolares – se possível, na própria cidade de Itapetininga e, quando

não, nos pontos mais acessíveis da zona rural ou, ainda, em outras localidades do

Estado, condicionado o atendimento dos pedidos mais às injunções de prestígio e

interesse dos próceres situacionistas que a critérios racionais e impessoais de

desenvolvimento da rede de escolas públicas chegando-se, não raro, a sobrepor o

interesse dos candidatos aos de ensino, na localização das escolas e na

movimentação do professorado. (NOGUEIRA, 1962, p. 468)

Através dos dados fornecidos pelo Anuário do Ensino do Estado de São Paulo

1910-191184

foi produzida a tabela 15 que nos permite comparar o avanço do ensino público

preliminar em diversos municípios paulistas. No recorte estabelecido para a tabela,

escolhemos a cidade vizinha de Itapetininga, Angatuba, e outras cidades que estavam

integradas à economia cafeeira e, portanto, estavam em um estágio mais avançado de

desenvolvimento econômico.

83

Atas das Sessões da Câmara Municipal (1885-1899), Caixa: Atas das Sessões da Câmara Municipal (1885-

1899) 84

Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910, pp. XLI-XLVII

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Tabela 15 – Relação das escolas do Estado, providas e vagas, com a declaração dos títulos de

habilitação dos professores, em 1910

Escolas Professores

Município

Pro

vid

as

Va

ga

s

No

rma

list

as

Co

mp

lem

en

tari

sta

s

Ad

j. C

on

curs

o

Inte

rméd

io

Po

pu

laçã

o T

ota

l

Ap

rox

ima

da

Angatuba 15 8 --- 14 --- 1 8.300

Botucatu 6 28 1 5 --- --- 28.600

Campinas 48 17 3 33 1 1 90.200

Itapetininga 18 8 --- 17 1 --- 19.200

Jundiaí 20 9 3 16 --- 1 33.700

Limeira 13 13 --- 13 --- --- 31.500

Mogi Mirim 4 17 2 6 --- --- 30.600

Piracicaba 16 6 1 15 --- --- 48.800

Ribeirão Preto 19 14 1 16 1 1 53.200

Santos 17 2 12 4 1 --- 81.850

São Carlos 3 --- --- 1 --- 1 41.100

Tabela adaptada pelo autor. Fonte: Anuário de Ensino do Estado de São Paulo (1909-1910)

Pelas informações do quadro, nota-se que a cidade de Itapetininga possuía uma

população menor que todas as outras cidades, com exceção de Angatuba. No entanto, a cidade

só fica atrás de Campinas e de Ribeirão Preto na quantidade de escolas providas. A cidade de

Piracicaba, embora tivesse mais que o dobro do tamanho de Itapetininga e também contasse

com uma escola complementar, mesmo assim, possui uma quantidade menor de escolas

providas e de professores complementaristas nas escolas preliminares. Neste último ponto, o

município só fica atrás da cidade de Campinas – que também possuía uma escola

complementar.

Outrossim, o quadro revela que a escola contribuiu para desenvolver a instrução

pública nas cidades vizinhas. Pinçamos como exemplo disso a cidade de Angatuba e a

comparamos à cidade de Limeira. Esta, segundo Santos (2011, p. 55), esteve, por um bom

tempo, no centro da economia do Estado por ser grande produtora de café. Além disso, o seu

núcleo urbano contava com grande número de imigrantes. Em 1910, Limeira possuía uma

população de 31.500 habitantes, segundo os dados da tabela 15. Já Angatuba estava fora da

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125

economia cafeeira e tinha uma população estimada em 8.300 habitantes. Apesar dessas

diferenças e da clara vantagem econômica da cidade de Limeira, Angatuba contava com mais

escolas providas, mais professores complementaristas e menos escolas vagas. Essa

comparação evidencia a contribuição positiva que a escola complementar exerceu sobre o

desenvolvimento da instrução pública nas cidades vizinhas a Itapetininga.

A escola exerceu uma influência positiva no desenvolvimento social e urbano de

Itapetininga. Ela era considerada como mecanismo de ascensão social para aqueles que

pertenciam às camadas mais populares e de consolidação do status social dos membros das

famílias privilegiadas locais e regionais. Ela também colaborou para o desenvolvimento

econômico itapetiningano. No seguimento de acomodação dos alunos que vinham de outras

localidades para estudar nas escolas modelo e complementar, desenvolveu-se uma nova

atividade econômica da cidade. Em um requerimento enviado à Câmara de Vereadores de

Itapetininga, podemos perceber a importância que as escolas possuíam para esse seguimento

de serviços da cidade:

A abertura de casas de pensão é um bem para esta cidade, pois, em geral, os moços

que as procuram são pobres, de modo que é uma utilidade abrirem casas que facil e

modicamente, auxiliem as que vêm frequentar as Escolas. É inegável e incontestável

que as Escolas são o elemento preponderante de progresso desta terra e por isso deve

a Camara factar o progresso do Município, auxiliar o desenvolvimento das

instituições úteis (...). As casas de pensão actualmente existentes são unica e

exclusivamente abertas para moços e moças, na sua maior parte pobres, que vem

frequentar as escolas.85

Para Hobsbawm, uma das características essenciais da Era dos Impérios foi a

invenção das tradições que tornou a vida política mais ritualizada e repleta de símbolos e

apelos publicitários. Essas tradições tinham como objetivo assegurar a subordinação, a

obediência e a lealdade. Isso se dava principalmente por meio do controle exercido pelo

Estado sobre os símbolos e ritos de pertencimento, como o hino nacional, a bandeira nacional

e monumentos (HOBSBAWM, 2005, pp. 153-155). Esse período histórico assistiu ao avanço

dramático do nacionalismo. A “nação” tornou-se a nova religião cívica dos Estados. Ela

oferecia um elemento de agregação que ligava todos os cidadãos ao Estado. Nesse contexto, a

escola se tornou o principal meio de propaganda secular que poderia ensinar todas as crianças

a serem bons súditos e cidadãos. Os Estados criaram o patriotismo nacional e os cidadãos

linguística e administrativamente homogeneizados (HOBSBAWM, 2005, pp. 212-214).

85

Livro “Diversos”, Caixa: Atas das sessões da Câmara Municipal (1885-1899)

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126

Após a mudança do regime político, a República brasileira criou diversos

símbolos, heróis e comemorações cívicas nacionais. As festas cívicas promovidas nas e pelas

escolas constituíam um momento importante de contato dela com o seu entorno. Não por

acaso, a primeira solenidade de culto à bandeira no Estado de São Paulo aconteceu na Escola

Normal da Capital, em 19 de novembro de 1906 (CARONE, 1978, p. 163). O artigo 58 do

Decreto nº 248, de 26 de julho de 1894, fixava que as festas escolares tinham como objetivo

atrair o interesse do povo para a educação das crianças e estimular os alunos. Para isso, as

festas deveriam ter a maior solenidade possível e incluir a participação das autoridades, das

famílias e das pessoas importantes da localidade.

A Escola Complementar de Itapetininga não fugiu ao papel atribuído às escolas

públicas pelo novo regime político. O jornal Gazeta do Sul traz, em 16 de maio de 190186

, a

notícia de uma sessão literária organizada pelos alunos complementaristas realizada no dia 13

de maio para comemorar a abolição dos escravos. Embora o semanal não informe maiores

detalhes do evento, ele revela que os estudantes enviaram convites aos representantes do

jornal para se fazerem presentes à sessão. Isso demonstra o intuito dos seus organizadores em

dar maior prestígio e visibilidade ao evento.

Em 1906, Pedro Voss, diretor da escola, encaminhou ao Secretário do Interior o

relatório das atividades da instituição daquele ano. No documento, encontramos algumas

notas sobre a exposição dos trabalhos feitos pelos alunos durante o ano letivo apresentadas a

seguir:

No dia 15 de novembro, ao mesmo tempo que se comemorava a Proclamação da

República, em nossa Patria, inauguravamos a exposição dos trabalhos feitos pelos

alumnos durante o anno letivo em um vasto salão para isso (...) preparado.

O que foi essa exposição que o diga a população inteira de Itapetininga que correu

pressurosa a observal-a e não fazendo mysterio de seu contentamento.

Como anexos nº 1 e 2 vos apresentamos as photographias tiradas do salão da

exposição.87

Destacamos a data escolhida para apresentar os trabalhos dos alunos – o dia da

comemoração da Proclamação da República. Chama a atenção também a preocupação por

parte do diretor em salientar que “a população inteira de Itapetininga” prestigiou a exposição,

demonstrando, desse modo, a intenção do evento em impactar a população local. Finalmente,

há de se salientar o registro do evento em fotografias. É evidente, portanto, a importância

86

Jornal Gazeta do Sul, 16 de maio de 1901, Anno I, nº 27 87

“Relatório da Escola Complementar e do Grupo Escolar Dr. Peixoto Gomide de Itapetininga”. S.

Manuscritos/Instrução Pública, Relatórios Diretor-Inspetor (1898-1906), Caixa 15, Ordem 4980

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127

conferida às comemorações cívicas promovidas pelas instituições da instrução pública

paulista. Infelizmente as fotografias a que se refere o documento não acompanhavam o

relatório.

Mas a escola não se limitava em promover apenas festas para homenagear as

lideranças políticas locais ou as datas cívicas republicanas. Os exames de arguição dos alunos

também eram eventos de extrema importância. Na ata dos exames de arguição dos alunos da

escola modelo de 1896, encontra-se a descrição da cerimônia que seria reproduzida no

decorrer dos anos tanto pela escola modelo quanto pela escola complementar.88

Ao primeiro dia do mez de dezembro de mil oitocentos e noventa e seis, em o salão

do Club “Venancio Ayres”, desta cidade, à uma hora da tarde, presente a Comissão

composta de seu presidente Cidadão Antonio Augusto da Fonseca, Director da

Escola, cidadãos Doutor Francisco de Paula e Oliveira Coutinho, advogado Manoel

Cardoso, padre Tertuliano Villela de Castro, Doutor Gabriel Gomide, Coronel

Fernando Prestes de Albuquerque, cavalheiros e Exemas. familias, deu-se começo

ao exame do referido anno. Foram os alumnos examinados em todas as materias do

programma apresentado pelo professor, ficando a Comissão inteirada do bom exame

prestado pelos alumnos em todas as materias sobre as quaes foram arguidos, dando

por muito justo um voto de louvor pelo bom desempenho de seu cargo. O alumno

João Evangelista de Arruda proferiu um brilhante discurso sendo muito applaudido

pelas pessôas presentes.89

O local escolhido – o clube Venâncio Ayres – era o espaço de encontro da elite e

das lideranças políticas do município. Com o intuito de dar destaque ao evento e demonstrar o

prestígio de que gozava a escola, além do lugar, foram convidados expoentes políticos e

religiosos da cidade. Essas cerimônias também desejavam demonstrar a superioridade dos

novos métodos adotados pelos reformadores paulistas em relação à educação do império.

Após assistir a um desses exames, um cronista do jornal Tribuna Popular gravou suas

impressões do seguinte modo:

Ha uns bons 30 annos a educação de uma creança resumia-se em pôl-a nos bons

costumes e não deixal-a sahir fóra dos eixos, como disiam os directores do collegio,

empunhando a celleberrima palmatoria, a santa luzia milagrosa.

Os mestres não tinham absoluta necessidade de saber muita cousa: calligraphia, lêr

sem soletrar, decorar a doutrina cristã, principios de historia e geographia, systema

decimal de pesos e medidas, conversão deste no antigo e vice-versa, as quatro

operações arithmeticas, a regra de trez simples e trez composta, e era tudo.

O menino não tinha de saber a razão de nenhuma dessas causas. Decorava.

88

É oportuno relembrar que a escola modelo e a escola complementar eram comandadas pelo mesmo diretor. De

1897 a 1901, por Antônio Augusto da Fonseca e, de 1902 a 1911, por Pedro Voss. 89

“Relatos Diversos”, S. Manuscritos/Secretaria do Interior, Maço 489, Anos 1897-1899, Caixa 500, Ordem

7105

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128

Com pequeno esforço de palmatoria e de intelligencia fazia o seu exame de

instrucção primaria. Na aula permittia-se que o estudante decorasse, cantando em

alta voz, ou exigia-se o silencio; olhava ele para o livro e fingia que estudava.

[...]

Hoje nada disso.

Le monde marche e tem marchado mesmo.

Ninguém mais nasce ignorante. O primeiro vagido de uma creança è uma epopeia de

sciencia, artes e letras.

[...]

Quem tivesse assistido a elles [os exames] dirá que tenho razão nas considerações

que acabei de expender.90

As apresentações de trabalho dos alunos no final do ano letivo eram momentos

marcantes para a cidade. Na mesma edição da citação que contém o comentário sobre os

exames de arguição, encontram-se duas notícias sobre as apresentações. A primeira notícia

revela que, nas apresentações, eram expostos conjuntamente os trabalhos dos alunos das duas

escolas – modelo e complementar:

Ha dias acha-se aberta ao publico a exposição de prendas das escolas modelo e

complementar desta cidade.

Os trabalhos que ali se notam, executados com pericia impeccavel, provam á

exhuberancia o elevado gráo de aproveitamento dos alumnos matriculados naquelles

importantissimos estabelecimentos de ensino.

A segunda notícia traz o relato de um dos integrantes do jornal que foi visitar a

apresentação e gravou suas impressões do seguinte modo:

Fiquei deslumbrado com o que vi e observei: Almofadas bordadas, umas de veludo,

outras de sêda, porta cartões, porta jornaes, porta-toalhas, tapetes, porta-relogio,

porta-escovas, toucas para criança (trabalhos em lã), aventaes, fronhas, camisas de

senhoras, vestuario completo para criança, sapatinhos de lã, abrigos, pannos de

crochet e bordados, toalhas, lenços, babadores, tapetes de meza, chinellos, flores de

papel, corôas, gollas, capas e cintos para senhora e criança, aquarellas, pinturas de

crayon, bordados sobre sêda, sobre velludo e sobre papel bristol, alguns

emmoldurados retratos de pessoas respeitaveis (...). Vi bordados á sêda, á missanga,

a veludo, a ouro, cartas geographicas e trabalhos a bico de penna (pontigraphia),

tudo em profusão, artistica e primorosamente distribuido pelas paredes e por sobre a

archibancada muito bem enfeitada.

O conjunto desses eventos foi denominado por Catini (2013, p. 70) como

“espetáculo da modernidade”. Para a autora, esses eventos atendiam a diversos propósitos:

90

Tribuna Popular, 1º de dezembro de 1901, Anno XV, nº 664

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129

a perpetuação da memória histórica nacional, à exibição das virtudes morais e

cívicas inscritas na obra formativa escolar, à ação educadora da escola para o

conjunto da sociedade, ou à expressão do “imaginário sócio político da República”

[...]. Nesse sentido, “participando das comemorações cívicas, os grupos de

escoteiros recriavam o fascínio popular despertado pelos batalhões infantis no início

do século XX” [...]. Com isso o Estado se apresenta como ator e narrador da história,

uma vez que define o que deve ser narrado e de que maneira [...].

O Regimento Interno das Escolas Complementares do Estado, no artigo 2º, definia

que os exercícios militares, ginásticos e os trabalhos manuais seriam adaptados à idade e ao

sexo dos alunos. No anexo nº 1 do regimento, encontramos as especificações dos tipos de

trabalhos manuais a serem desenvolvidos em cada seção e em cada ano do curso. Com esses

dados elaboramos a tabela abaixo:

Tabela 16 – Trabalhos manuais por seção e ano do curso complementar.

Ano do Curso Seção Feminina Seção Masculina

Primeiro

Crochê, tricô, tapeçaria,

costura, ponto simples e de

cerrar e flores em diversos

materiais.

Modelagem e escultura

Segundo Bordado e cortes de vestuário. Modelagem, escultura e

trabalhos de torno e madeira.

Terceiro Corte e estudo das medidas e

traçados do corpo.

Trabalhos de marcenaria

Tabela elaborada pelo autor. Fonte: Regimento Interno das Escolas Complementares do

Estado

O quadro evidencia que os trabalhos manuais destinados à seção masculina

tinham a meta de preparar os alunos para o mercado de trabalho e o exercício de um ofício. Já

os trabalhos da seção feminina destinavam-se a capacitar as alunas ao cuidado da casa e da

família. No 4º ano da seção feminina eram previstas aulas com o seguinte conteúdo

programático: condições de uma boa casa, quarto de dormir, limpeza do quarto e da mobília,

lavagem da casa, destruição dos insetos, arejamento da casa, método de lavar roupa,

conservação da roupa, passar a ferro, valor dos diferentes alimentos, limpeza na cozinha,

economia doméstica, entre outros. Como vimos, o público da escola complementar era

majoritariamente feminino. Esse quadro permanecia na escola-modelo. Por isso, a maior parte

dos trabalhos enumerados na reportagem são artesanatos para uso doméstico. Podemos

vislumbrar um pouco dessas apresentações por meio da seguinte imagem:

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Figura 22 – Exposição de trabalhos de torno e modelagem da seção masculina da Escola

Complementar de Itapetininga (1908)

Fonte: TEIXEIRA JUNIOR, 2005, p. 177

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131

Figura 23 – Exposição de trabalhos de roupas brancas da seção feminina da Escola

Complementar de Itapetininga (1908)

Fonte: TEIXEIRA JUNIOR, 2005, p. 177

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Figura 24 – Sala de armas da Escola Complementar de Itapetininga (fuzis com baionetas,

tambores, cornetas e a bandeira nacional)

Fonte: TEIXEIRA JUNIOR, 2005, p. 196

Finalmente, um último apontamento da relevância social e cultural que a escola

complementar possuía para o município de Itapetininga pode ser intuído por meio da

imprensa local. Quase sempre as notícias sobre a escola ocupavam a primeira ou a segunda

página. Pequenos detalhes do cotidiano escolar – como o nome dos alunos que mais se

destacaram nos exames – eram publicados pelo jornal. Este, devido à sua orientação

republicana e à proximidade de seus gestores com a liderança política local, apresenta os

noticiários da escola sempre de maneira elogiosa. Nas edições investigadas não foi encontrada

nenhuma crítica ao funcionamento da escola ou ao seu público. A partir do ano da fundação

da escola, 1897, o jornal inaugurou uma nova seção – a “Secção Escholar” – que tinha como

objetivo publicar pequenos artigos literários91

dos alunos complementaristas. O redator

ressalta a importância dessa nova coluna:

Do meio desses jovens principiantes é que sahirão talvez os literatos, os jornalistas,

os batalhadores do progresso, os factores da grandeza futura do nome

Itapetiningano.92

Apesar de a nova sessão iniciar no dia 4 de setembro, em edições anteriores já é

possível encontrar pequenos artigos escritos pelos estudantes, como na edição de 28 de agosto 91

Anexos 1, 2, 3 e 4. 92

Tribuna Popular, 4 de setembro de 1897, Anno XI, 444

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133

de 1897, em que foi publicado um texto da aluna do 2º ano Maria José Strasburg sobre as

características geográficas do rio Itapetininga (Anexo 4).

3.6 - O fim da Escola Complementar de Itapetininga

A primeira década do século XX assistiu a um intenso debate sobre as mazelas da

educação no Estado de São Paulo. A Revista de Ensino aglutinou muitas das críticas

direcionadas à instrução pública. Discussões foram fomentadas para abordar questões

relativas ao ensino público. Desse modo, por exemplo, a Associação Beneficente do

Professorado Público de São Paulo organizou conferências para discutir essas questões, a

partir de 24 de fevereiro de 1904. A mesma associação convocou os professores em exercício

a expressar suas opiniões por meio da Revista do Ensino. A Secretaria do Interior permitiu

que o tema relativo à formação profissional docente fosse debatido pelas escolas

complementares. Nesse contexto, as escolas complementares foram alvo de críticas tanto

internas quanto externas.

Entre as principais críticas direcionadas às escolas complementares estão a

“enxurrada” de professores habilitados – que teria levado a perda de privilégio e status dos

professores normalistas, pois estes eram equiparados aos professores complementaristas – e a

inviabilização do ensino primário, pois o ensino complementar, pensado inicialmente como

complemento do preliminar, perdeu esta característica ao ganhar a atribuição de formar

professores. (TEIXEIRA JUNIOR, 2005, p. 206-207)

As principais propostas de superação desses problemas apontavam para a extinção

do curso, ou a sua nivelação aos grupos escolares, ou a sua transformação em escolas de

formação para o magistério feminino (destinadas ao exercício nas escolas isoladas do Estado),

ou, finalmente, a sua equiparação com a Escola Normal. Identificamos a participação do

diretor da Escola Complementar de Itapetininga em seu relatório encaminhado à Secretaria do

Interior, em 1908:

Na Escola Complementar urge uma reforma no sentido de melhorar a distribuição de

algumas disciplinas e supprimir outras. Não se comprehende como possam

continuar a trigonometria, mecanica e cosmographia a figurar no programa de

ensino, quando é verdade que foram supprimidas do curso da Escola Normal. A

distribuição das materias que constituem o curso Complementar em 6 ou 8 cadeiras,

torna-se também inadiável. Quando dirigíamos a Escola Modelo “Prudente de

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Moraes” éramos sinceros e fervorosos da actual organização das Escolas

Complementares; hoje vemos entretanto que é muitíssimo inconveniente,

principalmente no interior do Estado.93

Após esse intenso debate fomentado no decorrer da primeira década do século

XX, o Governo do Estado de São Paulo optou por promulgar o Decreto nº 2025, em 19 de

março de 1911, que converteu as escolas complementares em escolas normais primárias. Essa

reforma instituiu três escolas normais secundárias no Estado – uma na Capital e duas no

interior (sendo uma delas a de Itapetininga). – e oito normais primárias – duas na capital e seis

no interior. Posteriormente, foram promulgadas a Lei nº 1311, de 02 de janeiro de 1912 e o

Decreto nº 2225 de 16 de abril de 1912, que reuniram toda a legislação pública primária e

normal.

93

Relatório Anual do Diretor da Escola Complementar de Itapetininga, Pedro Voss, de 10 de dezembro de 1908.

In: Inspetoria Geral do Ensino. Annuario do Ensino do Estado de São Paulo. 1909-1910

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135

Considerações Finais

O caminho percorrido nesta dissertação trazia como meta produzir contribuições

para a História da Educação Brasileira e para a História da Educação de Itapetininga.

Tínhamos a intensão de lançar luzes sobre um objeto de estudo ainda pouco valorizado nas

investigações sobre História das Instituições Escolares – as escolas complementares. Apesar

de serem responsáveis pela formação de dois terços do professorado público paulista, nas

duas primeiras décadas da República, os estudos sobre essa modalidade de ensino ainda são

escassos. Este trabalho também buscou contribuir para aprofundar um pouco mais a história

do município de Itapetininga, pois este também recebe pouca atenção da historiografia.

A primeira questão que norteou esta pesquisa interrogava sobre os motivos que

possibilitaram que Itapetininga recebesse a primeira Escola Complementar do interior

paulista. Como apontado, o município não reunia os “requisitos” para tal privilégio. Sua

economia estava às margens da economia cafeeira e, por isso, a cidade não se constituiu em

um ponto especial de atração para a imigração estrangeira. Além disso, o município não

passou por um intenso processo de industrialização e também não contava com um centro

urbano pujante. A investigação apontou que o fator principal foi a política clientelista da

Primeira República e o prestígio político desfrutado pelos chefes locais no âmbito estadual,

dentro da estrutura coronelística.

Para a construção dos prédios que iriam abrigar a Escola Complementar e a

Escola Modelo, foi designado o principal arquiteto do projeto republicano paulista – Ramos

de Azevedo. O projeto desenvolvido por Azevedo foi uma das mais imponentes concepções

de arquitetura do interior do Estado. Contudo, vimos que a construção passou por alguns

inconvenientes. Apesar de o projeto prever três prédios, somente dois foram concluídos em

1899 - o terceiro só foi entregue em 1911. Mesmo contando com uma construção suntuosa, a

escola encontrava algumas dificuldades como a falta de alguns materiais e a demora da

instalação do gabinete de física e química. Os usos que se fizeram dos prédios também foram

um pouco diversos dos previstos. Por exemplo, no prédio central – destinado às seções

masculina e feminina do curso complementar – estava abrigada a seção feminina dos cursos

complementar e modelo, ficando a seção masculina de ambos os cursos no prédio da escola

modelo. No entanto, destacamos a notável diferença de estrutura material deste prédio quando

comparado às escolas isoladas da periferia do município.

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136

A segunda grande questão versava sobre o público-alvo da Escola Complementar

de Itapetininga. No tocante aos docentes da instituição, percebemos que a composição

também seguia critérios mais ligados ao jogo político que aos interesses pedagógicos. Assim,

por exemplo, o primeiro diretor da Escola Complementar, Major Fonseca, foi alçado a esse

cargo devido à proximidade que gozava dos líderes políticos locais e, posteriormente, acabou

perdendo o cargo por se colocar em posição dissidente.

Já em relação aos alunos, enfrentamos a frustação de a principal fonte – o livro de

matrículas - não trazer a ocupação dos pais. Isso nos impulsionou a preencher essa lacuna por

meio do cruzamento dos dados encontrados em outras fontes. Com isso, pudemos perceber

que o público principal dessa instituição era oriunda das classes privilegiadas – proprietários

de terras, comerciantes, pequenos industriais e profissionais liberais. No entanto, também

encontramos a presença de alunos ligados às classes mais populares. Apesar disso, é evidente

que estes últimos tinham maior dificuldade de perseverar durante os quatro anos do curso.

Vimos que as taxas de reprovação e evasão escolar eram muito grandes. Entre as

principais causas estavam a dificuldade dos alunos em alcançar as notas mínimas e as

despesas que a escola exigia – por exemplo a taxa de matrícula. Os dados revelam que a

reprovação era maior na seção masculina, onde era mais comum a presença de alunos das

classes mais populares.

Nosso último intento era compreender os modos como a escola dialogava com seu

entorno. Aqui ficou evidente que da instalação a escola contribuiu decisivamente para

corroborar e fortalecer o prestígio da principal liderança política do município, o Coronel

Fernando Prestes de Albuquerque. A escola contribuía para isso de diversas maneiras. Seja

pelas homenagens quando das visitas do coronel ao município ou até pela fixação de quadros

com sua imagem no salão nobre da instituição.

A presença da Escola Complementar foi relevante para a expansão do número de

escolas públicas tanto em Itapetininga quanto nos municípios ao redor. Isso se deve à pressão

exercida pelos recém-formados, desejosos de ingressar na carreira para a qual haviam

estudado, e pelo prestígio das lideranças políticas locais. O município de Itapetininga contava

com números de escolas providas e com uma quantidade de professores complementaristas

que o colocava em uma posição de igualdade e até superioridade nesses quesitos em relação a

municípios paulistas em estágios mais avançados de desenvolvimento econômico.

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Obviamente, de acordo com o ideário republicano e, dentro do avanço do modo

de produção capitalista em sua fase monopolista, a escola também buscava cumprir seu papel

civilizatório. Isso se dava por meio de uma educação ritualizada e repleta de símbolos e

apelos publicitários. Os eventos da escola como as apresentações de trabalhos, as seções

literárias e os exames de arguição contavam com grande solenidade, a participação das

principais lideranças políticas e religiosas e eram propagandeadas para que toda a cidade

concorresse aos eventos.

Finalmente, há que se comentar sobre as dificuldades enfrentadas no decorrer

desta pesquisa. A primeira foi a falta de organização no acervo da Escola Estadual “Dr.

Peixoto Gomide”. Os documentos estavam misturados, sem uma indicação de organização

por período ou por tipo. Também nos deparamos com dados lacunares. Algumas fontes não

traziam as informações que esperávamos. No Centro Cultural e Histórico de Itapetininga

Brasílio Ayres de Aguirre os exemplares dos jornais estavam bem organizados, porém, não

havia exemplares referentes aos anos entre 1903 e 1911.

Algumas indagações não puderam ser investigadas, devido às limitações

temporais da presente dissertação. Dentre elas:

1- Quais as origens econômico-sociais, as trajetórias e as relações políticas dos docentes da

Escola Complementar de Itapetininga com a classe dirigente do município e do Estado?

2- Quais os percursos profissionais percorridos pelos professores complementaristas formados

pela Escola Complementar de Itapetininga?

A primeira questão nos permitiria entender melhor a maneira como os quadros de

professores eram preenchidos, isto é, segundo uma lógica pedagógica ou meramente política.

A segunda questão lançaria luzes sobre o impacto da instituição desta pesquisa sobre o ensino

paulista. Legamos essas questões para estudos posteriores.

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- Livro “Matrícula Secção Feminina, 1905-1909”

- Livro “Matrícula Secção Masculina, 1905-1909”

- Livro Ponto 1897-1899

- Livro Ponto 1903-1905

- Livro Ponto 1908

- Livros de Chamadas da Seção Feminina

- Livro de Registro de Notas dos Exames de Suficiência, 1910-1911

- Mapas Mensais da seção feminina 1899-1901

- Mapas Mensais da seção masculina 1900-1901

- Boletins de alunos esparsos

- Quadros de Fotografia dos Professorandos 1899, 1902, 1904 e 1909

Acervo da Câmara Municipal de Itapetininga

- Livro “Documentos da Câmara, 1841-1904”

- Livro “Atas, 1879-1928”

- Livro “Atas das Sessões da Câmara Municipal (1885-1899)”

- Livro “D.O.V (1899-1902)”

- Livro “Atas da Câmara, 1899-1902”

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- Livro “Diversos”

Acervo do Arquivo Público do Estado de São Paulo

- Annaes da Sessão Ordinária de 1894

- Annaes da Sessão Ordinária de 1895

- Ofício da Diretoria da Instrução Pública do Estado de São Paulo

- Relatórios do Inspetor do 29º Distrito Literário

- Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1908-1909

- Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1909-1910

- Annuario do Ensino do Estado de São Paulo, 1910-1911

Acervo do Centro Cultural e Histórico de Itapetininga Brasílio Ayres de Aguirre

- Jornal Gazeta do Sul

- Jornal Tribuna Popular

- Livro de Lançamento do Imposto Predial

Arquivo Público da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

- Por meio do site: http://www.al.sp.gov.br

- Lei nº 88, de 08 de setembro de 1892

- Lei nº 169, de 07 de agosto de 1893

- Lei nº 861, de 12 de dezembro de 1902

- Lei nº 930, de 13 de agosto de 1904

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- Lei nº 936, de 19 de março de 1904

- Lei 1846, de 19 de março de 1910

- Decreto nº 27, de 12 de março de 1890

- Decreto nº 218, de 27 de novembro de 1893

- Decreto nº 245, de 20 de julho de 1894

- Decreto nº 248, de 26 de julho de 1894

- Decreto nº 374, de 03 de setembro de 1895

- Decreto nº 400, de 06 de novembro de 1896

- Decreto nº 428, de 06 de fevereiro de 1897

- Decreto nº 2025, de 19 de março de 1911

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ANEXO 1

Artigo de Caludionor Trench, aluno do 2º Ano da Escola Complementar (Tribuna Popular,

Ano XI, nº 444, 4 de setembro de 1897)

A Escola

Eu comparo a escola com elegante jardim, cujas flores – as creanças são regadas por

um cuidadoso jardineiro – o professor.

Em um jardim ha algumas flores mais viçosas do que outras, e então o jardineiro trata-

as para tambem ficarem viçosas.

Assim tambem em uma escola a alguns meninos mais atrazados do que outros; então

os professores procuram todos os meios de fazer com que se adiantem, para que todos

caminhem mais ou menos parallelamente em adiantamento.

Antigamente, uma escola, em vez de jardim era uma prisão medonha para a

desventurada infancia. Uma mãe, quando queria que um filho fizesse qualquer cousa e este

não obedecia, dizia-lhe: “Sinão fizer o que eu mando, você irá para a escola!” O filho então

promptamente obedecia, porque tinha medo de ir para a escola.

E por que os meninos antigos tinham medo de ir para a escola? É porque o professor

tinha em cima da mesa a celebre palmatoria; é porque os meninos, quando não davam lição

certa, soffriam castigo physico.

Hoje já não se vê mais isso. Os meninos dão graças a Deus quando vão para a escola,

porque nas escolas modernas não há mais castigos dessa natureza. Um menino, quando não

conduz bem, soffre apenas um castigo moral, ou apenas um conselho do mestre, e isto basta

para que elle corrija-se e envergonhe-se do seu mau acto.

Além disso, por causa do novo methodo de ensino, todas as escolas modernas têm

grande numero de alumnos que correm pressurosos para buscar a instrucção tão necessaria ao

homem em sua vida.

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ANEXO 2

Artigo de José Gomes do 2º Ano da Escola Complementar (Tribuna Popular, Anno XI, nº

441, 14 de agosto de 1897)

Fundação de Itapetininga

Itapetininga foi fundada em 1770 pelo alferes portuguez Domingos José Vieira, avô do

actual bispo do Ceará, nosso conterraneo.

Foi com grandes difficuldades que o fundador conseguiu que o logarejo fosse situado

onde actualmente se acha, a 6,6 kilometros do rio Itapetininga, pois outros moradores

pretendiam que fosse erguida a povoação á margem do rio, estes aconselhados por Simão

Barbosa Franco.

Esta povoação foi elevada a villa em 5 de Novembro de 1770 e a cidade em 13 de

março de 1855. Foi elevada a villa pelo juiz de Sorocaba Antonio de Madureira Calheiros por

ordem de um capitão e uma commissão dada pelo ouvidor geral Salvador Pereira da Silva.

Os assentos de baptismo nos livros da parochia datam de 20 de janeiro de 1772 e

Ignacio de Araujo Ferreira foi o seu primeiro vigario.

Simão Barbosa Franco foi o primeiro juiz ordinario da então villa.

De Domingos José Vieira e Salvador de Oliveira Leme, os quaes deixaram numerosa

descendencia, resultam as familias Vieira, Ayres, Rolim, Brisolla, Medeiros, Meiras, Affonso

e dos Fonsecas.

A construcção da matriz deve-se ao vigario Francisco de Assumpção Albuquerque,

que de porta em porta, nos dias santificados, pedia esmolas para as obras daquelle bello

templo.

Os outros vigários que se seguiram tèm continuado as obras sem tel-as terminado até

agora, pois desde que se separou a Egreja do Estado, só o povo religioso concorre para estas

construccções.

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ANEXO 3

Artigo de Maria Gomes de Olivera, aluno do 2º ano da Escola Complementar (Tribuna

Popular, Ano XI, nº 442, de 21 de agosto de 1897)

Paisagem

Estou encantada a contemplar esta magnifica paisagem que offerece a maravilhosa

Natureza. Lá, ao longe, descortina-se um limpido rio que atravessa uma pedreira, e, depois de

muito caminhar, vai tocar a roda de um moinho. Alli um magnifico prado coberto de flores,

onde pasta um manso gado que pertence a uma fazenda vizinha.

Dirijo o olhar para um lado e vejo um pastor que, com seu cajado na mão, guarda as

ovelhas de seu amo.

Além levanta-se uma montanha azulada que parece ligar-se com o firmamento da

mesma côr.

Por um estrito caminho, cantando, dirigem-se uns pobres camponezes para a sua

humilde cabana coberta de capim. E como vão contentes os pobres aldeões! Vêm da roça e

trazem sobre os hombros feixes de lenha para seu consummo.

Logo o sol brilhante desapparece, e os alegres aldeões recolhem-se para a sua choça

para no dia seguinte continuarem com seu trabalho.

E eu, como a noite vai chegando retiro-me tambem para estudar a lição de amanhã,

pois o mestre fica muio satisfeito quando os alumnos dão boas licções.

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ANEXO 4

Artigo da aluna Maria José Strasburg, aluna do 2º ano da Escola Complementar (Tribuna

Popular, Ano XI, nº 443, de 28 de agosto de 1897)

O Rio Itapetininga

O Rio Itapetininga é um dos mais notaveis affluentes do Rio Paranapanema.

Nasce na Serra do Mar, correndo quase todo o seu leito por vastas campinas, passando

a Noroeste da freguezia do Pilar onde atravessa algumas mattas, e tomando direcção a Oeste;

depois de pouca distancia d’aquella freguezia recebe o ribeirão da Lavrinha e o Capivary.

Passa distante desta cidade 7 kilometros, onde fica o pictoresco bairro do Porto, por

onde passa a estrada da florescente cidade da Faxina.

Ahi é sua largura de 21 metros, tendo a profundidade de 1 metro e 70c. pouco mais ou

menos, isto é, quando estamos na estação denominada secca.

Encontram-se neste ponto muitas canôas, batelões, barcas, que são sempre visitados

pelos amadores da pesca, que alli vão sempre para esse fim.

D’ahi para abaixo o Itapetininga encontra-se com o ribeirão denominado da Ponte Alta

que é formado pelo Ribeirão dos Cavallos ou Da Serra, e pelo Taboão, os quaes banham esta

cidade e fazem barra perto da serraria do Sr. João Adolpho.

Ha no rio, perto da fazenda do Cel. Joaquim Leonel grandes paredões que attingem de

4 a 12 metros de altura, variando a largura do rio de 10 a 40 metros.

Terminando no Rio Paranapanema, ahi tem sua largura de 28 metros.

Este rio foi no anno de 1890 percorrido por uma comissão exploradora que, sahindo

do Porto, foi até a barra do rio Pardo, além da cidade de S. Manoel, sendo os batelões

construidos por carpinteiros itapetininganos.

Essa comissão, composta de vários engenheiros tendo por chefe o dr. Theodoro

Sampaio, foi acompanhada até o Porto por grande numero de pessoas.

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No momento da partida subiram ao ar muitos foguetes, muitos vivas foram dados,

emquanto a comissão navegava rio abaixo acenando ao loge com os lenços, fazendo suas

ultimas despedidas.

Ao cabo de 7 mezes estava terminada a viagem, voltando os exploradores por terra,

porque a ida já tinha sido difficillima por causa das cachoeiras do Paranapanema.

Por esta exploração chegou-se ao conhecimento de que o Itapetininga e o

Paranapanema não se prestam para a navegação, por causa de cachoeira e outras passagens

difficeis.