andré lara resende e as manifestações de junho
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7/28/2019 Andr Lara Resende e as manifestaes de junho
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A propsito do artigo de Andr Lara Resende1
Fbio Wanderley Reis
Simon Schwartzman reproduziu aqui, h alguns dias, artigo de AndrLara Resende (O Mal-Estar Contemporneo, publicado no Valor Econmico
no dia 5 de julho), recomendando-o como provavelmente o que melhor
interpreta o que vem ocorrendo quanto s manifestaes de rua no Brasil e
concitando a que seja lido com muita ateno e compartido. Procurei ler com
ateno, e acho o artigo confuso e equivocado na perspectiva adotada. Aproveito
a hospitalidade do site do Simon para tentar dizer por qu.
Menos mal que o artigo de Andr destaca o papel da internet e das redessociais, ao contrrio de anlises que o minimizam ou descartam (nosso amigo
Bernardo Sorj, aqui mesmo, chegou a usar o fato de que a Revoluo Francesa
aconteceu para desqualificar a ateno internet nas manifestaes de agora).
Em princpio, cabe, naturalmente, distinguir o meio gil de comunicao que a
tecnologia da internet e das redes sociais representa, facilitando assim a
mobilizao, daquilo que fornece propriamente a motivao s manifestaes, a
insatisfao que elas (presumivelmente...) expressam. claro que podemos ter
motivos diversos, como a exploso recente de manifestaes e protestosanlogos em vrios pases permite ver valendo-se todos da mesma tecnologia
e compartilhando com o caso do Brasil de agora o carter de irrupes meio
surpreendentes, o que torna natural tratar de aproxim-lo e confront-lo com os
outros casos. De toda maneira, Andr faz o confronto, e distingue nosso caso
dos outros porque aqui faltariam motivos que estariam presentes neles: os dois
elementos tradicionais da insatisfao popular, dificuldades econmicas e falta
de representao democrtica, que definitivamente no esto presentes no
Brasil de hoje, onde a democracia poltica est consolidada e onde houve
grandes avanos nas condies econmicas de vida, ganho substancial de
renda entre os mais pobres nos ltimos vinte anos, a distribuio de renda
melhorou,o desemprego est em seu mnimo histrico...
1 Postado em 9/7/2013 no site de Simon Schwartzman
(http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=4551&lang=en-us).
http://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=4551&lang=en-ushttp://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=4551&lang=en-ushttp://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=4551&lang=en-us -
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Isso leva Andr a tratar de evitar interpretaes que se refiram aos
cnones do passado (dificuldades econmicas, autoritarismo poltico) e a
buscar a explicao do fenmeno novo que presenciamos no Brasil. Mas
grande a confuso na relao (supostamente negativa) entre aqueles cnones e
os itens em que a nova explicao trazida se apoia: de um lado, uma crise de
representao, o fato de que a sociedade no se reconhece nos poderes
constitudos (Executivo, Legislativo e Judicirio); de outro, o hiato entre a
sociedade e um projeto de Estado que no corresponde mais aos anseios da
populao.
O projeto de Estado de que a sociedade se afasta tortuosamente
esboado como correspondendo restaurao, nos governos petistas, do
nacional-desenvolvimentismo. Este se caracterizaria pela nfase em
industrializao forada e pelo compromisso com a criao de rede de proteo
social, sendo descrito tambm pela combinao do consumismo das economias
capitalistas avanadas com o produtivismo sovitico a essncia de seu
anacronismo. Seria provavelmente difcil explicar aos manifestantes (afinal,
recrutados de uma populao em sua maioria amplamente desinformada
politicamente) a ligao de suas aes com a existncia de um governo assim
caracterizado; mas Andr associa o nacional-desenvolvimentismo do governo
brasileiro sob o PT no s com ineficincia e polticas econmicas ruins que
supostamente ajudam a produzir insatisfao difusa (h, portanto, dificuldades
econmicas?), mas tambm, dada a crise de representao (deficincias da
democracia?), com toda uma srie de traos negativos em que transparecem
velhos objetos de denncia que acabam sendo a denncia da prpria poltica
como tal, vista, luz de um modelo recndito de poltica ideolgica e
autntica, como degenerescncia e vilania: pragmatismo cnico, fisiologismo
sem qualquer pudor ideolgico...
Um dos subtemas relacionados redunda em enftica retomada de um
ps-materialismo (Andr no usa a expresso) que h algum tempo andou em
voga nos estudos que lidam com cultura poltica, de que os trabalhos de
Ronald Inglehart so um exemplo destacado. Assim, com base na ideia de que a
conexo entre renda e bem-estar s se d na percepo das pessoas at que se
alcance certo nvel de renda (e na suposio no explicitada e mais que
problemtica de que o Brasil j teria alcanado o nvel adequado), Andr
sustenta que o que nos importa agora (como ao mundo todo, cuja populao
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j intuiu a exausto do modelo consumista do sculo XX) , na verdade, a
qualidade de vida: o tempo com a famlia e os amigos, o sentido de
comunidade e confiana nos concidados, a sade e a ausncia de estresse
emocional e tambm a participao nas decises polticas, em
correspondncia com certa difundida insatisfao com a democracia (
possvel que o modelo de representao democrtica [...] tenha deixado de
cumprir seu papel, e precise ser revisto)... Ressalvado este ltimo aspecto, a
propsito do qual analistas tm falado de democratas insatisfeitos justamente
porque sepreservam valores democrticos enquanto eventualmente se
hostilizam o governo e certas instituies, bastaria ver, quanto ao mais, a forte
desqualificao empreendida por Harold Wilenski das supostas constataes
empricas na direo de um ps-materialismo, em cuidadosa reviso de
2002/3 de vrios estudos relativos ao assunto: fica claro que vastas maiorias
modernas (que se supem mais sensveis aos temas ps-industriais e ps-
materiais) da populao dos pases estudados atribuem prioridade mais alta a
temas como segurana econmica e crescimento econmico alm de que os
mesmos cidados modernos mudam drasticamente suas respostas a questes
referidas a valores diante de mudanas conjunturais nos contextos econmicos
e polticos, o que, naturalmente, torna duvidoso que se esteja observando a
mudana profunda de valores bsicos.2
suprfluo acrescentar que, de 2002/3para c, com a crise econmica, impossvel pretender que a conjuntura se
tenha tornado mais propcia ao ps-materialismo...
Outro subtema a relao entre a internet e a imprensa, ou os meios
tradicionais de comunicao de massa. Andr coloca a imprensa como apenas
um ator entre os muitos outros que no anteviram a insatisfao popular e se
mostram perplexos diante dos eventos no obstante, segundo ele, o fato de
que a irritao difusa podia ser claramente percebida na internet e nas redessociais. Talvez isso variasse do Facebook de A para o de B... De toda forma, um
par de consideraes relacionadas merece registro: no amontoado disperso de
temas de que as manifestaes se apropriaram (na verdade, todos os temas que
de alguma forma surgiram na agenda socioeconmica e poltica do pas em
tempos mais ou menos recentes), o papel dos meios de comunicao
2Harold L. Wilenski, Postindustrialism and Postmaterialism? A Critical view of the New
Economy, the Information Age, the High Tech Society and All That, Wissenschaftszentrum
fr Sozialforschung (WZB), Berlim, fevereiro de 2003, pp. 16-17; excerto de Harold L. Wilensky,
Rich Democracies: PoliticalEconomy, Public Policy, and Performance (Berkeley: University of
California Press, 2002).
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tradicionais evidente (e, para o que valham, pesquisas de rgos como aFolha
de S.Paulo tm mostrado que os links compartilhados entre os prprios
manifestantes so tomados da imprensa em sua ampla maioria). E h a uma
face especial: a de que o antipoliticismo, a viso intensamente negativa da
poltica e dos polticos que distingue o movimento de protesto, reproduz
disposio anloga que tem marcado o noticirio e os comentrios da imprensa
e dos meios de massa no pas, vindo a condicionar fortemente a chamada
opinio pblica brasileira e isso, sim, h muito podia ser claramente
percebido. Difcil propor que as manifestaes tenham trazido algo novo quanto
a este aspecto crucial.
Isso permite algumas observaes finais quanto prpria natureza do
movimento. A distino feita acima entre a internet como tecnologia facilitadorae os motivos de insatisfao que se valem dela deixa de lado uma possibilidade
importante e talvez decisiva para se encontrar a explicao adequada do nosso
caso: a de que, de certa forma, a disponibilidade da tecnologia acabe fornecendo
os motivos. Refiro-me possibilidade de que as manifestaes em suas
dimenses especiais sejam em boa medida fteis, a mera imitao das irrupes
anteriores em outros pases uma vez deflagrado com xito, pelo Movimento
Passe Livre, sua etapa inicial referida ao preo das passagens de nibus. Da que
os protestos se mostrem no s desorientados quanto aos objetivos, mas
politicamente ingnuos no antipoliticismo, no antipartidarismo e, na verdade,
no antiinstitucionalismo viscerais, que os levam mesmo a estarem prontos (no
obstante a insistncia de muitos na minoria de baderneiros) ao confronto
violento e sem sentido prtico com prefeituras, assemblias legislativas e o que
mais seja. O que no significa, naturalmente, que a ingenuidade torne o
movimento inconsequente: uma vez alcanada a dimenso que adquiriu, fatal
que afete a cena poltico-institucional e que os polticos se movam em resposta(sem falar da oposio a Dilma, por exemplo, por parte de muitos que a
apoiavam at outro dia, de maneira congruente com o quadro geral de
desinformao e inconsistncia polticas). E, afinal, agora que se experimentou
a facilidade com que possvel semear furaces, elementar esperar novos
furaces para breve, em particular com a nova vitrine que a Copa do Mundo e as
eleies presidenciais do ano que vem representam. Tomara que, ao transpor a
correria das ruas para o plano da movimentao institucional, as lideranas
polticas e autoridades no venham apenas a turbinar a turbulncia.
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