anatomofisiologia[1]

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1 E S E B B Ano Lectivo 2005/2006 Texto de apoio ANATOMOFISIOLOGIA DA AMAMENTAÇÃO Elaborado por: João Franco (Prof. Coordenador) 1- ANATOMIA DA MAMA As glândulas mamárias são em número par com formato hemisférico ou cónico, localizadas simetricamente de cada lado do tórax, estendendo-se verticalmente da 2ª à 6ª costela e transversalmente da margem do esterno à linha médio-axilar. São suportadas e mantidas na sua posição por um conjunto de ligamentos (ligamentos suspensores de Cooper ou ligamentos suspensores da mama), os quais se estendem desde a fáscia superficial do musculo grande peitoral até á pele que as recobre, impedindo desta forma a ptose mamária excessiva. São ricamente enervadas e vascularizadas (nutridas por ramos perfurantes da artéria torácica interna e ramos da axilar), e envolvidas por tecido adiposo e conjuntivo. A forma, tamanho e consistência variam com a idade, etnia, biótipo e grau de adiposidade. O seu processo de desenvolvimento e crescimento é mais acentuado na puberdade (por influências hormonais), mantendo-se após este período a um ritmo menor, só terminando no segundo semestre da gravidez. As glândulas mamárias têm por função a produção e secreção de leite para a alimentação do bebé durante os primeiros meses de vida. Estão situadas bastante distante dos órgãos pélvicos, mas, devido à sua relação funcional muito íntima com estes órgãos, são incluídos no sistema reprodutor. Estruturalmente a mama é formada por duas porções distintas: parênquima e o estroma mamário. O estroma, é constituído por tecido conjuntivo, colagénio e tecido adiposo, e é responsável pela consistência característica da mama O parênquima é constituído pela porção secretora (ácinos ou alvéolos), e um sistema canalicular que se inicia nos alvéolos mamários e termina na parte distal, nos mamilos. É formado por 15 a 20 lobos mamários, constituídos por tecido alveolar glandular. Cada lobo mamário é uma unidade glandular independente, separado dos restantes por tecido conjuntivo e por quantidade variáveis de tecido adiposo, encontrando-se dispostos relativamente ao mamilo, radialmente e a diferentes profundidades. Cada lobo mamário é constituído por um número variável de pequenos lóbulos. Estes consistem numa rede de canais e de Fig. 2 - Estrutura da glândula mamária humana (Adaptado de Bobak, 1999:430). Fig 1 – Alvéolo em corte (adaptado de Thompson e Gordan, 1991:2).

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Page 1: Anatomofisiologia[1]

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E S E B B

Ano Lectivo

2005/2006

Texto de apoio

ANATOMOFISIOLOGIA DA AMAMENTAÇÃO

Elaborado por: João Franco (Prof. Coordenador)

1- ANATOMIA DA MAMA

As glândulas mamárias são em número par com formato hemisférico ou cónico, localizadas simetricamente de cada lado do tórax, estendendo-se verticalmente da 2ª à 6ª costela e transversalmente da margem do esterno à linha médio-axilar. São suportadas e mantidas na sua posição por um conjunto de ligamentos (ligamentos suspensores de Cooper ou ligamentos suspensores da mama), os quais se estendem desde a fáscia superficial do musculo grande peitoral até á pele que as recobre, impedindo desta forma a ptose mamária excessiva.

São ricamente enervadas e vascularizadas (nutridas por ramos perfurantes da artéria torácica interna e ramos da axilar), e envolvidas por tecido adiposo e conjuntivo. A forma, tamanho e consistência variam com a idade, etnia, biótipo e grau de adiposidade.

O seu processo de desenvolvimento e crescimento é mais acentuado na puberdade (por influências hormonais), mantendo-se após este período a um ritmo menor, só terminando no segundo semestre da gravidez.

As glândulas mamárias têm por função a produção e secreção de leite para a alimentação do bebé durante os primeiros meses de vida. Estão situadas bastante distante dos órgãos pélvicos, mas, devido à sua relação funcional muito íntima com estes órgãos, são incluídos no sistema reprodutor.

Estruturalmente a mama é formada por duas porções distintas: parênquima e o estroma mamário. O estroma, é constituído por tecido conjuntivo, colagénio e tecido adiposo, e é

responsável pela consistência característica da mama

O parênquima é constituído pela porção secretora (ácinos ou alvéolos), e um sistema canalicular que se inicia nos alvéolos mamários e termina na parte distal, nos mamilos. É formado por 15 a 20 lobos mamários, constituídos por tecido alveolar glandular. Cada lobo mamário é uma unidade glandular independente, separado dos restantes por tecido conjuntivo e por quantidade variáveis de tecido adiposo, encontrando-se dispostos relativamente ao mamilo, radialmente e a diferentes profundidades.

Cada lobo mamário é constituído por um número variável de pequenos lóbulos. Estes consistem numa rede de canais e de

Fig. 2 - Estrutura da glândula mamária humana (Adaptado de Bobak, 1999:430).

Fig 1 – Alvéolo em corte (adaptado de Thompson e Gordan, 1991:2).

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pequenos alvéolos (3 a 100), os quais são revestidos internamente por células alveolares (secretoras), e externamente por uma camada de células mioepiteliais sensíveis à oxitocina.

Cada lóbulo possui uma rede de canais (canalículos), que provêm dos alvéolos e que se reúnem num único, designado por ducto mamário, que se abre no canal galactófero do respectivo lobo. O canal galactófero na região proximal ao mamilo aumenta o lúmen e forma um pequeno reservatório que se designa por seio galactófero.

Cada mama tem na sua porção apical um mamilo com cerca de 6 a 13 mm de comprimento e diâmetro variável, constituído por tecido eréctil, Na sua extremidade existem pequenos orifícios isolados (orifícios mamilares), correspondendo cada um à parte terminal do canal galactófero. O mamilo tem grande sensibilidade, determinada por terminações nervosas sensoriais, e torna-se mais rígido e saliente na gravidez e no período menstrual.

Anatomicamente o mamilo pode ser classificado em: mamilo protuso (elástico, de fácil apreensão, saliente, formando um ângulo de 90º entre o mamilo e a aréola); mamilo plano ou raso (situa-se ao mesmo nível da aréola, pouco elástico, tem grande quantidade de aderências e tecido conjuntivo); mamilo invertido ou umbilicado (inversão total do tecido epitelial, podendo ocasionar o desaparecimento completo do mamilo, pouco elástico e de difícil apreensão); atélia (ausência de mamilos).

Ao redor do mamilo encontra-se uma área cutânea pigmentada com 2 a 4 cm de diâmetro denominada de aréola mamária. É uma zona que contém muitos nervos sensitivos importantes no reflexo de produção de leite, e glândulas sebáceas que durante a gravidez se hipertrofiam até ao diâmetro de 2,5 mm, tornando-se proeminentes (tubérculos de Montgomery), produzindo uma secreção lipóide, cuja função consiste em lubrificar os mamilos. Durante a gestação a aréola tem a sensibilidade reduzida, aumentando após o parto, facilitando o envio de impulsos nervosos aferentes ao hipotálamo, que controlam o processo de lactação, sendo um importante factor para desencadear os reflexos que ajudam à “descida” do leite.

2 – MAMOGÉNESE

A mamogénese é o processo de desenvolvimento da mama que se inicia na puberdade e só termina no segundo trimestre de uma gestação. Está associado a múltiplas hormanas (estrogénios, progesterona, prolactina, hormona lactogénica placentar, hormona de crescimento, hormonas tiroideias, insulina e cortisol), sendo considerado que estas promovem o crescimento do estroma e sistema de canais, bem como a deposição de gordura para dar consistência às mamas.

Os Estrogénios são considerados os principais responsáveis deste desenvolvimento, sendo por si só responsável pela maioria das diferenciações morfológicas. A nível do epitélio dos canais galactóferos, os estrogénios conjuntamente com a hormona de crescimento vão promover a diferenciação destes, provocando sobre o crescimento ( e aumento da actividade mitótica na

Fig 3 – Tipos de mamilos

(Adaptado de Thompson e Gordan, 1991:48).

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extermidade dos canais). A progesterona vai desencadear a diferenciação das porções distais dos canais galactóferos em estruturas alveolares.

As variações cíclicas hormonais ao longo dos ciclos menstruais actuam de forma progressiva e sequencial, sendo que a elevação dos estrogénios na fase folicular conduz a proliferação das estruturas tubulares, atingindo o seu máximo na altura da ovulação e depois o efeito combinado com a progesterona irá determinar a diferenciação das estruturas alveolares.

3 – MASTOGÉNESE

A mastogénese corresponde ao desenvolvimento da mama durante a gravidez. Durante a gravidez ocorre um maior crescimento, mas só a partir do segundo semestre da gravidez podemos considerar o tecido glandular completamente desenvolvido para a produção de leite. Os elevados níveis de estrogénios, progesterona, lactogénio placentar e prolactina, tornam a mama apta a produzir leite. Os elevados níveis de estrogénios secretados pela palcenta vão estimular o desenvolvimento do sistema canicular da mama, bem como o aumento da quantidade do estroma pela deposição de grandes quantidades de gordura. Por outro lado a acção suplementar da progesterona vai estimular a diferenciação das estruturas alveolares através do crescimento dos lóbulos pelo aparecimento dos alvéolos (até aqui estavam esboços os espaços virtuais), e o desenvolvimento das características secretoras destas células.

O desenvolvimento da glândula mamária atinge o seu auge por volta do 5º mês de gestação, no entanto a lactogénese só se inicia no momento do parto, estando o inicio da actividade secretora relacionada provavelmente com a acção do lactogenio placentar e prolactina, tendo os estrogénios e a progesterona um papel modelar.

4 – LACTOGÉNESE

A lactogénese é o processo de inicio de produção de leite em quantidade suficiente para alimentar uma criança, o qual ocorre logo após o parto, com a dequitadura e a consequente descida brusca dos níveis séricos de estrogénios e de progesterona que até aqui bloqueavam os receptores de cortisol e da prolactina nas células epiteliais. Por outro lado há uma redução do factor inibidor da prolactina, a nível do hipotálamo médio.

Os factores secretados no hipotálamo, quer de libertação como de inibição, vão controlar a secreção hormonal da adeno-hipófise. Estes factores têm a sua origem em neurónios que enviam as suas fibras para a eminência mediana, sendo secretados nos líquidos teciduais por estimulação eléctrica desta região. Depois são transportados através de uma pequena artéria conectada inferiormente ao pedúnculo hipofisário, seguindo através do plexo capilar primário que coalesce, formando os vasos hipotalâmicos-hipofisários. Estes desaguam na adeno-hipófise, a qual é extensamente vascularizada com extensos seios capilares.

A partir da dequitadura e consequente diminuição do factor inibidor da prolactina, inicia-se a nível da adeno-hipófise a produção de grandes quantidades de prolactina (também conhecida por “hormona secretora do leite”), que vai actuar a nível das células secretoras do alvéolos da glândula mamária e dentro de dois a três dias as mamas começam a secretar grandes

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quantidades de leite. A produção de prolactina é mantido através da estimulação sensorial do mamilo e aréola.

Apesar do leite ser secretado continuamente no interior dos alvéolos, este não escoa facilmente para o sistema de canais, e portanto, não flui continuamente dos mamilos. Neste sentido a oxitocina é uma hormona extremamente importante pois actua nas células mioepiteliais alveolares, sendo desta forma responsável pela explusão do leite dos alvéolos para os canais galactóferos.

4 – GALACTOPOIESE

A galactopoiese corresponde ao período de manutenção da lactação. Os elevados níveis de prolactina existentes no final da gestação não são mantidos durante muito tempo, pois decrescem rapidamente (à 6ª semana mantém-se em níveis não gravídicos tanto nas mulheres que amamentam como nas que não amamentam).

De acordo com o exposto são necessárias concentrações elevados para desencadear o processo de lactação, mas pequenas concentrações para a sua manutenção. Para que se mantenham níveis que permitam a lactação é preciso estimular o mamilo e aréola (possuem propriedades sensitivas), como forma de desencadear o reflexo neuro-endócrino para a manutenção da lactação.

Quando o bebé faz a sucção (estimulação sensorial dos mamilos e aréola), são transmitidos impulsos nervosos através dos nervos torácicos, feixo espinho-talâmico da medula-espinal, mesencefalo e hipotálamo. A estimulação do hipotálamo provoca a diminuição de dopamina , o que permite reduzisr os factores inibidores para facilitar a produção de prolactina.

A mesma estimulação também contribui para a produção de oxitocina e também os estímulos provocados pela visão e audição do bebé, estimulam a secreção através das células nervosas do núcleo paraventricular do hipotálamo. Neste caso, um factor é conduzido através dos axónios não mielinizados, ao lobo posterior da hipófise (neuro-hipófise), levando assim à secreção de oxitocina (também conhecida por “hormona da descida do leite”), e em menor grau de vasopressina. Estas actuam sobre os alvéolos, produzindo a contracção das células mioepiteliais que envolvem as paredes externas dos alvéolos, expulsando

Fig 5 – Reflexo da descida do leite

(Adaptado de Thompson e Gordan, 1991:5).

Fig 4 – Reflexo da produção de leite (Adaptado de Thompson e Gordan, 1991:3)

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deste modo o leite para os canais. Assim, 30 segundos após o bebé começar a sucção, o leite começa a escoar (este processo é chamado ejecção do leite). A sucção de uma mama causa o fluxo de leite não só na mama que sofreu a sucção, mas também na do lado oposto.

Há ainda outros factores a considerar para além dos factores hormonais:

• Amamentação regular – é importante o efeito de sucção regular do bebé para a produção do leite, pois desencadeia a libertação regular de oxitocina e prolactina. Deste modo, quanto mais sugar maior a quantidade de leite produzido, e caso o bebé pare de sugar ou não inicie precocemente o aleitamento.

• Ambiente/Sress – os factores de stress e a ansiedade influenciam a produção de oxitocina e prolactina podendo levar à diminuição ou cessação da produção de leite

• Alimentação – a dieta desempenha um papel importante na medida em que as necessidades nutricionais durante a amamentação são superiores às do 3º trimestre de gravidez e uma alimentação inadequada vai afectar o volume de leite produzido (não a qualidade).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conhecimento da anatomofisiologia da amamentação é fundamental para poder orientar e acompanhar as mães no seu percurso de aleitamento dos seus filhos. Embora haja determinantes biológicas, o facto é que as suas manifestações são diferentes de mulher para mulher e neste sentido o seu profundo conhecimento é uma mais valia para dar respostas às mais diversas situações com que nos deparamos no dia-a-dia.

Acima de tudo é importante que incentivemos a mulher ao seu auto-conhecimento e lhe permitamos a máxima autonomia com a máxima realização.