anatomia patológica do sistema linfóide bronco-pulmonar · a patologia do balt, foi estudada por...
TRANSCRIPT
REVIST A PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA
n. Anatomia patologica do sistema Unfoide bronco-pulmonar
UNA CARVALHO•
A semelhanr;a do que acontece no tubo digestivo, on de exist em as placas de Peyer ( 1677), tam bern no aparelho respirat6rio (vias aereas e cixos bronquioarteriajs e bronquiolo-artcriolares do pulmao) podemos cncontrnr tecido linf6ide, defintdo por Klein em 1875.
Este tecido linf6ide do aparelho respirat6rio foi dcsignado por BAL T (bronchus associated ~vmphoid tls.we) em 1984. por John Bienenstock, que desde 1973 se dedica a sua caracterizar;ao, nao s6 na mucosa bronquica humana, mas Larnbem na de coelhos porcos da india, ratos, ratinhos, dies, porcos e na d~ galinhas. concluindo que ha semelhanr;as, ou mcsmo ~obreposic;:ao. das suas caracteristicas. que tambem siio equivalcntes as apresentadas pelas placas de Peyer digestivas (1). Em Portugal , A.J. Robalo Cordeiro ( 1959), aquando de estudos experimentais efectuados em cobaias e ciies, para caracterizar a atelectasia pulmonar, podc constatar histologicamentc, a cxistencia frequente de tecido linf6ide bronquico c pulmonar (parenquimatoso) nestcs animais (2).
0 tecido linf6ide bronquico e parenquimatoso e definido pela presenc;:a de celulas do sistema hemolinfopoietico na lamina propria do cpitelio respirat6rio e no intersticio conjuntivo dos eixos bronquio-arteriais c bronquiolo-arteriolares no centro dos 16bulos pulmonares. Estas celulas linfociU\rias sao na sua grande maioria linf6citos B rnem6ria que ja forarn estimulados em centros genninativos de foliculos linf6ides (de ganglios linfaticos ou do proprio aparelho respirat6rio) e que possuem irnunoglobulinas de superficie (lgA ou lgM). Ha tambem linf6citos T
' plasmocitos e macrofagos. Entre as celulas do epitelio respirat6rio existem celulas especializadas em estabeJecer contacto com antigcnios e que posteriorrnente
"Fnculdade de Mcdtctn.t de Cotmbm
lnstlluto de Anutomia Patologtca
262 Vol IN" 3
activam o BAL T para que haja defesa humoral e celular locais; estas celulas sao designadas por celulas M (3).
Estas caracteristicas poderao indicar que se niio houver estimulac;:ao antigenica tambem nao havera descnvolvimento do BAL T. Peter Isaacson efectuou
. estudos em fetos e recem-nascidos, tendo observado a sua presenc;:a em fetos de 16 semanas de gestar;ao, associado a pneumonia intra-uterina e corioamniotite: por sua vez. encontrou linfoepih~lio bern desenvolvido apenas a partir das 20 semanas de gestac;:ao, tambem associado a infecr;ao materna (4).
0 linfoepitclio e definido histologicamentc pcla presenr;a de linf6citos B entre as celulas cilindricas cihadas e mucocelulares do epitelio respirat6rio, quando tambem ja hci BALT desenvolvido. Fetos scm infecr;oes matemas e/ou adquiridas tern pouco cecido linf6ide na mucosa respirat6ria (10%) enquanto que reccm-nascidos podem frcquentemente apresentar ja linfoepitelio, o que indica que houve estimula9ao antigenica (3.4).
No adulto, o desenvolvimento do BAL T reflecte o grau de estimular;ao antigenica (geralrnente microbiana) e esta expandido de forma significativa por inflarna9oes e imunoestimular;ao, sendo as seguimes as causas mais frequentes: infecr;oes por virus. micoplasma, bacilos acido alcool-resistentes, bronquiectasias. pneumonites de bipersensibilidade, doenc;:as do colagenio (artrite reumat6ide, LES), sindrome de Sjogren, SIDA e outras imunodcficic~ncias {5).
A patologia do BALT, foi estudada por Sidney L. Saltzstein em 1963 (6) ainda sem o conhecimento daquele conceito. Este au tor definiu o tumor Jinfocitico primario do pulmao que podia entao ser uma das duas situar;oes seguintes: urn linfoma maligno do upo linfocitico ou urn pseudolinfoma inflamatorio localizado ao pulmao e que depois podcria comprometcr ram bern os ganglios linfaticos regionais; em nenhuma dcstas situa96es haveria manifestar;ao sisternica nos 3 mcses seguintes ao diagn6stico. 0 pseudolinfoma seria entao urn processo inflamat6rio cr6nico ondc o linf6cito predorninava em rela9ao a outras celulas, com ctiologia e patogenese obscura e onde ja sc
Ma1o/Junho 1995
observava a lesao linfoepitelial benigna (linfoepitelio definido posteriormente) que tambem era criteria morfol6gico para o diagn6stico da doenya de Mikulicz das glandulas salivares, 6rbita e ulceras gastricas com gastrite cr6nica (situa~ao onde ha forma~ao de foliculos linf6ides com centros genninativos activos).
Entao, a existencia de loliculos linf6ides indicava que sc tratava de uma lcsao benigna e a sua ausencia apontava para lesao rna ligna, com progn6stico grave sc houvesse n6dulos isolados na pleura. No entanto, cstc aut or cscrevia que "o curso fatal e a dissemina~ao c tao baixa nos tumorcs pulmonares linfociticos que I! dificil interprcta-los como linfomas malignos, mas alguns devem se-lo porquc a metastiza~ao ocorre, condu7tndo a morte" (6).
Estes conceitos perduraram ate finais dos anos oltcn ta. Os lin fomas pulmonares eram classificados "cguindo a classifica~ao gcral de Kiel e predominavam os linfomas do tipo linfoplasmocitico. linfoplasmocit6ide ou imunocitoma, com melhor progn6suco sobre os linfomas do centro folicular (centrocitico-centroblastico e ccntroblastico). Entretanto os linfomas do pulmao foram suscitando estudos particulares,juntamente com os de outras localiza~oes cxtra-ganglionarcs e passaram a ser definidos como lin lomas primarios do pulmao (classifica~ao de Kicl); lin lomas malignos disseminados com envolvimento pulmonar e linfomas lintociticos (onde se incluia o pseudolinfoma e a pneumonia intersticial linfocitica - a definJ~ao de monoclonalidade conferia pior progn6 tico) {7.R).
E:.clarecia-sc cntao a ongcm do linfoma pulrnonar pnmnrio de baixo grau de malignidade a partir da hiperplasia do BAL T, a semelhan~a do que acontccia ern outros 6rgaos que tcm MALT (mucosae associatt>d (vmphoid tissue): tubo digestivo, tire6ide, globo ocular, colo do utero ... . Estes linfomas sao constituidos por celulas linfocitarias, frequeotemente semelhantes ao ceotr6ctto que se localiza normalmente no manto dos foliculos linf6idcs. podendo estes tambem cxtsllr com centros germinativos em actividade, bem como plasm6citos e outras cclulas Linfocitarias, em pequeno nurnero. As celulas neoplasicas apresentam
M:uo/Junho 1995
IMUNOLOGIA NA PRA TICA PNEUMOL6GICA
( ou nao) restric;ao de cadeias I eves (k e l) e imunoglobulinas de superficie de forma monoclonal (IgA ou lgM ou IgG) (9).
0 conceito de pneumonia intersticial Linf6ide perdura se forem observadas celulas gigantes multinucleadas e/ou granulomas (geralmente com etiologia infecciosa - virus e micoplasma ou nas alveolites alergicas extrinsecas com componente linf6ide intersticial exagcrado). Tambem a granu lomatose linfornat6ide foi definida como urn linfoma primario pulmonar de linf6citos T, raro e de progn6stico grave, que pode ser precedido pela angeite linfocitica e granulomatosa, isoladamente identificada como hiperplasia do BALT.
Recenternente, ern doentes japoneses portadores do HTL V-I, foram observados quadros histo16gicos sernelhantes a pneumonia linfocitica intersticial descrita por Liebow e Carrington em 1966, com predominio de linf6citos B-CD8 e tambern, na Europa, em doentes corn sind rome de Sjogren, ou mjastenia gravis, hepatite cr6nica acriva e SIDA, cujo significado evolutivo ainda nao est a definido {9.1 0.11.15).
Na decada em que vivemos foi passive! caracterizar melhor a apresenta~ao clinica das sihta~oes
descritas. Os linfomas com origem no BALT-BALTomas, sao geralmente achados radiograt'icos na 6.0
decada de vida e com predominio no sexo masculino, constituJndo urn n6dulo solitario em 75% dos casos, podendo no entanto apresentar n6dulos multiplos, mas cujo tratamento cirurgico e geralmente curativo. Menos frequentemente pode ser referida fadiga, perda de peso, suores noctumos, dispneia e tosse pleuritica ( 12).
Enquanto o quadro anterior define os linfomas de baixo grau (BALTomas), os linfomas de alto grau pod ern resultar da transforma~ao de urn BAL To rna ou ser cntao um linfoma T (classica granulomatose linfomat6ide) e bistologicamente sao definidos pelas caracteristicas seguintes: infiltrayao pulrnonar intersticial e alveolar, permeay.ao vascular neoplasica, necrose e n6dulos pleurais; a primeira situac;ao tern rnelhor progn6stico (13,14).
As celulas auto-imunes do pu lmao podem ser
263
REV1STA PORTUGUESA DE PNEUMOLOGIA
estudadas no lavado bronco-alveolar, provenientes do tecido linf6ide organizado (BAL T) localizado ao epitelio ou na parede alveolar, ondc tern origem os linfomas, gcralmente constituidos por popula<(oes de linf6citos mtermediarios. monocit61des ou do tipo ccmr6cuo (que ao ltnf6citos memoria ou pre-pia -m6citos da 7ona parafolicular ou margmal sem lgD de superficie) pem11tindo actualmeme a sua mclusao na classifica<(ao gcral dos linfomas (ganglionares e extraganglionarcs) (16.17).
BIBUOCRAI-1 \
BIENFN<; roCK J. JOHNSON N. PERE' Y 0 : Bronch1al lympho1d tl'sue- I Morpholog1cul charactenstics. Laboratory Ill\ e~ugauon 1973: 28(6): 686-692.
:.! ROBAI 0 COR DE:. I RO A .J .. Atelcct:l$1a Puhnonar. 01%erta.,:ao de doutoramento - Co1mbra 1951} BIE~ENSTOC K J.BE:.FUS D: Gut-and bronchus-assocmted lymphoid tissue The Amencan Journal of Anatomy 19R4: 170: 4 H-44 'i
4 GOl I () <;, ISA ·\CiiON P Bronchu~·a\SOC i ated lympho1d tl~'uc !R \ll) 111 human fetal and 111funt lung. Journal of Patholug} I 9<H, 169· 229-234
" HEL T P DcH~Iupmcnt of bronchu, ~SOCia ted I~ mpho1d tl"th: ( BAL f) 111 human lung di'>Ca'>c - a normal ho,t dcfenc.: m.:chamsm awaumg therapeutic exploitation'! Titnra~ 1991, 4X 1097-1098.
h t\L l I ' II· I S Pulmonary mahgnant lymphomcs und pseudol)'mphomc\. cla~sificatlon. therapy and prognos1s. Cancer 190.'. 16 928-955
~ L'IIOSTI R. IIIIPf>A D. LIEBI· R\tA II. BRETSKY S Pnmar' pulnmnaf)' I} mphoma' - a chmcopatholog1cal anal)"' ol 16 cases Cancer 1984. 'i4 1397-1406.
X KE;NNL:.D'I J. NAliiWANY B. UURKF J. HILl L. RAP· PAPOR I II Pulmonar} lymphnmcs and other pulmonary lympho1d lc~lons . Cancer 191!5: 56 539-552.
9 ADDI$ B. IIYJFK E:.. ISAAC 0 P Pnmary pulmonary lymphom;~- a re-appra1 al of''' lmtogcnes1s and its relationship to p'cudo-1> mphoma and I} mpho1d mter.uual pncumon101 lll, topathology 19RX. I \ 1- 17
Ill SfTOCiLC'III 'I . rAKA IIASHI . NUKIWA ·1. KIRA S DetCCtiU11 or human T-ccll lymphotropiC VIruS type 1-relatcd anubothes 111 patients w1th lymphotrop1c mterstitial pneumomJ Am. Re' Re~p1r. Dis 1991. 144. 1361-1365
II DICICCO B. l )111phOCitiC mter.llc1al pncumon111:. folio" mg legionna1re\ pncumoma. Chest 1994. I 05.325
I 2 LIA \1. Y. Y A 'IG 1'. Su I. KUO S. WANG C· Muco,aassociated lympho1d tissue lymphoma of the lung with cold-
Vol IN" 3
reacting auto-antibody-mediated hemolytic anemia. Chest 1994: 105: 288-290.
13. HANSMANN G. ZWINGERS T, LENNERT K.: Primary lymphomes of the lung-morphologicalnnmunohistochemtcal and clinical features. Histopathology 1990: 16: 5 I 9-531 .
14 BATEMAN A. WRIGHT D: Epitheliotropison in high-grade lymphomas of mucosa-associated lymphOid tissue. Histopathology 1993. 23 409-415.
IS FRAI\CHI L.CI IINT.NUSSBAUM E. Famtlialpulmonary nodular lympho1d hyperplasia. J. Pediatr 1992: 121: 89-92.
16 AGOSTINI C. CHI LOSI M, ZAMBELLO R, TRENTIN L. SEMENZA TOG: Pulmonary immune cells in health and disease-lymphocytes. Eur. Respir. J. 1993: 6: 1378-140 I.
17 FOULET A. PETRELLA T. VIARD H. JEANNIN L, ORO OT F Lestons lympho-eptthehales mduttes par des plasmocytes dans un lymphome MALT du poumon. Ann Pathol 1994: 14. 36-40.
III. HLA na resposta imunitaria e na doen~a
III:.NRJQUETA BRI:DA
I . 0 SISTEMA H LA
0 sistema HLA (Human Leucocyte Antigenes) c urn sistema genetico extremamentc complexo c polim6rfico que codifica moleculas da membrana cclular com papel fulcra! no desenvolvimento e regula~ao da resposta imunitaria.
Representa o "Sistema Major de Histocornpatibilidade" humano ja que estas molcculas, dotadas de forte aloantigenicidade, sao as principais responsavcis pelos fen6menos de rejei~ao de enxerto.
1.1 Estrutura bioquimica e espacial
As moleculas HLA sao membros da superfamilia das imunoglobulinas, constituida por glicoproteinas transmembranares envolvidas em fen6menos de rcconhecimento ou adesao celular, embora nem todas
Ma10/Junho 1995