anarquismo e educação

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    112 Conjectura: Filos. Educ., Caxias do Sul, v. 20, n. 2, p. 112-128, maio/ago. 2015

    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

    *Doutor em Educao. Ps-Doutor pelo CES da Universidade de Coimbra, Portugal. ProfessorAssociado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: [email protected]

    Resumo: O objetivo deste trabalho destacar as contribuies doanarquismo cristopara a educao e, de modo especial, para a superao doproblema do prometesmo social no campo pedaggico. Explora opensamento do filsofo da tecnologia, socilogo e telogo Jacques Ellul,um dos expoentes do anarquismo cristo, com base em trs elementos: ano violncia como mtodo de luta social, a concepo de natureza humanae,por fim, aquesto da utopia. A anlise desses elementos permite caracterizaro anarquismo cristocomo alternativa instigante para o enfoque das questeseducacionais e, especialmente, para a superao do problema do prometesmosocial.

    Palavras-chave:Anarquismo cristo. Jacques Ellul. Educao.

    Abstract: This paper aims to highlight the contributions of christiananarchismfor education and, in particular, to overcome the problem ofsocial prometheanism within the educational field. Proposes to explore the

    thinking of the philosopher of technology, sociologist and theologianJacques Ellul, one of the exponents of christian anarchism, based on threeelements: non-violence as a method of social struggle, the conception ofhuman nature and, finally, the question of utopia. The analysis of theseelements allows to characterize the christian anarchism as alternative to theapproach of educational issues and, in particular, to overcome the problemof social social prometheanism.

    Keywords:Christian anarchism. Jacques Ellul. Education.

    Gildemarks Costa e Silva*

    6As contribuies do anarquismo cristo para a

    educao: para alm do prometesmo social

    The contributions of christian anarchism for education:beyond the social Prometheanism

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    No entanto, no quero dizer com isso que sou o primeiro a seguir essecaminho por ter descoberto algo novo. No tenho a pretenso de

    proclamar coisas ocultas desde a criao do mundo. (ELLUL,Anarchyand christianity).

    Professor Ellul eu preferia muito mais dizer Mestre Ellul [].Eu tenho me esforado por segui-lo em um esprito filial, fazendotodos os passos em falso que isso implica. Espero que aceite minhacolheita e possa reconhecer algumas flores entre o que pode pareceruma mistura de ervas daninhas. (ILLICH, Hommage Jacques Ellul).

    Introduo

    De modo geral, os textos de filosofia da educao e de histria dasideias pedaggicas fazem pouca referncia presena do anarquismo naeducao (SUISSA, 2001), mesmo que a questo educativa sempre tenhasido central nos projetos sociais e polticos dos anarquistas. (GALLO,2012). Embora no seja algo novo e, ao mesmo tempo, tenha se

    mostrado extremamente instigante e frutfero para propor experinciaspedaggicas, o anarquismo, em suas diferentes formas e vertentes, muito pouco explorado dentro da teoria da educao. (SUISSA, 2006).At mesmo entre autores considerados crticos, progressistas eradicais dentro da teoria educacional, o anarquismo poucomencionado, quando no objeto de distores em relao aos seusprincipais conceitos. Alis, no temerrio enfatizar, em conformidadecom Suissa (2006), que os textos acadmicos e o senso comum,geralmente, abordam o anarquismo de forma simplificada e distorcida.

    Em funo desse contexto, ressaltamos a importncia de analisaralgumas dessas incompreenses, de forma a permitir ao anarquismo umolhar mais detido e cuidadoso dentro do campo educacional. Nessesentido, neste texto, objetivamos examinar as contribuies de umadeterminada vertente do anarquismo, qual seja, a do anarquismo cristopara a educao. No desconhecemos o debate sobre a possibilidade deanarquismo cristo ser considerado (ou no) uma das vertentes doanarquismo. Alm disso, temos cincia da dificuldade de definir o que

    anarquismo. (SUISSA, 2006, 2001). Assim, quando nos referimos aoanarquismo cristo neste texto, estamos nos remetendo,fundamentalmente, posio defendida por Ellul, mesmo ciente dos

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    problemas que isso acarreta. Como nos adverte Ellul (2010), em umdilogo com pessoas diferentes, se queremos ser honestos, precisamos

    permanecer firmes em nossas posies, sem mscaras e dissimulaes,sem abandonar o que pensamos. (ELLUL, 2010, p. 10).

    Ao fazermos tal escolha, no queremos desconhecer que h diferentesperspectivas, autores e correntes em vrios momentos da histria que,do ponto de vista terico, tm abordado temas relacionados autoridade, liberdade e comunidade em uma perspectiva que pode ser denominadaanarquista. Porm, neste texto, de modo especial, focaremos a discussona proposta delineada pelo filsofo da tecnologia, socilogo e telogo

    Ellul, com base em trs elementos: a) o princpio da no violncia comomtodo de luta social; b) a concepo de natureza humana; e c) a questoda utopia. A anlise desses trs elementos nos permite a caracterizaodo anarquismo cristo visto como interessante alternativa para o enfoquedas questes educacionais. Da que, neste texto, mais do que uma anliseexaustiva do tema, propomos um apelo a se levar em considerao essaperspectiva nas anlises e abordagens de problemas educacionais.

    Alm disso, o anarquismo cristo nos parece uma alternativa deinterpelao do problema do prometesmo social dentro do campopedaggico. Como assinala Kahn (2012), necessitamos encontraralternativas s formas tecnocrticas de reproduo social, bem como sverses de teorias pedaggicas crticas que se opem tecnocraciaeducacional com base no argumento de justia social e liberdade. ParaKahn (2012), em educao, vivenciamos um dilema: de um lado, temoso fortalecimento e o desenvolvimento cada vez maior de diversas formasde tecnicismo pedaggico e, de outro, vemos a adoo de ideiasprometeicas como propostas alternativas ao mencionado tecnicismo, ou

    seja, tendemos a assumir, em educao, certa ideia normativa que aliaprogresso e mudana social.

    No seu breve texto Educao sem escola?, Illich (1974) destaca anecessidade de criarmos novas relaes que sejam fontes de educaopara o ser humano. Isso, contudo, s ser possvel a partir do momentoem que alterarmos, entre outras questes fundamentais, nossacompreenso de desenvolvimento e o nosso estilo de vida. Alis, para oautor, especialmente nossas escolas, esto atreladas a uma compreenso

    que modela o consumidor, que levado a acreditar que o aumento daproduo capaz de conduzir a uma vida melhor. Deste modo se instalao hbito do consumo dos bens e dos servios, que nega a expresso

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    individual, que aliena. (ILLICH, 1974, p. 8-9). Assim, a escola inspirao desenvolvimento da produo e os mtodos utilizados para chegar ao

    controle social. (ILLICH, 1974, p. 9).Antes de delinearmos a estrutura deste artigo, consideramos

    importante destacar, mesmo que de forma breve, nossa relao com oanarquismo cristo, pois isso poder ajudar o leitor na compreenso dealguns dos caminhos aqui esboados, especialmente o fato de nosrestringirmos ao pensamento de Ellul. De fato, no somos especialistasem filosofia poltica, nem em teologia, e nossa formao se d,basicamente, dentro do campo pedaggico. E, nesse sentido, nosso acesso

    ao anarquismo cristo ocorre a partir de leituras filiais do filsofo datecnologia, socilogo e educador que viveu parte de sua existncia naAmrica Latina, especialmente no Mxico Illich, considerado pormuitos um anarquista. (MITCHAM, 2003; KAHN, 2009).

    usual encontrarmos textos em que se busca a aproximao dasideias de Illich com o anarquismo. (MITCHAM, 2003; KAHN, 2009). Illich um dos maiores analistas sociais do sculo XX um dos principaiscrticos da institucionalizao das prticas pedaggicas, crtico dasgrandes certezas da humanidade (MITCHAM, 2003) e, especialmente,da coordenao que o Estado faz da organizao tcnica da sociedade, oque se relaciona diretamente anlise dos anarquistas sobre a sociedade.(ILLICH, 1974, MITCHAM, 2003, KAHN, 2009, TORRES, 2005). De modogeral, estamos no incio de um trabalho de pesquisa que foca a crtica daescola entendida como tecnologia em Illich, as fontes do seu pensamento,bem como alguns elementos que configuram um anarquismo illichiano.E, nesse esforo de aproximao ao pensamento de Illich, somosconfrontados com o texto Hommage Jacques Ellul. Trata-se de uma

    comunicao de Illich na Universidade de Bordeaux, em 13 de novembrode 1993, a qual foi publicada, pela primeira vez, em 1994, na revistaLAgora.

    Nessa palestra, ao se referir a Ellul como o seu Mestre, Illichenfatiza que tem se esforado por segui-lo quase em uma condiofilial (ILLICH, 2001), apontando, assim, para indcios da importnciade alguns dos conceitos de Ellul para a configurao do pensamentoillichiano. Sobre isso, Illich continua (2001, p. 2): Posso assim expressar

    minha gratido a um Mestre a quem devo muito, e que tem influenciadode forma decisiva minha peregrinao durante quarenta anos. Nessesentido, minha dvida inquestionvel. Em outras palavras, no esforo

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    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

    de compreender o sentido de alguns conceitos do pensamento de Illiche da busca de configurao de elementos anarquistas no seu pensamentoe as bases de suas ideias, somos levados ao pensamento de Ellul e daquiloque ele prprio denomina de anarquismo cristo. Em Ellul, alm deencontrarmos uma teorizao sobre o anarquismo cristo, o autor reconhecido por suas contribuies para a construo dessa teoria eescola de pensamento. (CHRISTOYANNOPOULOS, 2013).

    Por fim, no que concerne estrutura deste artigo, destacamos queele composto basicamente de trs partes: 1) inicialmente, procedemos breve caracterizao do que o anarquismo cristo; 2) logo em seguida,

    abordamos os trs elementos destacados como operadores neste texto,quais sejam: a) a no violncia como mtodo de luta social; b) aconcepo de natureza humana; e c) a questo da utopia no anarquismocristo; 3) nas consideraes finais, ressaltamos a importncia doanarquismo cristo para a interpelao das formas hegemnicas de sepensar e fazer educao, com destaque s possibilidades de pensarmos asuperao do problema do prometesmo social dentro do campopedaggico.

    O anarquismo cristo

    Ao abordarmos anarquismo e cristianismo, compreendemos que seimpe, de antemo, como foco de reflexo, a aparente contradio entreser cristo e anarquista. Alis, como identifica Christoyannopoulos(2013), muito raramente, cristianismo e anarquismo so pensadosjuntos, visto que, demarca o autor, cristianismo normalmente se relacionacom estruturas hierrquicas, enquanto o anarquismo, alm da negao

    da hierarquia, secular e anticlerical. (CHRISTOYANNOPOULOS

    , 2013).De fato, quando observamos a relao entre a f crist e o anarquismo,de imediato nos vm mente a ideia de que os anarquistas so hostis aqualquer forma de religio e, por outro lado, que os cristos propagama obedincia ao poder poltico e, portanto, tem pavor do anarquismoque eles veem como associado desordem e desobedincia s autoridadesestabelecidas. (ELLUL, 1980). Assim, temos a emergncia da seguintequesto: Como ser, ao mesmo tempo, anarquista e cristo?

    No que concerne a isso, identificamos uma tradio neste texto,

    consideramos o anarquismo cristo uma teoria e uma escola depensamento (CHRISTOYANNOPOULOS, 2013) da teologia poltica

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    denominada de anarquismo cristo, a qual no busca compatibilizardois sistemas de pensamento completamente diferentes, mas, antes,

    mostrar que os pressupostos do anarquismo so inerentes ao cristianismo.(CHRISTOYANNOPOULOS, 2013). O anarquismo cristo no advoga quecristianismo e anarquismo sejam semelhantes; ao contrrio, ambospossuem tradies, referncias e heranas diferentes, mas antes, paraEllul (2010), implica perceber que ambos possuem algo em comum. esse comum que busca a tradio do anarquismo cristo. Essa perspectivaconta com alguns pensadores expoentes, tais como: Tolstoy, Ellul, VernardEller, Dorothy Day, David Andrews, os quais procuram estabelecer um

    processo hermenutico de compreenso dos ensinamentos de Jesus comouma crtica ao Estado e, ao mesmo tempo, procuram vislumbrar umasociedade sem Estado. (SUISSA, 2006). Em sntese, nesse contexto quese insere Ellul que considerado, por muitos, um dos expoentes doanarquismo cristo. Em artigo publicado na revista Katallagete, no anode 1980, Ellul esboa uma possibilidade de aproximao entre ocristianismo e o anarquismo, expresso naquilo que se denominaanarquismo cristo.

    Antes de desenvolvermos alguns dos posicionamentos do anarquismocristo, considerando certo desconhecimento de Ellul no campopedaggico, abordaremos a seguinte questo: Qual o lugar de fala deEllul?

    Ellul sempre teve horror ao Estado que ele vislumbrava em alusos palavras de Nietzsche como o mais frio de todos os monstros.(ELLUL, 2010). Do ponto de vista intelectual, ele foi estudioso dostericos de esquerda e recebeu significativa influncia do pensamentode Marx. Ele foi, assim, um profundo leitor das obras de Marx e, durante

    muitos anos, inclusive, ministrou o curso Marx e o marxismo. (TROUDE-CHASTENET, 2010). Em relao ao marxistas, contudo, ele manteve umarelao de relativo distanciamento por certo tempo, com um consequenterompimento. (TROUDE-CHASTENET, 2010; ELLUL, 2010).

    De fato, inicialmente, ele era visto, por um lado, como um pequenoburgus por no aceitar de forma acrtica tudo que vinha de Moscou,e, por outro, ele procurou se afastar dos marxistas por demonstraremprofunda ignorncia em relao ao pensamento de Marx. (TROUDE-

    CHASTENET

    , 2010; ELLUL

    , 2010). Porm, no momento em que oscompanheiros de Lnin passaram a ser considerados traidores eantirrevolucionrios, ele rompe completamente com os marxistas, pois

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    no conseguia entender como esses companheiros se tornaram toinimigos de um momento para outro. Alm disso, para ele a Ditadurado Proletariado tornou-se Ditadura sobre o Proletariado. (TROUDE-CHASTENET, 2010; ELLUL, 2010, p. 51). Finalmente, o que me levoua odiar os comunistas foi seu comportamento durante a guerra deEspanha e os horrendos assassinatos de anarquistas em Barcelona.(ELLUL, 2010, p. 6).

    Alm disso, consideramos conveniente mencionar que Ellul francs,nasceu em 1912 e faleceu em 1994. especialmente conhecido emfuno de sua anlise do fenmeno tecnolgico (A tcnica e o desafio do

    sculo), em que faz uma anlise crtica da nfase que a sociedade capitalistaatribui tcnica. Insere-se na linha de crtica das grandes certezas dahumanidade, e considerado um dos expoentes do anarquismo cristo.(ELLER, 1987). De acordo com seu prprio testemunho, ele cristopor converso e no por influncia familiar; alm disso, odiava osmovimentos fascistas e se engajou em manifestaes contra grupos deextrema direita, tendo se envolvido em vrias manifestaes contra apolcia. (ELLUL, 1991, 2010).

    Ele sempre se sentiu muito prximo dos anarquistas, especialmentedos anarquistas espanhis. Porm, todas as vezes que buscou aproximao,foi rechaado por ser cristo. (ELLUL,1991; 2010). Por isso, ingressouem uma jornada intelectual e espiritual e, quanto mais se aprofundava,identificava na Bblia uma orientao ao anarquismo e no anarquismo avia poltica que existia na Bblia. (ELLUL, 1980, 2010).

    Troude-Chastenet (2010) lembra que, de fato, a relao entreanarquismo e cristianismo em Ellul no envolve questes puramenteabstratas, lgicas ou especulativas. O foco de Ellul encontrar sentido

    para sua prpria vida, para sua trajetria existencial e, de alguma forma,ajudar aqueles que, como ele, encontraram dificuldades em se assumircomo cristos e anarquistas ao mesmo tempo. (TROUDE-CHASTENET,2010).

    Nesse sentido, Ellul no tem a inteno de tornar os anarquistascristos, nem os cristos anarquistas, nem se trata de buscar a sntese dedois sistemas de pensamento. (ELLUL, 2010). Antes, o seu objetivo mostrar que as premissas do anarquismo so inerentes ao cristianismo e,

    por isso mesmo, ambos combatem o mesmo combate, e na mesmaperspectiva. (ELLUL, 2010, 1980). Assim, para os anarquistas cristos

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    uma correta e adequada aplicao do cristianismo ir resultar noanarquismo. Em outras palavras, as implicaes polticas do cristianismo

    resultam no anarquismo. Procuramos demonstrar que, em vez defornecer um fundamento para o Estado e as autoridades, a leitura(da Bblia), quando mais bem-compreendida, aponta para a anarquia.Mas no sentido de an-arkh, no autoridade ou negao de domnio.(ELLUL, 2010, p. 51).

    Passamos, na sequncia, anlise dos trs elementos tericosdelineados para serem abordados neste texto, quais sejam, a no violnciacomo mtodo de luta social, a concepo de natureza humana e, por fim, a

    questo da utopia.

    O Princpio da No Violncia como mtodo de luta social

    O anarquismo cristo contra a violncia como mtodo na lutasocial, tanto do ponto de vista ttico, quanto do ponto de vista dosprincpios de ao. (ELLUL, 2010). Os ensinamentos dos cristos iniciais,cujos objetivos e fins so semelhantes aos dos anarquistas, seriam de noviolncia, de no resistncia violenta e de paz (ELLUL, 2010). Assim, a

    posio deles se afasta daqueles que defendem o uso de violncia, deresistncia com uso de fora, como mtodo para a humanidade confrontara injustia. (ELLUL, 2010).

    Os anarquistas cristos no vislumbram a possibilidade de resistirao mal com o mal, violncia com violncia, visto que esse mtodo saumenta a violncia e acarreta um ciclo de violncia. (ELLUL, 2010). Deacordo com o anarquismo cristo, se a justia da retaliao no percebidacomo justa, torna-se uma mera agresso sem sentido para o outro, que

    ir retaliar e, assim, inicia um ciclo de mais violncia. (ELLUL, 2010).Nos seus escritos sobre anarquia e cristianismo, no que concerne questo da violncia como mtodo de luta social, Ellul (2010) mapeiatrs situaes possveis de um agir por meio da violncia comoinstrumento de luta social: primeiro, a doutrina de assassinatossistemticos; segundo, como ato de desespero; terceiro, como atosimblico. (ELLUL, 2010).

    Vamos abordar, em breves palavras, essas trs possveis situaes, de

    forma a caracteriz-las e, ao mesmo tempo, apresentar a crtica doanarquismo cristo a tais situaes.

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    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

    Em relao doutrina de assassinatos sistemticos, isso algoque, de acordo com Ellul, se verificou em alguns grupos niilistas russos.

    Algo que podemos observar, assinala o autor, em alguns grupos terroristasno momento. Trata-se do assassinato sistemtico (ELLUL, 2010) daquelesque esto no poder (ministros, chefes de polcia, generais, etc.). Aestratgia consiste no fato de que, supostamente, aps vrios assassinatos,as pessoas ficariam com tanto medo de ocupar tais funes que o Estadoficaria acfalo, tornando-se, nesse caso, fcil de ser abatido. (ELLUL, 1991,2010). Ellul aponta, contudo, que difcil calcular a capacidade deresistncia e de reao de poderosas instituies, como tambm

    extremamente difcil identificar a capacidade de resistncia do prpriomodelo de sociedade existente. (ELLUL, 1991, 2010).

    A violncia na luta social tambm pode ser vista como ato dedesespero. (ELLUL, 2010). Ou seja, ao se identificar que h um sistemaeconmico extremamente forte, um governo slido, uma sociedadeconsolidada e, em certo sentido, homognea, emerge um sentimentode impotncia e frustrao diante dessa situao. (ELLUL, 1991, 2010).O agir violento, nesse caso, assemelha-se a um grito de desespero, auma forma de expressar o dio contra essa situao. Para Ellul (2010),tal situao nada mais do que a confisso de que no possvelvislumbrar outros modos de ao.

    Finalmente, como ato simblico, a violncia, muito semelhante asituaes anteriores, por exemplo, jogar uma bomba na bolsa de valores,teria o efeito de tentar expressar sociedade que ela no to slidaquanto imagina. (ELLUL, 1991, 2010). Alm disso, seria uma formasimblica de dizer que h foras secretas se organizando, que esto seesforando para min-la. (ELLUL, 1991, 2010). Ellul acredita que isso

    afetaria muito pouco o capitalismo, alm do que necessrio reconhecerque se o governo autoritrio, se o Estado autoritrio, contra atosviolentos ele ter uma reao que ser tambm violenta. Contra taiscasos violentos, a sociedade e o Estado violentos agiro com mais violncia.(ELLUL, 1991, 2010).

    Se essas so as situaes possveis de uso de violncia na luta social,cabe-nos indagar sobre os motivos que levam o anarquismo cristo seposicionar de forma contrria a tais situaes. Sobre isso, a rejeio ao

    agir violento por parte do anarquismo cristo se d em dois nveis:

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    a) primeiro nvel o ttico: de acordo com Ellul (2010), osmovimento no violentos, quando bem-dirigidos, so mais eficazes

    que os violentos. Ele ilustra isso com a anlise da luta no violentade Martin Luther King em prol dos negros americanos emcomparao com a posio extremamente violenta dos PanterasNegras. De acordo com o autor de Anarquia e cristianismo, osPanteras Negras, considerando que tudo estava muito lento,resolveram fazer uso de vrios atos violentos, porm isso culminoucom uma reao extremamente violenta do Estado, e vrios dosdireitos que haviam sido conquistados por Luther King foram

    retirados. (ELLUL, 1991, 2010). Ellul (2010) menciona, ainda, queenquanto fracassaram vrios movimentos violentos naTchecoslovquia e na Hungria, foi possvel visualizar situaes, emoutros pases da Europa, vrios avanos a partir da aplicao doPrincpio da No Violncia;

    b) o segundo nvel de natureza crist: para Jacques Ellul,biblicamente somos instados ao amor e no relao violenta.

    Aps a apresentao do Princpio da No Violncia no anarquismocristo, talvez nos seja possvel afirmar que alguns posicionamentos doanarquismo cristo sobre a importncia da no violncia na luta pelatransformao social podem nos ajudar a superar certo ethosda educao,especialmente na Amrica Latina de modo especial, relacionado aoprometesmo social em que a figura do revolucionrio, o guerrilheiro, apresentada como o nico modelo possvel de luta por uma sociedademelhor. Vislumbrar a no violncia significa transferir o olhar para outraspossibilidades que no aquelas iluminadas pelo princpio revolucionrio,

    com a consequente visualizao de aes violentas como nica forma detransformao social.

    Concepo de natureza humana

    A questo sobre qual o elemento humano a ser considerado comofator fundamental no sistema social uma tarefa extremamente rdua,como muito bem-assinala Fromm no seu famoso livro A revoluo daesperana (1969). Alm disso, h uma tendncia para aceitarmos

    determinada forma de ser humano como sendo a sua essncia (FROMM,1969), culminando no equvoco de restringirmos a humanidade emtermos daquilo que visto em apenas uma determinada sociedade.

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    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

    O prprio Fromm (1969), ao buscar algumas definies de serhumano que remetam ao especificamente humano, identifica que o

    homem j foi definido como Homo faber (fabricante de ferramentas),Homo sapiens (no sentido restrito, usa o raciocnio para encontrar osmelhores meios de sobrevincia), Homo ludens (homem jogador), Homonegans (o homem que pode dizer no), Homo esperans (homemesperanoso). Apesar de todo esse esforo, essas respostas no satisfazem,para Fromm, adequadamente, a questo fundamental: o que significa oser humano.

    Na verdade, no se pode agora fazer nenhuma afirmao definitivasobre o que significa ser humano; talvez jamais se possa faz-lo, aindaque a evoluo humana transcenda em muito o atual ponto da histria,no qual o homem praticamente comea a ser plenamente humano.(FROMM, 1969, p. 73).

    Uma atitude ctica e crtica sobre a possibilidade de fazermosdeclaraes definitivas sobre o ser humano no deve ser vista, contudo,

    como a impossibilidade de retirarmos concluses da observao dos fatoshistricos, como denota Fromm (1969). nesse sentido quecompreendemos que a posio do anarquismo cristo sobre a naturezahumana pode ser visualizada como uma alternativa consistente paranortear a anlise dos projetos de formao humana, na medida em queEllul (2010) busca uma compreenso da natureza humana em umaanlise que transcende uma dada sociedade.

    De fato, no difcil reconhecermos que parte significativa daeducao se baseia no pressuposto, conforme delineado no Emlio ou daeducao, de Rousseau, de que o ser humano naturalmente bom, e asociedade o corrompe. Embora o anarquismo cristo, semelhante sdemais perspectivas anarquistas, tenha uma perspectiva bem clara denatureza humana, como suporte sua compreenso de educao e desociedade, o anarquismo cristo se afasta da compreenso de outrosanarquistas que utilizam tambm tal pressuposto para a defesa de umasociedade sem autoridade, sem instituies. Assim, se em algunsanarquistas, a polcia que provoca o ladro; sem polcia, no h roubo

    (ELLUL, 2010), para o anarquismo cristo, de fato, a sociedade tem certacoao sobre o indivduo, e essa perverso, no momento, se d pela

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    propaganda e pelo incentivo ao consumo. Porm, Ellul enfatiza quenem tudo vem da sociedade. (ELLUL,1980, 1991, 2010).

    A esse respeito, parece-nos interessante o exemplo mencionado porEllul sobre o posicionamento da Holanda em relao sua poltica deentorpecentes. Como amplamente divulgado, a Holanda passou a toleraro uso de drogas e se imaginou, como consequncia, a diminuio dapaixo pelas drogas. Os dados apontam, de acordo com Ellul (2010),que se efetivou justamente o contrrio, aumentou tal paixo, bemcomo todas as consequncias sociais relacionadas ao uso de drogas.

    Nesse caso, na posio do anarquismo cristo, o ser humano no

    naturalmente bom. (ELLUL, 1980, 1991, 2010). Ellul no visualiza talposio como uma questo moral, nem crist (por exemplo, questo depecado original), mas como um dado histrico. (ELLUL, 1980, 1991,2010). Para o autor, ao analisarmos a histria, podemos identificargrandes caractersticas do ser humano, independentemente da sociedade,da poca. E, para ele, as caractersticas so as seguintes: a cobia e odesejo de poder. Em qualquer poca, em qualquer lugar, possvelidentificar, segundo ele, tais caractersticas. (ELLUL, 1980, 1991, 2010).

    Nesse caso, para o anarquismo cristo, caso o ser humano permanea,por exemplo, totalmente livre para decidir sobre os seus atos, ele ir,fatalmente, dominar algum, ir cobiar o que de algum. (ELLUL,1991, 2010). Esse autor identifica na cobia um problema em especial:o fato de que ela jamais poder ser satisfeita; uma vez atendido algo,cobia-se imediatamente outro mais. (1980, 1991, 2010).

    Tambm em relao a esse aspecto, o da natureza humana,compreendemos que o anarquismo cristo talvez nos alerte para afragilidade do pressuposto, to caro a certos projetos pedaggicos, deque o ser humano naturalmente bom e a sociedade que o corrompe.Mesmo sem desconhecer a complexidade como delineada por Fromm(1969) sobre a questo da natureza humana, o posicionamento doanarquismo cristo de que talvez a natureza humana no momento tenhano seu cerne a cobia e o desejo de poder ajuda-nos a interpelar algumasde nossas formas de pensar e fazer educao. Tambm aqui, podemoscolocar em questo o prometesmo social no campo pedaggico, vistoque lhe subjacente certa crena no progresso e na bondade da natureza

    humana.

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    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

    A questo da utopia

    Finalmente, no que concerne prospectiva de futuro, em termosde sociedade ideal, Ellul defende que a sua efetivao impossvel e,nesse sentido, nenhum projeto de futuro tomado por garantido. (SUISSA,2006). Ao identificar duas caractersticas centrais na natureza humana(a cobia e o desejo de poder), o anarquismo cristo assevera que issoleva a muitas disputas e competio entre as pessoas. (ELLUL, 1980,1991, 2010).

    Nesse sentido, a sociedade anarquista ideal no possvel. (ELLUL,1980, 2010). Para Ellul, algum poderia propor um estado de transio,

    mas o filsofo da tecnologia relembra a velha mxima: Todo podercorrompe, e o poder absoluto corrompe mais ainda. (ELLUL, 1980,1991, 2010). Assim, de acordo com ele (2010), o anarquismo deve servisto como meio de questionamento de tudo o que existe, como formade conscientizao, como primeiro passo para pequenas aes. No setrata de um grande projeto de transformao, mas de uma disposioque culmina em um mundo melhor a partir das diversas interpelaes.

    Somente a anarquia, na medida em que no deseja o poder em si,

    pode ser um questionamento do poder em si. (ELLUL, 1980, 1991,2010).

    Em uma palavra: quanto mais o poder do Estado e a burocraciaaumentam de tamanho, mais uma postura anrquica necessria, nicae ltima defesa do indivduo, ou seja, do homem. A anarquia aindaprecisa descobrir sua ousadia e sua coragem para desvelar um belofuturo diante de si. por tudo isso que me mantenho anarquista.(ELLUL, 2010, p. 27).

    Embora os limites estabelecidos para este texto no nos permitamexplorar mais esse tpico, em relao s possveis contribuies para ocampo pedaggico, ressaltamos que talvez esse posicionamento doanarquismo cristo nos ajude a superar certa tradio, considerada crticadentro do ambiente pedaggico, que muitos definem como prometeica.A postura do anarquismo cristo, na defesa de que a sociedade ideal no para se efetivar, mas apenas para interpelar, aponta-nos para uma

    perspectiva diversa do prometesmo to presente no fazer pedaggico.

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    De fato, para Pombo (2005), h duas espcies de utopia: a primeiraespcie constituda por aquelas que conjugam os verbos no futuro,

    assim ser, amanh ser; so utopias descritivas que acreditam quede alguma forma possuem o caminho para a justia social e a liberdade.Essas utopias so prometeicas e tm por base a crena no progresso eaqui, em referncia a Illich, podemos acrescentar a crena em umprogresso, baseado no atual modelo de desenvolvimento, produo econsumo e com base nessa crena que a sociedade do futuro idealizada.

    Para a filsofa, h outro grupo, no qual acreditamos est inserida a

    perspectiva do anarquismo cristo, e que, em vez de dizer ser, afirmapoderia ter sido, poderia vir a ser. Para essas utopias, em vez de umacrena em um progresso linear, construdo pela tecnologia, pela crenana produo e na sociedade de consumo, elas possuem aquilo que Pombo(2005) denomina profunda sensibilidade alteridade. As coisas soassim, mas poderiam ter sido outras, ou podem ainda vir-a-ser de outramaneira. (POMBO, 2005, p. 42). nesse ltimo tipo de utopia queidentificamos o anarquismo cristo e, nesse sentido, essa perspectivaconstitui um desafio nossa forma usual de lidar com a questo datransformao social dentro do campo pedaggico.

    Consideraes finais

    Neste trabalho, nos concentramos na contribuio do anarquismocristo, visto como teoria e escola de pensamento para a educao. Noo fazemos com base em um conceito operador especfico, mas a partirde trs elementos que consideramos mais prximos da educao,conforme esto delineados no pensamento do filsofo da tecnologia,socilogo e telogo Ellul. Mesmo sem desconsiderar os limitesestabelecidos para este artigo e o seu carter exploratrio do tema, bemcomo a complexidade dos temas e perspectivas tericas envolvidos,esperamos ter apontado ao potencial do anarquismo cristo para a anlisede algumas das principais questes educacionais. Tambm em funodos limites deste texto e devido profuso de autores afeitos aoanarquismo cristo, preferimos nos concentrar nas possveis contribuies,no explorando, assim, algumas das principais controvrsias que envolvem

    o tema.

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    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

    Cremos que o anarquismo cristo levanta algumas teses que merecemser analisadas dentro do campo educacional e esperamos ter apresentado

    algumas pistas do potencial dessa perspectiva para interpelar nossa formade pensar e fazer educao, como, por exemplo, a reflexo sobre apossibilidade de transformao social a partir do Princpio da NoViolncia. Em vez de visualizarmos apenas o modelo revolucionrio to caracterstico da educao na Amrica Latina o anarquismo cristoaponta ao potencial ttico da no violncia, especialmente em ummomento de vcuo poltico no fazer pedaggico.

    Por outro lado, em relao questo da natureza humana, mesmo

    ciente das dificuldades de focar tal questo, o anarquismo cristo, emuma perspectiva que pode ser considerada histrica, demonstra que acrena no pressuposto de que o ser humano naturalmente bom e asociedade que o corrompe talvez no se sustente.

    Finalmente, esse mesmo princpio culmina numa questo tambmfundamental que a de pensarmos a contribuio dos projetos formativosna transformao social no como algo que deve ser efetivado muitasvezes sem perceber que os meios esto a corromper os fins , mas comoalgo que deve interpelar nossas prticas. O projeto ideal no para seefetivar, mas para arguir nossas aes; e isso , de alguma forma, a vivnciada sociedade ideal. Para o anarquismo cristo, essa situao passa peloentendimento de que o exemplo tem valor pedaggico. Assim, as nossasaes nossos pequenos passos devem ser o testemunho dessa sociedadeideal.

    Em sntese, compreendemos que o anarquismo cristo pode, semdvida, ser uma fonte de questionamento, um meio para a conscientizaoe um primeiro passo para aes em busca de formas de pensar e fazer

    educao que sejam menos hierarquizadas, menos institucionalizadas emenos burocrticas. Nessa perspectiva, no devemos buscar a sacralizaoe a implementao da sociedade pura, mas a construo de um modelo desociedade diferente do que est posto e sua construo passa pela crtica,pelo questionamento e afastamento das atuais estruturas institucionaise hierarquizadas; para Ellul, as atuais instituies e nisso tambmpodemos agregar o posicionamento de Illich devem ser reinventadas.

    Nesse sentido, cremos que o anarquismo cristo possibilita direcionsr

    o foco a temas e problemas educacionais que esto sendo relegados pelasabordagens hegemnicas de nossas teorias educacionais, especialmente

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    as que se baseiam em certa noo de progresso e de Estado. Embora devemos reconhecer h um significativo trabalho por ser realizado,

    que implica tentarmos perceber qual , de fato, o lugar do anarquismodentro da reflexo educacional; algo que transcende, em muito, os limitese as pretenses deste texto. Por fim, as crticas dirigidas, neste texto, aoEstado no devem ser consideradas em conformidade com o anarquismocristo ao Estado em si mesmo, mas sacralizao do Estado no atualmomento. Assim, o anarquismo representa, nessa perspectiva, uma crticae uma resistncia a esse poder de coordenao da organizao tcnicana atual sociedade (ELLUL, 1980, 1991, 2010), inclusive da educao e

    sua principal tecnologia: a escola.

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    As contribuies do anarquismo cristo para a educao: para alm do prometesmo social

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