análise real -livro completo

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  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Parte 1

    Conjuntos finitos, enumeraveis e

    nao-enumeraveisGeorg Ferdinand Ludwig

    Philipp Cantor

    (1845-1818) Russia.

    Para saber mais sobre os nume-

    ros cardinais, consulte:

    Halmos, Paul R., Teoria Ing enua

    dos Conjuntos, Editora Polgono,

    Sao Paulo, 1970.

    Giuseppe Peano

    (1858-1932) Italia.

    Julius Wihelm

    Richard Dedekind

    (1831-1916) Braunschweig,hoje Alemanha.

    A descoberta de que ha diversos tipos de infinito deve-se a Georg

    Cantor. Mas, para os objetivos do nosso curso, sera necessario distin-

    guir os conjuntos, quanto ao numero de elementos, apenas em tres ca-

    tegorias: os conjuntos finitos; os conjuntos enumer aveis e os conjuntos

    n ao-enumeraveis.

    A nocao de conjunto enumer avel, como veremos, esta estritamente

    ligada ao conjunto N dos numeros naturais. Por isso iniciamos o curso

    com uma breve apresentacao da teoria dos numeros naturais a partir dos

    axiomas de Peano, que exibem os numeros naturais como n umeros ordi-

    nais, isto e, objetos que ocupam lugares determinados numa sequencia

    ordenada. Depois, empregaremos os numeros naturais para a contagem

    dos conjuntos finitos, mostrando que eles podem ser considerados como

    n umeros cardinais.

    Dedekinddefiniu o conjuntoN dos numeros naturais a partir da teoria

    dos conjuntos e demonstrou os axiomas de Peano (ver [Halmos]).

    Do ponto de vista de Peano, os numeros naturais nao sao definidos.

    E apresentada uma lista de propriedades (axiomas) que eles satisfazem

    e tudo o mais decorre da. Nao interessa o que os numeros sao, mas

    apenas as suas propriedades.

    Instituto de Matematica - UFF 1

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    J. Delgado - K. Frensel2

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    Os numeros naturais

    1. Os numeros naturais

    Toda a teoria dos n umeros naturais pode ser deduzida dos tres axi-

    omas abaixo, conhecidos como axiomas de Peano.

    Sao dados, como objetos nao-definidos, um conjunto, que se de-

    signa pela letra N, cujos elementos sao chamados n umeros naturais, e

    uma funcao s : N N. Para cada n N, o numero natural s(n) echamado o sucessor de n.

    A funcao s satisfaz aos seguintes axiomas:

    (I) s : N N e injetiva, ou seja, se s(m) = s(n), entao m = n.(II) N s(N) consiste de um unico elemento, ou seja, existe umunico numero natural que nao e sucessor de outro numero natural. Este

    numero, chamado um, e representado pelo smbolo 1.

    Assim, s(n) = 1 para todo n N e, se n = 1, existe um unico m Ntal que s(m) = n.

    Uma demonstracao na qual o axi-

    oma (III) e empregado, chama-se

    uma demonstrac ao por induc ao.

    Ver exemplo 1.1.

    (III) (Princpio de Inducao) Se X N e tal que 1 X e, para todon X tem-se s(n) X, entao X = N.

    Exemplo 1.1 Demonstrar por inducao que s(n) = n para todo n N.Soluc ao: Seja X = {n N | s(n) = n} .(1) 1 X, pois, pelo axioma (II), s(n) = 1 para todo n N. Em particulars(1) = 1.(2) Seja n X, ou seja, s(n) = n.Como s e injetiva, pelo axioma (I), s(s(n))

    = s(n). Isto e, s(n)

    X.

    Entao, pelo princpio de inducao, axioma (III), X = N, ou seja, s(n) = npara todo n N.

    Nao menos importante do que de-

    monstrar proposicoes usando o

    princpio de inducao e saber de-

    finir objetos por induc ao.

    As definic oes por induc ao baseiam-se na possibilidade de se iterar

    uma funcao f : X X um numero arbitrario, n, de vezes.Mais precisamente, sejam X um conjunto e f : X X uma funcao.

    A cada n N podemos associar, de modo unico, uma funcao fn : X

    X

    tal que:

    Instituto de Matematica - UFF 3

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    Analise na Reta

    f1 = f e fs(n) = f fn .Usando as iteradas da funcao s : N

    N vamos definir por inducao

    a adic ao de numeros naturais.

    Numa exposicao sistematica da

    teoria dos numeros naturais, a

    existencia do nesimo iterado fn

    de uma funcao f : X X eum teorema, chamado Teorema

    da Definic ao por Induc ao.

    A operacao de adic ao de

    n umeros naturais e uma funcao

    que a cada par de numeros

    naturais (m,n) N N fazcorresponder o numero natu-

    ral sn(m) designado m + n e

    chamado a soma dem en.

    Isto e,

    + : N N N(m, n)

    m + n = sn(m)

    Definicao 1.1 Sejam m, n N. O numero natural sn(m) e chamado asomade m e n e e designado por m + n. Isto e,

    m + n = sn(m) .

    A operacao que consiste em somarnumeros naturais e denominada adic ao,

    e e designada pelo smbolo +.

    Assim,

    m + 1 = s(m) (somar m com 1 significa tomar o sucessor de m). m + s(n) = ss(n)(m) = s(sn(m)) = s(m + n),ou seja,

    m + (n + 1) = (m + n) + 1 .

    Proposicao 1.1 A adic ao de n umeros naturais possui as seguintes pro-

    priedades:

    (a) Associatividade: m + (n +p) = (m + n) + p .

    (b) Comutatividade: m + n = n + m .

    (c) Tricotomia: dadosm, n N, exatamente uma das seguintes tr es alter-nativas ocorre: oum = n , ou existep N tal quem = n + p, ou existeq N tal quen = m + q.(d) Lei de cancelamento: m + n = m +p = n = p .Prova.

    (a) Sejam m, n N numeros naturais arbitrarios e sejaX = {p N | m + (n +p) = (m + n) + p} .

    Entao 1 X e se p X, tem-se quem + (n + s(p)) = m + s(n +p) = s(m + (n +p)) = s((m + n) + p)

    = (m + n) + s(p) .

    Logo, s(p) X e, portanto, X = N, ou seja, m + (n + p) = (m + n) + p,quaisquer que sejam m,n,p

    N.

    J. Delgado - K. Frensel4

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    Os numeros naturais

    (b) Seja X = {m N | m + 1 = 1 + m} . Entao, 1 X e se m X, tem-se1 + s(m) = s(1 + m) = s(m + 1) = s(s(m)) = s(m) + 1 ,

    ou seja, s(m)

    X. Logo, X = N, isto e, m + 1 = 1 + m, qualquer que seja

    m N. Seja Y = {m N | m + n = n + m}, onde n N.Entao, pelo provado acima, 1 Y. E se m Y, tem-se que

    n + s(m) = s(n + m) = s(m + n) = m + s(n)

    = m + (n + 1) = m + (1 + n) = (m + 1) + n

    = s(m) + n ,

    ou seja, s(m)

    Y. Logo, Y = N, isto e, m + n = n + m quaisquer que

    sejam m, n N.(c) Seja m N e seja

    X = {n N | n e m satisfazem a propriedade de tricotomia } .(1) 1 X. De fato, ou m = 1 ou m = 1 e, neste caso, m e o sucessor dealgum numero n0 N, ou seja, existe n0 N tal que

    1 + n0 = n0 + 1 = s(n0) = m .

    (2) Seja n

    X. Entao, ou n = m, ou existe p

    N tal que n = m + p, ou

    existe q N tal que m = n + q.Vamos provar que s(n) X.De fato,

    se n = m = s(n) = s(m) = m + 1 . se n = m +p = s(n) = s(m +p) = (m +p) + 1 = m + (p + 1) . se m = n + q =

    ou q = 1 ou q = 1. Se q = 1, m = n + 1, ou seja,

    s(n) = m. Se q = 1, existe q0 N tal que q0 + 1 = q.Logo,

    m = n + q = n + (q0 + 1) = n + (1 + q0) = (n + 1) + q0 = s(n) + q0 .

    Em qualquer caso, provamos que ou s(n) = m, ou existe r N tal ques(n) = m + r, ou existe N tal que m = s(n) + .Logo, X = N, ou seja, dados m, n N temos que, ou m = n, ou existe

    p N tal que m = n +p, ou existe q N tal que n = m + q.

    Exerccio 1: Para provar que vale

    exatamente uma das tres alterna-

    tivas ao lado, verifique antes que

    n + p = n quaisquer que sejamn, p N.

    Instituto de Matematica - UFF 5

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    Analise na Reta

    (d) Sejam m,n,p N tais que m + n = m +p.Pela propriedade de tricotomia, temos que ou p = n ou existe q N talque n = p + q, ou existe

    N tal que p = n + .

    Entao, se p = n, temos que: n = p + q = m + (p + q) = m + p = (m + p) + q = m + p, o que euma contradicao (ver o exerccio 1 acima).

    ou

    p = n + = m + n = m + (n + ) = (m + n) + que e tambem umacontradicao.

    Logo,p = n

    . A relac ao de ordemno conjunto dos numeros naturais e definida em

    termos da adicao.

    Definicao 1.2 Dados m, n N, dizemos que m e menor do que n (ouque n e maior do que m) e escrevemos m < n (ou n > m) se existir

    p N tal que n = m +p.A notacao m n significa que me menor do que ou igual a n.

    Proposicao 1.2 A relac ao< possui as seguintes propriedades:

    (a) Transitividade: sem < n en < p, ent aom < p.

    (b) Tricotomia: dadosm, n N, ocorre exatamente uma das alternativasseguintes:

    m = n , ou m < n , ou n < m .

    (c) Monotonicidade: sem < n ent aom +p < n +p para todop N.

    Prova.(a) Se m < n e n < p, existem q1 N e q2 N tais que n = m + q1e p = n + q2.

    Logo,

    p = n + q2 = (m + q1) + q2 = m + (q1 + q2).

    Entao, m < p.

    (b) Sejam m, n N. Entao, ocorre exatamente uma das seguintes alter-

    nativas:

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    Os numeros naturais

    ou m = n; ou existe p N tal que m = n +p, ou seja n < m;

    ou existe q

    N tal que n = m + q, ou seja m < n.

    (c) Sejam m,n,p N. Se m < n, existe q N tal que n = m + q.Logo,

    n +p = (m + q) + p = m + (q +p) = m + (p + q) = (m +p) + q ,

    ou seja, m +p < n +p.

    Definiremos, agora, a multiplicacao de numeros naturais.

    Definicao 1.3 Para cada m N

    , seja fm a funcao definida porfm : N N

    p fm(p) = p + m .O produtode dois numeros naturais e definido por:

    m 1 = m , m (n + 1) = (fm)n(m) .

    A operacao de multiplicac ao ea funcao que a cada par de

    numeros naturais associa o seu

    produto:

    : N N N(m, n) m n

    Multiplicar dois numeros naturais

    significa calcular o produto entre

    eles.

    O produto de m e n e designado

    por m n ou por mn.

    Assim, multiplicar um numero m por 1 nao o altera, e multiplicar mpor um numero maior que 1, ou seja, por um numero da forma n + 1, e

    iterar nvezes a operacao de somar m, comecando com m.

    Por exemplo:

    m 2 = fm(m) = m + m;m 3 = (fm)2(m) = fm(fm(m)) = fm(m + m) = m + m + m.

    Observacao 1.1 Pela definicao acima, temos quem (n + 1) = m n + m , m, n N

    De fato, se n = 1, entao

    m n + m = m 1 + m = m + m = (fm)1(m) = m (1 + 1) .Se n = 1, existe n0 N tal que s(n0) = n. Logo,

    m n + m = m (n0 + 1) + m = (fm)n0(m) + m= fm((fm)

    n0)(m) = (fm)s(n0)(m)

    = (fm)n(m) = m

    (n + 1) .

    Instituto de Matematica - UFF 7

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    Analise na Reta

    Proposicao 1.3 A multiplicac ao de numeros naturais satisfaz as se-

    guintes propriedades:

    (a) Distributividade: m

    (n +p) = m

    n + m

    p e(m + n)

    p = m

    p + n

    p.

    (b) Associatividade: m (n p) = (m n) p.(c) Comutatividade: m n = n m.(d) Monotonicidade: m < n = m p < n p.(e) Lei de cancelamento: m p = n p = m = n.Prova.

    (a) Sejam m, n N e seja X = {p N | m (n +p) = m n + m p} .Ja vimos que 1 X. Suponhamos que p X. Entao,

    m (n + (p + 1) = m ((n +p) + 1) = m (n +p) + m 1= (m n + m p) + m = m n + (m p + m)= m n + m (p + 1) , ou seja, p + 1 X .

    Logo, X = N. Isto e, m (n + p) = m n + m p quaisquer que sejamm,n,p N.Seja, agora, Y = {p

    N | (m + n)

    p = m

    p + n

    p} . Entao,

    1 Y, pois (m + n) 1 = m + n = m 1 + n 1. Se p Y, temos:

    (m + n) (p + 1) = (m + n) p + (m + n) = m p + n p + m + n= m p + m + n p + n = m (p + 1) + n (p + 1) ,

    ou seja, p + 1 Y. Logo, Y = N, isto e, (m + n) p = m p + n p quaisquerque sejam m,n,p N.

    (b) Sejam m, n N e seja X = {p N | m (n p) = (m n) p} . Entao, 1 X, pois m (n 1) = m n = (m n) 1. Se p X, temos

    m (n (p + 1)) = m (n p + n) = m (n p) + m n= (m n) p + m n = (m n) (p + 1) ,

    ou seja, p + 1 X .Logo, X = N, isto e, m

    (n

    p) = (m

    n)

    p quaisquer que sejam m,n,p

    N.

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    Os numeros naturais

    (c) Seja X = {m N | m 1 = 1 m} . Entao, 1 X e se m X temos que(m + 1) 1 = m 1 + 1 1 = 1 m + 1 1 = 1 (m + 1) ,

    ou seja, m + 1

    X.

    Logo, X = N, isto e, m 1 = 1 m, m N.Seja, agora, Y = {m N | m n = n m} , onde n N. Entao, pelo queacabamos de provar acima, 1 Y.Se m Y, temos

    (m + 1) n = m n + 1 n = n m + 1 n = n m + n = n (m + 1) ,ou seja, m + 1 Y.

    Logo,Y = N

    , ou seja,m

    n = n

    m

    quaisquer que sejamm, n

    N

    .(d) Sejam m, n N tais que m < n. Entao, existe q N tal que n = m+q.Logo,

    n p = (m + q) p = m p + q p ,ou seja, m p < n p.(e) Sejam m,n,p N tais que m p = n p.Entao, m = n, pois, caso contrario, teramos que:

    m < n = m p < n p (absurdo),ou

    n < m = n p < m p (absurdo) . Definicao 1.4 Seja X N. Dizemos que p X e o menor elemento deX, ou o elemento mnimo de X, se p n para todo n X.

    Observacao 1.2

    1 e o menor elemento de N, pois se n= 1, existe

    n0 N tal que n0 + 1 = n. Entao, n > 1. Se X N e 1 X, entao 1 e o menor elemento de X. O menor elemento de um conjunto X N, se existir, e unico. De fato, se

    p e q sao menores elementos de X, entao p q e q p. Logo, p = q.Existe X N sem menor ele-mento?

    Definicao 1.5 Seja X N. Dizemos que p X e o maior elemento de

    X, ou o elemento m aximode X, se p n para todo n X.

    Instituto de Matematica - UFF 9

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    Analise na Reta

    Observacao 1.3 Nem todo subconjunto de N possui um maior ele-mento. Por exemplo, N nao tem um maior elemento, pois se n N, entaon + 1 = s(n) N e n + 1 > n. Se existir o maior elemento de um conjunto X N, ele e unico.

    Teorema 1.1 (Princ pio da Boa Ordenac ao)

    Todo subconjuntonao-vazio A N possui um elemento m nimo.

    Prova.

    Seja X = {n N | {1 , . . . , n} N A} .Se 1

    A, entao 1 e o menor elemento de A. Se 1

    A, entao 1

    X.

    Como A = e X N A, temos que X = N.Logo, pelo princpio de inducao, existe n0 X tal que n0 + 1 X, ou seja,1 , . . . , n0 A e n0 + 1 A.Assim, n0 + 1 n, para todo n A.Outra demonstrac ao.

    Suponha, por absurdo, que A nao tem um menor elemento. Seja

    X = {p N |p n , n A} .Entao:

    (1) 1 X, pois 1 n n N.(2) Seja p X, ou seja, p N e p n n A.Como A nao tem um menor elemento, temos que p A. Logo, p < n paratodo n A, ou seja, para todo n A existe qn N tal que n = p + qn.Entao, p < p + qn = p + 1 p + qn = n , n A = p + 1 X.Pelo princpio de inducao, temos que X = N, o que e um absurdo, pois,

    como A = , existe n0 A. Sendo X = N, n0 + 1 X e, portanto,n0 + 1 n0.

    Teorema 1.2 (Segundo Princ pio de Induc ao)

    Seja X N um conjunto com a seguinte propriedade: dado n N, seX cont em todos os n umeros naturais m tais que m < n, ent ao n X.

    Nestas condic oes, X = N.

    J. Delgado - K. Frensel10

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Os numeros naturais

    Prova.

    E obvio que 1 X, pois, caso contrario, existiria algum numero naturaln X tal que n < 1.Suponha que n X. Vamos provar que n + 1 X.De fato, se n + 1 X, existe p0 < n + 1 tal que p0 X.Seja A = {q N | q < n + 1 e q X}.Entao, como A = , A possui um menor elemento q0 A, ou seja,q0 < n + 1 e q0 X.Se p < q0, temos que p X, ja que p < q0 < n + 1 e q0 e o menorelemento nao pertencente a X com esta propriedade.

    Logo, como p < q0 implica que p X, temos, pela hipotese, que q0 X,o que e uma contradicao.

    Assim, se n X, temos que n + 1 X.Entao, pelo Primeiro Princpio de Inducao, X = N.

    Outra demonstrac ao.

    Seja A = N X. Se X = N, entao A = .

    Pelo Princpio da Boa Ordenacao, existe p A tal que p n para todon A.Assim, se q < p, temos que q A, ou seja q X. Pela hipotese, p X, oque e uma contradicao. Logo, X = N.

    Exemplo 1.2 Um numero natural p e chamado primo quando p = 1 enao pode se escrever na forma p = m n com m < p e n < p.

    O Teorema Fundamental da Aritmetica diz que todo numero natural maiordo que 1 se decompoe, de modo unico, como um produto de fatores pri-

    mos.

    Podemos provar a existencia desta decomposicao utilizando o Segundo

    Princpio de Inducao.

    De fato, dado n N, suponhamos que todo numero natural m < n podeser decomposto como um produto de fatores primos ou m = 1.

    Se n e primo, nao ha nada a provar.

    Instituto de Matematica - UFF 11

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Analise na Reta

    Se n nao e primo, existem p < n e q < n tais que n = pq.

    Pela hipotese de inducao, p e q sao produtos de fatores primos. Logo,

    n = pq e tambem um produto de fatores primos.

    Pelo Segundo Princpio de Inducao, obtemos que todo numero natural,

    n > 1, e produto de numeros primos.

    Teorema 1.3 (Definic ao por Induc ao)

    Seja X um conjunto qualquer. Suponhamos que nos seja dado o valor

    f(1) e seja dada tamb em uma regra que nos permite obterf(n) a partir do

    conhecimento dos valores f(m), para todo m < n. Ent ao, existe uma, e

    somente uma func aof : N X que toma esses valores.

    Para ver uma prova do Teorema

    de Definicao por Inducao, con-

    sulte Fundamentals of Abstract

    Analysisde A.M. Gleason, p. 145.

    Exemplo 1.3 Dado a N, definamos uma funcao f : N N porinducao, pondo f(1) = a e f(n + 1) = a f(n).Entao, f(2) = a f(1) = a a, f(3) = a f(2) = a a a etc.Logo, f(n) = an. Definimos, assim, por inducao, a n esima pot encia do

    n umero naturala.

    Exemplo 1.4 Seja f : N N a funcao definida indutivamente porf(1) = 1 e f(n + 1) = f(n) (n + 1).Entao, f(1) = 1, f(2) = 1 2, f(3) = f(2) 3 = 1 2 3 etc.Assim, f(n) = 1 2 . . . n = n! e o fatorial den.

    Exemplo 1.5 Definir por inducao a soma de uma nupla de numeros

    naturais.A multiplicacao de uma nupla

    de numeros naturais pode ser de-

    finida, tambem, por inducao como

    fazemos para a adicao no exem-

    plo ao lado.

    Soluc ao: Seja X o conjunto das funcoes tomando valores em N e seja

    f : N X a funcao definida indutivamente por f(1) : N N tal quef(1)(a) = a, e f(n + 1) : Nn+1 N tal que

    f(n + 1)(a1, . . . , an+1) = f(n)(a1, . . . , an) + an+1 .

    Entao, f(1)(a) = a, f(2)(a1, a2) = f(1)(a1)+a2 = a1+a2, f(3)(a1, a2, a3) =

    f(2)(a1, a2) + a3 = a1 + a2 + a3 etc.

    Assim, f(n)(a1, . . . , an) = f(n1)(a1, . . . , an1)+an = a1+. . .+an1+an.

    J. Delgado - K. Frensel12

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Conjuntos finitos e infinitos

    2. Conjuntos finitos e infinitos

    Definicao 2.1 Seja In = {p

    N | 1

    p

    n} = {1 , 2 , . . . n}.

    Um conjunto X chama-se finito quando e vazio ou quando existe uma

    bijecao : In X, para algum n N.No primeiro caso dizemos que X tem zero elementos, e no segundo caso,

    dizemos que X tem n elementos.

    Observacao 2.1 Intuitivamente, uma bijecao : In X significa umacontagem dos elementos de X.

    Pondo (1) = x1, (2) = x2, . . . ,(n) = xn, temos X = {x1, x2, . . . , xn} .

    Observacao 2.2

    Cada conjunto In e finito e possui n elementos. Se f : X Y e uma bijecao, entao X e finito se, e so se, Y e finito.

    Para verificar que o numero de elementos de um conjunto esta bem

    definido, devemos provar que se existem duas bijecoes : In

    X e

    : Im X, entao n = m.Considerando a funcao f = 1 : In Im, basta provar que se

    existe uma bijecao f : In Im, entao m = n. Podemos supor, tambem,que m n, ou seja Im In.

    Teorema 2.1 Seja A In um subconjunto n ao vazio. Se existe umabijec aof : In

    A, ent aoA = In.

    Prova.Provaremos o resultado por inducao em n.

    Se n = 1, I1 = {1} e A {1}.Logo A = {1} = I1.

    Suponhamos que o teorema seja valido para n e consideremos uma bijecao

    f : In+1 A.A restricao de f a In fornece uma bijecao f

    : In

    A {f(n + 1)}. Se

    A{f(n+1)} In, temos, pela hipotese de inducao, que A{f(n+1)} = In.

    Instituto de Matematica - UFF 13

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    Analise na Reta

    Entao, f(n + 1) = n + 1 e A = In+1.

    Se, porem, A {f(n + 1)} In, entao n + 1 A {f(n + 1)}. Neste caso,existe p

    In tal que f(p) = n + 1, e f(n + 1) = q

    In.

    Definimos, entao, uma nova bijecao g : In+1 A pondo g(x) = f(x) sex = p e x = n + 1, g(p) = q e g(n + 1) = n + 1.Agora, a restricao de g a In nos da uma bijecao g

    : In A {n + 1}.Como A {n + 1} In, temos, pela hipotese de inducao, que A {n + 1} =In, ou seja A = In+1.

    Corolario 2.1 Se existir uma bijec ao f : Im

    In ent ao m = n. Con-

    sequentemente, se existem duas bijecoes

    : In X e : Im X

    ent aom = n.

    Prova.

    Se n m, temos que In Im.Logo, m = n, pelo teorema anterior.

    Se n m, temos que f1 : In

    Im e uma bijecao tal que Im In.

    Portanto, Im = In.

    Corolario 2.2 N ao existe uma bijec aof : X Y de um conjunto finitoX sobre uma parte pr opriaY X.

    Prova.

    Sendo X finito, existe uma bijecao : In X para algum n N.Seja A = 1(Y).

    Entao, A e uma parte propria de In e a restricao de a A fornece uma

    bijecao f : A Y.X

    fY

    In

    gA

    A composta g = ( )1 f : In A seria entao uma bijecao de Insobre sua parte propria A, o que e uma contradicao pelo teorema anterior.

    Logo, nao existe a bijecao f : X Y. J. Delgado - K. Frensel14

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    Conjuntos finitos e infinitos

    Teorema 2.2 SeX e um conjunto finito ent ao todo subconjuntoY X efinito. Al em disso, o numero de elementos de Y e menor do que ou igual

    a o n umero de elementos deX e e igual se, e somente se, Y = X.

    Designaremos por #(A) o numero

    de elementos de um conjunto A.

    Prova.

    Seja f : In X uma bijecao e seja f : A Y a restricao de f aA = f1(Y) In.Se provarmos que A e finito, que #(A) e menor do que ou igual a n e e

    igual a n se, e somente se, A = In, teremos que Y e finito, que #(Y) = #(A)

    e menor do que ou igual a #(In) = #(X), e e igual se, e somente se A = In,

    ou seja, se, e somente se, Y = X.

    Basta, entao, provar o teorema no caso em que X = In.

    Se n = 1, entao Y = ou Y = {1}.

    Assim, #(Y) 1 e #(Y) = 1 se, e so se, Y = {1} = I1.Suponhamos que o teorema seja valido para In e consideremos um sub-

    conjunto Y In+1.Se n + 1 Y, entao Y In. Logo, pela hipotese de inducao, Y e umconjunto finito com #(Y)

    n e, portanto, #(Y) < n + 1.

    Se, porem, n + 1 Y, temos que Y {n + 1} In. Logo, Y {n + 1} e umconjunto finito com p elementos, onde p n.Se Y {n + 1} = , existe uma bijecao : Ip Y {n + 1}.Definimos, entao, a bijecao : Ip+1 Y pondo (x) = (x) para x Ipe (p + 1) = n + 1.

    Segue-se que Y e finito e que #(Y) = p + 1 n + 1.

    Resta, agora, mostrar que se Y In tem n elementos entao Y = In.Se #(Y) = n, existe uma bijecao f : In Y.Como Y In temos, pelo Teorema 1.4, que Y = In.

    Corolario 2.3 Sejaf : X Y uma func ao injetiva. SeY e finito, ent aoX tamb em e finito, e o numero de elementos deX n ao excede o deY.

    Prova.

    Sendo f : X Y injetiva, temos que f : X f(X) e uma bijecao.Instituto de Matematica - UFF 15

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    Analise na Reta

    Como f(X) Y e Y e finito, temos que f(X) e finito e #(f(X)) #(Y).Logo, o conjunto X e finito e #(X) = #(f(X)) #(Y).

    Corolario 2.4 Seja g : X Y uma func ao sobrejetiva. Se X e finito,ent aoY e finito e o seu n umero de elementos n ao excede o deX.

    Designamos por IA : A A afunc ao identidadedo conjunto A.

    Prova.

    Como g : X Y e sobrejetiva, existe uma funcao f : Y X tal queg f = IY, ou seja, g possui uma inversa a direita.De fato, dado y Y, existe x X tal que g(x) = y. Definimos, entao,f(y) = x.

    Alem disso, como g f(y) = y para todo y Y, temos que se f(y) = f(y )entao y = y , ou seja, f e injetiva.

    Entao, pelo corolario anterior, Y e um conjunto finito e o seu numero de

    elementos nao excede o de X.

    Exerccio 2: Prove que dada uma

    funcao f : X Y injetiva, existeuma funcao g : Y X tal queg f = IX , ou seja, f possuiuma inversa a esquerda. Verifi-

    que, tambem, que se g f = IX ,entao g e sobrejetiva.

    Definicao 2.2 Um conjunto X e infinito quando nao e finito. Ou seja,

    X = e seja qual for n N, nao existe uma bijecao : In

    X.

    Exemplo 2.1 O conjunto dos numeros naturais e infinito.

    De fato, dada qualquer funcao : In N, n > 1, tomep = (1) + . . . + (n) .

    Entao, p N e p > (j) para todo j = 1 , . . . , n. Logo, p (In), ou seja, nao e sobrejetiva.

    Outra maneira de verificar que N e infinito e considerar o conjunto dos

    n umeros naturais pares

    P= {2 n = n + n | n N}e a bijecao : N P dada por (n) = 2 n.Como Pe um subconjunto proprio de N, temos, pelo corolario 2.2, que Ne infinito.

    Observacao 2.3 Como consequencia dos fatos provados acima para

    conjuntos finitos, segue que:

    se X e infinito e f : X Y e injetiva, entao Y e infinito.J. Delgado - K. Frensel16

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    Conjuntos finitos e infinitos

    se Y e infinito e f : X Y e sobrejetiva, entao X e infinito. Segue da observacao ao ladoque os conjuntos Z e Q, dos

    numeros inteiros e dos numeros

    racionais, respectivamente, sao

    infinitos, pois ambos contem N.

    se X admite uma bijecao sobre uma de suas partes proprias, entao X einfinito.

    Definicao 2.3 Um conjunto X N e limitado se existe p N tal quen p para todo n X.

    Teorema 2.3 SejaX N n ao-vazio. As seguintes afirmac oes s ao equi-valentes:

    (a) X e finito;

    (b) X e limitado;

    (c) X possui um maior elemento.

    Prova.

    (a)=(b) Seja X = {x1, . . . , xn} e seja a = x1 + . . . + xn. Entao a > xipara todo i = 1 , . . . , n, ou seja, X e limitado.

    (b)=

    (c) Como X e limitado, existe a N tal que a n para todo n X.

    Entao, o conjunto

    A = {p N |p n n X}e nao-vazio. Pelo Princpio da Boa Ordenacao, existe p0 A que e omenor elemento de A.

    Se p0 X, temos que p0 > n n X e p0 > 1, pois X = .Logo, existe q0 N tal que p0 = 1 + q0.Assim, p0 n + 1 n X, ou seja, q0 + 1 n + 1 n X. Entao q0 n

    n

    X, ou seja, q0

    A, o que e absurdo, pois q0 < p0 e p0 e o menor

    elemento de A.

    Logo, p0 X e p0 n n X, ou seja, p0 e o maior elemento de X.(c)=(a) Seja p o maior elemento de X. Entao, p X e p n n X.Logo, X Ip e e, portanto, finito.

    Observacao 2.4 Um conjunto X N e ilimitadoquando nao e limitado,ou seja, para todo p N existe n X tal que n > p.

    Note que: pelo teorema 2.3, an-

    terior, X e infinito se, e somente

    se, X e ilimitado.

    Instituto de Matematica - UFF 17

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    Analise na Reta

    Teorema 2.4 Sejam X, Y conjuntos finitos disjuntos, com m e n ele-

    mentos respectivamente. Ent ao, X Y e finito e possuim + n elementos.

    Prova.Sejam f1 : Im X e f2 : In Y bijecoes.Definamos a funcao f : Im+n X Y pondo

    f(x) = f1(x) se 1 x mf(m + x) = f2(x) se 1 x n .

    Como X Y = , e facil verificar que f e uma bijecao.Logo, X Y e finito e possui m + n elementos.

    Corolario 2.5 Sejam X1, . . . , Xk conjuntos finitos, dois a dois disjuntos,

    comn1, . . . , nk elementos, respectivamente. Ent aoX1 . . . Xk e finito epossui n1 + . . . + nk elementos.

    Exerccio 3: Use o teorema 2.4 e

    o Princpio de Inducao para pro-

    var o corolario 2.5, ao lado.

    Corolario 2.6 SejamY1, . . . , Y k conjuntos finitos (n ao necessariamente

    disjuntos) comn1, . . . , nk elementos, respectivamente.

    Ent aoY1

    . . .

    Yk e finito e possui no m aximon1 + . . . + nk elementos.

    Prova.

    Para cada i = 1 , . . . , k, seja Xi = {(x, i) | x Yi} e seja i : Yi Xia funcao definida por i(x) = (x, i).

    Como i e uma bijecao, temos que Xi e finito e possui ni elementos,

    i = 1 , . . . , k. Alem disso, os conjuntos finitos X1, . . . , Xk sao disjuntos dois

    a dois.

    Logo, pelo corolario anterior, X1 . . . Xk e finito e possui n1 + . . . + nkelementos.

    Seja

    f : X1 . . . Xk Y1 . . . Yka funcao definida por f(x, i) = x.

    Como f e sobrejetiva, X1 . . . Xk finito e possui n1 + . . . + nk elementos,temos que Y1 . . .Yk e finito e possui no maximo n1+ . . . + nk elementos.

    J. Delgado - K. Frensel18

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    Conjuntos finitos e infinitos

    Corolario 2.7 SejamX1, . . . , Xk conjuntos finitos comn1, . . . , nk elemen-

    tos respectivamente. Ent ao o produto cartesiano X1 . . . Xk e finito epossui n1 . . . nk elementos.

    Prova.

    Basta provar o corolario para k = 2, pois o caso geral segue por inducao

    em k.

    Sejam X e Y conjuntos finitos com m e n elementos, respectivamente.

    Se Y = {y1, . . . , yn}, entao X Y = X1 . . . Xn, onde Xi = X {yi},i = 1 , . . . , n.

    Como X1, . . . , Xn sao disjuntos dois a dois e todos possuem m elementos,

    temos que X Y e finito e possui m n elementos.

    Corolario 2.8 SejamX eY conjuntos finitos com m en elementos res-

    pectivamente. Ent ao o conjuntoF(X; Y) de todas as func oes deX emY efinito e possuinm elementos.

    Prova.

    Seja : Im X uma bijecao. Entao, a funcaoH : F(X; Y) F(Im; Y)f f

    e uma bijecao. De fato, a funcao

    L : F(Im; Y) F(X; Y)g g 1

    e a inversa da funcao H.

    Logo, basta provar que F(Im; Y) e um conjunto finito e que possui nm

    elementos.

    Seja a funcao

    F : F(Im; Y) Y . . . Y (m fatores)definida por

    F(f) = (f(1), . . . , f(n)) .

    Como F e uma bijecao e Y . . . Y (m fatores) possui nm elementos pelocorolario anterior, temos que

    F(I

    m; Y) e finito e possui nm elementos.

    Instituto de Matematica - UFF 19

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    Analise na Reta

    3. Conjuntos enumeraveis

    Definicao 3.1 Um conjunto X e enumer avel quando e finito ou quando

    existe uma bijecao f : N X. Neste caso, X diz-se infinito enumer avelepondo-se xi = f(i), i N, tem-se uma enumerac aode X:

    X = {x1, . . . , xn, . . .} .

    Exemplo 3.1 O conjunto P dos numeros naturais pares e o conjuntoI = N P dos numeros naturais mpares sao conjuntos infinitos enu-meraveis.

    De fato, as funcoes

    1 : N Pn 1(n) = 2 n e 2 : N In 2(n) = 2 n 1

    sao bijecoes.

    Exemplo 3.2 O conjunto Z dos numeros inteiros e infinito enumeravel.

    De fato, a funcao : Z

    N definida por

    (n) = 2 n se n 12n + 1 se n 0e uma bijecao. Logo, 1 : N Z e uma enumeracao de Z. Teorema 3.1 Todo conjunto infinito X cont em um subconjunto infinito

    enumer avel.

    Prova.

    Basta provar que existe uma funcao f : N X injetiva, pois, assim,f : N f(N) e uma bijecao, sendo, portanto, f(N) um subconjunto infi-nito enumeravel de X.

    Para cada subconjunto A nao-vazio de X podemos escolher um elemento

    xA A.Vamos definir por inducao uma funcao f : N X.Tome f(1) = xX e suponhamos que f(1), . . . , f(n) ja foram definidos.

    Seja An = X {f(1), . . . , f(n)}.

    J. Delgado - K. Frensel20

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    Conjuntos enumeraveis

    Como X nao e finito, An nao e vazio.

    Defina, entao f(n + 1) = xAn .

    A funcao f : N X e injetiva.

    Com efeito, se m = n, digamos m < n, entao f(m) {f(1), . . . , f(n 1)} ef(n) {f(1), . . . , f(n 1)}. Logo, f(m) = f(n).

    Corolario 3.1 Um conjunto X e infinito se, e somente se, existe uma

    bijec aof : X Y deX sobre uma parte pr opriaY X.Prova.

    Se uma tal bijecao existir, pelo corolario 2.2, X nao e finito.

    Reciprocamente, se X e infinito, X contem um subconjunto infinito enu-

    meravel A = {a1, . . . , an, . . .}.

    Seja Y = (X A) {a2, a4, . . . , a2n, . . .}.Entao Y e uma parte propria de X, pois

    X Y = {a1, a3, . . . , a2n1, . . .}.

    Alem disso, a funcao f : X

    Y definida por f(x) = x se x X A e

    f(an) = a2n, nN, e uma bijecao de X sobre Y.

    Observacao 3.1 Como consequencia do teorema anterior, temos que:

    Um conjunto e finito se, e somente se, n ao admite uma bijec ao sobre uma

    parte sua pr opria.

    Obtem-se, assim, uma caracterizacao dos conjuntos finitos que independe

    do conjunto N.

    Teorema 3.2 Todo subconjuntoXN e enumer avel.

    Prova.

    Se X e finito, entao X e enumeravel, por definicao.

    Suponhamos que X e infinito.

    Vamos definir por inducao uma bijecao f : N X.Tome f(1) =menor elemento de X, e suponha que f(1), . . . , f(n) foram

    definidos satisfazendo as seguintes condicoes:

    Instituto de Matematica - UFF 21

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    Analise na Reta

    (a) f(1) < f(2) < . . . < f(n) ;

    (b) Se Bn = X {f(1), . . . , f(n)}, tem-se x > f(n), para todo x Bn.Como Bn

    = , pois X e infinito, seja f(n + 1) =menor elemento de

    Bn. Entao, f(n + 1) > f(n) e x > f(n + 1) para todo x Bn+1 =X {f(1), . . . , f(n + 1)}.

    Como f : N X e crescente, f e injetiva.Alem disso, f e sobrejetiva, pois se existisse algum x X f(N), teramosque

    x X f(N) X {f(1 , . . . , f(n)} = Bn ,para todo n

    N, e, portanto, x > f(n) para todo n

    N. Assim, f(N)

    N

    seria infinito e limitado, o que e absurdo.

    Exemplo 3.3 O conjunto dos numeros primos e infinito (fato conhecido)

    e enumeravel.

    Corolario 3.2 Dado um subconjunto X N infinito, existe uma bijec aocrescente : N X.Corolario 3.3 Um subconjunto de um conjunto enumer avel e enumer avel.

    Corolario 3.4 Se f : X Y e uma func ao injetiva e Y e enumer avel,ent aoX e enumer avel.

    Prova.

    Como f(X) Y e enumeravel e f : X f(X) e uma bijecao, temosque X e enumeravel.

    Corolario 3.5 Se f : X Y e uma func ao sobrejetiva e X e enu-mer avel, ent aoY e enumer avel.

    Prova.

    Como f : X Y e sobrejetiva, f possui uma inversa a direita, ou seja,existe g : Y X tal que f g = IY. Entao, g e injetiva. Logo, Y eenumeravel.

    Teorema 3.3 Se X e Y s ao conjuntos enumer aveis, ent ao o produto

    cartesianoX Y e enumer avel.

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    Conjuntos nao-enumeraveis

    Prova.

    Sendo X e Y finitos ou infinitos enumeraveis, existem funcoes f : X

    N

    e g : Y N injetivas.

    Seja f g : X Y NN definida por f g(x, y) = (f(x), g(y)). Comof e g sao injetivas, f g tambem e injetiva.Basta, entao, provar que N N e enumeravel. Para isso, definimos afuncao h : N N N, pondo h(m, n) = 2m 3n. Pela unicidade dadecomposicao em fatores primos, f e injetiva e, portanto, N N e enu-meravel.

    Corolario 3.6 O conjuntoQ dos n umeros racionais e enumer avel.

    Designamos Z =Z {0} .

    Prova.

    Sabemos que Q =

    p

    q

    p Z e q Z

    , e que Z Z e enumeravel.

    Como a funcao f : Z Z Q, definida por f(p,q) = pq

    e sobrejetiva,

    segue-se do corolario 3.5 que Q e enumeravel.

    Corolario 3.7 SejamX1, X2, . . . , Xn, . . . conjuntos enumer aveis. Ent ao a

    reuni ao X =

    n=1

    Xn e enumer avel. Ou seja, uma reuni ao enumer avel de

    conjuntos enumer aveis e enumer avel.

    Prova.

    Tomemos, para cada m N, uma funcao fm : N Xm sobrejetiva, edefinamos a funcao f : N N

    X pondo f(m, n) = fm(n). Como f e

    sobrejetiva e N N e enumeravel, tem-se que X e enumeravel.

    Observacao 3.2 Uma reuniao finita X = X1 . . . Xk de conjuntosenumeraveis e enumeravel.

    Observacao 3.3 Se X1, . . . , Xk sao conjuntos enumeraveis, seu pro-

    duto cartesiano X1 . . . Xk e enumeravel.

    Porem, nem sempre, o produto cartesiano X =

    n=1

    Xn de uma sequ encia

    de conjuntos enumer aveis e enumer avel.

    Instituto de Matematica - UFF 23

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    Analise na Reta

    4. Conjuntos nao-enumeraveis

    Veremos, agora, que existem conjuntos nao-enumeraveis. Mais ge-

    ralmente, mostraremos que, dado qualquer conjunto X, existe sempre um

    conjunto cujo numero cardinal e maior do que o de X.

    Ao lado, estamos designando

    card(X) o n umero cardinal do

    conjunto X. Quando X e um con-

    junto finito, card(X) e o numero

    de elementos de X, que anterior-

    mente designamos #(X).

    Nao vamos definir o que e o n umero cardinalde um conjunto. Diremos,apenas, que card(X) = card(Y) se, e somente se, existe uma bijecao

    f : X Y. Assim, dois conjuntos finitos tem o mesmo numero cardinal, se, e so-mente se, tem o mesmo numero de elementos. E se X e infinito enu-

    meravel, entao card(X) = card(N) e card(Y) = card(X) se, e somente se,Y e infinito enumeravel.

    Dados os conjuntos X e Y, diremos que card(X) < card(Y) quando existiruma funcao injetiva f : X Y, mas nao existir uma funcao sobrejetivag : X Y. Como todo conjunto X infinito contem um subconjunto enumeravel, tem-se que card(N) card(X), ou seja, o numero cardinal de um conjuntoinfinito enumeravel e o menor dos numeros cardinais dos conjuntos infini-

    tos.

    Dados dois conjuntos A e B quaisquer, vale uma e somente uma, dasseguintes alternativas:

    card(A) = card(B) , card(A) < card(B) , ou card(B) < card(A) .

    Se existirem uma funcao injetiva f : A B e uma funcao injetivag : B

    A, existira tambem uma bijecao h : A

    B.

    Para ver as demonstracoes dos

    fatos citados ao lado e obter mais

    infor macoes sobre numeros car-

    dinais de conjuntos, veja o livro:

    Teoria Ing enua dos Conjuntos de

    Paul Halmos.

    Teorema 4.1 (Teorema de Cantor)

    SejamX um conjunto arbitr ario eY um conjunto contendo pelo menos dois

    elementos. Ent ao, nenhuma func ao : X F(X; Y) e sobrejetiva.Prova.

    Seja : X F(X; Y) uma funcao e seja x : X Y o valor da funcao no ponto x X.

    Construiremos uma funcao f : X Y tal que f = x para todo x X.J. Delgado - K. Frensel24

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Conjuntos nao-enumeraveis

    Para cada x X, seja f(x) Y tal que f(x) = x(x), o que e possvel, poisY tem pelo menos dois elementos.

    Assim, f

    = x para todo x

    X, pois f(x)

    = x(x) para todo x

    X.

    Logo, f (X), ou seja, nao e sobrejetiva.

    Observacao 4.1 Sejam y1, y2 Y tais que y1 = y2, e seja : X F(X; Y) a funcao definida por x(x) = y1 e x(z) = y2 se z = x.Entao e injetiva. Logo, card(X) < card(F(X; Y)).Provamos, assim, que dado qualquer conjunto X, existe sempre um con-

    junto cujo numero cardinal e maior do que o de X

    Corolario 4.1 SejamX1, X2, . . . , Xn, . . . conjuntos infinitos enumer aveis.

    Ent ao, o produto cartesiano

    i=1

    Xi n ao e enumer avel.

    Prova.

    Basta considerar o caso em que todos os Xn sao iguais a N. De fato,

    para cada n N, existe uma bijecao fn : N Xn. Entao, a funcao

    F :

    i=1

    Ni i=1

    Xi

    (x1, x2, . . . , xn, . . .) (f1(x1), f2(x2), . . . , fn(xn), . . .) ,e uma bijecao, onde Ni = N, para todo i N. Como a funcao

    H :

    i=1

    Ni F(N;N)x = (x1, . . . , xn, . . .)

    hx : N

    N

    i xi

    e uma bijecao e F(N;N) nao e enumeravel pelo teorema anterior, o con-

    junto

    i=1

    Ni nao e enumeravel.

    O argumento usado na demonstracao do teorema acima, chama-sem etodo da diagonal de Cantor, devido ao caso particular X = N.

    Os elementos de F(N; Y) sao as sequencias de elementos de Y.

    Para provar que nenhuma funcao : N F(N; Y) e sobrejetiva, escre-Instituto de Matematica - UFF 25

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

    26/331

    Analise na Reta

    vemos (1) = s1, (2) = s2, . . . etc., onde s1, s2, . . . sao sequencias de

    elementos de Y, ou seja,

    s1 = (y11, y12, y13, . . .)

    s2 = (y21, y22, y23, . . .)

    s3 = (y31, y32, y33, . . .)...

    ...

    Para cada n N, podemos escolher yn Y tal que yn = ynn, ondeynn e o nesimo termo ynn da diagonal.

    Entao a sequencia s = (y1, y2, y3, . . .) = sn para todo n N, poiso nesimo termo yn da sequencia s e diferente do nesimo termo da

    sequencia sn.

    Assim, nenhuma lista enumeravel pode esgotar todas as funcoes em

    F(N; Y).

    Exemplo 4.1 Seja Y = {0, 1}. Entao, o conjunto {0, 1}N = F(N; Y) dassequencias cujos termos sao 0 ou 1 nao e enumeravel.

    Seja

    P(A) o conjunto cujos elementos sao todos os subconjuntos do

    conjunto A.

    Vamos mostrar que existe uma bijecao

    : P(A) F(A; {0, 1}) .Para cada X A, consideremos a func ao caracterstica de X:

    X : A {0, 1}x

    X(x) =

    1, se x X0, se x

    X

    A funcao

    : P(A) F(A; {0, 1})X X

    e uma bijecao, cuja inversa associa a cada funcao f : A {0, 1} o con-junto X dos pontos x A tais que f(x) = 1.

    Como {0, 1} tem dois elementos, segue-se do teorema 4.1 que ne-

    nhuma funcao : A F(A,{0, 1}) e sobrejetiva. Logo, nenhumaJ. Delgado - K. Frensel26

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

    27/331

    Conjuntos nao-enumeraveis

    funcao : A P(A) e sobrejetiva. Mas existe uma funcao injetivaf : A

    P(A) definida por f(x) = {x}.

    Entao, card(A) < card(

    P(A)) para todo conjunto A.

    No caso particular em que A = N, temos que

    card(N) < card(P(N))

    ou seja, P(N) nao e enumeravel.

    Instituto de Matematica - UFF 27

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    J. Delgado - K. Frensel28

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Parte 2

    O conjunto dos numeros reais

    Neste captulo, adotaremos o metodo axiomatico para apresentar os

    numeros reais. Isto e, faremos uma lista dos axiomas que apresentam o

    conjunto R dos numeros reais como um corpo ordenado completo.

    Mas surge, naturalmente, uma pergunta: Existe um corpo ordenado

    completo? Ou melhor: partindo dos numeros naturais, seria possvel, por

    meio de extensoes sucessivas do conceito de numero, chegar a construcao

    dos numeros reais? A resposta e afirmativa e a passagem crucial e dos

    racionais para os reais. Por exemplo: Dedekind construiu o conjunto dos

    numeros reais por meio de cortes (de Dedekind), cujos elementos sao

    colecoes de numeros racionais; e Cantor obteve um corpo ordenado com-

    pleto cujos elementos sao as classes de equivalencia de sequencias de

    Cauchy de numeros racionais.

    Provada a existencia, surge uma outra pergunta relevante: sera que

    existem dois corpos ordenados completos com propriedades diferentes?

    A resposta e negativa, ou seja, dois corpos ordenados completos diferemapenas pela natureza de seus elementos, mas nao pela maneira como os

    elementos se comportam. A maneira adequada de responder a questao

    da unicidade e a seguinte: Dados K e L corpos ordenados completos,

    existe um unico isomorfismo f : K L, ou seja, existe uma unica bijecaof : K L tal que f(x +y) = f(x) + f(y) e f(x y) = f(x) f(y). Como, alemdisso, o fato de f preservar a soma implica que x < y f(x) < f(y),K e L sao indistinguveis no que diz respeito as propriedades de corpos

    ordenados completos (ver exerccios 55 e 56).

    Instituto de Matematica - UFF 29

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    J. Delgado - K. Frensel30

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    Corpos

    1. Corpos

    Um corpoe um conjunto K munido de duas operacoes:

    Adic ao + : KK K(x, y) x +y Multiplicac ao : KK K(x, y) x y ,

    que satisfazem as seguintes condicoes, chamadas axiomas de corpo:

    Axiomas de corpo para a adicao:

    (1) Associatividade: (x +y) + z = x + (y + z) , para todos x,y,z K.(2) Comutatividade: x +y = y + x , para todos x, y K.

    (3) Elemento neutro: existe um elemento designado 0 K e chamadozero, tal que x + 0 = x, para todo x K.(4) Simetrico: para todo x K existe um elemento designado x K echamado o sim etricode x, tal que x + (x) = 0.

    Observacao 1.1

    0 + x = x e (x) + x = 0 , para todo x K.

    A soma x + (y) sera indicada

    apenas por x y e chamada

    a diferenca entre x e y. A

    operacao (x, y) xy chama-se subtrac ao.

    x y = z se, e so se, x = y + z. De fato,x y = z x + (y) = z x + (y) + y = z +y x + 0 = y + z x = y + z .

    O zero e unico, ou seja, se x + = x para todo x K, entao = 0. Defato,

    x + = x = x x = 0 . Todo x K possui apenas um simetrico. De fato,

    x +y = 0= y = 0 + (x) = x .

    (x) = x , pois (x) + x = 0 . Lei de cancelamento: x + z = y + z = x = y. De fato,

    x + z + (z) = y + z + (z) = x + 0 = y + 0 = x = y .Axiomas de corpo para a multiplicacao:

    (5) Associatividade: (x y) z = x (y z) , para todos x,y,z K.

    (6) Comutatividade: x y = y x , para todos x, y K.

    Instituto de Matematica - UFF 31

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    Analise na Reta

    (7) Elemento neutro: existe um elemento designado 1 K {0} e cha-mado um, tal que x 1 = x, para todo x K.(8) Inverso multiplicativo: para todo x

    K {0} existe um elemento

    designado x1 K e chamado o inversode x, tal que x x1 = 1.

    Observacao 1.2

    x 1 = 1 x = x para todo x K. x x1 = x1 x = 1 para todo x K {0}.

    Dados x, y K, com y = 0, escrevemos x y1 = xy

    . A operacao

    (x, y) xy , x K, y K {0}, chama-se divis ao e o numero xy e o

    quocientede x por y.

    A multiplicacao de x por y

    sera designada, tambem, pela

    justaposicao xy.

    Se y = 0, xy

    = z x = yz. De fato,x

    y= z (xy1)y = zy x(y1y) = yz x 1 = yz x = yz .

    Lei de Cancelamento: se xz = yz e z = 0, entao x = y. Se xy = x para todo x K, entao, tomando x = 1, temos y = 1. Isto

    prova a unicidade do elemento neutro multiplicativo 1.

    Seja xy = x. Se x = 0, pela lei de cancelamento, temos que y = 1.Se x = 0, y pode ser qualquer elemento de K, pois, como provaremos

    depois, 0 y = 0 para todo y K. se xy = 1, entao, como veremos depois, x = 0 e y = 0. Logo,

    xy = 1 = x1 1 = x1(xy) = (x1 x) y = 1 y = y = x1 .Isso prova a unicidade do elemento inverso multiplicativo de x.

    Por fim, as operacoes de adicao e multiplicacao num corpoK acham-

    se relacionadas pelo axioma:

    (9) Distributividade: x(y+z) = xy+xz quaisquer que sejam x,y,z K.

    Observacao 1.3

    (x +y) z = x z +y z para todos x,y,z K. x 0 = 0 para todo x K. De fato,

    x 0 + x = x 0 + x 1 = x (0 + 1) = x 1 = x ,

    J. Delgado - K. Frensel32

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    Exemplos de corpos

    logo, x 0 = 0. se x y = 0 entao x = 0 ou y = 0. De fato, se x = 0, entao x1 (x y) =x1

    0. Logo, y = 0.

    Assim, se x = 0 e y = 0, entao x y = 0. Regras dos sinais: (x) y = x (y) = (x y) e (x) (y) = x y .De fato, temos que (x) y + x y = (x + x) y = 0 y = 0, ou seja,(x)y = (xy). Analogamente, podemos verificar que x(y) = (xy).Logo,

    (x) (y) = (x (y)) = ((x y)) = x y .

    Em particular, (1) (1) = 1.

    2. Exemplos de corpos

    Exemplo 2.1 O conjunto Q dos numeros racionais, com as operacoes

    p

    q +

    p

    q =pq +p q

    qq ep

    q p

    q =p

    p

    q q , e um corpo.

    De fato, lembrando quep

    q=

    p

    q pq = p q, vamos provar primeiro

    que a soma e a multiplicacao de numeros racionais estao bem definidas.

    Sejamp

    q=

    p1

    q1e

    p

    q =

    p 1q 1

    . Entao

    pq

    +p

    q =

    pq +p qqq

    =p1q

    1 +p

    1q1

    q1q1

    =p1

    q1+

    p 1q 1

    , pois, como pq1 = p1q e

    p q 1 = p1q

    , segue-se que

    (pq +p q)(q1q 1) = pqq1q 1 +p

    qq1q 1= (pq1)(q

    q 1) + (pq 1)(qq1)

    = p1qqq 1 +p

    1q

    qq1

    = (p1q1 +p

    1q1)(qq

    ) .

    pq

    p

    q =

    pp

    qq =

    p1p1

    q1q1

    =p1

    q1 p

    1

    q 1, pois

    (pp )(q1q 1) = p1qp 1q = (p1p 1)(qq ) .

    Instituto de Matematica - UFF 33

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    Analise na Reta

    O elemento neutro da adicao e 0p

    , para todo p = 0, poisp

    q+

    0

    p =

    pp + 0q

    qp =

    pp

    qp =

    p

    q.

    O elemento neutro da multiplicacao e 11

    =p

    p , p Z, pois

    p

    q 1

    1=

    p 1q 1 =

    p

    q.

    seja pq

    Q. Entao pq

    e o simetrico dep

    q, pois

    p

    q+

    p

    q=

    p q + (p) qq q =

    0

    q q = 0.

    Sejap

    q Q, com p = 0. Entaoq

    p e inverso dep

    q , pois

    p

    q q

    p=

    p qq p = 1.

    Exerccio 1: Verificar as propri-edades comutativa, associativa e

    a distributividade das operacoes

    definidas no exemplo 2.1 sobre os

    numeros racionais.

    Exemplo 2.2 O conjunto Z2 = {0, 1} com as operacoes de adicao e

    multiplicacao definidas nas tabuadas abaixo e um corpo.

    + 0 1

    0 0 11 1 0

    0 1

    0 0 01 0 1

    Pela definicao, a adicao e a multiplicacao sao comutativas; o elemento

    neutro da adicao e o 0; o elemento neutro da multiplicacao e o 1; o

    simetrico do 0 e o 0 e do 1 e 1; o inverso do 1 e 1.

    Exerccio 2: Verificar a associ-

    atividade e a distributividade das

    operacoes definidas no exemplo

    2.2 sobre Z2 .

    Exemplo 2.3 O conjunto Q(i) = {(x, y) | x, y Q} e um corpo com asoperacoes de adicao e multiplicacao definidas por

    (x, y) + (x , y ) = (x + x , y +y )

    (x, y) (x , y ) = (xx yy , xy + x y) ,

    De fato, a comutatividade e a associatividade da adicao seguem-se direto

    do fato que Q e um corpo.

    O elemento neutro da adicao e (0, 0) e o simetrico de (x, y) e (x, y).

    A comutatividade da multiplicacao sai direto da definicao e da comutativi-

    dade da multiplicacao de numeros racionais.

    J. Delgado - K. Frensel34

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    Exemplos de corpos

    O elemento neutro da multiplicacao e (1, 0), pois

    (x, y) (1, 0) = (x 1 y 0, x 0 + 1 y) = (x, y) .

    O inverso multiplicativo de (x, y) = (0, 0) e x

    x2 +y2 ,

    y

    x2 +y2

    , pois

    x2 +y2 = 0 e

    (x, y)

    x

    x2 +y2,

    y

    x2 +y2

    =

    x2

    x2 +y2+

    y2

    x2 +y2,

    xy

    x2 +y2+

    xy

    x2 +y2

    =

    x2 +y2

    x2 +y2,

    0

    x2 +y2

    = (1, 0)

    Exerccio 3: Verificar a proprie-

    dade associativa da multiplicacao

    e propriedade distributiva das

    operacoes definidas no exemplo

    2.2 sobre Q(i).

    Representando (x, 0) por x e (0, 1) por i, temos que

    iy = (0, 1)(y, 0) = (0, y) ; ii = (0, 1)(0, 1) = (0 0 1 1, 0 1 + 1 0) = (1, 0) = 1 ; (x, y) = (x, 0) + (0, y) = x + iy .

    O corpo Q(i) chama-se o corpo dos n umeros complexos racionais.

    Exemplo 2.4 O conjunto Q(t) das funcoes racionais r(t) =p(t)

    q(t), onde

    p e q sao polinomios com coeficientes racionais, sendo q(t) nao identica-

    mente nulo, com as operacoes de adicao e multiplicacao definidas abaixo

    e um corpo.

    p(t)

    q(t)+

    p (t)q (t)

    =p(t) q (t) +p (t) q(t)

    q(t) q (t)p(t)

    q(t) p

    (t)q (t)

    =p(t) p (t)q(t) q (t) .

    Observacao 2.1 Num corpo K tem-se:

    x2 = y2 =

    x = y .

    Com efeito,

    x2 = y2 = x2 y2 = 0= (x y)(x +y) = 0= x y = 0 ou x +y = 0= x = y ou x = y= x = y .

    Instituto de Matematica - UFF 35

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    Analise na Reta

    3. Corpos ordenados

    Um corpo ordenado e um corpo K no qual existe um subconjunto

    P K, chamado o conjunto dos elementos positivos de K, com as se-guintes propriedades:

    (1) A soma e o produto de elementos positivos sao elementos posi-

    tivos. Ou seja, x, y P = x +y P e x y P.(2) Dado x K, exatamente uma das tres alternativas seguintes

    ocorre:

    ou x = 0 ; ou x P ; ou x P .

    Assim, sendo P = {x K | x P}, temosK = P (P) {0} ,

    onde P, P e {0} sao subconjuntos de K disjuntos dois a dois.

    Os elementos de P chamam-se negativos.

    Num corpo ordenado, se a = 0 entao a2 P.De fato, sendo a = 0, temos que a P ou a P. No primeiro caso,

    a2 = a a P, e no segundo caso, a2 = a a = (a) (a) P.Em particular, num corpo ordenado, 1 = 1 1 e sempre positivo e,

    portanto, 1 P.Logo, num corpo ordenado, 1 n ao e quadrado de elemento algum.

    Exemplo 3.1 Q e um corpo ordenado no qual P =

    p

    q

    pq N

    .

    De fato, se pq

    ,p

    q P, entao pq,p q N e, portanto,

    pq

    +p

    q =

    pq +p qqq

    P, pois

    (pq +p q)(qq ) = (pq)q 2 + (p q )q2 N .

    pq

    p

    q =

    pp

    qq P, pois pp qq = (pq)(p q ) N.

    Seja pq

    Q. Entao, pq = 0 ou pq N ou (pq) N, ou seja, pq

    =0

    q= 0

    ou

    p

    q P oup

    q =

    p

    q P.

    J. Delgado - K. Frensel36

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    Corpos ordenados

    Exemplo 3.2 Q(t) e um corpo ordenado no qual

    Lembre que o coeficiente lder de

    um polinomio e o coeficiente do

    seu termo de maior grau.

    P =

    p(t)

    q(t)

    pq e um polinomio cujo coeficiente lider e positivo

    .

    De fato:

    Se p(t)q(t)

    ,p (t)q (t)

    P, entao os coeficientes an e bm dos termos de maior

    grau de pq e p q , respectivamente, sao positivos.

    Logo,

    o coeficiente cj do termo de maior grau de (pq + p q)qq =pqq 2 + p q q2 e positivo, pois cj = anq

    2i + bmq

    2i ou cj = anq

    2i ou

    cj = bmq2i , onde qi e q i sao os coeficientes dos termos de maior grau

    de q e q , respectivamente.

    o coeficiente do termo de maior grau de pp qq = (pq)(p q ) eanbm > 0.

    Se p(t)q(t)

    Q(t), entao ou pq = 0 (e, neste caso, p = 0) ou o coeficiente

    do termo de maior grau de pq e positivo ou o coeficiente do termo de

    maior grau de pq e negativo. Logo, oup(t)

    q(t)

    = 0 oup(t)

    q(t) P ou

    p(t)

    q(t) P

    Exemplo 3.3 O corpo Z2 nao e ordenado, pois 1 + 1 = 0, e num corpo

    ordenado 1 e positivo e a soma 1 + 1 de dois elementos positivos e um

    elemento positivo.

    Exemplo 3.4 O corpo Q(i) nao e ordenado, pois i2 = 1, e num corpo

    ordenado 1 e negativo e o quadrado de qualquer elemento diferente de

    zero e positivo.

    Definicao 3.1 Num corpo ordenado K, dizemos que x e menor do que

    y, e escrevemos x < y, se y x P, ou seja, y = x + z, z P. Podemos,tambem, dizer que y e maior do quex e escrever y > x.

    Observacao 3.1

    Em particular, x > 0 se, e so se, x P e x < 0 se, e so se, x P, ou

    seja, x P.

    Instituto de Matematica - UFF 37

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Analise na Reta

    Se x P e y P, tem-se x > y, pois x + (y) P.

    Proposicao 3.1 A relac ao de ordem x < y num corpo ordenado satis-

    faz as seguintes propriedades:

    (1) Transitividade: x < y ey < z = x < z ;(2) Tricotomia: dados x, y K, ocorre exatamente uma das seguintesalternativas:

    oux = y , oux < y , ouy < x .

    (3) Monotonicidade da adic ao: Sex < y, ent aox + z < y + z para todo

    z K.(4) Monotonicidade da multiplicac ao: Se x < y, ent ao xz < yz para

    todoz > 0, exz > yz para todoz < 0.

    Prova.

    (1) Se x < y e y < z, entao y x P e z y P. Logo, (y x) + (z y) =z x P, ou seja, x < z.(2) Dados x, y K, ocorre exatamente uma das seguintes alternativas:

    ou y x = 0 , ou y x

    P , ou y x

    P ,

    ou seja,

    ou x = y , ou x < y , ou y < x .

    (3) Se x < y entao y x P. Logo, (y + z) (x + z) = y x P, ou sejax + z < y + z, para todo z K.(4) Se x < y e z > 0, entao y x P e z P. Logo, (y x)z = yz xz P,ou seja xz < yz. Se, porem, x < y e z < 0, entao y x P e z P,donde (y x)(z) = xz yz

    P, ou seja, xz > yz.

    Em particular, x < y e equivalente a x > y, pois (1)x > (1)y,ouseja, x > y, ja que 1 P, ou seja 1 < 0. Se x < x e y < y entao x +y < x +y .De fato, por (3), se x < x , entao x + y < x + y, e se y < y , entao

    x +y < x +y . Logo, por (1), x +y < x +y .

    Se 0 < x < x e 0 < y < y , entao xy < x y .

    De fato, por (4), x y < x y e x y < x y , e por (1), xy < x y .

    J. Delgado - K. Frensel38

  • 8/3/2019 anlise real -livro completo

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    Corpos ordenados

    se x > 0 e y < 0, entao xy < 0.De fato, como x P e y P, temos x(y) = (xy) P, ou seja, xy < 0.

    Se x > 0 entao x1 > 0, pois xx1 = 1 > 0.

    Se x > 0 e y > 0, entao xy

    > 0, poisx

    y= xy1 e y1 > 0.

    Se x < y, x > 0 e y > 0, entao 1y

    0 e xy > 0, entao x1 y1 =1

    x

    1

    y=

    y x

    xy> 0,

    ou seja, x1 > y1.

    Definicao 3.2 Num corpo ordenado, dizemos que x e menor ou iguala

    y, e escrevemos x y, se x < y ou x = y, ou seja, y x P {0}. Oselementos do conjunto P {0} = {x K | x 0} chamam-se n ao-negativos.

    Dados x, y K, tem-se x = y se, e so se, x y e y x. Com excecao da tricotomia, que e substituda pelas propriedades:

    Reflexiva: x x,

    Anti-simetrica: x y e y x x = y,todas as outras propriedades acima demonstradas para a relacao x < y

    sao validas, tambem, para a relacao x y. Num corpo ordenado K, 0 < 1, logo 1 < 1 + 1 < 1 + 1 + 1 < . . ., e osubconjunto de K formado por estes elementos e infinito, e se identifica

    de maneira natural ao conjunto N dos numeros naturais.

    Indiquemos por 1 o elemento neutro da multiplicacao de K e defina-

    mos por inducao a funcao f : N K, pondof(1) = 1 e f(n + 1) = f(n) + 1 .

    Por inducao, podemos verificar que f(m + n) = f(m) + f(n) e que se

    m < n entao f(m) < f(n). De fato:

    Seja m N e seja X = {n N | f(m + n) = f(m) + f(n)}.Assim, 1 X e se n X, entao

    f(m + (n + 1)) = f((m + n) + 1) = f(m + n) + 1

    = f(m) + f(n) + 1 = f(m) + f(n + 1) .

    Instituto de Matematica - UFF 39

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    40/331

    Analise na Reta

    ou seja, n + 1 X. Logo, X = N. Seja Y = {n N | f(n) P} . Entao:

    1

    Y, pois f(1) = 1

    P ,

    se n Y, entao n + 1 Y, pois f(n + 1) = f(n) + 1 P.Logo, Y = N.

    Temos, assim, que se m < n entao f(m) < f(n), pois, como existe

    p N tal que n = m + p, segue-se que f(n) = f(m) + f(p), ou seja,f(n) f(m) = f(p) P.

    Exerccio 4: Verifique que

    f(mn) = f(m)f(n) , m, n N .

    Portanto, f : N

    f(N) = N K e uma bijecao, onde N e o

    subconjunto deK

    formado pelos elementos1, 1

    + 1

    , 1

    + 1

    + 1

    , . . .

    quepreserva a soma, o produto e a relacao de ordem. Podemos, entao, iden-

    tificar N com N e considerar N contido em K, voltando a escrever 1, em

    vez de 1 .

    Em particular, um corpo ordenado K e infinito e tem caracter stica

    zero, ou seja, 1 + 1 + 1 + . . . + 1 = 0 qualquer que seja o numero deparcelas 1.

    Considere o conjunto Z = N

    {0}

    (N), onde N = {n | n

    N}.

    Entao, Z e um subgrupo abeliano de K com respeito a operacao de

    adicao.

    De fato, 0 Z e se x Z entao x Z . Resta verificar que sex, y Z entao x +y Z . Se x, y N entao x +y N Z . Se x, y N entao (x)+(y) = (x+y) N, ou seja, x+y N Z .

    Se x N e y N entao, fazendo y = z, com z N, temos que, oux + y = x z = 0 Z , ou x + y = x z > 0 e, portanto, x + y N, oux +y = x z < 0 e, portanto, x +y N.

    Exerccio 5: Verifique que se

    m, n N e m n > 0 entaom n N .

    Exerccio 6: Verifique que xy Z quaisquer que sejam x,y Z .

    Se x N {0} (N) e y = 0 entao x +y = x Z .Podemos, assim, identificar Z com o grupo Z dos numeros inteiros.

    Seja, agora, Q =

    m

    n

    m Z e n Z. Entao, Q e um subcorpode K, pois:

    J. Delgado - K. Frensel40

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    Corpos ordenados

    0, 1 Q ,

    se mn

    Q entao mn

    =m

    n Q .

    se mn

    Q entao nm

    Q .

    se mn

    ,m

    n Q entao m

    n+

    m

    n Q . De fato, como

    nn

    m

    n+

    m

    n

    =

    mnn

    n+

    m nn

    n = mn + m n ,

    temos que

    m

    n+

    m

    n =

    mn + m nnn

    Q ,

    pois, como ja vimos, mn + m n Z e nn Z. Q e o menor subcorpo de K.

    Com efeito, todo subcorpo de K deve conter pelo menos 0 e 1; por

    adicoes sucessivas de 1, todo subcorpo de K deve conter N; tomando os

    simetricos, deve conter Z e por divisoes em Z, deve conter o conjunto das

    fracoesm

    n, m Z e n Z.

    Este menor subcorpo de K se identifica, de maneira natural, com o

    corpo Q dos numeros racionais.

    Assim, dado um corpo ordenado K, podemos considerar, de modo

    natural, as inclusoes

    N Z Q K .

    Exemplo 3.5 O corpo ordenado Q(t) contem todas as fracoes do tipop

    q, onde p e q sao polinomios constantes, inteiros, com q = 0. Logo,

    Q Q(t).

    Proposicao 3.2 (Desigualdade de Bernoulli)

    SejaK um corpo ordenado e sejax K. Sen N ex 1 ent ao(1 + x)n 1 + nx

    Johann Bernoulli

    (1667-1748) Suca.

    Prova.

    Faremos a demonstracao por inducao em n.

    Instituto de Matematica - UFF 41

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    Analise na Reta

    Para n = 1 a desigualdade e obvia.

    Se (1 + x)n 1 + nx, entao(1 + x)n+1 = (1 + x)n(1 + x)

    (1 + nx)(1 + x)

    = 1 + nx + x + nx2 = 1 + (n + 1)x + nx2

    1 + (n + 1)x .

    Exerccio 7: Mostre que se n N, n > 1, x > 1 e x

    = 0, entao

    a desigualdade de Bernoulli e es-

    trita, isto e,

    (1 + x)n > 1 + nx.

    Observacao 3.2 (Sobre a Boa Ordenacao)

    Existem conjuntos n ao-vazios de n umeros inteiros que n ao possuem um

    menor elemento.

    Exemplo 3.6 O conjunto Z nao possui um menor elemento.

    De fato, dado n0 Z, temos que n0 1 Z e n0 1 < n0, pois n0 (n0 1) = 1 > 0.

    Exemplo 3.7 O conjunto A = {2n | n Z} dos inteiros pares nao possuium menor elemento.

    De fato, dado 2n0

    A, 2n0

    2 = 2(n0

    1)

    A e 2(n0

    1) < 2n0

    .

    Exemplo 3.8 Se X N e um conjunto infinito de numeros naturais,entao X = {n | n X} e um conjunto nao-vazio de numeros inteirosque nao possui um menor elemento.

    Com efeito, suponha que existe n0 X tal que n0 n para todo n X.Entao, n0 n para todo n X, o que e absurdo, pois, como X e infinito,X nao e limitado superiormente.

    Mas, se um conjunto nao-vazio X Z e limitado inferiormente, entaoX possui um menor elemento.

    Seja a Z tal que a < x para todo x X. Entao, x a > 0 para todox X, ou seja x a N para todo x X.

    Seja A = {(x a) | x X}.Como A N, temos, pelo Princpio da Boa Ordenacao, que existe

    n0 A tal que n0 x a para todo x X.

    J. Delgado - K. Frensel42

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    Intervalos

    Seja x0 X tal que n0 = x0 a. Entao, x0 a x a para todox X.

    Logo, x0

    x para todo x

    X.

    4. Intervalos

    Num corpo ordenado, existe a importante nocao de intervalo.

    Intervalos limitados: Dados a, b K, a < b, definimos os intervaloslimitadosde extremos a e b como sendo os conjuntos:

    Intervalo fechado: [a, b] = {x K | a x b} ; Intervalo fechado a esquerda: [a, b) = {x K | a x < b} ; Intervalo fechado a direita: (a, b] = {x K | a < x b} ; Intervalo aberto: (a, b) = {x K | a < x < b} ; Intervalos ilimitados: Dado a K, definimos os intervalos ilimitadosde origema como sendo os conjuntos:

    Semi-reta esquerda fechada de origem a: (, a] = {x K | x a} ;

    Semi-reta esquerda aberta de origem a: (, a) = {x K | x < a} ; Semi-reta direita fechada de origem a: [a, +) = {x K | a x} ; Semi-reta direita aberta de origem a: (a, +) = {x K | a < x} ; (, +) = K , este intervalo pode ser considerado aberto ou fechado.Observacao 4.1 Ao considerar o intervalo fechado [a, b] e conveniente

    admitir o caso a = b em que o intervalo [a, a] consiste apenas do unicoponto a. Tal intervalo chama-se intervalo degenerado.

    Observacao 4.2 Todo intervalo nao-degenerado e um conjunto infinito.

    Com efeito, se a, b K e a < b entao a < a + b2

    < b, pois

    a + b

    2 a =

    b a

    2> 0 , e b

    a + b

    2=

    b a

    2> 0 .

    Faca x1 =

    a + b

    2 , e defina por inducao, xn+1 =

    a + xn

    2 .

    Instituto de Matematica - UFF 43

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    Analise na Reta

    Entao, a < . . . < xn+1 < xn < . . . < x2 < x1 < b.

    Como a funcao : N

    (N) (a, b), dada por i

    xi , e uma bijecao,

    (N) e um conjunto infinito enumeravel.

    Fig. 1: Construcao da sequencia x1, x2, . . . , xn, . . ..

    Definicao 4.1 Num corpo ordenado K, definimos o valor absoluto ou

    m odulode um elemento x K, designado |x|, como sendo x, se x 0, ex, se x < 0. Assim,

    |x| =

    x , se x > 0

    0 , se x = 0

    x , se x < 0

    Observacao 4.3 Tem-se

    |x| = max{x, x} ,

    e, portanto, |x| x e |x| x, ou seja, |x| x |x|.

    Proposicao 4.1 SejaK um corpo ordenado e a, x K. As seguintesafirmac oes s ao equivalentes:

    (1) a x a ;(2) x a e x a ;(3) |x| a.

    Prova.

    Temos que

    a x a a x e x a a x e a x a max{x, x} = |x| .

    Corolario 4.1 Dados a,b,x K, tem-se

    |x a| b se, e s o se, a b x a + b .

    J. Delgado - K. Frensel44

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    Intervalos

    Prova.

    De fato, |x a| b se, e so se, b x a b, ou seja, a b x a + b(somando a).

    Observacao 4.4 Todas as afirmacoes da proposicao e do seu corolario

    sao verdadeiras com < em vez de .Em particular,

    x (a , a + ) a < x < a + |x a| < .Assim, o intervalo aberto (a , a + ), de centro a e raio , e formado

    pelos pontos x K cuja dist ancia, |x a|, de a e menor do que .

    Fig. 2: x (a ,a + ) |x a| < .

    Na figura ao lado, representa-

    mosos elementos do conjunto em

    questao, no caso, a, x (a ,a + ), por um ponto cheio. Os

    pontos sem preenchimento repre-

    sentam pontos que nao perten-

    cem ao conjunto em questao.

    Proposicao 4.2 Para elementos arbitr arios de um corpo ordenadoK,

    valem as relac oes:

    (1) |x +y| |x| + |y| ;(2) |x

    y| = |x|

    |y| ;

    (3) |x| |y| | |x| |y| | |x y| ;(4) |x y| |x z| + |z y| .

    Prova.

    (1) Como |x| x |x| e |y| y |y|, temos que(|x| + |y|) x +y |x| + |y| .

    Logo, |x +y|

    |x| +y|.

    (2) Seja qual for x K, |x|2 = x2, pois se |x| = x, entao |x|2 = x2, e se|x| = x, tambem |x|2 = (x)2 = x2. Logo,

    |xy|2 = (xy)2 = x2y2 = |x|2 |y|2 = (|x| |y|)2 .

    Entao, |xy| = |x| |y|. Como |xy| 0 e |x| |y| 0, temos que |xy| = |x| |y|.(3) Por (1), |x| = |x y +y| |x y| + |y|, ou seja, |x y| |x| |y|.De modo analogo, |y x| |y| |x|.

    Como |y x| = |x y|, temos que |x y| |x| |y|.

    Instituto de Matematica - UFF 45

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    Analise na Reta

    Assim,

    |x y| |x| |y| |x y| .Logo, pela proposicao 4.1,

    | |x| |y| | |x y| .A outra desigualdade, |x| |y| | |x| |y| | segue da definicao de valorabsoluto.

    (4) Por (1), |x y| = |x z + z y| |x z| + |z y| .

    Definicao 4.2 Seja X um subconjunto de um corpo ordenado K.

    X e limitado superiormentequando existe b K tal que x b para todox X, ou seja X (, b]. Cada b com esta propriedade e uma cotasuperiorde X.

    X e limitado inferiormente quando existe a K tal que x a para todox X, ou seja, X [a, +). Cada a com esta propriedade e uma cotainferiorde X.

    X e limitadoquando e limitado superior e inferiormente, ou seja, quandoexistem a, b K, a < b, tais que X [a, b].

    Exemplo 4.1 No corpo Q dos numeros racionais, o conjunto N dos

    numeros naturais e limitado inferiormente, pois N [1, +), mas naoe limitado superiormente.

    De fato, sep

    q Q, entao |p| + 1 N e |p| + 1 > p

    q, pois

    |p| + 1 p

    q=

    |p|q + q p

    q

    e

    (|p|q + q p)q = |p|q2 + q2 pq = |p| |q|2 + |q|2 pq

    |p| |q| + |q|2 pq |q|2 1 > 0 .

    Exemplo 4.2 No corpo Q(t) das fracoes racionais, o conjunto N dos

    numeros naturais e limitado inferior e superiormente, pois N [0, +) en < t para todo n N, ja que o coeficiente do termo de maior grau det n

    e1 > 0

    J. Delgado - K. Frensel46

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    Numeros reais

    Teorema 4.1 Num corpo ordenadoK, as seguintes afirmac oes s ao equi-

    valentes:

    (a) N

    K e ilimitado superiormente;

    (b) dados a, b K, coma > 0, existen N tal quena > b.

    (c) dadoa > 0 emK, existen N tal que0 < 1n

    < a .

    Prova.

    (a)=(b) Como N e ilimitado superiormente, dados a, b K, com a > 0,existe n N tal que n > b

    a. Logo, na > a b

    a= b.

    (b)=(c) Dado a > 0, existe, por (b), n N tal que n a > 1. Entao0 0, existe, por (c), n N tal que 0 < 1n

    c.

    Observacao 5.1 O supremo de um conjunto, quando existe, e unico.

    De fato, se b e b em K cumprem as condicoes S1 e S2, entao, b b eb b, ou seja, b = b.O supremo de um conjunto X sera denotado por sup X.

    Observacao 5.2 O conjunto vazio

    nao possui supremo emK

    , poistodo elemento de K e uma cota superior do conjunto vazio e K nao possui

    um menor elemento.

    Definicao 5.2 Um elemento a K e o nfimode um subconjunto Y Klimitado inferiormente quando a e a maior das cotas inferiores de Y.

    Assim, a K e o nfimo de Y se, e so se, a satisfaz as duascondicoes abaixo:

    I1: a y para todo y Y.I2: Se c K e tal que c y para todo y Y, entao c a.A condicao I2 e equivalente a condicao:

    I2: Dado c K, c > a, existe y Y tal que y < c.

    Observacao 5.3 O nfimo de um conjunto X, quando existe, e unico, e

    sera denotado por inf X

    Observacao 5.4 O conjunto nao possui nfimo em K, pois todo ele-

    mento de K e uma cota inferior do conjunto vazio e K nao possui um maior

    elemento.

    Exemplo 5.1

    Se X K possui um elemento maximo b X, entao b = sup X. De fato:(1) b x para todo x X.

    (2) Se c x para todo x X, entao c b, pois a X.

    J. Delgado - K. Frensel48

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    Numeros reais

    Se X K possui um elemento mnimo a X, entao a = inf X. De fato:(1) a x para todo x X.(2) Se c

    x para todo x

    X, entao c

    a, pois a

    X.

    Se b = sup X X, entao sup X e o maior elemento de X, pois b x paratodo x X e b X. Se a = inf X X, entao inf X e o menor elemento de X, pois a x paratodo x X e a X.Em particular, se

    X e finito, entao o sup X e o inf X existem e pertencem a X.

    X = [a, b], entao sup X = b e inf X = a. X = (, b], entao sup X = b. X = [a, +), entao inf X = a.

    Exemplo 5.2 Se X = (a, b), entao inf X = a e sup X = b.

    Com efeito, b e uma cota superior de X. Seja c < b em K. Se c a,existe x =

    a + b

    2 X, por exemplo, tal que c < a + b

    2. Se a < c < b, entao

    c + b2

    X e c < c + b2

    . Assim, b = sup X.

    De modo analogo, podemos provar que a = inf X.

    Observe que, neste exemplo, sup X X e inf X X.

    Exemplo 5.3 Seja Y Q o conjunto das fracoes do tipo 12n

    , n N.

    Entao, sup Y =1

    2e inf Y = 0.

    Como 12

    Y e 12n

    1, n N, temos que 1

    2e o maior

    elemento de Y e, portanto, o supremo de Y.

    Sendo 12n

    0 para todo n N, 0 e cota inferior de Y.

    Seja b > 0 em Q. Como Q e um corpo arquimediano, existe n0 N talque n0 >

    1

    b 1. Logo, n0 + 1 >

    1

    b.

    Pela desigualdade de Bernoulli, temos que

    Instituto de Matematica - UFF 49

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    Analise na Reta

    2n0 = (1 + 1)n0 1 + n0 > 1b

    ,

    ou seja, b >1

    2n0. Assim, 0 = inf X.

    Mostraremos, agora, que alguns conjuntos limitados de numeros ra-

    cionais nao possuem nfimo ou supremo em Q.

    Lema 5.1 (Pit agoras)

    N ao existe um numero racional cujo quadrado seja igual a 2.

    Prova.

    Suponhamos, por absurdo, que existep

    q Q tal quep

    q

    2= 2 ,

    ou seja p2 = 2q2.

    O fator 2 aparece um numero par de vezes na decomposicao de p2 e de

    q2 em fatores primos.

    Como p2 possui um numero par de fatores iguais a 2 e 2q2 possui um

    numero mpar de fatores iguais a 2, chegamos a uma contradicao.

    Exemplo 5.4 Sejam

    X = {x Q | x 0 e x2 < 2} e Y = x Q |y > 0 e y2 > 2.Como X [0, 2], pois x > 2 implica que x2 > 4, X e um subconjuntolimitado.

    Sendo Y [0, +

    ), Y e limitado inferiormente.

    Mostraremos que X nao possui um supremo em Q e que Y nao possui um

    nfimo em Q.

    (1) O conjunto X nao possui elemento maximo.

    Seja b X, ou seja b 0 e b2 < 2. Como 2 b2

    1 + 2b> 0 e Q e arquimediano,

    existe n N tal que 1n

    b. Assim, dado b X existe b + r X tal queb + r > b.Logo, X nao possui maior elemento.

    (2) O conjunto Y nao possui elemento mnimo.

    Seja b Y, ou seja, b > 0 e b2 > 2. Sendo Q arquimediano e b2 2 > 0,existe n N tal que

    0 < r =1

    n b2 2br > b2 b2 + 2 = 2

    e

    b r > b b2 2

    2b= b

    b

    2+

    1

    b=

    b

    2+

    1

    b> 0 ,

    ou seja, b r Y e b r < b. Assim, X nao possui menor elemento.(3) Se x X e y Y, entao x < y.

    De fato, x2 < 2 < y2 = x2 < y2 = y2 x2 > 0 = (y x)(y + x) >0 = y x > 0, ou seja, y > x, pois y + x > 0. Usando (1), (2) e (3) vamos provar que nao existem sup X e inf Y em Q.

    Suponhamos, primeiro, que existe a = sup X, a Q. Entao, a > 0e a2 2, pois se a2 < 2, a pertenceria a X e seria seu maior elemento.Se a2 > 2, entao a Y. Como a nao e o menor elemento de Y, existeb Y tal que b < a. Por (3), x < b < a para todo x X, o que contradiz

    ser a = sup X.

    Assim, se existir a = sup X, a2 = 2 e a Q, o que e absurdo pelo Lemade Pitagoras.

    Suponhamos, agora, que existe b = inf Y, b Q. Entao, b > 0,pois y > 0 e y2 > 2 > 1 para todo y Y, ou seja, y > 1 para todo y Y.Se b2 > 2 e b > 0, b Y e seria o seu menor elemento, o que e absurdopor (2).

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    Analise na Reta

    Logo, b2 2. Se b2 < 2, entao b X. Como b nao e o maior elemento deX, existe a X tal que b < a. Por (3), b < a < y para todo y Y, o quecontradiz ser b = inf Y.

    Assim, b2 = 2 e b Q, o que e absurdo pelo Lema de Pitagoras.

    Observacao 5.5 Estes argumentos mostram que se existir um corpo

    ordenado K no qual todo subconjunto nao-vazio limitado superiormente

    possui supremo, existira neste corpo um elemento a > 0 tal que a2 = 2.

    De fato, K, sendo ordenado, contem Q e, portanto, contem o conjunto

    X, que e limitado superiormente. Entao, existira a = sup X em K, cujo

    quadrado devera ser igual a 2.

    Exemplo 5.5 Seja K um corpo ordenado nao arquimediano.

    Entao,N K e limitado superiormente, mas nao possui supremo.De fato, seja b K uma cota superior de N. Entao, n + 1 b para todon N. Logo, n b 1 para todo n N, ou seja, b 1 e uma cota superiorde N menor do que b.

    Definicao 5.3 Um corpo ordenado K chama-se completoquando todo

    subconjunto de K nao-vazio e limitado superiormente possui supremo em

    K.

    Observacao 5.6 Num corpo ordenado K completo, todo subconjunto

    Y K nao-vazio limitado inferiormente possui nfimo em K.De fato, considere X = Y = {y |y Y}. Seja b K uma cota inferior deY, ou seja, b y para todo y Y. Entao, b y para todo y Y, ouseja, b e uma cota superior de X e, portanto, X e limitado superiormente.

    Sendo K completo, existe a = sup X.

    Vamos mostrar que a = inf Y:

    a y para todo y Y= a y para todo y Y. Se c y para todo y Y, entao c y para todo y Y. Logo,

    a c, ou seja, c a.

    Observacao 5.7 Pelo exemplo 5.5, temos que todo corpo ordenado

    completo e arquimediano.

    J. Delgado - K. Frensel52

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    Numeros reais

    Exemplo 5.6

    Q nao e completo, pois o conjunto X = {x | x 0 e x2 < 2} Q nao-vazioe limitado superiormente nao possui supremo em Q.

    Q(t) nao e completo, pois Q(t) nao e arquimediano.

    Enunciaremos, agora, o axioma fundamental da An alise Matem atica.

    Axioma: Existe um corpo ordenado completo, R, chamado o corpo

    dos n umeros reais.

    Observacao 5.8 Existe em R um numero positivo a tal que a2 = 2, que

    e representado pelo smbolo 2, e e unico.De fato, se b > 0 em R e b2 = 2, entao

    a2 b2 = 0 = (a b)(a + b) = 0 = a = b ou a = b.Logo, a = b, pois a > 0 e b > 0.

    Alem disto, a R Q.

    Definicao 5.4 O conjunto I = R Q e o conjunto dos numeros irracio-

    nais.

    Exemplo 5.7

    2 I .

    Exemplo 5.8 Dados a > 0 em R e n N, n 2, existe um uniconumero real b > 0 tal que bn = a. O numero b chama-se raiz n esima

    de a e e representado pelo smbolo n

    a.

    Consideremos os conjuntos:

    X = {x

    R | x

    0 e xn < a} e Y = {y

    R |y > 0 e yn > a}

    O conjunto Y e limitado inferiormente pelo zero.

    O conjunto X nao e vazio, pois 0 X, e e limitado superiormente. De fato: se a 1, entao 1 e cota superior de X, pois se z 1, tem-se quezn 1 a, ou seja, z X. Logo, X [0, 1]. se a > 1, entao an > a para todo n 2. Logo, se z a, tem-sezn an > a, ou seja, z X. Assim, X [0, a).

    Como R e completo, existe b = sup X. Vamos provar que bn

    = a.

    Instituto de Matematica - UFF 53

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    Analise na Reta

    (1) X nao possui elemento maximo.

    Dado x X, mostremos que existe d > 0 tal que (x + d)n < a, ou seja,x + d

    X e x + d > x.

    Afirmac ao: Dado x > 0 existe, para cada n, um numero real positivo An,

    que depende de x, tal que (x + d)n xn + And seja qual for 0 < d < 1.Vamos provar esta afirmacao por inducao em n.

    Para n = 1, basta tomar A1 = 1. Supondo verdadeiro para n, temos que

    (x + d)n+1 = (x + d)n(x + d) (xn + and)(x + d)= xn+1 + Andx + dx

    n + And2

    = xn+1 + (Anx + xn + And)d

    < xn+1 + (Anx + xn + An)d ,

    ja que 0 < d < 1. Tomando An+1 = Anx + xn + An, temos que

    (x + d)n+1 xn+1 + An+1d.Dado x X, isto e, x 0 e xn < a, tome d R tal que

    0 < d < min

    1,

    a xn

    An

    .

    Entao,

    (x + d)n xn + And < xn + An(a xn)An

    = a ,

    ou seja, x + d X e x + d > x, o que prova que X nao possui elementomaximo.

    (2) O conjunto Y nao possui elemento mnimo.

    Seja y Y. Mostremos que existe d R tal que 0 < d < y e (y d)n > a,ou seja, y d Y e y d < y.

    Seja 0 < d < y. Entao, 0 < dy

    < 1, ou seja, 1 < dy

    < 0.

    Pela desigualdade de Bernoulli, temos

    (y d)n = yn

    1 d

    y

    n yn

    1 n

    d

    y

    = yn ndyn1 .

    Se tomarmos 0 < d < min

    y,

    yn a

    nyn1

    , teremos que

    (y d)n

    yn ndyn1 > yn nyn1

    (yn a)

    nyn1

    = yn yn + a = a ,

    J. Delgado - K. Frensel54

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    Numeros reais

    ou seja, y d > 0 e (y d)n > a.

    (3) Se x X e y Y entao x < y.De fato, como xn < a < yn, x

    0 e y > 0, temos que x < y, pois xn < yn

    e, portanto,

    yn xn = (y x)(yn1 +yn2x + . . . +yxn2 + xn1) > 0 .

    Como

    yn1 +yn2x + . . . +yxn2 + xn1 > 0,

    temos que y x > 0, ou seja, x < y.

    Exerccio 8: Prove que

    yn xn = (y x)`

    yn1 + yn2x

    +. .. + yxn2 + xn1

    ,

    quaisquer que sejam x,y R en N.Vamos provar, agora, usando (1), (2) e (3), que se b = sup X, entao

    bn = a.

    Se bn < a, temos que b X, o que e absurdo, poisb = sup X e, portanto, o elemento maximo de X, o que contradiz (1).

    Se bn > a, entao b Y, pois b > 0.Como, por (2), Y nao possui um elemento mnimo, existe c Y tal quec < b.

    Exerccio 9: Mostrar que Y= e bn = a, onde b = inf Y.

    Exerccio 10: Mostrar que existe

    um unico b > 0 em R tal que

    bn = a (ver observacao 5.9).Por (3), x < c < b para todo x X, ou seja, c e uma cota superior de Xmenor do que b = sup X, o que e absurdo. Logo, bn = a.

    Observacao 5.9 Dado n N, a funcao f : [0, +) [0, +) definidapor f(x) = xn e sobrejetiva, pois, pelo que acabamos de ver, para todo

    a 0 existe b 0 tal que bn = a, e e injetiva, pois se 0 < x < y, entao,pela monotonicidade da multiplicacao, 0 < xn < yn.

    Logo, f e uma bijecao de [0, +

    ) sobre si mesmo, e sua inversa

    f1 : [0, +) [0, +) e dada por y n

    y, a unica raiz nesima

    nao-negativa de y.

    Observacao 5.10 (Generalizacao do Lema de Pitagoras)

    Dado n N. Se um numero natural m nao possui uma raiz nesimanatural, tambem nao possui uma raiz nesima racional.

    De fato, sejam p, q numeros naturais primos entre si tais que

    p

    q

    n= m.

    Entao, pn

    = m qn

    .

    Instituto de Matematica - UFF 55

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    Analise na Reta

    Como pn e qn sao primos entre si e qn divide pn, temos que q = 1, ou

    seja,p

    q N, o que e absurdo.

    Entao, dados m, n N, sen

    m N entaon

    m I = RQ, ou seja,n

    me um numero irracional.

    Exemplo 5.9

    2 I, pois 12 = 1 e 22 = 4 > 2, ou seja,

    2 N.

    3

    3 I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 3, ou seja, 3

    3 N.

    3

    6 I, pois 13 = 1 e 23 = 8 > 6, ou seja, 3

    6 N.

    Mostraremos, agora, que os numeros irracionais se acham espa-

    lhados por toda parte entre os numeros reais e que ha mais numeros

    irracionais do que racionais.

    Definicao 5.5 Um conjunto X R chama-se densoem R quando todointervalo aberto (a, b) contem algum ponto de X.

    Exemplo 5.10 O conjunto X = R Z e denso em R.

    De fato, seja (a, b), a < b, um intervalo aberto deR

    . Entao, existe n0 Z

    tal que n0 < a e existe m0 Z, m0 > b. Logo,(a, b) Z {n0, . . . , n0 + (m0 n0)} ,

    que e um conjunto finito.

    Como ja provamos que (a, b) e um conjunto infinito, temos que o conjunto

    (a, b) (R Z) e, tambem, infinito e, em particular, e nao-vazio.

    Teorema 5.1 O conjuntoQ dos n umeros racionais e o conjuntoR Q

    dos n umeros irracionais s ao densos emR.

    Prova.

    Seja (a, b), a < b, um intervalo aberto qualquer em R.

    Afirmativa 1: Existe um numero racional em (a, b).

    Como b a > 0, existe p N tal que 1p

    < b a.

    Seja A = m Z mp b .J. Delgado - K. Frensel56

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    Numeros reais

    Como R e arquimediano, A e um conjunto nao-vazio de numeros inteiros,

    limitado inferiormente por pb R, e, portanto limitado inferiormente porum numero inteiro.

    Entao, pelo Princpio de Boa Ordenacao (ver pag. 42), existe m0 A talque m0 m para todo m A.

    Logo, como m0 1 < m0, temos que m0 1 A, ou seja, m0 1p

    < b.

    Temos, tambem, que a x2 > . . . > xn > . . .. Se xn

    xn+1 para todo n

    N, a

    sequencia e n ao-crescente.

    As sequencias crescentes, nao-decrescentes, decrescentes e nao-crescentessao chamadas sequ encias mon otonas.

    Observacao 1.5 Uma sequencia monotona (xn)nN e limitada se, e so

    se, possui uma subsequencia limitada.

    Com efeito, vamos supor que x = (xn)nN e nao-decrescente e (xn)nN

    e uma subsequencia limitada de x, ou seja, existe b R tal que xn b

    J. Delgado - K. Frensel66

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    Sequencias

    para todo n N . Como N e ilimitado, dado n N existe m N tal quem > n.

    Logo, x1

    xn

    xm

    b. Assim, x1

    xn

    b para todo n

    N.

    Analisaremos agora alguns exemplos de sequencias.

    Exemplo 1.1 xn = 1 para todo n N, ou seja, (xn)nN e uma sequenciaconstante. Entao, ela e limitada nao-decrescente e nao-crescente.

    Exemplo 1.2 Se xn = n para todo n N, a sequencia (xn)nN e limi-tada inferiormente, ilimitada superiormente e monotona crescente.

    Exemplo 1.3 xn = 0 para todo n par e xn = 1 para n mpar. Essasequencia e limitada e nao e monotona. Observe que a sequencia se

    define, tambem, pelas formulas xn =1 + (1)n

    2ou xn = sen

    2

    n

    2

    .

    Exemplo 1.4 Se xn =1

    npara todo n N, entao x =

    1,

    1

    2, . . . ,

    1

    n, . . .

    e uma sequencia limitada e decrescente, pois xn (0, 1] e xn+1 < xn paratodo n N.

    Exemplo 1.5 Seja x = (xn)nN, onde xn =n(1 + (1)n+1)

    2para todo

    n N. Entao xn = 0 para n par e xn = n para n mpar, ou seja, x =(1 , 0 , 3 , 0 , 5 , . . .). Ela e ilimitada superiormente, limitada inferiormente e

    nao e monotona, mas seus termos de ndice mpar x2n1 = 2n 1 formam

    uma subsequencia monotona crescente ilimitada superiormente e seus

    termos de ndice par x2n = 0 formam uma subsequencia constante.

    Exemplo 1.6 Seja a R e consideremos a sequencia xn = an

    , n N. se a = 0 ou a = 1, entao xn = 0 para todo n N ou xn = 1 para todon N, respectivamente. Nestes casos, (xn)nN e constante. Se 0 < a < 1, entao an+1 < an e 0 < an < 1 para todo n N, ou seja,(xn)nN e decrescente e limitada.

    Se 1 < a < 0, entao a sequencia nao e monotona, pois seus termossao alternadamente positivos e negativos, mas continua sendo limitada,

    pois |an

    | = |a|n

    , com 0 < |a| < 1.

    Instituto de Matematica - UFF 67

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    Analise na Reta

    Se a = 1, entao a sequencia (an)nN e (1,1, 1 , 1 , . . .) e e, portanto,limitada, mas nao e monotona.

    Se a > 1, entao a sequencia (an)nN e monotona crescente e ilimitada

    superiormente.

    De fato:

    Como a > 1 e an > 0, temos que a an > 1 an, ou seja, an+1 > anpara todo n N.

    Seja h > 0 tal que a = 1 + h. Entao, pela desigualdade de Ber-noulli, an = (1+h)n 1+nh. Dado b R, existe n N, tal que n > b 1

    h.

    Logo, a

    n

    1+

    nh > b. se a < 1, a sequencia nao e monotona, pois seus termos sao al-ternadamente positivos e negativos, e nao e limitada superiormente nem

    inferiormente.

    De fato:

    Os termos de ordem par x2n = a2n = (a2)n formam uma sub-sequencia monotona crescente ilimitada superiormente pois a2 > 1.

    Os termos de ordem mpar x2n1 = a2n1 = a