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Análise dos Instrumentos de Planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS) Aluna: Ana Beatriz Cardoso da Luz 1 Orientador: Maurício Fernandes Pereira 2 Tutora: Maria Luciana Biondo Silva 3 Resumo O planejamento em saúde é objeto de gran- de parte do arcabouço legal do SUS e o Mi- nistério da Saúde (MS) passou a auxiliar o processo de gestão. Considerando a ascen- dência do planejamento, a descentralização e o papel ordenador do MS, este estudo, pela revisão de literatura, analisa os ins- trumentos propostos para auxiliar a gestão municipal e, para isso, também analisa as referências teóricas sobre planejamento em saúde, o histórico de planejamento no SUS e os instrumentos existentes, suas aplicações e os principais desafios para consolidação do planejamento. O Sistema de Planejamento do SUS, PlanejaSUS, tem três instrumentos básicos: o Plano de saúde (PS), a Progra- mação Anual de Saúde (PAS) e o Relatório Anual de Gestão (RAG), que são ferramen- tas para consolidação do planejamento es- tratégico. Palavras-chave: Planejamento em Saúde. Plano de Saúde. PlanejaSUS. Abstract The health planning is object of the legal fra- mework of the Unified Health System and mi- nistry of health has the function of developing methodologies and instruments that help in the management process. Considering the as- cendancy of planning, decentralization and the coordinating role of the ministry of health, this study aims to analyze the proposed instruments for municipal management, the theoretical refe- rences on health planning, the history of plan- ning in SUS, study the existing instruments and the main challenges for the consolidation of the planning. The Planning System SUS has three basic instruments, the Health Plan, the Annual Health Program and the Annual Management Report. The system was built to provide tools for consolidation of strategic planning. Key words: Health Planning. Health Plan. Pla- nejaSUS. 1 Cirurgiã-dentista da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Especialista em Saúde da Família. E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutorado no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (2010). E-mail: [email protected]. 3 Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialista (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected].

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Análise dos Instrumentos de Planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS)

Aluna: Ana Beatriz Cardoso da Luz1

Orientador: Maurício Fernandes Pereira2

Tutora: Maria Luciana Biondo Silva3

ResumoO planejamento em saúde é objeto de gran-de parte do arcabouço legal do SUS e o Mi-nistério da Saúde (MS) passou a auxiliar o processo de gestão. Considerando a ascen-dência do planejamento, a descentralização e o papel ordenador do MS, este estudo, pela revisão de literatura, analisa os ins-trumentos propostos para auxiliar a gestão municipal e, para isso, também analisa as referências teóricas sobre planejamento em saúde, o histórico de planejamento no SUS e os instrumentos existentes, suas aplicações e os principais desafios para consolidação do planejamento. O Sistema de Planejamento do SUS, PlanejaSUS, tem três instrumentos básicos: o Plano de saúde (PS), a Progra-mação Anual de Saúde (PAS) e o Relatório Anual de Gestão (RAG), que são ferramen-tas para consolidação do planejamento es-tratégico.

Palavras-chave: Planejamento em Saúde. Plano de Saúde. PlanejaSUS.

AbstractThe health planning is object of the legal fra-mework of the Unified Health System and mi-nistry of health has the function of developing methodologies and instruments that help in the management process. Considering the as-cendancy of planning, decentralization and the coordinating role of the ministry of health, this study aims to analyze the proposed instruments for municipal management, the theoretical refe-rences on health planning, the history of plan-ning in SUS, study the existing instruments and the main challenges for the consolidation of the planning. The Planning System SUS has three basic instruments, the Health Plan, the Annual Health Program and the Annual Management Report. The system was built to provide tools for consolidation of strategic planning.

Key words: Health Planning. Health Plan. Pla-nejaSUS.

1 Cirurgiã-dentista da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Especialista em Saúde da Família. E-mail: [email protected] Pós-Doutorado no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa (2010). E-mail: [email protected] Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialista (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected].

Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 3 35

Ana Beatriz Cardoso da Luz # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva

1 Introdução

Ao falar de Planejamento, abre-se um vasto campo de definições, aplicações e formas de fazer. É um termo amplamente utilizado na Adminis-tração, tanto no setor público quanto no privado. Para Mintzberg (2004), o planejamento consiste na formalização de procedimento para obtenção de resultado articulado, de forma que as decisões possam estar integradas umas com as outras.

O planejamento tem papel fundamental quando se deseja direcionar as ações a fim de que se atinja ou alcance o resultado previamente escolhido (VIEIRA, 2009). Por isso, a importância desse tema dentro das organizações diante da complexidade organizacional e da necessidade de alcance de re-sultados.

O interesse pelo planejamento das ações em saúde surgiu em conse-quência da complexificação crescente do processo de trabalho nesta área, em virtude da necessidade de enfrentar as mudanças nas condições de vida e saúde da população em diversos países (TEIXEIRA, 2010). No Brasil, a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do Movimento da Reforma Sanitária, por meio da incorporação dos princípios e diretrizes da VIII Conferência Nacional de Saúde (1986), na Constituição Federal de 1988, permitiu a inserção de conceitos relacionados ao Planejamento em Saúde no setor púbico.

De acordo com Teixeira (2010), a partir das leis orgânicas do SUS, aprovadas em 1990, a situação configurou-se bastante favorável ao desenvol-vimento do planejamento em saúde, quer no que diz respeito à incorporação de concepções e de métodos para formulação de políticas, planos e projetos, quer na disseminação de técnicas e de instrumentos de programação nos diferentes níveis da organização do sistema.

O planejamento é objeto de grande parte do arcabouço legal do SUS, indicando processos e métodos de formulação, e é requisito para fins de repasse de recursos e de controle e auditoria (BRASIL, 2009a). A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, prevê no capítulo III, artigo 36, que o processo de planejamento e orçamento do SUS será ascendente, do nível local ao federal, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos municípios, dos estados e da União.

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Análise dos Instrumentos de Planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS)

Considerando a ascendência do planejamento em saúde no SUS, a descentralização e o papel do Ministério da Saúde em formular políticas, planos e projetos, o presente trabalho pretende, como objetivo geral, analisar quais são os instrumentos de planejamento propostos pelo Ministério da Saúde para auxiliar a gestão do SUS no âmbito municipal, e para isso deve analisar o histórico do planejamento no SUS, identificar os instrumentos existentes e estudar suas aplicações.

2 Fundamentação Teórica

2.1 Planejamento em Saúde

Planejar em saúde se fez necessário ao longo da evolução dos sistemas de saúde e das mudanças nas condições de vida da população mundial. Para Mehry (1995), o planejamento pode ser utilizado como instrumento de ação governamental para produção de políticas, como instrumento do processo de gestão e como prática social.

De acordo com Silva, Santos e Mendes (2012), no setor saúde, pla-nejamento é o instrumento que permite melhorar o desempenho, otimizar a produção e elevar a eficácia e a eficiência dos sistemas no desenvolvimento das funções de proteção, promoção, recuperação e reabilitação da saúde.

O planejamento no setor saúde surgiu na América Latina na década de 1960 com o método CENDES-OPAS, patrocinado pela Organização Pan--Americana de Saúde (OPAS). Segundo Rivera (2009), tal método se carac-teriza por ser um enfoque sistêmico de Programação de Recursos de Saúde, atrelado a uma sorte de análises de custo-benefício. Contempla uma proposta de priorização dos danos à saúde que tendem a privilegiar os danos que apre-sentam um custo relativo menor por morte evitada. Esse viés economicista e o enfoque basicamente descritivo fizeram com que, segundo Silva, Santos e Mendes (2012), surgissem críticas ao seu caráter prescritivo e normatizador e à sua desvinculação com a produção de políticas na sociedade.

Apesar das limitações apontadas ao método CENDES-OPAS, Teixeira (2010) afirma que alguns de seus pressupostos continuam válidos quando se trata de desenvolver um processo de programação de ações e de serviços que tenha o objetivo de racionalizar recursos escassos.

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Ana Beatriz Cardoso da Luz # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva

A partir da formulação do método, das críticas ao seu enfoque e da evolução do conceito ampliado de saúde, surgiram outros estudiosos que propuseram alternativas ao planejamento no setor saúde. Destacam-se duas abordagens principais: o Planejamento Estratégico Situacional, de Carlos Matus, e o Pensamento Estratégico em Saúde, de Mario Testa.

Carlos Matus, economista chileno, desenvolveu, no final dos anos de 1970, uma reflexão abrangente sobre política, planejamento e governo. De-senvolveu também uma abordagem de planejamento, amplamente utilizada na saúde, chamada Planejamento Estratégico Situacional (PES).

A proposta conceitual e metodológica de Matus, segundo Teixeira (2010), parte da noção de situação, entendida como um conjunto de problemas iden-tificados e descritos na perspectiva de determinado ator social. Problema é definido por ele como algo considerado fora dos padrões de normalidade; e ator social é uma pessoa, agrupamento ou instituição capaz de agir produzindo fatos na situação.

O PES é desenvolvido por meio de quatro momentos: o explicativo, cuja realidade é descrita a partir do problema selecionado, buscando identificar as razões do problema e os nós críticos; o normativo, em que há a identificação dos atores que integram o problema e dos recursos disponíveis e faz-se a projeção do cenário; o estratégico, em que a análise situacional encontra-se focada na construção de viabilidade; e o tático-operacional, momento de im-plementação das ações propostas e de adequação. (CIAMPONE; MELLEIRO; TRONCHIN, 2005)

A concepção situacional sugere a adoção de uma visão de múltiplos atores e supõe a adoção de ações estratégicas e comunicativas entre eles, visando à construção de consensos para enfretamento de problemas e para o alcance de objetivos. (TEIXEIRA, 2010)

Mário Testa, pensador latino-americano, colaborador da OPAS, auxiliou na elaboração do método CENDES e, diante da reflexão do modelo instituído, formulou a proposta do Pensamento Estratégico em Saúde.

Por entender o processo saúde-doença como um fenômeno social e não meramente biológico, Giovanella (1992) afirma que Testa enfatiza, em sua proposição de planejamento em saúde, a importância da participação de diversos atores na elaboração das propostas programático-estratégicas, pois possibilitaria a acumulação de poder aos dominados e a mudança nas

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Análise dos Instrumentos de Planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS)

relações de poder, por meio da formação de uma consciência sanitária social e de classe.

Testa divide o planejamento em duas partes: o diagnóstico em saúde e as propostas programático-estratégicas. O diagnóstico faz análise da realidade de saúde da população e observa três aspectos: o administrativo que procede a enumeração e a quantificação da população, das doenças, das mortes e dos recursos disponíveis; o estratégico que consiste na análise das relações de poder no setor, das desigualdades na situação de saúde entre grupos sociais e da distribuição de poder nos serviços de saúde; e o ideológico que analisa a ideologia dos grupos sociais. A partir da síntese diagnóstica há elaboração de propostas programático-estratégicas, com o objetivo de realizar ações de saúde para a mudança. (TESTA, 1995 apud VIEIRA, 2009)

Observa-se, segundo Teixeira (2010), que Testa propõe um modo de entender os problemas de saúde e os processos de planejamento, considerando o setor saúde inseparável da totalidade social. Em seu modelo, ele enfatiza a análise das relações de poder e a compreensão das práticas de saúde; isso resulta em um novo modo de pensar que valoriza a formação de sujeitos sociais para o desenvolvimento de políticas de saúde.

A percepção de que o planejamento em saúde é um campo de saber complexo, e que as diferentes abordagens se complementam, aumenta a ne-cessidade da consolidação da cultura do planejamento dentro das instituições para fortalecimento dos sistemas e de serviços de saúde. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2009a) reconhece que o planejamento em saúde detém enorme potencial para viabilizar o alcance de oportuna resolubilidade das medidas estabelecidas e implementadas e que se configura como ponto estratégico para qualificação da gestão do SUS.

2.2 Histórico do Planejamento no SUS

A reestruturação do setor saúde no Brasil nasceu da proposta da Refor-ma Sanitária Brasileira, originada do movimento sanitário, processo político que mobilizou a sociedade para propor novas políticas e novos modelos de organização do sistema de atenção à saúde. Verdi e Coelho (2005), afirmam que tal projeto buscou introduzir mudanças no setor saúde de forma a torná-lo democrático, acessível, universal e que consagrasse uma concepção ampla de saúde. O produto dessa proposta foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS).

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Promulgada a Constituição Federal de 1988, estabeleceram-se princí-pios e diretrizes para reorganização do sistema de saúde no Brasil. A saúde foi inserida no texto como direito de todos e dever do Estado, que passou a possuir plena responsabilidade na oferta de ações promocionais, preventivas e assistenciais aos cidadãos.

Ainda por meio da Constituição Federal de 1988, estabeleceram-se os instrumentos legais de planejamento da gestão, aos quais deveriam se sub-meter todos os órgãos da administração pública, deflagrando processos de planejamento para sua obtenção, a fim de que pudessem ser programados os recursos financeiros necessários à execução das atividades em cada setor (VIEIRA, 2009). Criaram-se, então, o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Dire-trizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Vieira (2009) explica a função desses três instrumentos básicos de gestão. O Plano Plurianual (PPA) deve estabelecer as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para as despesas de capital e outras delas decorrentes. Para cada ano de vigência do PPA, elaboram-se as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO), com o objetivo de estabelecer diretrizes, objetivos e metas da administração pública para o exercício financeiro de um ano; e a LDO de cada ano tem o papel de orientar a formulação das Leis Or-çamentárias Anuais (LOA) que devem englobar toda programação de gastos da administração pública e investimentos de empresas estatais.

A regulamentação do SUS aconteceu com a publicação das leis orgâ-nicas da saúde, Lei n. 8.080 e Lei n. 8.142, ambas de 1990. A Lei n. 8.080 estabeleceu que, além dos instrumentos de gestão pública já mencionados, o setor saúde deveria realizar um planejamento ascendente para elaboração de Planos de Saúde em todas as esferas; e a partir dos Planos de Saúde seriam construídas as Programações Anuais de Saúde que, por sua vez, deveriam estar contempladas nas propostas orçamentárias.

Já a Lei n. 8.142 estabelece, entre os requisitos para recebimento de recursos vindos do Fundo Nacional de Saúde, que os municípios, estados e Distrito Federal devem ter Conselho de Saúde, com a participação de usuários, trabalhadores e prestadores de serviço; e Planos de Saúde e Relatórios de Gestão que permitam o controle dos investimentos previstos nas programações.

Em 1992, o Ministério da Saúde elaborou um documento denominado “Proposta para o processo de planejamento em nível nacional. Sistema Único de Saúde” e sugeriu a criação do Sistema Nacional de Planejamento para

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Análise dos Instrumentos de Planejamento do Sistema Único de Saúde (SUS)

rearticulação e coordenação das atividades de planejamento abrangendo o Ministério da Saúde, os estados, o Distrito Federal e os municípios; superação dos entraves na orçamentação e financiamento da saúde; e estruturação de práticas de avaliação, de controle e de acompanhamento.

Segundo Vieira (2009), com o objetivo de normalizar o processo de descentralização político-administrativa, estabelecendo parâmetros para sua garantia, responsabilidades e critérios de financiamento da saúde, foi publica-da, em 1993, a Norma Operacional Básica (NOB-SUS 1993), que estabelece um novo modelo de pactuação federativa e consolida o papel dos Conselhos de Saúde, pois define que o município só receberá o recurso financeiro se comprovar a existência e o funcionamento do Conselho de Saúde, que deverá aprovar os referidos planos de saúde municipais.

Em 1996 foi publicada nova Norma Operacional Básica-NOB-SUS 1/96, que instituiu novo elemento no processo de planejamento, a Programação Pactuada e Integrada (PPI). A PPI traduz as responsabilidades de cada muni-cípio com a garantia de acesso da população aos serviços de saúde, quer pela oferta no próprio município, quer pelo encaminhamento a outros municípios, sempre por intermédio de relações entre gestores municipais, mediadas pelo gestor estadual e em seu processo de elaboração os municípios constroem suas programações, que deverão ser aprovadas pelos Conselhos Municipais de Saúde (CMS) e o estado harmoniza e compatibiliza as programações municipais, mediante negociação na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e aprovação no Conselho Estadual de Saúde (CES).

De acordo com Vieira (2009), a PPI constituiu um avanço para orga-nização do SUS no que se referia ao planejamento e à pactuação de ofertas de serviços entre os municípios e os seus estados, porém ainda persistiam problemas relacionados ao acesso e era urgente a discussão sobre a regiona-lização da assistência à saúde. Para tal, foi publicada a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS 01/2001) que ampliava o papel dos municípios na atenção básica e estabelecia o Plano Diretor de Regionalização (PDR) como instrumento de ordenamento do processo de regionalização da assistência em cada estado e no Distrito Federal. A partir do PDR foram elaboradas as PPI anuais.

Tais leis, portarias e normas, construídas e divulgadas desde a constru-ção e regulamentação do SUS, tinham o objetivo de consolidar o sistema de saúde brasileiro, na tentativa de cumprir seus princípios e suas diretrizes, de fomentar o planejamento ascendente e de garantir, conforme Vieira (2009), a

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integralidade da assistência e o acesso da população aos serviços e às ações de saúde de acordo com suas necessidades.

Em 2006, o Ministério da Saúde divulgou o Pacto pela Saúde 2006 – Consolidação do SUS e regulamentou as Diretrizes Operacionais dos Pactos pela Vida e de Gestão. O Pacto pela Saúde é composto do Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão. Neste último, os eixos são a descentralização, a regionalização, o financiamento, a programação pactuada e a integrada (PPI), a regulação, a participação e o controle social, o plane-jamento, a gestão do trabalho e a educação em saúde (Portaria n. 399/2006 e Portaria n. 699/2006).

De acordo com Silva, Santos e Mendes (2012), até 2006 não se dispu-nha de um processo integrado de planejamento capaz de apoiar os gestores na condução do SUS, e a partir da constatação da dificuldade institucional e da baixa incorporação de atividades de planejamento em todas as esferas de gestão do SUS, o Ministério da Saúde tomou a iniciativa de construir o Sistema de Planejamento do SUS (PlanejaSUS), que está contido na Portaria n. 399/2006 do Pacto pela Saúde.

O PlanejaSUS tem por objetivo coordenar o processo de planejamento no âmbito do SUS, tendo em conta as diversidades existentes nas três esferas de governo, para contribuir para a consolidação, a resolubilidade e a qualidade da gestão e da atenção à saúde. (BRASIL, 2009b)

A Portaria n. 3.085/2006 e a Portaria n. 3.332/2006 estabeleceram e definiram os três instrumentos para operacionalização do planejamento do SUS. São eles: o Plano de Saúde (PS), que deve abordar as intenções e os resultados a serem buscados no período de quatro anos; a Programação Anu-al de Saúde (PAS), que deve operacionalizar as intenções expressas no PS, apontando o conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como à gestão do SUS; e o Relatório Anual de Gestão (RAG), que deve registrar os resultados alcançados com a execução da PAS e orientar eventuais mudanças que se fizerem necessárias.

Silva, Santos e Mendes (2012) afirmam que, como o PS, a PAS e o RAG são instrumentos interdependentes e indissociáveis, isso favorece a dinamici-dade e a constância do completo processo de planejamento e tal organização apresenta ligação com a Teoria do Planejamento Estratégico.

Percebe-se, ao longo da evolução do SUS, uma preocupação em consolidar os momentos de planejamento como uma forma de qualificar a

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gestão e produzir melhoria no perfil de saúde da população. O planejamento ascendente é visto como o maior desafio, tendo em conta a complexidade do perfil epidemiológico brasileiro e a quantidade e diversidade dos municípios (BRASIL, 2009a), mas ainda é a melhor forma de garantir a construção de Planos de Saúde que realmente correspondam às necessidades reais, pois é no nível local que se observam as particularidades e que se encontram as ferramentas para superação dos problemas encontrados.

2.3 Instrumentos Atuais de Gestão do SUS e suas Aplicações no Âmbito Municipal

A nova forma de gestão pública do SUS tem sido caracterizada pelo termo flexibilidade, e envolve a ideia de que é preciso reforçar as tomadas de decisões de forma descentralizada, proporcionando maior autonomia aos atores envolvidos e ampliando os espaços de criatividade na busca das soluções. (BRASIL, 2009b)

A descentralização, uma das principais diretrizes do SUS, gera a necessidade de pactuação entre as três esferas de governo e os gestores municipais passam a ter papel fundamental na consolidação do SUS através do fortalecimento do planejamento como um relevante mecanismo de gestão. (BRASIL, 2009c)

Lacerda et al. (2012) afirmam que o processo de consolidação do SUS estimula os gestores a identificarem, selecionarem e elaborarem instrumentos que os auxiliem na gestão. De acordo com Anunciação e Souza (2011), o Ministério da Saúde tem se empenhado na construção e no aprimoramento de uma cultura de planejamento da gestão pública na área da saúde, eviden-ciado na existência de um sistema próprio e exclusivo para este fim, ou seja, o Sistema de Planejamento do SUS (PlanejaSUS).

Os objetivos do PlanejaSUS são: pactuar as diretrizes gerais para o pro-cesso de planejamento no âmbito do SUS; formular metodologias unificadas e modelos de instrumentos básicos do processo de planejamento; implementar e difundir a cultura de planejamento que qualifique as ações do SUS nas três esferas; promover a integração do processo de planejamento e orçamento no âmbito do SUS; e monitorar e avaliar o processo de planejamento.

No que se refere aos instrumentos de planejamento, o PlanejaSUS atual-mente tem por base a formulação e/ou revisão periódica de três instrumentos básicos: Plano de Saúde (PS) e as respectivas Programações Anuais de Saúde (PAS); e os Relatórios Anuais de Gestão (RAG). Tais instrumentos são comuns

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às três esferas, mas especialmente importantes na gestão municipal do SUS pelas características de descentralização e de planejamento ascendente.

No âmbito do PlanejaSUS, define-se como Plano de Saúde o instru-mento que, a partir de uma análise situacional, apresenta as intenções e os resultados a serem buscados no período de quatro anos, expressos em obje-tivos, diretrizes e metas.

O documento Sistema de Planejamento do SUS – Uma construção coletiva, que teve sua segunda edição publicada pelo Ministério da Saúde em 2009, orienta que o processo de formulação do PS deve ser participativo e que, para sua elaboração, é necessário identificar problemas e situações que requerem soluções, estabelecer linhas de atuação e definir procedimentos de monitoramento e avaliação.

Na conformidade da Portaria n. 3.332/2006 são indicados como eixos orientadores para análise situacional e para formulação dos objetivos as diretri-zes e as metas dos PS: as condições de saúde da população, os determinantes e condicionantes de saúde e a gestão em saúde.

No que se refere às condições de saúde da população, o Ministério da Saúde orienta a obtenção de informações relacionadas ao perfil demográfico (crescimento populacional, índice de envelhecimento, taxa bruta de mortalidade, esperança de vida ao nascer etc.), aos dados socioeconômicos (renda, taxa de desemprego, taxa de analfabetismo, IDH etc.) e aos dados epidemiológicos (mortalidade por causa, morbidade, grupos vulneráveis etc.).

No eixo de determinantes e de condicionantes de saúde, deverão ser identificadas medidas intersetoriais e sua integração com o setor saúde nos espaços de formulação, de implementação e de monitoramento de políticas públicas. E na Gestão em Saúde, deverão ser analisados pontos relacionados ao planejamento, descentralização, financiamento, participação social, gestão do trabalho e educação em saúde, infraestrutura e informação em saúde.

Percebe-se que o Plano de Saúde é um instrumento importantíssimo para a gestão do SUS no âmbito municipal, pois define as intenções para um período de quatro anos e pretende-se que possua as mais variadas linhas de atuação para superar os nós críticos identificados. Nesse caminho, Anunciação e Souza (2011) afirmam que o PS precisa ser reconhecido como um instru-mento que norteie a gestão do sistema de saúde; isso ganha uma relevância incomensurável, porque se constitui em um primeiro passo para a valorização de tal instrumento como momento de aprimoramento da própria gestão, pois,

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quanto mais bem elaborado ele for, mais provável será a execução do plano proposto.

O segundo instrumento proposto pelo PlanejaSUS é a Programação Anual de Saúde (PAS), e seu horizonte temporal coincide com o período definido para o exercício orçamentário, ou seja, um ano. O propósito da PAS é determinar as ações a serem desenvolvidas para concretizar os objetivos definidos no PS, que devem estar em consonância com a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual.

A PAS é um instrumento que operacionaliza as intenções expressas no PS e deve contemplar o conjunto de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. Os resultados decorrentes da PAS compõem o terceiro instrumento proposto, o Relatório Anual de Gestão (RAG).

O RAG deve ser elaborado em conformidade com a PAS e indicar eventuais necessidades de ajustes no PS. Esse relatório é também instrumento das ações de auditoria e controle. De acordo com o manual Sistema de Pla-nejamento do SUS: uma construção coletiva, caderno 2, o RAG configura-se num insumo privilegiado, pois além de contemplar aspectos qualitativos e quantitativos, envolve também uma análise acerca do processo geral de desen-volvimento do Plano, registrando avanços obtidos, os obstáculos encontrados e as medidas desencadeadas.

Ressalta-se que esses três instrumentos propostos devem ser elaborados pelos municípios, assim como pelos outros entes federados, para cumprimento de uma exigência legal, já que a transferência de recursos à saúde está a eles condicionada. Vieira (2009) afirma que, apesar do esforço do Ministério da Saúde em propor e discutir o PlanejaSUS, em alguns casos os planos e pro-gramações constituem-se apenas como um conjunto de intenções que figuram em um documento, mas não levam a resultados práticos para implementação de políticas de saúde e alocação de recursos.

Anunciação e Souza (2011) apontam que para superação dos desafios encontrados, uma estratégia seria a valorização do planejamento participa-tivo que pressupõe a inclusão de novos personagens no cenário da gestão em relação à análise de contextos e de problemas e também no manejo da tomada de decisão.

Nessa mesma linha, Silva, Santos e Mendes (2012) dizem que a gestão participativa no SUS pode utilizar o planejamento para apoiar o protagonismo

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Ana Beatriz Cardoso da Luz # Maurício Fernandes Pereira # Maria Luciana Biondo Silva

na conquista do direito à saúde, favorecendo a democratização da gestão e reduzindo a alienação dos trabalhadores nos processos de produção.

A participação aumenta a chance de que o planejamento seja um pro-cesso dinâmico e contínuo e que os instrumentos propostos não se resumam a cartas de intenções ou de meras exigências legais, mas que sejam traduzi-das em ações que promovam políticas públicas que resultem na melhoria de indicadores de saúde da população e na qualidade de vida.

3 Metodologia

Este estudo constituiu-se de revisão de literatura sobre o Planejamento no SUS.

A busca de referências foi feita na base de dados BVS, Biblioteca Virtual em Saúde, no endereço <www.regional.bvsalud.org>. Os descritores utilizados foram Planejamento em saúde, instrumentos de gestão no SUS, PlanejaSUS.

Na iteração de busca do descritor “Planejamento em saúde”, foram mais de 50.000 resultados; então foi feito um refinamento buscando o histórico do planejamento em saúde e os estudos que fizessem análise das abordagens de Carlos Matus e Mario Testa. Foram selecionados três artigos e um livro de 2010 intitulado Planejamento em Saúde: conceitos, métodos e experiências.

Na busca de artigos que fizessem referência aos instrumentos de gestão no SUS, foram encontrados 71 resultados e escolheu-se estudar mais profun-damente os artigos que abordassem o planejamento no âmbito municipal.

Na iteração de busca do descritor “PlanejaSUS”, oito resultados foram encontrados e, após uma análise global, resolveu-se concentrar os estudos na série de cadernos do planejamento elaborados pelo Ministério da Saúde e nas bases legais do planejamento no SUS, suas leis e portarias.

A pesquisa foi desenvolvida a partir da análise de artigos científicos e de documentos legais (leis, portarias e cadernos). No primeiro momento, um estudo de artigos científicos sobre planejamento em saúde foi realizado. Fez-se uma análise dos conceitos, um estudo sobre o histórico do planejamento em saúde e sobre os métodos mais utilizados, concentrando-se nas duas aborda-gens principais: o Planejamento Estratégico Situacional, de Carlos Matus, e o Pensamento Estratégico em Saúde, de Mario Testa.

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Para pesquisar o histórico de planejamento no SUS, foram examinados os documentos legais a partir da Constituição Federal de 1988, as Leis Orgânicas da saúde: Lei n. 8.080 e Lei n. 8.142, as Normas Operacionais, divulgadas pelo Ministério da Saúde ao longo da evolução do sistema de saúde, as portarias e os pactos publicados para divulgar as políticas de planejamento e as estratégias priorizadas pelo ministério. Ao analisar tais documentos, procurou-se entender o que esse arcabouço legal previa para a gestão do SUS no âmbito municipal.

Por fim, foi realizada uma análise do Sistema de Planejamento do SUS, o PlanejaSUS, que traz os atuais instrumentos de gestão e suas aplicações. Foram estudados também artigos científicos que abordavam essa temática de forma mais atual e traziam a reflexão sobre como esse sistema está sendo organizado a partir dos municípios. A pesquisa pretendeu, além de conhecer o tema, entender sua aplicabilidade e conhecer suas potencialidades e limitações.

4 Análise e Discussão dos Resultados

O estudo das leis, das portarias, dos guias do Ministério da Saúde e dos artigos que abordam o tema do planejamento na gestão do SUS mostra uma preocupação crescente com esse tema, principalmente no âmbito municipal.

Villasboas e Paim (2008) afirmam que, a partir do final dos anos de 1990, as características do processo de descentralização das ações e dos serviços de saúde colocaram os municípios como protagonistas na execução das políticas definidas nos foros intergestores de negociação. Mas, apesar do aumento da capacidade gerencial dos municípios, a complexidade institucio-nal do SUS trouxe restrições que podem explicar a limitada incorporação do planejamento neste âmbito.

A autonomia e o poder de decisão dados aos municípios contrastam com a imaturidade de muitos deles no que diz respeito à cultura de planeja-mento dentro das organizações públicas. Sem a realização de planejamento há serviços de saúde funcionando de forma desarticulada, e políticas estabe-lecidas de acordo com a visão de mundo de dirigentes e não da organização. De acordo com Vieira (2009), subjetiva-se, fragmenta-se e desordena-se o funcionamento do sistema de saúde na medida em que tantas visões e mo-dos de operação existam, pois se não há uma visão clara de onde se deseja chegar, cada indivíduo conduzirá e realizará suas atividades à sua maneira.

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A incorporação do planejamento como parte da dimensão político--gerencial visa à reorientação das práticas de atenção à saúde, privilegiando o desenvolvimento de processos de análise da situação de saúde da população para reorganização dos processos de trabalho (TEIXEIRA, 2010) a partir da realidade local, considerando a descentralização e o desafio em consolidar o planejamento ascendente.

Desde a regulamentação do Sistema Único de Saúde, o planejamento configurou-se objeto de grande parte do arcabouço legal do SUS e o Ministério da Saúde passou a ter um papel fundamental na formulação de processos e de métodos de planejamento e gestão.

Teixeira (2010) menciona que o desenvolvimento conceitual e meto-dológico do planejamento estratégico vem se dando ao longo dos últimos 20 anos, e tem a sua reflexão mais recente marcada pelo esforço de aperfeiçoa-mento e de difusão da proposta no contexto do PlanejaSUS.

O Sistema de Planejamento do SUS, PlanejaSUS, foi pensado como forma de prover ferramentas para o desenvolvimento do planejamento estratégico de forma contínua e para elaboração dos instrumentos de gestão. O objetivo é estimular a incorporação de processos de planejamento e institucionalizá-los na realidade da gestão do SUS, principalmente no âmbito municipal, sempre na tentativa de superar os arranjos improvisados e os desafios identificados.

Mas, apesar dos esforços para tornar o cenário favorável ao desenvol-vimento do planejamento e à sua consolidação no âmbito municipal, alguns estudos, como o de Villasboas e Paim (2008), mostram que as práticas de planejamento, identificadas nas Secretarias Municipais de Saúde, apresentam baixo grau de institucionalização, sendo realizadas em momentos pontuais, em espaços circunscritos da organização e por força das exigências legais da administração pública brasileira. Isso porque a elaboração dos três instrumentos básicos (Plano de Saúde, Programação Anual de Saúde e o Relatório Anual de Gestão), propostos pelo Ministério da Saúde, é uma exigência legal para o repasse financeiro.

Esse cenário faz com que muitos municípios, apesar de realizarem a elaboração dos instrumentos, não o façam de forma prática, a partir de um diagnóstico situacional e do estabelecimento de objetivos, de metas e de di-retrizes que visem à melhoria dos pontos críticos. Os documentos tornam-se “engavetados” e as ações continuam a ser realizadas de forma reativa e para solução de problemas urgentes.

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Mas, Silva, Santos e Mendes (2012) pontuam que o Plano de Saúde, a respectiva Programação Anual e o Relatório Anual de Gestão são instrumentos interligados que resultam do processo de planejamento que se busca construir no SUS, sob a forma de uma atuação sistêmica. Os três instrumentos são interdependentes e articulados, o que inviabilizaria qualquer esforço voltado a trabalhá-los isoladamente, até porque são partes consecutivas e contínuas de um mesmo processo, que é o planejamento.

Apesar de alguns autores falarem da “burocratização” do planejamento, todos reconhecem a importância das políticas do Ministério da Saúde para orientar e ordenar as ações de planejamento nas demais esferas. Lacerda et al. (2012) reforçam que a atuação contínua e articulada do planejamento nas três esferas de governo, de forma ascendente e orientada pelas necessidades locais, apresenta um grande potencial de transformação da realidade de saúde da população.

Outro aspecto apontado como limitador, no que tange à instituciona-lização do planejamento, é a dificuldade que os municípios têm de fazê-lo participativo.

Acredita-se que com a maior participação das pessoas aumenta-se a chance de consolidar a prática do planejamento. Observou-se que nas orga-nizações e nos ambientes onde se estabeleceu o planejamento como uma prática permanente de participação, desenvolveu-se uma cultura em que há maior compromisso das pessoas. (TANCREDI et al., 1998 apud SILVA; SANTOS; MENDES, 2012)

O processo de planejamento proposto prevê que os instrumentos de gestão sejam elaborados de forma participativa e que haja o envolvimento dos diferentes atores envolvidos, entre eles gestores, profissionais e usuários. Além disso, estabelece que os municípios apresentem e submetam à aprovação dos Conselhos Municipais de Saúde, os planos, programações e relatórios.

Nesse contexto, Anunciação e Souza (2011) dizem que os Conselhos Municipais de Saúde têm se transformado num espaço de participação parcial, pois os seus membros, por vezes, até participam dos debates referentes às proposições de planejamento, mas suas interferências não ocorrem ao longo de todo o processo.

O fato de se identificar uma “pseudo” participação popular fragiliza a estruturação de um planejamento que responda às reais necessidades da população. Muitas vezes, os espaços de participação existem apenas para legi-

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timar decisões autoritárias e verticais. Perde-se a possibilidade de envolver os diferentes atores e de comprometê-los no desenvolvimento do planejamento e no alcance dos resultados.

Mesmo com a ampliação dos espaços de participação social no âmbito das políticas públicas de saúde que se tem verificado nas últimas duas décadas, é patente que muito se tem a avançar nesse sentido (ANUNCIAÇÃO; SOUZA, 2011), ficando evidente a fragilidade no fortalecimento e no reconhecimento da participação social por parte dos municípios.

Além do desafio da institucionalização do planejamento no âmbito municipal, outros nós críticos são apontados, dos quais a desarticulação entre o planejamento no SUS e o orçamento público.

Vieira (2009) afirma que as deficiências no financiamento das ações planejadas ocorrem em virtude da desarticulação entre os instrumentos de orçamento da gestão pública, como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Dire-trizes Orçamentárias (LDO), a Lei Orçamentária Anual (LOA), os instrumentos de gestão do SUS e o Plano de Saúde (PS) e suas Programações Anuais de Saúde (PAS).

Entende-se que a não compatibilização entre planejamento e orçamento, faz com que o planejamento tenha pouca efetividade, uma vez que o orça-mento pode prever investimentos em áreas que não foram priorizadas e não garantir os recursos necessários em áreas prioritárias. Ou seja, o desafio está em garantir o funcionamento de um fluxo de interligação com as previsões orçamentárias, a fim de se garantir o financiamento adequado das ações em saúde.

Observa-se que algumas vezes há recursos disponíveis destinados aos municípios, às vezes em quantidade necessária, mas que, pelo improviso no planejamento e gestão de recursos, acabam não sendo utilizados ou aplicados em áreas não priorizadas. Há uma dificuldade em articular a previsão orça-mentária do município com o planejamento e programação dos diferentes setores, entre eles a saúde.

Outro ponto apontado como grande desafio na gestão do SUS é a implementação do planejamento ascendente. A Lei n. 8.080/90 declara que

[...] o planejamento e orçamento do SUS será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a

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disponibilidade de recursos em planos de saúde dos municípios, estados, e União. (BRASIL, 1990, cap. III)

Vieira (2009) diz que o planejamento deve se dar a partir da observação das necessidades locais, e que os estados e a União precisam considerar os objetivos e as metas definidos pelos municípios para fomentar as suas inicia-tivas. A autora ainda reforça a importância das instâncias de negociação e da construção coletiva, para definição de fluxos e instrumentos, além da pactuação.

O processo de planejamento ascendente, além de requisito legal, é um dos mecanismos para assegurar a unicidade e a consolidação do SUS. Esse desafio torna-se ainda maior se for considerada a complexidade do perfil epi-demiológico brasileiro e a extensão territorial, que faz com que os municípios sejam muitos e tão diversos.

Mas para consolidação do planejamento ascendente é necessário que os municípios estejam fortalecidos, que desenvolvam as ações de planejamento de forma contínua e que estabeleçam uma cultura de planejar em saúde, pois é na realidade local que se identificam os problemas e encontram-se as ferramentas para as possíveis soluções. Partindo do município e de suas construções é possível elaborar planos e programações dos estados e da União que respondam às reais necessidades e, sendo assim, contribuir para o de-senvolvimento de políticas públicas de saúde eficazes, efetivas e de impacto.

Mas, mesmo diante de um cenário repleto de desafios, não há como negar os grandes avanços e a importância que se deu ao planejamento ao longo da evolução do SUS. Nesse sentido, Lacerda et al. (2012) entendem que as orientações definidas pelo PlanejaSUS e pelo Pacto de Gestão avançam para que o planejamento responda efetivamente às necessidades do sistema de saúde e às demandas que se impõem continuamente aos gestores.

5 Considerações Finais

Percebeu-se que desde a criação do SUS e sua regulamentação, houve a preocupação em inserir o planejamento em saúde como eixo principal para qualificação da gestão em todas as esferas.

O arcabouço legal do SUS, composto de leis e de portarias, tratou de definir e regulamentar práticas de planejamento, instrumentos de gestão e atribuições dos entes federados. Nesse sentido, observou-se que o Ministé-

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rio da Saúde passou a ter a função de formular políticas, planos e projetos, aprimorando a cultura de planejamento na gestão pública na área da saúde culminando na existência de um sistema próprio para este fim: o Sistema de Planejamento do SUS (PlanejaSUS).

O PlanejaSUS apresentou, entre seus principais objetivos, a necessidade de implementar e de difundir a cultura de planejamento e de formular meto-dologias e modelos de instrumentos básicos do processo de planejamento. Os instrumentos básicos propostos são: Plano de Saúde, Programações Anuais de Saúde e Relatórios Anuais de Gestão, comuns às três esferas, mas espe-cialmente importantes na gestão municipal do SUS.

A descentralização fez com que os municípios tivessem papel fundamental na consolidação do SUS por meio do fortalecimento e do planejamento, e a situação configurou-se bastante favorável ao seu desenvolvimento. Porém, algumas limitações foram observadas, entre elas o baixo grau de institucionali-zação do planejamento nas Secretarias Municipais de Saúde, ligado principal-mente à imaturidade dos municípios com relação à cultura de planejamento e à “burocratização” do processo.

Outro ponto que se ressalta é a dificuldade dos gestores em tornar o processo participativo, valorizando a atuação dos diferentes atores e fortale-cendo a participação popular. A superação desse desafio aumentaria a chance de ter planos e programações que saíssem do papel e trouxessem resultados práticos na melhoria dos serviços e dos indicadores de saúde.

Observou-se também a existência de dificuldades por parte dos municípios em articular o planejamento com o orçamento público; e na implementação de um planejamento ascendente no sistema de saúde.

Um aspecto que cabe ressaltar é a evidência da necessidade de for-talecimento das ações de monitoramento e avaliação e das habilidades e competências de gestores e de técnicos em saúde para melhor utilização das possibilidades ofertadas e para superação de tais desafios.

Mas apesar das dificuldades, os avanços são inegáveis; e o reconheci-mento de que o planejamento em saúde é tema central para o desenvolvimento de políticas e de ações que visem responder às necessidades do sistema de saúde mostra que o futuro para consolidação do SUS não é tão nebuloso como muitos insistem em dizer.

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