anÁlise dos artigos da carta da onu sob o prisma realista e idealista

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Page 1: ANÁLISE DOS ARTIGOS DA CARTA DA ONU SOB O PRISMA REALISTA E IDEALISTA

ANÁLISE DOS ARTIGOS DA CARTA DA ONU DO PONTO DE VISTA DO CONTEÚDO FILOSÓFICO REALISTA E IDEALISTA RESPECTIVAMENTE

O significado do estudo de Relações Internacionais – RI

RI é a abreviatura para o campo acadêmico de Relações Internacionais e estudá-lo é importante, principalmente, porque a população mundial está dividida em comunidades políticas territoriais distintas. Estados independentes que influenciam profundamente o modo de vida de todas as pessoas. Em conjunto, estes Estados formam um sistema internacional de extensão global.

Praticamente todos os que vivem no Planeta Terra estão ligados a um estado particular e, por meio deste, estão conectados ao sistema estatal que afeta nossas vidas de maneiras importantes, mas que talvez nem tenhamos consciência.

Há, no mínimo, cinco valores básicos que os Estados supostamente devem defender: a segurança, a liberdade, a ordem, a justiça e o bem-estar de seus respectivos povos.

1) Com a ausência de um governo mundial para coagi-los, constitui-se um desafio essencial e antigo para o sistema estatal: a segurança nacional. Porém, os Estados tanto defendem quanto ameaçam a vida das populações – este paradoxo do sistema estatal é geralmente conhecido como o “dilema de segurança”. Com o objetivo de aumentar a segurança nacional, muitos Estados também optam por formar alianças. Além disso, para garantir que nenhuma grande potência consiga alcançar uma posição hegemônica de dominação total, com base na intimidação, na coerção ou no uso absoluto da força, é necessário construir e manter uma balança de poder militar. A segurança é certamente um dos valores mais fundamentais nas Relações Internacionais.

2) O segundo valor básico, cuja garantia é responsabilidade dos Estados, é a liberdade, tanto pessoal quanto nacional – a independência. A guerra ameaça, e, algumas vezes destrói a liberdade. A paz, pelo contrário, promove a liberdade. Tornando

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possível a mudança internacional progressiva e a criação de um mundo melhor. A paz e a segurança progressiva estão entre os valores mais fundamentais das Relações Internacionais. Essa abordagem sobre a política mundial é típica das teorias liberais de RI.

3) O terceiro e o quarto valores básicos sob responsabilidade dos Estados são a ordem e a justiça. Para que os países possam coexistir e interagir com base na estabilidade, na certeza e na previsibilidade, é fundamental que tenham o interesse comum no estabelecimento e na manutenção da ordem internacional. Para isso é obrigatório defender o direito internacional: manter compromissos com tratados e cumprir regras, convenções e hábitos da ordem legal internacional. Além disso, espera-se que aceitem práticas diplomáticas e apóiem as organizações internacionais.

4) Outro dever dos países é defender os direitos humanos. Hoje, já existe uma estrutura legal internacional dos direitos humanos, direitos civis, políticos, sociais e econômicos – desenvolvidos desde o término da II Guerra Mundial.

5) O último valor básico que se espera que os Estados defendam é a riqueza e o bem-estar socioeconômico da população. A interdependência econômica – o alto grau de dependência econômica mútua entre os países é uma característica impressionante do sistema estatal contemporâneo. Já outros teóricos entendem que a interdependência econômica como algo negativo, porque promove a desigualdade ao permitir que países ricos e poderosos, ou com vantagens financeiras e tecnológicas, dominem países pobres e fracos que não detém tais vantagens.

JACKSON, Robert & SORENSEN, Georg (2007)

INTRODUÇÂO

Como forma de referenciar a análise, nesta introdução se procura conceituar -- breve e topicamente – o clima político e militar da segunda

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metade da década de 40 do século passado e as duas posições filosóficas do realismo e do idealismo aplicadas especialmente às relações internacionais, com o propósito de identificar na elaboração dos artigos da Carta da ONU a influência relativa destas correntes do pensamento.

* * *

O ambiente do pós-guerra no qual se estruturou a ONU proporcionou aos Estados Unidos da América uma posição extraordinária quase que inteiramente a seu molde – a Pax Americana, segundo as palavras do professor Paulo F. Vizentini. Segundo ele, “no plano político-militar, os EUA detinham vantagens talvez nunca obtidas por outra potência: dominavam os mares, possuíam bases aéreas e navais, além de exércitos, em todos os continentes, bem como a bomba atômica e uma aviação estratégica capaz de atingir todas as áreas do planeta. Em termos financeiros e comerciais, o dólar se impôs ao conjunto do mundo capitalista a partir da Conferência de Bretton-Woods (1944) e da criação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, dentro do sistema da ONU”.

A hegemonia americana consubstanciou-se também na esfera diplomática, como Vizentini observa: “Na Conferência de Dumbarton Oaks (1944) e na de São Francisco foi estruturada a ONU, visando salvaguardar a paz e a segurança internacional. Os soviéticos temendo que os americanos repetissem o boicote à Sociedade das Nações insistiram para que a nova organização fosse sediada em território norte-americano. A medida foi desnecessária, pois a ONU era um organismo de grande relevância para os objetivos diplomáticos de Washington no pós-guerra, uma vez que representou o instrumento jurídico, político e ideológico do internacionalismo necessário aos seus interesses”.

Esse internacionalismo da ONU representava, explica Vizentini, a formulação ideológica do capitalismo de livre investimento articulado pelos EUA a partir de 1933, como forma de superação da Grande Depressão. O capitalismo internacionalista norte-americano opunha-se aos capitalismos aliados e rivais que monopolizavam a exploração de impérios coloniais ou o domínio econômico sobre determinadas regiões.

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Assim, a guerra serviu para derrotar os capitalismos de expressão regional (Alemanha, Itália e Japão) e para enfraquecer as velhas metrópoles coloniais européias, que saíram do conflito mundial devedoras dos EUA graças às Leis de Empréstimos e Arrendamentos.

O REALISMO, SEGUNDO CARR, Edward H.

“O realismo é reconhecido como a corrente teórica dominante das Relações Internacionais”, segundo a professora Cristina Soreanu Pecequilo (em seu livro “Introdução às Relações Internacionais”), pensamento este sistematizado na atualidade por dois autores principais: CARR, Edward H. (2001) Vinte anos de crise: 1919-1939 – e MORGENTHAU, Hans J. (1985) Politics Among Nations – The struggle for Power and Peace.

“De acordo com CARR (2001), a política internacional, da mesma forma que a política, orienta-se, e sempre se orientará, pelo PODER, dada a natureza humana e a realidade concreta dos relacionamentos entre as unidades políticas” explica Pecequilo.

O IDEALISMO

Ao contrário da visão realista, o idealismo sistematizado no Tratado de Versalhes, parte do conceito de que existiria uma comunidade universal de interesses que uniria todas as sociedades humanas, permitindo a construção de um consenso global democrático que levaria à paz, terminando todas as guerras.

Entretanto, esta concepção se revelaria descolada da realidade, que continuava a se orientar pela racionalidade do poder, da segurança e dos interesses individuais. Para corrigir este contexto, argumenta Pessequilo, e para evitar crises seria preciso gestar novas propostas de ordem que respeitasse a realidade da política, o equilíbrio de poder, o jogo de forças entre os agentes, que deveria ser levada em consideração.

O REALISMO, SEGUNDO MORGENTHAU (1985)

Partindo da mesma constatação de CARR de que toda a política internacional é, como toda a política, uma luta pelo poder, MORGENTHAU

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estabelece em sua obra “Politics Among Nations” os princípios do realismo político. Diz ele: as relações políticas, assim como as sociedades em geral, são governadas por leis objetivas que têm raízes na natureza humana, percebida como essencialmente conflitiva.

1) O conceito-chave do realismo político é o interesse definido em termos de poder (conceito extremamente controverso) que determina, na prática, as prioridades e o tipo de comportamento que um certo Estado terá no sistema internacional, procurando alcançar os objetivos acima;

2) O poder é percebido como o meio e o fim a partir do qual as unidades políticas autônomas atuam;

3) O poder estatal é definido segundo uma série de fatores tangíveis e facilmente identificáveis como território, população, recursos naturais e localização geográfica;

4) a utilização e a exploração destes recursos depende da capacidade de conversão e projeção de poder do referido Estado;

5) Embora a prioridade “primeira” dos Estados seja invariável, a sobrevivência e autonomia, as demais serão estabelecidas de acordo com as necessidades da nação em um momento específico;

6) Tais objetivos que conformam o interesse nacional devem ser estabelecidos a partir de avaliações concretas e equilibradas das possibilidades do Estado, levando em conta sua posição relativa de poder, sua situação e a do sistema internacional, seus limites e capacidades reais. Racionalmente os Estados devem identificar as ações que maximizem seus benefícios e minimizem seus custos.

Neste processo de avaliação e definição de objetivos, considerações morais, idealistas ou ideológicas não são fundamentais, devendo ser descartadas como critérios de ação política. Na visão realista, por exemplo, não importa se os Estados são democráticos ou autoritários, pois a lógica do interesse nacional é sempre a mesma para todos os Estados em qualquer época histórica: a política externa sempre é (e será)

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formulada a partir de necessidades concretas de poder e sobrevivência em um ambiente anárquico. Entretanto, os realistas admitem que um Estado nunca poderá atuar no sistema sem base de poder interna ou apoio doméstico. Como o próprio MORGENTHAU definiu, o realismo é uma teoria que explica como a política internacional realmente é uma luta interminável pelo poder, onde os atores visam sua sobrevivência e interesse.

OS PRINCÍPIOS DO REALISMO DE DOUGHERTY & PFALTZGRAFF (1997)

Eles estabeleceram seis princípios para sistematizar a linha realista:

1) O sistema internacional é baseado nos Estados-Nação como seus atores-chave;

2) a política internacional é essencialmente conflituosa, uma luta por poder em um ambiente anárquico no qual estes Estados dependem de suas próprias capacidades para garantir sua sobrevivência;

3) Os Estados existem em uma condição de igualdade de soberania, porém detêm diferentes capacidades e possibilidades;

4) Os Estados são os atores principais e a política doméstica pode ser separada da política externa;

5) Os Estados são atores racionais, cujo processo de tomada de decisão é sustentado em escolhas que levem à maximização de seu interesse nacional;

6) O poder é o conceito mais importante para explicar e prever o comportamento dos Estados.

DIFERENÇAS ENTRE REALISMO X IDEALISMO EM BALDWIN (1993)

BALDWIN apresenta seis das principais fontes de discordância entre o realismo e o liberalismo:

1) suas avaliações sobre a natureza e as consequências da anarquia;

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2) as probabilidades e formas da competição internacional;

3) a importância dos ganhos relativos e dos absolutos;

4) os objetivos dos Estados;

5) os interesses e as capacidades dos Estados;

6) os papéis e a importância das instituições e regimes. Enquanto o realismo pensa a paz e a guerra, o poder, os interesses e a racionalidade dos Estados, o liberalismo lida com as perspectivas de paz, da prosperidade e do progresso e com as possibilidades e oportunidades para a criação, o aumento e o aprofundamento da cooperação.

Três princípios básicos sustentam as premissas idealistas:

1) a democracia e a disseminação de seus valores e prática, uma vez que a criação de um sistema baseado na igualdade e solidariedade eliminará incentivos à conquista e levará ao compartilhamento de princípios entre os homens, promovendo a homogeneização e paz das sociedades;

2) a segurança coletiva, visando incentivar a cooperação entre os Estados tornando-os parceiros e não mais competidores por meio de sua integração em arranjos multilaterais nos quais compartilharão decisões e ações simbolizadas na Liga das Nações (embrião da ONU);

3) a autodeterminação, que garante o direito ao autogoverno (ou soberania) de todos os povos que possuem uma unidade, uma identidade política, cultural, étnica ou religiosa comum.

Antes mesmo do final da Segunda Guerra Mundial, os EUA e seus aliados já iniciaram o processo de construção de organismos e instituições multilaterais (inspirados no idealismo) que tinham como objetivo regular e controlar o relacionamento interestatal, buscando evitar a emergência de novos conflitos mundiais, nomeadamente a ONU e o FMI. Na prática, mesmo com a sua lógica cooperativa, o internacionalismo liberal – um codinome para o idealismo – será sustentado e implementado devido à supremacia americana. A despeito de seu conteúdo e discurso liberal, as

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iniciativas americanas do pós-guerra foram sustentadas por uma posição bastante realista e factível de poder: os EUA eram a potência hegemônica e estavam impondo a sua ordem.

A TEORIA DE KINDLEBERGER (1973)

Ele formulou teoria que estabelece a ordem econômica liberal do sistema internacional como função da existência de uma potência hegemônica, que se torna responsável pela sua criação, condução e administração a partir da posse de diversos elementos concretos de poder, matérias-primas, capital, mercado e tecnologia.

CONTRIBUIÇÃO DE KEOHANE (1981)

Passou a incluir em suas análises a importância da ideologia e da política para a sustentação da ordem mundial.

O PENSAMENTO DE GILPIN (2002)

Segundo GILPIN, “a hegemonia e liderança baseia-se na crença generalizada em sua legitimidade e, ao mesmo tempo, na necessidade de mantê-la. Os outros estados aceitam a regra proposta pela potência hegemônica em razão de seu prestígio e status no sistema político internacional”.

KEOHANE & NYE E AS VERTENTES LIBERAIS

Em seus trabalhos Transnational Relations, Power and Interdependence e After Hegemony, estes autores propõem, por meio de suas discussões, delimitarem conceitos e reflexões que tragam mais rigor às vertentes liberais, de forma que possam se converter em uma alternativa factível ao realismo. De acordo com os autores o processo de criação de desenvolvimento das instituições e regimes internacionais que se inicia no pós-guerra em 1945 por meio da iniciativa americana permitirá o aprofundamento de estruturas cooperativas entre Estados, tornando mais custosas e menos viáveis a possibilidade de resolução de seus problemas via conflito direto, acenando com a eliminação desta forma de relacionamento como a regra única das relações internacionais.

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KEOHANE & NYE também consideram que em termos de atores, embora o Estado mantenha sua centralidade, deve-se destacar a crescente influência e importância de atores não-estatais, como as instituições e organismos multilaterais, as ONGs, as CMNs e a opinião pública internacional. No caso da agenda, é possível indicar a sua ampliação. Por meio de sua fragmentação e diversificação de áreas, englobando temas relativos à economia, ao meio ambiente, aos direitos humanos, à democracia. E, por meio da combinação desses fatores e da aceleração e intensificação dos intercâmbios econômicos, políticos e culturais também devem ser identificados e avaliados a transformação e evolução da natureza do poder, cujas formas se ampliam além das tradicionais (HARD) para incorporar suas novas dimensões SOFT e COOPTIVE.

O FUTURO DA RI SEGUNDO ZACHER (2000)

ZACHER avança no raciocínio e conclui que o contexto tradicional de Estados-Nação será substituído por um sustentado pela lei e pelas organizações internacionais, devendo-se rever a idéia de territorialidade e fronteiras. Penetrados e permeados pelo internacional, os Estados fragilizam-se até sua reforma e desaparecimento. O novo sistema se caracterizará pelo aumento dos custos da guerra (com a sua eliminação como mecanismo de política), pela porosidade das fronteiras internas aos fluxos externos, pela interdependência econômica, pela rapidez e intensidade dos fluxos de informação, pela disseminação da democracia, pela homogeneidade de culturas e sociedades e, em longo prazo, pelo estabelecimento de uma sociedade internacional governada globalmente e supranacional, a chamada governança global, que é “a noção de um mundo em que a sorte das pessoas está muito ligada entre si e com a natureza física do mundo, e no qual elas se reconhecem cada vez mais como membros da mesma humanidade”.

ANÁLISE CONCRETA DE ARTIGOS

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SOBRE O ARTIGO PRIMEIRO DA CARTA

Em seu capítulo primeiro, a Carta da ONU estabelece quatro objetivos:

1) Manter a paz e a segurança internacionais. Para esse fim, tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou contra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou de situações que possam levar a uma perturbação da paz.

2) Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal.

3) Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua e religião.

4) Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.

Tanto a prevenção de conflitos quanto a resolução de disputas através de meios pacíficos podem ser encarados como os dois pilares idealistas dos fundamentos da organização mundial. Esta característica fica evidente nos objetivos de salvaguardar a paz e a segurança internacional no texto: “tomar medidas coletivas efetivamente eficazes para a prevenção e o afastamento dos perigos à paz e à supressão dos atos de agressão e outras iniciativas de violação da paz”. Em outro trecho pode-se ler também com o mesmo conteúdo idealista que é objetivo da organização mundial “levar a bom termo por meios pacíficos – e em conformidade com os princípios de justiça e das leis internacionais – a conciliação e a resolução de disputas internacionais ou em situações que poderiam levar a violações da paz”.

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SOBRE OS ARTIGOS 39 E 42 DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS

O Conselho de Segurança da ONU deve determinar a existência de qualquer ameaça à paz, de infração da paz ou de ato de agressão e fazer recomendações ou decidir que medidas devem ser tomadas (Artigo 39)... Pode agir por meio de forças aéreas, marítimas ou terrestres conforme for necessário para manter ou restaurar a segurança e a paz internacional. (Artigo 42)

Ideias realistas e racionalistas também estão incorporadas na organização internacional. WIGHT, M (1966) considera a Carta da ONU um exemplo do realismo moderado ao dar autoridade de comando sobre questões de paz e de segurança às cinco grandes potências. Aponta para o Conselho de Segurança da ONU: o Conselho recebe a exclusiva responsabilidade constitucional de manter a segurança e a paz internacionais e, assim, age como “o soberano hobbesiano das Nações Unidas”. Os Estados podem pertencer ou não às Nações Unidas, mas são obrigados a obedecer às ordens do Conselho de Segurança, controlado por cinco grandes potências com veto permanente – os EUA, a Federação Russa, a China, a Grã-Bretanha e a França.

Em relação ao acordo estabelecido entre os países membros da antiga Liga das Nações, que Wight considera como um exemplo de racionalismo ao forçar “os órgãos da Liga a cumprirem os estados de direito e os tratados existentes” de forma muito mais efetiva e explícita do que a ONU. Em suma, de acordo com Wight, o pacto da Liga tinha por base o consentimento dos Estados membros, enquanto que a Carta da ONU é fundamentada nos interesses das grandes potências.

É bom lembrar que na primeira composição do Conselho de Segurança da ONU – a China que sentava numa das cinco cadeiras com poder de veto era a China “nacionalista” e não a República Popular da China que somente foi fundada em 1949 com a vitória comunista liderada por Mao Tsétung. Os demais países estavam representados pela Assembléia Geral, que constituía um fórum, o qual, apesar de não dispor de poder de decisão, era um espaço importante de representação para nações mais

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fracas. No início os EUA e seus aliados europeus e latino-americanos representavam maioria esmagadora, havendo alguns países socialistas e uma escassa representação afro-asiática. Contudo a ONU evoluiria de uma correlação de forças pró-americanas para um quadro de maior complexidade.