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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Serviço Social Juliana Fiuza Cislaghi Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira Rio de Janeiro 2010

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências Sociais

Faculdade de Serviço Social

Juliana Fiuza Cislaghi

Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma

universitária brasileira

Rio de Janeiro

2010

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Juliana Fiuza Cislaghi

Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política Social.

Orientadora: Prof. Dra. Elaine Rossetti Behring

Rio de Janeiro

2010

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data

C579 Cislaghi, Juliana Fiuza Análise do Reuni: uma expressão da contra – reforma

universitária brasileira\ Juliana Fiuza Cislaghi – 2010. 187 f. Orientadora: Elaine Rossetti Behring Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Faculdade de Serviço Social. Bibliografia. 1. Reforma do ensino – Brasil - Teses. 2. Universidades e

faculdades públicas – Brasil - Teses. I.Behring, Elaine Rossetti. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III. Título.

CDU 378

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Juliana Fiuza Cislaghi

Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política Social.

Aprovada em: 15 de setembro de 2010. Banca Examinadora:

________________________________________ Profa. Dra. Elaine Rosseti Behring (Orientadora) Faculdade de Serviço Social da UERJ

________________________________________ Profa. Dra. Marilda Vilela Iamamoto Faculdade de Serviço Social da UERJ

_________________________________________ Prof. Dr. Roberto Leher Faculdade de Educação da UFRJ _________________________________________ Profa. Dra. Katia de Souza Lima Faculdade de Serviço Social da UFF

Rio de Janeiro

2010

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AGRADECIMENTOS

A minha mãe, uma daquelas que continua lutando por uma educação pública e de

qualidade, preciosa interlocutora nesse trabalho.

À minha querida mestra, professora Elaine Behring, mais uma vez excelente

companheira nessa viagem.

À professora e companheira Maria Inês Souza Bravo que constrói todo dia a

universidade que queremos para todos e por isso e por muitas outras coisas é um grande

exemplo a ser seguido.

A todos os professores e alunos do Mestrado na FSS/UERJ com quem convivi nos

últimos anos e que, entre tapas e beijos, tornaram muito mais incrível essa experiência.

Deixam a gente mais convencido que o ensino não pode ser à distância.

Aos professores Roberto Leher, Katia Lima e Marilda Iamamoto, membros da

banca pela generosidade e pelas importantíssimas contribuições.

Aos militantes do movimento docente e estudantil com quem tenho compartilhado

lutas e experiências já há tantos anos. Em particular, nesse momento, aos diretores e

funcionários da ADUFRJ sem os quais, certamente, essa dissertação não seria a mesma.

A todos os meus amigos que ajudaram (e atrapalharam) na elaboração dessa

dissertação. Não tenho como, porém, não destacar alguns que contribuíram diretamente:

Agnaldo e Elaine pela valiosa bibliografia; Graziela, Victor, e Matheus pelas muitas

conversas; Elisa, João, Sílvia, Flávia e Taty, pelo constante incentivo.

E ao Hilde, com todo meu carinho, companheiro da vida e meu primeiro e mais

entusiasmado leitor.

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RESUMO

CISLAGHI, Juliana Fiuza. Análise do REUNI: uma nova expressão da contra-reforma universitária brasileira. 2010. 187 f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Em abril de 2007 o governo instituiu o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI. O decreto caracteriza-se por um contrato de gestão que fixa rígidas metas de desempenho para recebimento de contrapartidas financeiras. Seu objetivo seria a criação de condições de ampliação de acesso e permanência no ensino superior. No entanto, o que o REUNI propõe, na prática é uma redução proporcional do número de docentes nas universidades federais bem como uma redução proporcional dos recursos de custeio, levando à redução da qualidade e da autonomia, conforme inscritas na Constituição brasileira.

Palavras-chave: Contra- reforma universitária. REUNI. Universidade.

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ABSTRACT

In April 2007 the government established the Program of Support for the

Restructuring and Expansion of Federal Universities - REUNI. The decree is characterized by a management contract that sets stringent performance targets for receiving financial compensation. Its goal would be to create conditions for expanding access and retention in higher education. However, what REUNI is actually proposing is a proportionate reduction in the number of faculty in public universities as well as a proportional reduction of resource expenditure, leading to reduced quality and autonomy, as listed in the Brazilian Constitution.

Keywords: University reform. REUNI. University.

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LISTA DE SIGLAS

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social

ABESC Associação Brasileiras de Escolas Superiores Católicas

ABRUEM Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais

AI-5 Ato Institucional nº 5

AID Agency for Internacional Development

ADUFRJ Associação de Docentes da UFRJ

ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior

ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições do Ensino Superior

ANPED Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação

ANUP Associação Nacional das Universidades Particulares

BM Banco Mundial

CAPES Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CEDES Centro de Estudos Educação e Sociedade

CNPq Conselho Nacional de Pesquisa

CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

COFINS Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social

CONAES Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior

CONTEE Confederação Nacional de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino

CSLL Contribuição sobre o Lucro Líquido

CSN Companhia Siderúrgica Nacional

C&T Ciência e Tecnologia

DA Diretório Acadêmico

DCE Diretório Central dos Estudantes

DDE Docente com Dedicação Exclusiva

EAD Ensino à Distância

ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

ENC Exame Nacional de Cursos

FASUBRA Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras

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FIES Programa de Financiamento Estudantil

FINATEC Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos

FMI Fundo Monetário Internacional

FURGS Fundação Universidade do Rio Grande do Sul

GERES Grupo Executivo para a Reforma do Ensino Superior

GT Grupo de trabalho

GTPE Grupo de Trabalho em Políticas Educacionais

IES Instituições de Ensino Superior

IFES Instituições Federais de Ensino Superior

INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano

IR Imposto de Renda

ISSQN Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado

MEC Ministério da Educação

MPOG Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão

NASDAQ National Association of Securities Dealers Automated Quotations

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômicos

OMC Organização Mundial do Comércio

OS Organização Social

OSCIP Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

PAIUB Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PND Plano Nacional de Desenvolvimento

PNE Plano Nacional de Educação

PROUNI Programa Universidade para Todos

REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais

SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

SINAES Sistema de Avaliação do Ensino Superior

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UBES União Brasileira de Estudantes Secundaristas

UNB Universidade de Brasília

UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

UNE União Nacional dos Estudantes

UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

UFF Universidade Federal Fluminense

UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora

UFPR Universidade Federal do Paraná

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte

TCU Tribunal de Contas da União

TIC Tecnologias de Informação e Comunicação

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Gráfico 1 – Recursos empenhados pelo conjunto das universidades brasileiras para fundações de apoio - Movimento líquido -(2002/2007)...........................................129 Gráfico 2 – Orçamento das IFES de 1989 à 2007 – todas as fontes............................................135 Gráfico 3 – Recursos próprios aplicados em investimentos nas IFES de 1990 à 2002...............136 Gráfico 4 – Relação entre o orçamento total das IFES e o PIB anual de 1989 à 2007................137 Gráfico 5 – Vagas oferecidas nas Instituições de Ensino Superior em 2008...............................159 Gráfico 6 – Orçamento do programa assistência ao estudante de graduação..............................169

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LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Ampliação do número de docentes e regime de trabalho – UFF e UFRJ..................150 Tabela 2 – Comparação da relação professor/ aluno entre UFF e UFRJ pelos critérios do

TCU...........................................................................................................................151 Tabela 3 – Comparação da previsão de ampliação da relação professor/ aluno na UFFe UFRJ

pelos critérios do REUNI..........................................................................................151 Tabela 4 – Comparação do DPG da UFF e da UFRJ..................................................................152 Tabela 5 – Comparação da ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ prevista por ano, de

acordo com as metas do REUNI...............................................................................153 Tabela 6 – Comparação da previsão de ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ no total, de

acordo com as metas do REUNI...............................................................................153 Tabela 7 – Ampliação do banco de professores equivalentes prevista e executada na UFF e na

UFRJ.........................................................................................................................154 Tabela 8 – Ampliação do banco de professores equivalente prevista e executada na UFF e na

UFRJ: percentuais.....................................................................................................154 Tabela 9 – Ampliação das matrículas, total e noturna, prevista e executada na UFF e na

UFRJ.........................................................................................................................154 Tabela 10 – Crescimento das matrículas na graduação presencial entre 2002 e 2008................158 Tabela 11 – Comparação das metas de conclusão do REUNI entre UFF e UFRJ......................160 Tabela 12 – Previsão de verbas REUNI do MEC em valores nominais.....................................169 Tabela 13 – Recursos totais de custeio das IFES que participam do REUNI.............................169 Tabela 14 – Impacto do REUNI no total do orçamento de custeio destinado às IFES participantes do REUNI..........................................................................................170 Tabela 15 – Recursos totais de investimento das IFES que participam do REUNI....................170 Tabela 16 – Impacto do REUNI no total do orçamento de investimento destinado às

universidades federais...............................................................................................171 Tabela 17 – Repasse do REUNI para a UFRJ entre 2007 e 2010...............................................172

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Tabela 18 – Diferença entre o Acordo de Metas e o repasse anual pela LOA do REUNI: total entre 2007 e 2010 na UFF...........................................................172 Tabela 19 – Dívida anual da UFRJ – Custeio e Investimento.....................................................174 Tabela 20 – Orçamento executado em 2009 e previsto para 2010 na UFRJ, por fonte..............175 Tabela 21 – Comparação entre recursos previstos pelo REUNI e necessários ao Plano Diretor

na UFRJ....................................................................................................................176

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................14 1 MUDANÇAS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO.................................19 1.1 Financerização do capital e o papel do fundo público..........................................27 1.2 Reestruturação produtiva........................................................................................30 1.3 Mundialização do capital: relações entre centro e periferia.................................33 1.4 O papel da inovação tecnológica..............................................................................37 1.5. O papel da ideologia..................................................................................................45 2 FORMAÇÃO SOCIAL DO BRASIL E A TRAJETÓRIA DA

EDUCAÇÃO.............................................................................................................49 2.1 A trajetória da educação no Brasil: surgimento e consolidação do ensino

superior......................................................................................................................68 2.2 A contra-reforma do Estado: o governo Cardoso..................................................79 2.3 O governo Lula da Silva: continuidade ou ruptura?.............................................92 3 A CONTRA-REFORMA NAS UNIVERSIDADES............................................102 3.1 Novas expressões da contra-reforma: análise do REUNI...................................138 3.2 Reestruturação: as mudanças curriculares..........................................................142 3.3 Precarização e superexploração do trabalho docentes: a expansão das matrículas e o aumento da relação professor/aluno............................................148 3.4 Redução da evasão e políticas de permanência para os estudantes...................160 3.5 Um novo padrão de financiamento?......................................................................165 4 CONCLUSÃO..........................................................................................................178 REFERÊNCIAS........................................................................................................181

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INTRODUÇÃO

O trabalho ora apresentado tem como preocupação central a universidade, num momento

de profundos ataques contra-reformistas que afetam não só essa instituição como a totalidade dos

direitos e políticas sociais conquistados historicamente pela classe trabalhadora, em acordo com

as necessidades do capitalismo em sua fase madura.

A partir da década de 1970, o padrão keynesiano/fordista de organização do trabalho,

financiamento público e regulação estatal dá lugar a um processo mundial de liberalização

financeira, reestruturação produtiva e mundialização das economias financeirizadas, o que

significou um novo fluxo para os fundos públicos. A disputa entre capital e trabalho pelos fundos

públicos passa a ser francamente vencida pelo capital que, com o discurso da crise fiscal do

Estado, tem monopolizado a utilização de seus recursos através de mecanismos como a dívida

pública, isenções fiscais e até financiamento direto a investimentos de infra-estrutura.

Se no período do fordismo os Estados capitalistas se constituíram em Estados de Bem

Estar, ainda que em diferentes graus quantitativos e qualitativos de acordo com a luta de classes

interna e com cada inserção na dinâmica mundial, o ataque da burguesia tem significado um

retorno ao Estado caritativo ou assistencialista. Ou caminhando para o pior cenário imaginado

por Oliveira (1988) nas suas teses sobre o anti-valor1: “uma mescla altamente perigosa de

assistencialismo e repressão” (OLIVEIRA, 1988, p. 46).

Dentro desse contexto, a educação como política pública tem características comuns a

outras políticas sociais. Assim como as políticas da Seguridade Social (assistência social, saúde e

previdência social), a educação responde contraditoriamente tanto às necessidades de valorização

do capital, ao preparar a força de trabalho para suas atividades, quanto aos trabalhadores, ao

socializar o conhecimento historicamente acumulado. A educação torna-se uma política pública,

portanto, como conquista dos trabalhadores e ao mesmo tempo reivindicação do capital, para que

a capacitação para o trabalho deixasse de ser um custo da produção, tornando-se salário indireto.

1 � Incorporamos as elaborações de Oliveira (1988) sobre o fundo público apresentadas nas suas teses sobre o anti-valor associadas as críticas de Behring (2008, p.54) que refutam exatamente a idéia do capital como anti-valor, dado que o mesmo “participa de forma direta e indireta do ciclo de produção e reprodução ampliada do valor” negando, em conseqüência a tese de inaplicabilidade da lei do valor no capitalismo monopolista.

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Mota (2008, p. 24) levanta como hipótese que essa característica, comum às políticas de

educação, torna as políticas de Seguridade Social alvos prioritários de “reformas” em períodos

de crise do capital, pois, em resposta a queda das taxas de lucro, o capital se utiliza das políticas

sociais para manter-se hegemônico.

Na nossa hipótese não só as políticas de Seguridade Social, mas o conjunto de políticas

sociais, onde a educação se destaca, são alvo de mudanças em momentos de crise. Seja para

darem maior suporte à valorização e à realização do capital através de uma maior funcionalidade

e uma menor abrangência das políticas públicas, racionalizando a utilização do fundo público

para esse fim, seja para redefinir as condições sócio-políticas de resposta do capital,

reestruturando seus mecanismos de reprodução social.

A educação institucionalizada (...) serviu ao propósito de não só fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema do capital, como também gerar e transmitir um quadro de valores que legitima os interesses dominantes. (...) O fato de a educação formal não poder ter êxito na criação de uma conformidade universal não altera o fato de, no seu todo, ela estar orientada para aquele fim (MÉZSÁROS, 2005, p. 35-56).

Esse papel que cumpre na reprodução social não torna a educação formal, como política

implementada e/ou regulada pelo Estado, por si só nem capaz de sustentar o sistema do capital

nem de fornecer soluções emancipadoras radicais. Sua função é produzir a conformidade e o

consenso tanto quanto for possível dentro dos seus limites institucionalizados. Dessa forma, as

reformas dentro da educação, por mais progressivas que sejam não desafiam a lógica do

capitalismo enquanto uma mudança institucional isolada. Elas podem eliminar os piores efeitos

da ordem reprodutiva do capital, mas não eliminar seus fundamentos causais. “É por isso que é

necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa

educacional significativamente diferente” (MÉZSÁROS, 2005, p. 27). Ou como diria Fernandes

(1979, p. 15): “se me colocasse diante dos nossos problemas educacionais e dos nossos dilemas

culturais em termos de minhas convicções, só recomendaria uma saída, que é fornecida pelo

socialismo”.

No entanto, a reivindicação da educação pública, numa conjuntura onde a privatização

das políticas sociais, antes realizadas pelo Estado, é fundamental para a valorização do capital,

torna-se uma bandeira de transição com potencial irruptivo. A disputa da consciência dos

trabalhadores e da construção de conhecimento crítico, referendado nas necessidades da maioria,

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também passa pela garantia da educação, e particularmente das universidades, como espaço

público e autônomo. A progressiva privatização sobrepõe os interesses privados aos públicos,

passando a situá-la fora dos limites da democracia, mesmo formal.

Por tudo isso, a disputa pela reforma educacional, ainda que não possa alterar a estrutura

do capitalismo, é importante, na medida em que pode fortalecer o capital ou o trabalho tanto do

ponto de vista ideológico quanto, de forma indireta, na organização da produção e na produção e

difusão do conhecimento.

Em outra medida, com o desenvolvimento histórico da tecnologia na produção a

necessidade de educação e capacitação para os trabalhadores cresceu e tornou-se elemento de

solicitação ao Estado, como mecanismo de ascensão social para o trabalho. Segundo Romanelli

(2009), o ensino superior em sociedades em fase de modernização tem como função precípua a

definição ou redefinição da situação dos indivíduos na estrutura social. Por isso é no ensino

superior que há maior “cooperação” internacional sendo por onde as reformas educacionais se

iniciam. Netto (2002) aponta ainda que é atribuído ao ensino superior um papel irradiador e suas

mudanças afetariam graus inferiores do sistema educacional.

Os elementos apresentados demonstram a importância do estudo das “reformas”

educacionais, em particular no ensino superior, como mecanismos fundamentais nos ajustes

necessários ao capitalismo em momentos de crise e que são inevitavelmente atravessados pela

luta de interesses entre capital e trabalho.

Desde a década de 1990, momento de ascensão das políticas neoliberais no Brasil, as

universidades públicas têm sido ameaçadas com inúmeros projetos contra-reformistas, que

obtiveram vitórias apenas parciais, graças à resistência de setores organizados da comunidade

universitária.

Em abril de 2007, o Ministério da Educação do governo Lula da Silva instituiu o decreto

6.096 que criava o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades

Federais (REUNI). Supostamente garantindo a autonomia universitária, já que a adesão ao

programa era voluntária, o REUNI atropelou os processos de debate e embate entre reforma x

contra-reforma, aparentando ser uma intervenção limitada e pontual.

De conteúdo, o Programa promete concursos públicos para pessoal e aportes de custeio e

investimento em troca do cumprimento de duas metas: a elevação das taxas de conclusão da

graduação para 90% e o aumento da relação entre docentes e estudantes, que atualmente gira em

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torno de 1 para 14, para 1 para 18. Com isso, o objetivo seria dobrar as vagas para estudantes nas

universidades públicas em 5 anos, objetivo louvável em princípio.

O decreto, aparentemente restrito a 5 anos, no entanto, anuncia mudanças estruturais nas

universidades públicas brasileiras e, por conseguinte, alterações profundas na produção de

conhecimentos e na formação de força de trabalho intelectual no país.

O imbricamento de múltiplos fenômenos, inerente ao capitalismo, leva a necessidade de

buscar cada vez mais a totalidade que relaciona as contra-reformas universitárias, a captura do

fundo público, a ideologia pós-moderna, a desregulamentação do trabalho e mais tantas variáveis

típicas do capitalismo maduro. Por isso, o primeiro capítulo trata de reconstituir essas variáveis,

sobretudo aquelas que rebatem na organização da produção e da cultura e afetam o papel das

universidades.

Nossa opção é, inserindo na discussão do capitalismo na sua fase madura, buscar as

especificidades brasileiras, de sua inserção dependente e sua formação histórica, além das

questões particulares da luta de classes local. O segundo capítulo trata, então, do

desenvolvimento histórico do capitalismo no Brasil e de como esse desenvolvimento afetou a

educação como política pública, com um recorte específico para o governo Cardoso e Lula da

Silva, por se tratar do período fundamental estudado.

E por fim, o terceiro e último capítulo constitui-se de uma pesquisa documental,

bibliográfica e orçamentária para debater o papel cumprido pela política do REUNI no contexto

definido, a partir da hipótese de que o mesmo aprofunda e mantém a lógica de “reforma”

universitária do capitalismo monopolista, iniciada no Brasil durante o governo militar, com

inflexões que refuncionalizam as universidades para as necessidades do atual modelo de

acumulação. Hipótese apoiada por Leher (2005, p. 212) para quem “as atuais formas de

mercantilização e privatização do ensino superior não podem ser pensadas como processos

desvinculados da modernização conservadora [do regime militar] e de seu modelo universitário”.

Partimos do princípio de que são três as funções básicas das universidades hoje: a

formação de força de trabalho intelectual, o desenvolvimento de ciência e tecnologia e da

ideologia. As universidades estão sendo, dentro dessas funções, modeladas pelas necessidades do

capital, e no caso brasileiro, pelas necessidades do capital num país periférico. O ataque do

capital às universidades é realizado com a mediação do Estado e passa por três questões que nos

parecem fundamentais: o desfinanciamento público, a privatização da gestão por meio das

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fundações, com retrocesso na autonomia e na democracia e políticas de ensino que interferem

diretamente no mercado com a massificação e remodelamento da força de trabalho intelectual.

Trata-se de uma universidade que só reforça a condição de heteronomia e dependência do país

em relação ao capitalismo central apesar do transformismo no discurso daqueles que elaboram e

implementam esse projeto. As agendas universitárias vêm se adequando, com a cumplicidade de

parte de seus trabalhadores, estudantes e dirigentes, às necessidades do capital privado e do

Estado como seu indutor.

Compactuaremos com a tese de Behring (2003) na afirmação de que as reformas

neoliberais, ao contrário de períodos anteriores do capitalismo, não são parte de uma

modernização conservadora que signifique, ainda que nos marcos burgueses, “saltos para

frente”. Ao invés disso tratam-se de contra-reformas que retrocedem o desenvolvimento

econômico e os direitos conquistados no país2. Acreditamos, no entanto, ser necessário estudos

mais aprofundados sobre o governo Lula da Silva que possam referendar tal tese nesse período,

já que originalmente foi formulada durante o governo Cardoso. Com isso não queremos dizer

que há um processo de ruptura entre os dois governos, mas certamente existem inflexões que

precisam ser medidas. Esperamos que esse trabalho contribua para isso.

Colocando-nos claramente comprometidos com a causa da universidade pública,

autônoma e democrática, a intenção desse trabalho é produzir novos subsídios que fortaleçam a

disputa de hegemonia, a favor de um projeto societário vinculado aos interesses dos

trabalhadores. Se a universidade laica do século XIX é a ruptura com a Igreja, a libertação dos

mercados é a nova laicização necessária ao conhecimento socialmente referenciado na maioria

da população.

2 Por isso o uso de aspas no termo reforma quando nos referimos a, na verdade, a retrocessos, contra-reformas, apesar do governo se utilizar de forma transformista do termo. “Com as palavras todo o cuidado é pouco, mudam de opinião como as pessoas” (SARAMAGO, 2005, p.65).

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1 MUDANÇAS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

O início do século XX traz para o capitalismo novos tempos. A livre concorrência

conduzida pela mão invisível reguladora do “mercado perfeito”, na explicação da economia

política clássica, distanciou-se definitivamente da realidade do sistema. A intensa

industrialização levou à concentração do capital em empresas cada vez maiores, centralizadas

cada vez em menos mãos. Essa concentração trouxe a necessidade de cada vez maiores

montantes de capital, dificultando o surgimento da concorrência. Dessa concentração crescente

do capital surgem os monopólios. Segundo Lênin (2008, p. 21) “o aparecimento do monopólio

devido à concentração da produção é uma lei geral e fundamental da presente fase do

desenvolvimento capitalista”.

Quando a concorrência transforma-se em monopólio a produção socializa-se entre seus

poucos donos. Esses passam a monopolizar a força de trabalho qualificada, as vias de transporte

e comunicação. Com isso monopoliza-se também os inventos, o progresso técnico e as patentes.

A monopolização e a cartelização, controlando preços, organizando a produção e

distribuindo os lucros, passam a ser a base da vida econômica. O capitalismo transforma-se,

nessa fase, em imperialismo.

O imperialismo, chamado por Lênin a fase superior do capitalismo, modifica também o

papel dos bancos. De meros intermediários dos pagamentos, os bancos têm suas operações

ampliadas, dada a grande necessidade de crédito dos monopólios. Essas operações também

passam a se concentrar num reduzido número de instituições financeiras. Poucos bancos passam

a dispor de todo capital-dinheiro dos monopólios, pequenos patrões e do salário dos

trabalhadores. Passam a

[...] primeiro conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição de crédito, facilitando-o ou dificultando-o e, finalmente, de decidir inteiramente sobre seu destino, determinar sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções etc (LENIN, 2008, p. 35).

O superdimensionamento da esfera financeira da economia com a fusão do capital

industrial com o capital bancário através da posse de ações, sendo o primeiro cada vez mais

dependente do segundo, também é característica central do período monopolista. Em uma

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relação dialética os bancos também são responsáveis pela aceleração da concentração do capital

e da formação dos monopólios, e passam a interferir ativamente no desenvolvimento da

indústria, na inovação tecnológica.

Lênin (2008) afirma que além de bancos e indústrias o Estado também é parceiro nas

sociedades do monopólio. O Estado não é uma invenção do capital. Ele está intrinsecamente

relacionado aos interesses da propriedade privada e no capitalismo passa a ter características

específicas para garantir o interesse dos proprietários de capital e mercadoria, assegurando parte

das funções superestruturais que “podem ser genericamente resumidas como a proteção e a

reprodução da estrutura social (as relações de produção fundamentais) à medida que não se

consegue isso com processos automáticos da economia” (MANDEL, 1982, p. 333). Mandel

inclui entre as funções do Estado capitalista já estudadas amplamente pelos autores marxistas - a

função repressiva e a função integradora - uma terceira: a de providenciar as condições gerais de

produção.

Esse domínio funcional do Estado inclui essencialmente: assegurar os pré-requisitos gerais e técnicos do processo de produção efetivo [...] providenciar os pré-requisitos gerais e sociais do mesmo processo de produção [...] e a reprodução continuada daquelas formas de trabalho intelectual que são indispensáveis à produção econômica, embora elas mesmas não façam parte do processo de trabalho imediato (...) (MANDEL, 1982, p. 334).

Uma característica importante do Estado burguês que o distingue das outras formas de

Estado, e que é parte inerente do modo de produção capitalista, é seu papel na separação entre as

esferas pública e privada. A concorrência entre vários capitais coloca para o Estado a função de

mediador, imputando-o uma autonomia relativa. Essa mediação, porém, tem conseqüências nos

interesses particulares dos diversos grupos de capitalistas que precisam assim ter um papel ativo

na política para defendê-los (MANDEL, 1982, p. 334).

Quando o capitalismo passou da fase concorrencial para a fase monopolista essa

configuração do Estado sofreu inflexões. Primeiro porque a centralização do capital coincidiu

com o fortalecimento dos partidos da classe trabalhadora e a necessária concessão de direitos

políticos como o sufrágio universal. O Estado passou então a mediar conflitos de classe no seu

interior obrigando a uma maior centralização de poder dentro dos espaços institucionais. Esse

crescimento do poder político das organizações de trabalhadores levou também o Estado a

avançar numa legislação social com uma dupla função: reduzir a pressão dos trabalhadores

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concedendo direitos, e garantir a reprodução ampliada do modo de produção através da

reprodução da força de trabalho por meio de salários indiretos (MANDEL, 1982;

OLIVEIRA,1988).

Portanto, o que Lênin não assistiu foi que, após a II Guerra Mundial, uma guerra

imperialista pela disputa de territórios, o capital teve que dar um passo atrás nos países centrais

através de uma partilha mais igualitária dos fundos públicos organizada pelos Estados, não só

para neutralizar a luta de classes, mas como estratégia para a ampliação dos mercados. Mas o

que Lênin previu e que encaixa-se perfeitamente no fordismo como modelo de acumulação é que

os grandes lucros monopolistas poderiam “subornar as classes inferiores para conseguir sua

aquiescência” (2008, p.104). Ou seja, exportando a superexploração da força de trabalho para os

países dependentes, através das políticas de colonização e dominação típicas do imperialismo, e

reconfiguradas no pós-guerra por uma nova partilha do mundo entre os vencedores, foi possível

num determinado momento histórico elevar as condições de vida de parte do proletariado dos

países centrais com políticas de benefícios das empresas e políticas sociais do Estado que

reduziram os custos da reprodução.

Harvey (2003) divide o período monopolista/imperialista em três fases. A primeira, de

1870 a 1945, é precedido pela primeira crise de sobreacumulação capitalista3 entre 1846 e 1850

na Europa que teve como saída o investimento infra-estrutural de longo prazo e as expansões

geográficas. Em meados de 1860, esse meio de absorver excedentes se esgotou pelas tensões

internas na Europa e nos Estados Unidos (que iniciava uma guerra civil). Foi necessária uma

reordenação espacial para a exportação dos capitais europeus excedentes, levados a força para o

exterior para investimentos e comércio especulativos. Para resolver o paradoxo entre a

necessidade de expansão espacial e as bases de organização em Estados-nação, o imperialismo

da época mobilizou forças nacionalistas racistas, baseadas em doutrinas de superioridade racial,

que legitimaram o que Harvey chama de acumulação via espoliação, num processo de

colonização violento e opressivo. Suas características essenciais envolveram a divisão forçosa do globo em terrenos definidos de posse colonial ou de influência exclusivista [...], a pilhagem de boa parte dos recursos do mundo pelas potências imperiais e a instauração disseminada de virulentas doutrinas de superioridade racial – ações que se fizeram acompanhar de um fracasso total e previsível em resolver o problema do capital excedente [...] (HARVEY, 2003, p. 46).

3 O autor define a crise de sobreacumulação como “um excedente de capital para o qual não há meios lucrativos de emprego.” (ibidem, 2003, p. 43).

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A Grande Depressão de 1929 é o ápice desse fracasso que culmina na II Guerra Mundial

entre as potências imperialistas de 1939 a 1945, período de ascenso dos Estados Unidos como

grande potência imperialista mundial.

Após a II Guerra Mundial o imperialismo chega a sua segunda fase que irá de 1945 a

1970, marcado pela hegemonia norte-americana. Dominantes economicamente, lideravam a

tecnologia e a produção e possuíam um aparato militar apenas comparável ao da União Soviética

(que saía da guerra com bastante debilidade).

O imperialismo norte-americano é, segundo Harvey, marcado por uma dominação que

combina relações comerciais privilegiadas, patronato, clientelismo e coação encoberta,

respeitando a independência formal dos países criando um “sistema mais aberto de colonialismo

sem colônias” (HARVEY, 2005, p.36). Internamente se utilizaram da ascensão soviética – que se

expandiu territorialmente após a guerra - para inaugurar um período conhecido como Guerra

Fria. A doutrina de McCarthy acabou com a liberdade de expressão, perseguindo a tudo que

pudesse ser comunista, uma política chamada por Harvey de “paranóide”. A unidade do país

contra a ameaça externa do comunismo foi o que deu bases a um pacto social entre as classes,

elemento central para a implementação do chamado modelo fordista.

Ainda que o modelo de Ford tenha se iniciado em suas fábricas em 1914 foi apenas após

a II Guerra Mundial, com a vitória sobre o nacional-socialismo, que o fordismo se consolidou

como regime de acumulação imposto diretamente em países ocupados e indiretamente por meio

do Plano Marshall e do investimento direto norte-americano. Mais do que apenas uma aplicação

da divisão do trabalho taylorista e de inovações tecnológicas e organizacionais o fordismo

caracterizava-se por ser um novo modelo baseado na produção e no consumo em massa, com

“um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência

do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade

democrática, racionalizada, modernista e populista” (HARVEY, 2006, p.121). Associado ao

keynesianismo, que pregou a maior participação do Estado na implementação de políticas anti-

cíclicas, o fordismo foi hegemônico até a década de 1970. No entanto, sua aplicação

diferenciava-se em cada país. Mundialmente ele significou a formação de um mercado de massa

global permitindo a exportação da capacidade produtiva excedente dos Estados Unidos e

globalizando um mercado de matérias primas baratas.

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Nesse período, os Estados Unidos escondem seus ímpetos imperialistas por trás de um

pretenso universalismo, protegendo econômica e militarmente todas as elites do globo. Assim, se

envolvem em golpes militares por todo o mundo, incluindo o Brasil, e sustentam regimes no

Oriente Médio e no extremo Oriente. Sua dominação envolvia imperialismo cultural, cultivando

um pró-americanismo global onde “se descrevessem como o pináculo da civilização e um

bastião dos direitos individuais” (HARVEY, 2005, p.53) apesar de promotores de regimes

sangrentos em todo o mundo.

Vários acordos, a exemplo de Bretton Woods4 foram realizados, a fim de estabilizar o

sistema financeiro internacional e várias instituições como o Fundo Monetário Intrnacional

(FMI), o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), foram projetados para coordenar o desenvolvimento do capitalismo. Em todo mundo

há um forte crescimento com formação de novas tecnologias, capital fixo e amplas melhorias

infraestruturais. Um período de desenvolvimentismo keynesiano em países centrais que

formaram Estados de Bem-Estar Social expandindo o consumo a setores da classe trabalhadora e

provocando “efeitos secundários fora do núcleo, se bem que de modo atenuado e desigual, por

todo mundo não-comunista” (HARVEY, 2005, p.55). Assim:

O problema da sobreacumulação do capital, embora sempre ameaçador, foi contido até o final dos anos 1960 por uma mistura de ajustes internos e de ordenações espaço-temporais tanto dentro como fora dos Estados Unidos (HARVEY, 2005, p.55).

Essa segunda etapa se encerra no início dos anos 70 com mais uma crise de

sobreacumulação. A capacidade interna de absorver excedentes nos Estados Unidos começa a se

estagnar no final dos anos 1960, acirrando a competição econômica, chegando o Japão e a

Alemanha a afetarem e até superarem os Estados Unidos em algumas áreas. Os altos custos com

a guerra do Vietnã, pressão de uma economia de guerra permanente do complexo industrial-

militar, e o consumo doméstico excessivo levaram a uma crise fiscal do Estado intervencionista

keynesiano. Para resolver, os Estados Unidos passam a imprimir mais dólares o que resulta numa

pressão inflacionária mundial, uma explosão da quantidade de capital fictício e o colapso das

estruturas internacionais fixas forjadas no período anterior, acabando com toda a estrutura do

sistema de Bretton Woods. Além disso, a organização do trabalho, sob o regime fordista do

4 O acordo de Bretton Woods, de 1944, transformou o dólar na moeda-reserva mundial e vinculou com firmeza o desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-americana” (HARVEY, 2006, p.131).

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período, levou à pressão por crescentes gastos sociais do Estado e gastos com salários nos

centros mais dinâmicos do capital, que significaram uma redução dos lucros.

Sob todos esses efeitos, o capitalismo passa à estagflação, entrando em uma longa onda

de estagnação, com tendência a queda das taxas de lucro, que dura da década de 1960 até os dias

de hoje. Aspectos fundamentais desse período, como apontam Duménil e Lévy (2003, p.15), são

a diminuição do crescimento e os baixos investimentos, o conseqüente aumento do desemprego,

a inflação, a redução do ritmo do progresso técnico, a lentidão da progressão dos salários e a

diminuição da rentabilidade do capital. Outra característica do período é a queda da

produtividade do capital, isto é, “obtém-se uma quantidade cada vez menor de produto para o

mesmo estoque de capital (capital fixo) ou, de maneira equivalente, investe-se uma quantidade

maior de capital para o mesmo produto.” (DUMENIL ; LEVY, 2003, p.20) Segundo os mesmos

autores, ainda que os salários tenham se reduzido nesse período, essa redução não foi o suficiente

para compensar “o declínio das performances do progresso técnico” (DUMENIL ; LEVY, 2003,

p.20).

Nesses marcos passamos à terceira fase do capitalismo monopolista/imperialista,

caracterizado pela hegemonia neoliberal. A resposta neoliberal articulada ocorre nos anos 1990

com o Consenso de Washington5 apesar das iniciativas que preparam essa hegemonia virem

desde o final dos anos 1970 inicialmente com o governo Thatcher na Inglaterra, o governo

Reagan nos EUA e com Pinochet na periferia do capital.6

Para Dumenil e Levy o “acontecimento emblemático da nova ordem social” é o que

chamam de “golpe de 79”: a decisão do Banco Central americano de aumentar as taxas de juros

para controlar a inflação, sem se importar com as conseqüências sociais para os demais países o

que consideram “uma violência política” (DUMENIL ; LEVY, 2005, p.85). O “golpe de 79” foi

especialmente contundente nos países periféricos, que desde 1976 vinham se aproveitando das 5 [...] o Consenso de Washington é um modelo de desenvolvimento de cunho neoclássico, elaborado pelo Banco Mundial, pelo Fundo Monetário Internacional e pelos think tanks de Washington e que, agora, passa como sendo a única interpretação racional possível dos problemas de estabilização e crescimento” (NUN apud MOTA, 2008, p.79). Compreende as seguintes medidas: disciplina fiscal, redução dos gastos públicos, reforma tributária, juros de mercado, câmbio de mercado, abertura comercial, eliminação das restrições ao investimento estrangeiro direto, privatização das estatais, desregulamentação econômica e trabalhista, defesa do direito à propriedade intelectual (MARQUES, 2010, p.7). 6 Para Harvey o esmagamento da greve dos mineiros na Inglaterra e dos controladores de vôo nos EUA pelos governo de Thatcher e de Reagan, no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980, são o marco de uma nova relação da burguesia, através do Estado, com os trabalhadores que abre caminho para a retirada de direitos do neoliberalismo. Podemos fazer paralelo com a greve do petroleiros nos anos 1990 no Brasil, derrotada pelo governo Cardoso, nosso marco no avanço da neoliberalização.

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aberturas de crédito derivadas dos “petrodoláres”, ou seja, de dinheiro resultante da alta do

petróleo. Os altos juros tornaram esse endividamento cada vez maior, culminando nas crises da

dívida na América Latina e tornando a década de 80 uma “década perdida” para esses países do

ponto de vista econômico (CHESNAIS, 2005). Além disso, as dívidas reconfiguraram e

aprofundaram a dominação dos países centrais sobre os periféricos, tema que retomaremos mais

a frente.

A teoria de Harvey (2005) também defendida por Chesnais (2005) e Dumenil e Levy

(2005) é que o sentido fundamental da virada neoliberal é a retomada da hegemonia da

burguesia. Durante o período do Estado de Bem-Estar no pós-guerra, a burguesia permitiu, claro

que também devido a uma correlação de forças de avanço dos trabalhadores organizados, uma

maior distribuição das riquezas7. Essa situação foi tolerada enquanto havia crescimento

econômico estável. Com a crise dos anos 1970, a queda das taxas de lucro significou perdas

importantes para a classe burguesa. As políticas neoliberais surgem assim como “um projeto

político de restabelecimento das condições de acumulação do capital e de restauração do poder

das elites econômicas” (HARVEY, 2005, p.27). Apesar de não ter sido muito eficaz no primeiro

objetivo, no que tange a retomada de um crescimento econômico estável, teve sucesso no

segundo ampliando significativamente a desigualdade social no mundo todo.8

Significa dizer que o neoliberalismo enquanto teoria econômica foi na prática vencido

pelo pragmatismo político da classe dominante. Se havia entre os teóricos neoliberais alguma

utopia de reorganização mundial do capitalismo essa foi vencida pelo projeto burguês. Isso

justifica porque a receita neoliberal foi aplicada de forma tão desigual entre os países e nas

diversas conjunturas, chegando a perder todos os seus pressupostos básicos se fosse de interesse

da classe dominante.

Dumenil e Levy (2005, p.87) colocam o neoliberalismo como o segundo período do

capitalismo hegemonizado pela finança, sendo o primeiro o período entre o fim do século XIX e

a crise de 29. Esse novo período de hegemonia das finanças iniciado na década de 1970 tira

partido da crise estrutural do período. Para Dumenil e Levy: 7 Segundo Harvey (2005) o 1% da população mais rica dos EUA concentrava 16% da renda nacional antes da Segunda Guerra passando a 8% no pós-guerra e sofrendo acentuada queda nos anos 1970. Com a neoliberalização os 1% mais ricos voltam a deter 15% da renda nacional no fim do século. 8 A relação da renda entre os 20% da população dos países mais ricos e os 20% da população dos países mais pobres do globo era de 30 para 1 em 1960 chegando a 74 para 1 em 1977 (HARVEY, 2005, p.27).

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A forte desaceleração do crescimento, o aumento da instabilidade macroeconômica (...), o crescimento do desemprego e da inflação acumulativa não puderam ser vencidas pelas políticas keynesianas de reativação da economia, que foram provadas ao longo da década anterior. O problema era de outra natureza: a crise estrutural resultava de uma queda gradual da taxa de lucro nos principais países capitalistas desenvolvidos, mais ou menos desde os anos 60 (2005, 89).

Antunes (1999, p.30) concorda que o deslocamento do capital para as finanças foi

conseqüência da redução das taxas de lucro geradas pela produção, por sua vez decorrentes da

crise do período, crise estrutural de superprodução do capital. Se o objetivo da financeirização

era a busca por lucros suas origens estruturais estão na acumulação industrial obtida no período

de expansão anterior, quando famílias com maiores rendas começaram a aplicar suas poupanças

em títulos de seguro de vida, bem como a obrigação dos assalariados abrirem contas em bancos

(CHESNAIS, 1999, p.37).

Comungamos com a tese de que a financeirização é elemento básico do capitalismo

neoliberal, marcando um “novo imperialismo” nos termos de Harvey ou uma “mundialização

financeira” nos termos de Chesnais, de onde se originam as características societárias

contemporâneas, tentativa de resolver, ou postergar, a crise atual do capital, sobretudo no que

tange a retomada das taxas de lucro.

A crise do padrão de acumulação fordista é, portanto, apenas expressão fenomênica da

crise estrutural, fruto da sua incapacidade de responder a retração do consumo, resposta ao início

do desemprego estrutural. A reação burguesa iniciada no fim dos anos 70 vai impor, então, uma

nova forma de estruturação da produção com conseqüências para a regulação do trabalho e da

reprodução social, que recoloca o capital em uma avassaladora ofensiva na busca por

superlucros.

Outras marcas da ofensiva do capital na crise atual são a corrida tecnológica, uma nova

divisão do trabalho e da relação entre centro e periferia do capital e o ajuste neoliberal,

“especialmente com um novo perfil das políticas econômicas e industriais desenvolvidas pelos

Estados Nacionais, bem como um novo padrão de relação Estado/sociedade civil, com fortes

implicações para o desenvolvimento de políticas públicas, para a democracia e para o ambiente

intelectual e moral” (BEHRING, 2003, p.34), elementos que aprofundaremos agora.

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1.1 Financerização do capital e o papel do fundo público

Iamamoto (2007) aponta a retomada da financeirização do capitalismo na

contemporaneidade, como o eixo estruturante da configuração atual das relações sociais.

Chesnais (2005) parte do mesmo pressuposto, de que na configuração atual específica do

capitalismo o capital financeiro encontra-se no centro das relações econômicas e sociais. A

reestruturação produtiva, com a marca da flexibilização nas relações entre trabalho e capital, a

captura do fundo público através dos mecanismos da dívida justificando a redução do gasto

público para os trabalhadores e as mudanças na esfera cultural, fundamentada no ethos pós-

moderno, são dimensões do fenômeno que tem por objetivo alimentar a engenharia do mercado

financeiro, reproduzindo de forma ampliada o capital.

A mundialização do capital tem na esfera financeira do capital sua ponta de lança. O

capital nascido no setor produtivo tem seus rendimentos, formados na troca, canalizados em

grande parcela para o mercado financeiro. Nessa esfera vários processos, em grande parte

fictícios, incham o montante nominal dos ativos financeiros. Apesar da financeirização estar

necessariamente vinculada ao processo produtivo, já que apenas na esfera da produção cria-se

valor, o mercado financeiro aparece personificado. Três dimensões da ascensão do setor

financeiro se relacionam a essa personificação: a sua relativa autonomização em relação à

produção e a intervenção das autoridades monetárias, o fetichismo das formas de valorização do

capital de natureza especificamente financeira e a determinação de seus traços por seus próprios

operadores (CHESNAIS, 1998).

Para Chesnais, o lugar que hoje ocupa o capital financeiro se afirmou a partir da

intervenção dos Estados imperialistas quando liberaram e desregulamentaram a movimentação

dos capitais, desbloqueando seus mercados financeiros, além de implementar políticas que

estimulassem e facilitassem a centralização das poupanças das famílias e dos lucros não-

reinvestidos do capital. Com isso expande-se a acumulação financeira9 através de novos

9 Entende-se por acumulação financeira, segundo Chesnais (2005, p.37) “a centralização em instituições especializadas de lucros industriais não reinvestidos e de rendas não consumidas, que tem por encargo valorizá-los sob a forma de aplicação em ativos financeiros – divisas, obrigações e ações- mantendo-os fora da produção de bens e serviços.”

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organismos como fundos de pensão, fundos coletivos de aplicação, sociedades de seguros e

bancos que administram sociedades de investimento.

Para Dumenil e Levy (2005) a finança caracteriza-se por uma nova forma de propriedade

que evolui historicamente da propriedade familiar e individual das empresas, gestadas por seus

proprietários até a propriedade financeira, constituída através da posse de títulos, e caracterizada

pelo poder concentrado nas instituições financeiras. Cria-se uma nova classe de administradores,

o que explica a complexidade das estruturas de classe contemporâneas.

Esses novos proprietários situam-se em exterioridade à produção, mesmo quando estão

no cerne dos grupos industriais. Chesnais (2005) não nega a interpenetração entre o capital

industrial e o capital portador de juros, porém coloca um elemento a mais. A aparente

exterioridade do capital portador de juros em relação à produção é, segundo o autor, “um dos

traços mais originais da contra-revolução social contemporânea” (CHESNAIS, 2005, p.54). O

administrador-financeiro moldado pelos interesses das finanças substitui o administrador-

industrial e difere-se dele pelos seus objetivos, criando novas normas de rentabilidade. “A taxa

de lucro necessária para a realização das normas do ‘valor por acionista’ conduz a rejeição de

todos os projetos de investimento que não garantirão a taxa exigida” (CHESNAIS, 2005, p. 58).

As conseqüências que decorrem dessa nova racionalidade que prima pela retirada dos

lucros da esfera produtiva para alimentar a esfera financeira são a redução dos investimentos

produtivos e da participação dos salários nos custos da produção.

Segundo Chesnais (2005), a redução da parte dos lucros voltada para o setor produtivo

tem duas consequências: a redução da capacidade de consumo dos assalariados e a reduzida

propensão em investimentos. A lógica financeira é contraditória com investimentos de longo

prazo como as inovações tecnológicas, o que acaba tornando-a um obstáculo ao aumento da

produtividade. Daí o fracasso do neoliberalismo na reversão das baixas taxas de crescimento.

Dumenil e Levy (2005) reforçam essa tese ao afirmar que a lógica do modelo neoliberal é

desfavorável à acumulação e ao crescimento, lógica que se caracteriza pela primazia do

pagamento de juros e dividendos a acionistas e credores, em prejuízo do investimento produtivo.

Essa aparente exterioridade do capital portador de juros da produção “tende também a

modelar a sociedade contemporânea no conjunto de suas determinações” (DUMENIL ; LEVY,

2005, p.61). Gera uma propensão a “demandar da economia mais do que ela pode dar” o que é

uma das forças motrizes da desregulamentação do trabalho e das privatizações.

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O superdimensionamento da esfera financeira do capital também reproduz as relações de

dependência entre o capitalismo central e periférico. Isso porque as finanças de mercado são

mais excludentes e concentradas que em períodos anteriores, ou seja “a idéia de uma irradiação

planetária pelos capitais não corresponde a realidade do mundo contemporâneo” (DUMENIL ;

LEVY, 2005, p.13). Como o essencial das ações emitidas pelas empresas são aplicadas em suas

próprias bolsas, os países periféricos ficam em desvantagem, pois não possuem nem mercados

emergentes que possam ser integrados nem empresas capazes de atuar nos mercados dos grandes

países industrializados.

Os Estados nacionais, por sua vez, além de não deterem mais o controle e a supervisão

da esfera financeira, são os responsáveis pelo principal mecanismo de captação dos mercados

financeiros: os impostos diretos e indiretos pagos ao Estado e transferidos para a esfera

financeira a título de pagamento de juros ou da própria dívida pública. Está aberto, assim, o canal

que vai redirecionar o fundo público. Ao invés de investido, pelo menos parcialmente, em

políticas públicas universais, como no período do pós-guerra, ele agora é aplicado diretamente

no mercado financeiro. Desnecessário dizer que são os países periféricos os maiores afetados por

esse mecanismo, já que são os maiores portadores de dívidas10. Outros mecanismos transformam

o Estado no neoliberalismo num “Robin Hood às avessas” dentro dos territórios nacionais, como

a revisão das leis tributárias, cada vez mais regressivas, e o oferecimento de subsídios e isenções

fiscais às pessoas jurídicas. (HARVEY, 2005, p.177).

Além de alterar o fluxo do fundo público nacional em favor das finanças, a dívida pública

aprofunda a relação de dominação entre os países centrais e periféricos. Os países periféricos

foram chantageados11 para adequarem-se às políticas de ajuste estrutural ditadas pelo FMI e

pelos demais organismos internacionais, pela força de suas dívidas.

Nos anos 80, a dívida pública permitiu a expansão dos mercados financeiros ou a sua ressurreição em outros países [...] Ela é o pilar das instituições que centralizam o capital portador de juros. Em seguida, a dívida pública gera pressões fiscais fortes sobre as rendas menores e com menor mobilidade, austeridade orçamentária e paralisia das despesas públicas. [...] foi ela que

10 Segundo Harvey (2005, p.175) “calcula-se que, a partir de 1980, mais de 50 Planos Marshall [...] foram remetidos pelos povos da periferia aos seus credores no centro. “Que mundo peculiar’, suspira Stiglitz,’em que os países pobres estão na prática subsidiando os mais ricos’”. 11 Os argumentos de chantagem têm sido bastante eficazes ideologicamente para obter consentimento da população sobre as contra-reformas e os cortes orçamentários o que não significa que não contam com a cumplicidade das burguesias locais.

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facilitou a implantação das políticas de privatização nos países chamados “em desenvolvimento (CHESNAIS, 2005, p.42).

O Estado, portanto, se impõem enquanto agente ativo dos interesses das classes

dominantes na retomada das taxas de lucro. Segundo Dumenil e Levy (2005, p.87) “não se pode

deduzir que o Estado tenha perdido toda a função. O neoliberalismo se impôs sob a proteção do

Estado”. É ideológica e falsa a idéia do Estado neoliberal como um Estado mínimo. O Estado é

mínimo para os trabalhadores e máximo para o capital. Ou como aponta Fontes (2010, p.17) um

“Estado pitbull”, forte para defender o capital das ameaças dos trabalhadores, mas sem gorduras,

ou seja, sem políticas sociais. É o Estado que vai cumprir o papel de administrar as crises com

política anticíclicas, “estimular” os negócios e ao mesmo tempo controlar a classe trabalhadora,

assolada pelo desemprego estrutural e pela redução da proteção social, através do

superdimensionamento da sua face penal (WACQUANT, 2003).

Para Dumenil e Levy (2005, p.88), o Estado num regime democrático caracteriza-se por

sintetizar compromissos da classe dominante com outras frações de classe para garantir sua

legitimidade e o poder, o que não muda a natureza do poder estatal mas “as modalidades de seu

exercício”. O neoliberalismo destrói, dentro dessa lógica, o compromisso entre a classe

dominante e os assalariados, do período do keynesianismo.

1.2 Reestruturação produtiva A retomada das taxas de lucro passa necessariamente por uma maior exploração dos

trabalhadores, extraindo deles maior taxa de mais valia. Ainda que a financeirização do período

tenha inchado esse setor da economia, é no mundo da produção que o valor se cria por meio do

trabalho. Era necessário, portanto, na estratégia da burguesia reestruturar a produção e o trabalho

para responder a crise estrutural do capital que, como já apontamos, tinha no esgotamento do

modelo fordista/keynesiano uma expressão de aparência do fenômeno.

A tese de Antunes (1999, p.47) é de que a reestruturação produtiva decorre da

concorrência inter-capitalista, onde em momentos de crise intensificam-se as disputas entre os

grupos transnacionais e monopolistas, e da necessidade de responder à luta de classes,

controlando a resistência dos trabalhadores. Para o autor o ressurgimento de ações ofensivas da

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classe trabalhadora, após o período mais consensuado do Estado de Bem-Estar Social, é

elemento central na crise do fordismo. O objetivo da reestruturação era o aumento da

produtividade e da extração da mais-valia relativa, pela intensificação do trabalho, sem abdicar

da ampliação da mais-valia absoluta, com o aumento das jornadas.12

Emerge, então, uma nova forma de produção, em muitas características importada ou

inspirada no modelo japonês13 que por isso passa a ser chamada de modelo toyotista,

inaugurando o período da acumulação flexível.

Vários teóricos interpretam distintamente esse fenômeno. Antunes (1999, p.48) expõem

três interpretações diversas. A primeira tem uma visão positiva das mudanças, a tese da

especialização flexível. Autores como Sabel e Piore acreditam que a acumulação flexível ao

possibilitar o aproveitamento das qualidades criativas dos trabalhadores, reduzem a alienação

característica do período fordista, sendo mais favoráveis ao trabalho.

A segunda tese, de autores como Tomaney, defende que as mudanças não alteram as

configurações existentes no trabalho fordista, mas intensificam as tendências existentes.

Outros autores acreditam que o toyotismo traz elementos de ruptura e continuidade com o

modelo anterior, mantendo intactos, porém, o caráter e os pilares fundamentais do modo de

produção capitalista, tese a qual filia-se Antunes (1999) e que adotaremos nesse trabalho. Em

suma: o padrão de acumulação flexível articula um conjunto de elementos de continuidade e

descontinuidade que acabam por conformar algo relativamente distinto do padrão taylorista /

fordista de acumulação” (ANTUNES, 1999, p.52).

Esse modelo fundamenta-se num padrão de produção, organização e tecnologia

avançado. Introduz novas técnicas de gestão da força de trabalho que baseiam-se no trabalho em

equipes que passa a “requerer, ao menos no plano discursivo, o ‘envolvimento participativo’ dos

trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as

condições do trabalho alienado e estranhado” (ANTUNES, 1999, p.52). Ao contrário do 12 Segundo Antunes (1999, p. 33) “apesar do significativo avanço tecnológico encontrado (que poderia possibilitar, em escala mundial, uma real redução das jornadas ou do tempo de trabalho), pode-se presenciar em vários países, como a Inglaterra e o Japão, para citar países do centro do sistema, uma política de prolongamento da jornada de trabalho.” 13 Em relação à proporção em que as características do modelo japonês são incorporadas nas diferentes empresas e países: “claro que sua adaptabilidade em maior ou menor escala, estava necessariamente condicionada às singularidades e particularidades de cada país, no que diz respeito tanto às suas condições econômicas, sociais, políticas, ideológicas, quanto como à inserção desses países na divisão internacional do trabalho” (ANTUNES, 1999, p.57). Aprofundaremos essas questões nos próximos capítulos.

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fordismo, onde o trabalho organizava-se apenas para explorar a capacidade física dos

trabalhadores, no toyotismo o capital passa a se apropriar também da capacidade criativa, de

cooperação, da organização dos trabalhadores. Entra em cena o trabalhador polivalente,

multifuncional. Segundo Bihr (1998):

Um trabalhador que raciocina no ato de trabalho e conhece mais dos processos tecnológicos e econômicos do que os aspectos estritos do seu trabalho imediato é um trabalhador que pode ser tornado polivalente. [...] Cada trabalhador pode realizar um maior número de operações, substituir outras e coadjuvá-las.

A polivalência combinada com a horizontalização da estrutura das empresas está a

serviço do capital, reduzindo o tempo de trabalho e intensificando a exploração num modelo

distinto do fordismo. Segundo Antunes (1999, p.56):

A apropriação das atividades intelectuais do trabalho, que advém da introdução da maquinaria automatizada e informatizada, aliada a intensificação do ritmo do processo de trabalho, configuraram um quadro extremamente positivo para o capital, na retomada dos ciclos de acumulação e na recuperação de sua rentabilidade.

A isso associa-se um modelo de disciplinamento, que busca a adesão do trabalhador

numa relação de confiabilidade onde o trabalhador “veste a camisa” da empresa entregando sua

subjetividade ao capital. Ao mesmo tempo, uma característica central da reestruturação é a

desregulamentação e a retirada de direitos dos trabalhadores.

Enquanto os trabalhadores do centro da produção, mais qualificados, ainda conseguem

melhores remunerações, amplia-se o número de trabalhadores excluídos de direitos e de

estabilidade. O processo de liofilização organizacional14 significou um enxugamento das

unidades produtivas através da terceirização de tudo que não é central em sua especialidade. Os

métodos e procedimentos da empresas centrais se expandem para seus fornecedores e quanto

mais o trabalho distancia-se das empresas centrais mais ele se precariza.

Antunes divide os trabalhadores, analisando a reestruturação do mercado, entre

intelectualizados e subproletários. Para ele, ao mesmo tempo em que o capitalismo passa a

necessitar de mais trabalhadores altamente qualificados, que se desenvolvem junto com os

avanços tecnológicos, por outro lado empurra a maioria dos trabalhadores para a

14 Categoria batizada por Castillo (1996) e utilizada por Antunes (1999).

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subproletarização, vagas sem regulamentação, sem acesso a direitos, e sem necessidade de

qualificação especializada. Ainda que esses últimos estejam fora do centro do processo de

criação de valores de troca “é este conjunto de segmentos, que dependem da venda da sua força

de trabalho, que configura a totalidade do trabalho social, a classe trabalhadora e o mundo do

trabalho” (ANTUNES,1999, p.52). Continuam, portanto, apesar da aparência imensamente

fragmentada, todos aqueles despossuídos dos meios de produção, fazendo parte da mesma classe

trabalhadora, contribuindo para a produção e reprodução do valor.

Harvey (2006) divide essa “nova” classe trabalhadora em centrais e periféricos.

Enquanto os trabalhadores centrais possuem ainda contratos estáveis com possibilidades de

promoção e bons salários, para os trabalhadores periféricos surgem duas categorias: os

empregados em tempo integral, sujeitos à alta rotatividade, baixa qualificação e salários instáveis

e os subcontratados, trabalhadores em tempo parcial, sem contrato ou com contratos temporários

e sem direitos trabalhistas.

Tal divisão tem significado para os trabalhadores uma redução da sua consciência de

classe e, conseqüentemente, redução de seus instrumentos de organização. Esse tem sido um

fator objetivo fundamental para a construção de uma nova ideologia do capital, adequada a este

novo modelo de acumulação, que possibilita a construção de um novo consenso e dominação

sobre os explorados.

Associa-se a isso o desemprego chamado estrutural, conseqüência do pouco investimento

produtivo que gera baixas taxas de crescimento, o que amplia o exército industrial de reserva

dificultando ainda mais sua organização e a reivindicação por direitos já que o trabalhador

empregado torna-se um “privilegiado”, apenas por essa condição.

1.3 Mundialização do capital: relações entre centro e periferia

É da natureza do capital, desde seu início uma permanente expansão globalizada gerando

o “desenvolvimento necessário de um sistema internacional de dominação e subordinação”

(MEZSAROS, 2002, p.111), criando uma hierarquia entre Estados nacionais.

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Mandel (1982) chama a atenção de que sob o modo de produção capitalista convivem

outros modos de produção mais atrasados além de estágios variados dele mesmo. Essa

combinação, já chamada por Trotsky de desenvolvimento desigual e combinado do capital,

compõe uma unidade orgânica, “um sistema articulado de relações de produção capitalistas,

semicapitalistas e pré-capitalistas, ligados entre si por relações capitalistas de troca e dominados

pelo mercado capitalista mundial” (MEZSAROS, 2002, p.32). Relações de produção não-

capitalistas ou semi-capitalistas são auxiliares ao desenvolvimento do capital, não escapam a sua

órbita e não tendem, necessariamente, a tornarem-se capitalistas no decorrer linear do tempo.

Pelo contrário, Mézsaros (2002, p.114) afirma que em qualquer “modo de controle

sociometabólico humanamente viável”, onde inclui-se o socialismo, vigora a lei do

desenvolvimento desigual. Porém na ordem do capital esse desenvolvimento desigual é

destrutivo, dada a constante centralização e concentração do capital que engole unidades

menores de produção e gera taxas diferenciadas de exploração no centro e na periferia.

Oliveira (2003), discordando da idéia de “modo de produção subdesenvolvido”, diz que

a existência de uma relação dual entre “atrasado” e “moderno”, para explicar setores mais e

menos capitalistas da produção, só existe formalmente. Na realidade os chamados “setores

atrasados” alimentam o crescimento dos “setores modernos”. Dessa forma, o

subdesenvolvimento não pode ser entendido apenas como um traço histórico superável, mas

como parte da formação capitalista.

Isso explica, sobretudo, a relação entre os países centrais e periféricos, também chamados

de países desenvolvidos e “em desenvolvimento”. Países periféricos, geralmente ex-colônias,

tiveram suas riquezas utilizadas na acumulação primitiva de capital dos países centrais. Mandel

(1982, p.40) coloca que a Revolução Industrial só foi possível no Ocidente devido a trezentos

anos de pilhagem sistemática de ouro, prata e capital monetário do resto do mundo por meio da

colonização. A proibição pelas metrópoles do desenvolvimento de manufaturas locais gerou uma

relação desigual de troca de mercadorias (mercadorias de alta produtividade do centro por outras

de baixa produtividade das periferias), o que fazia escoar a riqueza das periferias para o centro.

Associado a isso, a existência de grandes reservas de trabalho a preços muito baixos levou a uma

acumulação de capital com composição orgânica baixa.

No primeiro período do imperialismo, chamado por Mandel de imperialismo clássico, a

progressiva mundialização do mercado levou a uma nova relação, ainda mais dependente entre

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periferia e centro. Passou a ser a exportação de capitais do centro para a periferia, e não os

esforços das burguesias locais, o principal impulsionador do desenvolvimento econômico. Com

isso o desenvolvimento econômico dos países periféricos foi sufocado, pois todo excedente

passou a ser expropriado pelo capital estrangeiro e as classes dominantes locais foram

consolidadas no meio rural, impedindo a acumulação local. Assim, Mandel (1982, p.37) afirma

que não foi a má vontade do imperialismo nem a incapacidade social ou racial nas periferias o

que impediu seu desenvolvimento, mas o fato da acumulação de capital industrial ter, por

motivos econômicos, se tornado menos lucrativo, menos seguro que em campos como o

comércio exterior, especulação imobiliária e da terra, usura e empresas de serviços da lúmpen-

burguesia e da pequena burguesia como corrupção, loterias, jogo e etc.

A aliança entre as burguesias agrárias locais e o capital imperialista manteve no campo

relações pré-capitalistas de produção limitando a expansão do mercado interno, tolhendo a

industrialização e dirigindo para setores não industriais a acumulação primitiva nacional. Os

países periféricos tornaram-se complementares no desenvolvimento dos países centrais.

Harvey (2005, p.155) aponta a necessidade do capital se expandir geograficamente para

resolver sua necessidade de valorizar capital excedente. Para o autor a exportação tanto de força

de trabalho como de capital excedente para criar nova capacidade produtiva em novas áreas é o

que possibilita por maior tempo a capacidade de absorção de excedentes. No entanto os países

periféricos que recebem esses excedentes tendem a criar um “ajuste espacial”, isto é, uma lógica

interna própria passando a competir com os países metropolitanos. Para evitar essa tendência as

metrópoles criam formas de impor dependência para que a periferia produza o que desejam na

quantidade em que desejam.

Essa complementaridade significou a concentração da produção desses países em matéria

primas vegetais e minerais. A necessidade dos países centrais de uma produção em larga escala e

com baixos preços criou a necessidade de subsunção real da produção ao capital. Isso em países

marcados por uma baixa composição orgânica gerada por um preço tão baixo da força de

trabalho que o emprego de capital fixo não podia competir. O atraso anterior tornou-se

dependência, aumentando a defasagem industrial, a diferença de produtividade com o centro, e

para os trabalhadores o subemprego e o desemprego em massa.

A exploração de força de trabalho barata, por algum tempo fonte de superlucros,

aumentou tanto a diferença de produtividade entre centro e periferia, ou seja, entre a produção de

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manufaturados e matérias-primas, que levou a um aumento de preços das últimas. Fato que tanto

gerou a crise do capitalismo concorrencial como a do imperialismo clássico. A resposta do

capital foi o deslocamento da produção de matérias-primas para o centro, industrializando esse

setor da economia com novas tecnologias, nova organização do trabalho e relações de produção.

Os resultados, no início do capitalismo tardio são o aumento ainda maior da diferença

entre centro e periferia do capital, com a redução dos mercados de matérias primas gerando

crises sócio-econômicas no “Terceiro Mundo” que levaram a rebeliões, revoltas e libertações. O

capital deixou de se transferir do centro para as periferias.

Nesse momento o capital monopolista passa a não somente produzir ele mesmo as

matérias primas como a produzir nos próprios países periféricos bens que poderiam ser vendidos

nos mercados locais a preço de monopólio. Os países centrais passam a vender capital fixo para

as periferias, exportando tecnologia obsoleta.

[...] a industrialização em sendo tardia, se dá num momento em que a acumulação é potencializada pelo fato de se dispor, no nível do sistema mundial como um todo, de uma imensa reserva de “trabalho morto” que, sob a forma de tecnologia, é transferida aos países que iniciaram o processo de industrialização recentemente (OLIVEIRA, 2003, p.67).

Para Mandel (1982, p.43) essa é a base da “ideologia do desenvolvimento” promovida

pela burguesia metropolitana nos países periféricos. Ideologia que é a base do

“desenvolvimentismo” que serviu no Brasil para desviar a atenção do problema da luta de

classes exatamente num momento onde ela se agudizava pela passagem da base agrária para a

base urbano-industrial (OLIVEIRA, 2003).

O aumento da produtividade não leva, na periferia, à incorporação de novas necessidades

sociais aos salários apesar da queda do custo da reprodução da força de trabalho. Isso ocorre,

segundo Mandel (1982), dada à existência histórica de um imenso exército industrial de reserva,

que cresce ainda mais com a industrialização, e que leva a uma desfavorável correlação de

forças, já que dificulta muito a organização dos trabalhadores.

Com isso o mercado interno em países periféricos é sempre limitado, sendo uma barreira

à expansão do capital, apesar de elemento importante para a manutenção de taxas médias de

lucro altas mundialmente.

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Essa industrialização da periferia não significou uma homogeinização mundial do

capitalismo, segundo Mandel (1982, p.43), e sim, tão somente uma nova relação entre

desenvolvimento e subdesenvolvimento, novas diferenças entre acumulação de capital,

produtividade e extração de excedente.

No neoliberalismo as diferenças entre centro e periferia se agudizam. As taxas de

crescimento mundial não foram retomadas nesse período e, ao contrário do período de

crescimento anterior que tendeu a ser convergente no plano internacional, o parco crescimento

atual se concentrou em duas zonas apenas, na década de 90: os Estados Unidos da América

(EUA), até a crise da Nacional Association of Securities Dealers Automated Quotations

(NASDAQ) em 2001, e os chamados “tigres asiáticos”, até o começo da crise financeira em

1997. Atualmente os investimentos só chegam aos países periféricos que ainda possuem

matérias-primas que o centro necessita e países como a China e a Índia, que possuem força de

trabalho qualificada, disciplinada e muito barata (CHESNAIS, 2005, p.67).

1.4 O papel da inovação tecnológica

Na fase de intensificação da taxa de utilização decrescente do valor de uso das

mercadorias (MÉZSÁROS, 2002) todas as mercadorias devem ter um tempo de vida útil cada

vez mais reduzido. Com isso acelera-se o circuito produtivo ampliando a velocidade da produção

de valores de troca, fundamental para a reprodução ampliada do capital.

Mandel (1982), em O capitalismo tardio, reserva um capítulo para a discussão sobre a

aceleração da inovação tecnológica. A necessidade do capital de reduzir o tempo de rotação do

capital fixo faz com que cada vez mais se necessite da ciência, para que as rápidas inovações

tecnológicas tornem, cada vez mais rapidamente, obsoletas as maquinarias.

Essa é a inovação tecnológica: colocar as invenções desenvolvidas pelos homens a

serviço da valorização do capital. “O capital investido na esfera da pesquisa e desenvolvimento

que segue ou precede a produção efetiva só consegue a valorização na medida em que o trabalho

ali realizado seja produtivo” (MANDEL,1982, p.178).

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Isto é, que o conhecimento produza novas mercadorias. A atividade científica só é força

produtiva quando incorporada imediatamente a produção, senão se limita a uma força potencial

que tende a refluir por restrições ou dificuldades afetadas pela necessidade de valorização do

capital.

Ainda que Marx já tivesse apontado essa necessidade do capital, segundo Mandel a

organização plena e sistemática da pesquisa e do desenvolvimento como um negócio específico

sob bases capitalistas só se manifesta na sua plenitude no capitalismo tardio. Para tanto é

necessária a aceleração da própria invenção, desenvolvendo o trabalho intelectual, e a rápida

aplicação dessas invenções às mercadorias para que assim se tornem inovações tecnológicas. Foi

na segunda revolução científica, graças ao crescimento de investimento em pesquisas

demandado pela II Guerra Mundial, que se garantiram as condições objetivas de superestrutura

que possibilitaram esses avanços. Essa superestrutura se manifestou no aumento dos setores de

pesquisa das companhias bem como na expansão de empresas especializadas que vendem suas

pesquisas, como por exemplo alguns laboratórios.

São essas rendas tecnológicas, segundo Mandel, uma das principais fontes de

superlucros, ou seja, lucros acima do lucro médio. Entretanto, os riscos desses investimentos em

pesquisa são altos, na medida que nem todas as invenções poderão ser aplicadas. Outro risco do

investimento é a possibilidade de que a empresa concorrente desenvolva inovação simultânea.

Esses riscos só podem ser assumidos, portanto, por aqueles que dispõem de grande

capital. Considerando que os monopólios não estão livres da concorrência de produtos mais

desenvolvidos que os seus, se tornam eles hoje os grandes investidores em pesquisa e

desenvolvimento. A contradição, segundo Mandel, é que ao mesmo tempo os monopólios tolhem

o progresso técnico ao estreitar e diversificar o desenvolvimento das pesquisas, já que é

necessário para seus lucros acelerar a valorização.

Esse crescimento da demanda por pesquisa e desenvolvimento, com o ingresso do

trabalho intelectual na esfera da produção, significou um aumento significativo da demanda por

trabalhadores intelectuais altamente qualificados fazendo crescer e transformar o perfil das

universidades para que se adequassem as necessidades do capital.

A universidade clássica das duas fases anteriores do capitalismo servia, nas palavras de

Mandel, para “essencialmente dar aos filhos mais inteligentes [...] da classe dirigente a educação

clássica desejada e os meios de dirigir eficazmente a indústria, a nação, as colônias e o exército”

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(1979, p.41). A universidade era, portanto, um instrumento de educação e meio para a coesão

ideológica da classe dominante. O ensino profissionalizante era secundário.

A “crise” da universidade tradicional humanista não se dá, segundo Mandel (1979), por

razões formais, isto é, excesso de estudantes, alto custo da formação, falta de infraestrutura

material, nem por razões sociais globais como o crescimento do desemprego entre a

intelectualidade ou a necessidade do uso ideológico da ciência. A verdadeira crise da

universidade tem razões diretamente econômicas: se dá pela necessidade de adequação dos

currículos, estrutura e escolha dos estudantes às necessidades de aceleração das inovações

tecnológicas. No capitalismo tardio, a universidade passa por transformações dada “a

necessidade de força de trabalho especializada no plano técnico na indústria e num aparelho de

Estado em crescimento [...]” (MANDEL, 1979, p.42). A universidade desse período se massifica

e passa a ser espaço de especialização profissional para setores da classe trabalhadora que

procuram, através do ensino superior, ascensão social. A terceira revolução industrial necessita

da entrada de trabalhadores intelectuais na produção, supervisionando as máquinas e mesmo

organizando o processo de trabalho. Segundo Mandel:

A aceleração da inovação tecnológica implica uma integração em larga escala do trabalho intelectual no processo de produção. Enquanto nas fases anteriores do capitalismo o trabalho intelectual estava em larga medida limitado à esfera da superestrutura social, revela-se hoje cada vez mais orientado para a infraestrutura da sociedade (MANDEL, 1979, p.43).

O autor chama esse processo de proletarização do trabalho intelectual. O capital passa a

necessitar de produtores com capacidades específicas mais qualificadas tanto para a produção

como para a circulação de mercadorias. A fragmentação e alienação do trabalho penetram, assim,

a esfera da ciência e da produção do conhecimento, nunca puro, mas aplicado ao

desenvolvimento de novos valores de troca, que maximizem os lucros. Mas não é só na produção

que o capital vai necessitar de um novo tipo de qualificação para o trabalhador. Faz-se

necessária, para adequar a reprodução da sociedade às necessidades da produção, a incorporação

de força de trabalho qualificada nas instituições superestruturais.

Por tudo isso aumenta significativamente o número de trabalhadores que ingressam nas

universidades, num processo de massificação da graduação de terceiro grau. Mas esse processo

não se dá de forma direta. Mandel demonstra como a ideologia do capitalismo atual está a

serviço de

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[...] orientar a juventude para as áreas que lhe são convenientes na ciência e na tecnologia ( a esse respeito, uma importante função é desempenhada pelos meios de comunicação de massa, desde as revistas em quadrinhos, os livros infantis e a televisão, até a ficção científica) (1982, p.185).

Esse fascínio causado pelo desenvolvimento tecnológico, que para os trabalhadores é a

promessa de libertação do enfadonho trabalho manual, traz em si uma nova dimensão para a

contradição geral do capitalismo: o papel emancipador, em potencial, da ciência para a

humanidade e a apropriação privada pelo capital que faz desta o meio para alcançar seu único

objetivo, a obtenção de lucro (MANDEL, 1979,186).

Para dar conta dessa necessidade do capital a universidade precisa passar por mudanças

na sua estrutura curricular, material e administrativa. Essa passagem é chamada por Mandel da

universidade tradicional para a universidade tecnocrática.“A ligação entre a terceira revolução

tecnológica – muitas vezes designada técnico científica -, a crescente procura de mão-de-obra

intelectual e a reforma universitária tecnocrática é uma ligação evidente” (1979,p.43).

A universidade é forçada, pela intermediação reguladora do Estado, a tornar-se funcional

ao capital, submetendo sua gestão, pesquisa e ensino às necessidades do próprio Estado

neoliberal e do capital privado. Nesses marcos as próprias universidades transformam-se em

espaços privilegiados de criação de inovações tecnológicas e divulgadoras das ideologias do

capital.

Entretanto essas inovações tecnológicas estão trancadas em patentes o que tem

conseqüências para os países “atrasados” no desenvolvimento científico. Oliveira (2003, p.139)

aponta duas importantes: os sistemas capitalistas periféricos só podem copiar o descartável não

tendo acesso a matriz da unidade técnico-científica, disso decorrendo a segunda conseqüência

que é a cópia do descartável entrar em obsolescência acelerada, nada sobrando dela. O

conhecimento científico passa a ser uma mercadoria e essa mercantilização reforça as relações de

dependência entre os países por meio da monopolização de patentes. A desigualdade no

desenvolvimento técnico e científico entre as nações se potencializa e se perpetua (IANNI,

1976).

A relação imperialista entre países “avançados” e “atrasados”, ou seja, a manutenção e

ampliação de um “diferencial internacional de produtividade” (MANDEL, 1982, p.243) é

inerente a lógica do capital na busca por superlucros. Mandel (1982) defende que no capitalismo

tardio a troca desigual, fonte secundária de superlucros, passa a ser a principal forma de

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exploração das periferias, substituindo a produção direta de superlucros nas colônias, originada

na diferença das taxas de lucro entre colônias e metrópoles. Essa diferença nas taxas de lucro,

por sua vez originava-se nos seguintes fatores: a.uma composição orgânica menor do capital na

produção colonial; b. uma taxa de mais-valia absoluta significativamente maior e um valor

menor da força de trabalho nas colônias; c. um enorme exército industrial de reserva nas colônias

que levava o preço da força de trabalho a cair abaixo do seu valor; e d. a transferência dos custos

indiretos da produção nas colônias para o sobreproduto não capitalista pela mediação do Estado

através da arrecadação tributária, o que possibilitou uma elevação da taxa de lucro sobre o capital

investido produtivamente.

A troca desigual passa a ser a principal fonte de superlucros no capitalismo tardio devido

a mudanças estruturais da economia mundial que levaram a uma inversão do fluxo de capitais,

anteriormente do centro para a periferia, passando a ocorrer entre as nações centrais,

metropolitanas. Ao mesmo tempo os países periféricos com os processos de independência

nacional passaram a forçar uma maior participação das burguesias locais na distribuição dos

lucros da produção nacional. A troca desigual caracteriza-se por uma troca de quantidades

desiguais de trabalho, mesmo em mercadorias de valores internacionais iguais. Segundo o

exemplo dado por Mandel (1982,p.254):

A troca desigual consiste na troca do produto de 300 milhões pelo produto de 1,2 bilhão de horas de trabalho, ou seja, o fato de que, no mercado mundial a hora de trabalho do país desenvolvido é considerada mais produtiva e intensiva que na nação atrasada.

Como conseqüência, a troca desigual leva a uma transferência internacional de valores, que

perpetua e agudiza as diferenças entre centro e periferia do capital. O que Mandel está dizendo é

que independente do tipo específico da produção material ou do grau de industrialização, as

diferenças constituídas historicamente do grau de acumulação do capital, de produtividade do

trabalho e de mais-valia continuam sendo uma fonte de superlucros. A homogeneização geral da

produção capitalista em escala mundial secaria, portanto, a fonte dos superlucros.

A acumulação de capital industrial visível nas periferias no período mais recente é, então,

seguindo o raciocínio de Mandel, uma transferência da acumulação da esfera das matérias-

primas e manufaturas para a indústria “mas permanecendo em média um ou dois estágios atrás

em termos de tecnologia ou do tipo de industrialização predominante nas metrópoles”

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(MANDEL, 1982, p.260) tendo por razão o pequeno mercado interno, o enorme exército

industrial de reserva e a utilização de maquinaria obsoleta. Mesmo quando se utiliza tecnologia

de ponta nos países periféricos, a capacidade empregada é muito pequena. Os preços dos

produtos industrializados da periferia não conseguem, por conseguinte, competir no mercado

mundial, mantendo esses países como exportadores de matérias-primas.

A conclusão final a ser fixada é que:

O fator decisivo continua sendo a impossibilidade da plena industrialização dos países subdesenvolvidos no âmbito do mercado mundial no período do capitalismo tardio e do neocolonialismo, que era tão grande quanto no período “clássico” do imperialismo. As diferenças regionais de desenvolvimento, industrialização e produtividade estão constantemente aumentando (MANDEL, 1982, 264).

Por essa razão, que segundo o autor é “orgânica” do desenvolvimento do capitalismo

tardio, é que as universidades brasileiras, bem como as dos demais países periféricos, perpetuam-

se em condições de heteronomia (FERNANDES, 2006) no desenvolvimento científico,

propriedade inerente à inserção dependente do país no mercado capitalista mundial. Assim,

mantendo a produtividade desigual, mantêm-se as fontes de superlucro do grande capital.

Atualmente apenas 8 países, com 15% da população mundial, detêm quase todas as

inovações tecnológicas. Outros 15 países, entre eles o Brasil, com 50% da população mundial

conseguem adaptar e incorporar essas inovações no seu sistema produtivo e no consumo. Os

demais países, com 35% da população ficam completamente excluídos do desenvolvimento

tecnológico (OLIVEIRA, 2004, p.87).

Porém, mesmo entre os países centrais há descompassos no desenvolvimento da

produção científica e tecnológica com ampla vantagem para os EUA. Essa vantagem possibilitou

o país se tornar rentista sobre os lucros gerados pela tecnologia produzida lá, o que foi garantido

pelo acordo de propriedade intelectual defendido pela Organização Mundial do Comércio

(OMC)15 que consta também no Consenso de Washington. Essa política constitui uma das bases

do novo imperialismo, se constituindo num bloqueio à inovação nos demais países (NEVES ;

PRONKO, 2008, p.145).

15 Neves e Pronko (2008) destacam que o papel que os organismos internacionais (OMC, BM, OCDE entre outros) vêem tendo nesse debate caminha para uma mesma direção: a inserção subordinada dos países periféricos no capitalismo internacional seja pela importação e adaptação da tecnologia desenvolvida, pelo controle da propriedade intelectual ou pela definição de indicadores econômicos e sociais padronizados internacionalmente.

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Ainda assim a necessidade de aumento da produtividade, via superexploração do trabalho

através de rápidas inovações tecnológicas, não é resolvida nem nos países centrais. A falta de

consumo, numa sociedade com massivo desemprego estrutural, coloca para o capital não

produzir como alternativa melhor do que produzir sem superlucros, optando pela financeirização.

Duménil e Levy (2003, p.26) traçam um paralelo interessante entre a crise vivida pelo

capitalismo nas últimas décadas do século XIX e a crise vivida em finais do século XX, próprias

da dinâmica do sistema. Nas duas situações, guardadas suas singularidades históricas, o

restabelecimento das taxas de rentabilidade, dependentes do aumento da produtividade,

encontraram resposta na revolução técnico-organizacional e na explosão de mecanismos

monetários e financeiros e das rendas financeiras com políticas correspondentes. Essa análise é

importante na medida em que relativiza as mudanças ocorridas no capitalismo contemporâneo.

Se pensarmos nas inovações tecnológicas como o carro, a eletricidade, a televisão,

revolucionárias na sua época, a mundialização em curso desde as grandes navegações, podemos

inserir o capitalismo tardio como mais uma fase dentre muitas do sistema capitalista.

Harvey aponta que, no marco das enormes transformações ocorridas no pós 1970, não

podemos perder de vista “o fato de as regras básicas do modo capitalista de produção

continuarem a operar como forças plasmadoras invariantes do desenvolvimento histórico-

geográfico ”(1992,p.117).

Quais seriam essas regras básicas? Para além de regras gerais trans-históricas o que

marca o capitalismo como modo de produção é seu modus operandi específico, qualitativamente

superior aos modos de produção que o antecederam. Wood (1995) aponta os imperativos da

competição e da maximização dos lucros, a subordinação da própria produção à auto-expansão

do capital, a necessidade sempre crescente de aumentar a produtividade do trabalho por meios

técnicos como a dinâmica particular que vai determinar as leis do movimento capitalista. A

autora, ao negar o determinismo tecnológico de parte da tradição marxista, nega que a História

seja movida pelo crescimento unilinear e necessário das forças produtivas, ainda que estas

tendam a ser cumulativas. A necessidade de revolução constante através de inovações

tecnológicas permanentes é, portanto, característica específica do modo de produção capitalista.

Citando Gray:

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Na economia de mercado capitalista, há um poderoso incentivo para as empresas inovarem tecnologicamente e para adotarem as inovações pioneiras dos outros, pois as firmas que insistem em usar tecnologias menos eficientes perdem mercado, têm lucros declinantes e finalmente são fechadas (GRAY apud WOOD, 1995, p.111).

Assim, a lógica de expansão permanente do capital, que submete toda a produção à

necessidade de maximizar os lucros, movida pela acirrada competição, é que torna a inovação

tecnológica componente condicionante para toda a lógica deste modo de produção.

Mas o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo não significa a busca pela

redução do tempo de trabalho para a produção de mercadorias para reduzir, dessa forma, o tempo

de trabalho coletivo. O desenvolvimento das forças produtivas objetiva aumentar o tempo de

trabalho excedente dos produtores, aumentando assim a extração de mais-valia. Essa mais-valia,

que representa a produção de um número maior de mercadorias em um tempo de trabalho igual é

o que Marx denomina mais-valia relativa. O tempo de trabalho excedente dos trabalhadores,

trabalho não pago, produtor de mais valia aumenta, dessa forma, sem que se aumente o tempo

absoluto de trabalho, isto é, o tamanho da jornada.

Reside exatamente na forma de extrair mais valia, com a maior separação entre

produtores e meios de produção da História, o núcleo duro do capitalismo que se mantém

inalterado apesar de todas as mudanças interiores ao modo de produção. As mudanças constantes

não ocorrem para além do capitalismo mas, ao contrário, são inerentes a sua própria dinâmica

interna. Citando Marx:

A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso todas as relações sociais. (...) Essa subversão contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes (1998, 43).

Esse movimento de mudança, dentro do modo de produção, especialmente contundente a

partir da década de 70, não pode ser explicado apenas pelo progresso técnico observado no

período, mas pela forma como o progresso técnico alterou as relações de produção e o modo de

reprodução no interior do sistema, em especial a luta de classes.

[...] relações de classe são o princípio do movimento dentro do modo de produção. A história de um modo de produção é a história do desenvolvimento de suas relações de classe e, em particular, da transformação destas em relações de produção (WOOD, 1995, 920).

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Não é, portanto, a tecnologia que explica as mudanças recentes do capitalismo, mas a

necessidade de aumentar a extração de mais valia aumentando a produtividade e a troca desigual

e maximizando os lucros, fatores essenciais do capitalismo, que moverão o crescente progresso

técnico e a inovação tecnológica permanente.

1.5 O papel da ideologia

Ianni (1976) chama cultura o conjunto de idéias, valores, princípios e doutrinas que

precisam ser reproduzidas para que as relações capitalistas em escala nacional e internacional se

reproduzam. A burguesia constrói sua ideologia a partir do trabalho intelectual, seja ele material

ou espiritual, base da cultura capitalista. O autor parte do pressuposto de que assim como a

ideologia burguesa influencia e predomina no pensamento das outras classes sociais16, no plano

das relações internacionais a indústria do imperialismo influencia os países periféricos criando

uma cultura do imperialismo e uma cultura da dependência.

Ianni (1976, p.23) parte da premissa marxista de que “toda forma de produção cria as

relações jurídicas e políticas sem as quais ela não pode funcionar.” Logo, mudanças nas bases

materiais de produção modificam a dinâmica de reprodução na sociedade capitalista, gerando

inflexões na sua cultura.

A base da cultura burguesa, intrínseca ao modo de produção capitalista, funda-se no

princípio da propriedade privada, da livre circulação de coisas e pessoas e na transformação das

relações capitalistas em naturais e imutáveis, em leis humanas universais (IANNI,1976, p.24).

Sem prejuízo a essa base, as mudanças no modo de produção capitalista tendem a formar novos

“modos de regulamentação” que em um modo de produção tão instável, vão garantir alguma

coerência e ordem, pelo menos por algum tempo (HARVEY, 1993).

Conseqüentemente, também na esfera cultural/espiritual o capitalismo “estabelece regras

de obsolescência programada de idéias e concepções” (IANNI, 1976, p.26), obsolescência que se

acelera no capitalismo tardio. Ianni dá alguns exemplos de como, segundo os interesses, 16 Idéia que encontra-se desenvolvida no texto. A Ideologia Alemã (2006) de Marx e Engels: “As idéias da classe dominante são também as idéias predominantes em cada época, ou seja, a classe que é a força material dominante da sociedade é também a força espiritual dominante.

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sobretudo imperialistas, passa-se rapidamente de uma doutrina a outra como quando os Estados

Unidos foram rapidamente da doutrina da guerra fria à da coexistência pacífica, ou a idéia da

defesa nacional deu lugar à da segurança nacional interna, justificando os regimes militares

ditatoriais na América Latina.

No capitalismo tardio, para a constituição de uma nova organização da produção uma

nova ideologia tem-se estruturado sob o signo de pós-modernidade. Jameson (1996) inicia seu

debate sobre o significado ideológico da pós-modernidade questionando exatamente se existe de

fato tal categoria ou se é, o próprio pós-modernismo, mera mistificação. Para ele:

[...] dotar a cultura pós-moderna de qualquer originalidade histórica equivale a afirmar, implicitamente, que há uma diferença estrutural entre o que se chama, muitas vezes, de sociedade de consumo e momentos anteriores do capitalismo de que esta emergiu (JAMESON,1996, p.80).

Segundo o autor, pode-se dizer que existem quatro posições neste debate, todas elas

suscetíveis tanto a leitura progressista quanto reacionária do ponto de vista político. Podemos

dividir essas posições em dois blocos. O primeiro traz as concepções antimoderna/pró-pós-

moderna e pró-moderna/antipós-moderna. Em comum entre elas a aceitação da idéia de ruptura

entre o momento moderno e pós-moderno, sendo este caracterizado por um novo modo de pensar

e estar no mundo afinado com a tese política de vivenciarmos uma sociedade pós-industrial. No

outro bloco temos as hipóteses que negam a idéia de ruptura questionando a utilidade da

categoria pós-moderno. Pós-moderno torna-se uma expressão da própria modernidade, “uma

mera intensificação dialética do velho impulso modernista de inovação” (JAMESON, 1996,

p.87). Dentro de cada bloco o que diferencia as posições é um julgamento de valor que tenta

classificar como positivo ou negativo esse novo período. Concordamos com Jameson quando

este coloca que: Ao invés de cair na tentação de denunciar a complacência do pós-modernismo como um sintoma final da decadência, ou de saudar as novas formas precursoras de uma nova utopia tecnológica e tecnocrática, parece mais apropriado avaliar a nova produção cultural a partir da hipótese de uma modificação geral da própria cultura, no bojo de uma reestruturação do capitalismo tardio como sistema (JAMESON, 1996, 87).

Ainda para Jameson o traço ideológico fundamental da nossa época é o que chama de

ideologia do mercado, segundo a qual o mercado faria parte da própria natureza humana,

portanto impossível de ser superado. O triunfo da ideologia do mercado tem, para o autor, como

um de seus principais determinantes o fracasso das experiências socialistas do século XX, o

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chamado socialismo real. Mas o estrondoso crescimento da mídia também é elemento central

para a apologia do mercado.

A reificação do período, transformação das relações sociais em coisas, tem como

característica fundamental o apagamento dos traços de produção e deslocamento do conceito de

produção para a esfera da distribuição e do consumo. Para Jameson isso é fundamental para uma

sociedade fundada no consumismo, que quer esquecer as classes sociais; é preciso que o

consumidor não pense em quem produz as mercadorias para que não se sinta culpado. Diz

Brecht no Romance dos três vinténs (1976): “Os seres humanos naturalmente não podem ser

levados a renunciar às empresas lucrativas, mas são fracos o bastante para tentarem esconderem

alguns resultados delas.”

É nessa mesma perspectiva, de apagamento dos traços da produção com o argumento de

que a sociedade atual seria pós-industrial, que tem se articulado uma teoria, também no campo

ideológico, de que estaríamos vivendo a sociedade do conhecimento. Essa noção se consolida

como referência acadêmica, política e econômica no fim dos anos 1960 como uma alternativa ao

socialismo e ao capitalismo, sendo inicialmente adotada pelos organismos internacionais. O

conceito se apóia numa suposta democratização social pela ampliação do acesso à informação e

ao conhecimento, possibilidade aberta com o avanço da tecnologia. Um de seus alicerces é a

transformação em sinônimos dos termos informação e conhecimento, negando a necessidade de

reflexão necessária para que a informação passe a conhecimento, e que esse conhecimento cada

vez mais está atrelado à produção para valorização do capital.

Com base nessa receita, a ideologia da sociedade da informação/conhecimento se firma na ocultação das relações sociais concretas nas quais esse conhecimento/informação se produz, se processa e se distribui, dissimulando a verdadeira natureza do modelo idealizado e proposto (NEVES ; PRONKO, 2008, p.148).

Mas a ideologia não é única nem absoluta. Seguindo o raciocínio de Lowy (1992), a

ideologia é fruto de seu momento histórico, da realidade em que está inscrita. Essa realidade não

produz uma visão de mundo única, mas uma série de ideologias e utopias17 que em última

análise são produzidas pelas classes e segmentos de classes sociais que compõem a sociedade e

17 Lowy utiliza a distinção de Mannheim entre os conceitos de ideologia e utopia. Ideologia como o conjunto de valores, idéias e concepções a serviço da manutenção, legitimação e reprodução da ordem e utopia, ao contrário, como os valores, idéias e concepções que visam uma outra realidade ainda inexistente.

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que se enfrentam, contradizem e não podem chegar a um consenso pois se constituem nos

lugares diferentes dentro da produção que as classes ocupam. Nessa contradição é que torna-se

possível forjar uma cultura que afirme um projeto contra-hegemônico de ruptura com a ordem do

capital.

As universidades apresentam-se, nesse sentido, como espaços fundamentais na

construção da cultura burguesa e na sua difusão, bem como de culturas contra hegemônicas, com

maior ou menor espaço e autonomia em cada momento histórico.

No entanto é nos anos de 1990 que Menegat (2009) vai apontar a maior ruptura com a

tradição do pensamento social crítico nas universidades, com avanço da terceira revolução

industrial (ou terceira revolução tecnológica) aprofundando mais ainda as relações de

dependência entre países centrais e periféricos. Nesse contexto, o conhecimento produzido nas

universidades vai, cada vez mais, se mercantilizando e se submetendo às regras de produção e

comercialização de mercadorias. Dois setores da economia passam a dirigir o conhecimento: a

indústria da tecnologia – onde o país se enquadra como mero reprodutor das matrizes, e na

indústria cultural. Nesse último setor cabe às ciências humanas não o papel de produção de

conhecimentos profundos sobre a realidade, mas “servindo antes como técnica de controle social

e gestão da barbárie, ou tão somente como uma tarefa obrigatória e formal para cada um que

pretende ser um produtor de saber e comercializar esse esforço” (MENEGAT, 2009, p.166).

Os professores passam a ser os “produtores e comercializadores” do saber passando a

serem avaliados por sua produtividade como qualquer trabalhador manual do nosso tempo.

Alienado de seu valor de uso, o conhecimento passa a ser valorizado na medida em que é

vendável. Opinião de medalhão (isto é, ‘especialista’) que integra o Clube dos Contentes, que venha ao seu modo dar a sua ‘modesta’ contribuição a esse processo de naturalização da barbárie, que é, aliás, a garantia da continuidade de uma sociedade que desmorona e que se mantém (MENEGAT, 2009, p.168).

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2 FORMAÇÃO SOCIAL DO BRASIL E A TRAJETÓRIA DA EDUCAÇÃO ATÉ A DECADA DE 80

O Brasil caracteriza-se no capitalismo mundial pela sua inserção periférica e dependente.

Retomar o debate da formação social, econômica, política e cultural do país significa articular os

elementos que, originários dessa condição, são comuns aos demais países dependentes e os

traços absolutamente particulares do capitalismo nacional que só se explicam na reconstituição e

interpretação de sua trajetória histórica. Nessa trajetória a educação escolarizada sofreu

mudanças em suas características e objetivos, mudanças associadas, sobretudo, ao mundo do

trabalho.

A integração do país no mundo ocidental tem sua colonização como gênese e traz desde

aí suas marcas. Prado Jr. (1994) interpreta esse processo de colonização a partir da sua

totalidade. Rompendo com a naturalização dos acontecimentos históricos, o autor nega a

inexorabilidade na sucessão dos fatos que sucedem o descobrimento. Para Prado Jr.:

(...) a colonização portuguesa na América não é um fato isolado, a aventura sem precedente e sem seguimento de uma determinada nação empreendedora; ou mesmo uma ordem de acontecimentos paralela a outras semelhantes, mas independentes delas (1994, p.20).

Com isso o autor passa a dar uma interpretação materialista à expansão marítima e à

colonização com suas características peculiares, pautada não em sentimentos ou traços

psicológicos abstratos, mas em interesses econômicos e comerciais, num processo que relaciona

o conjunto de nações européias, tendo como condição objetiva o avanço das técnicas e

tecnologias para navegação que possibilitaram a travessia do Atlântico. Quanto ao pioneirismo

português, a explicação materialista e objetiva do autor o imputa à vantagem geográfica de

Portugal, que está no extremo da Península Ibérica.

Para o autor, o que os primeiros navegadores buscavam eram novas rotas para o

comércio com as Índias. A descoberta da América foi um obstáculo para esse objetivo e a idéia

de povoamento não ocorria a nenhum país colonizador num primeiro momento.

Prado Jr. diferencia, na colonização propriamente dita, a trajetória e os objetivos nas

colônias do Norte e do Sul. As colônias do Norte, com clima semelhante à Europa, não

ofereciam produtos que não existissem na metrópole. Essas colônias tiveram, mais tarde já no

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século XVII, função de povoamento. Isso porque iniciava-se na Inglaterra as protoformas do

capitalismo. A expropriação da terra, expulsando os camponeses, e as guerras político-religiosas

estimularam correntes migratórias para a América do Norte e o clima, pouco interessante para o

comércio, era de fácil adaptação para os colonos.

Já nas colônias do Sul, de clima tropical ou subtropical, os interesses da metrópole são

mais claramente comerciais. A exploração agrária visava à obtenção de produtos que faziam falta

na Europa. O europeu branco migrava para ocupar postos dirigentes e a falta de força de

trabalho exportável de Portugal levou à utilização de força de trabalho escrava nas suas colônias.

Na estrutura de classe no Brasil, a presença dos escravos como a grande massa de força

de trabalho reduziu os espaços de trabalho para as camadas médias de trabalhadores livres,

muitos se tornando agregados das fazendas, dependentes das grandes classes proprietárias, outros

desocupados permanentes das cidades. Não era possível conseguir força de trabalho livre a um

preço compensador, pois os homens livres possuíam condições autônomas de sobrevivência,

enquanto, para gerar lucro, o trabalho nos latifúndios precisava ser superexplorado (KOWARIK,

1994, p.21).

Sem entrar nas razões políticas das colonizações distintas, Holanda (1995) também

percebe que a produção de gêneros agrários nas colônias americanas está vinculada às

necessidades da Europa, o que explica a monocultura de gêneros tipicamente tropicais.

Assim, desde a sua formação, a economia brasileira está voltada para fora do país,

produzindo commodities para o mercado externo.

É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem do interesse daquele comércio que se organizarão a sociedade e a economia brasileira. (PRADO JR.,1994, p.32)

O sistema colonial, sobretudo nas colônias do sul tropical que produziam artigos

inexistentes na Europa para exportação, constituiu “uma das alavancas fundamentais para a

acumulação da burguesia metropolitana” (KOWARICK, 1994, p.20). As colônias foram uma

expressão do mercantilismo, importante para a acumulação primitiva de capital na Europa. Seus

excedentes estavam voltados para esse fim.

A razão da formação capitalista no Brasil ter na dependência heteronômica uma

característica central desde sua origem, está para Fernandes (2006) na tardia passagem para a

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“ordem social competitiva”, que distingue o capitalismo. A burguesia ascendente, relacionada ao

“setor novo” do comércio de importação e exportação e do setor de serviços, crescentes com a

urbanização, não se constituía consciente de um papel histórico revolucionário, mas “pretendia

uma evolução com a aristocracia agrária e não contra ela” (FERNANDES, 2006, p.221).

Burguesia e aristocracia agrária estavam unidas por interesses comuns. Os setores novos, mais

dinâmicos no processo de modernização do país, ao capitular a ordem escravocrata – senhorial,

adaptando-se a ela, foram “compelido (s) a fechar os olhos diante da relação dependente com o

mercado externo e a ficar com os proventos que lhe cabia(m) no rateio social” (FERNANDES,

2006, p.218). Era o setor do alto comércio, de importações e exportações, o elo com as

influências externas que, sem perceber criticamente as conseqüências, dobrava-se ao

imediatismo da dependência.

Na explicação de Holanda (1995), se anuncia a “revolução passiva” usada posteriormente

por outros autores para explicar as sucessivas mudanças “por cima” que marcam a História do

Brasil. Os rearranjos entre aristocracia tradicional e burguesia nascente que dispensaram

revoluções e rupturas são, segundo Holanda, traços da formação ibérica. A ausência de

feudalismo reduziu as dificuldades para a burguesia mercantil, que “não precisou adotar um

modo de agir e pensar absolutamente novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os

quais firmasse permanentemente seu domínio” (HOLANDA, 1995, p.36). Foi na aliança entre a

classe burguesa e a aristocracia rural, onde a burguesia assimila princípios da antiga classe

dirigente, que se reconfigura, no Brasil e em Portugal, a classe dominante nas protoformas do

capitalismo.

Fernandes (2006) aponta que a revolução burguesa não é no Brasil acontecimento

histórico, mas processo de desagregação do sistema escravocrata- senhorial e de formação da

sociedade de classes e de uma economia de bases monetárias e capitalistas. Esse processo tem

como marco primordial a Independência.

A mudança do estatuto colonial para o de Estado nacional independente significou,

porém, uma autonomização política que não teve correspondência na autonomização econômica

brasileira. As estruturas econômicas mantiveram-se hegemonizadas pela grande lavoura, pela

escravidão e pela monocultura com traços de heteronomia em relação ao mercado externo que se

perpetuaram sob novas bases. A independência possibilitou aos senhores rurais uma relação com

a exportação dos produtos sem a espoliação da metrópole, com a internalização das fases

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econômicas. Concomitantemente internalizavam-se os círculos de poder e a dominação, antes

circunscrita às unidades produtivas fechadas e isoladas, ampliava-se nacionalmente forjando

solidariedade e, em certo sentido, unidade entre os senhores rurais. O processo da Independência

possuía dois elementos: um revolucionário que almejava libertar a ordem social, herdada da

sociedade colonial, de suas características heteronômicas para adquirir a autonomia exigida por

uma sociedade nacional e outro contraditoriamente conservador, com o propósito de preservar e

fortalecer uma ordem social que não possuía condições materiais e morais suficientes para

garantir a autonomia necessária para construção de uma sociedade nacional (FERNANDES,

2006).

Forma-se nesse processo um Estado ao mesmo tempo, no seu aspecto jurídico-legal,

pautado pelas idéias liberais e, na prática, instrumento para a generalização do mandonismo

patrimonialista, o que Fernandes (2006) chama de burocratização do domínio patrimonialista.

Ainda que por caminhos diferentes18, já que atribui sempre a características psicológicas e de

caráter os padrões originariamente políticos, econômicos e ideológicos, na interpretação

marxista, Holanda concorda com os efeitos do patrimonialismo e da centralidade da família na

formação brasileira, confundindo-se com o Estado para a formação de uma cultura e de uma

superestrutura particular no Brasil.

A absorção do liberalismo aqui não preencheu os requisitos para a construção de uma

ordem nacional autônoma, mas para o desenvolvimento de uma ordem social heterônoma, com

inserção livre, porém, dependente no mercado externo, legitimando inclusive uma visão passiva

e complacente dessa condição. Apesar do conflito entre o velho, marcado pelo patrimonialismo,

e o novo trazido na ordem legal pelo pensamento liberal, limitando o liberalismo aos estamentos

dominantes, a existência da influência liberal permitiu que pelo menos esse conflito existisse. Os

interesses dos estamentos dominantes eram convertidos em interesses gerais por meio do

18 Holanda supera as análises biológicas e positivistas de Gilberto Freyre, mas acaba por optar por um viés psicologicista e moral, que busca as causas de fenômenos de ordem social, econômica, política e cultural em traços de caráter a partir de tipos ideais de clara influência weberiana. Antonio Candido referenda essa análise no prefácio de Raízes do Brasil, escrito em 1967: “Num momento em que os intérpretes do nosso passado ainda se preocupavam sobretudo com os aspectos de natureza biológica, manifestando, mesmo sob aparência do contrário, a fascinação pela “raça”, herdada dos evolucionistas, Sérgio Buarque de Holanda puxou sua análise para o lado da psicologia e da história social (...)” (CANDIDO apud HOLANDA, 1995, p.20). Mesmo negando a natureza biológica dos fenômenos, a opção pela psicologia exclui outras determinações sociais, abrindo mão das diferenças entre classes sociais, gênero e etc como explicação para ideologias que acabam sendo percebidas como traços de personalidade incorporados de forma homogênea na constituição da identidade do povo.

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exercício do poder político. Para isso precisavam do aparato militar, administrativo, policial,

jurídico e político, e não privada e localmente, mas na nação como um todo. A contradição é que

positivamente o liberalismo possibilitou a construção de um poder central independente que

concorria com o poder tradicional do modelo patrimonialista, ainda que esse na prática fosse por

vezes hegemônico. Criou-se uma aparente dualidade estrutural entre a ordem legal e a

tradicional. O Estado nacional tinha a função de manter o monopólio do poder nas mãos dos

estamentos dominantes e, ao mesmo tempo, garantir condições econômicas, sociais e culturais

para a formação de uma sociedade nacional, movida a princípio pela ânsia da modernização,

evoluindo para a tentativa de implantação de condições jurídicas, políticas e econômicas para a

construção de uma sociedade competitiva plena. Em nenhum momento exigindo “a defesa

implacável dos direitos do cidadão” (FERNANDES, 2006, p.46).

Schwarz (2008) aponta que o liberalismo como ideologia burguesa fazia parte da

identidade nacional pós-independência no bojo do raciocínio econômico burguês, inevitável já

que a economia do país estava voltada para o comércio internacional. No entanto as idéias, que o

autor chama de “fora do lugar”, chocavam-se com a realidade do país que tinha na escravidão

seu principal regime de trabalho. “Por sua mera presença a escravidão indicava a impropriedade

das idéias liberais” (SCHAWARZ, 2008, p.15). Na tese do autor, a cultura tinha, porém, um

lugar separado da vida econômica não guardando coerência com ela, não sendo a escravidão

“nexo efetivo da vida ideológica” (SCHAWARZ, 2008, p.15). O liberalismo foi interpretado em

nossas terras de forma sui generis, passando a ser instrumentalizado para explicar uma realidade

que nada tinha a ver consigo, ao contrário era seu exato oposto. Foi assim que a universalidade

foi substituída pelo favor nas relações entre os homens livres, tornando-se “nossa mediação

quase universal” (SCHAWARZ, 2008, p.16), e escondendo a natureza violenta da produção

escravista. Em resumo:

[..]as idéias liberais não se podiam praticar, sendo, ao mesmo tempo, indescartáveis. [...] Vimos o Brasil, bastião da escravatura, envergonhado diante delas [...] e rancoroso pois não serviam para nada. Mas eram adotadas também com orgulho, de forma ornamental, como prova de modernidade e distinção (SCHAWARZ, 2008, 26).

Mazzeo (1989), pensando em que superestruturas foram constituídas no Brasil no rastro

de uma formação capitalista com traços particulares marcados pela herança colonialista, inicia

caracterizando a burguesia brasileira como uma classe reacionária e atrelada aos interesses

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metropolitanos, fruto de uma estrutura de produção historicamente agrária, rudimentar e

estagnizante. Mesmo a independência político-formal do Brasil de Portugal foi obra muito mais

da crise mundial do sistema colonial do que de um ímpeto liberalizante da burguesia local, que

modificasse e desenvolvesse as forças produtivas e relações de produção coloniais. Após a

independência, portanto, quem conduz a formação do Estado nacional é a burguesia latifundiária

brasileira, de acordo com seus interesses anti-democráticos e seus parâmetros ideológicos

conservadores.

O autor atenta também para o traço fundamental da formação política brasileira que são

as permanentes “articulações pelo alto” que excluem a classe trabalhadora dos processos

políticos, substituída por “acordos de cavalheiros” entre frações da burguesia. Nosso processo de

formação capitalista, para Mazzeo, possui especificidades que não permitem enquadrá-lo de

imediato no conceito de “via prussiana” conforme desenvolvido por Lênin. Apesar de

semelhanças com o caso alemão, que dá origem ao conceito, como a acumulação pela

agricultura, a unidade nacional forjada de cima para baixo e a industrialização tardia, o Brasil

carrega a especificidade da colonização levando o autor a chamar seu processo de “via

prussiana-colonial”.19

Em síntese, o autor aponta que o Estado brasileiro é composto de dois aspectos fundantes:

traços de dependência e desenvolvimento tardio, comuns a outras formações nessas

circunstâncias e particularidades oriundas do escravismo e do latifúndio, limitadores para a

formação de uma classe burguesa revolucionária no país.

Formou-se um Estado que sempre primou pela defesa da iniciativa privada, e ao mesmo

tempo contraditoriamente gestou as bases necessárias à construção de uma sociedade nacional.

Por iniciativa privada deve-se entender a perpetuação de uma sociedade de privilégios, nascida

na ordem escravista – senhorial. A natureza do capitalismo brasileiro é marcada por essa

característica. Fernandes (2006, p.223) entende privilégio: “como a faculdade de influenciar ou

de estabelecer as condições dentro das quais as relações e os processos econômicos deveriam ser

adaptados à situação de interesse do agente econômico”. Ou seja, contraditório com a formação

de uma esfera pública num Estado de direito de base liberal, já que as regras se alteram de 19 Behring (2003, p.111) aponta que Coutinho defende a associação do conceito leninista de via-prussiana, mais centrado nos aspectos infra-estruturais, à idéia gramsciana de revolução passiva caracterizada pelo “(...) fortalecimento do Estado em detrimento da sociedade civil (...) e a prática do transformismo”, incorporando demandas dos trabalhadores, para explicar a formação brasileira, destacando o momento político de forma mais consistente.

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acordo com quem as aplica e sobre quem são aplicadas. Esse modelo de iniciativa privada,

chamado por Fernandes (2006, p.224) de rapinante, está no cerne da aliança entre setor agrário e

setor mercantil.

A formação do capitalismo no Brasil se dá de forma latente, isto é, a formação do Estado

nacional cria condições e, mais de que isso, necessidades de dinamizar um setor novo ligado aos

serviços, ao crédito, ao comércio, porém, acomodado à velha aristocracia rural e dominado por

seus interesses. Ao mesmo tempo não era a grande lavoura em si o obstáculo da estagnação

econômica colonial, mas o contexto sócio-econômico que a sufocava. Com a criação do Estado

Nacional “as potencialidades capitalistas da grande lavoura passaram a manifestar-se com

plenitude crescente” (FERNANDES, 2006, p.44) e foram canalizadas para o crescimento

econômico interno, favorecendo a urbanização e a expansão de novas atividades econômicas.

Todo esse processo que se inicia com a independência vai consolidar o capitalismo mercantil

no país. Os excedentes econômicos da grande lavoura que se multiplicam graças ao fim da

espoliação da metrópole, passam a ser empregados no chamado “setor novo”, capitalista, em

ascensão auxiliando na construção de um novo padrão de desenvolvimento. Na interpretação de

Fernandes (2006, p.127):

[...] não foi nem a produção agrícola exportadora, nem a produção manufatureira ou industrial que galvanizou, historicamente, o primeiro surto integrado do capitalismo no Brasil. Essa função foi preenchida pelo complexo comercial, constituído sob as pressões econômicas concomitantes do neocolonialismo, da emancipação política e do desenvolvimento urbano.

Enquanto para Prado Jr. a formação nacional é incompleta pois ainda em meados do século

XX a economia brasileira não tinha “evoluído” de colonial à nacional, para Fernandes a

interpretação traz outras nuances. Porque a Independência coloca a dependência econômica

brasileira sob novas bases, que o autor caracteriza como neocoloniais, qualitativamente

diferentes do período colonial, tese com a qual concordamos.

Em fins do século XIX as pressões do mercado mundial e o próprio desenvolvimento dos

setores capitalistas locais colocam em xeque a utilização da força de trabalho escrava na grande

lavoura dado seu alto custo e sua baixa produtividade. Dentro da produção os custos do sistema

escravista eram maiores, pois o pagamento das despesas do trabalho era adiantado, a rotação do

capital variável era mais rápida que a do fixo, a eficiência do trabalho escravo era menor e a

escravidão bloqueava uma maior divisão sócio-técnica do trabalho bem como sua especialização.

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Os custos da reprodução e do trabalho de coação e vigilância aos escravos estavam dentro da

produção, encarecendo e tornando inviável sua concorrência com a empresa capitalista. Além

disso, o regime escravista impedia a ampliação do mercado consumidor (MELLO, 1994, p.76).

A situação da escravidão, apesar da sua desvantagem do ponto de vista econômico, só se

mantinha até esse ponto graças a meios extra-econômicos, ou seja, o monopólio do poder

político e o controle do Estado exercido pelos senhores.

Começa a introduzir-se no Brasil, então, o que Fernandes chama de “plantação comercial

típica em regime de trabalho livre” (2006, p.141) caracterizada pela mudança técnica e política

dos meios de dominação e organização patrimonialista da produção, iniciada, sobretudo, nas

fazendas paulistas de café. Esse processo, contudo, ocorre mais uma vez excluindo os

trabalhadores e evitando rupturas políticas e convulsões sociais. O escravo é liberto e colocado a

sua própria sorte sem preocupação com seu destino, ao mesmo tempo em que eram garantidas

condições favoráveis aos proprietários das grandes lavouras nessa transição.

Com a escravidão tornando-se inviável econômica e politicamente, a empresa cafeeira,

hegemônica no período, necessita de nova fonte de abundante força de trabalho. Mas ao invés de

buscar força de trabalho no país, prefere importar trabalhadores europeus, tão empobrecidos e

expropriados que concordam em vender sua força de trabalho a preços aviltantes20. Submetidos a

processos de coação que os obrigavam a manter os contratos de trabalho que o imobilizavam nas

fazendas, como as dívidas de viagem, os imigrantes se submetiam nas grandes propriedades a

condições de trabalho semelhantes a dos escravos, condições que os trabalhadores livres locais

recusavam-se a aceitar, num regime conhecido como parceria. “Prevalecia um sistema que, na

prática, nada mais era do que um regime de escravidão disfarçada” (KOWARICK, 1994, p.69).

Segundo o autor, outro marco importante na formação dessa nova força de trabalho no

Brasil foi a Lei de Terras de 1850, que impediu o acesso dos trabalhadores a terra. Enquanto o

trabalho era escravo as terras valiam pouco, pois os escravos eram a maior fonte de riqueza.

Martins (1979, p.32 apud KOWARICK, 1994, p.76) afirma que “num regime de terras livres, o

trabalho tinha que ser cativo: num regime de trabalho livre, a terra tinha que ser cativa.”

20 Meszaros (2002, p 102) afirma que para se tornar o mais dinâmico e competente extrator de trabalho excedente da História o capital precisa se livrar das possibilidades subjetivas e objetivas de auto-suficiência dos trabalhadores. Com essa liberação o ganho histórico na produtividade do trabalho é inegável. O trabalhador livre brasileiro ainda não encontrava-se nessa condição de total falta de condições de subsistência fora a venda de sua força de trabalho. Ainda.

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Assinada no mesmo ano da Lei que acabava com o tráfico de escravos para o Brasil, essas

medidas preparavam a generalização do trabalho livre, obrigando os trabalhadores expropriados

de condições mínimas para sua subsistência de trabalhar por baixos salários para os

proprietários.

Acontece no Brasil uma contradição apontada por Harvey (2005b) na formação do

capitalismo quando, ao mesmo tempo em que o sistema necessita da mobilidade dos

trabalhadores para seu desenvolvimento, os capitalistas individuais preferem uma força de

trabalho estável e confiável, coagida através de mecanismos extra-econômicos com o apoio do

Estado. É na transição do regime de escravidão para o trabalho livre que o Estado no Brasil

interfere pela primeira vez para a constituição de um mercado de trabalho.

Esse processo é, para Fernandes (2006, p.264) a passagem da fase de eclosão do mercado

capitalista moderno, iniciado desde a Abertura dos Portos e do processo de Independência para a

fase de formação e consolidação do capitalismo competitivo, que caracteriza-se pela

consolidação da economia urbano-comercial associado a primeira transição industrial

importante, na perspectiva do autor, fase que vai até a década de 50 do século XX. O

desenvolvimento do capitalismo local necessitava da formação de um mercado livre de trabalho

para avançar e esse é o marco do capitalismo competitivo no país.

A transição do mercado capitalista neocolonial para o mercado capitalista competitivo no

Brasil se estende de fins do século XIX, com o fim da escravidão até a década de 30, marcada

pela crise capitalista de 29 e pela Revolução de 30. Nesse período, o capitalismo mercantil chega

a um ponto de concentração que o leva a tornar-se capitalismo industrial. Em parte pela

influência do capital dos países centrais que, caminhando para a monopolização, necessitavam

ampliar sua influência do intercâmbio comercial para a totalidade dos processos de

desenvolvimento econômico nos países periféricos. O desenvolvimento econômico é, portanto,

induzido de fora não permitindo que sejam rompidos os laços de dependência com o exterior,

pelo contrário aprofundando-os. O desenvolvimento do setor “moderno”, urbano, capitalista da

economia não significava a superação da dualidade - aparente - entre o arcaico e o moderno,

expresso na dicotomia, sobretudo, entre as relações no campo e na cidade. Eram exatamente

desses setores “atrasados” que se originavam os excedentes que alimentavam as classes

dominantes locais e as economias centrais, “portanto, suprimir a articulação inerente à

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superposição da economia urbano-comercial e da economia agrária seria o mesmo que matar a

galinha dos ovos de ouro” (FERNANDES, 2006, p.278).

É no campo, na organização e nas relações de produção arcaicas que se opera a acumulação

primitiva no Brasil, baseada em um enorme contingente de força de trabalho, na oferta elástica

de terra e na construção de uma infraestrutrura de transporte pelo Estado. Não se dava a

expropriação de propriedades dos camponeses, como na Europa, mas a expropriação dos

excedentes produzidos na posse transitória da terra, sem necessidade de nenhuma ou quase

nenhuma capitalização prévia. Oliveira (2003, p.43) defende ainda que em certas condições,

sobretudo no capitalismo das periferias, a acumulação primitiva não ocorre apenas nos

primórdios da sua formação, nas suas palavras “a acumulação primitiva é estrutural e não apenas

genética”. Isso torna o subdesenvolvimento “uma forma de exceção permanente do sistema

capitalista na sua periferia” (OLIVEIRA, 2003, p.131).

Nesse sentido a dependência é inibidora do desenvolvimento capitalista local. Ela induzia

avanços econômicos nos limites estruturais de um capitalismo periférico sob a égide da

dominação do imperialismo em plena ascensão.

Oliveira (2003), concordando com a tese de Fernandes (2006), vai criticar os modelos

interpretativos que atribuem a superação do subdesenvolvimento à suplantação dos setores

atrasados pelos modernos da economia. Para Oliveira no processo real o “chamado ‘moderno’

cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’” (2003, p.32) numa unidade de contrários. Em

síntese: A originalidade consistiria talvez em dizer que (...) a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera a força de trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para os fins de expansão do próprio novo (OLIVEIRA,2003, p.60).

Assim, a situação de subdesenvolvimento em relação aos países centrais não é uma

circunstância histórica, mas parte da formação capitalista pautada na divisão internacional do

trabalho. Nesse sentido o que há não é uma oposição entre as nações, mas um arranjo entre as

classes dominantes do centro e da periferia para dividirem entre si os excedentes do trabalho

total. O subdesenvolvimento não está relacionado a uma “evolução truncada”, num sentido

etapista ou evolucionista, mas a um determinado lugar na divisão internacional do trabalho

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indutor de dependência e um arranjo particular na articulação dos interesses internos

(OLIVEIRA, 2003, p.127).

A industrialização que começa a caminhar, desenrolando-se nos anos 30 do século XX tem

como eixo o comércio com o mercado mundial nos limites de uma economia neocolonial que se

materializava na conjunção dos interesses da burguesia local, como sócia minoritária, e da

burguesia externa.

Tudo isso sob a dominação política burguesa, que mantinha os traços do mandonismo

patrimonialista, com novas roupagens, formando um Estado que só era democrático

formalmente21, com procedimentos na prática denominados por Fernandes (2006) de

“autocráticos”. A fragilidade na participação dos segmentos trabalhadores na vida econômica,

social e política é herdada da ordem escravista-senhorial. Mesmo com o estabelecimento de um

mercado de trabalho livre o trabalho continuou a ser identificado como a “mercantilização das

pessoas”. Essa condição, que era incorporada também pela força de trabalho, atrasou a formação

da classe trabalhadora no Brasil e o despertar de sua consciência, pois gerava uma negação da

legitimidade do conflito e da competição nas relações contratuais de trabalho. As vinculações do

trabalho livre reproduziam a lógica do trabalho escravo, ultrapassando as relações de mercado,

“perpetuando o tradicionalismo e o patrimonialismo através da secularização da cultura”

(OLIVEIRA, 2003, p.230) A presença dos imigrantes, com tradição sindical nos seus países de

origem, foi elemento importante na reeducação da classe trabalhadora nacional para a

constituição de mecanismos de organização e solidariedade de classe que questionassem “o

controle conservador e o poder autocrático das elites das classes dominantes como fio condutor

da história” (OLIVEIRA, 2003, p.231).

A partir de 193022, vai chegando ao fim a hegemonia agrário-exportadora e iniciando a

predominância do modelo de base urbano-industrial exatamente por meio da indução de fora,

com a importação de capital fixo, modelo conhecido como industrialização por substituição23.

21 Segundo Holanda (2008, p.160). A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. 22 No inicio da passagem ao capitalismo tardio de Mandel (1982) ou à fase monopolista de hegemonia norte-americana segundo a divisão de Harvey (2003). 23 “A crise cambial encarece os bens até então importados e, no limite, a não-disponibilidade de divisas e a Segunda Guerra Mundial impedem, até do ponto de vista físico, o acesso aos bens importados; isso dá lugar a uma demanda contida ou insatisfeita que será o horizonte de mercado estável e seguro para os empresários industriais que, sem

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Dentro da divisão internacional do trabalho, porém, o papel das periferias continuava a ser a

produção de matéria prima e produtos agrícolas para o centro, que, no pós-guerra, dedicou-se a

reconstruir as economias industrializadas perdedoras, contra a ameaça do socialismo

(OLIVEIRA, 2003).

No Brasil, a produção inicialmente se concentra em bens de consumo não-duráveis,

destinados ao consumo das classes populares, mas desemboca num “processo concentracionista”

de fabricação de bens de consumo duráveis o que:

não se deve a nenhum fetiche ou natureza dos bens, (...), mas à redefinição das relações capital-trabalho, à enorme ampliação do ‘exército industrial de reserva’, ao aumento da taxa de exploração, às velocidades diferenciais de crescimento de salários e produtividade que reforçaram a acumulação. Assim, foram as necessidades da acumulação e não as do consumo que orientaram o processo de industrialização (OLIVEIRA, 2003, p.50).

Além disso, o Estado brasileiro, para criar bases para a acumulação capitalista industrial,

estimula esse setor investindo em infraestrutura, dando subsídios cambiais para baixar o preço

das importações de capital fixo, ampliando o crédito, transferindo recursos do fundo público, ao

mesmo tempo em que impôs um confisco cambial ao café, desestimulando a economia agrária.

A agricultura cumpre um novo papel. Cabe a ela não obstaculizar o desenvolvimento industrial

fornecendo alimentação às massas urbanas a baixo custo (OLIVEIRA, 2003).

Esse novo tratamento dado à agricultura ao mesmo tempo discriminatório e confiscatório,

foi compensado em certa medida pela possibilidade que o crescimento industrial deu para as

atividades agropecuárias manterem um padrão atrasado de produção baseado na alta taxa de

exploração da força de trabalho, reforçando seu papel na acumulação (OLIVEIRA, 2003, p.45).

A agricultura atrasada financiava a agricultura moderna e a industrialização.

Outro importante papel exercido pelo Estado foi a construção de empresas públicas ou

semi-públicas como a Petrobrás e a CSN em Volta Redonda. Ao contrário da infraestrutura

necessária para um mercado capitalista de traços hegemonicamente mercantis, as necessidades

de infraestrutura para um sistema de produção industrial não poderiam ser supridas pela

ameaça de competição, podem produzir e vender produtos de qualidade mais baixa que os importados a preços mais elevados” (OLIVEIRA, 2003, p. 48). Para o autor esse fator é superestimado nas análises da industrialização no Brasil.

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iniciativa privada, seja estrangeira ou local, ficando essa função a cargo do Estado24

(FERNANDES, 2006, p.287).

Afirma-se com isso um novo modo de acumulação, onde o Estado brasileiro atua como

planificador, ampliando suas funções, induzindo e regulando um novo modelo econômico

(Oliveira, 2003, p.40).

Nesse contexto, começam a se regulamentar os fatores da produção. Uma das mais

importantes regulamentações é a da relação capital/trabalho com a legislação trabalhista. Assim,

o Estado brasileiro institucionalizava o mercado de trabalho livre transformando a população que

imigrava dos campos em exército industrial de reserva, igualava por baixo o preço da força de

trabalho, rebaixando os salários de trabalhadores especializados e expulsava, com isso, os custos

de reprodução da força de trabalho de dentro das empresas através da instituição do salário

mínimo. A regulamentação do trabalho é estruturante na industrialização brasileira, pois é das

novas relações entre capital e trabalho pós-escravismo que irão se recriar as fontes internas de

acumulação.

Oliveira (2003) defende que no Brasil a estrutura de emprego, com participação

significativa do setor terciário, não é contraditória com acumulação capitalista. Os serviços

foram necessários no crescimento das cidades, como suporte à industrialização, realizados a base

de somente força de trabalho, remunerada com salários baixíssimos. Barbosa (2008, p.288)

também atenta para que esse suposto “terciário inchado” é na prática uma força de trabalho a

serviço do capital tanto para responder à lógica truncada de reprodução de força de trabalho, bem

como reserva permanente para as necessidades do capital em momentos de expansão. Assim,

esse setor informal, historicamente associado aos serviços “não resultaria de uma deficiência do

capitalismo nos trópicos, indicando, ao contrário, o caráter segmentado e não-universalizante da

sua expansão, comandado pelos interesses econômicos e pelo Estado particularista”

(BARBOSA,2008, p.289).

É a intensa exploração da força de trabalho e a presença dos serviços de características

não-capitalísticas, uma das bases de apoio à industrialização tardia brasileira. Por ser tardia, essa

industrialização queima etapas, “entre as quais a mais importante é não precisar que o preço da

força de trabalho se torne suficientemente alto para induzir transformações tecnológicas que 24 Numa função de Estado classificada por Mandel (1982) como a de assegurar os requisitos para a produção, idéia já desenvolvida no primeiro capítulo desse trabalho.

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economizam trabalho” (BARBOSA 2008, p.67). Na combinação entre a massificação da força

de trabalho urbana, com baixos custos de reprodução gerados pelo modelo agropecuário

implementado e pelo aumento dos serviços, com o crescimento da produtividade industrial,

especialmente com o giro para a produção de bens de consumo duráveis, é que surge tanto a

enorme acumulação industrial ulterior como, ao mesmo tempo, a tendência à concentração de

renda.

Mello (1994, p.17) vai afirmar, como sua tese central, que “a industrialização latino-

americana é problemática porque periférica.” Esse período de industrialização da periferia que o

autor chama de “etapa do desenvolvimento para dentro” carrega os traços da desigualdade do

desenvolvimento mundial que refletem-se no descompasso entre as técnicas produtivas

avançadas do centro e na periferia, a falta de capacidade de poupança, a relativa fragilidade da

demanda e a falta de indústrias de bens de capital que possam absorver a força de trabalho,

evitando o desemprego estrutural.

Para Mello (1994, p.18) a industrialização da periferia encontra na fragilidade da

demanda, isto é na falta de desenvolvimento do mercado interno, um de seus empecilhos. Apesar

da magnitude numérica da população das periferias, as debilidades de demanda, conseqüências

da baixa renda gerada pelas trocas historicamente desiguais com o centro, fazem com que não

haja vantagens, nem capital, para o emprego de novas técnicas que gerem uma produção em

massa.

Da década de 50 em diante, o Brasil passa do capitalismo competitivo ao capitalismo

monopolista. Para Fernandes (2006, p.294) essa transição é muito mais complexa do que a

instauração do capitalismo competitivo em nações periféricas recém egressas de situações

neocoloniais. Isso porque a monopolização requisitava: altos índices demográficos

generalizados; alta renda per capita ao menos em setores médios e altos da população para

aumentar os padrões de consumo; um mercado interno diferenciado, denso e integrado; capital

excedente que pudesse imigrar para o mercado financeiro para fazer crescer o crédito ao

consumo e à produção; modernização tecnológica e estabilidade política através do controle

efetivo do Estado pela burguesia local, condições que apenas algumas nações periféricas

alcançavam. Para o resto da periferia, onde o Brasil incluía-se, a estratégia do capital

monopolista foi instalar-se através das grandes corporações assumindo significativamente o

controle da exploração e da comercialização internacional de matérias-primas, das atividades

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financeiras e da produção industrial para consumo interno. As estruturas herdadas do período

neocolonial eram vantajosas para as corporações pela falta de mecanismos defensivos à

incorporação de suas economias. As corporações já estavam antes no país, contudo sua

influência diluía-se no padrão competitivo, ainda que contribuíssem para a transição ao

capitalismo monopolista nos países centrais, por meio de excedentes drenados para essas

economias.

Passa-se a observar “uma forma de incorporação devastadora da periferia às nações

hegemônicas e centrais, que não encontra paralelos nem na história colonial e neocolonial do

mundo moderno, nem na história do capitalismo competitivo” (FERNANDES, 2006, p.296) A

periferia torna-se um atrativo mercado para a expansão do capitalismo pós-II Guerra Mundial e

as corporações passam a disputar esse espaço “gerando o que se poderia descrever, com

propriedade, como a segunda partilha do mundo” (FERNANDES, 2006, p.296).

Do ponto de vista político a ameaça do socialismo, levada a cabo em países como Cuba e

a Iugoslávia, tornava necessário um reforço no controle da periferia, fundamental para a

expansão do capital, seja como fonte de matérias-primas seja como espaço para a expansão dos

mercados.

Por isso mesmo, com a pressão das corporações, os governos dos países centrais junto

com organizações internacionais ligadas à comunidade de negócios passam a desenvolver

projetos econômicos, financeiros, tecnológicos, de assistência, e voltados para educação,

sindicatos, saúde, militares entre outros, com o objetivo de reforçar o poder de decisão e controle

das burguesias “associadas” ao capitalismo central.

O primeiro momento dessa fase no Brasil relaciona-se com o governo Kubitschek e o

segundo aos governos militares pós-64. No primeiro momento as corporações apenas

beneficiavam-se da falta de autodefesa, ou seja, de mecanismos de controle econômico e político

(OLIVEIRA, 2003).

No período Kubitschek, a conjuntura internacional pouco vantajosa reduziu as

movimentações financeiras entre governos fazendo crescer o endividamento externo privado que

se beneficiava de uma estrutura fiscal primitiva e regressiva (OLIVEIRA, 2003, p.72). A corrida

por industrialização do período fundamentou-se na compra de tecnologia ao capital estrangeiro

pelo Estado. Essa incorporação de capital fixo, ainda que obsoleto para os padrões dos países

centrais, foi decisiva no crescimento da economia, já que a pífia acumulação primitiva interna

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não seria capaz de suprir essa necessidade. Essa tecnologia, porém, não era transferida às

empresas nacionais pela intermediação do Estado. “Inclusive as políticas científica e tecnológica

de instituições como as universidades eram completamente desligadas da problemática mais

imediata da acumulação de capital” (OLIVEIRA, 2003, p.77). Ou seja, o empresariado nacional

não enxergava no Estado essa função, não exercendo pressão nesse sentido.

A política econômica foi elaborada deliberadamente a partir das possibilidades internas

para o crescimento. Um crescimento que não alterou, pelo contrário, a desigual distribuição de

renda e a concentração do poder político.

O aumento da exploração da força de trabalho foi o outro flanco que gerou os excedentes

para a acumulação, ao aumentar a relação da produtividade com os salários reais, tendência que

só se alterou nos momentos de ascenso da organização trabalhadora como em 1961, no período

do governo Goulart (OLIVEIRA, 2003, p.78). Outro elemento, que rebaixava a capacidade de

compra dos salários sem a necessidade de que essas reduções fossem nominais, era o avanço da

urbanização, da industrialização e da mercantilização da sociedade, que aumentava as

necessidades sociais e, portanto, os custos da reprodução da força de trabalho e reduzia as

possibilidades de subsistência por outros meios, o que não era coberto pelos salários. Para

Oliveira (2003) é dessa pauperização concreta da classe trabalhadora urbana, que tinha seu

potencial de consumo relativamente reduzido quando comparado aos avanços da

industrialização, que se originam os fatores de conflito que desembocarão na crise de 64.

Fernandes (2006, p.375) afirma que a situação não chegava a patamares pré-

revolucionários anti-burgueses, mas era potencialmente pré-revolucionária. Ainda que os

conflitos não colocassem em risco o domínio burguês, suas divisões internas e a situação

efervescente da luta de classes restringiam a eficácia da dominação burguesa, que não encontrava

solução rápida e superação definitiva.

O autor atribui o êxito da saída autocrática a: características demográficas, econômicas e

sociais que tornavam possível uma nova onda de industrialização com a colaboração externa; a

assistência econômica, técnica e política dos países capitalistas centrais e dos organismos

internacionais, chamados por ele de “comunidade internacional de negócios”; a identificação das

Forças Armadas com os objetivos e interesses burgueses e sua atuação na rearticulação da

dominação burguesa; e a ambigüidade e fraqueza dos movimentos reformistas e socialistas

revolucionários com pouca irradiação na classe operária mais baixa. A partir daí a solidariedade

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de classe da burguesia deixa de ser democrática ou autoritária passando abertamente a ser

totalitária e contra-revolucionária, forjando uma “ditadura de classe preventiva” (FERNANDES,

2006, p.368).

Nesse segundo momento de consolidação do capitalismo monopolista no Brasil, a

política econômica unificava governo e empresários, abrindo o espaço necessário à consolidação

desse novo padrão de desenvolvimento. As transformações necessárias para essa transição no

mercado e na produção são profundas e nocivas a vários grupos e classes sociais de forma que

“ela se torna impraticável sem um apoio interno decidido e decisivo, fundado na base de poder

real das classes possuidoras, dos estratos empresariais mais influentes e do Estado”

(FERNANDES, 2006, p.302).

A exclusão histórica da classe trabalhadora brasileira de todos os processos sociais,

culturais e políticos sempre tornou o Estado nacional instrumento monopolizado pela burguesia.

Na transição ao capitalismo monopolista essa monopolização tornava-se ainda mais aguda e

necessária. O padrão de desenvolvimento econômico, racional e modernizador dissocia-se,

então, do padrão de desenvolvimento político, que “atrelou o Estado nacional não a clássica

democracia burguesa, mas a uma versão tecnocrática da democracia restrita, a qual se poderia

qualificar [...] como uma autocracia burguesa” (FERNANDES,2006, p.313).

Esse modelo político altamente repressivo, que limitava os espaços de participação legal

às elites da classe dominante defensoras do regime, tinha um elemento econômico. Os

trabalhadores também foram vítimas de processos de expropriação, para gerar novas fontes de

acumulação primitiva, relacionados à depressão de salários e alta dos preços. O regime

autocrático atuava “transferindo para a esfera da segurança nacional os comportamentos

coletivos de autodefesa econômica das massas trabalhadoras” (FERNANDES, 2006, p.322).

Esse novo padrão de capitalismo também não rompe, nem pode romper, com a lógica de

convívio de múltiplas formas econômicas extra-capitalistas e capitalistas arcaicas herdadas de

épocas anteriores. Isso porque, nas periferias, essas continuam sendo as fontes principais da

acumulação primitiva que sustentam a modernização econômica, tecnológica e político-

institucional.

Mas o legado deixado pelo regime militar é a construção de um novo país, que mantém a

heteronomia, a exclusão e as soluções pelo alto, mas concretiza a modernização conservadora

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através de um Estado refuncionalizado, consolidando, nos termos de Gramsci, um perfil

ocidental ao menos no plano econômico (BEHRING, 2003).

Conseqüência dos novos arranjos entre Estado, capital privado nacional e capital

transnacional, onde as medidas ainda mais repressivas pós-68, notadamente o Ato Institucional

nº 5 (AI-5), tiveram papel central na contenção dos movimentos contestatórios e no

aprofundamento da exploração do trabalho, a década de 70 no Brasil é o momento do “milagre

econômico”. As concessões do Estado ao capital privado nacional e estrangeiro promoveram

concentração e centralização, consolidaram um padrão de industrialização voltado para as elites

nacionais e para a demanda exterior, viabilizando o processo de modernização conservadora25.

Superando a crise de 1961-1967, a partir de 1968 o Brasil passa a uma fase de recuperação e

expansão da sua economia. O desenvolvimento se dava às custas da privatização dos fundos

públicos e do endividamento externo e representou mudanças significativas na estrutura

produtiva, na formação do mercado de trabalho e na infra-estrutura urbana. Contudo seu saldo

foi a ampliação da concentração de renda, a pauperização da maioria da população e a

precarização das suas condições de vida e trabalho (MOTA, 2008, p.60).

Para Ianni (1976) o “milagre” brasileiro, financiado pelo capital norte-americano, teve

também um papel ideológico. Se o “milagre” japonês foi apresentado como alternativa à China

socialista na década de 1960 e o “milagre” alemão como resposta a Alemanha socialista pós-

muro na década de 1950, o “milagre” brasileiro era a propaganda do bem sucedido modelo de

desenvolvimento capitalista associado como alternativa ao socialismo cubano e chileno26.

As crises do petróleo dos anos 70, catalisadores da crise do capital já analisada no

capítulo anterior, exigiram ajustes na política nacional. A tentativa do governo Geisel foi

desenvolver o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que dava ênfase no

desenvolvimento da indústria de base e de bens de capital. O Plano fracassou graças à disputa de

interesses dos grupos nacionais e multinacionais e aos elementos externos de crise. A política 25 Behring (2003, p.107) baseada em Moore Jr., caracteriza a modernização conservadora como “uma aliança entre a classe comercial e industrial demasiado fraca e dependente para tomar o poder, com a aristocracia proprietária de terras e a burocracia estatal, configurando um governo conservador e autoritário [...]. O Estado é um instrumento de reforma e motor da industrialização, além de manter os operários e camponeses no seu lugar, seja pela força, seja com políticas sociais.” 26 Não cabe aqui uma análise do governo Allende mas há de se ressaltar as diferenças entre Cuba, que passou por uma revolução em fins da década de 1950 e o processo chileno, uma vitória eleitoral da Frente Popular. Ainda que ambos fossem bastante incômodos aos EUA é questionável se, como afirmado por Ianni, o Chile chegou a viver um regime socialista.

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nacional de então dependia do crédito internacional, obtido por meio de renegociações da dívida.

Esse endividamento externo, que se apresentava como ‘solução’ para os problemas econômicos

do período, abriu as portas para a financeirização da economia brasileira (Oliveira, 2003, p.132).

Essa política é a base geradora da crise dos anos 80, com a suspensão do crédito

internacional em 1983, que obrigou o país a exportar capital para pagar suas exorbitantes

dívidas27. Passamos do “milagre econômico” de 1970 à “década perdida”28 de 1980,

caracterizada pelas baixas taxas de crescimento do PIB, compressão dos salários e mais

concentração de renda. Assim como os demais países latino-americanos o Brasil transformou-se

num “pobre provedor de capital para os centros hegemônicos” (OLIVEIRA, 2003, p.69). Ao

mesmo tempo, despontavam os movimentos políticos, sobretudo relacionados ao novo

sindicalismo do ABC, o que iria minar de vez os alicerces do regime político dos militares

(OLIVEIRA, 2003, p.62).

O processo de transição do regime militar para a democracia burguesa, assim como todas

as transições anteriores no país desde a Independência, foi novamente controlado pelas elites

para evitar saídas populares radicais, uma transição chamada “conservadora sem ousadias e

turbulências” por Fernandes (apud BEHRING, 2003, p.130).

Para Mota (2008) as soluções para a crise que eclodiu da década de 80, que são as raízes

do Consenso de Washington, sofreram inflexões na segunda metade da década de 1980. Isso

porque a lógica de ajuste automático fracassou, o que não foi diferente no caso brasileiro. O

discurso da crise como um fato que afetava indiferenciadamente o conjunto da sociedade, abriu

as possibilidades para construção de um pacto social entre trabalhadores, empresários e Estado,

baseado numa “cultura indiferenciada entre trabalhadores e empresários acerca do enfrentamento

da crise no Brasil” (MOTA, 2008, p.83). As reivindicações dos trabalhadores por melhores

condições de vida e trabalho foram insuficientes para gerar uma cultura própria e uma frente de

peso.

No entanto, o processo de ascenso dos movimentos sociais, repercutindo o novo

sindicalismo e as lutas pela reabertura democrática no país, forjaram uma Constituição em 1988,

27 Processo conhecido como crise da dívida que afetou não só o Brasil, mas o conjunto da América Latina. Fizemos referência a ele no primeiro capítulo desse trabalho. 28 Década perdida do ponto de vista econômico mas de grande ascenso dos movimentos sociais na luta por direitos e democracia.

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anacrônica para a reação burguesa no plano internacional em curso, mas “em alguns aspectos

embebida da estratégia social-democrata e do espírito ‘welfariano’”(BEHING, 2003, p.129). O

texto refletia a disputa de projetos hegemônicos avançando em aspectos como os direitos sociais,

humanos e políticos mas mantendo, por outro lado traços conservadores, somando o novo e o

velho, tão ao gosto da lógica nacional. “Uma Constituição programática e eclética, que em

muitas ocasiões foi deixada ao sabor das legislações complementares” (BEHRING, 2003, p.143).

Na porta de entrada para os anos 1990, período de profundas contra-reformas e ataques

aos trabalhadores, como veremos nas próximas seções, ainda se vê uma nova tentativa de

resistência à dominação burguesa expressa nas eleições de 1989, quando uma candidatura

representante dos interesses dos “de baixo” chega perto da presidência da república. Collor de

Melo, apesar de vitorioso, “não representava a vontade política efetiva da burguesia brasileira,

como demonstram os fatos ulteriores que resultaram no seu impeachment em 1992” (BEHRING,

2003, p.113).

Em 1990 o Banco Mundial prescreve um “novo consenso” que afirma não ser possível

que o ajuste econômico dê certo sem “reformas” estruturais. Essas “reformas” estruturais têm

seu discurso baseado no tratamento e amenização da pobreza através de políticas focalizadas

associadas à desregulamentação do mercado, a privatização do setor público e a redução do

Estado, no que tange ao atendimento das demandas dos trabalhadores.

Resolvida a crise política que gerou o impechment de 1992, a burguesia brasileira pode

retomar seu projeto de hegemonia, adaptado a posição dependente do país no capitalismo

internacional, preparando um novo período de ataques a classe trabalhadora que vai se

consolidar com o Plano Real e a eleição de Cardoso em 199429.

2.1 A trajetória da educação no Brasil: surgimento e consolidação do ensino superior

29 Daremos destaque ao governo Cardoso bem como ao governo Lula em seções posteriores desse trabalho.

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No século XIX, com a chegada da corte portuguesa no Brasil, criam-se os primeiros

cursos superiores não-religiosos30. Seu propósito central era a educação das camadas

dominantes, ficando os outros níveis de ensino abandonados. Contraditoriamente, o ensino

superior lança, ainda que lentamente, a base das mudanças de ideologia que se manifestarão no

período seguinte, introduzindo as idéias que vigoravam entre a burguesia européia de então.

Com a independência política e a ascensão do “setor novo” urbano, cresce a demanda por

educação. A educação torna-se um importante fator de ascensão social; o status do título de

doutor concorria com os títulos de propriedade de terras. A educação, contudo, permanecia

hegemonicamente relacionada à ideologia das elites rurais, chocando-se com o liberalismo, que

emergia como a ideologia a qual se filiaria a burguesia ascendente no Brasil31. Os formados no

ensino superior passam a assumir os cargos administrativos e políticos relacionados à máquina

estatal.

A divisão dual do ensino, existente desde a colônia, se perpetua: as escolas secundárias e

o ensino superior destinando-se às classes dominantes e o ensino básico e profissional à classe

trabalhadora. Porém, a urbanização e a industrialização que começam a emergir com mais força

a partir da década de 1930, colocam novas demandas para a educação escolarizada. Até esse

momento a educação disponível era suficiente para as baixas exigências do modelo econômico

existente. Cresce a necessidade de força de trabalho para os setores secundários e terciários da

economia.

O capitalismo industrial necessita massificar o conhecimento tanto pelas necessidades da

produção como pelas novas necessidades de consumo. No Brasil, essa necessidade se faz sentir

com enorme atraso frente aos países centrais e de forma desigual no próprio território nacional,

já que a urbanização e as conseqüentes demandas educacionais só se manifestam em alguns

centros urbanos.

A expansão educacional se dá, todavia, mais como resposta às pressões exercidas pelo

capital e pelos trabalhadores ao Estado por mais capacitação, do que como uma política nacional

planejada. Por essas razões a expansão do ensino foi insatisfatória tanto quantitativa quanto

30 Destaca-se a criação dos cursos médico-cirúrgicos no Rio de Janeiro e na Bahia, as Faculdades de Direito de São Paulo e de Recife , as Academias Militares, e a Academia de Desenho, Escultura, Pintura e Arquitetura, criada pela Missão Francesa, posteriormente Escola de Belas Artes. Todos datam das duas primeiras décadas do século XIX (ROMANELLI, 2009, p.38). 31 Com todas as contradições já apontadas nesse trabalho.

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qualitativamente. Mantém-se o mesmo modelo de escola de traços aristocráticos e a divisão dual

entre o ensino para a elite e os trabalhadores também não é superada, conservando uma educação

superior insuficiente (ROMANELLI, 2008, p.61).

O ensino superior, apesar de existir no Brasil desde o início do século XIX, só passa a ser

organizado em universidades a partir de 1920, com a criação da Universidade do Rio de Janeiro.

Entretanto, apenas em 1931 cria-se o Estatuto das Universidades Brasileiras, sendo a

Universidade de São Paulo a primeira criada e organizada sob essas normas em 1934. As três

universidades existentes até então, no Rio, no Paraná e em Minas Gerais, eram apenas a

agregação de cursos anteriormente autônomos (ROMANELLI, 2008, p.132). O Brasil torna-se o

último país da América a criar ensino superior universitário. Nesta altura no continente já havia

mais de 100 instituições desse tipo, surgidas desde o século XVI (ORSO, 2007, p.44).

Segundo Orso (2007), o atraso na formação do ensino superior no Brasil não se deu nem

devido à inexistência de projetos, nem às dificuldades financeiras. Desde a Colônia e com mais

força no Império a idéia da criação de universidades estava presente. Chocavam-se, porém, os

modelos propostos: coimbrão e napoleônico pelo governo, mais centralizadores, e germânico

pelos liberais, apoiado na autonomia, liberdade de pensamento e ensino livre. A formação da

Universidade de São Paulo (USP) veio no bojo da Revolução de 30, regida pelos liberais que

“defendiam a educação superior como sendo a principal força inovadora da sociedade” (ORSO,

2007, p.53).

O Estatuto das Universidades Brasileiras instituiu o regime universitário no Brasil. Seus

objetivos, na prática, são a investigação científica e o preparo para o exercício profissional

“mas, apesar de ambos constarem da declaração de princípio da legislação, a Universidade

brasileira vem perseguindo, desde sua criação, apenas os objetivos ligados à formação

profissional, salvo raríssimas exceções” (ROMANELLI, 2009, p.133). A autora atribui as causas

do fracasso da pesquisa como objetivo das universidades à estratificação social, à herança

cultural mantendo a estrutura arcaica do ensino e a forma como evoluía a economia e a

industrialização.

O Estatuto também estabelecia a estrutura organizacional da universidade, as categorias

da carreira docente e os tipos de curso ministrados. Mantinha as características aristocráticas do

ensino, transplantando para o âmbito universitário “as relações sócio-políticas características do

coronelismo” (ROMANELLI, 2009, p.134) na dependência e submissão de todos os docentes

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aos catedráticos. Coroava também uma relação descentralizadora internamente e ao mesmo

tempo centralizadora em relação ao governo federal que determinava até nomeações. O ensino

superior consagrava, ainda, a falta de diversificação com a obrigatoriedade dos clássicos cursos

de Direito, Medicina, Engenharia e Educação, Ciências e Letras. Tudo isso contribuía para a

universidade brasileira não viver um regime verdadeiramente universitário.

A expansão das universidades, respondendo a pressão da demanda, não era planejada

nem refletia as necessidades de desenvolvimento do país. Determinados cursos cresceram não a

partir dos imperativos sociais, mas da facilidade para sua implementação e os baixos preços para

a iniciativa privada, da tradição relacionando-os ao status social, continuando a formar uma elite

“apenas por diletantismo” (ROMANELLI, 2009, p.125). “Dessa forma o velho sobreviveu ao

novo, até na organização do ensino” (ROMANELLI, 2009, p.134). Segundo Orso (2007, p.60) a

universidade brasileira tinha, então, os mesmos objetivos da universidade clássica, conforme

descrita por Mandel (1979):

[...] por meio da criação da universidade, intentava-se criar uma espécie de aparelho ideológico para formar reciclar as elites, formar intelectuais de acordo com a concepção de mundo, de homem e de sociedade liberais e de acordo com os interesses burgueses, para, nas palavras de Mesquita Filho ‘ consolidar a democracia no Brasil’ ou, nas palavras de Antonio Carlos, ‘fazer a revolução antes que o povo a fizesse.

Apesar de constituída e inspirada na utopia liberal, a universidade brasileira vai sendo

moldada pelas transformações sociais, políticas e culturais gestadas, sobretudo, a partir da

década de 1950. A partir já de 1938 o caráter profissionalizante vai se sobrepondo a idéias de

estudos desinteressados e integração de todas as áreas do saber. Além disso, as pressões da classe

trabalhadora por vagas nas universidades colocavam em xeque o projeto elitista e aristocrático

original (ORSO, 2007b).

Na década de 1950, com a monopolização do capital sob o projeto desenvolvimentista

amplia-se a matrícula em todos os níveis da educação, com um acréscimo do investimento estatal

em sua própria rede de ensino. As taxas crescentes de urbanização e as novas formas de

industrialização necessitavam de uma ampliação da escolarização da classe trabalhadora. A

expansão do ensino superior, nesse período, caracterizou-se pela ampla participação do Estado e

pela diversificação progressiva tanto horizontal, com o aumento de cursos e especialidades,

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quanto vertical, com a hierarquização em graus dos cursos superiores (NEVES E PRONKO,

2008, p.43).

Foi também na década de 1950 que foram criadas as primeiras instituições de fomento à

pesquisa e apoio à formação de pessoal de nível superior: a Campanha de Aperfeiçoamento de

Pessoal de Nível Superior - CAPES, criada em 1951 com o intuito de aprimorar o quadro

docente do nível superior e o Conselho Nacional de Pesquisas – CNPq, também criado em 1951

para coordenar e planejar o desenvolvimento das atividades de ciência e tecnologia no país

(NEVES E PRONKO, 2008, p.43).

O período seguinte, do regime militar, é marcado pela “cooperação” com organismos

internacionais, os conhecidos acordos MEC-USAID32. Romanelli (2009) aponta dois períodos

para a educação durante o regime militar, coincidentes com a periodização de duas fases para a

economia e a política. Até 1968 se implementou o novo regime, traçando uma política para a

recuperação econômica. Nessa fase, o crescimento da demanda por educação fez aumentar a

crise do sistema, forjando os acordos supracitados com organismos dos países centrais. Após

1968, a retomada do crescimento econômico e o aumento da repressão às lutas sociais coincide

com a implementação de medidas práticas de adequação do sistema educacional ao modelo

econômico vigente através das propostas trazidas pela Agency for International Development

(AID).

Netto (2002), que adota a mesma periodização apontando-a como consensual entre os

estudiosos desse período, afirma que a inflexão de 1968 não significa a existência de um novo

projeto educacional, mas da emergência de condições que permitiram levar a filosofia à prática33.

As pressões por reformas educacionais derivam-se segundo o autor, da crescente demanda

educacional surgida na década de 1950, sobretudo das classes médias por ensino superior, por

enxergarem aí sua possibilidade de ascensão social nos marcos de um modelo econômico

industrializante que criava, então, uma quantidade e variedade de novos empregos, que

32 São convênios entre o Ministério da Educação (MEC) e a AID – Agency for Internacional Development, organização estadunidense, para assistência técnica e cooperação financeira ao sistema educacional brasileiro (ROMANELLI,2009, p.196).

33 “Nesse período [1964-1968] [...] o regime tem outras prioridades, quer de repressão às tendências democráticas e populares no plano político, quer de viabilização econômica do seu projeto modernizador” (NETTO, 1990, p.56).

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necessitavam de diversos níveis de qualificação. E essas classes têm papel fundamental na

sustentação do regime militar tendo a reforma educacional um “efeito político-social”,

principalmente a partir do ascenso do movimento estudantil e seu “potencial catalisador” da luta

contra a ditadura, que acabam por colocar a questão educacional como prioridade para o regime.

Essa demanda da classe média por vagas no ensino superior foi o mote da crise, já que

não era acompanhada do crescimento de vagas. Entre 1960 e 1964 o percentual de inscritos no

Vestibular cresceu em 50% e o número de vagas 64% gerando um saldo positivo. No período

seguinte o crescimento da demanda foi de 120% com um crescimento de apenas 52% da oferta

(ROMANELLI, 2009, 207). O problema colocado em pauta eram os excedentes, alunos que

passavam nas provas e não conseguiam vagas nas universidades.

A partir de 1968 inicia-se a implementação das propostas de “reforma” universitária do

regime militar. Essa refuncionaliação representou uma “modernização conservadora” que ao

mesmo tempo incorporava bandeiras históricas do movimento social na educação como o fim da

cátedra vitalícia e a adoção definitiva das universidades como modelos de organização para o

ensino superior em respostas às rebeliões estudantis, e mantinha antigas práticas, não rompendo

com o conservadorismo (GÓES ; CUNHA, 1985, p.83 apud NETTO, 2002, p.59). As mudanças

na educação iniciam-se exatamente pelo ensino superior, centro do movimento estudantil

contestador do regime e, segundo a AID, irradiador de mudanças nos outros níveis (NETTO,

2002, p.60).

É importante fazer um parêntese para retomar a centralidade do papel cumprido pelas

agências internacionais, em particular a AID, na educação no período. Para Romanelli (2009,

p.198) os objetivos da “ajuda” na superação do subdesenvolvimento partiam de uma concepção

técnica dessa condição. O subdesenvolvimento era encarado como atraso sendo a mudança nos

hábitos de consumo, ação e pensamento da população a chave para alcançar os níveis de

desenvolvimento centrais34. Nessa concepção a educação passa a ser setor estratégico por criar e

expandir mercados, seja pelo consumo ou pela formação de recursos humanos adequados ao

desenvolvimento. Em se tratando de sociedades colonizadas ou recém saídas do colonialismo, a ajuda internacional tem sido instrumento eficiente de fornecimento e preparo de mão-de-obra ou de recursos humanos

34 Concepção já criticada nesse trabalho, por desconsiderar o papel fundamental que os países “atrasados”, ao permanecer nessa condição, cumprem para a totalidade do desenvolvimento do modo de produção, que ocorre de forma desigual e combinada.

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de vários níveis de qualificação, culturalmente adaptados aos objetivos da consolidação da dependência, mesmo após a emergência das sociedades nacionais (ROMANELLI, 2009, p.200).

A reformulação das universidades proposta pela AID tem por objetivo constituir uma

dependência direta das instituições dos países dependentes em relação às instituições norte-

americanas por meio da “colaboração” entre elas.

A crise educacional gerada pelo desequilíbrio entre oferta de vagas e demanda foi usada

como justificativa para a “cooperação”. Seu objetivo, entretanto, era “assegurar ao setor externo

oportunidade para propor uma organização do ensino capaz de antecipar-se, refletindo-a, à fase

posterior do desenvolvimento econômico” (ROMANELLI, 2009, p.209). A fase era propícia

graças às condições de dominação interna suscitadas pelo regime militar.

Percebe-se na reforma universitária do regime militar uma expansão de vagas,

respondendo às pressões da ampliação da demanda tanto pela classe média quanto pelo sistema

econômico que necessitava de recursos humanos. Essa expansão, embora grande, não respondia

a toda a necessidade de vagas, pois era limitada pela política econômica adotada. Romanelli

(2009, 203) aponta que a expansão depende de certas condições internas, já que a seletividade

fornecida pela restrição de vagas pode ser útil na manutenção do status quo ou na permanência

de uma força de trabalho de baixo nível. Até a década de 1950, antes da penetração maciça de

multinacionais, as necessidades de treinamento de força de trabalho podiam ser supridas por

instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem da Indústria (SENAI) e o Serviço

Nacional de Aprendizagem do Comercio (SENAC).

Somente, pois, quando há necessidade de redefinição na expansão econômica que implique o aparecimento ou o incremento de demanda econômica de recursos humanos de vários níveis de qualificação e também quando o remanejamento das forças na estrutura do poder objetive utilizar-se da modernização como ideologia de justificação e necessite aumentar as oportunidades educacionais em determinada direção, é que as pressões da demanda social de educação começam a ser consideradas. Esse processo é sempre definido em termos de interesses, pelo aumento ou não da participação social no jogo político (ROMANELLI, 2009, p.203).

A autora vai apontar que as mudanças acentuadamente quantitativas e que a isolam do

conjunto da sociedade, na prática tiram da educação a função demandada pelas classes que

almejam ascensão. Isso porque os processos de massificação gerados pela modernização geram

“perda do poder aquisitivo que o trabalho qualificado pode oferecer ao indivíduo, perda

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progressiva de status pelas profissões de nível superior” (ROMANELLI, 2009, p.204). Essas

considerações têm importância central no desenvolvimento desse trabalho pois as expansões

atuais na educação superior, objetos de nosso estudo, guardam semelhança com as expansões

implementadas no regime militar sobretudo na forma em que afetam o mercado de trabalho.

Esse aumento de vagas não foi proporcional ao aumento de custos. A introdução da

lógica empresarial na gestão universitária, com medidas burocratizantes e racionalizadoras,

visava baratear o ensino superior para o Estado. Possibilitava, assim, atender a demanda da

classe média por vagas e ao mesmo tempo contingenciar os recursos públicos destinados às

universidades. Foi também nesse momento que o ensino superior privado se expandiu,

ampliando vagas de baixa qualidade, na sua maior parte ocupadas por trabalhadores mais pobres.

Entre 1968 e 1973 a oferta de vagas nas universidades aumentou 210% na rede pública e 410%

na rede privada (NETTO, 2002, p.63).

As possibilidades críticas e criativas da universidade foram reprimidas pela força do

regime enquanto o Estado passava a comprar tecnologia dos países centrais, em particular dos

EUA. Nesse ambiente, praticamente livre dos elementos de contestação, o capital conseguiu

qualificar a força de trabalho, com a ajuda do Estado, de acordo com suas novas necessidades.

Destarte, os vários mecanismos que degradaram intelectualmente a universidade não afetaram o projeto autocrático burguês: antes constituíram um de seus feitos – a universidade neutralizada, esvaziada, reprodutiva e asséptica era funcional a ele (NETTO, 2002, p.66).

Esse modelo também tem a AID como suporte. Segundo sua concepção “não cabe à

universidade nenhuma ação inovadora, revolucionária, mas tão-somente modernizadora,

acomodatícia, vale dizer conservadora. Essa é a sua missão” (ROMANELLI, 2009, p.211)

Do ponto de vista de seu conteúdo, a “reforma” universitária do regime militar foi

moldada pelas propostas USAID, mas não explicitamente. O governo criou em 1967 a Comissão

Meira Matos35 e o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária36, todavia “o que essa comissão

35 Compunham essa comissão: o Coronel Carlos Meira Matos, da Escola Superior de Guerra, os professores Hélio de Souza Gomes e Jorge Boaventura de Souza e Silva, o promotor Affonso Carlos Agapito da Veiga e o Coronel- Aviador Waldir Vasconcelos, do Conselho de Segurança Nacional (ROMANELLI, 2009, p. 219). 36 O grupo de trabalho foi designado pessoalmente por Costa e Silva e era composto por: Tarso Dutra, então ministro da educação, Roque Spencer Maciel de Barros, catedrático da USP, Newton Sucupira da UFPA e membro do Conselho Federal de Educação, Valnir Chagas da UFC, também membro do Conselho Federal de Educação (CFE), Pe. Fernando Ávila, vice-reitor da PUC RJ, João Lira Filho, reitor da UEG, João Paulo dos Reis Veloso do Ministério do Planejamento, Antônio Couceiro da UFRJ e presidente do Conselho de Pesquisas, Leon Peres, João Carlos Moreira Bessa,

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veio propor coincidia exatamente com as propostas dos autores do Acordo MEC-USAID”

(ROMANELLI, 2009, p.215).

As propostas da comissão se assemelham muito com a agenda que vem sendo discutida

nas “reformas” universitárias pós-Constituição democrática. As principais, segundo resumo de

Romanelli (2009, p.219) são a ampliação da capacidade de vagas pelo melhor aproveitamento da

infraestrutura com multiplicação de turnos, redução de férias e etc e a instituição de anuidades

para o ensino superior público para aqueles que podem pagar. Por outro lado, também incorpora

reivindicações ainda bastante atuais como a melhoria do sistema de remuneração docente, a

ampliação de vagas e maior rigor nos critérios de reconhecimento das instituições particulares.

Mais impactante ainda é observar como coincidem as propostas específicas para o ensino

superior e as propostas mais recentes da “reforma” universitária do governo Lula37, quais sejam:

redução de currículos e diminuição dos cursos de formação profissional, criando carreiras de

curta duração, instituição de vestibulares unificados possibilitando o aproveitamento de todas as

vagas pelos aprovados, criação de ciclo básico comum para cada área, criação de um primeiro

ciclo especializado para carreiras de curta duração como formação de professores, criação de um

segundo ciclo especializado para carreiras de longa duração como Medicina e Engenharia. Ainda

objetivava a eliminação dos “espaços ociosos e dos professores ociosos” aumentando a

produtividade com redução de custos objetivando a “plena utilização da capacidade instalada”.

As propostas progressistas apresentadas incorporavam as reivindicações pró-reforma

universitária dos segmentos estudantil e docente que cresciam desde antes do regime militar .

“Essa bandeira foi incorporada pelo Estado, até que, após o golpe militar, foi completamente

arrebatada pelos militares em 1968” (ORSO, 2007b, p.75), que “fizeram a revolução antes que o

povo a fizesse”. Por isso Fernandes (1975 apud ORSO, 2007b) chama a reforma de “reforma

universitária consentida”.

presidente do DCE da PUC RJ e Paulo Passos, estudante de Engenharia da UFRJ. Os dois últimos estudantes recusaram-se a participar do grupo (ORSO, 2007b, p.74). 37 Referimo-nos ao REUNI, objeto desse trabalho, e ao documento “Universidade Nova”, inspirador dessa nova fase de reformas. Aprofundaremos o conteúdo dessas propostas e suas semelhanças com a “reforma” do regime militar, que não são fruto de mera coincidência.

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Em relação às representações estudantis o documento propunha a substituição das

entidades consideradas subversivas por lideranças democráticas38 reforçando grupos já existentes

e promovendo cursos por órgãos do MEC.

O Grupo de Trabalho da Reforma Universitária, segundo Romanelli (2009, p.222) não

fugia aos objetivos do Relatório Meira Matos sendo o central adequar e instrumentalizar o ensino

superior às necessidades do desenvolvimento econômico em curso. Era pautado também pelos

princípios de eficiência e produtividade.

Além disso, a reforma em curso também implementou a pós-graduação, para criação de

uma elite a serviço dos objetivos nacionais e reorganizou o ensino médio para profissionalizar e

qualificar a força de trabalho nesse nível, reduzindo a demanda por ensino superior. Foi nesse

período que se desenvolveram e se consolidaram os programas de pós-graduação que receberam

estímulo para uma ampla expansão com o Primeiro Plano Nacional de Pós Graduação em 1975.

Outras definições importantes apontadas pelo grupo de trabalho (GT) foram a liberdade

dada às universidades para definirem seus regimes jurídicos entre autarquias, fundações e

associações, a centralização da já então nada democrática escolha de reitores e diretores que

passa a ser prerrogativa da Presidência da República e a definição de ciclos e de cursos de curta e

longa duração, conforme o Relatório Meira Matos, implementados em decretos governamentais.

A expansão proposta pelo GT observava a necessidade de adequar a demanda às

necessidades do mercado de trabalho, orientando a abertura de vagas para as necessidades da

expansão econômica. Essa preocupação se materializou no Decreto nº 63.341 de 1º de outubro

de 1968 que orientava a expansão para áreas que não estivessem saturadas.

O primeiro Decreto Lei, nº 53 de 18 de novembro de 1966, determinava mudanças na

organização que resgatassem os princípios de economia e produtividade. A existência das

cátedras dava aos catedráticos poderes e recursos que eram manipulados segundo seus desejos de

prestígio e status, gerando feudos que sobrepunham bibliotecas, laboratórios e infraestrutura para

fins idênticos dentro da mesma escola ou universidade. A racionalização modernizadora do

regime militar visava o fim dessa duplicação para reduzir o desperdício de recursos. O decreto

criava também um órgão central de supervisão do ensino e da pesquisa, acabando assim com a

estrutura universitária limitada a uma aglutinação de escolas independentes. 38 Provavelmente semelhantes às atuais lideranças da União Nacional dos Estudantes UNE, debate que também retomaremos mais a frente.

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O Decreto Lei nº 252 de 18 de fevereiro de 1967 deu continuidade à reestruturação com

os mesmos fins de racionalização de recursos. Criou dentro das unidades universitárias unidades

menores chamadas departamentos, eliminando a possibilidades de duplicação de disciplinas

idênticas na mesma unidade.

Em relação ao financiamento, o governo concedeu auxílio para a expansão das matrículas

através do Decreto Lei 405 de 31 de dezembro de 1968, exigindo que sejam asseguradas

produtividade, eficiência e plena utilização da capacidade instalada.

Ao mesmo tempo o governo colocava a UNE na clandestinidade, permitindo apenas a

existência de representação estudantil local através de Diretórios Acadêmicos (Das) e Diretórios

Centrais de Estudantes (DCEs) que, no entanto, estavam impedidos de qualquer ação,

manifestação ou propaganda político-partidária, segundo o artigo 11 do Decreto Lei nº 252.

Associou-se a isso o Ato-Institucional nº 5 e o Decreto Lei 477 de 1968. Este último,

exclusivo para o corpo docente, discente e administrativo proibia qualquer manifestação política

e de protesto dentro das universidades. Essas medidas diminuíam, ou ao menos adiavam, a

pressão por mais vagas da demanda reprimida. Estavam também relacionadas entre si, na medida

que faziam parte da garantia de condições para retomada e consolidação do poder da classe

dominante.

A reforma universitária, como modernização conservadora no regime militar, estava

imbuída da mentalidade empresarial, porém de cunho ideológico, relacionando intrinsecamente

medidas repressivas e técnicas nas mudanças.

Desenvolvimentismo, eficiência, produtividade de um lado; controle e repressão, do outro. Ambos, portanto, interdependentes: a mentalidade empresarial dando conteúdo ao desenvolvimento, e a utilização da força garantindo a implantação do modelo (ROMANELLI, 2009, p.218).

Seu modelo organizacional era o norte-americano, racional e capitalista, voltado para a

produtividade; “alterava-se o velho lema positivista da ‘ordem e progresso’ para ‘segurança

nacional e desenvolvimento’ alinhado incondicionalmente aos Estados Unidos” (ORSO, 2007,

p.79).

Por outro lado essa foi a primeira vez que o Estado se propôs a organizar o sistema

educacional segundo seu modelo econômico, ainda que ambos questionáveis. A “reforma”,

entretanto, não tinha por objetivo resolver os problemas educacionais, mas sim “modernizar” e

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eliminar obstáculos políticos de maneira que a crise do ensino superior não foi resolvida, apenas

aplacaram-se as pressões do movimento estudantil (ORSO, 2007, p.83).

Na década de 1980, o Brasil vive a transição da autocracia burguesa, materializada no

regime militar, para a democracia liberal. Em 1988 é aprovada a nova Constituição. Na seção I

do capítulo III, que dispõem sobre a Ordem Social, a Constituição afirma que a educação é

direito de todos e dever do Estado e da família com o apoio da sociedade. Afirma a gratuidade da

educação em instituições públicas, a autonomia universitária e possibilita a educação em

instituições privadas desde que observadas a regulamentação nacional do ensino e a aprovação e

avaliação da qualidade pelo Estado.

No que tange ao ensino superior, durante o governo Sarney, foi formado o Grupo

Executivo para a Reformulação do Ensino Superior (GERES). O grupo foi desfeito por sofrer

grande oposição dos movimentos sociais organizados nas universidades. O centro do debate que

ali se iniciava era o questionamento do modelo único, isto é, da indissociabilidade entre ensino,

pesquisa e extensão, como princípio para as universidades do país (ANDES, 2007, p.14).

Mas durante essa década pouco se conseguiu avançar seja nas reformas governamentais,

seja nas iniciativas dos trabalhadores e estudantes que conseguiram resistir, ao menos, aos

retrocessos propostos. O debate da reforma universitária voltará com força na década de 1990,

no bojo da Reforma do Estado durante o governo Cardoso. Esse é o debate que retomaremos na

próxima seção.

2.2. Contra-reformas do Estado: o governo Cardoso

Apesar da Constituição de 1988, na “contramão da história” (MARQUES, 2010, p.1)

tender à ampliação do Estado no campo social, já em 1989 a vitória de Collor para presidente do

país na primeira eleição direta pós-ditadura, marca o início da adoção do pensamento neoliberal

na política econômica brasileira. Até então, a força da organização e as expectativas dos

trabalhadores no processo de democratização, no plano político, e a explosão da dívida externa e

da inflação, no plano econômico, não permitiram a adoção das políticas propostas pelo FMI e

pelo Consenso de Washington (MARQUES, 2010, p.7). Do seu curto governo, encerrado pelo

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processo de impeachment motivado por inúmeras denúncias de corrupção, ficaram como herança

a abertura do comércio exterior e a ideologia crescente de defesa da redução do setor público

através das privatizações, não tendo sido bem sucedido no combate à inflação.

Assume então a presidência seu vice, Itamar Franco. Durante seu governo, o Ministério da

Fazenda, capitaneado por Fernando Henrique Cardoso, implementa o Plano Real. O Plano

consistia numa conversão da moeda de cruzeiro para o real acompanhado pela âncora cambial, o

que impediu a retomada da inflação. O sucesso do Plano Real no combate à inflação leva a

vitória de Cardoso nas eleições, assumindo a presidência em 1995. Sua vitória permite uma

“rearticulação das forças do capital no Brasil”, promovendo uma virada na correlação de forças

entre as classes (BEHRING, 2003, p.156).

Em todos os seus aspectos o governo Cardoso representou uma violenta adequação do país

aos princípios do Consenso de Washington. Não é coincidência ter sido Bresser Pereira,

representante brasileiro na reunião que determinou os passos para a implementação do Consenso

na América Latina39, o ministro responsável no governo Cardoso pela “Reforma do Aparelho do

Estado”. Bresser Pereira (1991), no entanto, criticava o que chama “abordagem de Washington”

no diagnóstico e nas receitas para a crise latino-americana. Não é uma crítica frontal, porém, mas

uma abordagem, segundo ele próprio, em parte complementar em parte alternativa tanto na

explicação quanto na proposta de reforma decorrente40. Para o autor a “abordagem de

Washington” vê nas razões da crise o excessivo crescimento do Estado, gerado pelo modelo de

substituição de importações e o populismo econômico “definido pela incapacidade de controlar o

déficit público e de manter sob controle as demandas salariais tanto do setor privado quanto do

setor público” (1991, p.6). A “abordagem da crise fiscal”, adotada por Bresser Pereira considera

essa explicação correta, porém, insuficiente. Isso porque as duas características sempre existiram

nos países latino-americanos, que, apesar disso, tiveram momentos de crescimento econômico. 39 Em 1993 especialistas se reuniram mais uma vez em Washington para definir um plano de ajuste para a América Latina. O plano ocorreria em três fases: a. dirigida ao superávit fiscal, redução do déficit na balança comercial e desmonte da previdência pública; b. dedicada a reformas estruturais, liberalização financeira e comercial, desregulamentação dos mercados e privatização das estatais; e c. retomada de investimentos e crescimento econômico (MONTAÑO, 2008, p.30). 40 Segundo o autor, a abordagem verdadeiramente alternativa é a “nacional-populista” que rejeita os ajuste fiscais e propõe déficit público e salários elevados para promover ampliação da demanda e desenvolvimento econômico. Afirma que não lhe dará atenção no texto de 1991, pois perdeu credibilidade e apoio nos últimos anos. Na primeira década do século XXI, porém, governos como Chávez, Morales e Correa respectivamente na Venezuela, na Bolívia e no Equador, tem ressuscitado essa perspectiva, que guardadas diferenças entre eles e limitações, tem se mostrado uma alternativa mais soberana e distribuidora de renda na região.

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Sua perspectiva, segundo ele próprio, não é oposta à dominante, que ele considera como a

neoliberal, mas agrega a idéia de crise fiscal que, segundo ele, tem na América Latina cinco

características: o déficit público, a poupança pública negativa ou muito pequena, uma dívida

pública interna e externa enorme, falta de crédito do Estado e de credibilidade dos governos.

Deste modo, dois eixos centrais estariam de fora das propostas de ajuste de Washington: o

enfrentamento da dívida pública para recuperar a capacidade de investimento do Estado e a

mudança do modelo de substituição de importações.

Assim para a superação da crise, que para Bresser Pereira é uma crise do Estado, não

seria suficiente estabilizar e liberalizar a economia, combater o populismo econômico e reduzir o

Estado, que deixa de ser executor e passa a coordenar a economia, mas ir além:

Através do cancelamento da dívida que não pode ser paga e de um ajuste fiscal que contemple a redução de despesas e aumento de impostos sobre aqueles que podem pagar, será possível recuperar a capacidade de poupança do Estado, para que esse possa, no curto prazo, executar uma política macroeconômica e, no médio prazo, definir uma política de retomada do desenvolvimento, da qual faça parte uma política industrial e tecnológica, uma política social e uma política para o ambiente” (BRESSER PEREIRA, 1991, p.16, grifos nossos).

É difícil hoje, passados os oito anos de gestão do governo Cardoso que contou com

Bresser Pereira como um de seus principais ideólogos, acreditar nessa fala de 1991,

questionando o pagamento da dívida pública e voltada ao desenvolvimento econômico nacional.

Ainda que seja um crítico do desenvolvimentismo, na sua retórica há muito de transformismo e

ressemantificação, como veremos mais a frente, num suposto combate ao neoliberalismo. Porém,

sua crítica à nova direita neoliberal “temperada por certo pragmatismo” (BRESSER PEREIRA,

1991, p.5) parece não ter impregnado suas supostas propostas “social-liberais de centro”

(BEHRING, 2003, p.174).

Bresser Pereira se reivindica um teórico social-liberal que defende um Estado

intermediário – nem liberal nem intervencionista cuja existência é condicionada à privatização e

à liberalização comercial (BEHRING, 2003, p.175). Montaño (2008) afirma, porém, que no

Brasil a década de 1990 não foi marcada por uma “terceira via” mais light pós hegemonia

neoliberal na década de 1980, como os países centrais, mas, ao inverso, pela hegemonia

neoliberal mais explícita substituindo o período mais social-democrata anterior

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Lima (2007, p.58) analisa essa “nova” perspectiva do neoliberalismo caracterizada por

ela como “um processo de ideologização maciça sobre a possibilidade de um capitalismo

humanizado ou reformado, um projeto político ora identificado como terceira via, ora como nova

social-democracia, nova esquerda, centro-esquerda, social-democracia modernizadora ou

governança progressista.” A autora identifica os pressupostos teóricos e a ação política da

terceira via sobretudo no governo Lula mas como podemos ver no discurso de Bresser Pereira

essa pseudo-crítica ao neoliberalismo está presente desde o governo Cardoso que esteve,

inclusive, nas três primeiras reuniões da Cúpula da Governança Progressista em 1999, 2000 e

200241. Essa perspectiva, baseada no pensamento de Giddens, objetiva a formação de uma nova

sociabilidade fundada na igualdade de oportunidades e na solidariedade social, tendo, portanto, a

educação grande destaque como meio para a coesão social. Ainda segundo Lima (2007, p.60), a

Terceira Via realiza quatro movimentos bastante adequados ao pensamento liberal: nega o

homem como sujeito político, atomizando-o e esvaziando seu conteúdo de classe; naturaliza o

capitalismo colocando sua humanização como único horizonte político possível; utiliza o fim do

socialismo real como justificativa para a inviabilidade do fim da divisão entre classes e da

transição para outro projeto de sociabilidade diferente do capitalismo; recupera os elementos

centrais da crítica neoliberal ao Estado de Bem-Estar como a tendência a burocratização, o

excesso de gastos e a suposta passivização dos indivíduos.

A “reforma” do Estado, elaborada, e inicialmente implementada no governo Cardoso,

acompanha esses pressupostos. Está sistematizada no documento “Plano Diretor da Reforma do

Aparelho do Estado”, elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do

Estado, capitaneado por Bresser Pereira, e aprovado pela Câmara da Reforma do Estado42 em

1995 e posteriormente pelo governo da República.

No documento, mantém-se o diagnóstico de que a crise da década de 1980 é uma crise do

Estado que no período anterior desviou-se de suas funções para atuar no setor produtivo, razão

da crise fiscal e da deterioração dos serviços públicos. O aparelho do Estado seria composto,

41 Para os autores do Coletivo de Estudos de Política Educacional, grupo de pesquisa CNPq/ Fiocruz, o “neoliberalismo de terceira via” se inicia com a vitória do governo Cardoso em 1994 (NEVES E PRONKO, 2008, p.54). 42 A Câmara da Reforma do Estado era composta por: Clóvis Carvalho - Chefe da Casa Civil, Bresser Pereira, Paulo Paiva - Ministro do Trabalho, Pedro Malan – Ministro da Fazenda, General Benedito Onofre Bezerra Leonel – Ministro Chefe das Forças Armadas e José Serra – Ministro do Planejamento e posteriormente candidato do governo derrotado na sucessão de Cardoso em 2002.

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dentro da sua lógica, por quatro setores. O primeiro o núcleo estratégico onde estão o poder

executivo strictu sensu, o poder legislativo, judiciário e o Ministério Público.

O segundo, o setor de atividades exclusivas onde o Estado exerce seu poder de

“regulamentar, fiscalizar e fomentar” tendo como exemplo: a cobrança de impostos, a polícia, o

serviço de trânsito, emissão de passaportes. Ao lado desses, três exemplos que envolvem

políticas sociais, tendo como característica a restrição ao básico e a limitação no papel de

execução, qual sejam: previdência social básica, compra de serviços de saúde pelo Estado,

subsídio à educação básica, seguro desemprego.

O terceiro setor é de serviços não-exclusivos. Estes se caracterizam por um setor onde o

Estado atua ao lado das “organizações públicas não-estatais e privadas”. Esse setor seria

idealmente ocupado por propriedades públicas não-estatais, que se tratariam de organizações

sem fins lucrativos que, segundo o documento, apesar de não exercerem o poder de Estado

estariam diretamente orientadas para o interesse público. A presença do Estado só se justifica

porque envolvem a garantia de direitos humanos fundamentais e ganhos sociais que não podem

ter retorno direto ao mercado, mas representam muito para a sociedade. Nesse setor estão

colocadas as universidades, os hospitais e os centros de pesquisa.

O quarto e último setor é a área de atuação das empresas que “ainda permanecem no

aparelho do Estado” como infraestrutura. Essas atividades só estão no âmbito estatal ou por falta

de investimentos privados para supri-las ou por sua natureza monopolística. Nesse caso o

documento adverte que a privatização precisa ser acompanhada de regulamentação rígida.

Enquanto para o setor de produção para o mercado o caminho traçado é o da privatização,

nos serviços não-exclusivos o documento propunha um processo de “publicização”, o que

transformaria as fundações e organizações públicas então existentes em entidades de direito

privado, passando a ter sua dotação orçamentária atrelada à celebração de contratos de gestão

com o Estado. Como conseqüência os serviços teriam maior autonomia, o controle social seria

exercido por conselhos de administração e a sociedade participaria do seu financiamento por

meios “da compra de serviços e doações”. O objetivo seria o aumento da eficiência e da

qualidade dos serviços a um custo menor.

A suposta publicização significa exatamente seu oposto. Na verdade um processo de

privatização que autonomizaria a gestão e prestação de serviços sociais do âmbito dos

mecanismos de controle democrático possibilitando contratação temporária, inexistência de

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concursos públicos, inexistência de licitações públicas, de controle social democrático sobre

gastos e recursos e de garantia da continuidade dos serviços entre outras coisas. Uma estratégia

que orienta-se numa perspectiva “desuniversalizante, contributivista e não constitutiva de direito

das políticas sociais” (MONTAÑO, 2008, .p46).

Em curto prazo, o objetivo traçado pelo documento era a elaboração e aprovação de uma

lei que transformasse as organizações executoras dos ditos “serviços não-exclusivos” do Estado

em organizações sociais43. O objetivo é retirar desse setor o poder de Estado partindo do

pressuposto de que serão mais eficientes se financiados pelo Estado e geridos de forma “pública

não-estatal”. Seu financiamento é estatal, mas pode, e deve, ser complementado através de

prestação de serviços, doações e etc onde “se busca uma maior parceria com a sociedade que

deverá financiar uma parte menor, mas significativa, dos custos dos serviços prestados” (1995,

p.60). Essa parceria, um dos conceitos chave da “publicização” segundo Montaño (2008, p.47),

significa, na prática, uma desresponsabilização do Estado das políticas sociais, transferindo-as

para o setor privado seja para fins privados, isto é, visando lucro, seja para fins públicos44.

Os objetivos do país envolveriam, portanto, um novo modelo de desenvolvimento e uma

reforma administrativa do Estado pautada por “fortalecimento de sua ação reguladora” voltada

não para os meios e processos mas para a eficiência dos resultados, o que o documento chama de

administração gerencial. Para Behring (2003), no entanto, a reforma administrativa é apenas um

elemento desse processo. O Plano Diretor é muito mais amplo, revê o conceito de Estado e

refunda a relação Estado-sociedade.

Seus objetivos “inadiáveis” eram: o ajustamento fiscal, reformas econômicas orientadas

para o mercado garantindo concorrência interna e condições de competição internacional, 43 “Entende-se por ‘organizações sociais’ as entidades de direito privado que, por iniciativa do Poder Executivo,obtêm autorização legislativa para celebrar contratos de gestão com esse poder, e assim ter direito à dotação orçamentária” (BRASIL,1995, p. 60) 44 Montaño (2008) critica os teóricos e defensores da perspectiva do “terceiro setor”, “um novo setor público porém privado” por dividirem a sociedade em três setores compartimentalizados, desmontando a relação dialética existente entre a sociedade civil, Estado e mercado. A própria noção de sociedade civil é emprestada por esses autores de Gramsci, porém numa leitura liberal que tira da sociedade civil um inerente caráter classista, permeado por conflitos e disputas de interesse. O próprio conceito de “terceiro setor” tem para o autor inúmeras debilidades teóricas, quais sejam: o terceiro setor seria na verdade o primeiro, pois é a sociedade civil é anterior ao Estado; não há definição sobre quais são as entidades que o compõem tornando-se um conceito que reúne em si múltiplas organizações de finalidades diferentes e até opostas. Em suma, “[...] Mais do que uma categoria ontologicamente constatável na realidade, representa um constructo ideal que, antes de esclarecer sobre um ‘setor’ da sociedade, mescla diversos sujeitos com aparentes igualdades nas atividades, porém, com interesses, espaços e significados sociais diversos, contrários e até contraditórios”(MONTAÑO,2008, p.57).

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reforma da Previdência Social, inovação nas políticas sociais visando aumentar sua abrangência

e qualidade, reforma do aparelho do Estado com o objetivo de aumentar sua eficiência na

implementação de políticas públicas.

Foi cumprindo esses objetivos que durante os dois mandatos do governo Cardoso, no

decorrer de oito anos, a política econômica brasileira passou definitivamente a se subordinar aos

ditames neoliberais respondendo aos interesses dos credores internacionais e do capital

financeiro em geral (MARQUES, 2010, p.7). O governo efetivamente promoveu estabilização

monetária, aprofundou a abertura comercial e financeira, acelerou o processo de privatização das

estatais, avançou na desregulamentação do mercado de trabalho, reformou a Previdência Social e

desmontou o aparelho de Estado comprometido com o desenvolvimento (NAKATANI ;

OLIVEIRA, 2010, p.27).

A sobrevalorização do câmbio e a excessiva abertura comercial, com a consequente

necessidade de altos juros para atrair capitais – especulativos, todavia - inauguraram uma política

econômica onde o crescimento da produção e da demanda ao invés de metas passaram a ser

encarados como obstáculos à estabilização (BEHRING, 2003, p.158). Os juros altos, por sua vez,

associados a sucessivos déficits na balança comercial brasileira ampliaram significativamente a

dívida pública “o que transformou a economia brasileira em uma economia de ‘endividamento’”

(NAKATANI ; OLIVEIRA, 2010, p.30) aprofundando a vulnerabilidade interna e externa do

país. Também fez migrar os capitais dos investimentos produtivos para o mercado financeiro

ampliando o desemprego e minando o crescimento econômico.

No segundo governo de Cardoso a política de sobrevalorização do câmbio se esgota, e a crise

de saída de capitais em 1998/9945, que teve como estopim uma crise internacional do capital,

leva o governo a adotar uma taxa de câmbio flutuante. Essa mudança, entretanto não diminuiu a

vulnerabilidade externa nem interrompeu o agravamento do déficit público, dada a manutenção

de exorbitantes taxas de juros. Esse endividamento levou o governo a busca de superávits

primários, conforme a imposição do acordo com o FMI, redução de investimentos e mais

ataques às políticas sociais. Para garantir os superávits a política econômica apoiou-se em dois 45 O governo tentou estimular a entrada de capitais, no início da crise em agosto de 1999, aumentando a taxa básica de juros de 29,75% para 49,75% anunciando, ainda, um novo ajuste fiscal e aumento de receita tributária. No entanto o governo continuou a perder suas reservas e a acumular déficits. Em dezembro de 1998, após a vitória eleitoral de Cardoso que garantia seu segundo mandato, o governo faz um empréstimo de 41,5 bilhões de dólares ao FMI e outros organismos internacionais. Em troca promete a manutenção de superávits primários de 3,5% do PIB (NAKATANI;e OLIVEIRA, 2010, p.32).

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instrumentos: a elevação da carga tributária e o corte de despesas discricionárias, principalmente

de investimento (NAKATANI ; OLIVEIRA, 2010, p.35).

Em relação ao aumento da carga tributária, Salvador (2007) defende que durante o governo

Cardoso esteve em curso uma verdadeira contra-reforma tributária. No que tange ao imposto de

renda, o tributo mais potencialmente progressivo dentro da estrutura tributária extremamente

regressiva do país, o congelamento da tabela entre 1996 e 2001 associado à redução de treze para

duas faixas de contribuição, significaram uma ampliação enorme dos trabalhadores descontados

na fonte além de perda de progressividade. Se em 1995 a isenção era para até 10,48 mínimos,

em 2005 passou a ser para até 3,9 mínimos. A alíquota mínima triplicou de 5% para 15%

enquanto a máxima foi reduzida pela metade, de 60% para 27,5%. Além dessas medidas, em

relação ao imposto de renda, houve mudanças na legislação da Contribuição Social para o

Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e do PIS e medidas de desoneração do capital

como isenção de imposto de renda para remessas ao exterior e redução a zero de alíquotas de

imposto de renda e CPMF para investidores estrangeiros no Brasil. Tudo isso aumentou a

arrecadação de impostos em 101,62% no país entre 1996 e 2005, mas com aumento da

regressividade, ou seja, fazendo recair ainda mais os impostos sobre os trabalhadores46.

Do lado dos gastos, a partir do acordo com o FMI em 1999, as metas de superávit fixadas

levaram a contenção em todas as áreas, menos no pagamento dos serviços da dívida e de pessoal.

Em 2000 o superávit primário alcançado foi de 3,45% do Produto Interno Bruto (PIB), mais que

a meta do FMI que era de 2,5%, penalizando os investimentos produtivos e a área social,

exatamente aqueles setores que deveriam ser beneficiados pelo ajuste e pela “reforma” do

Estado. Para tanto medidas como o Fundo Social de Emergências (1994), o Fundo de

Estabilização Fiscal (1997) e por fim a Desvinculação das Receitas da União (DRU)47 foram

fundamentais, pois retiraram recursos da área social de forma “indireta e escamoteada” que

deveriam constitucionalmente estar a elas vinculados (BEHRING, 2000).

46 A incidência de tributos indiretos sobre bens e serviços saiu de 17,2% do PIB em 1996 para 20,8% do PIB em 2005. O aumento da regressividade na estrutura tributária associado a desonerações ao capital através de isenções fiscais fez com que os trabalhadores pagassem entre 1999 e 2005 quase cinco vezes mais impostos que o setor financeiro da economia. (SALVADOR, 2007) 47 A DRU garante que 20% das receitas vinculadas a Seguridade Social e à educação passem a ficar a disposição do governo para outros gastos. A medida foi mantida durante do governo Lula e apenas em 2009 a educação deixou de ser penalizada por esse mecanismo que, entretanto, continua em curso nas políticas da Seguridade.

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Além dos golpes dados ao seu financiamento público, para as políticas sociais o ambiente

ideológico individualista associado à fragmentação das organizações da classe trabalhadora e as

necessidades do capital de privatizar setores anteriormente públicos como a saúde e a educação,

que passam a ser espaços de valorização, levam a uma tendência geral de perda de direitos,

reduzindo sua amplitude e alterando o seu caráter. O trinômio do ideário neoliberal para as

políticas sociais é, segundo Behring (2003) privatização, focalização e descentralização, sendo

este último o mero repasse de responsabilidades para outros entes da federação ou para o

chamado setor público não-estatal, no melhor espírito da publicização bresseriana. A

privatização, por sua vez, abriu espaços para o capital, sobretudo o capital nacional que havia

perdido espaços com a liberalização comercial, sendo a educação superior um dos principais

exemplos disso no período. Já a focalização passa a reduzir a política social a programas para

pobres e indigentes, perspectiva recomendada pelos organismos internacionais.

Vianna (2001) evidencia três mitos ideológicos que têm justificado o desmonte das

políticas sociais no neoliberalismo. O primeiro é o mito tecnicista que despolitiza o debate

transformando-o em decisões meramente técnicas de tratamento burocrático, sem participação da

sociedade. Com isso as decisões do Estado tornam-se aparentemente neutras. Ainda que exista

um elemento técnico na discussão das políticas sociais “o ambiente político não é uma variável

interveniente, externa; está imbricado ao processo decisório e o condiciona” (VIANNA, 2001,

p.180).

O segundo mito é o naturalista, no bojo da naturalização dos processos sociais. A

derrocada das políticas sociais passa a ser, portanto, parte das inevitáveis transformações

econômicas atuais. Essa visão também se nutre da redução do espaço da política em benefício da

técnica. Não há nada, porém, de natural nas medidas tomadas, o que se comprova na comparação

entre diversos países que interpretam de forma diferenciada as razões da crise atual e atuam

também de forma diferenciada, o que é característica da política.

O terceiro mito é o maniqueísta que passa a transformar os modelos de política social em

mutuamente excludentes. Um exemplo disso é o sistema previdenciário por capitalização ou

repartição. A superioridade de um sistema sobre outro, interpretação que tem raízes obviamente

políticas passa a ser apresentada como natural e, deste modo, inquestionável e, mais uma vez,

técnico.

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Todos esses mitos apresentados por Vianna (2001) convergem para uma compreensão de

caminho único, consonante com o princípio neoliberal da TINA (there’s no alternative)48, onde

não existem opções políticas mas inevitabilidades técnicas, um discurso de cunho ideológico mas

largamente hegemônico atualmente.

A política econômica aplicada, associada às reformas estruturais deste período

conformam o que Behring (2003) caracterizou como um contra-reforma, isto é, uma “opção que

implicou, por exemplo, uma forte destruição dos avanços, mesmo que limitados, sobretudo se

vistos da ótica do trabalho, dos processos de modernização conservadora que marcaram a

história do Brasil” (BEHRING, 2003, p.198). Ou seja, ao contrário de outros períodos históricos

onde, apesar da condução conservadora, a modernização deu saltos a frente, no governo Cardoso

o componente destrutivo e anti-nacional fez retroceder as parcas conquistas e avanços anteriores.

A principal incongruência desse modelo, apontada pela autora, é a relação entre o discurso da

reforma e a política econômica. Ao mesmo tempo em que se afirma a necessidade de

refuncionalizar o Estado para aumentar sua eficiência e reduzir custos, a política econômica

adotada faz escoar monumentais somas de recursos para pagamento de juros e amortizações da

dívida pública.

Outra contradição foi a privatização das empresas públicas no Brasil. Anunciado como meio

para sanar as contas públicas e combater a crise fiscal, a privatização significou entrega de

patrimônio nacional para o capital estrangeiro, desemprego e desequilíbrio da balança comercial

(BEHRING, 2003, p.201).

Essa aparente incongruência entre o discurso da reforma e a política econômica, contudo, é

apenas aparência: “a prática da ‘reforma’ é perfeitamente compatível com a política econômica,

o que reforça a idéia de que seu discurso é pura ideologia e mistificação, no sentido de falsa

consciência, num explícito cinismo intencional de classe” (BEHRING, 2003, p.202). Assim

como o projeto neoliberal no mundo desenvolvido, a burguesia brasileira também se inseriu

durante o governo Cardoso, sobretudo, na dinâmica mundial marcada por um neoliberalismo

pragmático a serviço da retomada dos lucros e do poder da classe dominante que volta à

ofensiva. O que fica claro, na prática, é que o chamado ajuste fiscal não significou um redução

de gastos do Estado mas uma reorientação desses gastos a favor do capital financeiro.

48 Sobre isso ver Nakatani e Oliveira (2010) e Paulani (2008).

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Ferreira (2010), em interessante trabalho sobre a execução orçamentária da União49 entre

1990 e 2007, aponta como traços do período a priorização dos compromissos financeiros com os

serviços e amortizações da dívida pública, levando à crescente financeirização da economia e à

redução do papel do Estado como fomentador do crescimento econômico, com o forte marco da

redução de gastos em investimento e da política fiscal vinculada aos interesses financeiros e não

em prol do crescimento.

Para referendar sua hipótese, Ferreira (2010) levanta dados50 agrupados por grupo de despesa

e por função. Em relação aos grupos de despesa, os dados apontam para uma queda em gastos de

capital de 25,5% em 1994 para 11% em 2007, o que representa nominalmente uma passagem de

185,6 bilhões para 104,4 bilhões. Dentro desse grupo, os responsáveis fundamentais pela

redução foram os gastos com investimentos que caíram de 1,56% de participação em 1990 para

0,9% em 2007. Apenas em 1991, com a moratória do pagamento da dívida implementada pelo

governo Collor, houve um gasto maior com investimentos em relação aos juros chegando a

marca de 4,32% na participação total. Entretanto, desde 1990 incluindo 1991, como exceção, os

gastos com investimentos são extremamente baixos comparados aos padrões de décadas

anteriores. Em 1982, por exemplo, Ferreira (2010, p.64) encontra 16,02% de gastos de

investimento no orçamento total, o quádruplo de 1991, considerado ano excepcional na década

de 1990.

O grupo de “Pessoal e Encargos Sociais” apesar de passar por oscilações manteve-se ao final

em patamar similar na casa dos 10%. As transferências para Estados e municípios e os benefícios

previdenciários elevaram-se principalmente em função das mudanças decorrentes da

Constituição de 1988. As “Demais Despesas Correntes”, que representam gastos de consumo no

custeio do governo e pagamento de terceirizados tiveram uma queda na sua participação no

orçamento de 11% em 1990 para 7,4% em 2007.

Por outro lado, a maior parte da elevação da execução orçamentária ocorreu pelo aumento da

“Amortização da Dívida – Refinanciamento” que passou de 178 bilhões de reais em 1994 para 49 Para Ferreira (2010, p.53) “[...] a execução do orçamento é uma representação acabada das prioridades existentes nas ações do Estado e como isso pode revelar as mudanças que afetaram a atuação de tal instituição ao longo das últimas décadas”, tese que coadunamos. 50 A fonte dos dados é o banco da Secretaria do Tesouro Nacional e foram deflacionados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI) para valores de março de 2008. Os dados vão até 2007, já no segundo mandato de Lula da Silva e, apesar de estarmos tratando do governo Cardoso, já corroboram para a tese de continuidade entre ambos que trataremos mais a frente.

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576 bilhões de reais em 2005, uma elevação de 223%, resultando num aumento dessa rubrica de

24,5% em 1994 para 45,16% em 2005 e 32,2% em 2007 na sua participação no orçamento. Isto é

“o comprometimento do Estado com a dívida manteve-se elevado, sem que o pagamento de juros

e amortizações permitisse reduzir o montante destinado para o refinanciamento da dívida”

(FERREIRA, 2010, p.59). Mesmo com tudo isso, o pagamento de juros também se elevou nesse

período passando de uma participação de 4,14% no orçamento em 1990 para 12,02% em 2007.

No total, o peso dos encargos financeiros da União (soma de juros e encargos da dívida

mais amortização e refinanciamento) representou 50,2% do total de gastos em 1994, chegando a

ultrapassar 60% em 2000 e 2003, só apresentando uma redução para 52,5% em 2007, graças a

uma queda nos gastos com refinanciamento.

Em relação às funções, o que a autora observou foi uma redução significativa na função

de “Administração” que se explica dada a separação dos “Encargos Especiais” referentes à

dívida que antes a compunham. Nas funções ligadas a administração – executivo, legislativo,

judiciário - há certa manutenção nos patamares de participação dos gastos. Já as despesas

referentes à Segurança Pública reduziram sua participação de 2,23% em 1990 para 1,83% em

2007.

Na política de saúde observou-se um significativo aumento absoluto de gastos, passando

de 8,9 bilhões em 1990 para 49 bilhões em 1997, valores que têm permanecido estáveis desde

então. Sua participação no orçamento, no entanto, depois de ter aumentado com a Constituição

de 1988 e suas regulamentações de 0,78% em 1990 para 5,5% a 6% entre 1991 e 1997, voltaram

a se retrair chegando a 3,4% em 2007. Isso porque o aumento da arrecadação não tem sido

repassado para essa política. No campo, ainda, da Seguridade Social, a Previdência e Assistência

elevaram sua participação após a Constituição de 11,5% em 1990 para 19% em 1991 chegando a

22,19% em 1996 caindo a partir de então, só retomando este patamar em 200751.

Na função educação, a mais importante na presente análise, observa-se também um

declínio. A autora o atribui, na relação com a década de 1980, sobretudo às mudanças

constitucionais que modificaram as competências dos entes federativos para cada nível de 51 Ferreira (2010), porém, ao agrupar os dados das duas políticas deixa passar o crescimento da assistência dentro da Seguridade Social nos últimos anos, com a priorização de políticas de transferência de renda associadas a perda de direitos previdenciários e ampliação da informalização do trabalho, o que alguns autores têm chamado de assistencialização da política social. Para aprofundar esse debate consultar Mota (2008).

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ensino, passando a União a ser responsável obrigatória apenas pela educação superior. Assim, a

participação da função educação no orçamento total sai do patamar de 13,14% em 1987

chegando na década de 1990 ao máximo de 4,15% em 1991, que como já mencionado foi um

ano excepcional, mantendo-se abaixo de 2% a partir de 2000, uma participação bastante baixa.

Nas funções que a autora chama de infraestruturais, já que propulsoras do crescimento e

do desenvolvimento nacional, como Habitação, Agricultura, Transporte, Energia Elétrica,

Comércio, Indústria e Desenvolvimento Regional nota-se uma redução da participação no

orçamento em todos os casos. Atenta, ainda, para a redução significativa nos gastos com

Transporte, Energia e Comunicações mesmo antes de serem privatizados, o que teve o

sucateamento de suas estruturas como conseqüência, induzindo a ineficiência e a privatização.

Assim como no estudo pautado pelos grupos de despesa, é a função “Encargos Especiais”

relacionada ao pagamento da dívida pública a que mais tem crescido proporcionalmente ao

orçamento e a que tem maior participação passando de 21,7% em 2000 para 34,2% em 2006 e

31,94% em 2007.

A conclusão, destarte, trazida pelo estudo de Ferreira (2010) é que, a partir da década de

1990, num padrão que segue posteriormente ao governo Cardoso, há, de fato, uma mudança no

padrão desenvolvimentista do Estado, que passa a sacrificar os gastos com investimentos em

benefício do mercado financeiro. Tudo isso, porém, sem reduzir o ônus da dívida pública no

orçamento, um dos elementos importantes apontados por Bresser Pereira no diagnóstico da crise

fiscal, que, apesar dos sucessivos superávits primários, tem aumentado sua relação com o PIB.

O que se tem, na realidade, é que o Estado retraiu sua função como propulsor do crescimento econômico – o que realizava principalmente mediante investimentos – e manteve sua participação ativa como “garantidor” da preservação de interesses financeiros e rentistas. A forma como os pagamentos dos juros e encargos da dívida, assim como sua amortização, se sobressaem nos dispêndios do governo é evidência disso (FERREIRA, 2010, p.72).

Todos esses elementos referendam a tese de que o ajuste fiscal proposto na década de

1990, que se transformou na única alternativa “técnica” para o enfrentamento da crise da década

de 1980, foi uma falácia. A maior parte de sua argumentação é meramente ideológica, a serviço

da transferência do fundo público para o capital, revertendo um padrão anterior de maior

participação das políticas sociais e de investimentos produtivos no orçamento público, situação

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que ocorreu mesmo em países como o Brasil onde um Estado de Bem Estar nunca de fato se

efetivou.

Não foi, porém, sem a resistência de setores organizados da classe trabalhadora brasileira

que as propostas neoliberais de Cardoso foram implementadas. Essa resistência, que contava

com a oposição do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo, apesar de insuficiente para, por

exemplo, impedir as privatizações, impediu que algumas contra-reformas estruturais, onde se

inclui a contra-reforma universitária, fossem implementadas na totalidade de sua proposta. Da

mesma forma o governo não conseguiu transformar hospitais, universidades e demais órgãos

públicos em organizações sociais, apesar do fortalecimento do papel Organizações não

governamentais (ONGs), Fundações e demais organizações do terceiro setor na execução de

políticas sociais nesse período, como veremos adiante.

2.3 O governo Lula da Silva: continuidade ou ruptura?

Infelizmente, quando se avança às cegas pelos pantanosos terrenos da realpolitik, quando o pragmatismo toma conta da batuta e dirige o concerto sem atender ao que está escrito na pauta, o mais certo é que a lógica imperativa do aviltamento venha a demonstrar, afinal, que ainda havia uns quantos degraus para descer (SARAMAGO, 2005, p.59).

Depois de três eleições perdidas (em 1989, 1994 e 1998), na eleição presidencial de 2002,

Lula da Silva, ex-metalúrgico e símbolo do PT, sagrou-se Presidente da República. Sua vitória

pode ser atribuída em larga medida ao sentimento oposicionista de grande parte da população às

medidas regressivas, de retirada de direitos, implementadas pelo governo de Cardoso no período

anterior, associadas aos reflexos da crise econômica que atravessou seu segundo mandato. Seria

a expressão, no Brasil, de um avanço da esquerda na América Latina, resposta a crise do

neoliberalismo, que provocou aumento das desigualdades, redução do crescimento e crises

econômicas em toda região, sendo uma das mais agudas a que ocorreu na Argentina em 2001. A

partir desse momento “o posicionamento com respeito às reformas neoliberais tornou-se

obrigatório para qualquer perspectiva que se proponha alternativa na região” tendo “a própria

ortodoxia necessidade de reformular suas idéias – sem alteração do conteúdo- em virtude do

fracasso das reformas neoliberais” (CARCANHOLO, 2010, p.122).

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Mesmo representando um sentimento anti-neoliberal, ainda na campanha eleitoral, Lula

da Silva fez questão de desmentir que seu governo fosse representar ruptura com a política do

governo anterior. O episódio mais importante foi a divulgação da “Carta ao Povo Brasileiro”. O

documento respondia à preocupação do capital com uma possível mudança de rumo, que poderia

ser implementada por Lula. Ainda que falasse muitas vezes de mudança e justiça social, eram os

credores, empresários e proprietários em geral seu público alvo. No meio das promessas, comuns

a qualquer candidato ou governo, de crescimento econômico e melhoria na distribuição de

renda, afirmava-se: “o respeito aos contratos e obrigações do país”, a compreensão de que “a

margem de manobra da política econômica no curto prazo é pequena”, o compromisso de

“preservar o superávit primário o quanto for necessário”, realizar reformas tributária,

previdenciária e trabalhista “desonerando a produção”, além de “valorizar o agronegócio”. Ou

seja, o documento tranqüilizava o capital de que os principais alicerces do governo Cardoso

seriam garantidos e que qualquer defesa do socialismo ficaria para os dias de festa. Somou-se a

isso a aliança com partidos de centro-direita e a aproximação com setores das elites tradicionais

como José Sarney e Antônio Carlos Magalhães, caracterizando um governo policlassista desde

sua origem.

Mesmo assim, durante algum tempo setores do governo e do PT mais progressistas

atribuíam o continuísmo do governo a um período de transição necessário para a superação da

“herança maldita” deixada pelo governo Cardoso. Outra tese defendia a necessidade de “disputar

os rumos do governo” com os setores mais retrógrados que compunham sua coalizão.

Paulani (2008), assim como tantos outros autores, sustenta que a política de Lula desde o

início do seu governo tem “uma inclinação inequivocamente liberal” e afirma existirem dois elos

argumentativos que sustentam a política neoliberal no governo Lula. O primeiro é a idéia, já

debatida neste trabalho, de que não existem alternativas na política econômica e que as escolhas

são fundamentadas em critérios técnicos e não políticos ou ideológicos. O neoliberalismo, ainda

que com outros nomes, nesses marcos, é inevitável e não uma opção do governo.

O segundo elo argumentativo é a idéia da necessidade de retomar a “credibilidade” do

país. Esse argumento, segundo Paulani, sugere que recuperada a credibilidade abre-se espaço

para a alteração da política. Porém não é o que acontece já que “uma vez conquistada, a

‘credibilidade’ cobra um preço alto pela fidelidade: a manutenção de todos os mimos que

permitiram sua conquista [...]” ( PAULANI, 2008, 18).

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Dessa forma a política neoliberal, semelhante a do governo Cardoso, implementada pelo

governo Lula estava longe de ser uma política de transição. Era, isso sim, o modelo adotado,

onde o crescimento econômico e a redução do desemprego seriam o permitido, dentro desses

limites. “Em poucas palavras, se for possível obter também esses resultados, por pífios que

sejam, ótimo. Se não...paciência. Mas, sendo assim, de que serve a tão buscada credibilidade?”

(Paulani, 2008, p. 18).

A resposta que a autora dá a sua própria pergunta é que a “credibilidade”, em nome da

qual são exigidos severos sacrifícios aos trabalhadores, na prática é necessária não para manter a

estabilidade e sustentabilidade do crescimento, mas sim a vulnerabilidade do país.

Vulnerabilidade necessária, por sua vez, para valorizar os capitais especulativos que dominam o

processo de acumulação.

Boito (2005) apresenta uma análise da política econômica do governo Lula com algumas

inflexões. Para o autor, o governo constrói uma “nova versão do modelo capitalista neoliberal”

que apresenta mudanças que não alteram a condição de dependência do país e as condições de

vida da classe trabalhadora, mas dão “um novo fôlego político a esse modelo anti-nacional e

anti-popular de capitalismo”, o que Lima (2004, p.29) vai chamar de “neoliberalismo

requentado”.

Para Boito o modelo implementado por Lula aproxima-se do adotado no segundo

governo Cardoso, aprofundando-o. Trata-se de uma política de estímulo à exportação mantendo

uma balança comercial favorável, que teve que ser seguida por Cardoso após a crise de 1999.

Essa medida agradou a burguesia interna que reivindicava tais medidas desde o governo anterior.

Boito atenta, entretanto, para dois fatos importantes: essa inflexão não rompe a

hegemonia do capital financeiro nem torna a política externa brasileira progressista, como

apontam alguns analistas do governo.

O primeiro fato ocorre, pois o estímulo à produção se dá na exata medida dos interesses

do capital financeiro. Ao estimular a exportação ao invés do crescimento do mercado interno, o

governo garante a captação de dólares que, por sua vez, são direcionados não para investimentos

nem para estimular mais ainda a produção, mas para o pagamento de juros da dívida. Para se

assegurar disso o governo mantém elevados superávits primários e juros.

O segundo fato se dá, pois, apesar de uma política externa voltada para a ampliação dos

mercados para produtos brasileiros, o governo limita-se a reivindicar no plano internacional o

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direito liberal ao livre comércio, lutando contra políticas protecionistas de países centrais. Com

isso abdica de lutar por regras comerciais que protejam os produtos de países periféricos ou de

lutar por uma melhoria na posição brasileira dentro da divisão internacional do trabalho.

Contenta-se em se manter exportador de matérias primas e produtos industriais de baixa

densidade tecnológica, perpetuando as trocas desiguais que mantêm o país em condição de

dependência e atraso em relação aos países centrais.

Outros autores vão caracterizar o governo Lula dentro do espectro teórico e político do

novo-desenvolvimentismo52, ao lado dos Kirchner na Argentina, de Bachelet no Chile e Vasquéz

no Uruguai, que seria uma espécie de terceira via latino americana.

Katz (2010) afirma que a perspectiva novo-desenvolvimentista retoma a idéia de

oposição entre setores da burguesia financeira e da burguesia produtiva, devendo estabelecer

uma política que favoreça os últimos. Essa distinção entre “um capitalismo benfazejo, do bem-

estar” e um “capitalismo malfazejo e neoliberal”, como afirma Fontes (2010), nega a relação de

continuidade entre eles e a relação íntima entre capital industrial, bancário, comercial e fictício,

típico do período do imperialismo. Ainda assim, “Lula um líder natural do pelotão novo-

desenvolvimentista, mostrou (...) maior afinidade com o capital financeiro do que com os setores

industriais” (KATZ, 2010, p65).

Para Prado e Meirelles (2010) essa volta ao passado do novo-desenvolvimentismo, ao

contrário do desenvolvimentismo original, limita-se à análise econômica tradicional, não

retomando grandes questões políticas e sociais colocadas por seus predecessores. Ficando no

meio caminho entre a crítica ao neoliberalismo e ao arcaísmo da esquerda socialista, o novo-

desenvolvimentismo é, sobretudo, uma corrente ideológica que não rompe com a lógica central

do neoliberalismo e retoma a “ilusão do desenvolvimento” (PRADO ; MEIRELLES, 2010,

p.186) dentro de uma realidade capitalista e heterônoma. Reacende, com isso, as antigas

perspectivas etapistas53 de parte da esquerda latino-americana, que mais uma vez vai defender a

inevitabilidade de etapas anteriores à ruptura com o capitalismo para o combate dois “inimigos

52 Para aprofundar esse debate consultar os textos do livro organizado por Castelo (2010). 53 A origem da tese da revolução por etapas encontra-se nas elaborações dos Partidos Comunistas no período estalinista, que defendiam que os países do terceiro mundo encontravam-se em estágios feudais ou semi-feudais necessitando, portanto, de uma etapa capitalista. Para isso seria necessário uma aliança dos trabalhadores com a burguesia industrial para implementar a fase da revolução burguesa, anterior a da revolução socialista.

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principais”: a direita oligárquica e a especulação financeira (KATZ, 2010, p.64). Para Katz

(2010, p.75): A postulação de que o socialismo pode ser iniciado em um período contemporâneo conduz à defesa, sem dissimulações da identidade socialista. Por outro lado, o favorecimento de uma etapa novo-desenvolvimentista induz à hesitação na luta contra o capitalismo.

Mas, apesar da política continuísta neoliberal, os indicadores econômicos e sociais

demonstraram alguns avanços no governo Lula. A que se devem esses avanços?

Na área econômica o governo pode contar com um cenário internacional favorável desde

2004. Durante o primeiro mandato de Lula a economia mundial cresceu em média 5% ao ano, o

que possibilitou ao país o crescimento de 3,4% do PIB ao ano em média nesse período, chegando

a 5,7% em 2004, maior alta desde 1994, primeiro ano do Plano Real. O governo também

manteve o saldo da balança comercial positivo, o que vinha ocorrendo desde 2001 com as

políticas de incentivo à exportação e se beneficiou ainda mais do aumento do preço de

commodities no mercado internacional observado entre 2003 e 2006. Esse período favorável só

pode ser aproveitado pelo governo, porém, a partir de 2005 na recomposição de suas reservas

internacionais, quando conseguiu saldar a maior parte de sua dívida com o FMI. Esses ventos

favoráveis internacionais só se modificam a partir de 2008. A crise econômica mundial que

começa a ser sentida nos países centrais fez cair o preço das commodities reduzindo os superávits

na balança e tornando o saldo da conta corrente deficitário em 2008 (NAKATANI ; OLIVEIRA,

2010). Apesar do otimismo de que a crise não aportará por aqui permanecer no país, Sampaio Jr.

(2010, p.48) defende que o hiato de tempo entre o impacto da crise nos países centrais e

periféricos se deve ao diferente encadeamento da relação crédito-gasto-renda, onde na periferia

“os efeitos multiplicadores da renda das exportações, ao ampliar o mercado interno, dão uma

sobrevida ao crescimento econômico”. Para o autor, analisando a América Latina (SAMPAIO

JR., 2010, p.52), a crise mundial do capitalismo tende a ampliar a dependência dos países,

retraindo o crescimento econômico:

Elo mais fraco do sistema capitalista mundial e zona de influência dos Estados Unidos a região será duramente pressionada a dar a sua contribuição no processo de socialização dos prejuízos do grande capital. Como a crise impõe a eliminação do parque produtivo redundante, é de se esperar uma aceleração e uma maior intensidade na tendência à desindustrialização e à especialização regressiva que têm caracterizado o ajuste estrutural das economias latino-americanas aos ditames da ordem global.

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Mesmo com o cenário positivo na maior parte do período, o governo manteve as medidas

neoliberais de seu antecessor. Manteve a taxa Selic, mesmo com pequenas alterações, a posição

de taxa de juros real mais alta do mundo, um superávit primário superior ao acordado com o

FMI, uma relação desfavorável entre a dívida e o PIB que continuava na casa dos 40% em 2006.

Outro destaque foi a conversão da dívida externa em dívida interna a partir de 2006, com os

benefícios de isenção fiscal garantidos pela lei 11.312/06. A medida permitiu um aumento de

reservas, mas ampliou a fragilidade fiscal do país, pois os juros internos que passaram a incidir

sobre a maior parte da dívida pública, mantiveram-se bem maiores que os externos

(NAKATANI ; OLIVEIRA, 2010).

Além disso, o governo aprofundou a “reforma” bresseriana do Estado, diluindo as

fronteiras entre o público e o privado, com a privatização da gestão pública. Exemplo central

disso foi a Lei das Parcerias Público - Privadas de dezembro de 2004. Com essa lei o governo

regulamentou a licitação e contratação de parceria público privado por órgãos da administração

pública direta e indireta através de contrato administrativo de concessão.

No início de seu segundo mandato o governo anunciou o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC) que levou o governo a reivindicar mais claramente sua face novo-

desenvolvimentista54.

Em trabalho elaborado pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Orçamento Público e

Seguridade Social (GOPSS, 2007) demonstram-se as contradições colocadas pelo programa

desde sua elaboração.

Primeiro é apresentado no PAC um longo capítulo de desonerações tributárias, um

grande golpe no financiamento das políticas sociais, prevendo uma perda de arrecadação de R$

6,6 bilhões que deveria chegar a R$11,5 bilhões em 2008. Para isso foram implementadas as

seguintes medidas: “recuperação acelerada dos créditos de PIS e COFINS em edificações (de 25

anos para 24 meses), deixando de arrecadar cerca de R$ 3,45 bilhões em 2007/2008;

54 Não por coincidência a sucessora de Lula nas próximas eleições presidenciais foi coordenadora do programa. Em reportagem do Estado de São Paulo de 26 de dezembro de 2009 afirma-se: “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva quer colar em Dilma o carimbo do "novo desenvolvimentismo” [...] Na prática, a volta da retórica à esquerda na seara do petismo é reflexo da vitória, dentro do governo, do grupo desenvolvimentista, que no primeiro mandato de Lula travou forte queda de braço com os monetaristas. "Nós interrompemos a visão neoliberal do Estado mínimo e recuperamos não só os bancos públicos, como estatais do porte da Petrobrás", argumentou o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), integrante da comissão escalada pelo partido para preparar o programa de Dilma. "Estamos, sim, construindo um novo desenvolvimentismo."”

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desoneração de obras de infra-estrutura (suspensão da cobrança de PIS/COFINS nas aquisições

de insumos e serviços vinculados a novos projetos); programa de incentivos ao setor da TV

Digital que prevê redução a 0% de PIS/COFINS; programa de incentivo ao setor de semi-

condutores que prevê redução a 0% de PIS/COFINS; ampliação do benefício tributário para

micro-computadores, com alíquota 0% de PIS/COFINS para computadores até R$ 4.000,00;

prorrogação por dois anos do benefício que permite a contabilização fiscal da depreciação de

novos investimentos na metade do prazo normal, reduzindo a contribuição social sobre o lucro

(CSLL) devido pelas empresas; prorrogação do prazo de permanência da construção civil no

regime de cumulatividade do PIS e da COFINS até 31 de dezembro de 2008; criação da Receita

Federal do Brasil, diluindo os recursos da previdência social, agora sob gestão do Tesouro

Nacional” (BEHRING et al, 2008).

Essas isenções promoveram fortes perdas nas fontes de financiamento da Seguridade

Social, com isenções parciais e em alguns casos totais, de tributos que compõem a estrutura

central de realização das políticas de previdência, saúde e assistência social, aprofundando a

transferência do fundo público para o capital privado.

Tudo isso porque grande parte do capital necessário para a viabilização do PAC deve sair

da iniciativa privada – cerca de R$ 390,1 bilhões do setor privado e R$ 113,8 bilhões do setor

público – levando o governo a criar uma legislação que estimulasse esses investimentos. Ainda

assim ele não consegue criar condições para que estes se concretizem. Isso porque o

investimento público permanece muito baixo e o privado deve fazer investimentos longos e de

baixa rentabilidade, não necessariamente atrativos, o que coloca em questão a efetividade do

programa. Isso porque o setor público tende a não cumprir sua meta de investimentos devido ao

ajuste fiscal voltado para o pagamento da dívida pública, e a iniciativa privada, por sua vez,

tende a seguir a lógica contemporânea do capital que pressiona um maior investimento no

mercado financeiro do que no setor produtivo, por ter maiores vantagens no primeiro.

Na área social o governo também manteve e aprofundou a lógica neoliberal do governo

Cardoso, dando continuidade às contra-reformas estruturais, em acordo com o recomendado

pelos organismos internacionais.

O primeiro projeto importante do governo foi a segunda etapa da contra-reforma da

previdência. Se o governo anterior tinha iniciado a contra-reforma pelo setor privado o governo

Lula a implementa no setor público. Para Paulani (2008,43) o principal efeito da contra-reforma

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é a substituição do regime de repartição para o de capitalização já que a instituição de tetos para

os benefícios levarão os trabalhadores a adotar fundos complementares de previdência55,

beneficiando mais uma vez o capital financeiro. Além disso, elevou contribuições, idade e tempo

de trabalho para a obtenção de benefícios taxou os inativos, contribuindo com o ajuste fiscal

pró-pagamento da dívida através da retirada de direitos dos trabalhadores.

Mas o carro-chefe do governo, que tem sido propagandeado como responsável pela

redução dos índices de pobreza no Brasil56, foi certamente o Programa Bolsa-Família. O

Programa foi instituído por Medida Provisória em 2003, sancionado por lei e regulamentado por

decreto em 2004. Seu objetivo era unificar a gestão e a execução das ações de transferência de

renda com condicionalidades existentes desde o governo Cardoso como o Programa Bolsa-

Escola, Bolsa-Alimentação e Auxílio Gás. Integrava uma estratégia de combate à fome e à

pobreza, o Fome Zero, transferindo renda com condicionalidades na saúde e na educação.

Famílias com renda mensal per capita entre o equivalente a 30,7 e 61 dólares e abaixo de 30,7

dólares em outra faixa, nos valores de 2007, teriam direito ao benefício se cadastradas no

Cadastro Único para Programas Sociais (Stein, 2008). Ao contrário do Benefício de Prestação

Continuada (BPC), um direto constitucional que garante um salário mínimo de transferência de

renda para idosos e portadores de deficiências incapacitantes para o trabalho, o Programa Bolsa-

Família depende dos recursos liberados pelo governo para a inserção dos usuários. Não se

constitui, portanto, enquanto direito garantido a todos aqueles incluídos em seus critérios, que

por si só já são extremamente rebaixados, limitando o programa àqueles que se encontram em

extrema pobreza.

Alguns autores têm apontado o Programa Bolsa-Família como o principal responsável

pela atual popularidade do governo Lula cuja aprovação está na casa dos 80%.

55 “Os fundos de pensão (que agora serão ainda mais numerosos e volumosos) funcionam como braço auxiliar da dívida pública, no papel de retirar da esfera da acumulação produtiva parcelas substantivas da renda real” (PAULANI, 2008, 46) alimentando assim a esfera financeira da economia. 56 Segundo o Plano para o Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (PNUD -ONU) de 2007, o Brasil apresentou: crescimento da renda per capita dos 10% mais pobres a taxa de 8% ao ano; crescimento da renda per capita geral de 0,9% ao ano; redução de 3,8% de brasileiros abaixo da linha de pobreza; redução de 5,6% de brasileiros abaixo da linha de extrema pobreza; e redução da desigualdade em 5% segundo o coeficiente Gini. Ainda assim o Brasil apresentava a oitava pior posição de desigualdade de renda entre os países acompanhados pelo PNUD, a frente apenas de sete países africanos.

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Singer (2009, p.83) demonstra que, ainda que a votação de Lula em 2002, quando vence

seu primeiro mandato e em 2006, seu segundo mandato, tenham sido bastante semelhantes, uma

análise mais cuidadosa demonstra “um importante realinhamento político de estratos decisivos

do eleitorado” em 2006. O autor demonstra que de 2002 para 2006 o governo perdeu apoio de

seus eleitores tradicionais da classe média, devido à crise do mensalão e demais denúncias de

corrupção, aos ataques ao funcionalismo público e outras medidas que geraram desilusão em um

governo qualitativamente diferente dos anteriores. Por outro lado, passou a ter significativo

apoio de setores de baixíssima renda, o que o autor atribui principalmente ao Bolsa-Família mas

não só. Também o aumento real do salário mínimo verificado no período e o aumento do crédito

consignado, que ampliaram as possibilidades de consumo para essa faixa de renda, são

elementos que justificam a adesão dos subproletários ao fenômeno chamado pelo autor de

lulismo. O autor se utiliza de Marx, em sua obra “O dezoito brumário de Luis Bonaparte”, para

explicar a necessidade dessa fração da classe da trabalhadora de, com dificuldades estruturais

para se organizar, buscar no alto sua representação, isto é, não podendo representar-se, serem

representados. Apesar de concordarmos com essa análise de Singer, discordamos de sua

conclusão otimista em relação ao governo que teria, segundo ele, dado de forma inédita voz e

melhores condições para esse segmento da classe trabalhadora.

As políticas apontadas pelo autor como progressistas são bastante limitadas pelos

interesses hegemônicos, expressos pela política econômica francamente neoliberal, e

contraditoriamente também a favorecem. O aumento do crédito e a lógica da transferência de

renda, uma política social mediada pelas instituições bancárias, colocam no circuito da

financeirização da economia até os setores mais pauperizados da população, beneficiando

também o capital financeiro. Além disso, a transferência de renda, apesar de ter sido ampliada no

período do governo Lula, continua sendo uma política barata para o governo. A totalidade do

orçamento da Assistência Social, onde se insere o Programa Bolsa-Família, continua patinando

entre 2% e 3% do total do orçamento da União. As políticas também estão longe de se

constituírem como direito, representando mais brechas ou sobras de caixa garantidas pela boa

situação da economia do período e pelos sacrifícios impostos a outros segmentos da classe

trabalhadora.

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Boito (2005) também identifica essa mudança de bases do governo57 que ele chama de

novo populismo. O governo para fazer política com os setores mais pauperizados ataca direitos

dos segmentos assalariados dos trabalhadores, e em particular os funcionários públicos,

reatualizando os “marajás” de Collor e os “vagabundos” de Cardoso, e passa a se utilizar

eleitoralmente desse segmento. Para Boito (2005, p.3):

Há semelhanças entre esse novo populismo e o antigo populismo de Getúlio Vargas, mas há diferenças importantes também. Vargas apelava aos trabalhadores para levar de vencida ou contornar a resistência das oligarquias e do imperialismo à industrialização do Brasil, enquanto o governo Lula, dando seqüência a um novo filão descoberto por Fernando Collor, apela aos descamisados para jogá-los contra os trabalhadores organizados de modo a fazer passar a política do capital financeiro nacional e internacional.

Em síntese, concluímos nossa análise identificando que o governo Lula teve como marca

a continuidade e não a ruptura, a partir de uma escolha política consciente. As contra-reformas

neoliberais foram mantidas e aprofundadas, bem como os principais sustentáculos da política

econômica de Cardoso: liberalização econômica, favorecimento do capital financeiro por meio

da dívida pública, juros altos, superávits primários. No que tange as políticas sociais aprofundou-

se a perspectiva focalista e manteve-se a privatização, por meio da lógica público-privada e

pública não-estatal.

As diferenças entre os governos Lula e Cardoso atribuem-se menos a origem de classe do

PT e mais aos necessários ajustes feitos pelo conjunto do capitalismo desde seus organismos

internacionais, que precisaram, ao menos no discurso, responder ao crescimento das críticas ao

neoliberalismo. Críticas geradas pelas crises econômicas, que desembocaram em inúmeros

movimentos de contestação na América Latina como os piqueteiros argentinos, os pingüins

chilenos, a luta contra a privatização da água na Bolívia, culminando com a eleição de Morales

na Bolívia, Chavez na Venezuela e mesmo Lula no Brasil. A esperança dos trabalhadores

brasileiros numa ruptura do governo com o modelo neoliberal acabou numa experiência que

apenas mesclou medidas do social-liberalismo com o novo-desenvolvimentismo, tendo como

ponto forte o peso ideológico da figura de Lula e os “bons ventos” da economia internacional,

que se mantiveram na maior parte de seu go

57 Boito (2005), porém, também atribui essa mudança de base social ao PT, hipótese de que discorda Singer (2009) para quem as mudanças se limitam a figura de Lula. A performance da candidatura do PT nas próximas eleições presidenciais, de Dilma Roussef, será um bom termômetro para esse debate.

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3 A CONTRA - REFORMA NAS UNIVERSIDADES

Não foi apenas na política econômica que o governo Lula caracterizou-se, como Oliveira

chamou, de terceiro governo da era Fernando Henrique Cardoso (apud COUTINHO, 2003).

Também em relação às universidades as medidas do governo, ainda que com inflexões e

particularidades, seguiram, na sua lógica, o que vinha sendo implementado por Cardoso. É essa a

discussão que faremos nessa seção do trabalho.

Na década de 1990, durante o governo Cardoso, a contra-reforma do ensino superior

torna-se parte importante da contra-reforma do Estado em curso. A proposta do governo estava

em consonância com documentos produzidos pelos organismos internacionais como o Banco

Mundial, em particular o documento “O Ensino Superior: as lições derivadas da experiência” de

199458. Esse é um marco importante na redefinição das estratégias do Banco Mundial para a

educação, quando o ensino superior passa a ter papel de destaque para o alívio da pobreza e para

a coesão social.

Para Leher (1999, p.30), “não é possível compreender o sentido e o significado das atuais

reformas sem considerar sua matriz conceitual, formulada no âmbito do Banco Mundial”. Na

hipótese do autor o substrato das reformas educacionais na América Latina está na relação entre

educação, segurança e pobreza. A educação passa a ser um importante mecanismo de

enfrentamento da questão da pobreza com conteúdos impregnados de ideologia, com o objetivo

de manter um ambiente seguro para os negócios. Para tanto, o Banco Mundial passa a investir

em educação a partir de 1990, com prioridade na periferia para um “ensino fundamental

‘minimalista’” e para a “formação profissional ‘aligeirada’” (LEHER, 1999, p.27). Isso porque

países periféricos com economias subordinadas têm sua produção restrita a mercadorias de baixo

valor agregado, requerendo um trabalho pouco qualificado.

O objetivo declarado do Banco Mundial, no documento de 1994, é orientar suas ações de

apoio e financiamento nos países periféricos, determinando um modelo ideal de ensino superior

a partir de experiências que considera bem sucedidas, como o modelo chileno. O diagnóstico 58 Para Neves e Pronko (2008, p.113): “Se é verdade que, no planejamento de suas ações político-pedagógicas, os Estados Nacionais possuem de fato uma autonomia relativa na definição de limites e possibilidades de implementação do sistema, é verdade também que estes seguem, em linhas gerais, as diretrizes dos organismos internacionais. Os planejadores locais, nesse contexto, desempenham majoritariamente o papel de adaptadores, em âmbito local, de políticas formuladas externamente.”

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apresentado é de que, por serem financiadas pelo orçamento do Estado, as universidades públicas

seriam também responsáveis pelas crises fiscais, e mesmo assim continuavam com poucos e mal

aplicados recursos. Logo, seria possível, segundo o Banco, através da racionalização, reduzir os

recursos por estudante aumentando a qualidade do ensino. Para isso seria necessário superar: a. a

baixa relação professor-aluno; b. a subutilização de alguns serviços; c. a duplicação de

programas; d. as altas taxas de evasão e repetência; e. os altos gastos com serviços não-

educacionais como alojamento, alimentação e outros serviços subvencionados pelo o Estado para

os estudantes (BANCO MUNDIAL, 1994, p.3).

Outro argumento central é a injustiça que representa para a sociedade financiar as

universidades públicas quando, segundo o documento, a maioria dos estudantes dessas

instituições é proveniente dos setores de renda mais alta na sociedade. Essa é uma mentira que

foi tornando-se verdade de tantas vezes repetida, sustentáculo importante para a construção de

consenso acerca das contra-reformas propostas para as universidades. Segundo Siqueira (2004),

dados do INEP, instituto do próprio governo, de 2003, demonstram que há mais alunos carentes

em instituições públicas do que em privadas em todas as áreas. O Banco Mundial, entretanto,

sem dados concretos insiste na tese de que os estudantes das universidades públicas são ricos e

privilegiados59, desconsiderando também que as parcelas mais pauperizadas da população não

poderiam estar na universidade, pois sequer chegam ao ensino médio, e que essa realidade é de

responsabilidade dos governos. Mais uma vez a estratégia é dividir a classe trabalhadora jogando

os setores mais pauperizados contra os assalariados médios, quem de fato tem seus filhos nas

universidades públicas.

As propostas apresentadas para superar a crise do ensino superior se articulam em quatro

eixos: diversificação dos tipos de instituição, não mais numa perspectiva universitária, mas

terciária ou pós-secundária; incentivo à diversificação das fontes de financiamento das

instituições públicas; redefinição da função do governo no ensino superior; e adoção de políticas

destinadas a melhorar a qualidade e a equidade do ensino superior.

Em relação ao primeiro eixo - a diversificação das instituições - o Banco Mundial

considera que o modelo europeu é muito caro e pouco apropriado para países em 59 O Banco Mundial chega a afirmar que “em países cujos sistemas de governo são débeis, os estudantes ressentidos com a redução de seus subsídios e privilégios podem representar uma ameaça à estabilidade política. Em conseqüência os governos devem proceder com muita cautela ao implementar as reformas que talvez afetem as famílias mais poderosas, que podem desestabilizar o regime”(1999,5, tradução e grifo nossos).

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desenvolvimento60. Sua proposta é que se amplie o ensino privado, o que permitiria responder a

demanda por vagas, em instituições mais capazes de responder rapidamente às necessidades do

mercado. Para isso sugere a implementação de inúmeros modelos de cursos terciários como

politécnicos, institutos profissionais e técnicos de ciclos curtos, community colleges61 e

programas de ensino à distância, que, segundo eles, teriam custos menores e seriam mais

atrativos para estudantes e para investidores privados. O “sistema de educação terciária”, novo

modelo defendido pelos organismos internacionais, pretende, em verdade, “conferir maior

organicidade (...) ao crescimento exponencial de um ensino fragmentado e privatista por ele

impulsionado” (NEVES e PRONKO, 2008, p.118).

Caberia ao Estado uma regulamentação de incentivos ao setor privado que evite o

controle das mensalidades e inclua uma política de acreditação, fiscalização e avaliação das

instituições privadas, além da possibilidade de incentivos financeiros. Observemos que a

fiscalização não aparece como uma política de controle, mas de incentivo ao ensino privado.

Como no ensino privado o custo do estudante é supostamente mais baixo, o Estado ganharia

dando incentivos públicos para a abertura de novas matrículas. O objetivo em longo prazo,

segundo o documento, seria, a partir de uma equalização na qualidade entre instituições públicas

e privadas, estabelecer condições de igualdade de financiamento público para ambas, baseando-

se apenas no critério da qualidade das suas propostas. Essa meta relaciona-se com o Acordo

Geral sobre Comércios e Serviços assinado pelos membros da OMC em 1995. O acordo incluiu

a educação como serviço em bases comerciais62 o que significa que

se o governo oferecer cursos que outros provedores privados também oferecem, ele estará em concorrência com esses outros provedores [...] e como ele tem financiamento público, pelas leis que regem o comércio isso seria uma concorrência desleal, portanto sujeita a sanções da OMC (SIQUEIRA, 2004, 56).

60 Para Leher (1999,27): “se o país submetido às orientações do Banco deve abdicar da construção de um projeto de nação independente, um sistema de ensino superior dotado de autonomia relativa frente ao Estado e às instituições privadas soa mesmo anacrônico”. 61 São institutos públicos de estudos pós-secundários que oferecem dois anos de ensino acadêmico e profissional (BANCO MUNDIAL, 1994, p.5). 62 A única exceção são os serviços “caracterizados como fornecidos no exercício da autoridade governamental e que não sejam oferecidos de forma comercial nem entrem em competição com um ou mais provedores de serviço” (OMC, 1995, p.285 apud SIQUEIRA, 2004, p. 56), ou seja, serviços exclusivos do Estado, o que não seria o caso da educação pertencente, na perspectiva neoliberal, ao setor público não-estatal.

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O que quer dizer que, segundo essa norma, o setor público e o setor privado devem ter as

mesmas condições no acesso aos recursos públicos.

O segundo eixo refere-se à diversificação do financiamento das instituições públicas,

reduzindo, assim, a participação do Estado no seu custeio. Os objetivos seriam a mobilização de

mais recursos privados para as universidades públicas, a garantia de apoio a estudantes pobres

mais qualificados e a melhoria na utilização dos recursos nas instituições.

O aumento de recursos privados deve ocorrer através de três estratégias. Primeiro, pelo

aumento da participação dos estudantes nos gastos, isto é, o fim da gratuidade e da assistência

estudantil, o que, segundo o Banco Mundial, estimularia os estudantes a terminarem seus estudos

mais rapidamente e escolherem com mais cuidado seus cursos. Segundo, pelo financiamento de

ex-alunos e da indústria privada ou organismos externos. E por último, através de atividades que

gerem recursos como: cursos pagos, pesquisas encomendadas por empresas privadas e serviços

de consultoria. A meta sugerida inicialmente é de que 30% dos recursos das universidades

públicas passem a vir de arrecadação própria. Com isso espera-se que as universidades públicas

dependam menos do Estado e fiquem menos sujeitas às suas flutuações orçamentárias, sem

mencionar que elas passam a ficar sujeitas às flutuações e interesses de setores privados. Além

disso, o Banco aponta como fator positivo o crescimento da sensibilidade das instituições

públicas aos sinais do mercado. Isto é, as universidades perdem sua autonomia de funcionamento

a serviço da sociedade e passam a depender e se atrelar aos interesses e necessidades do mercado

capitalista.

No que tange ao apoio aos estudantes pobres qualificados podemos notar duas

características: a focalização e a meritocracia. Uma das medidas sugeridas é a melhoria da

eficiência dos programas de crédito estudantil com ampliação de sua cobertura. Já sobre a

assistência estudantil, a idéia é de que seja oferecida independente da instituição cursada, se

pública ou privada, por meio de programas de trabalho e estudo, o que permitiria ao estudante

optar, com as mesmas condições de um estudante com mais recursos e, estimularia a competição

entre as instituições por esses estudantes.

O terceiro eixo relaciona-se diretamente ao segundo porque uma mudança nas funções do

governo em relação às instituições de ensino superior é necessária para viabilizar os caminhos

propostos para ampliação das universidades privadas e privatização das públicas. A proposta é

que “em lugar de exercer um controle direto, a função do governo passa a ser de proporcionar

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um ambiente de políticas favorável para as instituições públicas e privadas do nível terciário”

(BANCO MUNDIAL, 1994, p.10, tradução nossa). Ou seja, aos moldes das propostas

neoliberais da terceira via, o Estado passaria de executor à regulador, e instituições públicas e

privadas, conforme os acordos da OMC, devem ser igualmente tratadas inclusive no que tange

ao financiamento público. O único critério para diferenciar as instituições seria o de qualidade,

que deve ser verificada através de processos de acreditação. Essa acreditação, segundo o Banco

Mundial poderia ser dada pelos governos, o que é considerado, porém, muito oneroso, ou por

instituições privadas de acreditação ou associações profissionais que desempenhem essa função.

Além dessas medidas, é necessário também que as universidades públicas passem a ter mais

autonomia. A autonomia é entendida como direito a fixar taxas e mensalidades, contratar e

despedir pessoal e utilizar livremente o orçamento que lhe é garantido. O controle público se

daria apenas sobre os resultados das mesmas.

O quarto e último eixo do documento do Banco Mundial refere-se à qualidade,

adaptabilidade e equidade63, ou seja, determina finalmente quais são os parâmetros de

mensuração do grande critério que passaria a ser utilizado para a distribuição de recursos e

benefícios às instituições. O objetivo seria uma melhoria na qualidade do ensino e da pesquisa,

uma maior adaptação do ensino pós-secundário às demandas do mercado de trabalho e uma

maior equidade no acesso.

Para melhorar a qualidade do ensino e da pesquisa o documento aponta a necessidade de

estudantes melhor preparados pelo ensino fundamental e médio e professores bem preparados,

motivados e com um ambiente que garanta os insumos pedagógicos necessários. Mais uma vez o

que determinará essa qualidade seriam avaliações internas e externas, sem expor até então que

critérios devem ser adotados para medi-la.

Mas fica claro que é o segundo objetivo desse eixo o que direciona o conteúdo esperado

no ensino e na pesquisa. O ensino deve se orientar para o mercado sendo que “em um contexto

de estratégias de crescimento econômico baseadas em inovações tecnológicas tem importância

fundamental que as instituições a cargo dos programas avançados de ensino e pesquisa contem

com a orientação de representantes do setor produtivo” (BANCO MUNDIAL, 1994, p.12,

63 Sobre equidade o Banco Mundial sugere políticas de cotas para aumentar a proporção de mulheres e minorias étnicas no ensino terciário, para que este cumpra seu papel na coesão social.

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tradução nossa). O Banco Mundial sugere, enfim, a participação de representantes do setor

privado nos conselhos administrativos de instituições públicas e privadas para “assegurar a

pertinência dos programas acadêmicos” (BANCO MUNDIAL, 1994, p.12, tradução nossa). Ou

seja, a qualidade é, sem mediações, a qualidade para os interesses do mercado. Como prêmio o

setor privado incentivaria pesquisas conjuntas entre universidades e empresas, bolsas de estudos

para estudantes e cursos em tempo parcial para profissionais do setor produtivo.

Chauí (1999) critica essa nova perspectiva de universidade batizada por ela de

universidade operacional. O pressuposto ideológico que sustenta essa transformação é, para a

autora, a defesa do mercado como espaço de garantia do bem-estar e de racionalização sócio-

política e não mais o Estado.

A universidade clássica estava voltada para o conhecimento e a ela sucedeu a

universidade funcional, adaptada para as necessidades do capital de qualificação da força de

trabalho. A terceira fase da universidade seria a universidade operacional. Adequada à lógica de

“serviço público não-estatal” a universidade passa, então, de instituição social à organização

social. Para Chauí essa transformação leva a muitas implicações já que como organização ela

deixa de referenciar-se na sociedade e passa a auto-referenciar-se, ou seja, “está voltada para si

mesma enquanto estrutura de gestão e de arbitragem de contratos” (CHAUÍ, 1999, 5). Assim a

organização social

É regida pelas idéias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes, pois isso, que para a instituição social universitária é crucial é, para a organização, um dado de fato. Ela sabe (ou julga saber) por que, para que e onde existe (CHAUÍ, 1999, p.3).

Nesse modelo de universidade a autonomia fica reduzida ao gerenciamento empresarial

de receitas e despesas, com liberdade para captação privada de recursos, com o objetivo de

cumprir as metas fixadas em contratos de gestão firmados com o Estado. O corolário da

autonomia é, por sua vez, a flexibilização compreendida como: flexibilização dos contratos com

o fim da estabilidade e dos concursos públicos, fim das licitações e das prestações de conta,

flexibilização dos currículos adaptando-os as necessidades do capital em cada localidade e

separação do ensino e da pesquisa. Já a qualidade, ainda segundo Chauí, passa a ser medida pela

produtividade: quanto se produz, em quanto tempo se produz e com que custo se produz, o que

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irá definir os contratos de gestão. A qualidade é na verdade medida pela quantidade não

importando mais o que se produz, como se produz e para que (ou quem) se produz. Todos esses

princípios estão claramente em acordo com a proposta de Reforma do Estado assumida pelo

governo desde Cardoso64.

Esse documento do Banco Mundial de 1994 refere-se, porém, ao primeiro período de

mudanças na formação do trabalho intelectual, que se estendeu até o final dos anos 1990, e tinha

como objetivo o desmonte do sistema de educação superior então vigente, através de mudanças

no seu arcabouço jurídico e incentivo ao setor privado. Nos anos 2000, a “reforma” do ensino

superior entra numa nova fase caracterizada pela busca de uma nova organicidade ao novo

modelo que vinha sendo implementado, através da definição de novos parâmetros, estruturas

curriculares e expansão mais acelerada do acesso a esse nível de ensino. Nos anos 2000, a meta

prioritária de acesso ao ensino básico para os trabalhadores passa a ser ampliada, passando a

incluir essa população na “educação superior de novo tipo para o século XXI” (NEVES e

PRONKO, 2008, p.105). É nesse segundo período que estarão localizadas as iniciativas do

governo Lula.

Para esse novo período de contra-reformas o Banco Mundial lança um novo documento

em 2003 denominado “Construir sociedades de conhecimento: novos desafios para a educação

terciária”. Nesse documento o Banco afirma ampliar os temas discutidos no documento de 1994

dando ênfase a novas tendências quais sejam: o papel emergente do conhecimento como motor

do desenvolvimento, as mudanças decorrentes da ampliação do uso das tecnologias de

informação e comunicação (TIC), a internacionalização tanto de provedores da educação

terciária como de um mercado global de capital humano avançado, o aumento de demandas de

apoio financeiro e técnico ao Banco de países que querem reformar e desenvolver a educação

terciária e, por fim, a necessidade de estabelecer uma visão integrada da educação onde a

educação terciária tem papel crucial na criação de capital humano e social (BANCO MUNDIAL,

2003).

Observemos agora alguns aspectos fundamentais adicionados por esse documento às

perspectivas do Banco Mundial para a educação superior.

64 Segundo Sguissard (2009): “[...] uma especificidade da reforma da educação superior no Brasil reside nas diretrizes da reforma gerencial do Estado posta em prática a partir do Plano Diretor da Reforma do Estado, de 1995”.

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O documento parte do debate de 1994 reafirmando a necessidade de diversificação do

ensino superior, ou educação terciária conforme denominado pelo Banco. Acrescenta, porém, a

tese da sociedade do conhecimento65 como pressuposto básico para o modelo a ser

implementado. Nessas sociedades o papel da educação terciária seria maior do que nunca. Isso

justifica, de acordo com o documento, o Banco Mundial rever e ampliar suas práticas para esse

setor, ao invés da ênfase dada ao ensino básico no período anterior.

O documento também relaciona os objetivos almejados do ensino terciário às propostas

gerais para o desenvolvimento fixadas pelo Banco Mundial. Quatro seriam os fatores favoráveis

ao desenvolvimento dos países, que podem ter no ensino terciário uma contribuição vital: o

regime institucional e de incentivos macroeconômicos, a infraestrutura das TIC, o sistema de

inovação nacional e a qualidade dos recursos humanos do país. Nesse contexto, o ensino

terciário teria entre seus objetivos a redução da pobreza, através do aumento da produtividade

dos países capacitando a força de trabalho local, gerando novos conhecimentos e adaptando

conhecimentos globais ao uso local, além de aumentar as oportunidades de emprego e ascensão

para estudantes com menos recursos66.

Ou seja, fica claro o duplo objetivo: formar força de trabalho qualificada de acordo com

as necessidades do modelo de acumulação e ao mesmo tempo buscar coesão social, ampliando as

possibilidades de acesso ao ensino superior, mesmo que menos qualificadas. Nesse ponto o

documento sugere uma ampliação dos programas de crédito educativo para estudantes com

menos recursos, o que seria uma política de equidade. Outro importante meio de expansão do

ensino terciário, para o documento, é o uso das TIC através do ensino à distância (EAD).

A expansão do ensino terciário, por meio de várias formas de diversificação, deve ser

acelerada para cumprir esse duplo objetivo, numa perspectiva de massificação. Segundo Neves e

Pronko (2008, p.118) o termo “massificação” só recentemente vem sendo utilizado pelos

organismos internacionais e no Brasil tem sido substituído pelo termo “democratização”, na

nossa opinião, numa perspectiva transformista para buscar adesão de setores progressistas da

65 Segundo Neves e Pronko (2008, p.110) para os organismos internacionais: “[...] as sociedades do conhecimento substituem as sociedades industriais porque o capital físico vem perdendo importância como fonte de riqueza depois que esta começou a ser impulsionada pelas inovações tecnológicas”, tese que tem no determinismo tecnológico suas bases e que discordamos, conforme exposto no capítulo 1 desse trabalho. 66 Lembrando que para o Banco Mundial existe uma relação direta e mecânica entre desenvolvimento nacional e redução das desigualdades sociais.

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comunidade universitária. Além da diversificação das instituições a massificação tem como

fundamento a equidade e a meritocracia, mecanismos que prometem aos segmentos mais

pauperizados da população acesso ao ensino superior de acordo com suas capacidades. Assim “o

sistema de educação terciária permite, de fato, que parcela da classe operária ‘chegue ao

paraíso’, desde que entre pela porta dos fundos” (NEVES ; PRONKO, 2008, p.130).

O documento também se preocupa em determinar de que forma as contra-reformas

devem ser implementadas para conseguirem resultados mais exitosos, através de três lições

derivadas de projetos implementados desde 1992 pelo Banco.

A primeira lição é que as “reformas” integrais são mais eficazes do que a tomada de

medidas isoladas, ainda que admita que as iniciativas em longo prazo possam ocorrer através de

uma série de operações complementares, isto é, uma contra-reforma em fatias.

A segunda lição é que deve se levar em consideração as dimensões políticas das

“reformas”, ou seja, que haverá resistências a sua execução. Para solucionar essa questão o

Banco Mundial aponta que as “reformas” do ensino terciário têm demonstrado melhores

resultados quando há consenso entre os integrantes da comunidade. A criação do consenso é a

primeira fase da contra-reforma , para a qual o Banco Mundial se propõe a facilitar o diálogo

entre as partes. “O Banco pode reunir na mesma mesa interlocutores que em condições normais

não dialogariam nem trabalhariam juntos” (BANCO MUNDIAL, 2008).

A terceira lição demonstra que o oferecimento de incentivos para a realização das

mudanças, ao invés de decretos de cumprimento obrigatório tendem a ter respostas melhores e

mais rápidas das instituições e dos atores envolvidos.

As receitas prescritas pelo Banco Mundial foram adotadas pelo Brasil com adaptações de

acordo com a realidade e com os conflitos e correlações de força locais no embate entre o projeto

neoliberal hegemônico e o projeto dos sujeitos políticos organizados em defesa da universidade

pública. As ações determinaram uma ampliação do ensino superior privado, já hegemônico no

Brasil desde o período anterior, e ao mesmo tempo mudanças que privatizaram e transformaram

por dentro as universidades públicas, num processo de contra-reforma.

A análise das inflexões nas propostas do Banco Mundial para o ensino superior nas

décadas de 90 e 2000 reforçam nossa tese de que as diferenças entre o governo Cardoso e o

governo Lula não são de cunho ideológico, que nos levem a identificar matizes de esquerda e de

direita, mas fruto de alterações no discurso e na estratégia do capital desde o centro, em resposta

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às resistências impostas pelos trabalhadores ao neoliberalismo. Ninguém melhor do que um

símbolo da luta da classe trabalhadora no Brasil na presidência para obnubilar essa realidade.

Passemos, portanto, às medidas concretas da contra-reforma universitária brasileira

iniciada na década de 1990, centrando nosso debate nas conseqüências para as universidades

públicas. Por fim, analisaremos os dados concretos que vão demonstrar como essas medidas

alteraram ou aprofundaram o modelo de ensino superior do país.

a) A nova legislação: Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Plano Nacional de

Educação (PNE), Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e as propostas de “reforma”:

Neves e Pronko (2008) creditam ao governo Cardoso o momento da implementação do

novo modelo de formação para o trabalho complexo67, adequado às novas demandas de

reprodução do capital. No entanto, identificam já na Constituição de 1988 alguns elementos que

foram importantes precondições para a direção posteriormente tomada, apesar de admitirem as

vitórias parciais inscritas na Carta.

As autoras destacam três pontos onde o Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública68

sofreu derrotas importantes, que abriram brechas para o empresariamento da educação.

O primeiro ponto foi embate entre o Fórum e setores privatistas do ensino sobre o

financiamento público exclusivo para instituições públicas. Derrotada a proposta do Fórum,

manteve-se aberta a possibilidade de financiamento público ao setor privado, sob condições.

O segundo ponto foi a abertura da possibilidade de escolas privadas laicas poderem ser

instituições lucrativas, pela primeira vez na nossa História. Com isso legitimou-se juridicamente

a transformação destas instituições em empresas de prestação de serviços.

67 Neves e Pronko (2008) utilizam a categoria “trabalho complexo” baseando-se na formulação de Marx no volume I de O Capital: “(...) o trabalho complexo, ao contrário [do trabalho simples], se caracteriza por ser de natureza especializada, requerendo, por isso, maior dispêndio de tempo de formação daquele que irá realizá-lo” (NEVES e PRONKO, 2008, p.22). Estamos utilizando, para o mesmo fim, a categoria “trabalho intelectual” conforme utilizada por Mandel, que refere-se ao trabalho complexo historicamente situado no capitalismo tardio, caracterizado pela necessidade de formação superior. 68 Constituído em 1987 reunia entidades acadêmicas, sindicais, estudantis, profissionais e movimentos populares do campo da educação.

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Por último, o Fórum foi derrotado na proposta de padrão único de qualidade para o

ensino superior, organicamente vinculado com a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e

extensão e a exigência da organização desse nível de ensino em universidades. Em vez disso, o

padrão de qualidade tornou-se um princípio geral da educação como um todo e a

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão ficou restrita às universidades, não tornando-

se a única forma possível de organização do ensino superior, que manteve a possibilidade de ter

diversificadas modalidades de organização (NEVES ; PRONKO, 2008, p.50).

Já no início do governo Cardoso, Lima (2007) vai enfatizar duas expressões centrais no

embate entre o projeto de educação pública dos sujeitos políticos organizados e o projeto de

educação neoliberal do governo junto a associações de universidades privadas, quais sejam: a

LDB e o PNE aprovados pelo governo respectivamente em 1996 e 2001 e as propostas

elaboradas pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública.

A nova LDB foi promulgada pelo Congresso Nacional em 12 de setembro de 1996,

substituindo o projeto de lei que vinha sendo debatido há oito anos por uma nova versão “mais

compatível com os interesses neoliberais de então” (NEVES ; PRONKO, 2008, p.58). O novo

projeto, elaborado pelo senador Darcy Ribeiro, apresentava concepções antagônicas de educação

às elaboradas pelo Fórum (LIMA, 2007, p.136).

Já o PNE, elaborado no Congresso Nacional de Educação de 1997, foi aprovado com

nove vetos presidenciais em 2001, no governo Cardoso. Os vetos referiam-se aos subitens que

promoviam alterações e ampliações nos recursos financeiros para a educação, sobretudo o ensino

superior. Lima (2007, p.140) destaca entre os vetos: a) a meta de manter 40% das vagas totais no

ensino público; b) a proposta de criação de um Fundo de Manutenção do Ensino Superior com

pelo menos 75% dos recursos da União vinculados a manutenção e desenvolvimento do ensino;

c) a ampliação do crédito educativo, alcançando pelo menos 30% dos estudantes do ensino

privado; d) a ampliação dos recursos para pesquisa científica e tecnológica com a meta de

triplicá-la em 10 anos; e) a elevação dos gastos públicos para, ao menos, 7% do PIB em 10 anos;

f) a exclusão das despesas com aposentados e pensionistas da fonte manutenção e

desenvolvimento do ensino; e g) a elevação dos valores por aluno a padrões mínimos

estabelecidos nacionalmente. Entre as metas aprovadas e mantidas pelo governo destaca-se

ampliação de vagas no ensino superior, para alcançar 30% dos jovens entre 18 e 24 anos até

2011.

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Já no governo Lula, em 2004, o MEC lança o documento “Reafirmando princípios e

consolidando diretrizes da reforma da educação superior”, conhecido como Documento II, que

sistematizará as medidas da contra-reforma pretendidas pelo governo federal. O objetivo do

documento é forjar uma Lei Orgânica para a educação superior que regulamente aspectos como

autonomia, financiamento, avaliação, regulação, carreira dos trabalhadores entre outros temas. O

Grupo de Trabalho em Políticas Educacionais (GTPE) da Associação Nacional de Docentes do

Ensino Superior (ANDES) elaborou uma análise crítica a esse documento. De início já critica a

idéia de Lei Orgânica específica, defendendo um Sistema Nacional de Educação que integre

todos os níveis. Outro aspecto que destaca no documento é a manutenção da concepção

bresseriana de público-não estatal e de Estado como regulador.

Desde então o governo já aponta para uma ampliação de vagas no ensino superior, tendo

como referência a meta de matrículas do PNE, sem discussão sobre ampliação de recursos, o que

é criticado pelo GTPE/ANDES como uma abertura para a desqualificação do ensino, ampliação

da compra de vagas privadas e do EAD. Outra proposta que já aparece no Documento II, e vai se

consolidar no Decreto REUNI em 2006, é a proposta de elaboração de Planos de

Desenvolvimento e Gestão nas IFES, que estariam atrelados a aportes de recursos. Sobre isso a

posição do GTPE/ANDES (2004) é:

O plano de desenvolvimento institucional pode ser um valioso instrumento de gestão por estabelecer princípios, diretrizes, metas e responsabilidades, desde que elaborado com a participação e envolvimento daqueles que o executarão, sem imposição, e, muito menos, sob coação econômica por parte do governo federal . Como proposto, o plano de desenvolvimento e gestão estaria ferindo a autonomia universitária, pois as IFES deixam de ser públicas e passam a ser governamentais, atuando no interesse do partido político ou grupo dirigente temporariamente no poder. O tipo de mecanismo proposto proporciona um grande incentivo para que as IFES satisfaçam às exigências do mercado, deixando de estar a serviço do conjunto mais amplo da sociedade.

Em 2006, o governo manda para o Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) nº

7200/2006 com sua proposta de contra-reforma universitária, chamado Normas Gerais do

Ensino Superior, já na sua quarta versão e com o acréscimo de 368 emendas parlamentares. Essa

proposta foi apensada no PL nº 4214/04 e no PL nº 4221/04, ambos de cunho privatista,

fragmentador e desregulamentador, mesmas características das emendas parlamentares do novo

PL do governo Lula (ANDES, 2004).

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A proposta do PL mantém, sistematiza e aprofunda as tendências já verificadas da contra-

reforma universitária no Brasil, como a diversificação das instituições de ensino superior, a

diluição das fronteiras entre público e privado sintetizadas na idéia de público não-estatal, a

desregulamentação do setor privado e a redução do papel do Estado como executor. Além disso,

abre o ensino superior brasileiro ao capital estrangeiro, reforça a EAD como modalidade de

ensino na graduação e na pós-graduação stricto sensu e mantém a centralidade dos critérios de

produtividade. O conceito de ensino passa a se restringir à graduação e à pós-graduação stricto

sensu, tornando a obrigatoriedade da gratuidade nas instituições públicas restrita a esses níveis, o

que institucionaliza definitivamente os, já pagos, cursos de extensão e pós-graduação lato sensu,

que se tornarão oficialmente fonte de arrecadação de recursos. Na mesma medida, referenda e

aprofunda o papel das fundações de apoio como mecanismo de privatização interna nas

Instituições Federais de Ensino Superior (IFES).

Para ganhar a adesão dos estudantes, o decreto segue as recomendações do Banco

Mundial69, apontando para a implementação de política de cotas para egressos de escolas

públicas, negros e índios. O governo também promete a destinação de 9% das verbas das IFES

para políticas de assistência estudantil. Segundo dados elaborados pelo ANDES, com base nas

receitas das IFES em 2005, esse percentual corresponderia a R$1,00 para cada estudante por dia

letivo, o que não seria suficiente para financiar nem os restaurantes universitários.

Ainda assim, o governo conseguiu o apoio da UNE para seu projeto. Dirigidos

majoritariamente por estudantes ligados ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), partido da

base governista, desde o início do governo Lula a UNE vem tendo uma postura de diálogo e

contribuição, sendo acusada de “chapa branca”70 por outros setores do movimento estudantil,

alguns sequer a reconhecendo mais como sua máxima representação. O discurso adotado pela

entidade é o do “governo em disputa”. Sua análise geral é que o projeto de “reforma” do

governo, fora algumas objeções pontuais, contempla as bandeiras da entidade, sendo favorável à

69 O tema das cotas é controverso, mas também vem, em geral, sendo apoiado pelo movimento sindical e estudantil nas universidades. Esses movimentos, porém, costumam dar um tom mais de reivindicação transitória para democratização do acesso a universidade pública, com vistas à universalização dessa modalidade de ensino ao contrário da compreensão focalista e assistencialista do Banco Mundial. Para aprofundar esse tema ver: www.andes.org.br/2009/index/consciencianegra.html e www.une.org.br/home3/opiniao/artigos/m_16088.html 70 Através de estratégias de cooptação e consenso o governo Lula conseguiu o que almejava o governo militar: transformar as entidades estudantis de subversivas em “lideranças democráticas”, dentro da ordem.

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educação pública. A disputa se daria nas emendas, essas sim de interesse dos empresários da

educação.

A disputa real começou. Está colocada a oportunidade de transformarmos a estrutura elitista da universidade brasileira. Ou nos organizamos e vamos com tudo para dentro do Congresso, ou corremos o risco de perder a luta contra o lobby dos tubarões do ensino e das forças conservadoras que não querem reformar a educação no país”, pondera o presidente da UNE, Gustavo Petta. (UNE, 2006)

Sua caracterização majoritária era de que o projeto continha avanços como a ampliação

de vagas públicas, mais verbas, regulamentação do ensino privado e ampliação de recursos para

assistência estudantil.71

Leher (2005b) atenta para o falso silogismo que existe entre os empresários da educação

criticarem o projeto e o projeto defender o ensino público. Para o autor não há divergência de

conteúdo entre as propostas dos empresários e a do governo, sendo a pressão dos empresários

expressão de divergências entre diferentes setores do ensino privado (confessionais, empresariais

e etc) e diferenças de grau, com uma pressão sobre o governo para “incorporar ao seu projeto os

anseios do setor privado de modo ainda mais incondicional” (LEHER,2005, p.1). Para o autor:

Somente desconsiderando o que de concreto já foi encaminhado pelo governo e se eximindo de uma leitura minimamente rigorosa do anteprojeto, é possível afirmar que os empresários não estão saindo ainda mais fortalecidos (LEHER, 2005, p.7).

Até o momento de conclusão desse trabalho a PL 7200/06 continuava na Câmara de

Deputados, aguardando votação.

Em 2007, o governo lançou o PDE , um conjunto de programas, decretos, resoluções e

portarias apresentado como um “plano executivo” para atingir as metas determinadas pelo PNE e

colocar em prática questões preconizadas desde a Constituição de 1988 (MEC, 2007). Segundo o

sítio do MEC, seu objetivo principal é garantir uma educação básica de qualidade e para alcançar

essa meta investir também em ensino superior e ensino profissional, por estarem ligados direta

ou indiretamente. Metas bastante de acordo com as propostas do Banco Mundial, e que reforçam

71 Em 2009 a UNE apresentou um PL próprio, o PL 5175/09 em trâmite no Congresso. Ainda que apresente pontos historicamente reivindicados pelo movimento sindical e estudantil das universidades, importantes para reversão da privatização, como a extinção das fundações privadas, a ampliação das vagas públicas e o aumento gradual de recursos públicos para as IFES, ele não toca em questões centrais como a diversificação das instituições de ensino superior, a necessidade de rediscussão dos mecanismos de avaliação em vigor e o fim do EAD na graduação e na pós-graduação.

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a dualidade histórica da educação brasileira ao deixar de lado os investimentos públicos no

ensino médio.

Ainda segundo o sítio do MEC, o Plano foi baseado no Compromisso Todos pela

Educação. O compromisso é um contrato de gestão entre prefeituras e MEC, onde as primeiras

comprometem-se a alcançar algumas metas na educação básica em troca de aportes técnicos e

financeiros do Ministério. É importante destacar que o “movimento” Todos pela Educação, que

deu impulso a essa “ampla mobilização social”, nas palavras do MEC, é patrocinado por alguns

dos maiores bancos – Itaú, Unibanco, Real e Bradesco, e por algumas das maiores empresas –

Odebrecht, Gerdau, Camargo Correa e Suzano, do país72, lembrando as preocupações do Banco

Mundial de que a pobreza pode gerar um clima desfavorável para os negócios, e de que a

educação é necessária para aliviar as tensões do desemprego estrutural (LEHER, 1999).

Em relação ao ensino superior, o PDE apresenta os seguintes princípios: a) expansão da

oferta de vagas; b) garantia de qualidade; c) promoção da inclusão social; d) ordenação

territorial; e e) desenvolvimento econômico e social através da formação de recursos humanos

qualificados e do desenvolvimento científico-tecnológico. Os programas relativos ao ensino

superior são: o REUNI, lançado quase concomitantemente com o PDE; o Programa

Universidade para Todos (PROUNI)73, programa de crédito educativo que foi somado ao

Programa de Financiamento Estudantil (FIES), já em vigência desde 2005; o Sistema Nacional

de Avaliação do Ensino Superior (SINAES) , programa de avaliação vigente desde 2004; a

Universidade Aberta do Brasil (UAB), programa de ensino à distância criado em 2005; o Plano

Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), só implementado em 2008; além de outros

referentes à extensão, à pesquisa e à pós-graduação. No bojo do PDE, também foi criado o banco

de professores equivalentes, por meio dos decretos interministeriais nº 22/07 e nº224/07.

Para o ANDES e para os setores minoritários do movimento estudantil, o PDE seria mais

um retrocesso ao caminhar para uma expansão de vagas baseada na redução da qualidade, o que

levou a formação de uma Frente de Luta contra a Reforma Universitária, que, apesar de ter

durado pouco, conseguiu realizar um encontro em 2007 e alguns materiais impressos.

72 O “movimento” é presidido por Jorge Gerdau Johannpeter, uma das maiores fortunas do país, e contou entre seus sócios e colaboradores com Ruth Cardoso, fundadora da Comunidade Solidária, Vivianne Senna, da Fundação Ayrton Senna, Cristovam Buarque e Fernando Haddad, ex e atual Ministro da Educação, entre outras personalidades. 73 Aprofundaremos o conteúdo desses programas mais a frente.

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Toda essa profusão de programas, planos, decretos, projetos de lei que vêem se

sobrepondo, mudando de nome e de discurso, fazem, na nossa visão, parte do mesmo processo

de contra-reforma universitária operada para adequar o ensino superior às necessidades de

formação de força de trabalho, de ciência e tecnologia e de ideologia às necessidades do capital

pós anos 1970, período do neoliberalismo, tendo as propostas do Banco Mundial como matriz.

As pequenas inflexões também acompanham as inflexões no Banco Mundial não se

caracterizando como rupturas progressivas com o modelo hegemônico de contra-reforma

implementado desde Collor, passando por Cardoso. As mudanças, quando existem, têm por

objetivo aumentar o consenso e a adesão em torno da contra-reforma, o que o governo Lula

conseguiu não só com a UNE, mas com diversos setores de docentes, técnico-administrativos e

da sociedade como um todo, fato que tem dificultado a existência de articulações como o Fórum

em Defesa da Escola Pública ou a Frente de Luta contra a Reforma.

Ao analisar a seguir a trajetória histórica de algumas políticas que têm sido eixo central

da contra-reforma dos sucessivos governos, acreditamos referendar a hipótese apresentada

acima.

b) Modelos de avaliação das universidades

Sguissardi (2009) aponta a qualidade como um fenômeno no ensino superior atualmente,

chamando atenção a freqüência com que essa noção se faz presente. Ainda que a qualidade do

fazer universitário sempre tenha sido uma questão, o autor defende que pelo seu caráter

polissêmico, o conteúdo do termo qualidade só pode ser compreendido dentro do contexto em

que é aplicado, no caso atual um contexto de internacionalização do ensino superior.

As razões assinaladas pelo autor para a emergência da qualidade como questão central

são a expansão do ensino superior e as dificuldades do financiamento público e duas premissas: a

teoria do capital humano, recentemente absorvida pelo Banco Mundial que vai defender um

maior retorno no investimento do ensino básico relacionando qualidade com empregabilidade, e

a tese de que o ensino superior seria um bem privado e não público. Ao se retirar da

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responsabilidade exclusiva de expandir e gerir o sistema, o Estado passará a ser pressionado pela

classe média a ampliar seu papel na regulação e no controle, para assegurar o valor dos títulos.

Sobre o contexto da internacionalização, Sguissardi (2009) destaca a Declaração de

Bolonha como um marco no debate sobre a qualidade no ensino superior. O objetivo central da

Declaração, inicialmente assinada pelo Ministério da Educação de 29 países, é a construção da

Área Européia de Ensino Superior:

Visando maior mobilidade, empregabilidade dos diplomados e a competitividade do sistema europeu, busca-se a intelegibilidade e a comparabilidade dos graus conferidos pelos diferentes sistemas europeus de ensino superior”(SGUISSARDI, 2009, p.268).

Com o mote da competitividade se coloca a questão do controle da qualidade então, como

uma suposta “garantia pública”.

No Brasil, esse marco se dá nos anos 1980, com base, mais uma vez, no argumento de

que a universidade pública beneficiaria os ricos mais do que as privadas, e que, portanto,

precisaria aumentar sua eficiência e produtividade, supostamente passando a se reportar a partir

daí, sistematicamente a sociedade. A avaliação, desde a instituição do GERES, vai passar, então,

a estar na pauta do governo para as universidades, na defesa da qualidade.

Sguissard (2009, p.273), utilizando os argumentos de Limoeiro (1991) como apoio, vai

definir, no entanto, duas concepções distintas de qualidade, que necessariamente balizam lógicas

de avaliação também distintas.

A primeira baseia-se no critério da eficiência e produtividade, atualmente hegemônica,

conforme já apontamos na análise de Chauí (1999) e a segunda acadêmico-crítica, que integra

ensino e pesquisa e foge ao mero critério de produtividade. A avaliação é da importância

acadêmica, científica, tecnológica e sociopolítica da produção, da capacidade de ultrapassar as

demandas do mercado, desenvolver o pensamento crítico e produzir conhecimento livre do

controle burocrático e do poder (SGUISSARDI, 2009, p.274).

A avaliação hegemônica, baseada no primeiro critério, desconsidera, segundo Chauí

(apud SGUISSARDI, 2009, p.273): a) as condições concretas e específicas de cada instituição;

b) que a avaliação não pode se reduzir à soma das performances individuais dos docentes; c) as

condições oferecidas à e pela instituição para a produção acadêmica; d) o projeto institucional e a

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política acadêmica como balizador chave da avaliação. Além disso, as avaliações tendem a se

associar à idéia de punição, o que aumenta a resistência dos envolvidos.

A primeira política de avaliação foi implementada ainda no governo Itamar Franco: o

Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (PAIUB). Esse programa foi

idealizado pelo MEC em parceria com alguns setores das universidades e entidades como

Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições do Ensino Superior (ANDIFES),

Associação Brasileira de Reitores das Universidades Estaduais e Municipais (ABRUEM),

Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP) e Associação Brasileira de Escolas

Superiores Católicas (ABESC). Segundo Lima (2007) ainda que esse programa tenha sido mais

avançado do que aquele que seria implementado posteriormente no governo Cardoso “o PAIUB

não pode ser analisado desconectado das demais ações do governo Itamar Franco, ordenadas

pela lógica da modernização conservadora das universidades públicas brasileiras” (LIMA, 2007,

p.133).

No governo Cardoso, através da lei nº 9131/95, se estabelece o Exame Nacional de

Cursos (ENC), que passa a ser conhecido como Provão. Determina que o MEC avalie os alunos

concluintes anualmente, que passam a ser obrigados a realizar a prova para conseguir seus

diplomas, ainda que as notas individuais não sejam divulgadas. Além da avaliação dos

estudantes, o processo de avaliação do ensino superior no governo Cardoso conta ainda com

avaliação institucional, feita a partir das diretrizes curriculares por especialistas designados pelo

MEC e a avaliação docente, que vincula a produtividade com o recebimento de uma gratificação

por desempenho.

Esse modelo sofreu muitas críticas e resistência por parte dos alunos que boicotaram

sistematicamente a prova entregando-a em branco numa campanha conhecida como “Nota Zero

para o Provão”. O Provão foi aplicado de 1996 a 2003, quando já avaliava 26 áreas totalizando

470 mil formandos, segundo dados do INEP.

Já no governo Lula, o Provão, bastante abalado pela sistemática oposição que sofria de

alunos e docentes, é substituído pelo SINAES. Seus eixos são a avaliação institucional, dos

cursos e do desempenho dos estudantes e é composto de vários instrumentos de avaliação:

avaliação externa por especialistas, auto-avaliação, avaliação dos cursos de graduação e o

Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE), uma versão requentada do Provão.

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O ENADE manteve-se como um componente curricular obrigatório, ou seja, condição

para obtenção de diploma, modificando-se por passar a ser amostral, dividir os cursos por

grupos, que passam a fazer provas a cada três anos, e aplicado a formandos e alunos dos três

primeiros períodos. Apesar das semelhanças com o ENC de Cardoso, o SINAES passou a contar

com a adesão de vários setores da universidade críticos ao primeiro, como a UNE. Para a UNE o

novo método de avaliação teria pontos positivos como tirar o foco do estudante passando-o para

a instituição, além de recuar nos critérios punitivos, já que enquanto o Provão prometia o

fechamento dos cursos o SINAES apontava para um termo de compromisso entre o MEC e as

instituições mal avaliadas (UNE, 2006). Não só a UNE como outros docentes, antes críticos ao

modelo de avaliação, “aderiram” ao SINAES pelo seu suposto caráter mais amplo e

pedagogicamente mais correto.

Para o ANDES, o SINAES manteve o caráter regulador dos modelos de avaliação

anteriores. Mantém a lógica punitiva, ranqueadora e produtivista. Ao deixar nas mãos da

Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior (CONAES), estrutura restrita e

centralizadora nomeada pelo MEC, a elaboração de todos os critérios tanto da avaliação externa

quanto da avaliação interna, a lógica que fere a autonomia universitária continua.

A questão que nos parece central em relação ao debate da avaliação, conforme já

desenvolvido, é que ela nunca se dá de forma abstrata. Os critérios que orientam e valoram as

instituições como boas ou ruins são determinados pela lógica da política para o ensino superior

que está sendo implementada, em sua totalidade. Assim, não é possível avaliar os modelos de

avaliação em si mesmos, deslocados do todo, ou separando aspectos pedagógicos e melhoras

“técnicas” pontuais.

Do ponto de vista político o SINAES, e o ENADE dentro dele, mantêm o caráter de seu

antecessor, o famigerado Provão. Para Lima et al (2008), o que caracteriza as avaliações do

ensino superior nesse período é sua epistemologia positivista, onde a externalidade dos

avaliadores e de seus critérios supostamente imprimiria objetividade aos processos avaliativos.

“Baseada numa espécie de realismo ingênuo, a avaliação positivista e tecnocrática remete para

uma ontologia da exterioridade, na qual a realidade é independente da consciência dos atores”

(2008, p.19). Concordando com essa crítica, perguntamos: quem avalia os avaliadores?

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c) Política para o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia

Historicamente, em acordo com sua inserção subordinada no capitalismo mundial, o

Brasil sempre optou pela importação de tecnologia ao invés da construção autônoma de

conhecimento.

Apenas no período desenvolvimentista, como já mencionado na segunda parte do

capítulo 2, com a criação da pós-graduação e de entidades de fomento à pesquisa é que se abriu

uma pequena possibilidade de construção de pesquisas autônomas destinadas às estatais. Ainda

assim, foi só em 1985 que criou-se um Ministério voltado para a Ciência e Tecnologia (C&T)

(NEVES ; PRONKO, 2008, .p163).

Na década de 90, quando o modelo desenvolvimentista passa a ser desmontado no país e

substituído pelo modelo neoliberal, uma nova política de C&T começa a ser delineada visando

ampliar a participação do setor privado com o objetivo de produzir inovações (NEVES ;

PRONKO, 2008, p.163).

Ainda no governo Collor e no governo Itamar Franco, as políticas neoliberais para o setor

começavam a ser implementadas, como o fim da reserva de mercado de informática conduzida

pelo governo Itamar Franco, e tiveram profundo impacto na política de ciência e tecnologia

(C&T) no país. Eliminaram-se as restrições à entrada de capital estrangeiro e definiu-se uma

nova política centrada em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e subsídios públicos ao setor

privado, o que estimulou mais ainda a transferência e adaptação de tecnologia dos países

centrais74 (LIMA, 2007, p.133).

Já em 1996 no governo Cardoso, cria-se o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia

para estimular a produção em P&D por meio da reorientação do financiamento público para

parcerias público-privadas em áreas consideradas estratégicas.

Segundo Neves e Pronko (2008, p.164) o primeiro mandato do governo Cardoso concluiu

o processo de desmonte do aparato científico-tecnológico construído no período

74 Embora a lei tenha sido aprovada no governo Collor em 1991, sua vigência só começa com sua regulamentação já no governo Itamar Franco em 1993 (LIMA, 2007, p.134).

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desenvolvimentista e iniciou uma contra-reforma jurídico-institucional que formou novas bases

para uma nova política de C&T.

Uma das principais medidas foi a criação dos Fundos Setoriais que materializaram as

parcerias público-privadas, passaram a definir as prioridades na política e redefiniram a função

do Estado, que passou de financiador e executor da C&T para planejador e coordenador de um

sistema público não-estatal. Os Fundos são administrados por comitês gestores constituídos por

representantes da comunidade científica, dos ministérios e do setor empresarial e financiados por

diversas fontes como royalties, licenças e autorizações de diversos setores produtivos. Com isso,

consolidaram a parceria entre universidades, centros de pesquisa e setor produtivo com

prioridade no apoio à pesquisa aplicada que conjugue tecnologia e inovação (NEVES ;

PRONKO, 2008, p.169).

Esses fundos têm seus recursos destinados à pesquisa aplicada, a chamada P&D, tendo

que obrigatoriamente destinar 70% dos seus recursos para essa área, restando 30% para a

pesquisa científica o que pode obrigar o país a ter que comprar pacotes científicos-tecnológicos

dos países avançados (OLIVEIRA, 2004, p.81)

Já no segundo mandato de Cardoso a política é definida, introduzindo o foco na inovação.

A partir de então C&T torna-se CT&I nos documentos institucionais.

Dois documentos sistematizam as políticas de CT&I do governo Cardoso: o Livro Verde

da Ciência, Tecnologia e Inovação75, produzido como apoio aos debates da 2ª Conferência

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e o Livro Branco com a sistematização da

Conferência, que traçou as diretrizes para essa política até 2010.

Esses documentos adotam a ideologia da sociedade do conhecimento e buscam adequar o

Brasil aos ditames dos organismos internacionais, numa posição de subordinação que tem como

objetivo importar conhecimentos produzidos no exterior e adaptá-los a realidade local, e produzir

inovações que agreguem valor a produtos, processos e serviços. “Por intermédio desses

documentos vai ficando claro que a ênfase da política de C&T recai sobre o objetivo de

aumentar a produtividade do trabalho sob a ótica do capital, favorecendo e acelerando o processo

de valorização” (NEVES ; PRONKO, 2008, 165).

75 Participaram dessa elaboração representantes de universidades, empresas privadas e estatais, organizações da sociedade civil, políticos e representantes de organismos internacionais. Neves e Pronko (2008, p.164) chamam atenção para o fato de nenhuma entidade dos trabalhadores, como a SBPC, ter sido convidada.

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O governo Lula manteve a mesma lógica do seu antecessor para essa política,

reafirmando a prioridade das inovações tecnológicas. Duas leis fundamentais foram aprovadas

no seu governo possibilitando o aprofundamento das políticas que vinham sendo implementadas,

de esvaziamento do papel do Estado e compensação do desfinanciamento público com o

incentivo aos investimentos privados: a Lei das Parcerias Público-Privadas e a Lei de Inovação

Tecnológica.

A Lei de Inovação Tecnológica foi discutida pelo governo fora do âmbito da reforma

universitária. No entanto afeta a universidade em profundidade “pois cria procedimentos mais

rápidos de transferência e licenciamento de tecnologia das entidades de pesquisa para a indústria,

sem as delongadas licitações” (MANCEBO, 2004, p.855). A lei se estrutura para: favorecer as

parcerias entre universidades e empresas, estimular que as entidades produtoras de conhecimento

desenvolvam inovação e incentivar também as empresas a fazerem inovações. Ao mesmo tempo

em que a lei possibilita a privatização do espaço e dos resultados de pesquisa pública, ela

também prevê recursos públicos para iniciativas de inovação em instituições privadas. Ainda

abre espaço para remunerações extras para os professores-pesquisadores das instituições públicas

que prestarem serviços a empresas e participação nos lucros gerados pelas inovações.

Assim, a lei de inovação tecnológica do governo Lula, no espírito da parceria público-

privada, regulamenta a venda da pesquisa pública para instituições privadas e incentiva a

diferenciação das condições de trabalho, salários e regimes de funcionamento dentro das

instituições públicas de acordo com sua submissão aos interesses do mercado. Fortalece, assim, a

mercantilização do conhecimento que deve, cada vez mais, estar voltado à inovação tecnológica

em detrimento de necessidades sociais coletivas (Mancebo, 2004).

Mercantiliza a pesquisa e não rompe com a histórica heteronomia. Continuamos seguindo o

modelo em que “é somente requentar e usar”76.

d) O EAD como política de expansão.

76 Em referência a música Parque Industrial de Tom Zé (1968): “Despertai com orações/ O avanço industrial/ Vem trazer nossa redenção.(...)/ Pois temos o sorriso engarrafado/ Já vem pronto e tabelado/ É somente requentar/ E usar,/ É somente requentar/ E usar,/ Porque é made, made, made, made in Brazil.

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Outra iniciativa que se destaca até hoje e potencializou-se no governo Itamar Franco é a

política de EAD - Educação à Distância. Em 1993, o MEC e o Ministério das Comunicações

assumem um protocolo para a criação do Consórcio Interuniversitário de Educação Continuada e

à Distância Brasilead, que tinha por objetivo articular as ações na área desenvolvendo o EAD no

Brasil (LIMA, 2007, p.134).

Até meados da década de 1990 o ensino á distância era utilizado no Brasil em cursos

profissionalizantes e de complementação de estudos77. A partir desse período, com a ampliação

da internet, iniciou-se uma política nacional de educação superior à distância. Seu marco

fundamental está na LDB, que incentivou o surgimento desses programas, posteriormente

regulamentados pelos decretos 2494/98 e 2561/98 (LIMA, 2007, p.145).

O primeiro decreto caracteriza o ensino à distância como uma forma de ensino que

possibilita a auto-aprendizagem pela mediação de materiais didáticos organizados e veiculados

em vários meios de comunicação. O segundo decreto trata do credenciamento dos cursos à

distância, e foi complementado por outras portarias e documentos do MEC (LIMA, 2007, p.146).

Em 2001, o MEC publicou a portaria n º 2253 que autorizava instituições de ensino

superior a cumprirem até 20% da carga horária obrigatória de seus cursos regulares presenciais

por meio de EAD. No mesmo ano a Resolução CES/CNE nº 1 permitiu a abertura de cursos de

pós-graduação strictu sensu à distância, a serem regulados pela Campanha de Aperfeiçoamaneto

de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Outra importante medida na implementação do EAD no

ensino superior brasileiro foi a criação de consórcios entre as universidades, com destaque para o

Consórcio de Ensino à Distância do Estado do Rio de Janeiro (CEDERJ), que reúne

universidades do Estado do Rio de Janeiro para oferecer cursos de licenciatura à distância.

Ao contrário dos países centrais, onde as TIC agregam novas possibilidades

pedagógicas, nos países periféricos o uso dessas tecnologias tem significado substituição

tecnológica (LIMA, 2007, p.146). Uma política de ensino superior pobre para pobres, já que

declaradamente a EAD está associada à oferta de ensino para segmentos mais pauperizados,

77 Segundo Tonegutti (2010, p.61): “o EAD surge em decorrência da necessidade da classe trabalhadora (ou, mais geral, da sociedade) de ter acesso a educação, o que não era possível, na maioria das vezes, pelos meios tradicionais. (...) por vezes, é a única oportunidade de estudos para os adultos engajados no mercado de trabalho ou nos afazeres domésticos, que não possuem o tempo necessário às atividades de frequência obrigatória em um curso presencial, ou mesmo residem em localidades de difícil acesso (...)”.

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conforme consta no PNE aprovado no governo Cardoso. A formação e atualização de

professores em serviço é outro dos focos da implementação do EAD desde o governo Cardoso

(LIMA, 2007, p.149). Essas duas metas, formação de professores e acesso ao ensino superior de

segmentos mais empobrecidos continuou sendo o horizonte da implementação do EAD durante o

governo Lula.

Para Tonegutti (2010) o EAD só deve ser considerado para estudantes mais maduros, que

precisam se beneficiar das vantagens da flexibilidade de horários e têm condições de estabelecer

hábitos de estudo independentes. Para estudantes mais jovens a intervenção mais direta do

professor com metodologias de ensino motivadoras é fundamental para uma aprendizagem mais

profunda. Além disso, o EAD poderia ser utilizado como complementação (e não substituição)

do ensino presencial e em educação continuada.

No entanto, no Brasil, a falta de vagas suficientes no ensino público presencial leva

estudantes jovens de 18 a 24 anos, com perfil para o ensino presencial, a ingressarem em cursos

à distância sem qualquer necessidade. No ensino público enquanto a média de candidatos por

vaga em 2007 em cursos presenciais foi 7, no EAD foi de 0,35 candidatos por vaga, tornando

esse sistema mais fácil de ser acessado. Tonegutti (2010, p.67) afirma com veemência que o

EAD não deveria ser usado como mecanismo de “democratização” do acesso ao ensino superior,

como defende o governo, com a finalidade política de cumprir a meta de 30% de jovens no

ensino superior até 2011 prevista no PNE. Ainda ressalta que a precarização do trabalho docente

é maior na EAD, onde a maioria dos professores é pago no ensino público por meio de bolsas e

contratos precários.

Em 2007, 4% do total de instituições de ensino superior ofertavam cursos de EAD sendo

45 públicas e 24 privadas. Porém, a maioria das matrículas concentrava-se no ensino privado.

Além disso, o número de vagas em 2007 foi 89,4% superior ao ano anterior (TONEGUTTI,

2010, p.63), demonstrando que o EAD cresce exponencialmente no ensino superior. Não há

ainda, no entanto, dados consolidados sobre o percentual de estudantes que terminam os cursos,

mas os poucos e parciais dados do INEP levam a crer que a evasão é substancialmente superior

nessa modalidade.

Várias entidades de ensino e pesquisa de diversas áreas do conhecimento bem como

conselhos profissionais têm se posicionado contra o ensino superior à distância como o Conselho

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Federal de Biologia78, o Conselho Federal de Serviço Social e a Associação Brasileira de Ensino

e Pesquisa em Serviço Social.

Para a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS, 2009):

Quanto a graduação à distância, sabemos que realiza no máximo adestramento, mas jamais formação profissional digna deste nome. (...) estamos denunciando o uso da tecnologia para a padronização, empobrecimento e banalização da formação, além de meio de valorização do capital transformando a educação em mercadoria.

e) A regulamentação das fundações de apoio

Uma lei e um decreto definem a relação entre fundações de apoio e instituições de ensino

superior: a lei nº 8958 de 1994, elaborada pelo governo Itamar Franco e o decreto nº 5205 de

2004, que regulamenta a primeira, elaborado pelo governo Lula.

Segundo ambos, as fundações de apoio são fundações de direito privado com a finalidade

de apoiar projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e

tecnológico.

Desde sua criação as fundações de apoio têm sido amplamente criticadas pelo movimento

estudantil e de trabalhadores das universidades, além de terem sido em muitos momentos objeto

de investigação policial por desvio de verbas, sendo o caso da Universidade de Brasília (UNB) o

de maior repercussão79.

A principal crítica política à existência dessas fundações é que elas têm se constituído

como um mecanismo de privatização interna das instituições públicas de ensino superior. Apesar

de existirem desde 1970, foi a partir da regulamentação de 1990, que passaram a ser

instrumentos de captação de recursos fora do orçamento e de complementação salarial para parte

78 O Conselho Federal de Biologia chegou a negar registro para formados em EAD, o que foi contestado pelo MEC e revertido na Justiça em 2010, por considerar que os cursos de EAD não garantiam os requisitos necessários à formação de biólogos. Ver em: http://www.observatoriodaead.com/2010/02/curso-distancia-de-biologia-tem.html. 79 Em 2008 o reitor da UNB foi denunciado pelo Ministério Público por improbidade administrativa por ter, entre outras irregularidades, utilizado verba pública de pesquisa da FINATEC, fundação de apoio da universidade, para mobiliar seu apartamento funcional, um desvio de 470 mil reais. Depois de 15 dias de ocupação dos estudantes do prédio da reitoria, o reitor renunciou, pedindo desligamento, em seguida, seu vice (informações do site http://www.atarde.com.br/vestibular/noticia.jsf?id=874711, consulta em 24 de maio de 2010).

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dos trabalhadores das universidades, resposta a redução de recursos de custeio e ao arrocho

salarial (TCU, 2008).

Assim as fundações, de acordo com o discurso hegemônico, passariam a garantir os

recursos que deixaram de ser repassados do fundo público, além de darem maior agilidade à sua

administração, garantindo, por meio da privatização, maior exercício de autonomia das IFES.

Em abril de 2008 o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a realização de uma

fiscalização das fundações de apoio das IFES motivado pelos então recentes escândalos

envolvendo a FINATEC e a UNB. O relatório dessa fiscalização, um longo documento de mais

de 100 páginas, concluiu que inúmeras ilegalidades ocorrem na relação entre as IFES e as

Fundações dentre elas:

a) utilização das Fundações de Apoio para simplesmente intermediar a

contratação de serviços, aquisição de bens e execução de atividades

administrativas;

b) formalização de convênios com órgãos da administração como mecanismo de

intermediação da contratação das fundações de apoio, inclusive para a execução

de serviços contínuos de atendimento ao público;

c) utilização de recursos públicos para a formação ou incremento de patrimônio

das fundações de apoio;

d) desvirtuamento das finalidades das fundações de apoio, passando a desenvolver

ações de caráter empresarial;

e) debilidade do controle finalístico e de gestão das fundações de apoio pelas

instituições apoiadas e a ausência de regras claras de relacionamento que

possibilitem a efetividade deste controle;

f) pessoal contratado para os projetos muitas vezes deslocado para o exercício de

atividades permanentes ou inerentes aos planos de cargos das IFES, configurando

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a terceirização irregular de serviços (burla à licitação) e a contratação indireta de

pessoal (burla ao concurso público);

g) vários modelos de contratações irregulares: a fundação como laranja, a

fundação como mera compradora (caixa dois de despesas), a fundação como mera

manipuladora de receitas (caixa dois de receitas), a fundação como gestora

financeira integral (caixa dois global), a fundação como intermediária de mão de

obra.

O TCU afirma que, do ponto de vista da arrecadação, nota-se que a partir de 1995 com a

redução de recursos públicos destinados às IFES, houve uma corrida às fundações de apoio que

se multiplicaram 129% entre 1995 e 2002. No entanto, curiosamente, não foi verificado qualquer

acréscimo significativo no ingresso de recursos próprios arrecadados nos cofres da IFES. Pelo

contrário, houve um decréscimo. Isso porque a arrecadação própria intermediada pelas fundações

de apoio deixou de passar pela conta única do Tesouro, ficando a margem da legislação que rege

a execução orçamentária. Segundo o TCU “em que pesem variados eufemismos de triste

notoriedade não há como inventar conceitos: é a pura e simples formação de caixa dois (ou três,

ou quatro...) com recursos públicos, o descumprimento do princípio de unidade de tesouraria,

com os riscos de fraude e falta de controle”.

Outra “curiosidade” é que a partir de 2004, quando houve algum aumento de recursos do

governo para as IFES, também houve aumento do repasse das IFES para suas fundações,

justificado pela liberação tardia das verbas, que são empenhadas às fundações para não serem

perdida.

Gráfico 1

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Recursos empenhados pelo conjunto das universidades brasileiras para fundações de apoio - Movimento líquido – (2002/2007) .Fonte: TCU Acórdão 2731/2008

Ainda segundo o documento os sucessivos governos vêem tendo uma política deliberada

de institucionalização e fortalecimento das fundações de apoio, apesar do discurso da

regulamentação, promovendo uma “autonomia às avessas” por intermédio das fundações.

Com tudo isso “corre-se o risco da privatização das instituições públicas por parte

daqueles que nela trabalham”, ou seja, incentiva-se a competição, ampliando as atividades dos

servidores para que complementem seus salários através de prestação de serviços nem sempre

relacionados a atividades acadêmicas e que são priorizados em detrimento das atividades

públicas, institucionais. Ainda com relação ao pessoal cedido das IFES para as fundações de

apoio, o TCU deixa claro que as bolsas só podem ser cedidas para ensino, pesquisa e extensão, e

desde que não signifiquem uma contraprestação de serviços, como ocorre no caso de professores

que ministram aulas em pós-graduações latu sensu organizadas pelas fundações. As bolsas de

ensino para docentes só podem significar bolsas para aperfeiçoamento. Quando cedidas para que

docentes ministrem atividades de ensino caracterizam nova burla.

O TCU entende ainda que obras e atividades de infra-estrutura não devem ser executados

por fundações de apoio recomendando ao MEC alteração na lei atual, que considera

inconstitucional. Deixa claro também que é vedado o repasse de recursos às fundações para

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execução total de projetos seja de ensino, pesquisa, extensão ou desenvolvimento institucional

podendo as fundações, legalmente, apoiar projetos, mas não executá-los.

A partir desse diagnóstico são feitas uma série de recomendações para adequar as

fundações à função que lhes é atribuída na legislação, ampliar a transparência sobre a execução

de seus recursos e garantir efetiva autonomia às universidades, sem necessidade do recurso às

fundações. Em relação à autonomia as recomendações do TCU são as seguintes:

a) a adoção de um regime especial de execução da despesa, para procedimentos

críticos como a importação de materiais e equipamentos, que propicie às IFES maior

flexibilidade e agilidade na realização de serviços e aquisições;

b) a definição clara do percentual da receita constitucionalmente vinculada capaz de

garantir recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de

educação superior;

c) a adoção de um regime de repasses de recursos da União para as IFES sob a forma

de dotações globais;

d) a prerrogativa de que as IFES, a partir da dotação global transferida, elaborem e

executem seus orçamentos, assegurando a ampla possibilidade de remanejamentos

entre rubricas, programas ou categorias de despesa;

e) a adoção de mecanismo que garanta que excedentes financeiros de um exercício

sejam automaticamente incorporados ao exercício seguinte;

f) a promoção, em paralelo à atuação dos órgãos de controle interno e externo, do

controle social e do autocontrole pela comunidade acadêmica mediante mecanismos

transparentes de prestação de contas e de avaliação institucional baseada em medidas

de desempenho verificáveis.

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Entre as determinações do TCU para corrigir as irregularidades das fundações

destacamos algumas relacionadas à gestão dos recursos. Primeiro a obrigatoriedade de que todos

os recursos passem pela conta única, incluindo qualquer receita auferida com a utilização de

recursos humanos e materiais das IFES tais como: laboratórios, salas de aula; materiais de apoio

e de escritório; nome e imagem da instituição; redes de tecnologia de informação; documentação

acadêmica e demais itens de patrimônio tangível ou intangível das instituições de ensino

utilizados em parcerias com fundações de apoio. Outra determinação é de que a administração

das IFES não emita empenhos em nome da própria IFES ou em nome de fundações de apoio sob

a alegação de inviabilidade de execução orçamentária temporal, em especial em proximidade de

final de exercício.

Apesar do documento do TCU ser de enorme valor, tanto em termos de dados e

visibilidade às irregularidades como na defesa do caráter público das IFES, o texto parte do

princípio que é possível readequar as fundações de apoio, restringindo suas funções.

Para o ANDES, as fundações de apoio são incompatíveis com a universidade pública.

Sua natureza privada as leva a desenvolver atividades empresariais inseridas na lógica do

mercado, estranha a produção e difusão de conhecimento crítico e socialmente referenciado. Para o Movimento Docente, a universidade pública não pode promover,acolher ou ser conivente com a utilização de seus recursos materiais e humanos e do seu prestígio social para o estabelecimento e desenvolvimento de empresas privadas que operam em seu interior. É preciso que essas instituições públicas retomem para si o papel que delegaram a essas fundações (ANDES, 2008, p.4).

No dia 10 de julho de 2010, durante reunião com a ANDIFES, o presidente Lula assinou

4 decretos e uma medida provisória (MP) sobre temas relacionados ao ensino superior, que ficou

conhecido como “pacote da autonomia”. Entre eles estão o decreto nº 7233 e a MP 495.

Um dos objetivos do decreto, bastante comemorado pela ANDIFES, é que a partir dele as

universidades passam a poder usar recursos não utilizados no ano anterior quando vinculados a

fonte de manutenção e desenvolvimento do ensino e quando forem recursos próprios. Essa é uma

medida importante para garantir que as universidades consigam executar seus recursos,

recomendada pelo TCU no acórdão 2731/2008. Mas isso precisa ser analisado dentro do

conjunto, já que ao mesmo tempo em que se melhorou os mecanismos de execução

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orçamentária das IFES, também se ampliou as possibilidades de atuação das fundações de apoio

na medida provisória 495.

Essa MP é a medida mais problemática do pacote. Ela altera três leis anteriores: a lei

8666/93 que institui normas para licitações e contratos da administração pública; a lei 8958/94

que regulamenta a relação das instituições federais de ensino superior e pesquisa científica e

tecnológica com as fundações de apoio; e a lei 10973/04 que dispõe sobre os incentivos à

inovação e a pesquisa científica e tecnológica. Na lei 8958/94 as alterações são mais

significativas. Para adequar-se ao acórdão 2731/2008 do TCU mudam-se algumas regras na

regulação das Fundações. Em parte, algumas medidas vão ao encontro das preocupações do TCU

e são progressivas como a obrigatoriedade de divulgação pela internet dos contratos, das ações

executados e do pagamento a servidores públicos pelas fundações.

Mas outras medidas supostamente para adequação ao acórdão funcionam no sentido

contrário: passam a tornar legal o que o TCU apontava como problemático. Em primeiro lugar

nas finalidades das fundações inclui-se o apoio na gestão administrativa e financeira. Regula-se

também a compreensão de desenvolvimento institucional. A alteração realizada proíbe que

atividades como manutenção predial, limpeza, conservação, vigilância entre outras atividades

administrativas de rotina sejam entendidos como desenvolvimento institucional, mas permite que

as fundações apóiem atividades de natureza infra-estrutural, material e laboratorial se forem

atividades de inovação e pesquisa científica e tecnológica.

Outras mudanças muito importantes são a abertura da possibilidade de que agências de

fomento à pesquisa como a FINEP, a Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e o Fundo

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico possam firmar convênios e contratos

com as fundações de apoio, uma mudança que também consta na lei 10973/04 e a possibilidade

das fundações de apoio darem bolsas para estudantes de pós-graduação que participem de seus

projetos.

Em síntese, se analisadas em conjunto, a MP 495 e o decreto 7233 ao mesmo tempo em

que recolocam as atividades cotidianas de administração e infraestrutura sob a responsabilidade

das IFES, criando, inclusive, mecanismos que facilitam a execução orçamentária, abrem espaço

para uma maior participação das fundações de apoio em atividades de pesquisa (no sentido da

inovação tecnológica conforme compreendido pelo governo). Com isso, privatiza-se ainda mais

os recursos para a pesquisa no Brasil.

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Todas essas medidas, de meados dos anos 1990 até fins da primeira década do século

XXI tiveram impacto no perfil do ensino superior no Brasil. Além das ações relacionadas à

vertente de privatização das instituições públicas, observa-se também no período uma ampliação

da transferência de verbas públicas a instituições privadas.

No governo Cardoso era o FIES80 o mecanismo principal de privatização de recursos

públicos no ensino superior. Em 2005, o governo Lula cria o PROUNI pela Lei 11.096 de 13 de

janeiro. O programa distribui bolsas integrais e parciais em instituições superiores privadas para

estudantes de baixa renda, com reservas de cotas para segmentos populacionais como índios e

negros e para deficientes.

Em troca, o governo garante mais isenções fiscais do que as então vigentes. Entidades

filantrópicas, que já tinham isenção, foram obrigadas a participar do programa com 20% da

receita em atividades assistenciais, 20% em bolsas integrais e 20% em bolsas de qualquer

modalidade. Entidades sem fins lucrativos que já tinham isenção de imposto de renda e

Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) passam a ter isenção de COFINS e PIS, oferecendo

10% de bolsas, sendo 5% integrais e 5% parciais. Entidades com fins lucrativos também podem

ter isenções fiscais se participarem do programa com as mesmas isenções, COFINS, PIS, CSLL

e imposto de renda, e a mesma cota de bolsas, 5% integral e 5% parcial, das entidades sem fins

lucrativos. Isso significaria em 2005, segundo o MEC, 250 milhões em isenção fiscal, caso todas

as instituições privadas aderissem ao PROUNI. Em 2007 a perspectiva era de que o PROUNI

beneficiasse 301.321 alunos com uma renúncia fiscal de 126,05 milhões de reais. Com isso o

governo festejava que cada aluno custaria, em 2007, 418,32 reais por ano para os cofres públicos

(ANDRÉS, 2008, p.18).

O que o governo não diz é que a dívida das instituições privadas, segundo a própria

Receita Federal, chegava a quase 12 bilhões em 2007. Ao se iniciar, o PROUNI previa que as

instituições participantes teriam que comprovar até dezembro do ano anterior da sua adesão, sua

adimplência com os tributos federais que deveriam recolher. O governo estendeu em mais um

ano, entretanto, o prazo dessa comprovação, adiando, em 2006 mais uma vez o prazo para 2007

e, então, para 2008. Em dezembro de 2007, através da Lei 11.552, o governo estabeleceu que as

80 O FIES foi criado em 1999 para substituir o Programa de Crédito Educativo/ CREDUC. É intermediado pela Caixa Econômica Federal. O estudante recebe o crédito desde que cumpra uma série de exigências e paga ao governo depois de formado.Ver: www3.caixa.gov.br/fies/FIES_FinancEstudantil.asp

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instituições que participassem do PROUNI poderiam parcelar as dívidas anteriores a 2006. As

instituições poderiam pagar suas dívidas em 120 parcelas mensais, sem apresentação de garantias

ou arrolamento de bens (ANDRÉS, 2008, 19). E não foi só isso. A lei que criou o PROUNI

permitiu a revalidação de certificados de filantropia que haviam sido cassados pelo Conselho

Nacional de Assistência Social por não aplicarem 20% da sua receita em ações assistenciais, o

que significou “uma anistia velada para as instituições que burlavam a lei” (ANDRÉS, 29). A

fiscalização das entidades filantrópicas de ensino superior passaria a ser feita pelo MEC, apesar

do Ministério não dispor nem de auditores nem de fiscais para essa atividade. O PROUNI foi,

portanto, um grande negócio para os empresários da educação.

Em termos de impacto em 2006 o PROUNI representava um acréscimo de 61,3% das

vagas custeadas pelo governo federal (considerando as vagas das IFES). No entanto, os 138.668

bolsistas parciais e integrais do PROUNI representavam, naquele ano, apenas 3% do alunado

total do ensino superior.

Outra crítica feita ao PROUNI é que ele seria um programa para “matricular alunos

carentes em instituições que ofereciam ensino de má qualidade” (ANDRÉS, 2008, p.31). Mesmo

a UNE, quase sempre aliada ao governo, criticava o programa em 2006, pois os 237 piores

cursos, segundo o ENADE, avaliação do próprio governo, estavam oferecendo bolsas. A

legislação prevê um período de seis anos até que um curso mal avaliado duas vezes possa ser

desligado do PROUNI. Levando-se em conta que há um período de 4 anos entre as avaliações,

os cursos considerados de péssima qualidade, de acordo com critérios do próprio governo,

podem passar no mínimo dez anos vinculados ao programa, recebendo dinheiro público, sem

realizar nenhuma melhoria.

A transferência do fundo público para instituições privadas no ensino superior brasileiro

não foi inaugurada no período neoliberal. Os governos militares já se utilizavam de incentivos e

isenções fiscais, o que explica o boom do ensino privado naquela época. A Lei nº5172/66

determinava, por exemplo, que impostos sobre renda, patrimônio e serviços não incidiriam sobre

quaisquer instituições de ensino. “Assim, as organizações privadas de ensino superior gozaram,

desde a sua criação, dos privilégios da imunidade fiscal (...) valendo-se desse expediente para

crescerem” (ANDRÉS, 2008, p.25). Avigoramos com Lima (2007, p.130):

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A privatização da educação brasileira não é um elemento político exclusivo do projeto neoliberal de sociabilidade: constitui-se em uma marca histórica da inserção capitalista dependente do Brasil na economia-mundo, seja por intermédio da privatização interna das universidades públicas ou do estímulo à abertura de cursos privados.

Segundo Andrés, na década de 1970 a imunidade de Imposto Predial e Territorial Urbano

(IPTU) permitiu que as instituições privadas adquirissem imóveis, a isenção de Imposto sobre

Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e COFINS estimulou o aumento de matrículas, pois

não havia oneração sobre a prestação de serviços, e a isenção de imposto de renda e CSLL

garantiu a saúde financeira das instituições. Esse bom resultado permitia que as instituições

conseguissem empréstimos bancários, auxílio externo e benefícios das agências de fomento.

Lima (2007) afirma que apesar da privatização do ensino superior não ter começado no

período neoliberal, ela tem, nesse momento, especificidades próprias, como a redução do

financiamento público. Vejamos os dados no gráfico:

Gráfico 2

Orçamento das IFES de 1989 à 2007 – todas as fontes. Fonte dos dados: TCU acórdão 2731/2008 e IBGE – em preços de 2008 corrigidos pelo IGPDI.

Os dados demonstram que foi a primeira década dos anos 2000 o pior momento para o

financiamento das IFES, com clara redução dos recursos no segundo governo Cardoso e no

primeiro governo Lula. Apenas em 2006 há uma recuperação, não chegando, entretanto, ao

patamar de 1989.

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A excepcionalidade do período entre 1993 e 1996 é explicada pelo aumento de recursos

próprios nas IFES. Amaral (2003) explica que o alto valor de recursos próprios arrecadados no

período de 1993 a 1995 ocorreu porque as verbas de pessoal eram aplicadas no mercado

financeiro pelas IFES para compensar os altíssimos índices inflacionários, e os ganhos eram

incorporados aos recursos próprios, mecanismo que, segundo autor, era de conhecimento do

MEC. Curiosamente o crescimento das fundações de apoio, apenas para recordar o que já foi

discutido nesse trabalho, começou exatamente em 1995.

Gráfico 3

Recursos próprios aplicados em investimentos nas IFES de 1990 à 2002 Fonte: AMARAL

(2003). Corrigido pelo IGP-DI. Elaboração própria.

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Essa redução na aplicação de recursos nas IFES é ainda mais evidente se comparamos

esses recursos ao PIB anual.

Gráfico 4

Relação entre o orçamento total das IFES e o PIB anual de 1989 à 2007. Fonte dos dados: TCU acórdão 2731/2008 e IBGE – em preços de 2008 corrigidos pelo IGPDI

O gráfico 4 demonstra que em relação ao crescimento de riquezas no país a aplicação de

recursos no ensino superior é amplamente descendente e mesmo a recuperação a partir de 2006 é

bem pequena. Portanto, o aumento de recursos no segundo governo Lula deveu-se, sobretudo, ao

bom momento da economia, tendo um crescimento vegetativo em relação ao PIB que apenas

retomou os níveis de 2002, início do seu governo, bastante distante ainda de 1989

(desconsiderando o período de 1993 a 1996 pelos motivos já citados). Em suma, apesar dos

montantes aplicados nas IFES a partir de 2006 serem superiores a todo governo Cardoso, são

menores, contudo, a todo governo Cardoso na sua relação com o PIB.

Não se pode desconsiderar, ainda, que durante esse período houve ampliação das vagas

nas IFES e, no caso do governo Lula, inclusive abertura de novas IFES.

O REUNI foi o “canto da sereia” mais recente para os defensores do ensino superior

público no Brasil. Na próxima seção analisaremos o que o decreto propõe e qual tem sido o

impacto de sua implementação até o momento.

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3.1 Novas expressões da contra-reforma das universidades: análise do REUNI

Em 24 de abril de 2007 o governo institui o Programa de Apoio a Planos de

Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, através do decreto nº 6.096.

Um dos principais argumentos do governo e da ANDIFES em apoio à iniciativa era de

que o decreto garantiria a autonomia das universidades, pela liberdade de decisão sobre sua

participação no programa e na elaboração dos seus planos. Essa estratégia de “descentralização”

já era preconizada pelo Banco Mundial (2003) como um mecanismo que facilitaria adesão e

consenso da comunidade universitária81. Ainda assim em todas as universidades houve protestos

de setores do movimento estudantil e docente contra a adesão das universidades ao decreto, que

levaram a ocupações de reitoria em diversas universidades82.

O decreto caracteriza-se por um contrato de gestão que, como tal, fixa rígidas metas de

desempenho para recebimento de contrapartidas financeiras. Amaral (2003, 118), afirma que a

lógica de financiamento por contrato vinha tentando ser implementada desde o governo Cardoso.

Nesse momento, os contratos de gestão, estavam diretamente vinculados ao debate da

transformação das IFES em fundações públicas de direito privado83 ou organizações sociais. O

governo Cardoso chega a apresentar o documento “Etapas para a viabilização da aplicação da

Lei de Organizações Sociais na recriação de Universidade Públicas a ser administrada por 81 “Ao ‘utilizar incentivos em lugar de decretos de cumprimento obrigatório’, os dirigentes conquistam um número maior de aliados, uma vez que ‘as instituições e atores envolvidos tendem a responder melhor e mais rapidamente a estímulos construtivos” (BANCO MUNDIAL, 2003 apud NEVES ; PRONKO, 2008). 82 Ver: “Projeto do REUNI gera polêmica na UFRJ” em http://webmail.andes.org.br/modules/smartsection/item.php?itemid=141; “Estudantes protestam contra o REUNI” em http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/estudantes-protestam-contra-reuni; “UFF contra o REUNI” em http://ocupacaouff.blogspot.com/; “Contra o REUNI – UFPE” em http://ocupaufpe.blogspot.com/, entre outros textos e blogs de protesto contra o REUNI em 2007, na sua implementação. Na página http://www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=4810 do sítio do ANDES, há atalhos para os blogs de todas as ocupações realizadas então (todas as consultas realizadas em 12 de agosto de 2010). 83 “A fundação ou sociedade civil de direito privado se habilitaria a administrar os recursos humanos, as instalações e os equipamentos pertencentes ao poder público e a receber os recursos orçamentários para o seu funcionamento. Seriam celebrados contratos de gestão com o Poder Executivo para a execução de parceria entre o privado e o público”(AMARAL, 2003, 118).

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Contrato de Gestão”. Graças à rejeição da comunidade universitária, a proposta foi, por ora,

deixada de lado.

Mas durante todo o governo Cardoso a proposta de financiamento por contrato esteve

presente, atrelada aos debates sobre a concepção de autonomia universitária, que substituía a

idéia de autonomia da gestão financeira pela de autonomia financeira, isto é, responsabilizando a

própria universidade pela captação de seus recursos.

O debate da autonomia universitária é central para a compreensão crítica do

financiamento por contratos de gestão. A legitimidade da autonomia na formação da

universidade moderna é a reivindicação da independência do conhecimento face à religião e ao

Estado. No Brasil, a universidade nunca pode exercer plenamente sua autonomia, graças as

características autoritárias do Estado, que restringiam a autonomia das universidades em relação

a ele (MANCEBO, 2006, p.20). As políticas de contra-reforma universitária, marcadas pela

redução do financiamento têm levado a autonomia universitária a adquirir novos contornos. O

aumento da autonomia financeira (e não da gestão financeira) significa, na prática, a

impossibilidade da autonomia didático-científica e administrativa colocada na Constituição. O

financiamento “autônomo” precisa do mercado e do próprio governo que atrela as universidades

aos seus interesses exatamente através de mecanismos como os contratos de gestão.

Segundo Amaral (2003), as iniciativas de implementação de contratos de gestão

estiveram travestidas de Planos de Desenvolvimento Institucional e Contratos de

Desenvolvimento Institucional, que não obtiveram apoio das IFES no governo Cardoso. Para o

autor essas ações constituiriam “uma verdadeira ‘antiautonomia’ universitária, por obrigar as

instituições, mediante Contrato de Gestão, a cumprir determinadas metas definidas numa

negociação, em que há claramente um lado mais frágil no embate com o governo: as próprias

instituições” (AMARAL, 2003, p.132). Só no governo Lula, com o decreto REUNI, a

contratualização como mecanismo de financiamento, consegue ser implementada.

O objetivo do programa, segundo o decreto, seria a criação de condições de ampliação de

acesso e permanência no ensino superior “pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de

recursos humanos existentes nas universidades federais” (Brasil, 2007, grifo nosso), numa clara

perspectiva racionalizadora, que parte do princípio, coincidente com o do Banco Mundial, de que

há sub-aproveitamento nas universidades federais, diagnóstico presente no Brasil desde a

“reforma universitária” da ditadura militar.

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O programa estabelece duas metas globais que materializam esses objetivos: a elevação

da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para 90% e da relação de alunos

de graduação em cursos presenciais por professor para 18, num período de 5 anos. O parâmetro

para o cálculo de indicadores seria fixado pelo MEC. Iremos aprofundar esse debate

posteriormente, mas é importante já destacar que o MEC, na regulamentação do decreto, alterou

todos os mecanismos para o cálculo dos indicadores de desempenho das universidades, fixados

por órgãos fiscalizadores como o TCU, o que dificulta muito um comparativo histórico entre a

realidade no momento do decreto e as novas metas. Além disso, a unilateralidade na definição

dos parâmetros abriu brechas para manipulações na aferição das metas, de acordo com os

interesses do governo, como veremos a frente.

As diretrizes do programa são:

I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas,

em particular no período noturno;

II- ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares

e sistemas de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos,

mediante o aproveitamento de créditos e a circulação de estudantes entre

instituições, cursos e programas de educação superior;

III- revisão da estrutura acadêmica, com a reorganização dos cursos de graduação

e atualização de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante

elevação da qualidade;

IV – diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não

voltadas à profissionalização precoce e especializada;

V – ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil;

VI – articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a

educação básica.

As diretrizes começam a definir, assim, sobre que bases as metas devem ser alcançadas, o

que seria aprofundado no documento do MEC “Diretrizes do REUNI”, limitando os planos

locais a essas orientações. Nas entrelinhas das diretrizes deixa-se subentendido possibilidades de:

transferência de estudantes do setor privado para o público (inciso II), ampliação do uso de EAD

(inciso III) e implementação de ciclos básicos e bacharelados interdisciplinares (inciso IV) entre

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outras, que foram posteriormente sendo definidas, como as bolsas de docência para alunos de

pós-graduação (inciso VI).

Na medida em que elaborassem e apresentassem seus planos as universidades teriam

aportes de recursos de pessoal, custeio e investimentos. As propostas, porém, necessitariam ser

aprovadas pelo MEC e os repasses estariam subordinados ao cumprimento das etapas.

Os recursos seriam destinados a: I – construção e readequação de infra-estrutura e

equipamentos necessários à realização dos objetivos do programa; II - compra de bens e serviços

necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos; e III – despesas de custeio e

pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano de reestruturação.

Em relação ao terceiro inciso, que trata dos aportes de pessoal e custeio, o decreto fixa o

acréscimo a um limite de 25% das despesas de custeio e pessoal num período de 5 anos,

excluindo os inativos, tendo por base o orçamento inicial da execução do plano em cada

universidade, mesmo antes de definir a proporção da expansão proposta. Já no documento do

MEC “Diretrizes do REUNI” (2007, p.13) o acréscimo fixado é ainda menor limitando-se a 20%

a mais no decorrer de 5 anos, tendo como parâmetro o orçamento de 2007 e a expansão exigida é

de no mínimo 20% das vagas.

Com isso, o programa REUNI define uma expansão de vagas nas universidades federais,

desconsiderando os déficits anteriormente acumulados nos orçamentos de custeio e pessoal.

Segundo dados de Amaral (2003), só entre 1995 e 2002, os recursos de custeio, excluídos os

benefícios aos trabalhadores e o pagamento de substitutos, haviam se reduzido em 62%, padrão

que no período posterior não foi reposto.

A expansão das vagas nas universidades públicas é uma reivindicação histórica dos sujeitos

coletivos da sociedade. Desde sua origem, o ANDES defende a universalização do ensino

superior público, compreendido como direito. Nas suas propostas para o financiamento da

universidade consta: “A expansão da rede pública de ensino em todos os níveis e modalidades

com recursos assegurados para o pleno aproveitamento da capacidade física instalada para

ensino, pesquisa e extensão é prioridade” (ANDES, 2003).

Apropriando-se dessas bandeiras, o decreto REUNI conseguiu grande adesão da sociedade.

A expansão proposta, porém, está atrelada a uma reestruturação da universidade para os padrões

requisitados pelo capitalismo em sua fase atual, materializados nas propostas do Banco Mundial.

É, portanto, uma “jogada de mestre”, que se aproveita da confiança depositada no governo Lula

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por sujeitos e movimentos sociais, que enxergam na expansão “nossas reivindicações”, e do

histórico recrudescimento dos orçamentos públicos das universidades federais, tornando os

recursos prometidos pelo REUNI um sopro de esperança, após um período mais evidente de

exclusivo incentivo ao ensino privado. Não se pode perder de vista, entretanto, que essa suposta

virada de prioridades para as instituições públicas, não extinguiu o financiamento público para as

instituições privadas, que, ao contrário, aumentou no governo Lula através do PROUNI e da

ampliação do FIES.

Outro artigo determina que: “o atendimento aos planos é condicionado à capacidade

orçamentária e operacional do MEC”, o que significa que não há garantias dos repasses, nem são

as necessidades das universidades federais que os orientam, continuando subordinados aos

limites orçamentários determinados pela política econômica e a flutuações da conjuntura.

Após a elaboração e a aprovação dos Planos de Expansão nos Colegiados Superiores das

universidades federais, os reitores assinaram junto ao MEC um acordo de metas onde se

comprometem com uma expansão determinada de suas vagas em troca de aportes financeiros e

concursos para pessoal. Esses acordos não são públicos na maioria das universidades.

A seguir iremos detalhar algumas das conseqüências da implementação do REUNI, o que foi

desenvolvido dos documentos posteriores e como tem sido o repasse financeiro para as

universidades federais, tendo como referência o início da implementação dos planos, entre 2007

e 2008, e meados de 2010. Com isso poderemos chegar a algumas conclusões de como o REUNI

vem funcionando na prática, ainda que preliminares dado que o programa se estenderá até 2012.

Assim poderemos referendar ou refutar as hipóteses levantadas inicialmente sobre os caminhos

que estariam sendo abertos para a contra-reforma das universidades públicas a partir do decreto.

3.2 Reestruturação: as mudanças curriculares

Segundo Lima (2009), o REUNI é uma face do projeto Universidade Nova (UniNova),

elaborado por docentes da UFBA. Ambos baseiam-se na mesma proposta de “nova arquitetura

curricular” através da organização de bacharelados interdisciplinares dividindo a formação entre

ciclos básicos e ciclos profissionalizantes. O projeto UniNova sofreu, porém, críticas dos reitores

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por desconsiderar a necessidade de ampliação do orçamento público para garantir as metas de

expansão e reestruturação, “o REUNI, portanto, é o UniNova com (algum) financiamento

público” (LIMA, 2009, p.23), ainda que o decreto não faça menção explícita a suas propostas.

O projeto Universidade Nova foi lançado em 2007, quase concomitante ao REUNI, e

recebido com entusiasmo pelo MEC. Ele parte do princípio de que as reformas universitárias no

Brasil são incompletas porque tratam da gestão, da regulação, do financiamento, do acesso, mas

não mexem nas estruturas curriculares. O diagnóstico da falência do modelo de educação

superior no Brasil é dado pelos seguintes aspectos, segundo o projeto UniNova:

[...] estreitos campos do saber contemplados nos projetos pedagógicos, precocidade na escolha das carreiras, altos índices de evasão de alunos por desencanto com os estudos e por falta de condições de permanência, descompasso entre a rigidez da formação profissional e as amplas e diversificadas competências demandadas pelo mundo trabalho e, sobretudo, os desafios da Sociedade do Conhecimento, são problemas que, para sua superação, requerem modelos de formação profissional mais abrangentes, flexíveis, integradores (UFBA, 2007b, p.10)

Outro aspecto relevante citado no projeto é a necessidade de adequar o Brasil ao ensino

superior do mundo globalizado, construindo “um modelo compatível tanto com o Modelo Norte-

Americano, quanto com o Modelo Unificado Europeu (processo de Bolonha), sem, no entanto,

significar submissão a qualquer um desses regimes” (UFBA, 2007b, p.9).

O Processo de Bolonha teve início com um acordo assinado em 1999 por 29 Ministros da

Educação europeus. Seu objetivo é a criação de uma área comum européia de ensino superior

que amplie a competitividade das instituições daquele continente. As metas traçadas até o fim da

primeira década de 2000 eram: ampliação da mobilidade estudantil e docente, criação de regras

de equivalência de diplomas entre as instituições, divisão do ensino superior em duas fases – a

primeira profissionalizante de 3 anos e a segunda de mestrado e doutorado (DECLARAÇÃO DE

BOLONHA, 1999).

Já o modelo norte-americano é marcado pela diversificação de instituições: universidades

de pesquisa, de ensino e cursos pós-secundários, os colleges, voltados para a formação rápida de

mão de obra para o mercado (RISTOFF, 1999).

Ainda que negue ser coincidente com os dois modelos84, a UniNova parte do mesmo

princípio de necessidade de integração e equivalência na titulação entre os países e de adequação

84 O Processo de Bolonha vem exatamente para disputar hegemonia com os EUA, num processo caracterizado por Lima et al (2008) como integrador e diferenciador, ou seja, ao mesmo tempo em que cria um mercado comum europeu de

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de currículos e conteúdos às novas competências exigidas pelo mercado aos trabalhadores

intelectuais.

Com isso pretende adequar a força de trabalho intelectual às necessidades do capital

mundializado, ampliando as possibilidades de mobilidade da força de trabalho, o que amplia

potencialmente o exército de reserva global.

Ao mesmo tempo adequa as competências dos trabalhadores às necessidades do regime

de acumulação flexível. O Projeto Universidade Nova cita o documento que é resultado do

Congresso Mundial sobre o Ensino Superior da United Nations Educational Scientific and

Cultural Organization (UNESCO), ocorrido em 1998, como importante fonte de dados

balizadora das competências que o mercado de trabalho espera dos trabalhadores egressos do

ensino superior. Essas competências seriam: flexibilidade; capacidade de contribuir para a

inovação, demonstrando criatividade; capacidade de enfrentar a incerteza; desejo de aprender ao

longo da vida; sensibilidade social e aptidão para a comunicação; capacidade de trabalhar em

equipe; espírito empreendedor; preparo para a internacionalização do mercado, familiarizando-se

com culturas diferentes; largo espectro de competências genéricas em variados campos do

conhecimento, especialmente das novas tecnologias, que formam a base das diversas

competências profissionais. Todas são características adequadas ao princípio da polivalência e à

lógica do trabalho instável e desregulamentado. Essa massa de trabalhadores genéricos, com uma

formação equivalente em diversos países, permitiria uma mobilidade ainda maior do capital, bem

como uma redução de salários como produto do aumento da competição entre os trabalhadores,

com tendência à desregulamentação das profissões. Sobre esse aspecto o documento da

Universidade Federal da Bahia (UFBA, 2007a), critica frontalmente a elaboração das diretrizes

curriculares pelo que chamam de “corporações profissionais”, o que seria, segundo o documento,

uma perda de autonomia e uma submissão dos currículos ao mercado85.

educação superior para competir com outras instituições, agudiza a competição entre as instituições européias, que aderem ao Processo de Bolonha, desconsiderando as debilidades prévias existentes. Assume, assim, “um modelo mercantil, competitivo e etnocêntrico, com claro viés imperialista”. 85 Argumentos infundados, em nossa opinião, que operam para minar a lógica de regulamentação das profissões. Essa regulamentação serve, muitas vezes como no caso do Serviço Social, exatamente para proteger o arcabouço profissional do pragmatismo do mercado que é beneficiado, isso sim, pela flexibilização dos currículos e a formação polivalente dos futuros trabalhadores.

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A matriz do Projeto UniNova é o Projeto Tunning, parte do Processo de Bolonha,

elaborado na Europa e transplantado à América Latina pelo Projeto Tunning – América Latina.

Segundo os documentos da UFBA (2007a, p.28):

Os princípios da Universidade Nova tomam como referência pedagógica competências desenvolvidas no Projeto Tuning - América Latina, um consórcio de 62 universidades latino-americanas, incluindo instituições brasileiras. Com essa iniciativa, procurou-se iniciar um diálogo para melhorar a colaboração entre essas instituições de educação superior, favorecendo o desenvolvimento da qualidade, da efetividade e da transparência no intuito de identificar tanto competências genéricas proporcionadas pela educação superior como competências específicas relacionadas às profissões. Esses pontos comuns identificados surgiram da necessidade de alargar os canais destinados ao reconhecimento das titulações na região e com outras regiões do planeta.

Essas competências genéricas, definidas pelo Projeto Tunning, são as mesmas que

orientam os projetos pedagógicos da UniNova, bastantes adequadas às competências definidas

também pela UNESCO. A noção de competência substitui a de conteúdos acadêmicos e sintetiza

a combinação de conhecimentos teóricos, capacidade de aplicação prática e valores (ABOITES,

2009). No Tunning há 25 competências genéricas, além das competências específicas de cada

carreira, estando todos no UniNova, quais sejam:

1. Responsabilidade social e compromisso cidadão

2. Capacidade de comunicação oral e escrita

3. Capacidade de comunicação em um segundo idioma

4. Habilidades no uso das tecnologias da informação e da comunicação

5. Capacidade de investigação

6. Capacidade de aprender e atualizar-se permanentemente

7. Capacidade de crítica e autocrítica

8. Capacidade para atuar em novas situações

9. Capacidade criativa

10. Capacidade para identificar, planejar e resolver problemas

11. Capacidade para tomar decisões

12. Capacidade de trabalho em grupo

13. Capacidade de motivar e conduzir para metas comuns

14. Compromisso com a preservação do meio ambiente

15. Compromisso com seu meio sócio-cultural

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16. Valorização e respeito pela diversidade e multiculturalidade

17. Habilidade para trabalhar em contextos internacionais

18. Habilidade para trabalhar de forma autônoma

19. Capacidade para formular e gerir projetos

20. Compromisso ético

21. Compromisso com a qualidade

22. Capacidade de abstração, análise e síntese

23. Capacidade de aplicar os conhecimentos na prática

24. Capacidade para organizar e planejar o uso do tempo

25. Conhecimentos sobre uma área de estudo ou profissão

Aboites (2009,10) critica o projeto, em primeiro lugar, porque ele fere a autonomia

universitária e teve um processo de definição das competências centralizador, restritivo e

inclinado ao pensamento único. Do ponto de vista pedagógico-educativo, o autor define a lógica

das competências como abstrata e irreal, pois desconsidera as diferenças regionais, os contextos

sociais, a diversidade, a cultura e a pluralidade de visões e enfoques da realidade, gerando um

ensino fragmentado que conduz ao que chama de “profissionais de manual”. Cada competência é

tomada em si mesma, sem relacionar-se com o todo.

A lógica de estrutura curricular, propriamente dita, proposta pela UniNova passa a dividir o

ensino superior em três ciclos: o bacharelado interdisciplinar, a formação profissional em

licenciaturas ou carreiras específicas e a formação em nível de pós-graduação.

Os Bacharelados Interdisciplinares (BI) compreendem “uma nova modalidade de curso

de graduação”, “interdisciplinar, geral e propedêutica” (UFBA, 2007a, p.13). Tem duração de 3

anos e é pré-requisito para os outros ciclos. Ao fim do BI o estudante passa por uma nova

seleção a fim de ingressar no segundo ciclo. A titulação, ao fim do BI, refere-se a uma área de

concentração, sendo cada um dos 4 BIs (Artes, Humanidades, Ciência e Tecnologia e Saúde)

composto por várias áreas. Os estudantes terão, ainda, a opção de fazer apenas os dois primeiros

anos do BI, de formação geral, saindo com um Diploma de Curso Sequencial, que permite

acesso aos cursos tecnológicos, que fornecem diploma de Tecnólogo após 2 a 3 semestres.

Após os BIs os alunos poderão ingressar em cursos de licenciatura, com mais 1 a 2 anos

de formação, cursos profissionais, com mais 2 a 4 anos de formação, ou diretamente para

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programas de pós-graduação, se aprovados em processos seletivos, para tornarem-se docentes ou

pesquisadores.

A idéia dos três ciclos assemelha-se ao que vem sendo implementado pelo Processo de

Bolonha, mantendo a centralidade da mobilidade estudantil, já que os alunos podem disputar

nacionalmente as vagas a cada ciclo de formação. Na Europa essa política tem sido criticada

pelos estudantes, pois se mantém os entraves financeiros à mobilidade, que não é acompanhada

de políticas compatíveis de assistência (Lima et al, 2008). Na UniNova a assistência se traduz

em políticas de cotas associadas a projetos de permanência, voltados, de forma focalizada e

meritocrática, aos segmentos mais pauperizados.

Para Lima et al (2008, p.26) “em essência, a Universidade Nova não é a negação dos

modelos existentes nos EUA nem em implantação na Europa (Processo de Bolonha), mas sim,

uma mescla tímida de ambos”, sem a infra-estrutura das universidades norte-americanas e sem

encaminhar a formação profissional na graduação, o que ainda acontece na Europa.

Porém, na prática, as reestruturações acadêmico-curriculares dentro do REUNI tem

acontecido com diferentes ritmos e compreensões. Em janeiro de 2010 a ANDIFES publicou o

Relatório de Acompanhamento do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão

das Universidades Federais. Nesse relatório são repassadas as informações enviadas pelas

universidades86 sobre os avanços realizados nos vários aspectos do programa. No que tange as

reestruturações acadêmico-curriculares, 45 das 53 universidades que aderiram ao REUNI, ou

seja, 85%, afirmam terem inovações em curso.

Apesar de todas as universidades estarem adequadas ao discurso, pregando flexibilização

e mobilidade, os graus de mudança são distintos, refletindo inclusive as diferenças de ponto de

partida.

86 As universidades que aderiram ao REUNI são: FURG (RS), UFAL (AL), UFAM (AM), UFBA (BA), UFC (CE), UFCG (Campina Grande – PB), UFCSPA (Ciências da Saúde de POA – RS), UFERSA (Semi-árido, CE), UFES (ES), UFF (RJ), UFG (GO), UFGD (Grande Dourados - MS ), UFJF (Juiz de Fora – MG), UFLA (Lavras – MG), UFMA (MA), UFMG (MG), UFMS (MS), UFMT (MT), UFOP (Ouro Preto – MG), UFPA (PA), UFPB (PB), UFPE (PE), UFPEL (Pelotas – RS), UFPI (PI), UFPR (PR), UFRA (Rural – AM), UFRB (Recôncavo Baiano – BA),UFRGS (RS), UFRJ (RJ), UFRN (RN), UFRPE (Rural – PE), UFRR (RR), UFRRJ (Rural – RJ), UFS (SE), UFSC (SC), UFSCAR (São Carlos – SP), UFSJ (São João Del Rei – MG), UFSM (Santa Maria – RG), UFT (TO), UFTM (Triângulo Mineiro – MG), UFU (Uberlândia – MG), UFV (Viçosa – MG), UVJM (Vale do Jequitinhonha e Mucuri – MG), UNB (BSB), UNIFAL (Alfenas- MG), UNIFAP (AP), UNIFEI (Itajubá-MG), UNIFESP (SP), UNIR (RO), UNIRIO (RJ), UNIVASF (Vale do São Francisco (NE), UFAC (AC), UTFPR (Tecnológica – PR). Apenas a UNIABC (SP) e a UNIPAMPA (RS) não aderiram ao programa pois, criadas em 2005 e 2007 respectivamente, ainda estão em fase de implantação.

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Apenas 8 universidades já implementaram ou pretendem implementar um sistema de BI,

destacando-se a UFBA e a UNB, que já estão fazendo concursos de acesso apenas para esse

modelo. A UFJF, a UFT e a UFVJM implementaram BIs para alguns cursos, a UFRN

implementou um BI de dois ciclos, a UFERSA apenas para as Engenharias e a UNIFESP vai

implementar os BIs em 2011.

A maioria das universidades tem caminhado para um novo modelo por meio, até o

momento, da criação de cursos interdisciplinares, em alguns casos dirigidos por várias unidades

acadêmicas e centros setoriais. Algumas como a UFGD e a UFLA começaram a implementar

ciclos básicos de 3 semestres comuns a todos os cursos.

Mas também chama atenção como 17 universidades declaram como inovações

curriculares apenas mudanças muito pontuais na estrutura dos currículos, na estrutura

administrativa e na mobilidade interna dos estudantes.

Destacamos, ainda, como 6 universidades consideraram inovações a introdução do EAD

parcial para o ensino presencial e 2 consideraram políticas de bolsas para estudantes de pós-

graduação exercerem atividades de ensino, que deveriam ser ministradas por docentes, como

inovações importantes.

Essas inovações, em particular, se fazem necessárias na medida em que a expansão

proposta de matrículas não é proporcional ao aumento de docentes, o que traz a necessidade de

“alternativas” pedagógicas. Essa é a realidade que analisaremos na próxima seção.

3.3 Precarização e superexploração do trabalho docente: a expansão das matrículas e o

aumento da relação professor/aluno

O banco de professores-equivalente foi instituído pela Portaria Interministerial nº 22 de

2007 do MEC e do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), seis dias depois

do decreto REUNI87. O banco é anunciado na portaria como um instrumento para a gestão

administrativa de pessoal, que permitiria as universidades ter autonomia para fazerem concursos 87 O governo instituiu através do decreto 7232 de 19 de julho de 2010 um banco de equivalentes para os trabalhadores técnico-administrativos das IFES, no molde do banco de docentes.

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públicos e contratar substitutos dentro dos limites fixados pelo banco. O banco quantifica o

número de docentes de cada IFES através de um critério de equivalência que toma o professor

adjunto 40h como referência. Os docentes com dedicação exclusiva são multiplicados por 1,55 e

os docentes 20h por 0,5. Já os substitutos são multiplicados por 0,4 se 20h e 0,8 se 40h. As

autorizações para contratação de docentes para expansão das universidades, que expandiria,

portanto, o banco, passam a ser expressas na unidade professor-equivalente, cabendo às

universidades a definição sobre os regimes de trabalho dos concursos e contratos, dentro desse

limite.

Até pela sua proximidade, fica claro que o banco de professores-equivalente é uma medida

complementar à lógica de expansão determinada pelo REUNI.

O ANDES, em suas análises, temia que a lógica da equivalência levasse as universidades a

preferirem a contratação de três docentes 20h, em lugar de um docente em dedicação exclusiva,

já que desta forma conseguiria maior carga horária para o ensino, na medida em que o docente

efetivo DE dividiria sua carga horária entre ensino, pesquisa e extensão. Da mesma forma, as

universidades poderiam preferir a contratação de substitutos em lugar de efetivos, que teriam

carga horária exclusiva dentro da sala de aula e não onerariam a universidade futuramente com

gastos de aposentadoria e benefícios que são direito dos efetivos (ANDES, 2007).

Na prática, até 2009, não é isso que tem ocorrido. Houve na expansão das vagas uma redução

dos docentes 20h e uma ampliação dos docentes com dedicação exclusiva. A tendência só pode

ser explicada como uma resistência dos docentes dentro das unidades, que são responsáveis pela

decisão do regime de trabalho de cada nova vaga, já que recebem as vagas no critério de

equivalência.

Mas, apesar da contratação de professores 20h ou da troca de concursados por contratados

não ter se dado até o momento, essa preocupação deve se manter, pois a necessidade de força de

trabalho para lecionar na graduação pode constranger as unidades a fazerem essa opção mais a

frente. Uma opção que teria impacto na redução da pesquisa e da extensão, quebrando a lógica

da indissociabilidade que consta na Constituição brasileira.

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Tabela 1 – Ampliação do número de docente e regime de trabalho – UFF e UFRJ88 

Docentes  2007  2008  2009  AmpliaçãoUFRJ 

20h  436  507  249  ‐43% 40h  399  388  376  ‐6% DE  2656  2655  2842  7% 

Equivalente  4733,8  4756,75  4905,6  4% Substitutos  230  386  264  15% 

UFF 20h  501  479  466  ‐7% 40h  181  200  169  ‐7% DE  1732  1767  2076  20% 

Equivalente  3116,1  2446  3619,8  16% Substitutos*             

Fonte: Relatórios de Gestão– Elaboração Própria *Não encontramos esse dado nos Relatórios de Gestão da UFF.

Essa necessidade de mais professores para dar aulas na graduação se intensifica a partir

da meta número 1 do REUNI, que vai reduzir proporcionalmente o número de docentes das IFES

em relação ao existente hoje.

A meta global número um é a ampliação da relação de alunos de graduação em cursos

presenciais por professor para dezoito ao final de 5 anos. Segundo os Relatórios de Gestão da

UFF e da UFRJ, elaborados pelos critérios do TCU, a relação desde 2003 é a exposta na tabela 2.

Na tabela 3, observamos, nos critérios do REUNI, como está prevista a ampliação da relação

professor/aluno até 2017.

88 Para ter uma melhor compreensão de como tem se dado a implementação do REUNI analisaremos mais

minuciosamente a realidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). A UFRJ é uma universidade de grande porte. Em 2007, antes do início do REUNI, contava com 141 cursos de graduação, 87 de mestrado e 73 de doutorado, totalizando 36.174 alunos de graduação e 7.650 alunos de pós-graduação além de 8 HUs e centros importantes de P&D como a COPPE. Isso tenderia a classificá-la, na lógica do governo, como uma universidade de pesquisa (RELATÓRIO DE GESTÃO UFRJ, 2007). Já a UFF é uma universidade de médio porte, que em 2007 possuía 70 cursos de graduação presenciais, totalizando 22.943 alunos, e 43 programas de pós-graduação, totalizando 3.382 alunos. Seria caracterizada, portanto, como uma universidade de ensino (RELATÓRIO DE GESTÃO UFF , 2007).

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Tabela 2 – Comparação da relação professor/ aluno entre UFF e UFRJ pelos critérios do TCU

Relação professor/aluno critério TCU    UFF  UFRJ  

2003  10,55  11,74 

2004  10,65  12,88 

2005  11,49  13,56 

2006  10,75  13,19 

2007  10,83  12,72 

2008  11,84  13,53 Fonte: Relatórios de Gestão UFF e UFRJ– Elaboração Própria

Tabela 3 - Comparação da previsão de ampliação da relação professor/ aluno na UFF e UFRJ pelos critérios do REUNI

Relação aluno de graduação por professor RAP 

2007 2008 2009 2010 2011  2012  2017

UFF  11,36 12,03 15,92 17,98 18  18  18,28UFRJ  15,09 15,85 17,28 16,27 16,22  18,26  18,28

Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria

Portanto para atingir essa meta a expansão do número de docentes não pode ser

proporcional à expansão do número de estudantes. Ainda que o número de concursos seja maior

do que nos últimos anos, a meta do REUNI é que em 2012 o número, já insuficiente, de

docentes seja proporcionalmente menor do que a situação atual.

O cálculo professor/aluno (RAP) presente no documento “Diretrizes do REUNI” é:

RAP= MAT

DDE – DPG

Nessa conta o numerador (MAT) é a soma das vagas de ingresso anuais multiplicado pela

duração mínima de integralização do curso e multiplicado por (1+fator de retenção) onde o fator

de retenção é determinado de acordo com cada área de conhecimento. Assim o número de

matrículas na graduação não equivale aos efetivamente matriculados, mas a uma estimativa que

leva centralmente em consideração o número de vagas anuais oferecidas.

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O denominador é docentes com equivalência de dedicação exclusiva (DDE) que é igual a

soma de professores equivalentes dividido por 1,55, que é o índice da dedicação exclusiva89. Da

DDE subtrai-se a Dedução da Pós-Graduação (DPG) que é calculado pela soma de alunos de

mestrado e doutorado multiplicado pela média de avaliação da CAPES considerando-se como

mínimo uma dedução de 5% do DDE, o que seria a média nacional.

Essa dedução tem dois problemas. Em primeiro lugar desconsidera para o cálculo da RAP,

ou seja, da produtividade docente no sentido colocado pelo REUNI, os alunos da pós-graduação

lato sensu. No caso da UFF os relatórios de gestão estimam que são mais de 6.000. Se hoje as

pós-graduação lato sensu pagas (chamadas eufemisticamente nos documentos da reitoria da UFF

de auto-financiadas) já são a maioria, a retirada desses cursos da carga de trabalho considerada

tende a determinar de vez sua mercantilização. Em segundo lugar, a inclusão das notas do

CAPES, amplamente criticadas pelo seu caráter produtivista, leva a um favorecimento de

universidades com pós-graduações mais consolidadas. Com isso se firmam como universidades

de pesquisa que vão manter menor o número de alunos de graduação aquelas que já têm esse

perfil e como universidades de ensino de graduação aquelas que têm menos tradição na pós-

graduação stricto sensu.

Pode parecer pouco, mas não é. Na comparação entre a DPG da UFRJ e da UFF,

conforme os dados da tabela 4, retirados dos acordos de metas, percebe-se a gritante diferença

entre as universidades.

Tabela 4 – Comparação do DPG da UFF e da UFRJ

Dedução por integração na Pós‐

Graduação 2007  2008  2009  2010  2011  2012  2017 

UFF  108,32  115,39  125,79  129,84  137,24  137,24  137,24 

UFRJ  1179,72  1187,31 1143,56 1087,31 1049,81 1359,67  1359,67Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria

89 Em comparação aos critérios de equivalência do TCU há um aumento da exploração do docente já no cálculo da dedicação exclusiva. Para o TCU um docente DE equivale a 1, o mesmo que um docente 40h. Nos critérios do REUNI o peso do docente dedicação exclusiva (DE) aumenta 55% , multiplicado na equivalência por 1,55.

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Disso decorre que a ampliação das matrículas de graduação na UFF segundo o acordado

pelo REUNI deve ser o dobro da ampliação na UFRJ conforme exposto nas tabelas 5 e 6. Ou

seja, a lógica de ampliação do REUNI já traz, em si, uma ampliação na diversificação das IFES

separando “escolões” de formação profissional de “centros de excelência” mais voltados à pós-

graduação.

Tabela 5 – Comparação da ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ prevista por ano, de acordo com as metas do REUNI

Ampliação da matrícula na graduação 

2007  2008  2009  2010  2011  2012  2017 

UFF  23384,8  26367,9 38056,8 44364,2 45934,5 46934,5  46934,5

UFRJ  32313,2  34599  41516,5 43624,5 46655,6 48598  48598 

Ampliação na UFF     13%  44%  17%  4%  2%  0% Ampliação na UFRJ     7%  20%  5%  7%  4%  0% 

Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria

Tabela 6 – Comparação da previsão de ampliação de matrículas entre UFF e UFRJ no total, de acordo com as metas do REUNI Expansão da graduação 2007 ‐2012 

UFF  101%

UFRJ  50%Fonte: Acordos de Metas – REUNI– Elaboração Própria

Em relação aos concursos docentes, há no acordo de metas de cada universidade uma

previsão de vagas de expansão do banco de professor-equivalente. Analisando a previsão de

expansão e a expansão ocorrida, tendo UFF e UFRJ como exemplo, verificamos que há um

atraso desses concursos, assim como há um atraso na expansão de matrículas prevista, sobretudo

nos cursos noturnos (tabela 10).

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Tabela 7 – Ampliação do banco de professores equivalentes prevista e executada na UFF e na UFRJ

Professores equivalentes 

  

  

2007  2008  2009  2010  2011  2012  2017

Previsto REUNI 3358  3577  3899  4025  4254  4254  4254UFF 

Realizado  3116,1 2446  3619,8            Previsto REUNI 5147  5224,5 5495,7 5841,4  6077  6232  6232

Número de professores equivalente 

UFRJ Realizado  4733,8 4756,7 4905,6            

Fonte: Acordos de Metas e Relatórios de Gestão– Elaboração Própria

Tabela 8 – Ampliação do banco de professores equivalente prevista e executada na UFF e na UFRJ: percentuais.

  

Ampliação prevista 2007 ‐ 

2012 

Diferença previsto e 

ampliado 2007 ‐ 2010 

UFF  27%  ‐7% 

UFRJ  21%  ‐11% 

Fonte: Acordos de Metas e Relatórios de Gestão– Elaboração Própria

Tabela 9. Ampliação das matrículas, total e noturna, prevista e executada na UFF e na UFRJ

Tabela de indicadores e dados globais Indicadores  2007 2008 2009  2010  Diferença 

UFRJ 

Previsto REUNI  6625 7095 8503  8923    Ampliado  6625 6825 7682  8254  ‐7%Previsto REUNI Noturno 1158 1738 1926  2131    

Graduação  Vagas Anuais 

Ampliado Noturno  1158 1288 1550  1850  ‐13%UFF 

Previsto REUNI  4818 5428 8008  9398    Ampliado  4628 5433 6070  7442  ‐21%Previsto REUNI Noturno 1140 1315 3095  3745    

Graduação  Vagas Anuais 

Ampliado Noturno  970 1315 1429  2093  ‐44%

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Fonte: Acordos de Metas – REUNI e dados do Vestibular UFF e UFRJ– Elaboração Própria

Como podemos observar na tabela 9 a ampliação de vagas docentes prevista na UFF é um

pouco maior que na UFRJ. Essa diferença não compensa, todavia, a ampliação de matrículas,

que na UFF será o dobro. Reforça, portanto, o nosso argumento: que o critério utilizado no

REUNI de dedução de pós-graduação vai ampliar a diferenciação entre universidades de

pesquisa e de ensino, já que a expansão será mais aprofundada e a redução proporcional do

número de docentes será maior em universidades que tem um menor número de estudantes de

pós-graduação stricto sensu e uma nota mais baixa na CAPES.

É importante considerar que esse crescimento desigual entre matrículas e concursos para

docentes e técnico-administrativos não é inaugurado pelo REUNI. A ampliação da relação

professor-aluno para 1 para 18 já parte de um déficit de docentes anterior. Segundo dados de

Silva Júnior et al (2010) as matrículas na graduação em universidades públicas cresceram, entre

1995 e 2004, em 71%. Na região Sudeste este aumento foi de 44% acompanhado de uma

ampliação de docentes em dedicação exclusiva de 23 mil para 26 mil, o que significa

aproximadamente 15%.

Essa redução proporcional do número de docentes das universidades públicas, que tende

a se ampliar, associado, ainda, ao arrocho salarial90, tem significado uma superexploração do seu

trabalho, com alterações importantes da sua natureza. O professor também passa a ser vítima da

reestruturação produtiva e, assim como os demais trabalhadores intelectuais que forma, passa a

ser exigido em novas competências.

Uma das importantes alterações na natureza do trabalho docente transforma o professor

em um empreendedor. Por meio da venda de pesquisas e da prestação de serviços em parcerias-

público privadas, captação dos fundos setoriais entre outros mecanismos. O trabalho dos

docentes passa a ser uma alternativa para o financiamento das universidades, bem como para a

complementação do seu salário, o que é estimulado pelo governo. Esse estímulo fica claro, por

exemplo, nas novas propostas de regulação da dedicação exclusiva do governo Lula. A proposta

90 Ainda segundo Silva Júnior et al (2010, p.21), o salário do professor titular doutor em regime de dedicação exclusiva das universidades federais se reduziu, com correção inflacionária, de R$ 10.092,96 em 1995 para R$7.830,13 em 2007, um decréscimo de aproximadamente 25%.

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apresentada em julho de 2010 flexibiliza a dedicação exclusiva ampliando as possibilidades

legais dos docentes receberem de outras fontes por serviços prestados91.

A polivalência se expressa na demanda por múltiplas atividades: ensino, pesquisa –

dentro do critério produtivista -, extensão – sobretudo por meio da venda de serviços- e

administração. Esse último aspecto tem sido cada vez mais demandado aos docentes, que sofrem

com a falta de recursos financeiros, de apoio administrativo e com a complexidade dos

procedimentos e processos decisórios, tornando uma atividade que deveria ser acadêmica numa

substituição de profissionais técnico-administrativos, também escassos nas instituições92

(LEMOS, 2010).

A flexibilidade no trabalho se expressa na necessidade de adaptação rápida a novas

modalidades de cursos (rápidos, à distância), a vários modelos de avaliação quantitativos por

produção, prazos reduzidos e resultados de aplicação imediata, além da já citada busca

necessária por financiamento aos seus projetos (LEMOS, 2010, p.32). Essa necessidade, por sua

vez, amplia a competitividade entre professores e entre alunos, o individualismo e, em

conseqüência, a alienação no trabalho.

Ao mesmo tempo, o docente tem, cada vez mais, seu trabalho controlado, perdendo sua

autonomia. Isso ocorre pela falta de financiamento à pesquisa, que fica subordinada a convênios

e editais, à ampliação da função reguladora de órgãos como a SESU e o MEC, e as inúmeras

avaliações internas e externas do trabalho docente e dos conteúdos programáticos, como ocorre

no ENADE. “Assim a autonomia do docente vai se restringindo cada vez mais e, até, se

transformando numa ‘ilusão de autonomia’” (LEMOS, 2010, p.35).

O ensino, por sua vez, por ser uma atividade que não garante produtividade, novas fontes

de financiamento, nem o status da pesquisa, contraditoriamente transforma-se numa atividade

marginal, deixando de ser prioridade para instituições e para os próprios docentes (LEMOS,

2010).

91 Para aprofundar esse debate ver as análises do ANDES em: www.andes.org.br/imprensa/ultimas/contatoview.asp?key=6720. 92 Segundo dados do INEP citados por Silva Júnior et al (2010) o número de funcionários técnico-administrativos decresceu em mais de 30% nas IFES entre 1995 e 2004. Segundo a hipótese dos autores as novas tecnologias permitiram uma transferência de funções dessa categoria para os docentes que passaram a preencher planilhas de notas, programas de disciplinas e formulários de agências de fomento online.

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Todas essas mudanças impostas ao trabalho docente no ensino superior são a expressão

da reestruturação produtiva para esse segmento da classe trabalhadora e tende a ampliar a

sujeição da subjetividade docente aos interesses do capital e a alienação em relação ao seu

trabalho. Associa-se isso o refluxo do movimento sindical, também comum a outros setores da

classe trabalhadora.

A reestruturação do trabalho acadêmico, o esvaziamento material e cultural da Universidade pública, a diferenciação e hierarquização dos docentes, enfim, a ofensiva neoliberal impôs, na década de 90, a desmobilização e o recuo defensivo do movimento docente (LEMOS, 2010, p.36).

Entre os docentes, Lemos (2010) demonstra variadas posições em relação à participação e

percepção do movimento sindical que vão desde a rejeição à discussão política até a assunção de

um papel político limitado ao exercício profissional, constituindo uma nova concepção de

militância fora da participação de órgãos de classe ou partidos políticos.

[...] ao se afastarem da militância, buscaram construir um papel como professor, que pudesse se aproximar desse papel militante. Essa aproximação inclui a dimensão de ser um “observador crítico”, “um apoiador da decisão coletiva da greve” e a “assessoria a organismos sociais, por intermédio de uma visão crítica da realidade”. Por outro lado, as assembléias, Congressos e Encontros contam com um número cada vez mais reduzido de professores para a deliberação do movimento docente, o qual termina sendo criticado por aqueles que não comparecem às atividades políticas do movimento (LEMOS, 2010, p.36).

Essa situação é ainda pior entre os novos professores que, sem experiência política

anterior já ingressam nas universidades com grande condicionamento aos valores neoliberais.

Silva Júnior et al (2010) apontam ainda que a atividade imaterial, como a exercida pelos

docentes, caracteriza-se pelo limite pouco perceptível, sobretudo quando é um trabalho

superqualificado que dá prazer ao trabalhador. Esse elemento, associado ao enfraquecimento das

organizações de classe e a retórica de adesão típica da reestruturação produtiva levam a um

excesso de trabalho que pode significar um aumento da incidência de doenças mentais ou

somáticas na categoria. Ao mesmo tempo a mercantilização do conhecimento faz com que toda

essa sobrecarga de trabalho esteja cada vez mais a serviço do capital e não da maioria da

população, com a mediação do Estado.

Mas mesmo com toda a propaganda da expansão de vagas nas universidades federais,

como vimos às custas da sobrecarga do trabalho docente, os dados do INEP demonstram que

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durante o governo Lula o percentual de vagas públicas em relação ao total não aumentou, pelo

contrário. O total de vagas no ensino superior cresceu entre 2002 e 2008 46%, sendo que as

vagas nas universidades federais cresceram apenas 20,9%, e o total de vagas públicas 21,1%.

Tabela 10. Crescimento das matrículas na graduação presencial entre 2002 e 2008

   Privadas 

Aumento das  vagas 

privadas  

Públicas Aumento das 

vagas públicas  

Total 

Aumento do  

total das  vagas 

Participação das vagas públicas no 

total  2002  2.428.258     1.051.655     3.479.913     30,2% 2003  2.750.652  13%  1.136.370  8%  3.887.022  12%  29,2% 2004  2.985.405  9%  1.178.328  4%  4.163.733  7%  28,3% 2005  3.260.967  9%  1.192.189  1%  4.453.156  7%  26,8% 2006  3.467.342  6%  1.209.304  1%  4.676.646  5%  25,9% 2007  3.639.413  5%  1.240.968  3%  4.880.381  4%  25,4% 2008  3.806.091  5%  1.273.965  3%  5.080.056  4%  25,1% 

Fonte: Censo do Ensino Superior – INEP 2008 – Elaboração Própria

Em entrevista para o Jornal Valor Econômico, em julho de 2010, o reitor da UFRJ,

Aloísio Teixeira, chamava atenção de que apenas 13% dos jovens entre 18 e 24 anos estavam

matriculados em cursos superiores no Brasil, quando a média da América Latina é de 32% e da

Europa de 60%. Afirmava que, mesmo que o número de vagas nas universidades federais

dobrasse até 2012, o que está colocado pelas metas do REUNI, esse percentual aumentaria muito

pouco. Primeiro porque o número de vagas federais é pequena comparada com o total do ensino

superior no Brasil. Em 2008 a divisão das vagas era conforme o gráfico 5.

Gráfico 5

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Vagas oferecidas nas Instituições de Ensino Superior em 2008. Dados: Censo do Ensino Superior – INEP - 2008– Elaboração Própria

Em segundo lugar o resultado da expansão é que alunos que hoje estão no ensino privado

migrarão para o ensino público. Para Teixeira o assustador é que o número de vagas oferecidas

no ensino superior em 2010 é equivalente aos formandos no ensino médio. Isto quer dizer que é

durante o ensino médio que ocorre o maior estrangulamento na progressão ao ensino superior, já

que grande parte dos estudantes não se forma nesse nível. Outro problema é o enorme número de

vagas privadas que além de mais baixa qualidade, ficam ociosas porque os estudantes pobres não

podem pagar suas mensalidades.

Todos esses dados colocam a nu que as necessidades postas para uma mudança no ensino

superior brasileiro que supere a marca da privatização e se amplie para os 30% de jovens no

ensino superior até 2011, meta do PNE, não será garantida sem uma ampliação radical de

recursos públicos, concursos públicos e garantia de mecanismos públicos de gestão, o que o

REUNI está longe de garantir.

3.4 Redução da evasão e políticas de permanência para os estudantes

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A meta global dois do REUNI é a elevação da taxa de conclusão média dos cursos de

graduação presenciais para 90%.

A medida da taxa de conclusão dos cursos de graduação é dada pela média entre os

diplomados em determinado ano e a quantidade de vagas oferecidas 5 anos antes. Mede,

portanto, segundo os parâmetros estabelecidos pelo MEC no documento “Diretrizes do REUNI”,

não diretamente as taxas de sucesso, mas em que medida a universidade é eficiente na ocupação

de vagas ociosas decorrentes do abandono dos cursos. Em última análise, para esse indicador

nada importa se os estudantes ingressos no Vestibular concluíram seu curso, e sim se a

universidade consegue substituir os alunos que abandonaram seus cursos com eficiência. Por isso

tanto se fala no REUNI da mobilidade estudantil (sem excluir a possibilidade da transferência de

universidades privadas para públicas), na flexibilização dos currículos e no uso de “práticas

pedagógicas modernas e o uso intensivo e inventivo de tecnologias de apoio à aprendizagem”

(DIRETRIZES DO REUNI, 2007, p.10), traduzindo: educação à distância.

A tabela 11 demonstra as taxas de conclusão na graduação previstas pelo REUNI na UFF

e na UFRJ. Percebe-se que a UFRJ sai de uma taxa de conclusão mais alta, o que significa que,

para alcançarem o mesmo objetivo de 90% num mesmo período de tempo, a UFF terá que

empreender um maior esforço. Em todas as metas fixadas, desconsidera-se que as universidades

saem de patamares iniciais diferentes. É importante considerar também, que taxas de

conclusão de 90% são bastante altas se, por exemplo, compararmos com as taxas dos países da

OCDE, que eram de 70% em 2007 (OCDE, 2008, .p76).

Tabela 11– Comparação das metas de taxa de conclusão do REUNI entre UFF e UFRJ

Taxa de conclusão da graduação 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2017

UFF 64% 68% 71% 71% 87% 90% 90% UFRJ 78%  81%  87%  90%  92%  106% 88% 

Fonte: Acordos de Metas UFF e UFRJ– REUNI– Elaboração Própria

Outra diretriz apontada é a disponibilização de mecanismos de inclusão através da

assistência estudantil. Em dezembro de 2007, no rastro do REUNI, o governo instituiu através da

Portaria Normativa nº 39 do MEC o Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), a

ser implementado a partir de 2008. O programa considera “a centralidade da assistência

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estudantil como estratégia de combate às desigualdades sociais e regionais, bem como sua

importância para a ampliação e a democratização das condições de acesso e permanência dos

jovens no ensino superior público federal” (Portaria nº39). Entende assistência estudantil como:

moradia, alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e

apoio pedagógico. Suas despesas correriam através de dotações orçamentárias ao Ministério da

Educação que faria a descentralização dos recursos.

Observando os dados de descentralização temos que em 2008, primeiro ano do programa

foi pactuado R$4.613.802,95, segundo o Relatório de Gestão da UFF de 2008. Segundo o

mesmo Relatório só foram repassados R$120.265,85, 3% do previsto. Na UFRJ aconteceu o

mesmo. O Relatório de Gestão dessa universidade explica que isso decorreu do atraso nos

repasses que só saíram em dezembro. No caso da UFRJ dos R$ 11 milhões acordados para 2008,

R$ 7 milhões tiveram que ser devolvidos por insuficiência de tempo até para o empenho. Em

2009 não constam repasses do programa nos Relatórios de Gestão de nenhuma das duas

universidades denotando que o PNAES, na prática, ainda não existiu.

Em 19 de julho de 2010 o PNAES, que era uma portaria do MEC, foi transformada no

decreto presidencial nº 7234. No decreto foram relacionados os objetivos do programa que são:

I- democratizar as condições de permanência nas IFES; II-minimizar os efeitos das

desigualdades sociais e regionais na permanência e conclusão da educação superior; III-reduzir

as taxas de retenção e evasão; e IV-contribuir para a promoção da inclusão social pela educação.

Na alínea IV fica claro que a assistência estudantil é estratégica para difundir a educação

superior como possibilidade de ascensão social e para buscar coesão social apor meio das

promessas da educação.

Outra mudança trazida pelo decreto é a inclusão dentro das ações de assistência estudantil

do acesso, participação, desenvolvimento e aprendizagem para estudantes com deficiências ou

superdotação.

Outra diferença importante em relação a portaria original é que, apesar de manter os

critérios de seleção dos beneficiados sob responsabilidade das IFES o decreto determina de

forma mais detalhada os estudantes que devem ser prioritariamente atendidos. Enquanto a

portaria dizia apenas que os estudantes deviam ser “prioritariamente selecionados por critérios

sócio-econômicos” (art.4º) o decreto aponta que devem ser atendidos “prioritariamente

estudantes da rede pública de educação básica ou com renda familiar per capita de até um salário

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mínimo e meio” (artigo 5º). Ou seja, o governo aparenta garantir autonomia às IFES, mas

determina critérios focalizados extremamente rebaixados para o acesso às ações de assistência

estudantil.

Apesar de não ter havido, até o momento, uma rubrica específica no orçamento para o

Plano de Assistência Estudantil, é inegável um aumento significativo das verbas para o programa

de assistência ao estudante no orçamento das universidades93. Comparamos o ano de 2002, ainda

no governo Cardoso, com 2006 e 2007, antes do REUNI quando ainda não se notam aportes

significativos e os anos de 2008 e 2009, quando ocorrem os maiores aumentos. Para o ano de

2010 estão autorizados mais de 300 milhões para o programa no total nacional, dividido entre

todas as IFES.

Ainda que o orçamento executado entre 2002 e 2009 pelo programa tenha crescido 9

vezes, o aumento não é tão exorbitante se considerarmos que ocorre em meio a um processo de

expansão das matrículas nas universidades federais É importante ainda reforçar que a

comparação se dá com patamares anteriores baixíssimos, sem qualquer recurso de investimento

para ampliação da assistência estudantil então existentes.

Gráfico 6

Orçamento do programa Assistência ao estudante de graduação no total das IFES. Fonte: Siga Brasil – Senado Federal – Corrigido pelo IGP-DI– Elaboração Própria.

93 Apesar de nesse programa também ser notável a dificuldade de execução do orçamento. Aprofundaremos esse ponto na próxima sessão do trabalho.

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No seu documento de balanço do REUNI (ANDIFES, 2010), a ANDIFES aponta as

políticas que estão sendo implementadas para redução da evasão e, em separado, políticas de

assistência estudantil.

Nas políticas de redução da evasão destacam-se a ampliação de bolsas, a flexibilização

dos currículos, ampliação da mobilidade entre os cursos, melhoria geral na infraestrutura de

laboratórios e bibliotecas, ampliação de atividades de reforço e tutoria, ampliação dos cursos

noturnos e utilização de EAD. As atividades de assistência estudantil são genericamente

apresentadas contando com: reforma e ampliação de moradias estudantis, ampliação e

construção de novos restaurantes universitários, distribuição de passes para transporte, ampliação

na assistência à saúde dos discentes associado a atividades de esporte e lazer e inclusão digital,

com ampliação do acesso dos alunos a computadores. Destaca-se, ainda, que em todas as áreas

algumas universidades optam por bolsas: Bolsa Moradia, Bolsa Alimentação, Bolsa Transporte,

Bolsa Permanência. Bolsas que diferem das acadêmicas pela sua característica eminentemente

assistencial e focalizada. Essa lógica tira do debate a universalização da assistência estudantil por

meio de ações como a ampliação de infraestrutura (moradia, restaurantes) das universidades

associadas a ampliação de direitos como o passe livre para estudantes universitários no

transporte público, por exemplo.

Sobre a ocupação de vagas ociosas que, como mencionamos, é o verdadeiramente central

para as metas do REUNI, o documento aponta que as IFES estão reformulando seus

regulamentos para otimizar mecanismos como: rematrícula, reopção, transferências, ingresso

como portador de diploma superior, mudança de curso e mudança de turno. Além dessas

modalidades, 4 universidades destacaram o Novo ENEM como mecanismo de ocupação de

vagas.

O Novo ENEM é uma reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio, que passou a

ser, a partir de 2009, uma forma de seleção unificada para as universidades públicas e privadas.

Os objetivos seriam democratizar o acesso às vagas, ampliar a mobilidade acadêmica e induzir

reestruturações no currículo do ensino médio. Segundo o site do MEC, as universidades teriam

autonomia para optar por quatro possibilidades na utilização do ENEM: como fase única, como

primeira fase, combinado com o Vestibular próprio da instituição, ou para ocupar as vagas

remanescentes do Vestibular. Ao mesmo tempo o MEC busca ter o poder de centralizar os

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currículos do ensino médio e o perfil esperado dos candidatos ao ensino superior e, além disso,

unificar as vagas de ingresso nas universidades numa mesma lista o que possibilitaria, segundo

ele, maior mobilidade dos estudantes e menor número de vagas ociosas.

A redução de vagas ociosas é uma preocupação maior para universidades privadas que

registraram 55% de ociosidade das vagas oferecidas em 2008 (INEP, 2008). As universidades

federais registraram apenas 4% de ociosidade, o dobro de 2007 quando era de 2%,

provavelmente por causa da expansão verificada de 9,3% de vagas oferecidas em 2008.

No seu primeiro ano em 2009, segundo o sítio do MEC, a seleção unificada contou com

800 mil candidatos inscritos dos 2,5 milhões que fizeram a prova do ENEM. Preencheram-se

85% das vagas federais oferecidas, sendo as 7 mil vagas sobrantes destinadas para políticas

afirmativas ou para o segundo semestre. Na lista de espera havia ainda 136 mil candidatos.

Outro balanço foi o aumento da taxa de mobilidade. Antes apenas 1% dos candidatos saia

do seu Estado para cursar universidades federais. Em 2009, verificou-se uma taxa de 25%. No

entanto, o Estado que mais exportou alunos foi São Paulo, o Estado mais rico da federação.

Ainda há poucos dados sobre a mobilidade estudantil que possam determinar se a lógica do

Novo ENEM tira as poucas vagas dos candidatos dos Estados mais pobres para estudantes mais

bem preparados e capazes de custear seus estudos do sul e do sudeste, ou se, ao contrário, haverá

mais oportunidades para estudantes do norte e nordeste, onde há menos vagas. Sendo São Paulo

o Estado que mais exportou estudantes em 2009, a primeira hipótese, desde já, apresenta-se

como a mais provável. No entanto, Ministro da Educação, alegava no site do MEC, que o mesmo

ocorreu devido a pouca oferta de vagas públicas em São Paulo, fato que deve ser levado em

consideração (MEC, 2010a).

No final de 2009, na repactuação do MEC com as universidades dos recursos REUNI, o

Novo ENEM passou também a ser critério para recebimento de recursos, no caso de assistência

estudantil. Mais uma vez o MEC utiliza a atrelamento do financiamento a sua política, limitando

a autonomia das universidades. Segundo essa nova matriz de distribuição de recursos, as

universidades que utilizarem integralmente o ENEM para sua seleção receberão 100% dos

recursos de assistência estudantil, as que utilizarem o Novo ENEM para 50% das suas vagas

receberão 75% dos recursos, 50% dos recursos para as que utilizarem parcialmente o ENEM e

apenas 25% dos recursos para demais casos.

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3.5 Um novo padrão de financiamento?

Amaral (2003) aponta quatro modelos possíveis de financiamento que são utilizados no

ensino superior: o financiamento incremental, o financiamento por fórmulas, o financiamento

contratual e o financiamento por subsídios às mensalidades dos estudantes. Para o autor as quatro

metodologias enquadram-se na filosofia eficientista e economicista do neoliberalismo, pois não

baseiam-se em uma análise das necessidades das instituições. Negam também, portanto, o

contido no artigo 55 da LDB que prevê que cabe a União recursos suficientes para a

manutenção e desenvolvimento das IFES.

As IFES hoje se utilizam dos três primeiros modelos. O financiamento incremental

determina que os recursos financeiros de um ano baseiam-se no ano anterior, um valor que é

definido pelo governo e aprovado pelo legislativo, sem a participação das instituições. É esse o

modelo adotado até hoje no que tange ao orçamento global destinado pelo MEC às IFES.

O financiamento por fórmulas acontece por meio do estabelecimento de variáveis e

indicadores que, através de fórmulas matemáticas, vão determinar ao fim um percentual que

deve se destinar a cada instituição. Até 1994 não havia critérios públicos de distribuição de

recursos entre as universidades federais. A partir desse ano o decreto 1286 do MEC passa a

determinar parâmetros baseados no número de alunos, na área da instituição, e nos gastos dos

anos anteriores para definir a distribuição dos recursos. Além desses critérios que pretendem

medir as necessidades, são levados em consideração critérios de desempenho como a avaliação

da pós-graduação fixada pela CAPES e a titulação do corpo docente.

Esse modelo deveria ser revisto anualmente, como foi feito em 1999. A partir daí, os

critérios passam a se dividir entre ensino e pesquisa. Como componente de ensino passa a se

considerar basicamente o número de alunos, estimulando a expansão de vagas, e como

componente de pesquisa mantêm-se os mesmos critérios de produtividade da CAPES.

Esse cálculo é conhecido como Matriz ANDIFES, pois é fixado num acordo entre essas

duas partes. A ANDIFES passa a assumir, assim, um papel de reguladora na distribuição do

orçamento.

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A partir de 2004, mudam-se mais uma vez os critérios de distribuição. Essa necessidade

de mudança é justificada pela ANDIFES pelas seguintes críticas ao modelo anterior: estimulava

competição desigual entre as IFES, obrigava ao crescimento de matrículas sem contrapartida de

recursos, desconsiderava investimentos em recuperação, modernização e infra-estrutura.

O novo modelo aprovado teria como princípios: reconhecimento e valorização das

desigualdades entre as IFES, criação de parâmetros que estimulem a redução da evasão e da

retenção, a criação de cursos noturnos, de licenciaturas e de interiorização. Além desses, a

ANDIFES já aponta para um projeto de expansão das universidades a ser construído junto ao

MEC e fala da necessidade de manutenção da qualidade e correção de distorções.

A base do orçamento de manutenção passa a se basear na Unidade Básica de Custeio.

Essa unidade é calculada pela divisão do total de recursos das IFES pelo total da unidade “aluno-

equivalente”, chegando a um valor médio. Cada universidade multiplica esse valor médio pelo

seu total de “alunos-equivalente” chegando ao seu orçamento básico de manutenção. O cálculo

do aluno-equivalente por sua vez baseia-se no total de alunos ativos ponderado pelas exigências

do curso em que estão vinculados94. Outros critérios também são previstos, como o número de

diplomados e a oferta de vagas noturnas, de acordo com os novos princípios da distribuição

(JORNAL DA UFRJ, 2007).

Esse novo modelo foi, na ocasião, duramente criticado pelo reitor da UFRJ, professor

Aluísio Teixeira. Isso porque, na prática, a construção de uma unidade para todas as

universidades, desconsidera a diferença entre elas. Em entrevista para o Jornal da Associação de

Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ADUFRJ) de agosto de 2004, o reitor

denunciava que, enquanto o valor médio, que servia de base para o cálculo da partilha em 2003,

era de R$778,66, o custo médio na UFRJ era de R$ 1.152,78. Isso porque a universidade é uma

instituição de grande porte, com uma infra-estrutura de pesquisa e tecnologia onerosa. Ou seja, o

novo cálculo da matriz ANDIFES passa a beneficiar universidades de ensino, com muitos

alunos, mas com menos estrutura de hospitais, laboratórios e, portanto, menor atuação na

pesquisa e na extensão.

Além do orçamento básico de manutenção, o orçamento das universidades estaria ainda

dividido em: orçamento de qualidade e produtividade que manteria os critérios anteriores com

94 Alunos de cursos como Medicina e Odontologia, por exemplo, teriam pesos maiores, pois têm custos maiores.

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componentes de ensino e pesquisa na proporção de 80% para o ensino e 20% para a pesquisa;

orçamento de equalização que repassaria recursos para investimentos mediante apresentação de

projetos para o MEC; e orçamento de políticas públicas e expansão, também dependente da

negociação de recursos extras.

No decreto 7233, de julho de 2010, prevê-se uma mudança na matriz de distribuição a ser

ainda definida por uma comissão paritária formada por representantes do MEC e da ANDIFES.

Já indica-se, porém, alguns parâmetros para esse distribuição no decreto, quais sejam: número de

matrículas, ingressantes e concluintes na graduação e na pós-graduação, oferta de cursos de

graduação e pós-graduação em diferentes áreas do conhecimento, produção científica,

tecnológica, cultural e artística e seu reconhecimento nacional e internacional, o número de

registro e comercialização de patentes, a relação entre número de professores e alunos, o

resultado no SINAES, a avaliação dos cursos de mestrado e doutorado pela CAPES e a

existência de programas de extensão com indicadores de monitoramento. Esses parâmetros

levam a elaboração de uma matriz de distribuição de recursos atrelada aos critérios fixados pelo

REUNI, aos critérios de produtividade vigentes, à lógica de qualidade fixada pelo SINAES e

pela CAPES e às políticas de inovação do governo. Ganha mais recursos a universidade que

melhor se adequar a política do MEC, ampliando os constrangimentos para que não haja

qualquer resistência das IFES a implementação do projeto do governo, negando mais uma vez a

autonomia universitária e o princípio de que as universidades devem receber recursos suficientes

para suas atividades, e não “prêmios” por seus resultados e, sobretudo pela sua adesão, o que

alimenta o pior da tradição política autoritária brasileira.

Amaral (2003, p.116) atenta para o fato de que essas metodologias criam competitividade

entre as instituições “[...] é preciso lembrar que o bolo financeiro é praticamente o mesmo de um

ano para o outro, e quando uma instituição consegue aumentar a sua fatia é porque outras

instituições, obrigatoriamente, ficaram com porções menores”.

Além desses dois modelos de financiamento, a partir do decreto REUNI em 2006, as

IFES passam, também, a ter um financiamento contratual com o governo federal. Esse tipo de

financiamento caracteriza-se pelo estabelecimento entre a instituição e o Estado de um contrato,

onde a IFES se compromete com determinado programa, ou a atingir determinados objetivos,

recebendo, com isso, uma contrapartida financeira (AMARAL,2003, p.112). No caso do REUNI,

como já mencionado, as universidades através de acordos de metas, assinados com o governo

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federal comprometeram-se com uma expansão de vagas que pode ultrapassar os 100%, como no

caso da UFF, ampliando a relação professor aluno para 1 para 18 e a taxa de sucesso na

graduação para 90%.

Em troca, segundo o documento Diretrizes do REUNI “o valor acrescido ao orçamento

de custeio e pessoal de cada universidade aumentará gradativamente, no período de 5 anos, até

atingir ao final o montante correspondente a 20% do previsto para 2007”. Já os recursos de

investimentos serão distribuídos entre as universidades de acordo com critérios vinculados ao

número de matrículas projetadas. Ou seja, quanto mais aumentam as vagas mais as universidades

receberão recursos. No caso do custeio, a ampliação de 20% em relação a 2007 que se concluirá

em 2012 desconsidera a inflação do período. Além disso, como a expansão de vagas será maior

que 20% em todas as IFES, necessariamente os recursos de custeio por estudante vão se reduzir.

As tabelas abaixo demonstram o total de recursos prometido pelo MEC para o REUNI e o

impacto desses recursos no orçamento de custeio e investimento das IFES no exercício de 2008,

2009 e o autorizado em 2010.

Tabela 12 – Previsão de verbas REUNI do MEC em valores nominais- em milhares de reais.

Previsão de acréscimo orçamentário a partir do decreto n. 6096/ 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Investimento 305.843,00 567.671,00 593.231,00 603.232,00 Custeio/ Pessoal 174.157,00 564.247,00 975.707,00 1.445.707,00 1.970.205,00

Total 480.000,00 1.131.918,00 1.568.938,00 2.048.939,00 1.970.205,00 Fonte: Diretrizes do REUNI, MEC, 2007. Tabela 13 – Recursos totais de custeio das IFES que participam do REUNI:

Custeio 

Total 

  Autorizado  Empenhado  Pago %Empenhado           do Autorizado 

   %Pago      do  Autorizado 

2007  2.498.245.939,49  2.340.388.798,87  2.015.211.742,5            94%         86% 

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2008  2.766.983.894,61  2.485.044.029,31    2.108.587.421,9            90%          85% 

2009  3.194.554.660,81  2.747.939.763,07     2.241.280.337,7            86%          82% 

2010  3.849.358.213,00  ‐  ‐     

 Ampliação 2007 2009 

            28%            17%            11%     

Fonte: Câmara de Deputados– Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração Própria Tabela 14 – Impacto do REUNI no total do orçamento de custeio destinado às IFES participantes do REUNI:

REUNI  Impacto do REUNI no custeio total  Autorizado  Empenhado  Pago  Autorizado Empenhado  Pago   ‐  ‐  ‐       2008  81.173.610,29  74.082.635,29  34.894.599,10  4%  4%  2% 2009  198.882.295,72  196.753.825,41 141.095.206,41 6%  7%  6% 2010  441.359.418,00  ‐  ‐        Fonte: Câmara de Deputados – Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração própria Tabela 15 – Recursos totais de investimento das IFES que participam do REUNI:

Investimento Total 

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   Autorizado  Empenhado            Pago %Empenhado  do Autorizado 

%Pago do Autorizado 

2007           668.737.421,70         608.527.524,84   179.142.445,17  91%  29% 2008       1.216.031.017,40         692.659.559,04     61.480.819,67  57%  23% 2009       1.731.724.002,26     1.554.366.679,59     9.361.472,28   90%  28% 2010       1.865.996.132,01                                   ‐                                       

Ampliação  2006‐2009 

                259%               255%              245%       

Fonte: Câmara de Deputados – Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração própria

Tabela 16 – Impacto do REUNI no total do orçamento de investimento destinado às universidades federais:

REUNI Impacto do REUNI no investimento total 

   Autorizado  Empenhado  Pago          2008     256.394.726,00        122.593.498,00         5.254.423,00  10%  5%  0,27% 2009     964.850.939,00        835.465.584,00     208.044.724,00  63%  61%  54% 2010     944.698.504,00         53%        Fonte: Câmara de Deputados – Corrigidos para valores de janeiro de 2010 pelo IGP-DI – Elaboração própria

As tabelas revelam que no primeiro ano do REUNI os recursos autorizados pelo governo

ampliavam o orçamento total de custeio das universidades em 28% e ampliaram 2 vezes e meia

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os patamares de investimento verificados em 2007, antes do REUNI. No entanto, as tabelas

também revelam as dificuldades encontradas nas IFES para gastar esses recursos.

No caso do custeio, em 2008, 94% do autorizado foi empenhado e desse empenho 86%

dos recursos foi executado durante o ano, ficando o que sobrou nos restos a pagar do ano

seguinte. Os 6% que não foram sequer empenhados, voltaram para os cofres da União, num total

de cerca de 200 milhões de reais. Essa quantia é bastante alta. Para se ter um parâmetro o maior

orçamento executado de custeio no ano, o da UNB, foi de 309,2 milhões de reais e o segundo

maior, da UNIFESP foi de 132,8 milhões de reais, quase a metade do total devolvido pelas IFES.

O caso do investimento é ainda pior. Em 2008, 43% do orçamento total não foi sequer

empenhado voltando para o MEC. Dos recursos empenhados em 2007 e 2010 apenas 30% foi

efetivamente executado ficando todo o restante nos restos a pagar, o que explica atrasos nas

obras que deveriam garantir a infraestrutura da expansão.

Como as universidades não têm conseguido gastar os recursos, nos anos subseqüentes a

2008 os repasses do MEC começaram a reduzir, ficando abaixo do que estava fixado nos acordos

de metas.

Tabela 17- Repasse do REUNI para a UFRJ entre 2007 e 2010 – Em milhares de reais95 

      2007  2008 

Diferença entre o 

acordo e o autorizado

2009

Diferença entre o 

acordo e o autorizado 

2010 

Diferença entre o 

acordo e o autorizado

Custeio     17,79    54,41   93,02   Previsto no Acordo de Metas  Investimento     28,77    28,77   29   

Custeio     11,52  ‐35%  32,96 ‐39%  34,64  ‐63% Autorizado na LOA  Investimento  17,26  11,51  0%  17,34 ‐40%  20,3  ‐30% 

Fonte: Siga Brasil – Elaboração Própria

95 Os recursos de 2007 são um adiantamento dos recursos de 2008. Se somados os recursos de investimento de 2007 e 2008 são exatamente os 28,77 milhões previstos no acordo de metas.

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Tabela 18 - Diferença entre o Acordo de Metas e o repasse anual pela LOA do REUNI: total entre 2007 e 2010 na UFF

Total Repasse REUNI 2007‐2010 Acordado  Autorizado  Diferença Faltam     168.956.671,27                89.234.396,74  ‐47%           79.722.274,53  Fonte: Acordo de Metas, LOA 2010 e Siga Brasil – Elaboração própria

A pergunta óbvia que surge a partir dessa constatação é: se as universidades vivem uma

situação de subfinanciamento há anos, porque quando surgem maiores recursos elas devolvem

esses recursos ao MEC? Algumas hipóteses podem ser levantadas. O reitor da UFRJ, professor

Aluísio Teixeira, alegava em reunião com a ADUFRJ em setembro de 2009, que a universidade

não contava com um corpo de técnicos capazes de preparar os projetos de novas instalações

físicas, obrigando a universidade a licitar a elaboração dos projetos e a execução e a fiscalização

das obras, o que tornava o processo muito demorado. Ainda que elementos como esse possam

ser parte da explicação, a situação se remete aos limites da autonomia da gestão financeira das

universidades.

Foi em 2007 que os primeiros aportes financeiros do REUNI começaram a ser repassados

para as universidades que tiveram aprovados seus projetos. Os recursos de 2007 foram

adiantamentos dos recursos de 2008, ano no qual iniciava-se efetivamente o REUNI e não

entraram nas unidades orçamentárias desde o início do ano, sendo repassados por transferência

no segundo semestre.

No já citado acórdão 2731 de 2008, que tratava da relação entre universidades e

fundações de apoio, o TCU constatou que todos os recursos de investimento repassados para as

IFES em 2007 foram empenhados em nome das fundações de apoio96, o que também pode ser

confirmado na leitura dos Relatórios de Gestão das IFES. Assim, o TCU, dá destaque aos

recursos do REUNI, proibindo que eles sejam empenhados em nome das fundações. Reafirma

que a compreensão de “desenvolvimento institucional” adequada à Constituição exclui obras e

serviços de engenharia que, portanto, não devem ser executados por fundações de apoio. Com

isso as universidades perdem o recurso da “autonomia às avessas”, isto é, burlar as dificuldades

impostas pela legislação por meio da privatização dos recursos via fundações de apoio. Se em

96 Isso também pode ser visto claramente no gráfico 1 deste trabalho. Nota-se pelo gráfico o crescimento vertiginoso de repasses financeiros das IFES para as fundações em dezembro de 2007.

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2008 o empenho em nome das fundações pudesse ser feito, provavelmente as universidades

teriam recorrido a esse expediente, não devolvendo o dinheiro aos cofres do MEC. A

conseqüência disso, porém, seria que todas as ações de investimento do REUNI seriam

realizadas sem licitação, sem controle do poder público, o que poderia levar a esquemas de

corrupção e desvio de recursos, além da perda de recursos REUNI que seriam pagos às

fundações a título de taxa de serviço, taxas que, apesar de consideradas ilegais pelo TCU,

continuam existindo e oscilam entre 5% e 10%.

A solução seriam mudanças na legislação, garantindo dotações globais para as

universidades e repasse dos recursos não utilizados para anos ulteriores, o que afirmaria uma

autonomia da gestão financeira de fato.

Apesar das mudanças na execução orçamentária trazidas pelo decreto 7233/2010, para

receber os recursos perdidos, sobretudo de investimentos, nos decorrer dos primeiros anos do

REUNI as universidades terão que executar os recursos empenhados, empenhar a totalidade dos

recursos de 2010 e 2011 e aí então reivindicar novos aportes que constavam nos acordos de

metas. Dependem, então, das garantias verbais da prorrogação do recebimento de recursos feito

pelo MEC, em meio a uma mudança de governo, que pode mudar os rumos do Ministério. O

próprio ministro Fernando Haddad, num lapso de sinceridade, declarou em 10 de agosto desse

ano, durante inauguração de novo prédio da UNB, que os recursos do REUNI estão esgotados e

que seu sucessor vai precisar buscar novas fontes de recursos para dar continuidade ao programa

(JORNAL DA ADUFRJ, 14 de setembro de 2009).

Mas se fossem executados até o fim, os recursos do REUNI seriam suficientes para

resolver os problemas históricos das universidades e garantir uma expansão com qualidade?

Independente das situações particulares das universidades é importante reafirmar que um

incremento de 20% no orçamento de custeio para uma expansão de estudantes que pode chegar a

mais de 100% é, na prática, não uma ampliação de recursos mas, ao contrário, uma redução do

orçamento de custeio por estudante.A ampliação de pessoal é também, como já analisamos, na

prática, uma redução, já que vai se ampliar o número de estudantes por professor. Portanto, ainda

que haja uma ampliação absoluta dos recursos, há uma redução relativa dada a expansão de

vagas e de cursos exigida pelo REUNI.

Mas vejamos o caso da UFRJ. A universidade acumula historicamente, todos os anos,

déficits no seu orçamento de custeio e de investimento. Em 2008 houve uma redução desse

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montante, mas em 2009, apesar dos recursos REUNI, a dívida anual voltou a subir, como

exposto na tabela 17.

Tabela 19 – Dívida anual da UFRJ – Custeio e Investimento

Dívida UFRJ ‐ Custeio e Investimento 

2006 19.656.351,12 2007 41.824.805,64 2008 11.338.967,24 2009 30.483.720,00

Fonte: Dados da PR-3 UFRJ corrigidos pelo IGP-DI– Elaboração Própria

Dessa dívida 13,4 milhões referem-se a unidade orçamentária UFRJ97. O que mais chama

atenção na composição do déficit são 5 milhões referentes a serviços de energia elétrica

remanescente de 2008, 5,3 milhões referentes a auxílio financeiro a estudantes/ bolsas e 4,4

milhões referentes a pagamento de terceiros e obrigações tributárias e contributivas, isto é, a

funcionários terceirizados.

O restante da dívida foi contraído pela unidade orçamentária do complexo hospitalar da

UFRJ e refere-se ao gasto com “outros serviços terceiros pessoa física HU” da ordem de 15

milhões e “obrigações tributárias e contributivas HUs” da ordem de 3 milhões de reais.

Ou seja, a falta de pessoal concursado onerou o custeio da universidade que teve que

contratar e pagar pessoal com esses recursos, somando um total de 22,4 milhões do déficit de

2009.

Na proposta orçamentária para 2010, apresentada pela reitoria da universidade no

Conselho Universitário de 9 de dezembro de 2009, chama atenção que o esforço de ampliação do

orçamento é maior em recursos próprios, ou seja, arrecadado por convênios e contratos pela

universidade, do que em recursos provenientes da União.

Tabela 20 – Orçamento executado em 2009 e previsto para 2010 na UFRJ, por fonte

97 A partir de 2009 os hospitais universitários passaram a ser unidades orçamentárias separadas das universidades. No caso da UFRJ, criou-se o complexo hospitalar, unidade orçamentária que reúne todos os hospitais e unidade de assistência à saúde da universidade.

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Comparação 2009-2010 por fonte (custeio+capital)

2009 2010 Aumento

Tesouro 174.998.637,50 199.619.693,00 14,07%

Receita Própria 21.658.609,98 26.856.133,00 24%

Fonte: PR- 3 UFRJ – atualizado para 2010 com a previsão de inflação do Banco Central de 4,4%.– Elaboração Própria

Passemos à questão dos investimentos. Concomitante à implementação do REUNI na

UFRJ, a universidade aprovou um Plano Diretor que propõe uma reordenação espacial na

universidade, na expectativa de concentrar todas as unidades da cidade do Rio de Janeiro no

campus do Fundão, acabando com as atividades acadêmicas nos demais campi98. Sem entrar em

todos os aspectos políticos da proposta, não há dúvida no Plano Diretor da necessidade de uma

significativa ampliação de prédios para atividades acadêmicas, bibliotecas, alojamentos e

restaurantes estudantis, bem como infraestrutura de transporte, comunicação entre outros, para

comportar a transferência das unidades associada à expansão exigida pelo REUNI.

A única fonte de recursos apresentada no Plano Diretor da universidade são os recursos

do REUNI. A comparação entre os recursos previstos pelo acordo de metas do REUNI e os

necessários para a execução do Plano Diretor demonstram que os recursos REUNI são

insuficientes (tabela 19) Sem mencionar as dificuldades na execução, o que coloca em risco,

conforme já exposto, que os recursos de investimento sejam recebidos em sua totalidade.

Tabela 21 – Comparação entre recursos previstos pelo REUNI e necessários ao Plano Diretor na UFRJ

Total Investimento (exceto projetos)  Valor  

Recursos garantidos REUNI  115.106.225,00 

Expansões acadêmicas com valores definidos  84.651.745,45 

98 Os campi da Praia Vermelha e do Colégio de Aplicação, na Zona Sul da cidade, da Faculdade de Direito, da Escola de Música e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, no Centro, teriam novas funções não muito especificadas no Plano Diretor. Em linhas gerais propõe-se a construção de centros culturais nesses espaços.

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Restaurantes e residências (exceto a FAU/ EBA/IPPUR)  43.110.241,22 Equipamentos e 

mobiliário  5.572.617,00 Infraestrutura e instalações  7.572.075,56 

Total de recursos para o Plano Diretor  140.906.679,23 

Situação de recursos  ‐25.800.454,23 

Fonte: Plano Diretor UFRJ e Acordo de Metas– Elaboração Própria

Os dois exemplos do déficit de custeio anual e da insuficiência de recursos e indefinição

de fontes para a implementação do Plano Diretor, no caso particular da UFRJ, demonstram que

os recursos do REUNI continuam não sendo recursos suficientes para a manutenção e

desenvolvimento das IFES. Para realizar seu Plano Diretor, a UFRJ vai ter que expandir sua

capacidade de captação de recursos próprios, o que evidencia que os novos aportes de recursos,

tão festejados, não significaram uma virada nos problemas de financiamento das universidades.

Dados todos os atrasos e dificuldades de execução dos recursos, em agosto de 2009 o

MEC propôs critérios de repactuação dos recursos REUNI para 2010 e 2011. Essa repactuação

adicionaria mais 1,2 bilhões aos recursos REUNI para custeio e pessoal, metade da ampliação

original de 20%, ou seja, um aumento de um terço sobre os recursos de 2007. Deve-se descontar

desses novos aportes, porém, a inflação de 21% acumulada desde o início de 2007, pelo índice

IGP-DI, que foi desconsiderada quando se fixaram os recursos anuais que deveriam ser

repassados às universidades. Essa ampliação de 50% dos recursos originais corrige, portanto,

essa inflação e deve, ainda, levar em conta a inflação de 2011 e do segundo semestre de 2010. O

acréscimo real de recursos nessa repactuação é, assim, pequeno em relação ao valor inicial do

programa.

Todos esses dados nos levam a crer que houve uma mudança na lógica de financiamento,

que passa a ser contratualizada, o que além de ser um golpe (mais um) na autonomia

universitária segue não garantindo os recursos necessários às universidades, no sentido inscrito

na Constituição Brasileira.

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Os recursos de investimento são insuficientes para as necessidades de expansão e os

recursos de custeio ampliados em 20% em universidades que pretendem dobrar o número de

alunos significam, na prática, uma redução proporcional de recursos, ainda que nominalmente

tenham se ampliado.

Além disso, e talvez o mais importante, é que a lógica da distribuição dos recursos do

fundo público brasileiro não se alterou, seguindo sendo desviada para o capital financeiro, o que

faz com que o aumento do PIB não se reflita na ampliação de recursos para as universidades.

Com isso não há qualquer garantia de que os recursos prometidos cheguem, já que o

financiamento público das universidades públicas continua não sendo prioridade

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4 CONCLUSÃO

Balanço parcial do REUNI: à guisa de conclusão.

Esse trabalho foi concluído no fim do primeiro semestre de 2010. Considerando que o

primeiro adiantamento de recursos do REUNI foi realizado em 2007 e que o primeiro ano oficial

do programa foi em 2008, ainda é cedo para termos dados conclusivos sobre o que de fato

mudou nas universidades federais após sua implementação. Os últimos dados centralizados pelo

MEC sobre o ensino superior são do censo de 2008 e os relatórios de gestão das universidades

são de 2009. Ainda temos até 2012 pela frente, em que pese que o resultado das eleições

presidenciais no fim de 2010 pode alterar em diversas gradações os rumos do programa.

Ainda assim, todas as análises parciais não só do REUNI como do conjunto de medidas

da contra-reforma universitária mais recentes, que no governo Lula foram efetivamente

aprofundadas apenas a partir do segundo mandato, demonstram de forma inequívoca que a

ampliação de vagas proposta não altera as características do ensino superior no Brasil, marcado

pela privatização e no período mais recente pelo subfinanciamento das universidades públicas.

A história do ensino superior no Brasil acompanha a trajetória da nossa formação sócio-

histórica. A criação tardia das universidades reflete nossa heteronomia, marca central do papel

do país dentro do capitalismo mundial. O avanço do neoliberalismo como contra ofensiva do

capital reatualiza e reconfigura esse papel.

A contra-reforma universitária recente, ao mesmo tempo em que guarda continuidade

com a “reforma” da ditadura, que pretendia adequar o ensino superior às necessidades do capital

monopolista num país de capitalismo dependente, tem também em relação a ela rupturas. Agora,

a contra-reforma universitária pretende atender não só aos interesses do capitalismo central

imperialista, mas, ao capitalismo neoliberal reestruturado que avança sobre os direitos dos

trabalhadores e sobre o fundo público dos países para garantir sua sobrevida em meio a crises

estruturais cada vez mais frequentes.

Assim, as universidades públicas, mais do que nunca, se mercantilizam no mesmo

processo pelo qual passam as demais políticas sociais, geridas e financiadas num mix público-

privado. Ao mesmo tempo, o governo injeta cada vez mais recursos públicos em universidades

privadas para favorecer classes proprietárias que como diz Oliveira (2010, .p46) “não as

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chamemos de burguesia, que era até uma designação honrosa – seus maiores protagonistas não

passam de gangsters, que aparecem também no noticiário policial pelos golpes contra seus

concorrentes, por via do fundo público”.

Além desses processos, que garantem maiores lucros ao capital de forma imediata com a

abertura de novos espaços de valorização, a universidade também é chamada a mudar seus

conteúdos para adequá-los às necessidades de produção e, sobretudo, reprodução de inovações

tecnológicas e formação de trabalhadores intelectuais para as necessidades do capitalismo

contemporâneo.

O REUNI, nesse contexto, só tem aprofundado uma lógica gerencial de gestão com

financiamento por contrato baseado em resultados e metas. Esses mecanismos reduzem ainda

mais o espaço de autonomia universitária, princípio que mesmo que nunca completamente

garantido no Brasil, visa permitir o comprometimento dos interesses da universidade com a

maioria da população e não com o mercado ou o governo. Essa lógica de financiamento e gestão,

perseguida desde o governo Cardoso, que o REUNI generaliza, coloca a universidade pública

brasileira a serviço dos interesses do capitalismo atual, com a facilitação garantida pelo governo.

O financiamento por contrato de gestão funciona como uma chantagem para o conjunto da

comunidade universitária. Ainda que parte dela seja cúmplice consciente das mudanças

promovidas, muitos são levados pela suposta inevitabilidade das adequações e a ilusão da

autonomia, em troca de recursos.

Ao mesmo tempo, a expansão de vagas e de assistência estudantil, ainda que focalizada,

vão servir à coesão social e às ideologias de ascensão social via educação, num período de

agudização das expressões da Questão Social, do desemprego estrutural e da desigualdade. Esse

acesso massificado, todavia, significa uma redução da qualidade defendida pelos movimentos

sociais e inscrita na Constituição de 1988, que é calcada na indissolubilidade entre ensino,

pesquisa e extensão. Também não garante princípios pedagógicos básicos como o ensino

presencial, condições infraestruturais adequadas, professores suficientes. Também é importante

ressaltar, mais uma vez, que ainda que nominalmente haja uma ampliação de recursos

financeiros e concursos públicos o que o REUNI propõe, na prática é uma redução

proporcional do número de docentes nas universidades federais bem como uma redução

proporcional dos recursos de custeio.

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Possivelmente o REUNI não teria sido tão abnegadamente aceito se o governo não fosse

do Partido dos Trabalhadores, com uma figura com tanto lastro de confiança dos setores mais

progressistas das universidades como Lula. Também possivelmente o REUNI não teria sido tão

unanimidade se não estivesse sendo implementado após um período de grande restrição

orçamentária para as universidades federais, como foi o governo Cardoso. Mas é importante não

perder de vista que a ampliação nominal dos recursos, além de desproporcional à expansão

proposta pelo REUNI, só foi possível num período de crescimento econômico que gerou para o

governo “sobras” de caixa. Na análise da relação dos recursos para as universidades com o PIB,

fica claro que não houve qualquer inversão de prioridades no governo Lula, que segue pagando

religiosamente juros e amortizações da dívida pública com o capital financeiro.

Mesmo com todas essas questões, houve, e ainda há ainda que minoritária, resistência à

implementação do REUNI nas universidades, principalmente entre setores do movimento

estudantil e docente. Ainda que o governo tenha jogado alto para cooptação do movimento

sindical e estudantil, a crítica segue viva e as contradições começam a aparecer. Podemos

comparar o REUNI a uma bomba relógio pronta para explodir em 2012, quando as universidades

estiverem ampliadas e sem garantias de financiamento. É dessas contradições, com o

protagonismo dos novos estudantes, técnico-administrativos e docentes, que surgirão novas

resistências e novas mobilizações pela universidade pública, autônoma e socialmente

referenciada na maioria da população. Afinal a história não pára, ou, como diria o poeta: “a

história é um carro alegre, cheia de um povo contente e que atropela, indiferente, todos aquele

que a negue.

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